A Amazônia é nossa? Como o Brasil está perdendo o controle da região mais cobiçada do planeta
Rio e Lisboa As cidades de dom João VI
Barcelos
ISSN 1809-4600
R$ 10,00
Viagem ao paraíso cenográfico
Moda
No palco da natureza morta 1
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editorial Um novo olhar sobre a Amazônia A Empório, em sua 13ª edição, faz uma viagem pela Amazônia para mostrar aos leitores as potencialidades e fragilidades dessa região ameaçada pelo modelo de desenvolvimento equivocado baseado na pata do boi e na indústria madeireira. As imensas clareiras abertas no meio da selva pela ação predatória do homem expõem o Brasil ao mundo como um país incapaz de gerir o maior patrimônio natural da Terra. O trabalho envolve pesquisa, entrevistas e reportagens especiais que devem servir de documento para análise e reflexão sobre o que pode ser feito para preservar e desenvolver a região. Desde os primeiros religiosos e naturalistas que aqui chegaram, até os tempos atuais, a Amazônia é analisada sobre vários aspectos. Poucos, porém, foram os que se aprofundaram em seu universo preocupados em apresentar projetos nos quais o homem seja parte preponderante desse processo. A Empório viaja por rio, terra e ar, das áreas desmatadas no Sul do Estado a Barcelos, paraíso da pesca esportiva e, agora, cenário cenográfico de três longasmetragens ambientados na Amazônia. Ao folhear as páginas desta edição, o leitor pode embarcar no porto de Lisboa, em 1807, ao lado da família imperial em fuga para o Brasil, e passear pelo Rio de dom João VI, rei que fez de uma colônia um país, além de poder visitar a Lisboa de hoje, capital portuguesa que se moderniza impulsionada pelo Mercado Comum Europeu. Se quiser mais aventura, pode se deixar levar pelo imaginário do artista plástico chileno Roland Stevenson e encontrar o caminho do El Dorado, numa viagem fantástica cercada de perigos e mistérios. O ensaio de moda com Sally Menezes, amazonense de Carauari que começa a consolidar uma carreira internacional, tem a peculiaridade de invadir a passarela desmatada em que se transformou grande parte da floresta. Mas, para não dizer que só falamos de florestas, Carlos Ferreirinha mostra produtos sofisticados que estão sendo lançados no país. Ao final dessa leitura, a Empório espera ter contribuído para tornar a Amazônia mais amada e compreendida.
Os editores 4
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PRESIDENTE E EDITOR Valdo Garcia
w w w. e m p o r i o a m a zo n i a . c o m . b r
DIRETOR DE REDAÇÃO Sebastião Reis reis@emporioamazonia.com.br DIRETORA EXECUTIVA Geyna Brelaz geyna@emporioamazonia.com.br EDITORA EXECUTIVA Natália Freire natalia@emporioamazonia.com.br CONSULTOR Carlos Ferreirinha ferreirinha@mcfconsultoria.com.br DIRETOR DE ARTE Marcelo T. Menezes criacao@emporioamazonia.com.br PRODUTOR DE MODA E BELEZA Gelb Costa gelb@emporioamazonia.com.br PUBLICIDADE Caio Michiles caio@emporioamazonia.com.br Monyk Braga monyk@emporioamazonia.com.br COLABORADORES André Viana • Bruno Chateaubriand • Felipe Maciel Jair Ricciner • Marcelo Guilherme • Tenório Telles FOTÓGRAFOS Antonio Iaccovazo • Cao Ferreira • Delfim Vieira • Euzivaldo Queiroz Fabiano Herrera • Fernanda Preto • Maíra Coelho • Márcio Amaral Mário Oliveira • Paulo Amorim • Ruth Jucá TRATAMENTO DE IMAGEM caoptix.com REVISÃO Dernando Monteiro damferr@ig.com.br MARKETING E CIRCULAÇÃO Ana Paula Schlickmann mkt@emporioamazonia.com.br REPRESENTANTE Thiago Lorenzoni
Rua Rio Jutaí, 19 • Qd. 35 • N. S. das Graças Conj. Vieiralves • CEP 69.053-020 • Manaus/AM CNPJ 03.207.977/0001-72 amazonbest@amazonbest.com.br Tel.: (92) 3584.5248 • www.amazonbest.com.br
CTP E IMPRESSÃO Prol Editora Gráfica Ltda. DISTRIBUIÇÃO NACIONAL Leonardo Da Vinci
CAPA Foto Márcio Amaral Styling Augusto Carneiro Modelo Sally Meneses
COLABORADORES
Carlos Ferreirinha O administrador de empresas Carlos Ferreirinha é uma das pessoas que mais bem conhecem o setor de luxo no país. Mesmo se dizendo imune ao poder das marcas, é um profissional bem-sucedido da área. Ex-presidente da Louis Vuitton no Brasil, presta hoje consultoria a empresas como Burberry e Gucci. São dele as dicas de produtos.
