EXPEDIENTE Direção editorial: Claudiney Ferreira Edição: Rachel Bertol Coordenação: Babi Borghese Produção editorial: Maria Clara Matos Revisão de texto: Lenita Ananias Projeto gráfico e design: Marina Chevrand Ilustração: Arthur D’Araujo Jornalista responsável: Claudiney Ferreira MTB 12742
a p r e s ent a ç ã o //CLAUDINEY FERREIRA núcleo diálogos – itaú cultural 8
pRINCÍPIOS iNCONSTANTES, p//i, como escrevemos, é uma publicação criada a partir da experiência da mesa derradeira do Colóquio Rumos Jornalismo Cultural, de dezembro de 2009. Naquela ocasião, três jornalistas foram provocados a relacionar cinco princípios para a produção de uma publicação de cultura. Os debatedores apresentaram cinco princípios que consideram fundamentais para uma boa revista cultural. Na ocasião, Guillermo González (revista Número, da Colômbia), Matinas Suzuki Jr. (revista serrote) e Luís Antônio Giron (revista Época) subiram ao palco da Sala Itaú Cultural para debate mediado pelo jornalista e escritor José Castello (Castello participa de outra forma na feitura desta publicação, caso que contaremos a seguir). O encontro foi tão produtivo que a direção do Itaú Cultural decidiu para 2010 produzir uma publicação sobre os princípios que fazem o bom jornalismo cultural, segundo seus produtores preferenciais, os jornalistas. Um coisa que levou a outra, que levou à produção de um seminário internacional homônimo, apresentado em dezembro de 2010, quando do lançamento desta publicação, com curadoria de Rachel Bertol, também editora da p//i, portanto, ao se “lincar” ao seminário internacional, segue a trajetória do livro Rumos [do] Jornalismo Cultural, de 2007. Interação e Convergência. Também em dezembro de 2010 são lançadas outras duas publicações tributárias do programa Rumos Jornalismo Cultural. :singular 2, segundo número da revista que apresenta os trabalhos desenvolvidos pelos estudantes selecionados na edição 2009-2010 do programa de formação de estudantes em jornalismo cultural. E o Mapeamento do Ensino de Jornalismo Digital no Brasil em 2010, publicação que sucede ao Mapeamento do Ensino de Jornalismo Cultural no Brasil em 2008, trabalho original e inédito, como o primeiro, desenvolvido pelos selecionados na Carteira Professor do Rumos Jornalismo Cultural. Portanto, p//i está conectada com as outras publicações Rumos Jornalismo Cultural e seus debates – colóquio e seminários
internacionais. Essa rede de atividades normalmente gera uma pergunta de nosso público. Por que uma instituição como o Itaú Cultural investe tempo, criação e recursos para tratar de jornalismo cultural? A resposta mais direta e precisa remete à ideia de sistema da produção cultural, em que o sistema do jornalismo, com suas mídias, narrativas, leitores e jornalistas, faz parte da luta cotidiana de fazer girar a roda da produção cultural de um país. Portanto, jornalismo cultural e jornalistas de cultura fazem parte do trabalho de uma instituição como o Itaú Cultural. Mas não só por isso mantemos um programa como o Rumos Jornalismo Cultural. Com as possibilidades digitais, cada vez mais criar, produzir e veicular informações culturais se confunde com a própria expressão artística. Uma significativa transformação está ocorrendo na forma como leitores, telespectadores, internautas etc. descobrem e praticam arte e cultura. E tudo isso sem deixar de lado ou esquecer as boas e tradicionais formas de expressão jornalística. Como ponto de chegada da resposta (mas não do debate, que continua aberto), vale destacar que o programa de jornalismo cultural da instituição tem uma vida de buscas, tentativas e riscos. Nada é em si. Uma atividade deve surgir de outra, que foi criada por outra, que se relaciona com uma terceira ou quarta. Interseções, interações, convergências, conectividade, sinergias… conceitos fundamentais para a produção de um programa cultural, segundo nosso pensamento. Em tempo: Sobre a participação de José Castello na construção desta obra. O título pRINCÍPIOS iNCONSTANTES é dele, Castello. Figurava no alto de seu texto publicado nesta obra. Como gostamos do título e consideramos que ele expressava bem o sentido da obra e também do seminário, fizemos com ele uma troca. Ficamos com pRINCÍPIOS iNCONSTANTES e ele aceitou de bom grado o nosso “Movimento do Desassossego” para seu artigo. Trabalho de edição. Viver é editar.
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Principiar . 13 O b j et o h í b r id o
//Rachel Bertol
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ARTIGOS . 2 4 M O V I M E N T O D O D E SASSOSS E G O
//JOSÉ CASTELLO
O PRINCÍPIO VITAL
//MATINAS SUZUKI JR.
E F E I T O OH !
//LUÍS ANTÔNIO GIRON
A I N T E N ÇÃO D A V I R T U D E P A I X ÃO E C O N H E C I M E N T O
//MARIO HELIO
//GUILLERMO GONZÁLEZ URIBE
26 30 32 36 40
DOSSI Ê REIN V EN Ç Ã O . 4 6
O ILUMINISMO DIGITAL
//CLÁUDIA NINA
A Q U E D A D A BAS T I L HA
//PAULO MUSSOI
UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURa...
//RACHEL BERTOL
O TEX TO NEGOCIÁVEL
//ANA ELISA RIBEIRO
HERMENÊUTICA VISUAL T E I A D A E X T E N SÃO D O M U N D O
//SANTIAGO ORTIZ
//JOSÉ MARCELO ZACCHI
FERMENTO DE LINGUAGENS D A D E V OÇÃO À R E C E I T A
//FÁBIO MALINI
//JOSHUA BENTON
48 56 60 66 70 78 82 85
EN Q UETE - TR Ê S P ERGUNTAS . 9 2 ALMIR DE FREITAS //
LÚCIA GUIMARÃES //
ANTÔNIO CARLOS MIGUEL //
MARCELO COELHO //
CASSIANO ELEK MACHADO //
MÓNICA LAVÍN //
DANIEL SANT’ANA //
PAULO FEHLAUER //
FRANCISCO BOSCO //
RAIMUNDO CARRERO //
HERMANO VIANNA //
RODRIGO NAVES //
HUMBERTO WERNECK //
RODRIGO TEIXEIRA //
JAN FJELD //
SÉRGIO AUGUSTO //
JEDER JANOTTI //
STUART STUBBS //
josé TEIXEIRA COELHO netto //
TICIANO OSÓRIO //
JULIAN GALLO //
UBIRATAN BRASIL //
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P r incipi a r Toda história tem um início – um princípio. E toda história remete a sentidos, versões, contradições. Para entender uma história, há que se depreender seu fio condutor – clarear-lhe o princípio. Toda publicação cultural tem uma história, quase nunca evidente, pois seu objetivo não é simplesmente reportar os fatos, narrar o dia a dia. A publicação cultural só existe atravessada por sentidos, que lhe são designados pelos princípios. A seguir, cinco jornalistas da área cultural elegem cinco princípios que consideram fundamentais para fazer uma boa publicação cultural. Como observa José Castello no primeiro texto desta série, princípios não são “algemas, mas instrumentos de avanço”. Os melhores são os que abrem caminhos, em vez de sufocar. Princípios não são dogmas. Para Matinas Suzuki Jr., o fundamental é manter acesa a alma – o princípio vital. O jornalismo cultural, como diz o colombiano Guillermo Gonzalez Uribe, deve ser praticado com paixão a fim de “tocar as fibras sensíveis do ser humano e penetrar sua alma”. O manejo criativo da linguagem é desejável, para que se dê conta da matéria subjetiva da cultura. Luís Antônio Giron aposta no impacto da surpresa e da beleza, enquanto o jornalista Mario Helio busca inspiração em Gustave Flaubert, cuja “opinião radical”, como diz, serve-lhe de alerta: “Todas as revistas do mundo tiveram a intenção de ser virtuosas. Nenhuma o foi”. Mas o que vem depois é história. O certo é que toda história um dia começa, do princípio.
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O b j et o h í b r id o
//Rachel Bertol
O primeiro passo para estabelecer uma publicação cultural e ser bem-sucedido é definir com clareza qual será a sua identidade
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Na tentativa de mapear as principais características das publicações culturais, ilumina-se uma série de palavras, como faróis na rota de navegação. Entre elas, “ideia”, “tempo”, “estética” e, lá no fim, também referente a cronologia, surge em destaque “futuro”, como a indicar a possibilidade de novos caminhos, para que a viagem se renove. O mar em que se navega é o da cultura, impreciso e caudaloso. E a palavra de maior brilho é também a primeira – “ideia”. Se assim não fosse, o viajante não se lançaria na aventura. A ideia precisa magnetizá-lo, enredá-lo: só com ela, sem jamais a abandonar, será possível completar a travessia. Neste volume de Princípios Inconstantes, também se realiza uma travessia: reportagem, entrevista, artigos e uma enquete oferecem um conjunto de elementos para reflexão – que se quer útil – sobre os rumos e o sentido das publicações culturais. Ideia. Foi com sua grande, porém simples, ideia que Harold Ross lançou em 1925 a revista The New Yorker (http://www.newyorker.com/). “Ross era um homem rude, mal-educado, que perguntava na redação se ‘Moby Dick’ era nome de baleia ou de homem. Mas sabia exatamente o que queria: uma publicação sofisticada e bem-humorada. Detestava o que chamava de ‘tapeação’ e criou uma revista cujo prestígio sempre foi maior que o da circulação”, escreveu o pesquisador e jornalista Thomaz Souto Corrêa no estudo Breve História das Ideias das Grandes Revistas.1 Em entrevista, Souto Corrêa, que é membro do Conselho Editorial e Consultor para Revistas do Grupo Abril e organizador do livro A Revista no Brasil2, observa:
– As grandes revistas cujas fórmulas existem até hoje nasceram sempre da 1
O estudo está disponível na internet em diferentes versões e, segundo Souto Corrêa, deve-se à escassa bibliografia sobre o assunto, especialmente no Brasil. É utilizado como apoio em aulas de cursos universitários e no curso Abril de Jornalismo de Revistas.
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CORRÊA, Thomaz Souto (Org.). A revista no Brasil. São Paulo: Abril, 2000.
ideia de alguém, a partir de uma intuição, sem pesquisa de mercado. O primeiro passo para estabelecer uma revista de cultura é pensar sobre a sua identidade. Sem clareza sobre como se situar no mundo da cultura, naufragase desventurosamente. Nem sempre, porém, a “ideia” de um indivíduo pode ser facilmente realizável por outros. Foi o que ocorreu com Andy Warhol quando criou em 1969 a revista Interview. Sua ideia relacionava-se a seu projeto artístico e, enquanto ele se manteve envolvido, a revista funcionou muito bem e marcou época, com suas insólitas entrevistas de celebridades. Hoje em dia, Interview continua disputando mercado, no entanto sem a aura do passado. – A revista foi mais um aspecto da obra de Warhol e quando ele morreu (em 1987), no meu entender, ela morreu também. Mas as edições das quais participou foram importantes obras de arte de Warhol. A ideia de publicar entrevistas não editadas que chegavam a cem mil palavras é ainda tão radical
que nunca mais se tentou outra vez – afirma o poeta americano Kenneth Goldsmith, que organizou o livro I’ll be your Mirror: The Selected Interviews of Andy Warhol, com 37 entrevistas concedidas pelo artista. – Warhol era sempre o entrevistador, mesmo quando entrevistado – completa o poeta. O caso da Interview – cujas primeiras edições eram produzidas quase artesanalmente, com contribuições dos artistas do círculo de Warhol – é ainda emblemático por lidar com uma confluência importante para a identidade de toda publicação cultural. Ao mesmo tempo experimentação e vanguarda artística, Interview também enfrentou (e enfrenta) as exigências do consumo, com as quais todas as revistas de mercado, como The New Yorker, precisam lidar. Para Warhol – que dizia, numa das suas boutades, que “fazer dinheiro é arte” –, não necessariamente havia contradição entre um e outro caminho, até porque fazia parte da sua obra explicitar as ambivalências da relação com o mercado. Hoje em dia, porém, a internet tem permitido novas combinações desse clássico dilema. Um bom exemplo é a publicação eletrônica UbuWeb (http://www.ubu.com/), criada em 1996 por Kenneth Goldsmith, inspirada nas experiências de vanguarda do século XX. – UbuWeb é um site inteiramente voluntário. Ninguém é pago e não tocamos em dinheiro. Muitas mãos trabalham nele em diferentes partes do globo. As pessoas dão uma contribuição do seu tempo para algo que, na opinião delas, vale a pena construir e compartilhar. Os editores trazem tanto conteúdo novo para o site que não estamos mais abertos a receber material de qualquer um que queira nos enviar. Portanto, UbuWeb não é democrático, nem aberto, e por isso é tão bom. Os editores que tomam as decisões são muito cuidadosos com o que publicam. É o oposto do YouTube nesse aspecto – afirma o publisher.
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No início, o site era dedicado à poesia concreta e visual e, com as tecnologias de banda larga, acrescentou-se áudio à proposta. Aos poucos, Goldsmith percebeu que seria mais interessante ampliar a abrangência do conteúdo:
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– Nós nos tornamos um centro de distribuição e de informação de vanguarda. O site cresceu muito, mas nunca mudamos nossa ideia: distribuir esse material, sem custo, para qualquer pessoa. Hoje em dia, ainda existem boas publicações culturais (em papel) no universo da língua inglesa, como Frieze (http://www.frieze.com/), October (http://www.mitpressjournals.org/ loi/octo) ou Artforum (http://artforum.com/), mas, à medida que o tempo passa, sua antiga importância monolítica diminui bastante, sendo substituída pela vivacidade da internet. Entre as novas criações, o site disponibiliza material de arquivo de antigas publicações de vanguarda, como as edições completas da revista Aspen, dos anos 1960, e todos “os obscuros”, como diz Goldsmith, Great Bear Pamphlets, da mesma década. Também é possível consultar a íntegra dos debates do The Western Roundtable on Modern Art, de 1949, que reuniram nomes como Marcel Duchamp e Frank Lloyd Wright. Tempo. As publicações de vanguarda do século XX, imbuídas de radicalidade para fazer reverberar projetos de cultura e arte, talvez estejam entre as que mais se aproximam do ideal que o filósofo italiano Giorgio Agamben apresentou no ensaio “Programa para uma revista”, publicado como espécie de apêndice na edição de seu livro Infância e História3. Agamben planejava iniciar com o escritor Italo Calvino uma publicação, que nunca se tornou realidade. Porém, ao explicitar seu programa, quiçá utópico, o filósofo indicou uma característica inerente provavelmente apenas às publicações culturais:
A revista, cujo programa é aqui apresentado, faz uma reivindicação de autoridade na medida exata em que se torna consciente da própria situação. Somente na medida em que se atém a uma tal consciência ela pode aspirar, sem arrogância – num tempo que perdeu todo critério que não seja “aquilo de que falam os jornais”, e isto justamente quando “aquilo de que falam os jornais” não tem mais nada a ver com a realidade –, a encontrar em si mesma o critério da própria atualidade. O ponto de vista que ela deseja adotar é, com efeito, tão radical e originalmente histórico que ela pode facilmente renunciar a qualquer perspectiva cronológica e incluir, aliás, entre os seus próprios deveres, uma “destruição” da historiografia literária: o lugar que ela escolhe como 3 AGAMBEN, Giorgio. Infância e história. Belo Horizonte: UFMG, 2005.
morada vital não é nem uma continuidade nem um novo início, mas uma interrupção e uma quebra, e é a experiência desta quebra como evento histórico originário que constitui precisamente o fundamento de sua atualidade.
Liberando-se, portanto, “daquilo de que falam os jornais” e ao mesmo tempo almejando uma atualidade radical – para se referir de fato à realidade –, a publicação cultural penetra em temporalidades subjacentes às do cotidiano. A explicitação desse projeto mantém-se como pano de fundo e sentido de potência para as publicações culturais. A palavra “magazine”, usada na Europa para se referir a revistas, teria surgido porque as pessoas as percebiam como grandes lojas No plano prático, essa característica básica torna possível à publicação cultural “arbitrar” seu tempo, ou sua periodicidade, estabelecendo, por exemplo, se terá edições semanais – no caso da maioria dos suplementos de jornais –, mensais, anuais ou mesmo uma única edição. As variações ocorrem segundo o projeto ou as ideias que as movem. Historicamente, a primeira revista de que se tem registro data de 1663, segundo Thomaz Souto Corrêa, e se chamava Edificantes Discussões Mensais. Era publicada em Hamburgo, na Alemanha, e tratava de diferentes assuntos relacionados à teologia, ou seja, oferecia uma variedade de
pontos de vista do mesmo tema (monotemática). Lembrava o formato de livro das atuais revistas acadêmicas. – Antes de ser artefato, a revista nasceu no mundo das ideias, ligada à teologia. Em seguida houve outras relacionadas à filosofia e à literatura. Não demorou para aparecerem revistas de variedades, ainda no século XVII, e muito tempo depois (no século XIX) surgiram as publicações ilustradas, mais parecidas com o objeto que hoje conhecemos. Há uma característica meio híbrida na revista. Dizem, mas não é possível saber se é verdade, que a palavra magazine, usada nos Estados Unidos e em muitos países europeus para se referir a revista, surgiu porque as pessoas as percebiam como grandes lojas, onde era possível entrar e escolher o que se queria consumir – conta Souto Corrêa. Ambas francesas, as primeiras revistas de variedade voltavam-se para o público feminino. A Mercúrio Galante, de 1672, apresentava “crônicas da Corte, anedotas elegantes e poesia”, e a Mercúrio das Senhoras, de 1693, sobre os mesmos temas, mas já trazendo desenhos de roupas, moldes para vestidos e bordados. Foi no século XIX, à medida que as formas de impressão se aperfeiçoavam e o número de alfabetizados aumentava, que as revistas femininas de variedade se multiplicaram – foram as primeiras a conquistar parcelas mais populares de leitores. O crescimento do mercado de revistas se relaciona, portanto, ao desenvolvimento da produção no capitalismo, que, abundante, passa a exigir a “colaboração” – e o tempo extra – do trabalhador. “De repente lavado do desprezo total que lhe é claramente dirigido por todas as modalidades de organização e vigilância da produção, esse trabalhador se encontra, fora desse ambiente, sendo a cada dia aparentemente tratado como gente grande, com uma educação afetada, sob o disfarce do consumidor. O humanismo da mercadoria passa a se encarregar ‘dos lazeres e da humanidade’ do trabalhador, simplesmente porque a economia política pode e deve agora dominar essas esferas”, escreveu Guy Debord no clássico A Sociedade do Espetáculo4(DEBORD, GUY, 1967, tradução nossa). Estética. Na primeira década do século XXI, o novo movimento dos fãs (fandom, em inglês) reedita uma prática marcante que moveu a indústria cultural e suas publicações mais populares – como as de música e cinema – no século XX. A partir sobretudo dos anos 1950, desenvolveu-se uma cultura pop que deu destaque à figura do “fã”, em geral jovem ou identificado com 4 DEBORD, Guy. La société du spectacle. Paris: Gallimard, 1992. (tradução nossa)
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a juventude. Angariaram-se muitos jornalistas e críticos da nova cultura, por exemplo, graças à profissionalização de fãs que alimentavam publicações, como a emblemática Rolling Stones, (http://www.rollingstone.com.br/), criada em 1967. Atualmente, a prática do fandom se renova na internet com uma variedade inédita relacionada a séries televisivas, filmes, livros com tramas sobrenaturais, personagens de mangás, animês, quadrinhos, entre outros.
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É necessário um novo diálogo entre o crítico e o público, para quem a resenha tradicional tende a ser um cotoco no texto da Wikipédia Se uma das características das publicações culturais é sua relação com fãs, que com elas se identificam esteticamente para buscar informações sobre os artistas e as obras de sua preferência – o fã é um leitor apaixonado –, atualmente essa relação chegou talvez a um paroxismo. O professor Henry Jenkins, da Universidade de Southern California, nos EUA, autor de A Cultura da Convergência5, referência nos estudos sobre novas práticas culturais, afirma que “os fãs são parte da cultura e, portanto, parte daquilo que uma revista cultural precisa cobrir”. – Nossa compreensão de cultura precisa ir além de simples distinções, como as que se fazem entre alta cultura e cultura popular, entre profissionais e amadores ou entre produtores e consumidores. Em muitos casos, fãs também são produtores e geram novas e importantes formas de vídeo ou de produção textual, tão experimentais em suas relações com as novas tecnologias de produção e distribuição quanto o que já foi realizado por artistas de vanguarda. Uma boa revista cultural deve, portanto, estar atenta a esses vários níveis de produção, cobrindo desde a cultura de fãs até a de semiprofissionais e amadores, assim como a dos artistas profissionais – afirma Jenkins, em entrevista exclusiva. Atualmente, lembrou o professor, muitos diretores de cinema já começam a incluir o público na produção de suas obras, através de práticas como as de crowd-funding, para obtenção de fundos em sites como Kickstarter (http:// www.kickstarter.com/); de crowd-sourcing, em projetos que solicitam conselhos ou serviços do público; ou ainda de crowd-promoting, para que o público se torne agente da divulgação da obra. – Isto é claramente parte da história de como o cinema está sendo produzido 5 JENKINS, Henry. A cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
e circulando, mas também dá a entender que o público precisa de novos tipos de informação se vai participar da produção e da distribuição de cultura nesses níveis – comenta Jenkins, que emprega o conceito de “transmídia” para entender como estão se construindo narrativas, sobretudo (não exclusivamente) na internet. O professor americano – que tem sido contratado por grandes empresas de comunicação para ensinar a seus profissionais modos de fazer jornalístico, inclusive de escrever, na era digital – defende que a “transmídia”, em vez de ser vista apenas como imperativo econômico, seja apropriada como estética artística. Reconhecê-la como legítima, não apenas como entretenimento comercial barato, implicaria, no entanto, modificar paradigmas de como o jornalismo cultural tem sido praticado. Até porque os textos transmidiáticos, segundo Jenkins, “podem ser difíceis para uma única pessoa juntar suas partes”: – São textos muito densos, pensados para o consumo coletivo dentro de uma cultura de redes. No mundo em que a cultura se modifica rapidamente, os jornalistas também precisariam mudar. Jenkins afirma – não sem gerar veementes controvérsias – que todo sistema baseado em torno da ideia de “especificidade midiática” encontra-se em xeque. – Antes, havia críticos de cinema que escreviam apenas sobre filmes, ou críticos de jogos que escreviam somente sobre jogos. No mundo da transmídia, o crítico precisa acompanhar o que acontece através de uma variedade de diferentes expressões midiáticas. A indústria da mídia precisa reconfigurar suas práticas de produção e procura avidamente pessoas capazes de pensar através das diferentes plataformas. O jornalismo deve fazer o mesmo. A maior parte dos críticos atualmente não leva em conta outras extensões da história (que, na transmídia, pode ser contada por diferentes plataformas, em seus mais variados aspectos). Extensões vistas como distrações ou explorações da essência do texto que os críticos buscam desvendar. Os críticos ficam confusos com filmes que tomam emprestadas estéticas de outras tradições midiáticas – haja vista recentemente as reações a Scott Pilgram vs. The World (filme de Edgar Wright com estética de games, baseado nos quadrinhos de Bryan Lee O’Malley). Batem pesadamente nos jogos e nos quadrinhos. Produções fílmicas como essa ofendem o senso médio de pureza de muitos críticos de um jeito que os leva a escrever reações inadequadas e defensivas. Cultivar críticos que entendam e escrevam de maneira inteligente sobre múltiplas
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mídias é a primeira coisa a fazer. Esta será a chave do sucesso, se de fato conseguirmos nos apropriar da transmídia como oportunidade estética.
sempre tiveram impacto importante na nossa percepção de tempo e espaço”.
Na opinião de Jenkins, é necessário haver um novo tipo de diálogo entre o crítico e seu público, para quem a resenha tradicional tende a ser “algo como um cotoco do texto da Wikipédia, um estímulo para que as pessoas acrescentem suas próprias visões, desafiando a essência do julgamento crítico”.
