
2 minute read
Uma história dentro da história, ou o “pai” da comunidade
Esta é a história de Manuel Cabral, um luso-americano que esteve nas origens da comunidade portuguesa de Cambridge, na província do Ontario. Quem, pela primeira vez, me falou de Manuel Cabral, foi um dos 18 açorianos que chegou a Halifax, em maio de 1953. Já contei aqui, há algumas semanas atrás, a história fascinante de Manuel Arruda, esse pioneiro que está diretamente ligado ao percurso de Manuel Cabral, cujo legado histórico é hoje reconhecido publicamente em toda aquela região do Ontário. Mas a sua celebridade não foi sempre assim. Quando eu cheguei a Toronto nos anos 60, fui bater à porta da sua casa, sem ter noção alguma quem era este Manuel Cabral. Como diríamos em bom português, uma história do arco da velha. Em 1969 arranjei trabalho no Jornal Português, propriedade do padre Alberto Cunha e uma das primeiras tarefas de que fui incumbido foi angariar assinantes. Uma bela tarde, armado com a lista telefónica da então cidade de Galt e arredores, lá fui eu no carro do seu irmão, o padre António Cunha, contactar os muitos portugueses que para ali se tinham estabelecido nos anos 50. A estratégia era simples: procurar na dita lista telefónica nomes portugueses, bater às suas portas e com uma cópia do jornal na mão, convencê-los a comprar uma assinatura anual.
Na Elgin Street South, ao bater na porta do número 87, fui surpreendido por uma senhora que me explicou em inglês, que sim, o seu pai vivia ali e sim, chamava-se Manuel Cabral. Mas não, não eram imigrantes portugueses. Por fim apareceu um senhor já de certa idade que, em inglês, se identificou como Manuel Cabral. Quando atrapalhadamente o interrompi: -“Sorry, but you have a Portuguese name? Ele retorquiu: “The name goes back 500 years. Pedro “Alves”(sic) Cabral discovered South America which they now call Brazil.” Pensei então que tinha batido na porta errada e tentei escapar-me daquela situação embaraçosa. O meu inglês não era suficiente para lhe corrigir o nome do navegador português nem para continuar a conversa. Não só não consegui vender ali uma assinatura como voltei perplexo para casa sem acreditar naquela desculpa esfarrapada. Somente mais tarde, ao entrevistar o pioneiro açoriano Manuel Arruda, consegui finalmente desvendar o mistério. Manuel Cabral, nascido nos
Estados Unidos e descendente de avô açoriano fora quem o tinha ajudado aquando da sua odisseia pelos campos de Quebec após a sua chegada no Satúrnia em 1953. Quis o destino que este americano de origem portuguesa, ao ir a Montreal socorrer Manuel Arruda, acabasse por ter um papel fundamental na formação da comunidade portuguesa de Galt que, 20 anos depois, se fundiria com Preston e Hespeler formando a próspera cidade de Cambridge. And as they say, the rest is history.
Na década de 70, aquando da preparação para o livro “25 Anos no Canadá”, voltei de novo à Elgin Street e ouvi então a sua história.

Nasceu Manuel Cabral de pais luso-americanos em Somerset, Massachusetts, em 1894. Cresceu em Fairhaven, perto de Bedford, Massachusetts que tinha na altura uma das maiores populações portuguesas de qualquer cidade dos Estados Unidos. Os seus antepassados açorianos emigraram clandestinamente, aproveitando a passagem dos barcos baleeiros pelas ilhas dos Açores. Segundo se contava entre a família, “in around 1830 my grandfather swam out to a whaler, anchored off one of the Azores Island. He landed in New Bedford”. Aparentemente só cinco anos depois, conseguiu encontrar um português que lhe escrevesse uma carta para informar os familiares nas ilhas, e depois passou a maior parte da sua vida pescando nos mares dos Grand Banks.
A sua mãe tinha sete irmãs e seis irmãos que na maioria se estabeleceram no estado de Massachusetts entre 1870 e 1875. Aos 25 anos, com os Estados Unidos em plena crise económica (The Great Depression), Manuel Cabral foi à procura de trabalho e conseguiu emprego numa fábrica de fazer pregos (metal tack-making) em Morrisburg, na província do Ontario. Ele que tinha aprendido aquele ofício na