Sally Menezes Alta, branca, olhos azuis, ela costuma ser confundida com uma russa. Nada de mais, sobretudo se o engano vem de gente como Kate Moss, super-model inglesa. Amazonense de Carauari, Sally Menezes desfila para estilistas famosos, como Calvin Klein e Vivianne Westwood. Nesta edição, revela sua beleza na capa e editorial de moda.
Felipe Maciel Felipe Maciel, 29 anos, é jornalista, com passagem por várias revistas, como Desfile, Manchete e Pais & Filhos, além do jornal Tribuna da Imprensa. Atualmente acumula experiência em assessoria de imprensa. Pela experiência na área cultural, assina a matéria sobre o Rio imperial.
Jair Racciner Há 21 anos em Portugal, Jair Racciner mostra Lisboa 200 anos depois da fuga da família real. Formado em jornalismo pela ECA/USP, com mestrado em Literatura e Cultura Portuguesas pela Universidade Nova de Lisboa, trabalha como correspondente para a BBC Brasil e O Estado de S. Paulo.
Paulo Amorim Fotógrafo independente, Paulo Amorim é o responsável pelos clicks de Lisboa. Além da Empório, atualmente colabora com a Agência ImagoPress/ImagoSport (SuiçaAlemanha), Agência Estado (Brasil), El Mundo e Don Balon (Espanha). No Brasil, já passou pelo jornal O Liberal e pela revista Veja, sucursal de Belém.
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13 ARTE Natureza de uma bela paisagem
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AMBIENTE As veias abertas da Amazônia
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ENTREVISTA General Heleno, comandante do CMA
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NEGÓCIOS Quatro décadas de uma Zona Franca
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MODA Um ensaio na passarela desmatada
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DESTINO Barcelos, paraíso do turismo e do cinema
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TURISMO O Rio imperal da corte de dom João VI
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TURISMO Roteiro da velha e moderna Lisboa
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GENTE A incrível viagem de Stevenson ao El Dorado
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LUXO O mundo sofisticado de Carlos Ferreirinha
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CULT Doze anos do Festival de Ópera de Manaus
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LETRAS Lançamentos que ninguém pode perder
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VITRINE
Foto Fernanda Preto
Albergue com charme
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m casarão charmoso no centro histórico de Manaus é o mais novo empreendimento da rede mundial de albergues da juventude, a Hostelling International. Distante apenas três quadras do Teatro Amazonas, a hospedaria começa a ficar conhecida entre mochileiros do mundo inteiro interessados em explorar esta cidade singular e esticar o passeio à exótica floresta amazônica. Além do bom preço, o lugar se destaca pelo ambiente familiar. Em um pátio interno coberto por árvores frutíferas, o visitante pode se deliciar lendo um livro deitado em rede, estilo ribeirinho. No fim da tarde, a diversão fica por conta de boa música regada a caipirinha. A bebida é servida no bar do Hostel, que conta ainda com vista para o Palácio Rio Negro.
Rua Lauro Cavalcante, 231 - Centro • (92) 3233.4545 • hostelmanaus@hotmail.com • Manaus - AM
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De volta para casa
www.inpa.gov.br • www.ipe.org.br • www.ampa.com.br
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Foto Fernanda Preto
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ais um grande passo para conservação e repovoação de peixes-bois de água doce foi dado no início do mês. Uma equipe de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE) e da Associação Amigos do Peixe-boi (Ampa) fez a primeira soltura de animais criados em cativeiro no Amazonas. Puru e Anamã moravam no Inpa desde 1999 e 1995, respectivamente, e foram libertados na Reserva do Cuieiras, a 60 quilômetros de Manaus, depois de passarem por uma série de exames. O evento foi acompanhado por crianças, que aproveitaram para aprender mais sobre a espécie ameaçada de extinção. Mais peixes-bois devem ser soltos nos próximos anos. Trinta e três ainda continuam no laboratório do Inpa.