– Nas atuais mudanças, porém, a ênfase é para a espacialidade. As novas plataformas são lugares, espaços físicos como a TV ou o celular, mas também novos espaços virtuais. Parece que as novas gerações têm uma relação diferente com o presente, que, no novo tipo de serialidade das narrativas transmidiáticas, expande-se em detrimento da ideia de futuro. A serialidade pode ser vista, nesse sentido, como uma forma cultural de combate à ideia de mortalidade – afirmou a professora, que defende uma postura crítica diante do que considera ser um ambiente intelectual de “ortodoxa exaltação das novas mídias”.
– Não se trata da morte da crítica, mas será preciso repensar a sua natureza em relação ao novo contexto cultural – destaca Henry Jenkins, que até 2009 foi professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde dirigiu o programa de Comparative Media Studies. Futuro. Na internet, qual seria o sentido de haver uma revista de periodicidade
semanal? A pergunta é do editor de web da revista The New Yorker, Blake Eskin (ver entrevista nesta edição). Por que não realizar atualizações diárias? Sua constatação prática vai ao encontro do que muitos teóricos têm observado a respeito de novas percepções no ambiente virtual. Na internet, a memória é profunda: todos os movimentos deixam rastros, mesmo quando se busca apagá-los ou esconder sob pseudônimos; o que se estende é o espaço, que absorve e preserva toda e qualquer informação. No jornalismo digital, tornam-se obsoletas palavras como “ontem” ou “amanhã”, ao passo que no texto do jornal-papel é preciso explicitá-las o tempo todo. Apenas o presente se renova, como se a percepção da passagem do tempo tivesse sido eliminada.
Na internet, há uma interrelação mais complexa entre cultura e política, o que gera novos desafios para o jornalismo cultural
Em palestra no Rio de Janeiro6, a socióloga italiana Milly Buonanno, professora da Universidade de Roma La Sapienza, destacou que “todas as mídias 6
V Seminário do Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva (Obitel), realizado em agosto de 2010 na PUC-RJ, pelo Núcleo de Pesquisa de Telenovela da Escola de Comunicação e Arte (ECA), da Universidade de São Paulo (USP), e pelo Globo Universidade, da Rede Globo. Henry Jenkins também participou do seminário.
As tecnologias relacionadas ao digital abrem, portanto, um vasto campo a ser explorado, vivenciado e até contestado.
– Estamos apenas no início da curva – destaca Thomaz Souto Corrêa. – O futuro sempre nos surpreende, e os comunicólogos erram muitas vezes. Por exemplo, tomamos uma rasteira do celular: ninguém previu que ele viria a ter a atual importância. Agora chegou o iPad, cuja leitura é viciante: tem hora em que não conseguimos nos desgrudar dele. Teremos muitos avanços com o tablet. E Henry Jenkins reitera a necessidade de mudança: – Todos os jornalistas precisarão adquirir novas habilidades relacionadas às narrativas transmidiáticas, explorando as possibilidades das diferentes mídias, para garantir a cobertura completa de tópicos importantes para seus leitores. Vemos isso quando as versões on-line de jornais embutem vídeos, podcasts de entrevistas, simulações e visualizações interativas, e até jogos, para melhorar a cobertura de suas principais histórias. Os jornalistas de cultura precisam reconfigurar a maneira de cobrir os eventos culturais que atravessam diferentes plataformas midiáticas. Isso já é mui-
to verdade na cobertura dos trabalhos de grandes artistas como Peter Greenaway e Matthew Barney, que muitas vezes abordam o mesmo tema através da pintura, da escultura, do vídeo, do filme etc. No alto-mar da internet, portanto, há uma série de combinações inéditas: um jornal se torna revista; uma revista se transforma em rádio; uma rádio, publicação cultural; uma televisão, jornal. As distinções se esmaecem. Mas Souto Corrêa acredita que a segmentação ainda será importante para garantir que as revistas “não sejam destruídas pelo movimento digital”: – No jornalismo cultural, há ainda a dificuldade suplementar de definir o que é cultura. Poucas coisas são tão vastas quanto a cultura. Por exemplo, eu hoje em dia acho que The New Yorker não é mais uma revista cultural. O David Remnick (editor da revista desde 1998) viu que o mundo tinha mudado e ele precisava dar um aspecto de contemporaneidade à revista, com reportagens como a que denunciou a tortura em Abu Ghraib (produzida por Seymour M. Hersh, em 2004). Jenkins concorda que o campo do jornalismo cultural é vasto e tem-se modificado de maneira tal que dificulta definições. Mas, em vez de subtrair a política dessa esfera, ele tenderia a integrá-la. – Os jornalistas culturais veem-se muitas vezes, com a internet, num novo espaço, onde o fluxo de conteúdo entre mídias leva a uma inter-relação mais complexa entre cultura e política. Em algumas situações, é possível perguntar se estão diante de uma história cultural, política ou de um híbrido dos dois. O que nos dizem as novas relações entre cultura e política, cada vez mais indistintas, sobre a missão das publicações culturais? – pergunta o professor americano. O mar, de fato, é impreciso e caudaloso. Mas navegar é preciso.
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// José Castello
Só com princípios inconstantes, não dogmáticos, “vivos” se faz bom jornalismo cultural Os melhores princípios, em vez de prender ou sufocar, abrem caminhos. Princípios não são algemas, mas instrumentos de avanço. Não se devem transformar em leis, ou dogmas, mas em combustível para a criação. Só assim eles me interessam: como janelas que se abrem para o mundo. No caso da cultura, que é puro movimento e só muito à força cabe em cartilhas e manuais, isso se radicaliza. Princípios não são mandamentos – ou deixariam de ser princípios, pontos de partida, e se tornariam pontos de chegada, desfechos. Em vez de fertilizar, matariam. De que princípios partir quando se deseja conceber uma publicação cultural? Penso em princípios inconstantes, que não se pareçam com regras, ou proibições. Princípios – penso em João Cabral – que se comportem como facas a destrinchar o presente e revelar seus lados obscuros. Creio que o mais importante deles é, talvez, o pluralismo. Publicações culturais não são panfletos nem pasquins. Não existem para transmitir ideários estéticos, pregar palavras de ordem, ou defender grupos e escolas. Se assim fazem, tornam-se instrumentos de propaganda, e não veículos de informação e reflexão. O pensamento dança. A cultura também. A cultura é, antes de tudo, movimento. E essa é uma verdade que a cada dia nos incomoda mais. Como dar conta da cultura? Afinal, o que é cultura, o que não é? Vivemos em um mundo cada vez mais complexo. Nossa vida está mais acelerada, mais fragmentada e mais caótica. As publicações culturais devem corresponder a esses movimentos, apegar-se a essa diversidade e a essa inconstância, incluir essa fragmentação. Senão, ficarão à margem da cultura.
O primeiro princípio, o pluralismo, leva a um segundo: o que chamo de “coração desarmado”. Alguma coisa do gosto pessoal e do estilo de um editor sempre resta na publicação que ele edita. Isso é humano. E é até bom que seja assim – é sua “assinatura”. Mas deve ser exatamente isto: um resto. No geral, o editor não pode permitir que seu gosto, suas preferências, seus preconceitos, seus hábitos intelectuais interfiram em seu trabalho. Creio que o editor deve perseguir o ideal da “objetividade”, mesmo sabendo que é um ideal impossível e que jamais o alcançará. A busca da objetividade é o que chamo de “coração desarmado”. Abrir espaço mesmo para aquilo que me contraria, que me é indiferente e até me repugna. Aceitar que não sou dono da cultura, mas que, ao contrário, ela é algo que me ultrapassa e me submete. Mesmo sabendo que a cultura complexa de nosso tempo não cabe em um espelho, nenhum espelho, ainda assim o editor tem de tentar capturar essa complexidade. Mesmo sabendo que a cultura é algo que sempre escapa, que está sempre à frente, ainda assim deve abandonar os princípios e ideais e se entregar a sua busca. Sem desejo, sem memória. Com o “coração desarmado”, seguir em frente. O jornalismo cultural de qualidade se movimenta no interior da cultura. Não a observa à distância, mas dela é parte O que significa essa entrega? Depor as armas, abandonar os preconceitos e as suspeitas, “zerar” as expectativas. Chegar ao entrevistado, tanto quanto possível, de mãos vazias. Acolher. Não deter nada, não explicar nada, não
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“solucionar”. Simplesmente aceitar. Boas publicações culturais se oferecem como leitos em que a torrente da cultura escorre. O bom repórter é aquele que chega desarmado e que, antes de perguntar, escuta. Ele permite que a realidade o surpreenda e, até, o decepcione. Só com o “coração desarmado” podemos fazer um jornalismo que, embora de forma parcial e precária, não traia a realidade. O repórter não é um domador de fatos. Não é alguém que os submete e fatia, segundo seus critérios e interesses. O repórter deve se conservar em posição de atenção e cautela. De novo: deve aspirar à neutralidade, mesmo sabendo que ela é impossível, que algo de si sempre restará, como uma marca, uma cicatriz. Partir não de si, mas do outro. Deixar-se penetrar pelo impacto que o outro sempre provoca. A cultura é o campo do outro: da surpresa, do desconhecido. Exporse – não existe bom jornalismo sem alguma dose de risco e de contaminação. O “coração desarmado” me leva a um terceiro princípio: o que chamo de “impulso de transformação”. A cultura é algo vivo. Está em movimento, em metamorfose contínua. É um erro acreditar que o jornalismo deve capturar e domar esse processo, dirigi-lo para o “bom caminho”, ordená-lo, ou impor-lhe critérios de valor. Tudo o que o jornalismo pode fazer é emparelhar com as coisas, segui-las, acompanhá-las de perto. Escoltá-las. Alinhar-se com esse movimento inconstante e caótico, que é sempre imprevisível e sem direção. Aceitá-lo e, sobretudo, incorporá-lo – no que resulta o “impulso de transformação”. O jornalismo cultural de qualidade se movimenta no interior da cultura. Não a observa à distância, mas dela é parte. Deve, em consequência, incorporar seu fogo e sua inquietação. Caso contrário, o jornalismo cultural se torna mero relatório, guia, cardápio cultural. Toda cultura avança através de sustos, rupturas, deslocamentos súbitos, gui-
nadas imprevistas. As antenas do jornalismo cultural devem estar voltadas para esses movimentos. Captar os momentos de quebra e de desvio, detectar, no grande murmúrio da repetição, a singularidade e o estranho. Ouvir os ruídos que se espalham pelo caminho, ser capaz de sincronizar com o grande fluxo de criação. Engajar-se nesse “impulso de transformação” que caracteriza a cultura, fazer do jornalismo um instrumento de produção cultural. É preciso uma dose de liberdade (interior). A “liberdade interior” pode ter outro nome, mais comum: paixão Em vez de “ver de fora”, observar “de dentro”. Trocar de perspectivas e de pontos de vista, transformar-se também. Um jornalismo rígido e dogmático será apenas uma pedra colocada no peito da cultura. Será um jornalismo imóvel. Chego, então, ao quarto princípio, que se parece com os anteriores e é, de certo modo, uma extensão deles: a “liberdade interior”. Todos somos prisioneiros – da hereditariedade, de nossa formação, da infância, da educação que recebemos, do
inconsciente. Isso é inevitável e humano. Ainda assim, a riqueza de uma publicação refletirá, sempre, o grau de “liberdade interior” dos que a fazem. Jornalistas culturais não são técnicos que manejam uma linguagem e um ofício. Devem se contaminar pelo mundo. Não devem ver a cultura como algo externo, mas como algo seu. E precisam, sobretudo, conceder-se uma dose de liberdade (interior) para manejar e sorver o que recebem. A “liberdade interior” pode ter outro nome, mais comum: paixão. Pessoas cheias de si, donas de si, não se apaixonam. Ou, quando se apaixonam, toda a organização anterior se desmonta. Não se faz bom jornalismo cultural com frieza e comedimento – o que não significa defender a irresponsabilidade e a desordem. Liberdade interior para se entregar e se apaixonar. Até porque o bom jornalismo cultural é também um instrumento de sedução. Seduzir o leitor, envolvê-lo, sujeitá-lo. Isso não se faz com regras, é um exercício de liberdade. Chego ao quinto princípio, que resume todos os outros: a coragem. Coragem para quê? Para buscar novas relações além das já consagradas. Perseguir, experimentar, ousar novas perspectivas e maneiras de ver. O jornalismo cultural deve ajudar o leitor a ler não só a cultura que o cerca, mas o mundo em que ele vive. O contato com a cultura exige determinação sempre. É como brincar com o fogo: sempre se sai chamuscado. A cultura desfere golpes no mundo. Deixa marcas, feridas – o que é, propriamente, a cultura. Rasga, rompe, altera, desvela. Um jornalismo cultural vivo deve se expor a esses eventos. Através de atos de coragem, a cultura segue sua marcha. Nem sempre para a frente. Nem sempre no “bom caminho”. A cultura é caótica, contraditória, inquieta. O jornalismo cultural precisa suportar e acolher esse desassossego. Só com princípios inconstantes, não dogmáticos, “vivos” se faz bom jornalismo cultural.
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O p r inc í pi o vit a l ( cinc o pa l av r a s em qu at r o pa r ág r a f o s ) // Matinas Suzuki Jr. Um bom projeto precisa de novas boas ideias permanentemente. Numa revista, não se devem temer as boas ideias novas Começa-se uma revista com uma boa ideia. Depois da boa ideia, é preciso ter gente boa para executá-la. Muita gente acha que a boa ideia basta… para logo descobrir que não basta a boa ideia só. É preciso mesmo ter gente boa. Mas gente boa só não basta. É preciso ter gente boa animada. Gente boa animada vale mais do que gente só boa ou gente só animada. O ideal é que a boa ideia seja simples. A boa ideia simples vale mais que a boa ideia somente ou que a ideia simples tão só. É fácil comunicar uma boa ideia simples. É fácil para o leitor entender uma boa ideia simples. É fácil para as pessoas que trabalham na revista entender uma boa ideia simples. Ser simples é melhor do que ser arrogante. O simples deixa as pessoas boas à vontade. Pessoas boas à vontade têm ótimas ideias – simples. O simples não precisa dar muitas explicações. O simples vê, escuta, presta atenção. Ser simples ganha tempo e economiza energia. Há muita gente que pode ter boas (ou até ótimas) ideias para uma revista. Não falta gente para executar as boas (ou até ótimas) ideias para uma revista. Porém há pouca gente com capacidade de ter boas (ou até ótimas) ideias para uma revista e, ao mesmo tempo, com talento para executá-las bem. Executar bem é melhor do que só executar. Mas, para executar bem, também é preciso ter gente boa animada. Uma boa ideia é um diamante bruto.
Um bom projeto dá consistência à boa ideia. Um bom projeto, por sua vez, precisa de novas boas ideias que o mantenham permanentemente como um bom projeto. Numa revista ninguém deve temer uma boa ideia nova. Para ter boas ideias é preciso ter gente boa animada. Dizia-se antigamente que fulano de tal “animava” determinada publicação. Um bom editor é um animador. Tem gente que acha que o bom editor é um domador (ou um amestrador), mas o bom editor é um animador. Animar é vida, anima é alma. Pronto: uma boa revista tem alma. Mas como saber se uma revista tem alma? Só é possível saber usando o método de Santa Teresa de Ávila: tem coisas que a gente conhece não conhecendo.
E feit o o h !
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//Luís Antônio Giron
Revista é uma experiência, um jogo de linguagem, ou de linguagens simultâneas: notícias, análises, fotografias, texturas Em que consistiria uma publicação cultural ideal? Toda vez que penso no assunto me vem à lembrança a imagem das mulheres de minha família em tempos diferentes – mãe, avó, primas, mulher e filhas. A ação se repete no tempo e no espaço. Elas estão folheando uma revista qualquer, talvez feminina, com um prazer especial. Não só leem o conteúdo das matérias, talvez muito ilustradas, viram as páginas com vagaroso deleite, aproveitando cada centímetro, cada fotografia, cada detalhe. Minha avó materna, Dejanira, tinha uma coleção de Seleções em casa – e bem me recordo que havia desde as edições mais recentes até as dos anos 1940, quando ela começou a colecionar. Quando eu era pequeno, minha avó fazia questão de me contar as histórias “humanas” da publicação, sem esquecer as piadas e os conselhos médicos. E nada mudou nesse vagar das mulheres pelas páginas de uma revista. Quando passo no cabeleireiro para pegar minhas filhas, observo como as freguesas adoram ler revistas de celebridades e comentar os modelos, as fofocas, os acontecimentos da semana. “Ler” não é bem o termo: elas amam viver a revista, num contato tão delicado que não raro escapa ao entendimento dos homens. Isso me faz deduzir que revista é uma experiência, um jogo de linguagem, ou de linguagens simultâneas: notícias, análises, fotografias, texturas e um plano secreto vedado aos homens. Talvez porque a revista tenha nascido como um meio de comunicação fundamentalmente feminino. Na primeira década do século XIX, as leitoras europeias, em especial as nobres e as burguesas, tinham necessidade de preencher o tempo ocioso, e assim nasceram as revistas femininas. Com elas nasce também o que hoje chamamos levianamente de “jornalismo cultural”. Levianamente porque, diga-se de passagem, só existe o jornalismo, e todo o jornalismo é “cultural”, do político
ao econômico, do literário ao policial. Estou divagando como se virasse as páginas de uma revista abstrata, até para tentar fornecer uma explicação lógica para o fenômeno. No Brasil, uma das primeiras revistas intitulava-se Ramalhete das damas (1842). Nome enganoso, pois não passava de uma coleção de peças para piano, que as damas e donzelas usavam para se apresentar nos saraus familiares. Depois vieram o Jornal das Senhoras, Correio das Modas, Revista Ilustrada – e foi nessas publicações que a crítica de espetáculos se desenvolveu e gerou seus primeiros folhetinistas teatrais, femininos e masculinos. Ao longo de dois séculos, as revistas femininas inspiraram outros tipos de revista, e hoje temos títulos para cada gosto e público. Apesar da diversidade de estilos e tipos de leitor, as revistas têm um fundamento comum. São um gênero de publicação muito diferente do jornal, por exemplo, e não falo aqui da qualidade do papel utilizado nem se é ou não on-
line. Acima de tudo, as revistas simplesmente são diferentes de jornais pela própria natureza do conteúdo que elas veiculam, conteúdo visual e textual. No que se refere ao primeiro aspecto, uma revista pode e deve ter qualidade maior que um jornal em apuro gráfico. E é o caráter de beleza que faz com que a revista seja um veículo resistente à passagem do tempo e das tecnologias. O teste de durabilidade de uma revista é fácil de ser feito: basta trasladar uma revista para os meios digitais, como os monitores de tablets, celulares e computadores. Uma boa revista parece ter nascido para esses suportes. As revistas anteciparam o leiaute dos tempos digitais em 60 anos. Ou serviram de paradigma visual aos programadores de softwares para celulares, tablets ou notebooks? O leitor precisa ser capturado por uma surpresa. E há muito dessa substância na realidade: basta olhar em torno Claro que as coisas não são tão simples assim, e hoje também as revistas lutam para se adaptar às novas mídias. A revista precisa se reinventar para a internet e para o mundo atual. Mundo em que os leitores podem ter aumentado em quantidade, mas têm a capacidade de atenção diminuída em virtude do assédio de inúmeros meios de comunicação que atuam simultaneamente; da fragmentação dos interesses; e da própria forma de obter informação e conhecimento. São tantas as fontes que as revistas são estimuladas, também elas, a surpreender. Daí a importância do segundo aspecto do conteúdo das revistas: o texto. Não tenho dúvida de que o destino das revistas depende da capacidade de encantar e espantar com material inédito e de oferecer ao leitor ideias que
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não encontrará em outro lugar. Há inúmeras revistas sem papel circulando na internet. Como já ocorreu antes, de meios como o rádio e a televisão incorporarem o gênero revisteiro em sua programação.
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Revista é uma forma de organizar e agenciar a informação. É dar ao consumidor (e aqui extirpo o termo leitor) ou usuário um conjunto de ideias claras que lhe permitam tomar decisões, viver melhor o seu cotidiano e desenvolver o intelecto. Revista é expansão de memória. Como o jornal, é serviço, mas um serviço dotado de maiores recursos, de mais profundidade e dinâmica. Revista é estilo de vida. É atitude. Por isso, o leitor ideal de uma revista ideal é aquele que se sente em casa quando lê o seu exemplar, pois sabe que vai encontrar naquelas páginas informações relevantes e sobretudo úteis. Nisto consiste uma revista: em ser indispensável para um determinado tipo de leitor. Uma revista inútil é um produto ainda não inventado. Do que então é feita uma revista ideal? Vou citar cinco elementos essenciais que podem fazer da revista um veículo útil, prazeroso e estimulante do ponto de vista intelectual. O primeiro eu denomino “efeito oh!”, ou “efeito uau”, como diriam os americanos. Trata-se da carga de espanto que o material de uma revista deve compreender e gerar. Esse efeito pode se concretizar de vários modos: na diagramação, nas fotos, no texto, no furo, na abordagem de um fato. O leitor precisa ser capturado por uma surpresa. Não é possível contar com a “fidelidade” do leitor. Isso não existe. Enquanto ele encontrar coisas extraordinárias em uma publicação, vai continuar com ela. É fácil perder leitores. Basta produzir material monótono e repetitivo. Há muitas publicações que confiam na clientelização de seus assinantes, a que hoje os especilalistas em marketing chamam horrivelmente de “fidelização”. Para mim, fiéis mesmo só os cães – e isso até que aprendam a ler. É preciso fornecer surpresas – e há muito dessa substância na realidade. Basta olhar em torno. O segundo elemento é a natureza do texto. Uma revista que se preze tem de dar ênfase às ideias sobre os fatos – e não vice-versa. Revista não é jornal e, portanto, não embrulha o peixe no dia seguinte. Ela vive mais que o papel-jornal ou, pelo menos, deveria viver. A revista perfeita é aquela que o leitor guarda por achá-la interessante ou, mais uma vez, útil. A revista perfeita pode perder a atualidade, mas não o encanto. Basta ver como as revistas resistem nas salas
de espera de cabeleireiros, médicos e dentistas. Elas ficam por lá não porque os donos do negócio são sovinas. É porque ainda oferecem alguma coisa que está além do caráter efêmero da notícia. E essa “coisa” é seu conteúdo, é o volume de ideias que contêm. Assim como os antigos diziam que se espremer um jornal sensacionalista escorre sangue, se você espremer uma boa revista, de suas páginas escorrerão ideias. Não tão densas ou numerosas quanto as de um tratado filosófico ou um compêndio de física, mas em quantidade suficiente para manter seu conteúdo vivo. Minha avó guardou as revistas durante cinco décadas porque gostava de reler velhas histórias e velhas noções. Era historiadora e não sabia. Os historiadores, aliás, são os leitores mais fiéis de revistas. Encontram nelas um pedaço de vida que foi desprezado pelos jornais ou pelos documentos oficiais. Além disso, os estudiosos decifram a mentalidade de um tempo pelas revistas. As ideias são a mola mestra das revistas. O fato bruto colocado em perspectiva, analisado e interpretado, eleva a notícia a um patamar de discussão de ideias. São elas que projetam o leitor para o futuro. Ideias alteram comportamentos e abrem caminhos – mesmo que formuladas por jornalistas. O desafio dos repórteres e editores de uma revista é ajudar a compreender os fatos, e não
apenas enumerá-los. Não importa que essas noções se tornem ultrapassadas. Todas as ideias são falíveis e passíveis de teste. As revistas têm o dever de pôr em circulação determinadas ideias, discuti-las, relativizá-las e submetê-las ao teste da realidade. As revistas perduram mais que suas ideias. Mas são as ideias que as põem de pé.
Para tanto, é preciso que exiba um design original, tanto para internet como para sua versão em papel. A forma de apresentação visual (e, no caso da internet, audiovisual) e tátil (no caso da versão off-line) é determinante para o sucesso de uma publicação – é o quarto elemento da revista entre as revistas. Uma tarefa quase irrealizável, pois parece que tudo já foi tentado em uma página de papel nobre. É preciso lembrar, no entanto, que todas as gerações de artistas e diagramadores de revistas deram sua contribuição na evolução da visualidade. Não seremos nós a temer os mitos paralisantes do passado recente. Buscar a inovação visual é uma aventura a que uma revista não pode se furtar.
