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Verão no Canadá
Fernando Pessoa
Desta vez, não vim diretamente para Toronto, mas fiz uma curta escala em Montreal, cidade que muito fugazmente cheguei a conhecer enquanto cá vivi. Pela sua harmonia e graciosidade, Eça de Queiroz, quando a visitou, descreveu-a como “uma pequena cidade que se desejaria colocar numa «étagère». Pode-se dizer que em Montreal não há ruas, mas alinhamentos de jardins. É um encanto.”
Foi este encanto que revisitei por insistência de uma grande amiga minhota, que há muito me fizera prometer esta viagem constantemente adiada. De lá, dei um salto à cidade do Quebeque, deslumbrante pela sua localização. Um escarpado degrau natural separa a parte baixa da parte alta, que o funicular desfaz quando, em segundos, elimina o esforço de uma caminhada íngreme. A viagem de autocarro entre as duas cidades oferece-nos intermináveis manchas de bosques, atravessados aqui e ali por cursos de água e rápidos que interrompem a monotonia da paisagem. O mesmo acon- tece na vinda para Toronto de comboio, e a comparação com Portugal é inevitável. Um país tão pequeno em área geográfica, mas tão grande em diversidade de paisagem! Quando se percorre território luso, seja ele continental ou ilhéu, montanhas, serras, vales, planícies a perder de vista, falésias, mar chão ou encapelado, deslizam perante o nosso olhar separados por poucos quilómetros de muita heterogeneidade.

É a primeira vez que venho ao Canadá em pleno verão e revejo lugares que me são familiares, mas que se apresentam transfigurados pela força de uma natureza revigorada, porque adormecida pelos longos meses de invernia. O branco da neve dá lugar à profusão de verdes e ao colorido dos jardins. Os amigos são também os mesmos, mas caminham sob a leveza das roupas e com os corpos mais desnudos. Os abraços são mais fortes porque libertos da barreira dos casacos, das luvas, dos cachecóis e dos gorros. A passada cuidadosa de olhos no chão, atentos à neve e ao gelo, é substituída pelo desfilar seguro, em que os olhares descontraídos se cruzam em cumprimentos de sorrisos francos. Os jardins, desenhados em esquadrias de cores e bem cuidados, denunciam o fervor com que no início da primavera se fez a renovação da terra. Mas outros elementos, bem mais estranhos, passam a fazer parte da paisagem – cones pretos de riscas alaranjadasatestando obras por todo o lado, e que dão razão ao que por aqui se diz: “No Canadá, apenas há duas estações, a do inverno e a das construções.” É um afã na tentativa de adiantar obras antes que cheguem os primeiros nevões. Com a mesma ânsia se vivem as noites e os dias quentes, enchendo as ruas de gente sôfrega de convívio que se sabe durar pouco mais de três meses. Um tempo sempre breve a dar razão ao poeta, porque o valor das coisas nunca está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que se vivem.