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Arte social
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Fotos Ruth Jucá
material selecionado e o fino acabamento do artesanato de Novo Airão, no interior do Amazonas, começam a ganhar fama nacional. Em 2006, a cooperativa de artesãos ligada à Fundação Almerinda Malaquias recebeu o Prêmio Top 100 do Sebrae. E de lá para cá, só tem aumentado a produção. Além da marcenaria e do artesanato com madeira, a associação Nov’Arte agora investe em peças feitas a partir de papel reciclado. Um destaque do trabalho é a preocupação social e ecológica. Como o município de Novo Airão tem hoje mais de 80% da sua área dividida em zonas de proteção ambiental, o que restringe o uso das potencialidades naturais, a Fundação Almerinda Malaquias (FAM) surge como uma alternativa, ensinando ao ribeirinho que só sabia caçar, pescar e extrair madeira, um novo ofício. A FAM oferece cursos de capacitação, incentiva a educação básica e o associativismo. A empresa de artesanato funciona assim: 25% do dinheiro da venda dos produtos se transformam em capital de giro. Os outros 75% ficam para o artesão, que emprega o lucro no sustento da família. A preocupação com o meio ambiente se traduz no uso de refugos de madeira, recuperados em vários pontos da cidade ou abandonados na mata. Nem uma tora de matéria-prima nobre é derrubada.
(92) 3365.1000 • fam@uol.com.br
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Churrasco de peixe
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naugurado há pouco mais de um ano, o restaurante Itaim é a primeira casa especializada em peixe na grelha do país. Com ambiente rústico e aconchegante, começa a receber indicações de revistas especializadas. O cardápio ofecere 18 espécies de pescado preparados tipo churrasco e mais uma variedade enorme de frutos do mar, risotos e entradas, como a linguiça de tambaqui. Exemplares de águas doces, como o tambaqui e o tucunaré, aliás, são preferidos no local. Mas o chef Fabrizio Pellegrino também inova em pratos como o ceviche de linguado com pipoca, o minihambúrguer de salmão e o abadejo com fonduta de parmesão e batata sauté (foto). Nota 10 também para o serviço, cordial e informal, combinando com a casa.
Rua Comendador Miguel Calfat, 382 - Itaim • (11) 3045.9006 • São Paulo - SP
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Divino prazer
Av. do Turismo, 215 - Tarumã • (92) 8818.1202 • adegadepedra.manaus@gmail.com • Manaus - AM
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Foto Antonio Iaccovazo
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vinho é prova constante de que Deus nos ama e nos deseja ver felizes, já dizia Benjamin Franklin. A célebre frase cai como uma luva para o Adega de Pedra, empreendimento de cinco amigos que, depois de experimentarem temporada na Europa, resolveram trazer um pouco do Velho Mundo para Manaus. Inaugurado há quatro meses, o local com cara de taberna espanhola tem atmosfera alegre e aconchegante, por isso é a nova sensação entre os enófilos de plantão. Com decoração rústica, inspirada em cantinas mediterrânicas, a adega oferece uma vasta carta de vinhos finos, espanhóis, argentinos, chilenos e portugueses. Destaque para a paella preparada na hora (às quintas-feiras) e para o bacalhau servido como tira-gosto (toda sexta), ao som de boa música.
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Sabores exóticos
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aborear sorvetes feitos com frutas frescas e selecionadas da Amazônia já não é privilégio dos paraenses. Manaus, agora, conta com uma gelateria Cairu. A marca, criada há 45 anos por uma família de Belém e que virou sinônimo de qualidade, fazendo parte do circuito turístico da cidade, chega ao Amazonas pelas mãos da empresária Esdras Begéa. A loja no Tropical Hotel oferece 35 sabores, entre tradicionais (açaí, tapioca e cupuaçu) e exóticos (mangaba, muruci e uxi). Destaque também para as receitas exclusivas, como a de pavê de cupuaçu (com pedaços de castanha e gotas de chocolate) e o sorvete de bacuri (com castanha e pão-de-ló). As crianças não foram esquecidas. Para elas, chocolate, chicletes e céu azul (caramelo).