Nesse sentido, a internet veio a colaborar não apenas com a ampliação dos leitores, mas também com a sobrevida dos textos efêmeros. A rede conserva tudo o que foi e é publicado, e isso permite que o leitor se dê conta da marcha dos acontecimentos em paralelo à das ideias. A internet é o terceiro elemento constituinte de uma revista ideal. Ter expressão na rede é condição de sobrevivência. Não se trata de prolongar o produto no mundo virtual, e sim de criar material específico para os novos meios. Tudo o que a revista tem de dinamismo é potencializado na internet, com seus recursos de animação e interatividade. A internet promove a realização do pendor originário da revista: tornar-se o meio de comunicação total.
Os quatro aspectos anteriores não terão eficácia caso a revista não defina o seu público-alvo. Não se trata do público leitor em geral, mas do leitor prioritário, que vem a determinar o escopo, o estilo e a abordagem de uma publicação. O caminho das revistas tem-se dirigido para a segmentação. Assim, hoje temos das publicações “de interesse geral” – as semanais de informação – às customizadas e, entre os dois polos, as dedicadas à mulher, ao homem, de decoração, entretenimento etc.
As revistas sempre contribuíram para a evolução da visualidade. Buscar o design original é uma aventura a que não se pode furtar
O sonho de uma revista é chegar à proporção de 1 para 1 (1:1) e ser a revista de um tipo de leitor, se não de um leitor. Sonho quase impraticável, mas que está na raiz do destino dessa espécie tão fascinante de publicação. Eu digo “quase” porque estão surgindo softwares para celulares, notebooks e tablets que permitem ao usuário “montar sua própria revista” no monitor a partir de sites e publicações existentes. Um fã de revista com mais imaginação pode agora mesmo criar sua revista – e ainda por cima escrever um editorial em seu blog, agregando-o ao conjunto de sua revista hipercustomizada. Hoje o cidadão pode viver sem os meios tradicionais de comunicação e continuar relativamente bem informado. As redes sociais, como Twitter, Facebook e Orkut, estão provocando uma revolução na comunicação não só porque são criadas comunidades mais ou menos fechadas, reunidas por interesses e visões comuns, como porque essas comunidades estão criando seus próprios meios de se comunicar, suas próprias revistas. Os pessimistas vaticinam o fim da imprensa escrita, em especial as revistas, com o avanço tecnológico. Não acredito nisso. Enquanto houver aquele leitor que saboreia cada página (virtual ou não) de uma revista, a mais frívola possível, ainda haverá revista.
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A inten ç ã o d a vi r tude
// Mario Helio
Resistir ao que “prostitui” e deforma um projeto ao longo do tempo, sujeito a intempéries e interferências de todo tipo, é o maior desafio
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A opinião mais radical a respeito de revista como projeto e prática encontrase em carta de Gustave Flaubert1 a Louise Colet, de 1853. Algumas frases dessa carta de Flaubert, apresentadas a seguir, são comentadas e adaptadas para a discussão dos ‘cinco princípios’ de uma hipotética revista modelo. 1. “Todas as revistas do mundo tiveram a intenção de ser virtuosas. Nenhuma o foi.”
Por ‘virtuosas’ pode-se entender muita coisa. Neste caso, a palavra tem a vantagem adicional de iluminar bem o significado oposto: o quanto ‘se prostitui’ e se deforma um projeto ao longo do tempo, das intempéries e interferências de todo tipo. Disso se deduz que a revista não tem somente que parecer honesta, tem de ser honesta; a ‘honesta’ cabe uma qualificação intelectual, mais que uma qualificação moral. Coerência entre a proposta e a realização; de fundo e forma, inclusive. Não há como ser ‘virtuosa’ pela metade. Desse modo, o zelo perfeccionista deve existir tanto no texto quanto no desenho, tanto na pauta quanto na sua apuração e na checagem. Há tempos se traduz isso por uma palavra de que se abusa tanto como de uma ‘noiva sempre violada por seus celibatários’: qualidade. Qualidade se obtém por meio do exercício, cada vez mais raro entre os que lidam com ‘mercadorias’ intelectuais: da autocrítica, precisão e do rigor. Ainda mais difícil é conseguir isso quando se estabelece como desafio para cada edição: o número 3 deve ser melhor do que o 2, o 4, melhor que o 3 e assim por diante. Coro de Solistas, El Paseante (que já não circula) e Collors são exemplos de excelência desse tipo. 1 FLAUBERT, Gustave. Correspondance. Paris: Louis Conard, 1927 [Nouvelle Édition Augmentée, Troisième Série (1852-1854)], p. 145-154.
A meta será garantir que a anemia, o relativismo, a letargia, o conformismo e a burocracia, doenças mortais do jornalismo, fiquem o mais longe possível. No caso da revista Continente, pelos já remotos anos de 2001-2002, havia uma dificuldade a mais: como fazer um periódico que não se escravizasse aos ídolos da tribo, ao localismo e ao oficialismo, e escapasse também do cosmopolitismo ingênuo, típico das províncias? 2. “Um periódico é uma loja. Sendo assim, a questão da clientela, cedo ou tarde, termina por dominar todas as demais.”
O princípio que se deduz aqui: sem o mercado não há salvação. Esse mercado tanto pode ser o mais óbvio – composto por quem paga e recebe – ou o menos convencional – do que recebe sem pagar. Seja ela movida pelos mais altos instintos estéticos ou os mais baixos pensamentos comerciais, uma revista não sobrevive se não está de todo sintonizada com sua ‘clientela’. Diferentemente de um livro, em que o primeiro, e às vezes único, cliente é o autor, um periódico passa em revista a cada momento a necessidade do seu leitor, e nisso se inclui o apuro estético defendido com unhas e dentes por Flaubert. 3. “Que necessidade há de agarrar-se no mesmo que os demais e ingressar numa companhia de diligências se se pode continuar sendo cavalo de tílburi?”
Embora esse raciocínio se aplique ao solitário autor de livros, sem muito esforço, adapta-se ao espírito coletivo que dirige o fazedor de revistas. Ambicione-se o original. Se não, que sejam o inédito e o exclusivo buscados ardentemente dia e noite, ainda que para isso se tenha de pedir emprestada a lanterna de Diógenes.
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4. “A questão é, sobretudo, conseguir ser audaz e de uma independência a toda prova; queria não ter nem amigo, nem favor que fazer.”
Este é um dos tópicos mais problemáticos, principalmente nos lugares em que triunfam com todos os seus disfarces os mais variados tipos de familismo e coleguismo. Além do mais, a coragem e a ousadia muitas vezes são confundidas com grosseria e, em nome da franqueza e da sinceridade, muitos disparates são cometidos, ditos e escritos. 38
Sem grande nível intelectual e estético chega-se ao estéril e previsível – o cenário atual de estandardização. A seu favor poder-se-ia dizer que hoje fazer revista é uma tarefa ao alcance de qualquer um que tenha à mão um computador, programas adequados e habilidade suficiente para usá-los. Tudo são redes. Mas estas às vezes se acentuam tanto em familiaridade que pouca excelência haverá em ações somente entre amigos. Outro aspecto a considerar: o que é ser criativo? E jovem? Numa equivocada compreensão do que vem a ser o ‘jovem’, há quem escreva com as palavras da moda ou o argot da vez, e há tal festival de conformismo espelhado nos lugares-comuns e na linguagem pedestre que o produto final parece um novo dicionário adolescente das ideias feitas. Multiplicam-se os símiles, as cópias, as repetições, as séries, as padronizações, as uniformizações; mas também prospera a água turva que se finge de profunda para o narciso da vez – que, como todo narciso, logra ecos apaixonados. Sem primar pela nitidez e muito menos pela legibilidade, condição de que não prescindem sequer as imagens holográficas ou em 3D. 5. “Estabelecer-se como juiz do belo e do feio me parece um papel odioso. A que conduz isso senão à presunção?”
Aqui se chega a um ponto dos mais problemáticos, que é o da crítica. Já há opiniões demais sobre isso – a carência ou o excesso de crítica num tempo em que o dominante de fato é a opinião: ruidosa, tagarela, despudorada. Se a própria contracultura tem os seus museus, nadar contra a corrente virou distopia. Mais do que a crítica, é necessária a autocrítica. Em vez de ser o árbitro do alheio, tentar o máximo de informação de alto nível, o que pressupõe conhecimento, longa maturação, apuro e beleza − que é a verdadeira música acima de tudo. Era nisto que pensávamos ao projetar revistas como Ephemera e Massangana. Mas, se a velocidade a bater será sempre a da luz, que chance terá nos dias de hoje o garboso tílburi?
P a ix ã o e c o n h eciment o
//Guillermo González Uribe
É fundamental uma visão ampla para, além das artes, levar em conta a vida cotidiana e os processos sociais como cultura
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Há 33 anos comecei a trabalhar como jornalista, atividade que me permitiu entrar em contato com pessoas especiais de diversos países e das mais variadas condições sociais. Através desses contatos, pude multiplicar impressões, experiências e sentimentos entre os leitores. Agora percebo – deixando de lado a vaidade e o ego, que às vezes nos transformam em estúpidos jornalistas – que procurei, através desse trabalho, tornar-me um ser humano melhor e contribuir na entrega de ferramentas aos que não podem fazê-lo. Desde o começo, interessei-me pelo jornalismo que deposita algo naquele que o pratica e naquele que o recebe. Esse jornalismo que busca chegar às raízes, que investiga e indaga. Que pergunta pelas causas, antecedentes, processos, sentimentos, experiências. Aquele que trata de ir a fundo. Aquele que é capaz de tocar as fibras sensíveis do ser humano e penetrar na sua alma. Aquele que, em lugar de dar respostas, faz perguntas. E, quem dera, aquele que tenha manejo criativo da linguagem – embora só poucas vezes isso seja possível. Trabalhei com dedicação, e a vida me permitiu estar à frente de diversas publicações de caráter cultural. Gostaria, portanto, de citar três delas. Antes, contudo, teríamos de ressaltar que aquelas que chamamos de publicações culturais são as que direcionam seus esforços ao desenvolvimento de alguns elementos enumerados até aqui e praticam um jornalismo também conhecido como investigativo, novo jornalismo, jornalismo literário ou jornalismo de profundidade. Magazín Dominical
No início dos anos 1980, dirigi a Magazín Dominical do jornal El Espectador, um dos dois jornais diários mais influentes da Colômbia. O que fizemos ali foi transformar um suplemento cultural, que era feito por intelectuais para
intelectuais, em uma revista cultural viva, com matérias jornalísticas – entrevistas, reportagens, crônicas, perfis, além de contos e poesia, ensaios e cotidiano – que falavam do país e do mundo em uma linguagem acessível ao grande público. Nesse trabalho, foi fundamental ter uma visão ampla de cultura, que mais do que incluir as artes, contemplava também a vida cotidiana e os processos sociais enquanto cultura. Essa visão ampla foi o que nos permitiu dar vida a uma revista que, em apenas sete meses, aumentou sua tiragem em 70 mil exemplares e passou a ser colecionada por milhares de jovens estudantes e pelo público em geral em todas as regiões do país (chegou a ter 370 mil exemplares por semana, um número muito alto para a Colômbia daquela época). Além da mudança no enfoque, modificamos o formato da publicação. Em vez de ser um suplemento tabloide em preto e branco e papel jornal tradicional, nós o transformamos numa revista de formato universal, em cores e papel brilhante.
Demos também atenção especial à imagem: ela não só acompanhava os textos, mas também possuía seus próprios espaços e propostas narrativas. Cada edição tinha entre 24 e 32 páginas. O assassinato do diretor do jornal, Guillermo Cano, a mando do poder do narcotráfico e da direita armada, marcou para mim o fim dessa experiência.
O público leitor aprecia a independência e a coragem nas publicações culturais O que caracterizou esse projeto foi o fato de ser uma revista em que não precisávamos nos preocupar com a verba, nem com a distribuição. Podíamos nos concentrar nos conteúdos e tínhamos total independência para tal – um sonho dourado para um jornalista cultural. Foi uma revista feita por jornalistas, para um público amplo. Nessa experiência já podemos encontrar alguns dos cinco princípios que considero básicos para uma boa revista cultural: 1) ser feita com paixão e conhecimento; 2) ter um enfoque definido; e 3) ser ousada e propositiva. Paixão, tínhamos de sobra; conhecimento, íamos adquirindo cada dia mais, com a imersão nas matérias; enfoque definido, tínhamos ao ampliar a concepção de cultura; e a nossa ousadia e proposta nos permitiu tratar de temas fundamentais para uma sociedade conservadora, como o homossexualismo e as obras de arte produzidas pelos desaparecidos políticos. Houve muitas reações contrárias – inclusive do alto escalão militar –, mas o diretor do jornal sempre manteve seu apoio ao projeto. O público leitor aprecia a independência e a coragem.
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A revista Gaceta 42
Além das práticas do consumo, há pessoas interessadas no jornalismo que busca aprofundar-se na condição humana
Em seguida, no final da década de 1980, vinculei-me à Colcultura – hoje Ministério da Cultura. A proposta, nesse caso, era reviver a revista Gaceta, que havia cinco anos deixara de circular. Mais uma vez tive a sorte de contar com uma pessoa inteligente e culta na direção da instituição, Liliana Bonilla, que garantiu independência total e o orçamento. Demos vida a uma revista de formato grande (29 cm x 43 cm), em preto e branco, papel de qualidade (gramatura de 90 g), com tiragem trimestral de quatro mil exemplares e 60 páginas.
Número é uma publicação trimestral em papel, tem formato intermediário (23,5 cm x 32,7 cm), conta com uma base de 96 páginas e encartes temáticos, que podem chegar a dois ou três (já tivemos mais de 120 páginas). Metade preto e branco, metade colorida, em papel brilhante de 90 gramas.
Suas características nos permitiram buscar textos de maior profundidade, e muitas vezes mais longos, com um aparte temático central em cada edição, contando com a colaboração de importantes pesquisadores e formadores de opinião de diferentes regiões do mundo. Seu conselho editorial era formado por pesquisadores e formadores de opinião renomados. A experiência durou três anos, quando pude começar a exercer o quarto princípio: contar com o tempo adequado para a maturação da publicação. Depois de ter feito jornalismo diário e, em seguida, semanal, passar a editar uma revista a cada três meses nos dava tempo suficiente para selecionar, apurar e desenvolver as matérias.
Em Número reunimos os cinco princípios: 1) Fazemos a revista com a paixão que conservamos por conhecer o ser humano e seu entorno; o conhecimento vem sendo extraído ao longo dos anos. 2) O enfoque se baseia em um princípio simples: há espaço para qualquer tema, desde que seja abordado a partir do conhecimento e do manejo criativo da linguagem. 3) A abordagem dos temas é feita por outro prisma: enfoques inovadores, olhares transversais que despertam novas ideias. 4) Dispomos de três meses para desenvolver 12 matérias, escolhidas entre as cem propostas iniciais. 5) Além da revista em si, imprimimos 40 encartes, realizamos mais de 30 eventos relacionados com o debate de ideias e editamos 17 livros.
Revista Número
A terceira revista é a Número, publicação independente que foi criada há 17 anos por um grupo de amigos provenientes do jornalismo, do setor editorial, das artes, da literatura e da tradução. Número resgata vários elementos interessantes do Magazín Dominical e da Gaceta, mesclados com um projeto que vai além da revista, pois inclui a publicação de livros e a organização de eventos de análise e reflexão. Assim, vem à tona o quinto princípio: constituir a publicação num polo de pensamento e criação.
Entretanto, como nada é perfeito na
vida – “não há paraíso sem serpente”, dizia o poeta –, o mais difícil em Número tem sido o financiamento e o marketing – aquilo que tínhamos garantido nas propostas anteriores. É preciso gastar tempo e energia para conseguir a publicidade que mantenha a revista e os recursos que financiem projetos paralelos. Falta consolidar nossa proposta de marketing. Ainda encontramos gente que se surpreende ao vê-la circular e nos pergunta onde nós andávamos. É preciso divulgar e distribuir melhor. A realidade hoje
Esta história de revistas culturais profundas e críticas é cada dia mais utópica. Esse tipo de revista faz parte das espécies em perigo de extinção, parece algo arcaico considerando as características que regem cada vez mais os atuais meios de massa – a rapidez, a busca de lucro, a banalidade, a moda, o fato de serem absorvidos por grandes grupos monopólicos, de produzirem um jornalismo a serviço de interesses políticos e econômicos. As práticas do consumo de massa poderiam, então, ser resumidas no slogan de uma água açucarada e colorida, vendida antigamente em embalagens plásticas: “morda, sugue e jogue fora”. Porém, nem tudo está perdido. Em diversos países existem revistas que contêm uma ou várias dessas características – poderíamos citar as espanholas Archipiélago e Claves de Razón Práctica. Na Colômbia, o simples fato de Número já sobreviver há 17 anos mostra que há muita gente interessada nesse tipo de publicação nos setores público e privado, dando o seu respaldo através de publicidade. A existência de mais de dois mil assinantes fiéis, os aproximados 160 mil acessos por edição na página da web e o fato de todo mês aparecerem jovens estudantes que querem trabalhar na revista nos mostram que há pessoas interessadas nesse jornalismo que busca aprofundar-se na condição humana.
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Encerrada a primeira década do século XXI – também a primeira de pleno vigor da internet –, profissionais da web e do jornalismo on-line começam a ter mais clareza sobre a comunicação na era digital. Concordam que é preciso incessantemente se reinventar e que a força colaborativa é vital. Sem capacidade de estimulá-la, não há como sobreviver no espaço que iguala grandes e pequenos em perfis de redes sociais. Como se recombinam virtualmente os princípios das publicações culturais? Este dossiê reúne uma reportagem, uma entrevista exclusiva com o editor de web da revista The New Yorker, Blake Eskin, e uma série de seis artigos. Editores de grandes jornais contam como promovem a reinvenção na internet, na tentativa de preservar a excelência das suas marcas. O editor de cultura do britânico The Guardian, Alex Needham, diz que faz parte do seu trabalho incentivar críticos a interagir com os leitores. Os artigos analisam aspectos variados da “invenção” propiciada pela internet, como a força dos comentários, as novas estruturas de texto, a colaboração, os blogs. O pesquisador Santiago Ortiz comenta perspectivas de hermenêutica visual e Joshua Benton, diretor do Nieman Journalism Lab, da Universidade de Harvard, discute possibilidades de financiamento. A cultura, segundo Benton, oferece um atrativo importante para os leitores: “Na cobertura das artes, o que não falta é paixão”.
O ILUMINISMO DIGITAL
//CLÁUDIA NINA
A Q U E D A D A BAS T I L HA
//PAULO MUSSOI
UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURa...
//RACHEL BERTOL
O TEX TO NEGOCIÁVEL
//ANA ELISA RIBEIRO
HERMENÊUTICA VISUAL T E I A D A E X T E N SÃO D O M U N D O
//SANTIAGO ORTIZ
//JOSÉ MARCELO ZACCHI
FERMENTO DE LINGUAGENS D A D E V OÇÃO À R E C E I T A
//FÁBIO MALINI
//JOSHUA BENTON
48 56 60 66 70 78 82 85
O I lumini s m o digit a l
//Claudia Nina
A história tem mostrado que as mídias e as interfaces não se destroem de forma apocalíptica, como pensam alguns
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Tudo ao mesmo tempo agora: veja, ouça, assista, opine, comente, compartilhe. A linguagem HTML nunca esteve tão dinâmica e plural. Ferramentas sofisticadas espalham-se pelos sites dos principais jornais e revistas do mundo. A palavra da moda: plataforma. O vocabulário da tecnologia envelhece tão rapidamente quanto os suportes e os softwares. Ao se duplicarem na web, as mídias precisam reinventar suas identidades e perfis com a mesma urgência com que a vida inteligente no mundo on-line se modifica. A mudança mais radical, porém, não está no produto digital em si, mas no destinatário final – o usuário. O leitor deixou de ser um consumidor passivo do conteúdo – passou a gerenciar e editar ele mesmo o que recebe como notícia. A informação transforma-se em um arranjo multimídia personalizado. Como a interseção de informações só é possível no meio digital, surgem ali formas variadas de literariedade; reinventa-se até mesmo a cronologia, pela linkagem de imagens e informações. Por isso, editores, jornalistas produtores de conteúdo e web designers precisam trabalhar para ampliar cada vez mais as opções de leitura do novo consumidor de notícia, superando desejos e expectativas. Ecologia midiática
No cenário das mídias digitais, a revolução no consumo é tema fundamental. “Além de produzir e editar conteúdos, o leitor, que sempre foi um duplo do livro, seleciona, faz seu arranjo, hierarquiza as informações. É hoje muito mais inteligente, porque gerencia RSSs, bookmarks compartilhados, optando pelos veículos que quer seguir no Twitter e com possibilidades de confrontar diferentes visões”, analisa a professora dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica e Tecnologias da Inteligência e Design Digital da
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PUC-SP, Giselle Beiguelman. A professora edita a seção “Novo Mundo” da revista eletrônica Trópico (http://p.php.uol.com.br/tropico/html/index.shl) e é diretora artística do Instituto Sergio Motta. Giselle é autora de livros que oferecem reflexões importantes sobre o tema: O Livro depois do Livro; Link-se – Arte/ Mídia/ Política/ Cibercultura; e Nomadismos Tecnológicos (com Jorge La Ferla), este ainda no prelo. A professora defende uma revolução da informação de forma integrada – as novas mídias jamais destroem as anteriores, mas cria-se o que se chama de “ecologia midiática”. Como ressalta Giselle: “A história tem mostrado que as mídias e as interfaces não se destroem de forma apocalíptica como pensam alguns. Elas são modificadas dentro de um processo de ecologia midiática. A cultura digital já modificou inteiramente a maneira como lidamos com o mundo impresso, da mesma forma que a cultura impressa segue presente no âmbito da cultura digital. Essa convivência prosseguirá. Vamos manter formatos adequados a todas as plataformas”. No mundo do “linke-se”, o texto impresso não desaparece como mágica. “O papel ainda é a única tecnologia integralmente wireless e portátil que temos. Funciona em qualquer lugar, sem conexão e sem tomada. É também o meio mais adequado para a leitura linear. O livro, como objeto, é um projeto de design muito bem-sucedido”, diz Giselle. A melhor narrativa interativa que se tem é ainda a dos games, com um conteúdo artístico e literário muito novo O que acontece (e pode parecer apocalíptico para alguns) é que as narrativas se modificaram para sempre, assim como as formas de recepção, leitura e consumo. É um caminho sem volta. De fato, há viagens que só as plataformas digitais podem oferecer. Um exemplo, pontuado em O Livro depois do Livro, é o projeto multimídia Tulse Luper Suitcases (http://www.tulselupernetwork.com/basis.html), de Peter Greenaway, que mostra algumas das múltiplas possibilidades do leitor de hoje. O projeto foi realizado em cinco mídias diferentes (cinema, TV, internet, DVD e livro). Para o diretor, o porte e a
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abrangência do trabalho demandavam variadas formas de apresentação. A história conta as aventuras de um homem –o Tulse Luper do título, escritor e projetista, que passou a vida preso em várias partes do mundo– a partir do conteúdo de 92 malas encontradas em diversos lugares. O eixo de movimentação é centrado em camadas luminosas que exploram as superfícies videográficas. A leitura vira uma experiência individual em arranjos inesperados.
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É claro que as opções disponíveis de leitura na web ainda estão sendo elaboradas pelos leitores. “Estamos tão enredados nas funções ‘leia, assista, ouça e compartilhe’ que ainda não exploramos todos os recursos de que podemos dispor. Mas certamente haverá um grande empenho e investimento em convergência tecnológica, ou seja, o máximo de funções num só dispositivo (de preferência móvel), caso dos smart phones e dos novos formatos de conteúdos multiplataformas”, analisa a professora Heloísa Buarque de Hollanda, coordenadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) UFRJ, diretora da Editora Aeroplano e criadora do Polo de Cultura Digital do PACC/UFRJ, e também curadora do site Portal Literal (http://portalliteral.terra.com.br/). No que diz respeito à fruição cultural na web, Heloísa também acredita que haja amplas possibilidades a serem ainda experimentadas, sobretudo no que se refere à interação. “O que se sente é que estamos longe da criação de convenções para o consumo da cultura digital para que ela se torne de fácil manipulação. A melhor narrativa interativa que se tem é ainda a dos games, cujo conteúdo artístico ou literário só está sendo desenvolvido muito recentemente. Por outro lado, a possibilidade de produzir conteúdo é o grande chamariz desse universo. Vide o Youtube ou o fenômeno fan fiction”, acrescenta a professora, referindo-se às ficções on-line criadas por fãs de obras às quais fazem referência. O Portal Literal é um bom exemplo de mídia digital em que o leitor se torna produtor de informação. Trata-se de um espaço híbrido de literatura compartilhada e de conteúdo editorial, escolhido e legitimado por uma equipe credenciada, além de conter o acervo de grandes nomes da literatura brasileira. Atua como uma comunidade on-line que produz e debate literatura e cultura vinculada à literatura em ambiente colaborativo, conjuga ferramentas da chamada Web 2.0 e permite aos usuários construir coletivamente seu conteúdo. Colaboração
À proporção que a qualidade dos dispositivos vai melhorando, o meio digital tende a ser o mais utilizado. Os editores à frente dos sites jornalísticos, tanto no Brasil quanto no exterior, concentram a mira de trabalho nas possibilidades da web, especialmente o potencial colaborativo. O jornalismo cultural só tem a ganhar com toda essa movimentação nas plataformas digitais, até porque a interação com artistas forma parcerias imbatíveis de criatividade. A inclusão do leitor em formatos nos quais é constantemente chamado a interagir incrementa a informação e amplia discussões, como explica o editor de cultura do site do jornal britânico The
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Guardian (http://www.guardian.co.uk/), Alex Needham. “Não podemos ir a todos os lugares, por isso os leitores são convidados a discutir no nosso site os shows e as exposições que não conseguimos ver, e a fazer as resenhas dos discos e dos filmes que não temos como comentar. O objetivo é criar uma espécie de comunidade. O jornal tenderá a se tornar muito mais colaborativo. Muitas pessoas possuem conhecimentos especiais que não temos, e um dos objetivos é acolher seus blogs, fazer curadoria, agregar conteúdo. Queremos dar impulso a esse projeto no site do Guardian”, afirma o editor. O site do Guardian é uma referência internacional de boa prática do jornalismo on-line, o que implica saber interagir com o leitor. Atualmente, o site da BBC e o do New York Times são seus principais concorrentes. Apenas cerca de 30% dos leitores do site são britânicos. Outros 30%, americanos e os demais se conectam de outras partes do mundo. Sob a responsabilidade de Needham, na editoria de cultura, há quatro editores para a web, de diferentes áreas, como música, cinema, artes. O jornal transpõe integralmente para o site o material preparado para o papel e produz conteúdos extras para a rede, fazendo uso de todas as ferramentas disponíveis, como Facebook, Twitter, Tumblr. O pesado investimento na web só tende a aumentar. “A ênfase está mudando, indo do papel para a internet. O tráfego na web vem crescendo muito, enquanto a vendagem do jornal (em papel) só faz cair. Se um está em declínio e o outro ascendendo, não podemos nos concentrar no que diminui”, comenta o editor. A possibilidade de transmitir histórias em diferentes formatos, agregando áudio e vídeo, potencializa o acesso ao público Para o incremento do site, segundo Needham, a interação entre críticos e leitores é fundamental. O diálogo, porém, nem sempre é fácil. “Ainda há críticos que se chocam quando as pessoas escrevem coisas duras sobre seus textos, mas acho que todos vão se acostumando mais à web. Uma das minhas funções é tentar quebrar essas barreiras. Os jornalistas precisam estar preparados para ter a sua opinião desafiada, às vezes de maneira vigorosa, pelos leitores. No fim, isso pode ser recompensador”, analisa o editor. O objetivo é ampliar as discussões, os meios de transmitir histórias, diversificando as formas narrativas, incluindo o áudio e a imagem, ou seja, potencializando o acesso ao público. “Mas é preciso ter a mente muito aberta,
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ser curioso a respeito dos novos tipos de comunicação e ter capacidade de aprender rapidamente. Os jovens têm mais facilidade, mas não é difícil aprender a lidar com essas tecnologias. Nós fazemos todo tipo de coisa: filmes, podcasts, experimentos no Twitter, no Facebook etc. São todos meios para transmitir histórias. Como jornalista, estou fascinado com tudo o que tem acontecido”, diz Needham.
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Os comentários e o conteúdo integral do site são abertos – ao contrário do que ocorre na maior parte dos grandes jornais brasileiros. E, por enquanto, não há planos de cobrar pelo acesso, afirma Needham: “Para que o conteúdo seja discutido e compartilhado em todo o mundo do jeito que queremos, ele não pode ficar escondido. A natureza colaborativa sobre a qual estou falando seria impossível se o conteúdo fosse fechado”. Ginga
A receita de um bom site de informação tem de incluir o respeito à vocação digital. Não adianta simplesmente fazer um jornalismo adaptado. Não dá certo. É o que assinala o editor-executivo de O Estado de S. Paulo, Pedro Dória. Eis alguns dos ingredientes, em sua opinião: agilidade, ginga, um tico de informalidade, espaço para interação, infográficos digitais sofisticados, programação de TV também esmerada, além de investimento nas caixas de comentários, buscando conversas mais profundas. Na versão on-line (http://www.estadao.com.br/), as antigas editorias transformam seus perfis, reinventam-se. “Tornam-se comunidades nas quais os leitores chegam para se informar, mas também para conversar sobre seus assuntos favoritos”, explica Pedro Dória. “Perceber que não apenas informamos, mas servimos de sala de estar ou mesa de bar é fundamental para compreender a web. Desde que começamos a mudar a maneira de pensar o site, há um ano, tivemos um excelente resultado”, diz o editor. Os sites apresentam diferentes particularidades e perfis de leitores. Não se pode generalizar. No caso de O Estado de S. Paulo, segundo Dória, não só a parte interativa e os recursos multimídia fazem a cabeça dos leitores, mas textos integrais vindos do papel têm muitas vezes uma aceitação inesperada. “Temos um leitor diferente dos outros sites noticiosos da internet. A íntegra de um discurso do ex-presidente Fernando Henrique, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a respeito de Gilberto Freyre, foi a segunda notícia mais lida do dia em que a publicamos. Em nosso ranking de mais lidas estão
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Irã, Israel, eleições, muita ciência, nossos colunistas e blogueiros”. O lema do site do jornal, segundo o editor, é simples: “Informar no suporte em que o leitor desejar”. Na trilha das reinvenções, o grupo Estado tem uma parceria inédita com a Microsoft na criação do canal MSN/Estadão (http://estadao.br.msn.com/). Alocado no Portal MSN, o canal é produzido e atualizado pelos jornalistas do Grupo Estado. Pedro Dória acredita que todos esses lances de inovação não alteram, porém, a essência do bom jornalismo: “É preciso apurar, confirmar as informações com cautela, publicar sem medo. Se a mesma linha editorial é mantida, as características do suporte podem mudar, leitores e jornalistas podem rejuvenescer, mas a alma permanece”. Posturas corporais exigidas pelas diferentes tecnologias criam demandas variadas de leitura e informação Esta “alma” do bom jornalismo, porém, terá de ser acolhida de maneira cada vez mais diversa, à medida que a tecnologia se sofistica. O computador é utilizado em posição de tensão: o leitor está sentado à mesa, de costas retas. Mesmos com os notebooks a posição não é de relaxamento; o smart phone também impõe pressa, já que a informação é consumida rapidamente, enquanto o leitor caminha, está no carro ou no intervalo das reuniões. “Os tablets e os e-readers são diferentes, pois convidam a uma forma mais preguiçosa de consumo”, analisa Pedro Dória. Para o editor, “o jornalismo feito para essa plataforma vai ser diferente. Adaptar o site para o tablet não bastará. Simplesmente transportar o jornal tampouco será suficiente. Os leitores têm expectativas para o conteúdo digital. Há que ser multimídia”. Teatrokê on-line
A reinvenção na web complementa de forma criativa e ousada a proposta do papel. Músicas, vídeos, trechos de peças dão um charme extra à versão digital da revista Bravo! (http://bravonline.abril.com. br/). De acordo com seu diretor de redação, João Gabriel de Lima, a ideia não é repetir o que o leitor já conhece, mas apostar no elemento surpresa. Um exemplo é a recente matéria em primeira pessoa sobre a experiência de uma repórter que participou de uma peça de teatrokê, modalidade cênica em que o espectador sobe ao palco e interpreta um papel de improviso, em São Paulo. O trecho da peça em que a moça aparece se aventurando em cena foi publicado no site da revista. Interatividade com bossa, a “ginga”, de que fala Pedro Dória, é o resultado de um jornalismo digital bem pensado. A boa pauta vem antes de tudo, até nas coberturas dos grandes eventos. “Durante a Flip por exemplo, pensamos em fazer uma matéria grande sobre as histórias que acontecem durante a festa, como um dicionário profano”, comenta João Gabriel. A colaboração dos leitores é sempre imprescindível. A revista lançou um projeto-piloto de cobertura intitulado
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“Seja um Repórter de Bravo! na Flip”, em três comunidades para que o leitor que estivesse na festa também pudesse enviar seus comentários. 54
Incrementando a vocação colaborativa do digital, a revista tem uma seção para revelar novos artistas, que podem enviar trabalhos para o site. Além do Prêmio Bravo! de Cultura, inclui-se uma premiação inédita: a de arte digital. Os trabalhos vão ser apresentados exclusivamente em vídeo, tendo como tema a vida e a obra do compositor Noel Rosa. Iluminismo
Na opinião da editora-executiva do site do jornal O Globo (http://www.globo. com/), Sonia Soares, o grande desafio das mídias na web é lidar com o fato de que não há fórmulas prontas, apesar da enorme movimentação das empresas do setor. Cada veículo procura um caminho de reinvenção dentro de uma realidade ainda nova. “Precisamos entender melhor o público, conhecer seus interesses diversos. Mas, em toda esta redefinição de posicionamento, o ponto de manutenção para a identidade dos veículos é o bom jornalismo, seja no papel ou no digital”. O Iluminismo popularizou a cultura no século XVIII, o que se mostrou revolucionário. Hoje não haveria motivo para temer os excessos
Ana Lucia Bush, diretora-executiva da Folha.com (http://www.folha.uol.com.br/), da PubliFolha e da Livraria da Folha faz uma análise da situação das mídias digitais de maneira promissora: “O modelo de jornalismo brasileiro de publicação de notícias na internet é único. Basta comparar a cobertura de qualquer grande evento de repercussão mundial: os sites brasileiros alimentam o noticiário a cada minuto, com uma precisão incrível. Um leitor acostumado a essa agilidade se sentiria frustrado ao acompanhar a mesma cobertura nos grandes sites europeus e americanos. Em termos de tecnologia, pode haver atraso na chegada de hardware, como
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os iPads, por exemplo, mas o desenvolvimento do software é concomitante”. Ou seja não adianta uma publicação se prontificar à reinvenção na web com mil ideias e projetos se, antes de tudo, a rapidez com que a informação circula não atender à mesma rapidez com que o leitor do digital – apressado como o coelho de Alice – busca informar-se. Ana diz que um dos movimentos mais importantes no que se refere à tecnologia é a criação de incrementos próprios sofisticados para atender às demandas que surgem ao longo dos anos, da mesma forma que aconteceu quando foram incluídos os primeiros vídeos, áudios e as ferramentas de comentários. Igualmente apostando na força do digital e dos novos dispositivos móveis, o jornalista Marcos Strecker, editor de mídias sociais da Folha de S.Paulo, explica que iniciativas como o Twitter e o Facebook tiveram aceitação enorme. Tendem a tomar em boa medida o espaço que sites de informação, inclusive noticiosos, ocupam. O e-mail, por exemplo, está em declínio. Tudo caminha para maiores inovações. “Isso não significa o desaparecimento do papel nem para a imprensa, nem para o mundo editorial, mas este vai precisar se adaptar aos novos tempos com textos mais completos, analíticos e bem escritos. Os novos suportes (como os e-readers, por exemplo) vão ter uma função complementar, com interatividade, apoio de som e imagens, atualização de informações on-line etc.”, analisa o jornalista. Para Marcos Strecker, do ponto de vista do conteúdo, ainda é uma questão aberta se haverá aumento e fertilização na qualidade e na diversidade da produção cultural. “Mas acho que o historiador Robert Darnton (autor de A questão dos livros, entre outros) tem razão. O Iluminismo também popularizou a cultura no século XVIII, uma das revoluções do período. Não há motivo para temermos os excessos do momento atual”.
*Colaborou: Rachel Bertol
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A qued a d a b a s til h a
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//Paulo Mussoi
Os editores estão perdendo a prerrogativa de decidir o que é notícia. Cada vez mais, são os leitores que pautam. Não é uma mudança fácil Há um sério erro que muitos jornalistas da chamada grande imprensa ainda cometem quando planejam produtos e serviços digitais para os sites dos veículos que representam (e isso vale tanto para os da velha quanto os da jovem guarda nas redações): achar que seu site de notícias é a mera transposição, para o meio digital, do conteúdo produzido em suas mídias originais – sejam elas jornais, revistas, rádios ou emissoras de TV. Infelizmente esse paralelismo, similar ao que foi adotado (e funcionou muito bem) nos processos de adaptação da comunicação de massa ao surgimento do rádio e da televisão, simplesmente não funciona com a internet. Longe de querer teorizar sobre as evidentes mudanças nos paradigmas do jornalismo, na forma pela qual a sociedade se relaciona com a informação e sobre o próprio fim do conceito de comunicação de massa, entre outras teses que os doutores andam postulando nas academias, quero usar este espaço para dar o que considero um exemplo prático – extraído da minha experiência com redações on-line nos últimos 12 anos – de como se torna quase imprescindível ao jornalista do século XXI aceitar que ele não é mais o único responsável por decidir o que é e o que não é notícia. Esse poder está cada vez mais, inexoravelmente, nas mãos dos leitores também. Há várias formas de observar isso. A mais evidente talvez esteja logo ali, nas seções de comentários de notícias dos sites dos grandes veículos de comunicação. Mais lá fora do que aqui no Brasil, são as reações (e não mais a mera audiência) dos leitores que pautam as apostas de um veículo em determinado assunto. Para mais além: o debate que um assunto gera entre os leitores muitas vezes passa a ser a notícia em si. Quando isso acontece, literalmente sai das mãos do editor ou do repórter a prerrogativa de decidir sozinho o que é importante ou não. Um exemplo emblemático, ocorrido ano passado no
dOSSIÊ // COMENTários digitais
Brasil e na Itália, foi o caso da campanha de outdoors de uma grife de Milão que usava imagens pouco amigáveis da polícia do Rio de Janeiro agredindo modelos. Coube aos leitores brasileiros que moravam na Itália, através de comentários em blogs e sites de notícias do Brasil, denunciar e evocar a necessidade de cobertura do fato. O que acabou acontecendo e rendeu um pedido de desculpas público da grife, bem como a retirada dos cartazes das ruas de diversas cidades italianas. Este é só um caso, entre tantos outros, que mostra o quanto “ler” agora é só uma das atividades do “leitor” de um site de jornalismo. Pois ele também pauta, critica, debate e gera, sozinho, a notícia. Tudo para, ao fim e ao cabo, produzir, junto com a redação formal do veículo que ele acompanha, um conteúdo mais adequado às suas necessidades de obter – e compartilhar – informação. Nada disso é mudança fácil de engolir. Especialmente para nós jornalistas, que passamos quatro anos estudando e sabe lá Deus quantos mais militando nas redações em busca de especialização e reconhecimento na profissão. De repente, tudo muda. Mas o fato é que já há veículos que engoliram o choro, apagaram a vela e começam a tentar entender como o jornalismo tradicional vai se relacionar com as ferramentas que transformam qualquer cidadão num repórter. Como o americano Huffington Post, que nasceu como um simples blog, transformou-se num dos mais influentes sites de notícias dos Estados Unidos e agora aposta suas fichas numa plataforma de publicação e armazenamento de dados baseada no relacionamento contínuo com o leitor, relacionamento este capaz de valorizar tudo o que ele faz não apenas dentro do site, mas também nas redes sociais externas que frequenta, como o Twitter e o Facebook. Num degrau abaixo desse vanguardismo, temos jornais tradicionais, especial-
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mente o inglês The Guardian e os também americanos USA Today e New York Times, que estão dedicando tempo e dinheiro para se transformar, eles próprios, em grandes comunidades de informação e debate, nas quais leitores e jornalistas ocupam espaços distintos, porém hierarquicamente equivalentes. No Brasil, os conteúdos colaborativos continuam no “curralzinho” onde os jornais se acostumaram a estacionar seus leitores Aqui no Brasil, o cenário ainda é um pouco diferente. É fato que nos últimos anos a participação dos leitores no noticiário vem crescendo vertiginosamente. Entre 2006 e 2010, por exemplo, o volume de comentários publicados por leitores no site de O Globo, o primeiro dos grandes jornais brasileiros a adotar o sistema, cresceu de dez mil para mais de 250 mil intervenções por mês. Porém, sem as ferramentas mais adequadas para gerenciar todo esse conteúdo, o crescimento aparentemente louvável corre o risco de agregar mais dor de cabeça do que valor ao noticiário do jornal, transformando os comentários na expressão digital de uma gigantesca e pouco relevante seção de cartas de leitores: mal lida e mal aproveitada. Coisas assim acontecem porque, ainda circunscritos a áreas secundárias, orbitando o noticiário principal sem dele fazer parte de verdade, os conteúdos colaborativos continuam no velho “curralzinho” onde os jornais brasileiros se acostumaram durante décadas a estacionar seus leitores. A visão de que o leitor “é um chato” ainda grassa em nossas redações do século XXI. E se repete, infelizmente, nas suas versões on-line. Interessante notar, contudo, que isso não é de todo má notícia. Para um país em que o jornalismo impresso não está em crise – diferentemente do que acontece na Europa e nos EUA –, mexer com urgência nos paradigmas de edição, armazenamento de dados e relacionamento com os leitores não é mesmo prioridade. Afinal, o time está ganhando. Mesmo assim, já podemos ver alguns exemplos
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auspiciosos de incentivo e aproveitamento inteligente de conteúdo de leitores que podem sinalizar um princípio de mudança de cenário. Ou, pelo menos, um ensaio, uma preparação para quando a nova realidade bater de vez na nossa porta. Um desses exemplos está também no jornal O Globo, que peleja contra a desorganização de seu conteúdo colaborativo publicando, sistematicamente, em suas edições impressa e digital destaques pontuais das reações dos leitores aos principais assuntos do noticiário. Parece pouco, mas para fazer isso o jornal emprega uma força de trabalho especialmente dedicada a manejar esse tipo de conteúdo. O que já é um sinal de que o apêndice, o “curralzinho”, aos poucos vai se espalhando no organismo da redação. Já a Folha de S.Paulo adota, em suas páginas on-line, uma ferramenta que permite ao leitor enviar correções de informação sobre determinada matéria diretamente às equipes que as publicaram, para imediata alteração no texto publicado. Uma lição de humildade até pouco tempo atrás inviável nas redações tradicionais, onde a publicação de uma errata solicitada por um leitor só era possível mediante bênção papal e carimbo da Presidência da República. Especificamente na área cultural, Folha e Globo também permitem, em seus guias on-line de programação e entretenimento , que os leitores enviem à redação suas próprias indicações de eventos, prontas para publicação. No caso do Globo, qualquer leitor pode também escrever e publicar uma crítica sobre filme, restaurante, show ou peça de teatro. O problema é que a falta de integração desse sistema com o restante do noticiário – uma questão, nesse caso, tecnológica, e não conceitual – ainda reduz muito a relevância das contribuições. Uma deficiência que, lá fora, sites especializados como o da Time Out, da Inglaterra, já solucionaram. No caso do site inglês, que é a Bíblia do entretenimento nas principais cidades do mundo, a coparticipação dos leitores na elaboração de suas recomendações recebe grande destaque sem comprometer a qualidade das informações oferecidas. Pelo contrário, ali os comentários dos leitores ajudam a revestir as indicações de autenticidade e democracia.
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U m a expe r iênci a de leitu r a dif í cil de r eplic a r n a r ede //Rachel Bertol 60
“O maior desafio para convencer os autores da revista a participar da internet é fazê-los pensar em diferentes modos de escrever.” Desde 2006, Blake Eskin é o editor de web da revista The New Yorker, na qual vem realizando um trabalho pioneiro, ao conquistar progressivamente os autores da publicação, fundada em 1925, para o uso das ferramentas da internet. Sua missão é delicada, como deixou claro nesta entrevista, pois a instantaneidade e a fragmentação de linguagens e narrativas na rede desafiam características essenciais da revista, cujo “objetivo primordial é produzir um excelente produto semanal que se aproxime da perfeição”. “Quem escreve para The New Yorker costuma publicar algumas vezes por ano, pois mergulha muito tempo nas suas histórias e constrói a narrativa aos poucos, pesando cada palavra cuidadosamente. Na redação, cerca de dez, 15 ou 20 pessoas leem seu texto, e todos os fatos são conferidos”, disse Eskin, que comanda o podcast semanal The New Yorker Out Loud, em que os jornalistas e autores conversam a respeito das histórias que escrevem. “O maior desafio para convencer os autores da revista a participar da web é fazê-los pensar em diferentes modos de escrever, em diferentes modos de escrita profissional”, observou o editor, ele próprio um escritor. Seu livro A Life in Pieces: The Making and Unmaking of Binjamin Wilkomirski foi eleito pelo jornal The New York Times um dos notáveis de 2002. Nesta entrevista concedida por telefone, contou como vem trabalhando para preservar na web a identidade da revista, que tem de dois a três milhões de leitores no mundo. O conteúdo é fechado para assinantes do site, que oferece gratuitamente material suplementar e amostras do que é produzido na redação. “Este é um momento fascinante”, afirmou Blake Eskin duas vezes ao longo da conversa.
dOSSIÊ //ENTREVISTA // BLAKE ESKIN, EDITOR DE WEB DA THE NEW YORKER
O que mudou no site da revista desde que você começou o seu trabalho, em 2006?
Uma das primeiras coisas que eu fiz foi mexer no design. O site ganhou outra cara, com uma nova ordenação para o conteúdo. Fizemos muitas coisas: ele se tornou mais multimídia e oferece melhores ferramentas de navegação, facilitando encontrar o que se procura nele. Precisei lidar com dois sistemas: o tecnológico, fornecido pela companhia que publica The New Yorker, e o da revista em si, que é uma instituição. Parte do meu trabalho consiste em encontrar meios de envolver as pessoas da redação, fazendo-as sentir que The New Yorker não é mais apenas uma versão impressa que sai uma vez por semana ou 47 vezes por ano. Blake Eskin:
Acha que os jornalistas resistem? Eskin: Há quem definitivamente tenha aceitado a tecnologia e a oportunidade de escrever sobre temas que não teria a chance de outra maneira. O sistema da The New Yorker não é igual ao de outras revistas, em que você pode acompanhar a evolução dos acontecimentos ao longo de diferentes edições. Nela, o assunto é em geral tratado apenas uma vez. Mas houve um caso interessante com uma história escrita por George Packer sobre a situação de iraquianos que trabalhavam com as forças de coalizão americanas. Através do site, o autor manteve acesa a causa dessas pessoas que ajudaram os Estados Unidos (EUA) a conquistar seus objetivos no Iraque, mas às quais o Congresso e o governo americanos não estavam muito preocupados em dar assistência, dando-lhes vistos, por exemplo. Essas pessoas enfrentavam graves perigos no Iraque. Foi o exemplo de um assunto que continuou vivo no mundo através do site. Agora, se algumas pessoas abraçaram a tecnologia, outras realmente se veem como escritores, e tudo que precisem fazer além de redigir para a revista é visto como extra, não como parte do que devam fazer. Meus esforços têm ajudado a envolver as pessoas. Há também uma combinação de economia com tecnologia que, nos últimos quatro anos, tem feito a situação mudar bastante: mais gente está atenta e aberta à tecnologia. As pessoas acabam experimentando o que a princípio não fariam e depois gostam. Por exemplo, fazemos dois chats semanais ao vivo sobre artigos, e uma coisa é saber que você escreve numa revista com um milhão de leitores na esperança de que dois ou três milhões de pessoas leiam o seu texto. Porém, é muito
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diferente ter uma conversa com cem dessas pessoas realmente fascinadas pelo seu trabalho. Isso surpreende a muita gente, e é muito recompensador. Deve ser uma experiência bastante diferente para os profissionais da revista, não?