Tropical Hotel Manaus • Av. Cel Teixeira, 1320 - Ponta Negra • (92) 3658.6953 • Manaus - AM
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Releituras do Brasil
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uem gosta de novas experiências gustativas, não pode deixar de passar no restaurante Espírito Santa, no charmoso circuito gastronômico de Santa Teresa, Rio de Janeiro. A chef Natacha Fink acaba de elaborar um cardápio em que apresenta um painel completo e bem atual dos sabores do Brasil, com pratos e ingredientes típicos de várias regiões do país. A par tir de uma pesquisa sobre a tradição gastronômica brasileira, ela ampliou a variedade de peixes de água doce (pintado, surubim, dourado) e selecionou mais alimentos saudáveis, tubérculos como inhame, mandioquinha e batata doce. E o melhor são os preços, na faixa de R$ 30. Na foto, siri com banana pacovã.
Rua Almirante Alexandrino, 264 - Largo dos Guimarães - Santa Teresa • (21) 2508.7095 • contato@espiritosanta.com.br • Rio de Janeiro - RJ
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08 Foto Ruth Jucá
Compras com estilo
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Millennium Shopping, em Manaus, disponibiliza mais um serviço para quem tem pouco tempo para compras e não abre mão da qualidade. Inaugurou recentemente o Empório Gaioto, uma espécie de loja de conveniência com bebidas e alimentos finos. Além dos já tradicionais bacalhau norueguês e lingüiça de Bragança, é possível encontrar toda a linha de carnes Bassi e vinhos Chandon, cervejas alemães e americanas e uma farta carta de queijos, antepastos, geléias e ervas exóticas. A novidade fica por conta do “espaço sebo”, onde o visitante pode se deleitar com clássicos da literatura mundial, como Simone de Beauvoir e Balzac. O empreendimento tem a assinatura de Jurandir Gaioto, que acumula know-how nos já badalados Mercato e Távola Redonda.
Millennium Shopping - Lojas 202 e 203 • (92) 3659.3714 • Manaus - AM
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Sacola reutilizável
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asta dar uma volta, passar na padaria ou comprar algo na farmácia que o resultado é o mesmo: muitas sacolas plásticas para guardar em casa. Essas embalagens causam grande impacto ambiental, já que são derivadas do petróleo e demoram em média 450 anos para se decompor. Com o objetivo de mobilizar os consumidores, as bolsas de pano, também conhecidas como eco bags, são a nova aposta do mundo fashion. Na Europa, só se vai ao supermercado com bolsas assim. Por isso, a Natura lança sua versão feita 100% com algodão natural. Com o slogan “Esta bolsa carrega as minhas escolhas”, o produto, além de propor uma reflexão sobre o consumo consciente, ainda tem renda revertida para projetos de melhoria da educação no país.
Serviço Natura de Atendimento ao Consumidor • 0800.115566 • snac@natura.net • www.natura.net
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Capela de cavaco
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Fotos Antonio Iaccovazo
Prefeitura de Rio Preto da Eva acaba de dar os últimos retoques na Igreja de Cavaco. Construída em 1968, em sistema de mutirão, por agricultores riopretenses, a obra se destaca pela arquitetura de vanguarda assinada por Severiano Porto. Por falta de manutenção adequada, a capela acabou sendo demolida em 2002. Agora, graças a um esforço conjunto das administrações municipal e federal, o centro ecumênico ressurge belo, exótico e ainda mais imponente. Severiano Porto autorizou a reconstrução da planta original nos mínimos detalhes. A par te externa foi toda feita de cavacos de jaran, com design que lembra o rabo de um peixe. Já a par te interna foi erguida com acariquara, ferro e concreto. O piso é ilustrado por costaneiras (cor tes de madeira em círculos), numa espécie de mosaico. E a mobília também acompanha o estilo pitoresco. rudimentar. Tanto o púlpito, quanto bancos e cadeiras são de madeira bruta regional. Por sua beleza e importância, a obra passa a compor um complexo turístico com visão panorâmica da cidade. Batizado de Mirante Francisco Eugênio, em memória a um dos produtores agrícolas pioneiros do município, o local abriga ainda um forno de torrar farinha cercado por três esculturas esculpidas em ferro e concreto – para lembrar as atividades agrícolas principais da colônia – e o “Chafariz da Arquitetura”, que representa a produção local de matrinxã e tambaqui em cativeiro. O conforto e o lazer dos visitantes estão garantidos por uma ampla área de estacionamento, banheiros, choperia e loja de souvenir.
Rodovia AM-010 na saída de Rio Preto da Eva • (92) 3328.1646 • vanuzabarroncas@yahoo.com.br
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ARTE
Tempo passado No banzeiro suave dos rios amaz么nicos, a fot贸grafa Fernanda Preto capta os tons do tempo e da paisagem.
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AMBIENTE
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Por Sebasti達o Reis Fotos Fernanda Preto
Amazônia
Além dos olhos do satélite V ista de cima, em sua imensidão verde, a floresta amazônica parece eterna e intocável. Difícil acreditar que um dia, sob a ação devastadora do homem, ela possa deixar de existir, substituída por um imenso descampado. Mas é exatamente isso que está acontecendo. O processo de desmatamento na região avança celeremente. A repercussão internacional é preocupante. Interesses comerciais brasileiros estão sob ameaça diante do descontrole da região. Aonde vamos parar? O que fazer? 25
A
revelação do desmatamento recorde no segundo semestre de 2007, feita a partir de imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é apenas uma ponta do prejuízo. Entre agosto e dezembro de 2007 foram derrubados 3.235 quilômetros quadrados de floresta. Vale salientar que os satélites – a 500 quilômetros de altura – detectam apenas o corte raso de árvores deixando de lado as queimadas. O corte seletivo – aquele em que os madeireiros derrubam somente árvores com valor econômico – também foge à sua percepção. Nesses casos, a cobertura vegetal parece intacta, mas o estrago embaixo é terrível. Pesquisadores que atuam na Amazônia defendem o que chamam de “verdade terrestre”, ou seja, um trabalho que mostre claramente o tamanho dessa agressão ao maior patrimônio natural da humanidade. Sob a copa das árvores, há áreas imensas desmatadas. É preciso identificá-las e agir para que a Amazônia e sua imensa biodiversidade sejam preservadas. Unir crescimento econômico com preservação ambiental é uma equação que exige esforço do governo para ser elucidada. Em seu artigo “O preço da riqueza”, de grande repercussão no país, a jornalista Miriam Leitão, de O Globo, escreve exatamente sobre isso. Mostra que os números positivos da economia coincidem com o aumento do desmatamento na Amazônia. Ela lembra que o Brasil pulou, em poucos anos, de sexto para maior produtor de carne do mundo; que, em 1991, o país produziu 56 milhões de toneladas de grãos, e no ano passado, 133 milhões de 26
toneladas, e virou um dos maiores produtores mundiais de grãos. É também o mais competitivo produtor de biocombustível. “O sucesso do agronegócio brasileiro, porém, não pode ser nossa tragédia”, alerta Miriam Leitão. Com base no estudo chamado “Acertando o alvo”, do Instituto do Homem e Meio Amazônida (Imazon), Imaflora e Amigos da Terra, a jornalista foi atrás do destino dessa madeira ilegal. Informa que 86% da madeira retirada da Amazônia são consumidos no Brasil, sendo 20% apenas no Estado de São Paulo. Só os 14% restantes seguem para exportação. Um dos instrumentos que alimentam a indústria do desmatamento na região é a facilidade de crédito a juros baixíssimos a agricultores, proporcionada por instituições como o Basa. Quanto mais crédito, mais desmatamento. De acordo com o estudo, os juros para empresas estiveram entre 26% e 34% ao ano. Os pecuaristas pagavam de 5% a 9%. No Pronaf, 1% a 4%. A matemática é simples: se o preço dos produtos cai no mercado, o desmatamento acompanha essa tendência. Se o preço aumenta, o desmatamento também aumenta. Como se sabe, a Amazônia é uma das áreas mais subpovoadas do planeta. Por isso, denominada “Deserto Verde”. As dificuldades de fiscalização nesse mundo de ninguém são campo fértil para pecuaristas e agricultores que necessitam de imensas áreas descampadas para “plantar” seus negócios. Essa que é a maior região florestal e hidrográfica do mundo vem sendo comida pelas bordas, de fora para dentro, numa zona geográfica que vai do sudeste do
“Asfaltar a BR-319 é trazer o arco do desmatamento para dentro do Amazonas” Philip Fearnside
No sul de Lábrea (AM), na fronteira com Rondônia, 150 serrarias clandestinas operam 24 horas por dia desmatando a floresta. Três mil e quinhentos caminhões trafegam diariamente pela Amazônia transportando madeira.