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Eskin: Para realizar o chat, que é ao vivo, usamos um serviço chamado Cover it Live. Mas já tínhamos começado a realizá-lo antes de existir essa tecnologia: os leitores enviavam suas perguntas e depois publicávamos as respostas. O processo todo levava uma semana. Só que os autores ficavam preocupados quando iam escrever. O maior desafio em atrair os autores da revista para a web é fazê-los pensar em diferentes modos de escrever, em diferentes modos de escrita profissional. Quem escreve para The New Yorker publica apenas algumas vezes por ano, pois mergulha muito tempo nas suas histórias e constrói a narrativa aos poucos, pesando cada palavra cuidadosamente. Na redação, cerca de dez, 15 ou 20 pessoas leem seu texto, e todos os fatos depois são conferidos. As pessoas estão acostumadas a isso, e nos EUA os jornalistas de revista são pagos por palavra, modelo que os paralisa muitas vezes. Podem escrever um e-mail rapidamente para a sobrinha ou a lista de supermercado, mas pedir que escrevam publicamente de modo diverso ao que estão acostumados é um grande desafio. Foi um dos motivos por que iniciamos o podcast, pois era a oportunidade de fazer bem uma coisa, com orçamento limitado e a participação dos escritores, sem que precisassem escrever. Aos poucos, eles estão se acostumando e gostam da experiência. Alguns, quando vão cobrir uma história, já me pedem para levar uma câmera de vídeo. Muita gente está começando a entender que não se trata de criar mais trabalho pelo mesmo dinheiro. Mas é sempre um desafio, seja para o profissional que faz parte do staff, ou para quem é pago por palavra. Na web, às vezes 20 palavras valem mais que duas mil. Mas fizemos grandes avanços nos últimos quatro anos. Quando começaram o podcast?
Eskin: Em 2007 iniciamos dois e agora temos quatro. Na época, criamos o Monthly Fiction Podcast. The New Yorker é uma das poucas revistas nos EUA que ainda trazem ficção em todos os números. Parte por causa de problemas de copirraite e parte porque queríamos fazer algo diferente, passamos a pedir aos autores que escolhessem uma história do nosso arquivo para ler. The New Yorker existe desde 1925, sua história é muito rica e conta com a colaboração de grandes autores. Alguns escolhem contos icônicos e outros, textos esquecidos que merecem ser resgatados. É muito forte ver pessoas lendo histórias que as influenciaram de fato. É diferente de atores lendo, é diferente ainda de o escritor ler a sua própria história. Às vezes há combinações muito interessantes. O Nobel Orhan Pamuk leu um texto de Nabokov – o texto de um russo lido com sotaque turco. Pamuk parecia estar muito próximo daquele lugar de leitura, que era totalmente seu. Assim, as histórias ganham um novo sabor. Em 2008, eu comecei um talk show semanal, o New Yorker Out Loud, em que autores da revista conversam sobre suas histórias. Muita gente lê a revista, mas outras muitas também gostariam de ler, e não conseguem por falta de tempo. Nós lhes damos, assim, uma amostra daquilo que fazemos. O podcast é gratuito: trata-se de uma maneira de convidá-las para a revista, para as histórias e de chamar a atenção para o que representa The New Yorker.
dOSSIÊ //ENTREVISTA // BLAKE ESKIN, EDITOR DE WEB DA THE NEW YORKER
Permitir o acesso aos arquivos também deve ser um ótimo chamariz para assinaturas, não?
Botamos o arquivo completo em DVD, e isso foi antes de eu chegar aqui. Agora está disponível na internet, onde é possível folhear as edições desde 1925. No momento, estamos desenvolvendo um formato de aplicativo para que The New Yorker possa ser lida pelo iPad. O interessante é que poderemos atingir um público maior no exterior. Tenho amigos que vivem fora e, para eles, The New Yorker é muito cara. Se encomendam pelo correio, chega três semanas depois. Com o iPad, há a promessa de se ter acesso à revista por um preço melhor, em vez de seus amigos precisarem trazer de Nova York uma pilha de revistas para você. Este é um momento fascinante. Estamos entrando na era da leitura eletrônica, e The New Yorker poderá atingir um público bem mais amplo no exterior. Eskin:
Nós nos esforçamos para realizar coisas com a mesma sofisticação e perspectiva dos nossos escritores, mas que seriam impossíveis na publicação semanal Quantos leitores tem o site da The New Yorker?
Nossos visitantes únicos por mês são uma faixa de dois a três milhões de pessoas, dependendo do mês, do tema tratado e do que está nas notícias. Esse número em parte cresceu porque pudemos realizar coberturas mais seletivas. Não botamos no ar cem coisas diferentes por dia, mas buscamos realizar uma cobertura fora do ciclo da revista. Quando Barack Obama foi eleito, tivemos realmente muitas pessoas enviando posts, de diferentes partes do mundo. Não precisamos esperar a edição semanal. Há um imediatismo, uma informalidade e interatividade na internet que inevitavelmente não se consegue na revista semanal. O objetivo primordial da revista é publicar um excelente produto semanal que se aproxime da perfeição. Na internet, podemos ter artigos suplementares, com vídeos, música ou som que estejam sendo discutidos numa história. Quando houve o julgamento sobre a legalização do casamento gay na Califórnia, o site foi alimentado com notícias sobre o que acontecia. Nós nos empenhamos para realizar coisas com a mesma sofisticação e perspectiva dos nossos escritores, mas que seriam impossíveis na revista semanal. Eskin:
Acha que os leitores na web e no papel possuem expectativas diferentes? Eskin: A primeira expectativa das pessoas é que na internet seja tudo de graça (ele ri). É uma diferença bastante grande em termos de expectativas. Mas é difícil dizer. De fato, há uma pequena sobreposição entre quem lê a revista na web e quem a lê na versão impressa, mas eu acho que o problema em ler na
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internet – particularmente The New Yorker – é que na web, ao ler um artigo com 20 telas, você não precisa decidir se vai avançar para a próxima página, mas se vai conferir seu email, escrever algo no Twitter ou ver um vídeo. Há muitas coisas que podem ser feitas. Se você está no escritório, talvez precise voltar ao trabalho. Mas The New Yorker, na versão impressa, oferece basicamente uma experiência meditativa. Para ler a revista, você se retira do barulho. Há muitas outras fontes de informações, como a televisão, mas o leitor confia na revista para ler algo interessante uma vez por semana. É preciso se concentrar nela, seja enquanto toma uma xícara de chá ou descansa na praia. É uma revista bonita, bem desenhada, mas você não a lê como se estivesse fazendo compras no shopping: ela oferece essencialmente uma experiência de leitura. Essa característica talvez seja o motivo do crescimento da circulação da revista impressa, apesar de já estar há dez anos on-line com parte do conteúdo gratuito. Na frente do computador, a concentração é difícil. Artigos curtos funcionam melhor na web. A seção Talk of the Town, da revista, por exemplo, é bem adequada ao site. Na sua opinião, a versão na web poderá um dia ser mais importante que a do papel? Eskin: É difícil dizer, eu não sei ainda. A web tem conteúdo diverso, com blogs originais e material suplementar para algumas histórias. Hoje é um canal de distribuição para a revista. Mas, à medida que as pessoas forem se transformando em “e-readers”, poderão fazer novos usos do site, com novas maneiras de ler. A revista impressa é publicada uma vez por semana, mas qual será o sentido de haver uma revista semanal na web? Este é um momento fascinante. O que eu posso dizer, por enquanto, é que pedir para as pessoas passarem três meses trabalhando num assunto, com reportagens investigativas, não é um modelo de negócios muito sustentável na web. Na revista impressa, não estamos apenas fornecendo informação, mas uma perspectiva, uma experiência que é realmente difícil de replicar na web, e esta é de fato uma questão importante. Eu espero que venha a ser um modelo sustentável na internet, pois não sei de que outra forma será possível continuar a produzir, por exemplo, uma história de 15 mil palavras sobre pena de morte. Precisamos de pessoas que paguem para ler e precisamos de publicidade para dar sustentação a tudo isso.
dOSSIÊ //ENTREVISTA // BLAKE ESKIN, EDITOR DE WEB DA THE NEW YORKER
Você questionou a ideia de periodicidade na internet, ou seja, se de fato há sentido em haver uma revista semanal na web. Acha que o espaço se torna mais importante que o tempo na internet? O tempo na internet se reduz ao imediatismo? Eskin: Sim.
Sempre buscamos reunir nossa comunidade de leitores da The New Yorker. Podemos fazer isso melhor que a revista impressa. Queremos criar um espaço com pessoas interessadas em se conectar umas com as outras. Isso é muito importante. Também estamos lidando com o crescimento das redes sociais. Era algo que não existia na magnitude atual até dois anos atrás, e agora até minha mãe e minha sogra estão no Facebook. Temos leitores mais velhos e outros mais jovens. Ter acesso a essas pessoas, com seus nomes verdadeiros, envolvidas em conversas sérias é um desenvolvimento recente da cultura na internet. Por exemplo, podemos criar uma comunidade com nossos leitores a partir dos eventos que promovemos, como o nosso festival anual, que acontece todo mês de outubro, em Nova York, com performances e diferentes encontros. Se é difícil preservar a identidade da revista na web, pode ser ainda mais difícil nas redes sociais, não acha?
Não sei. Publicamos uma capa divertida com uma foto de Obama e Michelle, os quais, em vez de se cumprimentarem apertando as mãos, batiam na mão um do outro para se saudar. Isso era conhecido como um gesto terrorista, e a capa mexeu com o medo das pessoas. Temeram que Obama fosse um terrorista, um muçulmano secreto, houve enorme controvérsia. Recebemos muitos e-mails, e alguns com linguagem muito desaforada, mas o único lugar em que vi uma conversa civilizada a respeito do assunto foi no Facebook. Surpreendeu-me, e acho que isso aconteceu porque lá as pessoas usam o nome verdadeiro e não era possível ficar furioso e ser desaforado de maneira irresponsável. Isso me chamou a atenção: as pessoas podem escrever para os editores dizendo todo tipo de coisa, mas em público, no Facebook, tiveram um debate civilizado. Eskin:
Você começou falando sobre tecnologia: como trabalham com esse setor no dia a dia? Eskin: Temos uma equipe de apoio e aprendemos com eles, vendo o que é possível fazer: botar as conversas ao vivo, trechos de capítulos. Procuramos usar ferramentas gratuitas. Parte do que realizamos na web é uma improvisação que seria bastante difícil na revista impressa.
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O text o neg o ciável
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//Ana Elisa Ribeiro
Está em questão tudo o que aprendemos para a cultura impressa, sem respostas imediatas. Na internet, redigir é abrir caminhos prováveis Escrever um texto para publicação era a primeira etapa discreta do processo editorial. Tudo começava no “manuscrito”, palavra que ainda hoje se emprega para chamar aquele texto original que sai das mãos de algum redator (ou escritor). O computador veio desestabilizar esse processo, mixá-lo, demovê-lo e removê-lo, aproximá-lo de uma produção de sequências menos claras. Os editores de texto permitem e provocam ações antes estranhas, tais como gravar um documento antes de escrevê-lo ou arrastar frases inteiras e inseri-las no corpo de um texto em franca modificação. O ato de selecionar trechos parece hoje lógico e fácil, algo que jamais havia sido quando a escrita circulava exclusivamente no papel (ou na hipótese de espaços analógicos e físicos). Nesse ambiente de grandes possibilidades, o que é o texto? Também uma possibilidade. Um provável que pode se transformar a qualquer momento. Na web dita 1.0, o texto já era aberto à correção, à desistência e ao incremento. Na chamada web 2.0, ele é, ainda, editável por muitos num espaço virtual de negociações e de eternas versões beta. Para o jornalismo, o computador e a web se transformam no cenário de mudanças drásticas. Ferramentas on-line e off-line roubam a cena da redação, ampliando as possibilidades da cultura escrita. A cibercultura, ao contrário do que muitos sugerem, só reforça uma cultura do texto, da diagramação e da edição, inclusive popularizando um jargão que, há algumas décadas, apenas os iniciados poderiam usar. Editar, diagramar, caixa-alta, fonte, corpo, entrelinha são agora vocabulário empregado entre leigos e entre jornalistas que procuram se ambientar. As tecnologias da escrita e as técnicas de produção sempre se flertaram. Reza a lenda que a pirâmide invertida, técnica de redação jornalística amplamente ensinada (ainda hoje) nos cursos de Comunicação Social, teria nascido das condições de envio de mensagens durante uma guerra norte-americana. O lide teria surgido da necessidade de se enviar o sumo da notícia primeiro, antes que a “linha caísse”.
dOSSIÊ //Escrever na cibercultura
Que sentido isso faz na web? Estão em questão todas as coisas que aprendemos para a cultura escrita impressa, com a possibilidade de que as respostas nos cheguem apenas após a experimentação. Dessas tensões, surgem novos modelos de redação, em tese relacionados a um novo modo de produção e, principalmente, de circulação e recepção (leitura). A pirâmide deitada, proposta pelo português João Canavilhas, e o news diamond, modelado pelo norte-americano Paul Bradshaw, denotam um esforço de compreensão do funcionamento da produção de textos para a web (ou na web). Trazem também para perto do jornalista uma forte preocupação com as preferências e os comportamentos observáveis do leitor que clica, escaneia, desiste, retorna, foge e se fideliza. Então escrever para a web não é mais como escrever como sabíamos? Ao que parece, não. A relação produtor/leitor não pode mais ser vista como a de duas pontas extremas. O contato entre ambos está por um fio, às vezes nem isso O que restou dos manuais de redação? O que faremos com nossos padrões, construídos ao longo da história de nossa empresa de comunicação? Fazendo uma comparação entre antigos guias para a produção textual e os manuais de webwriting de hoje, é possível verificar tanto as tentativas de maquiar velhas recomendações (concisão, leveza, correção, padronização, coesão, coerência) quanto o nascimento de novas preocupações (links relevantes e acessíveis, camadas de texto em pequenos blocos, som, vídeo, hipermídia). Nesse sentido, estamos diante de um novo modo de edição, em que muitos profissionais, meio indistintamente, trabalham nos mesmos produtos, inclusive textuais, não raro tendo o leitor como colaborador. Estamos também, ao que parece, diante de um novo modo de circulação, não concorrente, em que textos se espalham sem deixar de estar no mesmo lugar; de um novo modo de leitura, em que fica razoavelmente claro para o leitor que o jornalista está logo ali, atrás do link; e ainda de
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um novo modo de produção de texto, explicitamente multimodal, em que o redator não se restringe ao verbo ou à simples encomenda do paratexto. 68
Trata-se, agora, de projetar a superfície para a leitura, planejando-a em todas as suas camadas. Temse um texto axial, produzido pelo mesmo redator para várias plataformas, com ajustes sugeridos por cada meio de publicação, embora isso nem sempre se verifique em revistas e jornais que possuem versões impressas e web. Escrever para a web (e na web) não repete todos os gestos da produção impressa. Não os exclui, nem os desconsidera, mas demanda novas competências. O redator continua sob a exigência de saber executar bem sua tarefa. Isso não se compra junto com as ferramentas, os softwares e os periféricos. As habilidades de pensar a produção web são construídas sob o olhar atento do leitor, com base em medidas dadas pelo uso e pela disponibilidade de aplicações. Experimentar a web e construir novos manuais de redação são ações casadas, que andam juntas com a emergência de práticas de leitura também repaginadas e, melhor dizendo, reposicionadas, para dar espaço a um novo repertório na boa e velha cultura escrita. Remodelando práticas jornalísticas mais gerais, é possível encontrar propostas como a de Bruno Rodrigues, adotadas pelo governo brasileiro (http://www.governoeletronico.gov.br/) ou as recomendações mundialmente conhecidas de Jakob Nielsen (http://www.useit.com/papers/webwriting/). No entanto, a web provoca outras pulsações na cultura escrita. Para o jornalismo cultural, talvez seja mais interessante beber das águas da experimentação literária. Projetos como o de André Vallias (http://www.andrevallias.com/) traçam uma linha tênue entre o design/desenho e a escrita, rememorando as escritas não alfabéticas. O “ambiente poético imaginário” Palavrador (http://1maginari0. blogspot.com/2009/03/palavrador.html), escrito a várias mãos por artistas, escritores e programadores engenheiros (Ciclope Ateliê Digital - http://www.ciclope.art.br/), explicita o projeto coletivo numa escrita radical, mais do que na superfície, uma escrita em ambiente imersivo. Essas amostras dão ideia da quantidade e da qualidade das experiências escriturais na web (mais do que para a web), cujos produtos explicitam a hibridez da linguagem e terminam por demandar uma leitura diversa daquela (já complexa) da página comportada. Os dispositivos técnicos de leitura também provocam o leitor (Kindle, iPads e smartphones). No entanto, essa relação produtor/leitor não pode mais ser vista como a de duas pontas extremas. O contato entre ambos está por um fio, e às vezes nem isso.
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h e r menêutic a vi s u a l
//Santiago Ortiz
Veremos uma explosão de conteúdos, de sistemas e métodos inovadores para que se possa navegar pelo organismo da informação
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hermenêutica
A hermenêutica é a prática da interpretação de textos. Em particular, aplica-se à interpretação dos livros e tem uma ampla tradição no caso dos livros sagrados. Também tem grande importância no caso da filosofia, em que se estabelece uma profunda relação entre a interpretação e a compreensão, e também entre existir no mundo e interpretar e compreender o mundo. A leitura não é a única forma de obter conhecimento de um texto. A crítica literária, por exemplo, é uma prática que, embora contenha o ato da leitura, é muito mais ampla do que esta e representa uma forma de interpretação (que produz, por sua vez, um novo material interpretável). Por outro lado, os livros não são as únicas entidades que nos fornecem textos (pelo contrário, parece que a quantidade de texto contida em livros já foi superada pela de outros suportes). Há muito tempo, alguns autores notaram que as cidades modernas são legíveis (são como livros), transbordam textos. Outras mídias, como a televisão, o cinema e o rádio são textualmente ricos e, obviamente, a internet se tornou o maior recipiente de textos nunca antes criado. A nossa cultura pode ser compreendida por meio dos textos que produz? É possível que não, mas, sem dúvida, ter acesso a esses textos não nos coloca em uma posição privilegiada. Entretanto, o simples acesso a grandes quantidades de texto não constitui, por si só, uma fonte de conhecimento e compreensão. São necessárias também habilidades e ferramentas hermenêuticas. visualização de informação
A visualização de dados, ou visualização de informação, é uma prática que está no auge. Este auge coincide, obviamente, com o acesso a enormes quantidades de informação e a ferramentas e técnicas para essa prática. Entretanto, o próximo gráfico mostra um claro exemplo de visualização de dados
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Mapa ilustrativo das sucessivas perdas de homens na campanha da Rússia 1812 – 1813, criado por Charles Minard em 1869.
criado no século XIX e que narra como o exército de Napoleão foi perdendo praticamente todos os seus homens na ida e na volta da invasão à Rússia. A visualização de informações se tornou uma ferramenta cada vez mais comum tanto no âmbito científico quanto no contexto de mercados e finanças, nos esportes, na saúde e no jornalismo; a prática se democratizou. É assim que, por exemplo, na Copa do Mundo da África do Sul apareceram dezenas de projetos deste tipo motivados pelo desejo dos torcedores de ter acesso à informação extremamente detalhada sobre estatísticas de times, de jogadores, de jogos ou de toda a Copa.
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Este ambiente interativo (www.estadao.com.br/especiais/2010/06/copa_jogadores.shtm#bb-md-noticia-tabs1) mostra o país de origem e o país que “importou” os diversos jogadores participantes em diferentes Copas do Mundo.
O conceito de informação é tremendamente amplo. Até a ideia de dado, que precede a ideia de informação e é um conceito mais restrito, continua sendo difícil de delimitar. De qualquer forma, os textos são, entre outras coisas, dados e informações, e é possível aplicar técnicas de visualização de informações em textos. hermenêutica visual de textos, exemplos
A visualização de textos pode ser entendida como uma prática que amplia a hermenêutica, ao menos nos casos em que é útil para interpretar e compreender. Um texto é uma fonte de dados da qual emergem múltiplos significados e relações que, em muitos casos, a leitura não pode discernir. Existem muitos exemplos interessantes de visualização de textos que ajudam a ampliar o âmbito de sua compreensão ou a revelar estruturas e padrões invisíveis. A seguir, comentarei alguns exemplos recentemente publicados e outros simples realizados por mim.
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1. understanding shakespeare Stephan Thiel, http://www.understanding-shakespeare.com
São aplicados diferentes processos visuais aos livros de Shakespeare, revelando estruturas sintáticas e semânticas.
2. one book, many readings Christian Swinehart, http://samizdat.cc/cyoa
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Este projeto abrange múltiplos estudos visuais sobre a Coleção Choose Your own Adventure1 [Escolha sua própria aventura], livros nos quais o leitor toma decisões que o levam a diferentes capítulos e, por fim, a diferentes finais. Cada livro apresenta, então, diferentes estruturas bifurcadas. Por outro lado, nestes livros-jogos há finais bem-sucedidos; neutros; e fatídicos, aspecto que também é analisado neste projeto. 1 PACKARD, Edward. Coleção Choose Your own Adventure. (Nova York: Bantam Books, 1979 a 1998).
3. bookscraper Times on-line, http://labs.timesonline.co.uk/bookscraper
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Análise individual e comparativa de milhares de obras em inglês (inclusive as traduzidas).
Essas análises estatísticas visualizadas de diferentes formas se concentram principalmente no vocabulário utilizado nos textos. 4. amarelinha(s)
Fluxo de personagens em O Jogo da Amarelinha, leitura linear
Fluxo de personagens em O Jogo da Amarelinha, leitura não linear
O Jogo da Amarelinha2, de Julio Cortázar, é um livro que permite pelo menos duas leituras diferenciadas: uma leitura linear e uma leitura que transcorre ao longo de vários capítulos em que o leitor segue um guia numérico. Os diagramas mostram como, nas duas diferentes leituras propostas, a quantidade de aparições dos personagens principais por capítulo se modifica. 2
CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970).
dOSSIÊ //Interface e design
5. relações entre personagens da Bíblia
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Rede de personagens principais da Bíblia determinada por contagem de coaparecimento na mesma frase.
Contabilizando o número de vezes em que os personagens são mencionados numa mesma frase, é possível gerar uma rede de relações entre eles. Uma versão interativa permite selecionar uma relação e acessar todas as frases da Bíblia nas quais a dupla de personagens é mencionada. Isto demonstra que os métodos de visualização de textos não tentam substituir a leitura e inclusive são capazes de construir guias e acessos para ela. 6. a internet como um grande texto É possível ler a internet considerando que se pode procurar sentido no enorme conjunto de textos: tratar este conjunto como um grande texto (tal como a Bíblia e o I Ching: ambos de múltiplos autores de diferentes tempos e lugares). Neste exemplo (desenvolvido em inglês), pego um grande conjunto de
adjetivos e, usando o Google, realizo buscas de todas as frases com a estrutura “data is”+[adjetivo] e “information is”+[adjetivo]. Cada busca me indica quantas vezes a frase aparece na internet. Desta forma, posso comparar a percepção existente na internet sobre o conceito de “dados” com aquela que se tem sobre o conceito de “informação”.
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Data vs information, percepção na internet. Cada coluna mostra a importância proporcional dos mesmos adjetivos associados a data e a information.
dOSSIÊ //Interface e design
Conclusão
Os exemplos de visualização de dados apontados neste pequeno texto interpretam livros, conjuntos de livros, internet, eventos esportivos e um evento histórico. Na ciência, os exemplos são abundantes e, de fato, durante muito tempo a visualização de dados parecia estar viva como prática principalmente no âmbito científico. Ampliando a ideia fundamental da hermenêutica filosófica de que o homem é linguagem para a ideia de que a cultura é linguagem, o conceito de hermenêutica visual mostra que a visualização de informações fornece ferramentas úteis para interpretar o nosso tempo. A internet é, sem dúvida, um repositório de textos e dados de diversos formatos. Além de técnicas de análise, processamento e representação de informações, são necessários mecanismos de acesso a todos esses dados. Creio que nos próximos dez anos veremos não somente a explosão de novos conteúdos na internet, como também de sistemas e métodos inovadores e imaginativos, os quais permitirão que as pessoas naveguem, explorem, isolem, selecionem, agrupem, combinem, analisem e visualizem esse enorme organismo de informações. Nas palavras de Martin Heidegger: “Desbloquear, transformar, armazenar, distribuir e intercambiar são vias para a revelação” (em A Questão sobre a Técnica). Referências
• Para ter acesso imediato a centenas de projetos atuais de visualização de informações, muitos dos quais são interativos e também representam dados de interesse geral, convido à exploração destes três sites: Visual complexity: http://www.visualcomplexity.com/vc | Infosthetics: http://www.infosthetics.com/ Flowing data: http://flowingdata.com/ • O conceito de hermenêutica visual foi amplamente utilizado por Don Ihde e está bem explicado em seu livro Expanding Hermeneutics, Visualism in Science3, publicado pela Northwestern University, em 1998, e que pode ser acessado, em grande parte, aqui: http://books.google.com.ar/books?id=d_zTD266-r8C Este é o link para os meus projetos favoritos de visualização de dados: http://www.delicious.com/moebio/visualization+ Este outro link leva ao site de projetos de visualização de dados relacionados com literatura: http://www.delicious.com/moebio/visualization+literature Franco Moretti, crítico literário, apresenta a ideia de “leitura distante”, por meio de análises quantitativas de textos e produção de “grafos, mapas, árvores”, como uma nova forma de crítica literária global. http://books.google.com.ar/books?id=YL2kvMIF8hEC 3
IHDE, Don. Expanding Hermeneutics – Visualism and Science. Chicago: Northwestern University Press, 1998.