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Milhares de hectares de floresta desaparecem para dar lugar a imensos campos destinados à cultura da pecuária e da soja
Acre ao centro-oeste e sul do Pará - passando pelo sul e leste do Amazonas e a ponta norte do Mato Grosso. Nessa área - segundo estudos do Imazon - existem 95.355 quilômetros de estradas nãooficiais, ou endógenas. São aproximadamente 2 milhões de hectares devastados por ano. Espécies desconhecidas de árvores também desaparecem na esteira desse processo. Hoje, olhando para trás, seria impossível ver a medicina sem produtos importantes retirados da Amazônia, como a tubocurarina, substância ativa do curare, veneno de flecha usado pelos índios para entorpecer a caça ou matar inimigos, e seus derivados, que integram a lista dos principais anestésicos usados pela indústria farmacêutica multinacional. A Europa livrouse do terror da malária graças a Quina (Cinchona spp), de onde se origina o Quinino, outra droga retirada da região, usada por Napoleão para proteger seus homens de infecções e estender seu império. Não é difícil prever que muitas outras substâncias importantes para a humanidade e ainda desconhecidas do homem estejam desaparecendo em meio à insanidade do desmatamento irrefreável. Acredita-se que apenas 1% da biodiversidade amazônica tenha sido estudada de maneira científica. Parte dessa riqueza desconhecida trafega todos os dias pela Amazônia transportada por três mil e quinhentos caminhões. Uma das molas propulsoras desse movimento é a propina paga em postos de fiscalização ou o anonimato acobertado por estradas clandestinas, como a que corta o extremo leste do Amazonas ligando o município de Parintins ao Pará numa imensa linha no meio da selva. A área, recém-descoberta e ainda pouco conhecida, já foi
classificada de crítica pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Para o pesquisador do Inpa Philip Fearnside, segundo cientista mais citado no mundo nos últimos dez anos, de acordo com o Science Citation Index, os países precisam pagar pelos benefícios ecológicos originados na floresta, para garantir a qualidade de vida do caboclo e a preservação da Amazônia. Segundo ele, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) será um forte instrumento de incentivo ao desmatamento na região. A floresta exerce um papel importante como reguladora do fluxo de chuvas, de temperatura e para evitar o agravamento do efeito estufa por meio do seqüestro de carbono, que quando liberado na atmosfera em forma de gás carbônico provoca esse fenômeno de conseqüências imprevisíveis para o mundo. Enfático, Fearnside afirma que o aquecimento global, se não for contido, poderá acabar com a floresta até 2080. Para se ter uma idéia da importância da floresta amazônica para o clima no planeta, basta saber que ela lança um volume enorme de água, quase equivalente ao fluxo do rio Amazonas, de volta ao ar por meio das folhas das árvores e cai como chuva em outros lugares. São liberados algo em torno de sete trilhões de toneladas de água anualmente na atmosfera, pela evapotranspiração, e seus rios descarregam 20% da água doce despejada nos oceanos pos todos os rios existentes. O que acontece aqui tem conseqüências lá. É essa região – último grande reduto de riquezas científicas do mundo – que se encontra ameaçada pelo próprio homem. Faça-se chuva e sol, menos escuridão. 29
Ilustração Cao Ferreira
Jardim do Éden
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A
Amazônia, maior extensão de florestas e rios do mundo, paraíso da biodiversidade e região vital para o equilíbrio do ecossistema, tem sido decantada e devastada em prosa e verso. Defendê-la, é obrigação de todos, assim como o fez, num ato que beirou à paixão cega e à insanidade, o português Pedro de Rates Hanequim. Vinte anos no Brasil foram suficientes para que ele visse a região de árvores verdes e frondosas como o Jardim do Éden, Paraíso Terreal, morada de Adão e Eva, lugar onde se encontrava a Árvore da Vida. Verdade ou delírio, não importa. Aos olhos de quem vê e se apaixona cegamente por esse universo verde, é exatamente isso. O destino desse homem foi morrer afogado e queimado, em 1744, em Portugal, por crime de heresia e apostasia, sem jamais abrir mão de sua verdade. Para o escritor Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”, que percorreu a região como chefe da comissão mista brasileiro-peruana de reconhecimento do Alto Purus para a demarcação de limites entre os dois países, a Amazônia é o “Jardim do Paleolítico”. Em “O Inferno Verde”, extraído de sua obra “Um Paraíso Perdido - Ensaios Amazônicos”, o autor “consegue ver a Amazônia como um último capítulo do Gênese”, conforme descreve o historiador Artur Cézar Ferreira Reis na apresentação do volume. Qualquer semelhança bíblica com Pedro de Rates Hanequim, não é mera coincidência. É que a Amazônia desperta fascínio até mesmo em quem jamais pisou em seus limites. Foi o caso do escritor Arthur Conan Doyle, que localizou nesta região, mais precisamente no topo do Monte Roraima, o cenário de sua ficção científica “Mundo Perdido”. A exemplo de Conan Doyle, o francês Júlio Verne também nunca veio à Amazônia, mas se inspirou na região em seu livro “A Jangada. Oitocentas léguas pelo Amazonas”, lançado em 1881. Ele se baseou em relatos de naturalistas que estiveram na região, como Agassiz, Bates, Humboldt, Spix, Martius, d’Orbigny, Condamine, Alexandre Rodrigues Ferreira e sua “Viagem Filosófica”, além de alguns iluministas. Verne antecipava em sua obra a importância da Amazônia para o mundo e o interesse que despertaria em virtude das potencialidades de sua natureza ainda escondidas. Outros, mesmo morando longe, decidiram mergulhar numa aventura perigosa por esse lugar mágico e misterioso. Foi o caso do ex-presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. Decepcionado por não ter sido reeleito para o terceiro mandato, Roosevelt decidiu realizar uma expedição à Amazônia. Aos que tentaram convencê-lo do contrário, o ex-presidente simplesmente disse que a aventura era sua última chance de ser um garoto. “Já vi e desfrutei a vida tanto quanto qualquer outro homem que eu conheça.Tive minha cota completa, e se for preciso que eu deixe meus ossos na América do Sul, estou plenamente pronto para isso”, afirmou Roosevelt, determinado a enfrentar os próprios limites.
Roosevelt era um aventureiro contumaz, daqueles que não se deixam abater facilmente. Mas não precisou deixar os ossos por aqui. Contraiu malária e teve a perna quase quebrada pela ponta de uma pedra. Mesmo assim, insistiu em desafiar o rio da Dúvida, que acabara de ser descoberto pelo marechal Cândido Rondon. Era um rio traiçoeiro, de corredeiras e quedas d’água. Canoas e suprimentos foram levados pelas águas; homens se perderam pelo caminho. Roosevelt resolveu desistir, para não prejudicar a expedição. Seu filho Kermit, que cometeria suicídio anos depois, no Alasca, assumiu o lugar. O rio da Dúvida se transformou em rio Roosevelt. Mas, sem dúvida, nenhum presidente brasileiro conhece a Amazônia como Roosevelt conheceu. Um dos maiores observadores do homem da região foi o naturalista britânico Alfred Russel Wallace, que viajou pelo Brasil com seu colega Henry Bates entre 1835 e 1844 e explorou o Amazonas e o rio Negro de 1848 a 1852. Após essa viagem, ele passou a pensar mais profundamente na teoria da origem das espécies. Em 1958, Wallace estabeleceu a teoria da seleção natural por meio da luta pela existência, base da Teoria do Evolucionismo, de Charles Darwin, tão combatida pela Igreja Católica. O alemão Haraldi Ludwig Sioli, iniciador da Ecologia Tropical do Instituto Max-Planck de Limnologia, da Alemanha, e que durante 17 anos estudou as águas dos rios amazônicos, concluiu que é preciso “aprender a reconhecer a diversidade das formas, que juntas fazem o ecossistema para aumentar a beleza do mundo...”