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T ei a d a exten s ã o d o mund o
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//José Marcelo Zacchi
A web se tornou um grande experimento de descentralização editorial: um infinito overmundo que requer novos mediadores O tempo cibernético não para (ou talvez nem exista, como o espaço). Era o ano de 2005 e a onda da web 2.0 apenas começava a se formar. O Orkut era uma novidade espalhada por convites de antenados, blog uma palavra que exigia explicações (“não precisa ser apenas um diário de adolescentes”), Facebook e You Tube, start-ups promissoras, e Twitter uma ideia ainda bem longe de ser tida. Mas a disposição da internet para cumprir o seu destino prometido de hospedeira da sociedade em rede já se deixava ver com nitidez. O Overmundo é um dos frutos originais dessa visão. Seu problema de origem era off-line: o descompasso entre a facilidade cada vez maior de registrar e editar expressões culturais e a dificuldade igualmente crescente para circulálas. Gravar um disco, produzir um vídeo ou editar uma publicação era, já naquele momento, bastante mais fácil do que havia sido até alguns anos antes, em função do aperfeiçoamento e da difusão das novas tecnologias digitais. Com a multiplicação de registros disponíveis combinada com a debilitação dos modelos tradicionais de distribuição de bens culturais e do próprio jornalismo cultural, refém de cortes de custos que levavam à eliminação de sucursais e correspondentes Brasil adentro, tornar visível ou acessível o que se produzia era outra conversa. Ora, se o problema era analógico, a solução àquela altura só podia ser digital: apontar a onda da grande rede colaborativa, descentralizada, autoalimentada, e convidar quem tivesse algo a dizer, distribuir ou reportar para surfá-la em conjunto. Daí surgiu o Overmundo, lançado em março de 2006, como plataforma aberta de circulação da produção cultural de todo o Brasil (grito eletrônico do “cavaleiro do mundo delirante”, que “anda, voa, está em toda a parte e não
dOSSIÊ //Movimento colaborativo
consegue pousar em ponto algum”, segundo o poema de Murilo Mendes, que lhe inspirou o batismo). Bebendo na fonte de outros projetos desbravadores dessa praia – experimentos de então, como o jornal colaborativo coreano Oh!MyNews (http://international.ohmynews.com/), a comunidade de tecnologia e cultura abrigada no Slashdot (http://slashdot.org/), a hierarquização coletiva de conteúdos do Digg (http://digg.com/news), além da também nascente Wikipedia – para propor um modelo radical de descentralização de todas as etapas do processo editorial. A criação de pautas, com todos podendo produzir e propor conteúdos; a revisão, com a edição dos conteúdos propostos aberta aos comentários de todos; a seleção, com a votação igualmente aberta definindo o que se publica; e a hierarquização, também baseada na votação acumulada ao longo do tempo. Diz o texto fundador do site: “Nenhuma equipe de jornalistas, não importa seu tamanho ou competência, consegue cobrir ou filtrar a quantidade cada vez maior de coisas importantes que acontecem pelo país”. A atuação em rede dos usuários, cobrindo, publicando e filtrando eles próprios, e trazendo mais gente para dentro da novidade, conseguiria. Todos publicam. Quem tem competência (ou atratividade) se estabelece. O desafio é aproveitar as condições da melhor maneira Isso se cumpriu. Não apenas no Overmundo, mas muito além dele. De lá pra cá, o site cresceu, cumpriu sua missão e consolidou-se, chegando a ganhar o prêmio principal na categoria comunidades digitais do Prix Ars Electronica de 2007, premiação internacional de referência em inovação na internet, não por acaso sucedendo na conquista à própria Wikipedia. Orkut, Facebook, You Tube e todo o repertório da autopublicação e das redes sociais deixaram de ser promessas. E a própria web passou a ser ela mesma um grande experimento de descentralização editorial como o descrito anteriormente. Ou, se quisermos assim, de fato um inesgotável, infinito overmundo. Isso quer dizer: comunicação hoje é isso, todos para todos, potencialmente. Sem escassez de canais.
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E a massa com o poder de escolher os biscoitos, finos ou não, que deseja. As condições de circulação e colaboração ambicionadas pelo Overmundo estão hoje dadas (ou conquistadas), e o desafio agora é aproveitá-las da melhor maneira (além de expandi-las para quem ainda não tem acesso a elas, mas essa é já outra história, felizmente em curso acelerado). É o caso de se perguntar como se coloca esse novo desafio. A pergunta de 1 milhão de views do momento: qual o lugar do jornalismo (entendido aqui como organizador da comunicação, independente do meio e da forma) no grande oceano de conteúdos digitais? Que novos papéis se apresentam para a motivação de promover e qualificar a circulação de informação e conhecimento que esteve na raiz do Overmundo, de seus inspiradores e pares na experimentação on-line e de toda a boa comunicação ao longo do tempo? O fato é que, sem limitações de canais para abrigar e distribuir conteúdos, as oportunidades para criadores, militantes e analistas se colocarem multiplicam-se quase ao infinito. Pessoas, grupos e organizações podem falar por si – e entre si – diretamente, sem a necessidade da intermediação clássica dos detentores dos canais (televisões, rádios, jornais, editores de texto, som, vídeo etc.). Todos publicam para o mundo, e quem tem competência (ou atratividade) se estabelece. Essa é a premissa e, ao lado do acesso também quase ilimitado ao que se diz e se produz, é sem dúvida a grande boa nova da comunicação e da transmissão de saberes humanos deste século iniciado, por ser difundida e defendida. Mas a mesma infovia que apresenta a solução contém o seu reflexo: ausência de escassez tende também a significar excesso. E assim a dispensa da intermediação valoriza na mesma medida o requisito da mediação. O que leva à boa questão do lugar jornalístico nesses tempos definitivamente interessantes para a sua função. Em tempos de meios ilimitados, a bola é de quem orienta e distribui a circulação. Em redes, poder é sinônimo de capacidade de nuclear e fazer a ligação entre os polos. Isso pode ser feito de várias formas. Algumas no âmbito da engenharia: mecanismos de busca e seus algoritmos expressando a economia dos links, aplicativos e seus sistemas de recomendação fazendo falar a inteligência coletiva. Porém, mesmo por trás destas está ainda a mão – ou o olhar – de humanos
dOSSIÊ //Movimento colaborativo
atentos: links se acumulam na rede a partir de posições de referência conquistadas, recomendações se multiplicam com base em reputações acumuladas. E posições de referência e reputações são produto da dedicação e da habilidade de observar com mais alcance e sensibilidade o fluxo contínuo de conteúdos, filtrar e reunir o que é bom e importa. Ganha relevo o jornalismo como curadoria, individual ou coletiva, para filtragem, agregação e indicação de referências
O tempo dos intermediários é substituído então pela era dos mediadores. A grande conversa on-line precisa deles. Observação, filtragem, agregação e referência: jornalismo como curadoria, individual ou coletiva (além das tarefas de sempre no novo ambiente de veículos multiplicados, porque continuará sendo necessário quem se responsabilize pela produção de conteúdos bons e relevantes – mas essa é já também outra boa história). Situado assim, o Overmundo terá significado, ao lado de seus diversos pares pioneiros na experimentação das fronteiras da web colaborativa, um elo entre os dois tempos. Terá sido essa, como a dos seus pares, a sua contribuição para a grande narrativa de colaboração que é a internet. E ele já poderá ocupar seu lugar como mais um território virtual de referência entre tantos outros bem abrigados no espaço aberto da rede. Sim, porque já hoje a internet é o grande coletivo. Comunidade-mãe formada por milhões de comunidades, até o indivíduo. Cabe assim a cada um que dela participa a tarefa de encontrar seu lugar e exercitar a habilidade de lançar novas pontes, iluminar novidades, organizar a prosa e comandar a massa.
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F e r ment o de lingu a gen s
//Fábio Malini
Postar virou sinônimo de escrever. O blogueiro se tornou um novo indutor de proposições e de dispositivos na escrita aberta da rede
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1994. Um ano depois de Tim Berners-Lee apresentar ao mundo o seu projeto World Wide Web, a internet começava a mudar. Antes, o que existia era uma espécie de rede intergaláctica de cientistas, nerds e usuários que se divertiam nas bulletin board systems (BBS), comunidades virtuais em que se liam mensagens sobre um fundo preto chapado. Tudo feio e simples, porém muito divertido. As BBS podiam ser criadas por quem comprasse uma linha telefônica, um computador, baixasse o software spitfire e ficasse dias lendo tutoriais, até criar o seu “clube BBS”. Para se conectar, cada sócio pagava uma graninha, geralmente revertida na compra de equipamentos para melhorar a performance da rede. Em tese, todos podiam ser um UOL, um Terra, uma AOL.
Contudo, as BBS se foram. Com a popularização da web, em 1994, surgiu o site. Era mais atraente ficar num chat animado – e com design em cores – no lugar da tela preta do DOS. E foi em 1994 que Justin Hall, estudante de jornalismo em São Francisco e estagiário da revista Wired, decidiu publicar em seu site, Justin’s Link, relatos da sua vida. Nesse log (diário) virtual, escrevia sobre o suicídio do pai e sobre suas aventuras amorosas. Mais do que um dispositivo de escape da solidão, ele criava uma forma de constituir uma presença on-line. Foi somente em 1997, a partir da junção das palavras log (inventada on-line por Justin) e web (inventada por Berners-Lee), que nasceu o acrônimo blog, o primeiro gênero de publicação puro sangue da internet. Os blogueiros praticavam o hipertexto, o principal elemento da cultura da web. Somavam comentário com link: o DNA de qualquer texto da blogosfera até hoje. Esse padrão textual revelou algo mais. Os blogs nasciam como uma prática cultural de seleção e filtragem do que havia de melhor na internet. O valor do blog reside primeiramente na sua capacidade de relatar, de modo pessoal, uma informação. Em 1999, nasceu o Blogger, site que disponibiliza aos usuários da web um sistema automático para a publicação de posts. Não era mais preciso saber HTML para publicar: bastava se logar, escrever um título, um texto e apertar a tecla enviar. Para melhorar, hackers desenvolveram um programa de comentários para blogs. Não se escrevia mais apenas para si. O resultado mais impactante disso, para além dos mais de cem milhões de blogs criados, foi a Fim do antigo regime.
dOSSIÊ //O impacto dos blogs
perda do monopólio da narração sobre o passado, pertencente a grupos editoriais e de comunicação. Não só os usuários podem conectar qualquer informação antiga que esteja na rede com uma atual, como também podem determinar o alcance de uma informação atual, replicando-a por diferentes interfaces. A primeira consequência foi romper o monopólio da narração sobre o passado, pertencente até então a grupos editoriais e de comunicação A comunicação partilhada em interfaces coletivas de parceria blogueira reposiciona o passado que importa na ação. A mediação da publicidade agora se via confrontada com a das interações e recomendações dos usuários e blogueiros. Assim, o intelectual, o crítico e o jornalista foram as primeiras figuras a ser postas em xeque pela nova ordem textual. Esses três poderes detinham por séculos o poder de representar a informação e a ideia, a partir de uma produção baseada na produção da verdade por meio do isolamento. Os grupos de mídia chegaram a tentar a campanha do “olhe, mas não toque”, para descredenciar esses novos agentes da informação. No Brasil, o ápice dessa guerra pela posse da narrativa da vida social ocorreu em 2008, quando o grupo do jornal O Estado de S. Paulo investiu em campanha publicitária polêmica, comparando blogueiros a macacos. Tempos depois, o mesmo grupo, como qualquer empresa de mídia on-line, passou a ter sua homepage povoada por dezenas de blogueiros. Internet semântica. Em pouco tempo, o blog se tornou uma linguagem extremamente vira-lata. A cultura da incorporação (embed) e a da classificação (tagging) trazida pelas mídias sociais (YouTube, Flickr, SoundCloud, Slideshare e tantos ou-
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tros dispositivos da web 2.0) fizeram com que o post se tornasse ainda mais multimídia e interconectado a outros conteúdos e sites. Uma crônica pode ser postada com trilha sonora, ou vice-versa; uma foto faz parte da estrutura de um poema (se não é o próprio). O usuário pode participar contribuindo com links comentados de áudio. O texto classificado como “mpb” entra no sistema como “junto misturado” a tudo que foi publicado sobre o tema. Assim, um post conduz a outro, dando ao texto uma possibilidade de conexões que obedece ao seu universo semântico (e menos ao universo do gênero, quase sempre estabelecido por outro que não o autor), aprimorando o consumo de informação para além daquela navegação escapista típica da hipertextualidade da web 1.0. Blogueiros configuram uma ecologia na qual as ideias e o tipo de informação não variam. É uma estratégia para obter vantagens financeiras Em suma, o blog passou a cruzar-se com todo tipo de linguagem, na dura tarefa de, como Perseu, se manter humano mesmo que os eufóricos queiram torná-lo divino. E o “post” se disseminou como a forma mais bem (in)acabada da hibridização da linguagem on-line. Postar virou sinônimo de escrever. O blogueiro se torna um indutor de proposições e de dispositivos de escrita aberta. Atualmente, a blogosfera passa por um período de acomodação. A gestão do tempo é algo fundamental entre blogueiros com alguma notoriedade, que, por ânsia, têm-se tornado uma espécie de “pequenos berlusconis”, uma classe de (micro)blogueiros e perfis de redes sociais cuja principal tarefa passa a ser a de caçar usuários paraquedistas, pautando-se exclusivamente por assuntos do momento e por trocas incestuosas de links. Eles criam um campo restrito de perspectivas e configuram uma ecologia na qual as ideias e as informações são sempre as mesmas. Trata-se de uma estratégia de extrair vantagens financeiras, publicitárias e de audiência que transbordará depois na busca por modelos de negócio baseados na reunião desses micropopstars da irrelevância on-line, que, no final, funcionam como pequenas árvores em pequenos rizomas, na medida em que buscam criar uma centralidade de acumulação (de capital de todo tipo) trazendo somente para si os dividendos políticos e monetários dessa cultura massiva dos fãs on-line. Enquanto isso, Justin Hall, o pai-fundador, depois de 16 anos parou de publicar no seu diário virtual em janeiro de 2010. Há novas tensões na blogosfera, ainda árida de crítica cultural.
D a dev o ç ã o à r eceit a
//Joshua Benton
Manter o jornalismo sustentável não será fácil. Mas estão nascendo modelos promissores para assegurar que ele permaneça vivo O fato de o lado jornalístico da indústria de notícias (fazer perguntas e redigir as respostas) combinar tão bem com o lado empresarial (vender aos anunciantes acesso a um público para promover a venda de seus produtos) foi sempre uma espécie de acidente. Não há nenhum vínculo inerente entre cobrir as atividades do governo federal e vender móveis, entre investigar a corrupção e mascatear telefones celulares. Na sociedade moderna, há muitos lugares onde anunciar, e a maioria deles não tem muita proximidade com o jornalismo sério. Mas o casamento entre notícia e propaganda foi tão bem-sucedido ao longo dos anos que muitas empresas de notícias acabaram se dando conta de que tinham capacidade e desejo de fazer um bom trabalho que não gerasse retorno comercial específico. Investigações sobre funcionários do governo que duram um ano e envolvem muitos repórteres não geram nem de longe receita suficiente para cobrir seus custos. E é difícil, na maioria dos casos, saber se qualquer matéria, ou série de reportagens, ou furo jornalístico tem algum impacto positivo no lucro. Isso não era problema no mundo pré-internet porque as notícias eram vendidas dentro de um pacote – as pessoas compravam o jornal inteiro, não as páginas 1, 6 e 22. Mas on-line, com o enfraquecimento da fidelidade às marcas, as matérias individuais passam a enfrentar um cálculo econômico – e trata-se de um cálculo em que alguns tipos de jornalismo, como a reportagem cultural, nem sempre se saem bem. O mercado não supõe que haja ópera sem subsídios privados; talvez o mesmo seja verdade para o jornalismo dedicado à ópera Assim, o jornalismo cultural tem cada vez mais migrado para duas direções. Por um lado, há sites que procuram manter os custos extremamente baixos, voltam-se diretamente para tudo o que seja popular no Google Trends, concentram-se em ferramentas de busca de jogos e só produzem jornalismo onde haja um retorno financeiro definível. Por outro lado, há aqueles que se dedicam à qualidade, a produzir um bom trabalho mesmo em áreas onde o dinheiro não flui com tanta facilidade. É cla-
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ro que essas são caricaturas extremadas, e há muitas pessoas em situações intermediárias, mas vivemos um momento em que as novas iniciativas dedicadas a produzir notícias estão escolhendo seus caminhos. A seguir, algumas das rotas escolhidas por aqueles que praticam jornalismo, inclusive jornalismo cultural, nos Estados Unidos neste momento de transição. Há muito tempo existem algumas organizações produtoras de notícias estruturadas em torno de objetivos outros que não o retorno financeiro. Nos Estados Unidos, algumas revistas políticas importantes foram estruturadas como entidades não lucrativas, um sinal de que seu desejo de influenciar os debates sobre políticas é maior que o desejo de ganhar dinheiro. Nos últimos anos, porém, uma nova geração de organizações noticiosas sem fins lucrativos foi criada para ocupar o que elas percebem como o vazio deixado pelo encolhimento das equipes dos jornais. A mais destacada destas é a ProPublica (http://www.propublica.org/), que se dedica à reportagem investigativa e é chefiada por Paul Steiger, ex-editor do Wall Street Journal. Este ano, ela ganhou um Prêmio Pulitzer de reportagem investigativa, o que assinala as boas-vindas oficiais aos recém-chegados ao jornalismo de elite. Organizações sem fins lucrativos
A ProPublica, porém, em certos aspectos é atípica na nova geração de organizações sem fins lucrativos. Na maioria dos casos, estas têm uma escala menor e são vinculadas à geografia – sites como Voice of San Diego (www.voiceofsandiego.org/), MinnPost (www.minnpost.com/) e The New Heaven Independent (newhavenindependent.org/), que cobrem uma região específica com uma mistura de cobertura fiscalizatória, investigativa e, em alguns casos, cultural. O que há de comum entre elas é que todas pretendem reparar um erro do mercado: apoiar um bem público que elas entendem que não mais é apoiado pelos órgãos de notícias estabelecidos. Ironicamente, esse é um modelo que costuma ser citado para o financiamento das próprias artes, e muitas das grandes instituições dedicadas às artes visuais e performáticas foram formadas décadas atrás como organizações sem fins lucrativos. O mercado não supõe que haja ópera em 2010 sem subsídios privados daqueles que dispõem de recursos; talvez o mesmo seja verdade para o jornalismo dedicado à ópera.
dOSSIÊ //Dilemas do financiamento
Jornalismo fora da profissão Quando se trata particularmente de escrever sobre as artes, a linha divisória entre profissão e hobby pode ser confusa. Pessoas criativas gostam de criar, e com o custo básico de publicar on-line reduzido a zero, muitas pessoas se satisfazem em escrever sobre os temas com os quais se importam para determinado público. Alguns veem isso como um investimento: estabelecer seu nome entre os colegas de profissão, melhorar seu texto, preparar-se para o dia em que surja um trabalho pago mais tradicional. Mas outros escrevem on-line por puro amor pelo tema, sem nenhuma expectativa de retorno além do elogio de alguns comentadores generosos.
A cobertura de literatura foi transformada pela capacidade da internet de canalizar a paixão individual por livros para um determinado público Esse modelo se baseia na paixão, o que significa que ele funciona bem em setores onde os autores são apaixonados por seus temas. Encontrar pessoas apaixonadas pelas minúcias da legislação comercial é provavelmente mais difícil do que encontrar aquelas apaixonadas por futebol (brasileiro ou americano). Mas na cobertura das artes o que não falta é paixão. Para pegar um exemplo dos Estados Unidos, a cobertura de livros e literatura foi transformada pela capacidade da internet de canalizar a paixão individual por livros a um determinado público. Os blogueiros de livros – alguns deles escritores profissionais, outros, fãs que têm outros empregos – construíram comunidades engajadas e ávidas, e muitas vezes cobrem setores da indústria editorial que não recebem muita atenção da mídia tradicional. Na maior parte essas comunidades foram construídas sem ter em vista nenhum modelo de negócios. Esse tipo de trabalho movido a paixão é sustentável? Qualquer pessoa que tente equilibrar um dia de trabalho com a manutenção de um website popular está arriscada a ter um esgotamento, e sites excelentes surgem e desaparecem com maior frequência do que ocorreria em um esquema mais orientado por critérios financeiros. Mas alguns desses amadores apaixonados também se mostraram competentes para transitar para o mundo das receitas. Alguns blogueiros descobriram maneiras de ganhar dinheiro por meio de consultoria, eventos ou trabalho com empresas comerciais tradicionais – mas outros estão
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se beneficiando de redes de anúncios e de outras ferramentas voltadas para monetizar sites menores. Sites de nicho e agregadores Apesar de todos os benefícios inerentes aos modelos de negócios da mídia tradicional, a realidade de seus meios tornava difícil para eles combinar três características fundamentais: oportunidade, interesse restrito e distribuição ampla. Os jornais podiam ser oportunos, mas geralmente estavam vinculados a um lugar específico e a um público amplo. A televisão podia transcender o lugar e apresentar uma cobertura noticiosa atualizada, mas também dependia de um público amplo. As revistas podiam se concentrar em um tópico e ser amplamente distribuídas, mas seus cronogramas de publicação as impediam de ser muito noticiosas.
O website de nicho pode ser uma combinação poderosa dessas três coisas. Com capacidade para atender a um público definido pelo interesse e não pela geografia – e de oferecer aos anunciantes uma audiência mais selecionada –, um website de nicho pode gerar tanto fidelidade à marca como receita sustentável. Até este momento, os sites de nicho que se saíram melhor nos Estados Unidos são aqueles que cobrem áreas com abundância de anunciantes e os que mantêm os custos relativamente baixos fazendo muita agregação e posts menores, ao estilo dos blogs. Mas tem havido evidências de força e ambição crescentes no setor, com o conteúdo original se tornando mais valorizado. Eventos e outros agregados Um truísmo popular on-line é que é difícil conseguir que os leitores paguem por notícias. Há uma quantidade excessiva de bens similares disponíveis de graça em outros sites; os sistemas de pagamento ainda geram muito atrito em qualquer transação; é um desafio separar de forma inteligente aqueles poucos que se dispõem da massa dos que não se dispõem a pagar. Mas, mesmo que os leitores não paguem, isso não significa que sua dedicação a um website seja menor do que a existente na mídia tradicional.
dOSSIÊ //Dilemas do financiamento
Há muitas experiências pelas quais as pessoas se dispõem a pagar, e muitas são muito próximas do negócio tradicional de produção de notícias Um leitor da web comprometido tem uma sensação de ligação e ritual, e há maneiras de transformar essa devoção em receita. Crie uma audiência dedicada e depois encontre uma forma de ganhar dinheiro dela: isso é muito semelhante ao modelo de propaganda tradicional, porém mais amplo. Um dos modelos promissores em termos de receita se baseia em eventos – da conferência mais formal aos encontros ou cafés da manhã mais informais. As revistas de negócios sabem há muito tempo que esse é um modo de gerar receita e ampliar a divulgação da marca, mas outras publicações – de revistas a websites e jornais – estão tendo sucesso em reunir leitores no mundo real e encontrar formas de cobrar pela experiência. Os anunciantes muitas vezes ficam felizes de passar a patrocinar eventos. Alguns, como o The New York Times, estão transformando seus jornalistas em professores, realizando seminários on-line que podem render créditos para cursos universitários. Ainda há muitas experiências pelas quais as pessoas se dispõem a pagar, e muitas delas são muito próximas do negócio de produção de notícias tradicional. Talvez o elemento mais difícil das atuais mudanças no jornalismo seja que elas parecem muito diferentes para o produtor de notícias e para seu consumidor. Os jornalistas enxergam o emprego perdido e as matérias que faltam; os leitores enxergam o que parece ser um mar sempre crescente de notícias, informações e conteúdo on-line. Converter modelos de negócios construídos para a escassez em modelos bem-sucedidos em meio à abundância não será fácil. Mas estão nascendo modelos promissores para assegurar que o jornalismo, cultural ou não, permaneça vivo.
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Referências constituem mapas de vida e, ao longo do tempo, compõem um emaranhado de escolhas, visões de mundo e estilos. Nesta enquete, jornalistas culturais, ensaístas e escritores compartilham referências que lhes são caras, no trabalho e no lazer, sobre as publicações culturais de sua predileção. Todos responderam a três perguntas – listadas abaixo – que revelam uma topografia variada, pontuada de interseções. 1. Há alguma publicação cultural que tenha sido uma referência na sua formação profissional? Por quê? 2. Qual sua revista de cabeceira hoje? Conte-nos o motivo. 3. No setor em que atua, que publicações culturais estão entre as mais importantes hoje? Como você costuma se informar sobre cultura?
// almir de freitas // ANTôNIO CARLOS MIGUEL // cassiano elek // daniel sant’ana // francisco bosco // hermano vianna // humberto werneck // jan fjeld // jeder janotti // josé teixeira coelho netto // julian gallo
lúcia guimarães // marcelo coelho // mónica lavín // paulo fehlauer // raimundo carrero // rodrigo naves // rodrigo teixeira // sérgio augusto // stuart stubbs // ticiano osório // ubiratan brasil //
1. Almir de Freitas //jornalista 1. Quando eu era mais jovem, as publicações culturais eram raras, e o acesso às publicações estrangeiras era mais difícil. De qualquer modo, comecei a carreira jornalística em jornal, longe da área de cultura. Mais velho, lembro-me de ler a Cult, que conseguiu se transformar numa referência nos anos 1990, antes de passar pela série de reformulações que a transformaram hoje em outra coisa.
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2. Acho que não tenho uma revista que possa qualificar dessa maneira. Nos últimos anos, e até por dever de ofício, acabei montando um “elenco” de referências, com assuntos que são até disparatados. Mas a variedade é extremamente útil para compor um repertório sobre o veículo revista. Quero dizer: pesam menos os temas e mais as técnicas de transmitir informações por meio da edição. Entre esses títulos, aponto os suspeitos de sempre: The New Yorker, Vanity Fair, Esquire, piauí, Bravo!. 3. Creio que a Bravo!, onde estive por quase dez anos, conseguiu se transformar numa referência. Mas assuntos culturais podem ser encontrados em várias outras publicações não segmentadas. E, claro, a internet embaralhou todo esse sistema de acesso à informação. Muita gente, como eu, obtém as informações de que necessita vivendo a sua “segunda vida”, navegando na web, fazendo uma edição pessoal num ambiente que inclui, sim, redes sociais – o Twitter, por exemplo, tem-se mostrado extremamente útil nesse aspecto, porque serve de bússola num mundo de milhões de sites e blogs. Estes se transformaram, sobretudo os pessoais, nos grandes canais de informação cultural hoje. É uma riqueza que a imprensa tradicional nunca vai conseguir acompanhar. 2. Antônio Carlos Miguel //jornalista e crítico de música 1. Eu me formei caoticamente, ligado mais na contracultura dos anos 1970 do que em “cultura” e hoje acho que não ganhei muito com isso! (Os anos 1970 estão longe.) Mas lia tanto a Rolling Stone brasileira e pirata (que só durou um ano), quanto a original americana; a revista francesa Actuel; revistas/ jornais alternativos brasucas como Bondinho, Opinião, Presença (que teve apenas dois números), A Flor do Mal; e jornais/revistas de literatura que apareciam e sumiam, como Ficção (nesta, trabalhei de entregador nas livrarias do Rio de Janeiro a resenhista de livros). 2. Não tenho uma revista de cabeceira. 3. Eu me informo de maneira meio caótica, não acompanho assiduamente
eNQUETE // TRÊs perguntas
as revistas culturais em circulação – ou seja, compro eventualmente algumas edições de Bravo!, piauí e similares quando vejo na banca ou alguém comenta, assim como a americana (de jazz & black music) Wax Poetic. Leio trechos na internet dessas e de muitas outras, como The New Yorker, e costumo dar uma passada nos cadernos culturais de jornais. 3. Cassiano Elek Machado //jornalista e editor 1. Embora a minha formação profissional ainda esteja em curso, presumo que deva falar sobre as revistas que tenham sido referências no início dessa formação. Diria que referência mesmo foram publicações do passado, que eu consultava na hemeroteca da PUC-SP, onde estudei jornalismo. Tinha enorme prazer em folhear lá as coleções antigas de Pasquim, Bondinho, Realidade, Movimento, Opinião, Versus, e assim por diante. Ouvi dizer, mas não sei se é verdade, que a PUC-SP se desfez desta coleção. Espero que seja um boato equivocado. Aprendi muito lendo essas publicações. Naturalmente, lia também as publicações contemporâneas: a Bravo!, que começava, a Cult e, vez ou outra, quando as conseguia, revistas como The New Yorker. 2. Leio muito a piauí, onde tive a honra de trabalhar e, de fora do país, leio revistas como The New Yorker, Qué Leer, Etiqueta Negra, Book Forum e Le Magazine Littéraire. As revistas piauí e The New Yorker, leio pela qualidade do texto, pela diversidade das pautas, pela excelência na apuração. A peruana Etiqueta Negra, que vejo com menos frequência, por não estar disponível no Brasil, leio por razões parecidas: é muito bem escrita e tem ótimas pautas. Quanto às demais, a espanhola Qué Leer, a americana Book Forum e a francesa Magazine... eu leio por serem boas fontes sobre novos livros. 3. Creio que hoje em dia a informação, seja cultural, seja de outros assuntos, é feita de maneira menos organizada do que em outros tempos. Com a internet, fica muito mais fácil poder “bicar” um pouco de uma revista aqui, outra acolá. Uma forma de ter essa visão mais panorâmica é ler o site Arts & Letters Daily, que aglutina reportagens culturais de várias publicações. Em outra escala, também vale acompanhar os e-mails disparados pelo jornal eletrônico brasileiro PublishNews, que faz uma espécie de clipping sobre o mercado editorial. Além desses sites e das publicações que já citei na pergunta anterior, vejo sempre o New York Times Book Review, o site de livros do The Guardian, o caderno Babelia, do El País, uma revista chamada El Cultural, espanhola, o site Trópico e por aí vai.
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4. Daniel Sant’ana //PRODUTOR CULTURAL 1. Minha formação acadêmica é em direito e fiz mestrado em relações internacionais. Nesse universo gigantesco do direito e das relações internacionais, muitas publicações culturais foram fundamentais para minha formação profissional, assim como em minha área de atuação, que é o planejamento e a gestão de políticas públicas de cultura. Leio muitos relatórios, papers, planos de gestão e demais publicações técnicas. 96
2. Minha leitura de cabeceira é frugal, geralmente algo em que a atenção para apreensão do conteúdo não me seja tão necessária. Não levo para a cabeceira leituras complexas. Assino uma revista semanal de grande circulação para manter a informação de cunho mais geral. Mas também leio com frequência a edição brasileira da revista Rolling Stone, que aborda atualidades da cultura de forma bem dinâmica, sem profundidade, mas bem interessante. Leio ainda uma publicação mensal sobre corrida e corredores, pois correr é um dos meus hábitos semanais. 3. Relacionaria uma verdadeira revisão bibliográfica sobre o tema: as publicações do Observatório do Itaú Cultural são bastante interessantes, assim como as publicações do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Cultura, da Universidade Federal da Bahia, chamado Cult. Me chamam a atenção, em particular, as reflexões sobre a tensão existente entre multiculturalismo e universalismo no nosso atual ambiente globalizado, presente nos estudos de pensadores como Jurgen Habermas, Jeremy Rifkin, Anthony Giddens, Manuel Castells, Alain Touraine, Imanuel Wallestein, Boaventura Santos, dentre outros. No ambiente virtual, além dos sites das instituições oficiais (Ministério da Cultura e Secretarias ou Fundações Estaduais de Cultura), costumo receber alguns boletins eletrônicos que dão um panorama do que está sendo publicado em outros sites e blogs culturais. Recebo os boletins dos sites Cultura e Mercado, Music News, dentre outros. Há um site recém-publicado, intitulado Produção Cultural Brasileira, que é bem interessante. Também faço parte de grupos virtuais de discussão por e-mail, tais como o da Rede Música Brasil, da Rede Acreana de Cultura, do Circuito Fora do Eixo e assim por diante. Nesses ambientes, você acaba sendo bombardeado por notícias e debates com opiniões das mais variadas vertentes e sobre as mais variadas temáticas do universo cultural. 5. Francisco Bosco //ensaísta 1. Bem, na verdade não tenho formação profissional. Na minha formação
eNQUETE // TRÊs perguntas
como leitor, sempre li publicações culturais, mas não tive nenhuma em especial que foi decisiva para mim. O que foi decisivo para mim foram certos teóricos da cultura, notadamente semiólogos, como Umberto Eco e, sobretudo, Barthes. Mas, embora não propriamente referenciais, houve e há diversas publicações culturais que li/leio com proveito: o recém-extinto caderno Mais!, o atual Segundo Caderno (do qual o entrevistado é colunista), d’O Globo, a revista Cult etc. 2. Gosto especialmente da piauí. Acho que ela foi muito bem pensada editorialmente e ocupa um lugar discursivo que não havia no Brasil: jornalismo de alto nível, bem apurado, bem escrito, com pautas interessantes e uma temporalidade que o jornal diário e mesmo as revistas semanais não permitem. Gosto também da Cult, que se situa num registro discursivo entre a Universidade e o jornalismo. Fui colunista da Cult durante quase quatro anos, portanto tenho um carinho especial por ela. Já li em suas páginas textos excelentes, que contribuíram para minha visão das coisas. 3. Como ensaísta, acho que a publicação de que mais gosto é a revista serrote, revista de ensaios do Instituto Moreira Salles. Não sou, de resto, uma pessoa antenada. Costumo descobrir a maioria das coisas com atraso. 6. Hermano Vianna //antropólogo 1. O Jornal de Música, meados dos anos 1970, tinha uma equipe sensacional na redação: Ana Maria Bahiana, Tárik de Souza, Ezequiel Neves, como colunista social... Foi a publicação que me ensinou a ouvir música e pensar a música e, através da música, o Brasil e o mundo. Depois a revista Mondo 2000, no final dos anos 1980, início dos 90, que apresentou ao mundo todas as profecias da cibercultura, muitas não realizadas, ainda. 2. Não há uma revista – leio quase tudo via internet, mais especificamente via RSS, que, através de interfaces web como o Google Reader, acaba misturando todas as fontes, de jornais como o The Guardian às ultimas atividades de amigos no Twitter, sem hierarquias. 3. É muita coisa – citando duas: o blog Circuito de Luca, da Cristina de Luca, com o melhor acompanhamento sobre as políticas de TV digital e telefonia no Brasil; e o blog da revista Fader, com novidades de música e moda. Eu costumo me informar sobre cultura nas centenas de feeds que tento acompanhar por RSS e que chegam carregados de novos links:
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nunca sei aonde vou parar – é tudo bem descentralizado. Mas continuo frequentando o Overmundo todos os dias. Lá sempre descubro uma novidade cultural do Brasil fora do “eixo”, que não aparece nos jornais, mesmo nos jornais regionais. 7. Humberto Werneck //jornalista 1. A revista Senhor da primeira fase, um primor em matéria de texto e visual. 98
2. Das publicações brasileiras, a serrote e a piauí, pelo mesmo motivo: substanciosas, mas também saborosas. Das estrangeiras, a The New Yorker, que segue desafiando certos “pensadores” da imprensa mundial, para os quais o leitor não gosta de ler textos longos. O mesmo vale, aliás, para a piauí – e uma boa amostra é o livro Vultos da República – Os Melhores Perfis Políticos da “piauí”, que organizei para a Companhia das Letras. 3. Além das já mencionadas, aqui vão três, para não alargar demais uma lista: o Todoprosa, do Sérgio Rodrigues, o Observatório da Imprensa e o B.Coolt. Me delicio e enriqueço também com o Hortaliça, da Vanessa Bárbara. 8. Jan Fjeld //jornalista 1. Importante na minha formação cultural foi o semanário inglês NME (de New Musical Express), que, quando eu era adolescente e morador de um vilarejo pequeno na Noruega, era a principal fonte de novidades do mundo da música. Era na era pré-internet, e a mídia local trazia pouquíssima informação sobre rock, pop e outras vertentes da música popular. De 1975, quando eu tinha 15 anos e sonhava com uma vida além da Noruega, até os meados dos anos 1980, quando me formei em jornalismo nos Estados Unidos, lia o NME religiosamente todas as semanas. A revista inglesa The Face, semanal, também foi importante na minha formação cultural. Já morando em São Paulo, aprendi português lendo a Folha de S.Paulo, algo que continuo fazendo diariamente até hoje. 2. Hoje em dia leio mais livros na cama, mas a revista mais frequente na minha cabeceira é a semanal norte-americana Billboard. Ela não é boa no noticiário, no sentido de trazer e apresentar novidades do mundo da música, mas traz informações e trata assuntos importantes da indústria fonográfica. Leio-a por necessidade profissional. A revista Wired também chegou a frequentar bastante a minha cabeceira nos anos 2000, hoje não mais.
eNQUETE // TRÊs perguntas
3. Difícil destacar alguma publicação, blog ou site em particular. O NME continua relevante no mundo da música, e é clichê dizer, mas, com o advento da internet, tornou-se imprescindível navegar e se informar em fontes variadas. Não dá para se informar bem via algumas poucas fontes. Olhar os endereços nos “favoritos” do meu navegador é a melhor dica sobre o que considero relevante hoje: http://www.nytimes.com/ http://www.guardian.co.uk/ Em particular o jornalista Paul Morley, que ainda se mantém relevante: http://www.guardian.co.uk/music/series/paul-morley-showing-off http://www.nme.com/home http://www.artinamericamagazine.com/ http://www.salon.com/ http://www.themusicvoid.com/ http://techcrunch.com/ http://www.mondomix.com/ http://www.thefader.com/ http://pitchfork.com/ O mais importante hoje são as redes sociais (em particular Facebook e Twitter). Sempre me informo por meio dos meus amigos. Recebo links via e-mail, posts no meu perfil no Facebook e informação via Twitter. Quase não tuíto, mas recebo muitas informações pelo microblog. O que meus amigos consideram relevante está ficando cada vez mais importante em detrimento de um site, blog ou publicação em particular. Os meus amigos são os meus filtros mais importantes. 9. Jeder Janotti //crítico e professor universitário 1. Ilustrada do jornal Folha de S.Paulo, pelas importantes discussões/críticas (além dos famosos embates) sobre música popular brasileira, cinema e literatura nas décadas de 1980 e 1990. O Caderno 2 d’A Gazeta, de Vitória, no Espírito Santo, pois produziu discussões locais sobre questões regionais e globais de alta qualidade, sendo fundamental para a formação de jornalistas capixabas. 2. Bravo!, pela crítica literária, que acho de alta qualidade. Infelizmente é uma revista que não acompanha os regionalismos de nosso país e as produções de fora dos grandes centros. 3. Bem, utilizo uma mescla de impressos e digitais. Leio regularmente Gazeta
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de Alagoas, Folha de S.Paulo, o blog Popup, os portais UOL, G1 e Terra. 10. José Teixeira Coelho Netto //escritor, ensaísta e curador 1. Les Temps Modernes, pela densidade, pela profundidade, pelo comprometimento, pela seriedade. Também, em seu momento (a ditadura que se iniciou em 1964), a Revista Civilização Brasileira. Em segundo lugar, bem longe em termos de significado, e em outra época, a New York Review of Books. 100
2. Não tenho mais revista de cabeceira. O que mais se aproxima disso é o Babelia, suplemento cultural de El País. Leio sempre, mas com outro espírito. Das revistas que me interessam, leio um dado número conforme o conteúdo que tiver. Não mais sinto necessário acompanhar sistematicamente alguma revista em particular. 3. No Brasil, não existe hoje nenhuma revista “mais importante” – isto é, nenhuma soube mais se fazer necessária como antes. Eu me informo sobre cultura mantendo os olhos e os ouvidos abertos, lendo livros, passando os olhos rapidamente pelos jornais e revistas eventuais (no caso dos brasileiros, cada vez mais rapidamente porque têm cada vez menos conteúdo) e ficando atento. Importante seria refletir sobre os motivos pelos quais nenhuma revista sabe se fazer indispensável hoje (salvo as de informação geral –mas essa é outra categoria). Os espaços de reflexão diminuem aqui sempre mais, tudo tende a ficar como o USA Today ou a internet. E aqui, coincidentemente, os estudantes ocupam o último lugar no teste internacional de compreensão de leitura do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, na sigla em inglês). A relação é significativa. 11. Julian Roberto Gallo //jornalista 1. Houve no passado uma revista cultural que para mim foi iluminadora. Tratava-se da revista Planeta, hoje um objeto de coleção. Eu era adolescente, e aqueles exemplares traziam um mundo desconhecido que eu mal entendia. A revista falava de temas e autores que funcionavam como chaves para rastrear leituras e ideias. Lembro-me de ter visto pela primeira vez uma gravura de M.C. Escher nessa publicação. 2. No lado pessoal não coincido com a definição que a indústria editorial faz das publicações culturais. A priori, entendem-se como tais aquelas que falam
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sobre determinadas temáticas e com enfoques específicos. Na Argentina, esse jornalismo está representado pelas revistas Ñ, Radar, ADN, entre muitas outras. Hoje leio essas revistas assim como posso visitar um “mercado de pulgas”: sei que lá não irei encontrar nada novo. Todas me parecem antiquadas, amaneiradas e, quase sempre, esnobes. Minhas revistas culturais não estão classificadas como tais pela indústria: Wired, Good.is, Boing Boing, we make money not art, Mashable… algumas delas. 3. Respondi na pergunta anterior. A cultura escapou das publicações impressas tradicionais. Hoje a cultura, e o relato da cultura, está na internet. A ideia de tratar numa revista impressa de mashups, para citar um exemplo, resulta impossível. É estéril tentar realizar um acompanhamento desses aspectos da cultura em outro meio que não seja o digital. Com grande respeito pelo jornalismo cultural e seus autores, digo que acontece com ele o mesmo que vemos em outras especialidades: quase sempre isolam os temas e acabam lentas para perceber e narrar as mudanças. Por exemplo, sentem-se cômodos falando de uma grande mostra de fotografia, mas não tenho exemplos que sigam com igual seriedade e atenção os implacáveis aportes que fez o iPhone com a fotografia. Creio que o jornalismo cultural fracassa porque entende a cultura como uma produção de determinado tipo de propriedades e exclui – muitas vezes com arrogância – todas as outras propriedades que não estão especificadas na sua taxionomia. Segundo minha própria definição, hoje a cultura é estritamente a mudança – não a coisa que se alcança –, mas o processo de alcançá-la cada vez mais rapidamente. Assim, o jornalismo cultural deveria fixar sua atenção na velocidade e na capacidade de transformação dos dispositivos culturais. Toda expressão cultural é hoje – como são as armas, segundo a doutrina da carreira armamentista – obsoleta no mesmo momento em que começou a funcionar. Ver as revistas culturais penduradas nos quiosques me parece às vezes tão incongruente quanto imaginar um amaneirado aristocrata francês do século XVII caminhando numa estação de metrô ou pedindo um “café alto” no Starbucks. 12. Lúcia Guimarães //jornalista 1. A revista The New Yorker pela qualidade do texto, pela ética editorial e pela relevância.
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2. Minha revista de cabeceira é o iPad, onde seleciono um pouco de tudo, mesmo enquanto as publicações impressas continuam a se empilhar na sala. Entre elas, a New York Review of Books, Bookforum, London Review of Books, The Atlantic, The Guardian, The New York Times e outras. 3. Exatamente por causa da internet e devido às leituras obrigatórias como as citadas anteriormente, somam-se outras obscuras e até blogs consultados por causa de um alerta no Twitter 102
13. Marcelo Coelho //jornalista e ensaísta 1. Creio que, para falar de “formação”, acho que teria de voltar a meados dos anos 1970, quando a leitura do semanário de esquerda Opinião me ajudou muito a tomar o pulso das questões políticas e culturais da época. Outra revista importante, que eu só de vez em quando achava nas bancas, chamavase EX e trazia, por exemplo, uma ampla cobertura da visita de Michel Foucault ao Brasil, por volta de 1975. Bem mais tarde, por volta de 1984, assinei durante um ano a revista mensal das Éditions de Minuit, Critique, que tinha longas resenhas sobre lançamentos em filosofia, crítica de arte etc. 2. É o Times Literary Supplement, publicação semanal que traz resenhas muito detalhadas, e frequentemente engraçadas, do que de principal se publica na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas não só – de vez em quando, saem resenhas sobre literatura espanhola, literatura alemã etc. 3. Continua importante, mas sem o nível de estilo, precisão, graça e abrangência do TLS, a New York Review of Books. Na internet, é indispensável dar uma olhada no Arts & Letters Daily, que dá acesso a artigos das principais publicações culturais do mundo. 14. Mónica Lavín //do México, escritora e jornalista 1. Nexos, Letras Libres, El Cuento, New York Review of Books, Babelia, do jornal El País. Pela possibilidade de conhecer autores, ideias e livros. 2. Não há uma revista apenas que tenha a variedade de coisas que eu espero. Entre as que eu leio, o suplemento do jornal El País me agrada, assim como Día Siete, do jornal El Universal. Também gosto de Letras Libres. 3. Eu me informo nas seções culturais de alguns jornais, em suplementos
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como Laberinto, do jornal Milenio, da Cidade do México. Na internet, leio The New Yorker e jornais como The Independent. 15. Paulo Fehlauer //fotógrafo e fundador do coletivo e produtora Garapa 1. Acho que cada época tem uma resposta. Na adolescência, minha revista de cabeceira era a Superinteressante. Sempre fui muito curioso, e a Super saciava grande parte dessa curiosidade. Depois fui me interessando por outros temas – política, por exemplo, e parti para outras publicações, como a Caros Amigos e a CartaCapital, principalmente pelo tom crítico que elas tinham. 2. Eu gosto muito do formato revista, impressa mesmo. Fico de olho em várias coisas. E a internet trouxe uma diversidade muito grande de referências, principalmente do exterior. Então fica difícil apontar uma única revista de cabeceira. São várias, e a maioria delas eu nem vejo impressa. Do Brasil, a piauí é uma que acompanho com frequência, principalmente por ser uma revista que preza o texto, a escrita. É uma ótima companhia para viagens de ônibus e metrô. 3. Eu trabalho com fotografia e audiovisual, áreas que têm carência de boas publicações impressas. Ao mesmo tempo, há uma intensa produção de conteúdo na internet, e grande parte é independente. Tem alguns blogs que são chaves nesse meio: o Olhavê, do Alexandre Belém (http://www.olhave. com.br/blog/), e o blog do Paraty em Foco (http://www.paratyemfoco.com/ blog/). São boas fontes, voltadas especificamente para o mundo fotográfico. Se abrir o leque para cultura em geral, são tantas as fontes que no final o melhor a fazer é ter um bom filtro, como um bom leitor RSS, bons Twitters e bons amigos no Facebook. É uma tentativa de organizar o caos, talvez. Alguns veículos que estão no topo da minha lista cultural: The New Yorker, Granta, Catraca Livre, Terra Magazine, The New York Times, revista Norte, Vice, IdeaFixa, serrote, Overmundo, entre outros. 16. Raimundo Carrero //escritor e jornalista 1. Sem dúvida, a revista Senhor foi importantíssima no início da minha carreira de escritor e de jornalista. Com bons colaboradores, tratava dos assuntos com extrema seriedade e competência. Todos grandes escritores, com passagem pelos grandes jornais – e revistas – brasileiros. Nada de superficialidade. Tudo escrito com profundidade e beleza. Era no tempo em que se esperava pela publicação na banca de revista. De pé.
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2. Hoje acompanho a piauí e o jornal Rascunho, onde posso encontrar literatura de alta qualidade. As duas publicações se completam e, embora o Rascunho seja chamado de jornal – e é um jornal –, tem cara de revista, pela densidade e a importância de cada matéria. É claro que também acompanho a revista Bravo!, mais cultural e menos literária, mas sempre muito bem escrita. Recomendo a revista Continente e o jornal Pernambuco, aqui do Recife, que têm ótimo tratamento. São, portanto, revistas e jornais de cabeceira.
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3. É verdade, os blogs e os sites são muito importantes hoje. Costumo ler o blog de José Castello, n’O Globo, além do Portal Literal, que também hospeda o meu site. Além desses, vejo o site Todoprosa, de Sérgio Rodrigues, hospedado na Veja, como muito importante. E ainda as revistas e jornais que citei anteriormente. Sem esquecer, é claro, os suplementos culturais dos grandes jornais. 17. Rodrigo Naves //jornalista, crítico de artes e professor 1. Quando eu ainda fazia faculdade (ECA-USP), lá pelos idos de 1975, o jornal Opinião foi muito importante para mim e para os colegas que estavam preocupados em pensar o jornalismo, a cultura e as artes de maneira mais aberta. Embora todos nós militássemos em tendências estudantis de esquerda, tínhamos muitas críticas à forma restrita e engessada que em geral norteava as publicações que seriam politicamente mais avançadas. Nessa mesma época, fizemos um jornal que causou muita polêmica – Avesso – e posteriormente, inclusive com a participação de alguns excolaboradores do Opinião, fizemos o jornal Beijo, que durou apenas cinco números, mas então já era distribuído em bancas. 2. Não tenho propriamente uma revista de cabeceira, mas leio com bastante frequência a Novos estudos (editada pelo Cebrap) e a serrote. Fui editor por quase nove anos da Novos estudos, ainda faço parte de seu conselho editorial e, portanto, minha relação com ela é quase profissional. Mas acredito que seja de fato uma das poucas publicações desse gênero que consegue combinar bem ensaios de análise política e econômica e textos importantes sobre cultura, arte e filosofia. A serrote é uma revista mais recente, mas tenho muita simpatia pela sua tentativa de associar artigos que toquem em questões pertinentes a textos bem escritos. A tentativa de unir perspicácia analítica e boa escrita – ou seja, o ensaio propriamente dito – deveria ser uma ambição para todas as revistas. Infelizmente, não é. 3. Olha, eu leio jornal todos os dias. O Estado (O Estado de S. Paulo) é uma fonte
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importante de informação para mim. Sempre procuro coisas na internet, em sites de museus, de galerias, de casas de leilão, de história da arte. Mas não sou um rato de internet. Nem sei como funcionam as redes sociais. Tenho um grupo de amigos com quem converso com muita frequência e talvez sejam eles a minha fonte mais confiável. Também tenho bastante interesse pelo jornalismo que a piauí faz e aprendo muito com ela. 18. Rodrigo Teixeira //músico 1. Quando estava me formando profissionalmente, entre final dos anos 1980 e começo dos 1990, não havia a internet ainda, e os cadernos culturais dos grandes jornais diários eram onde se conseguiam informações/reflexões sobre o meio cultural. A Ilustrada, da Folha de S.Paulo, foi fundamental. As primeiras revistas da MTV foram bacanas, assim como a Trip. 2. Bem, eu leio de tudo, até pela profissão, acabo tendo de ler até as estrangeiras Rolling Stone Brasil e Billboard Brasil. Mas continuo aprovando a revista piauí, que mantém o nível desde sua criação. 3. São vários lugares, mas um em especial: o coletivo Overmundo (www.overmundo.com.br). É neste site que encontro matérias culturais sobre todos os estados brasileiros e um grande banco de cultura, com discos, vídeos, textos etc. É um oásis para as expressões artísticas de fora do eixo Rio-São Paulo e uma grande janela também para quem quer postar a sua própria produção cultural. 19. Sérgio Augusto //jornalista 1. Como comecei na profissão como crítico de cinema, a revista francesa Cahiers du Cinéma é o destaque a ser feito. Era a mais importante, oracular e seminal publicação sobre cinema nos anos 1950 e 1960, então ainda em sua “fase amarela”, com o grande André Bazin comandando os jovens críticos que depois fundariam a nouvelle vague, como François Truffaut, Eric Rohmer, Jean-Luc Godard, Jacques Rivette e Claude Chabrol. O primeiro número que compulsei, ávido de curiosidade, pois já a conhecia de fama, foi o 98, de agosto de 1959, trazendo na capa o filme de Mizoguchi, A Imperatriz Yan Kwei Fei. Eu tinha apenas 17 anos, fazia imprensa estudantil e, em dezembro de 1960, estrearia como crítico do jornal Tribuna da Imprensa, apadrinhado pelo Ely Azeredo. 2. Como só posso escolher uma, tiro da pilha a New York Review of Books. Por sua excelência e diversidade, mas sobretudo porque é a única publicação
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cultural que acompanho fielmente desde o primeiro número, que comprei por acaso em Nova York, em 1963. Alguns dos ensaios mais importantes sobre literatura, política e história escritos nas últimas cinco décadas foram publicados na New York Review. 106
3. Basicamente pela internet. Foi-se o tempo em que fazia a limpa nas bancas de jornais, comprando indiscriminadamente um punhado de revistas de cinema, Le Magazine Littéraire, Esquire, Harper’s ou assinando Partisan Review, Critique, Salmagundi, New German Critique, Granta, Raritan etc. Nos anos 1960, eu comprava o italiano L’Espresso, na época um jornalão, só para ler Umberto Eco e a coluna de filosofia de Vittorio Saltini. Hoje navego pelos jornais fundamentais (afora os brasileiros, The New York Times, El País, The Guardian, Le Monde), pelas versões on-line de revistas a cuja leitura me apeguei (The New Yorker, The Nation, Atlantic Monthly, The Economist, Counterpunch, London Review of Books), por sites do tipo Salon, Arts & Letters Daily, Letras Libres, Edge, Chronicle of Higher Education, fuçando aqui e ali nos blogs de Frank Furedi, James Wolcott, Terry Teachout, Sérgio Rodrigues, Paulo Roberto Pires —a lista é grande e receio ter cometido várias omissões graves. Descobri há uns dois anos a revista n+1, que leio impressa (é preciso assinatura) e recomendo com entusiasmo. Tem ainda o jornal mensal de literatura Rascunho, que há dez anos é uma das melhores contribuições de Curitiba à cultura brasileira. 20. Stuart Stubbs //jornalista, editor da publicação Loud and Quiet 1. Quase todas as publicações culturais foram a razão por que eu abri a Loud and Quiet: eu achava que não havia no Reino Unido nenhuma revista que combinasse um ótimo design com um ótimo conteúdo. Elas me pareciam ter um look clássico e muito estilo, mas sem interesse editorial, ou apresentavam artigos de que eu gostava, mas o visual era horrível. Era o caso especialmente da imprensa musical. Dazed & Confused foi uma referência muito importante para mim, porque eu sempre gostei do visual e da fotografia, mas, novamente, o conteúdo me interessava menos. 2. Ultimamente, tenho lido Esquire, sobretudo por causa das matérias de capa. Escrever é algo que estou tentando constantemente melhorar. Esquire
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e Revista QG publicam matérias de capa particularmente bem escritas. Também publicam perfis de pessoas, como fazemos na Loud and Quiet. 3. Embora não seja mais popular, é provavelmente o Myspace. É uma ótima maneira de descobrir o que há de mais novo na música, porque é tão simples para as bandas botarem suas produções on-line, e as bandas podem ficar em contato conosco e nos enviar suas músicas desse jeito. É em grande parte por onde fico sabendo sobre novas bandas, ajudado pela função Top Friends. Podemos ver que bandas estão chamando a atenção dos fãs. Nosso Twitter também é útil, porque as pessoas que seguimos – e as que nos seguem – compartilham os mesmos interesses culturais e postam links para artigos e novas bandas. 21.Ticiano Osório //jornalista 1. Não tenho como eleger apenas uma publicação. Posso dizer que, do tempo de guri, em que desejava ser jornalista, e do tempo de universitário, a Ilustrada (da Folha de S.Paulo), a Veja e o próprio Segundo Caderno da Zero Hora foram referências. Tanto pelos assuntos abordados quanto pela forma de abordá-los – sempre gostei, por exemplo, da maneira como a Veja arquitetava suas matérias, dando contexto ao leitor, fazendo quadros e gráficos, linhas do tempo e comparações, tentando mostrar o que aquela obra significa no mundo. 2. É a piauí, embora eu não seja um leitor 100% assíduo. O motivo é simples: é a revista que reúne os melhores textos do Brasil, a serviço de pautas que fogem do lugar-comum, com ângulos inusitados. 3. Começando pelo fim: justamente por ser o editor do Segundo Caderno, tenho que ter um olhar para o todo e não para o particular. E, também por ser o editor, a toda hora estou sujeito a me informar sobre cultura, e em qualquer lugar – pode ser num site, na TV, num jornal, até num panfleto de divulgação. Twitter eu confesso: estou fora. Acho que há uma porção de coisas mais úteis a fazer, como ler um livro, ir ao cinema, brincar com a minha filha. Não sou um refém da tecnologia, meu celular já tem uns bons três anos. A publicação cultural mais importante? Difícil responder. Não é mais a Bravo!, por certo.
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22. Ubiratan Brasil //jornalista 1. A que mais me influenciou certamente foi o Folhetim, suplemento dominical da Folha de S.Paulo, avô do atual Ilustríssima. Eram textos mais densos que os do dia a dia, mas sem hermetismo. Também o cardápio era variado, com matérias sobre livros e também cinema, quadrinhos etc. Eu também lia, ainda que raramente, a Rolling Stone americana – nunca fui fã de música, mas sempre gostei da forma como eles faziam perfis. Era quase como um manual de estilo de jornalismo, para o bem e para o mal. 2. Hoje, confesso que vario muito, mas sempre vejo o que traz a piauí. Gosto dos textos estrangeiros que eles traduzem, sempre muito oportunos. Também de algumas histórias curiosas que inspiram pautas. Confesso que me prendo mais aos textos culturais, não me ligo nos de política, por exemplo. 3. Hoje há uma profusão de publicações, blogs etc. Desde institucionais, que são boas, como a Revista da Cultura, da Livraria Cultura, até as específicas, como a Cult. Acabo folheando todas – a do Itaú Cultural, bem entendido. Confesso preguiça por blogs e Twitter, mas não dá para fugir deles. Assim, consulto os das editoras principais, onde também pinço informações atraentes. Também o site da Saraiva, Saraiva Conteúdo, me abastece. Enfim, uma passada de olhos geral.
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Alberto Pucheu Neto: Poeta e professor de teoria literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Escreveu os livros A fronteira desguarnecida; Pelo colorido, para além do cinzento: a literatura e seus entornos interventivos e organizou Poesia (e) filosofia: por poetas-filósofos em atuação no Brasil e Nove abraços no inapreensível: filosofia e arte em Giorgio Agamben. Mora no Rio de Janeiro. Alex Needham: Jornalista e crítico. É editor de cultura do guardian.co.uk, do jornal britânico The Guardian. Trabalhou para revistas como Smash Hits, The Face e NME e escreve sobre arte, música e moda para publicações internacionais, como Fantastic Man e The New York Times. Tem 34 anos e mora em Londres. Almir de Freitas Miranda: Jornalista, foi editor sênior da revista Bravo!, responsável pelas seções de livros, teatro e dança. Atualmente, integra a equipe de criação de uma nova publicação da Editora Abril. Estudou história na Universidade de São Paulo (USP). Ana Elisa Ribeiro: Doutora em linguística aplicada (linguagem e tecnologia) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora do mestrado em estudos de linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. É escritora e colunista do site Digestivo Cultural. Antônio Carlos Miguel: Jornalista especializado em música. É colunista em O Globo e já colaborou para Jornal da Tarde e Jornal do Brasil, entre outros. Trabalhou em publicações como Música do Planeta Terra, criada por Júlio Barroso, Jornal da Música/Revista Rock, Som Três, Pipoca Moderna, Bizz e ShowBizz. É autor de Guia de MPB em CD e membro votante do júri do Grammy Latino e do Prêmio da Música Brasileira. Blake Eskin: Editor de web da revista The New Yorker e apresentador do podcast The New Yorker Out Loud. Fundou e editou o site Nextbook, trabalhou no Conselho de Relações Internacionais e no jornal Forward. É autor de A Life in Pieces: The Making and Unmaking of Binjamin Wilkomirski, considerado pelo New York Times um dos livros notáveis de 2002. Cassiano Elek Machado: Estudou jornalismo na PUC-SP e ciências sociais na USP, especializando-se em cultura espanhola na Universidad Complutense de Madri. Trabalhou durante nove anos no caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo, foi redator-chefe da revista Trip, de São Paulo, e por dois anos fez parte da equipe da revista piauí, do Rio de Janeiro. Desde 2008 é diretor editorial da Cosac Naify. Cláudia Nina: Jornalista e doutora em letras. Foi professora visitante no curso de letras da UERJ e pro-
fessora de comunicação na PUC-Rio. Tem dois livros publicados: A palavra usurpada: exílio e nomadismo na obra de Clarice Lispector e Literatura nos jornais:a crítica literária dos rodapés às resenhas. Foi editora do Ideias & Livros. Daniel Sant’Ana: Coordenador de Ação Política da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin). Preside a Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour, do Acre, e o Conselho Estadual de Patrimônio Histórico e Cultura do Estado do Acre. Integra a rede de gestores do Circuito Fora do Eixo de Música Independente e toca contrabaixo na banda Filomedusa. É formado em direito pela Universidade Federal do Acre (UFAC) e mestre em relações internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mora em Rio Branco. Fabio Malini: Doutor em comunicação, professor de jornalismo na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e ativista do Fórum de Mídia Livre e da Universidade Nômade. É um dos editores da revista on-line GlobalBrasil. Também é consultor do Onda Cidadã – Mapeamento Nacional da Comunicação Autônoma, para o Itaú Cultural. Mora em Vitória. Francisco Bosco: Ensaísta, autor de E livre seja este infortúnio, Banalogias, Dorival Caymmi e Da amizade. É doutor em teoria da literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente coordena a Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, e escreve uma coluna semanal no jornal O Globo. Mora no Rio de Janeiro. Guillermo González Uribe: Jornalista e editor, foi coordenador do Magazín Dominical do jornal El Espectador; diretor da revista Gaceta, do Ministério da Cultura colombiano, e é diretor da revista Número, desde a sua criação, em 1993. Em 2002, recebeu o Prêmio Planeta de jornalismo por sua trajetória profissional. É agente literário de William Ospina. Hermano Vianna: Doutor em antropologia social pelo Museu Nacional/UFRJ. Autor dos livros O Mundo Funk Carioca e O mistério do Samba. Trabalha também para televisão (Programa Legal, Brasil Legal, Música do Brasil, Central da Periferia). Atualmente coordena o site www.overmundo.com.br, do qual é um dos fundadores e idealizadores. É colunista do jornal O Globo. Humberto Werneck: Jornalista e escritor. Trabalhou nas revistas Veja, IstoÉ, Playboy e no Jornal do Brasil. Escreveu O espalhador de passarinhos & outras crônicas; O santo sujo – a vida de Jayme Ovalle; Reportagem biblio-
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gráfica de Chico Buarque em Tantas palavras e O pai dos burros – dicionário de lugares-comuns e frases feitas, entre outros livros. É cronista do caderno Outlook do jornal Brasil Econômico e do site www.vidabreve.com. Jan Fjeld: Diretor de Showbiz do UOL, onde trabalha desde 1997. Norueguês, reside no Brasil desde 1986. É formado em literatura e comunicação pela San Jose State University (EUA). Foi programador na Eldorado FM, assessor de imprensa nas gravadoras EMI, Virgin e Paradoxx, colunista da Bizz e do Jornal da Tarde, e colaborador da Folha de S.Paulo. Jeder Janotti: Pesquisador e baterista, é professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas e professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia, onde coordena o grupo de pesquisa Mídia e Música Popular Massiva. É autor de Aumenta que isso aí é rock and roll: mídia, gênero musical e identidade, entre outros. Realizou estágio de doutoramento em 2000 na McGill University, no Canadá. Mora em Maceió. José Castello: Jornalista, escritor, colunista do Prosa & Verso, do jornal O Globo, e colaborador do Valor Econômico, das revistas Bravo! e Época e do mensário Rascunho. Autor de Inventário das sombras e A literatura na poltrona –jornalismo literário em tempos instáveis, além do recém-lançado Ribamar. José Marcelo Zacchi: Coordenador do site Overmundo, que ajudou a criar. Formado em direito pela USP, fundou o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Sou da Paz. Participou do projeto Modelos de Negócios Abertos, América Latina, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, e fez curadoria para o Centro Cultural Waly Salomão, do Grupo AfroReggae. josé Teixeira Coelho: Curador-coordenador do MASP – Museu de Arte de São Paulo; professor titular da USP, foi diretor do MAC - Museu de Arte Contemporânea da USP; autor de vários livros, entre eles o Dicionário crítico de política cultural, Moderno pós-moderno e História natural da ditadura. Em 2010, lançou um novo romance, com o título O homem que vive. Joshua Benton: Jornalista investigativo. Diretor do Neiman Journalism Lab, da Universidade de Harvard, dos EUA, laboratório que analisa como o jornalismo de qualidade pode sobreviver na era da internet. Recebeu o prêmio Philip Meyer de Jornalismo e participou do programa Pew Fellow de Jornalismo Internacional, promovido pela Johns Hopkins University.
JuliAn Gallo: Consultor de novos meios. É colunista de Terra Magazine e colabora com Lanación.com, Newsweek Argentina e Hipercrítico. Foi diretor criativo do Clarín.com e professor de jornalismo da Universidade de San Andrés. Já recebeu prêmios por seu trabalho em televisão (Martin Fierro), cinema e publicidade na internet (Lápiz de Oro e Festival Iberoamericano de Publicidad). Lúcia Guimarães: Colunista e colaboradora de O Estado de S. Paulo e da Rádio Eldorado. Trabalhou para a Rede Globo, TV Cultura, Globosat e participa, com reportagens, do Saia Justa, do GNT. Mora em Nova York desde 1985. Luís Antônio Giron: Jornalista e escritor. Edita a seção de livros da revista Época. Mestre em musicologia e doutor em artes cênicas pela USP, é autor da coletânea de contos Até nunca mais por enquanto, entre outros livros, e organizador da antologia Minoridade crítica. Marcelo Coelho: Jornalista, é membro do conselho editorial do jornal Folha de S.Paulo e escreve semanalmente no suplemento Ilustrada, do mesmo jornal, desde 1990. Mario Helio Gomes: Jornalista, crítico literário e escritor. Fundou e edita a revista Continente multicultural, de Recife. É autor de O Recife na poesia de João Cabral, O Brasil de Gilberto Freyre, O Recife melhor do que Paris e Cícero Dias – uma vida pela pintura, entre outros. Nasceu em Sapé, Paraíba, em 1965, e mora em Recife. Marcos Strecker: Jornalista e crítico, é editor de mídias sociais da Folha de S.Paulo, onde já coordenou páginas de livros, foi correspondente-bolsista em Paris, editorialista e editor-assistente do caderno Mundo. Fundou o site Cineguia, dirigiu o documentário Julia Mann – memórias do paraíso e é autor de Na estrada – o cinema de Walter Salles. Mora em São Paulo. Matinas Suzuki Jr.: Jornalista, ex-editor executivo da Folha de S.Paulo, ex-âncora do Roda Viva, da TV Cultura, ex-diretor do Grupo Abril e ex-presidente do iG. É um dos editores da revista serrote, do Instituto Moreira Salles, e editor do selo Penguin-Companhia, da Companhia das Letras. Mónica Lavín: Escritora mexicana, já lançou seis livros, como o premiado Ruby Tuesday no há muerto, e os recentes Hotel Limbo e Yo, la peor. Bióloga, também publicou livros de divulgação cien-
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tífica e de crônica gastronômica. Assina colunas nos jornais El Universal e Este país, além de trabalhar em rádios. É professora de criação literária da Universidade Autônoma da Cidade do México. Paulo Fehlauer: Jornalista e fotógrafo. É um dos três criadores do coletivo Garapa, onde realiza produção e pesquisa em narrativas multimídia. Foi fotojornalista na Folha de S.Paulo e trabalhou no International Center of Photography, em Nova York. Paulo Mussoi: Jornalista, formado pela Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. Trabalha com internet desde 1999. Foi editor de interatividade e blogs de O Globo entre 2002 e 2010. Presta consultoria sobre a utilização de redes sociais e novos meios. Rachel Bertol: Jornalista, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em comunicação e cultura, também pela UFRJ. Trabalhou 15 anos no jornal O Globo, nove dos quais no suplemento de livros. Colabora para o suplemento cultural do jornal Valor e já colaborou para o suplemento literário do jornal Le Monde. É a curadora do Seminário Internacional Rumos de Jornalismo Cultural de 2010. Mora no Rio de Janeiro. Raimundo Carrero: Escritor, jornalista e realizador de oficinas literárias. É autor de, entre outros, A minha alma é irmã de Deus (Prêmio São Paulo de Literatura, Melhor Livro do Ano - 2010), Ao redor do escorpião... uma tarântula?, Somos pedras que se consomem (prêmios Machado de Assis e APCA) e As sombrias ruínas da alma (Prêmio Jabuti). Rodrigo Naves: Crítico, historiador da arte e professor, com doutoramento em estética pela Universidade de São Paulo. Foi editor do suplemento Folhetim, da Folha de S.Paulo, da revista Novos Estudos, do Cebrap, dirigiu a coleção Espaços da Arte Brasileira (Cosac Naify). É autor de, entre outros, A forma difícil - ensaios sobre arte brasileira, Goeldi e O vento e o moinho - ensaios sobre arte moderna e contemporânea. Rodrigo Teixeira: Jornalista. É um dos fundadores do coletivo Overmundo e
foi editor de cultura do jornal O Estado de Mato Grosso do Sul. É compositor e autor do livro Os pioneiros – a origem da música sertaneja de Mato Grosso do Sul, lançado em 2010. Mora em Campo Grande. Santiago Ortiz: Um dos fundadores do site Bestiario, da revista Blank, de arte digital e cultura, e colaborador do MedialabMadrid. Pesquisa a interseção entre arte, ciência, vida artificial, linguagens, narrativas e educação. Estudou matemática na Universidade dos Andes, em Bogotá, e também é formado em música e literatura. É professor de design digital no Instituto Europeu de Design, em Madri. Nasceu em Bogotá, em 1975. Sérgio Augusto: Jornalista. Começou sua carreira nos anos 1960, como crítico de cinema da Tribuna da Imprensa. Foi crítico, repórter, redator e editor nos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil, nas revistas Veja e IstoÉ e nos semanários Pasquim e Opinião. Também trabalhou para a Folha de S.Paulo e atualmente escreve para O Estado de S. Paulo. Mora no Rio de Janeiro. Stuart Stubbs: Jornalista britânico. Fundou há cinco anos a publicação mensal Loud and Quiet, também disponível numa versão on-line. A publicação temse destacado por apresentar uma nova visão da diversidade presente na cena alternativa musical da Inglaterra. Ticiano Osório: Jornalista, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É editor do Segundo Caderno, editoria de cultura do jornal gaúcho Zero Hora, onde trabalha desde 1996, e já atuou na editoria de esportes. Escreve sobre cinema, literatura e quadrinhos, e música. Mora em Porto Alegre. Ubiratan Brasil: Jornalista formado pela ECA/USP. Trabalhou com esportes na revista Placar, no Jornal da Tarde, na Folha de S.Paulo e em O Estado de S. Paulo, época em que cobriu duas copas do mundo (EUA-94 e França-98), além da Olimpíada de Atlanta. Trabalha no Caderno 2, do Estado, desde 2000, como editor-assistente. Faz matérias sobre livros, cinema e teatro.
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