. Sioli acrescenta: “Essa foi a principal coisa que aprendi aqui na Amazônia, e eu sou muito grato por todos esses anos que passei na Amazônia, onde estive por 17 anos de minha vida e onde eu era uma pessoa completamente diferente daquela que saiu da Alemanha”. Para quem deixou seu país durante a 2ª Guerra Mundial e voltou para encontrar uma Alemanha diferente daquela onde vivera, retornar à Amazônia foi como reencontrar a liberdade. A história das pesquisas na Amazônia tem em Humboldt um precursor. A expedição científica iniciada por ele em 1799 foi considerada a mais importante do século XIX. Autor de “Hiléia Brasileira” - expressão que usou se referindo à imensa floresta tropical-, Humboldt e seu colega Aimé Bompland percorreram 10 mil quilômetros pelas Américas enfrentando todos os tipos de adversidades, desbravando uma região inóspita e pouco conhecida. A Amazônia foi servida e se serviu desses homens da ciência. Alguns, como Langsdorf, perderam a memória, outros foram acometidos de graves enfermidades, mas nenhum deles passou em vão por aqui. O legado dos primeiros pesquisadores – de Humboldt aos cientistas atuais – serviu para mudar a concepção do mundo sobre essa região rica e selvagem. (S.R) 31
Pesquisa pede
Fotos MaĂra Coelho
socorro
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les são institutos de referência em pesquisas na Amazônia, detêm vasto conhecimento sobre a região e têm papel importante na preservação da floresta. Só precisam de ajuda. Inpa, Emílio Goeldi e Mamirauá enfrentam hoje uma barreira que vai além do imenso desafio de pesquisar o desconhecido. Têm pouco dinheiro e número limitado de profissionais. É em função desse quadro histórico de penúria que os três órgãos nacionais de pesquisa perdem espaço para o exército de pesquisadores estrangeiros que fazem da Amazônia sua área de estudo e conhecimento. Setenta por cento do conhecimento gerado em pesquisas científicas na região são dominados por estrangeiros. Deter conhecimento é ter poder. E os gringos estão léguas à frente de nós. Para os três principais institutos nacionais de pesquisas que atuam na Amazônia (Inpa), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Emílio Goeldi – o maior problema é a falta de doutores para realizar os trabalhos de pesquisa na região. Em 1952, quando foi anunciado o projeto de criação do Inpa, a previsão era de que o instituto contasse com 940 pesquisadores. Em 2008, a realidade é outra. São apenas 130 doutores, dos quais 30 bolsistas que estão indo embora. O orçamento deste ano aumentou de R$ 17 milhões para R$ 31 milhões, mas é preciso investir em pessoal. “O Inpa precisa de gente para a área científica, precisamos de pessoas para criar informação, para não viver de informação”, afirma o diretor Adalberto Luiz Val. O quadro de pessoal é um drama para o Inpa num momento em que se multiplicam as demandas sobre a região. “Temos uma infraestrutura e uma tradição de informações prontas para serem utilizadas, mas faltam doutores para toda a região”, afirma Luiz Val. Com lápis e papel na mão, o diretor do Inpa conclui um estudo sobre a realidade das pesquisas científicas no Brasil. Segundo ele, no país existem 3.854 cursos de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado. Desses, 1.309 cursos voltados somente para doutorado. Nos nove Estados da Amazônia brasileira são 185 programas, dos quais
39 em nível de doutorado. “Se fôssemos considerar o PIB desses Estados, de 8%, e o investimento proporcional, deveríamos ter 307 cursos de pós-graduação”, observa Luiz Val. O Brasil forma, em média, 7,6 doutores por curso em um ano. Os 39 cursos de doutorado na Amazônia formam 238 doutores por ano. “Mesmo que conseguíssemos contratar esses doutores, não teríamos como atender às demandas por informação na região. “Não temos doutores, não temos programas de graduação, não conseguimos formar doutores. O decreto de criação do Inpa está sendo ignorado”. Sobre o desmatamento na Amazônia, que considera uma questão de segurança nacional, acredita que a instituição pode ter um papel mais efetivo para a preservação da floresta. Basta ter os recursos necessários. Sem estrutura, a tendência é “ficar vendo paisagem”. “Temos alternativas para aproveitar áreas degradadas”, garante. Os investimentos em ciência e tecnologia na Amazônia representam apenas 0,27% do PIB brasileiro. Para as outras regiões, 1%. As dificuldades do Inpa em função do orçamento limitado são tão grandes que o instituto encontra barreiras para certificar produtos cosméticos de higiene e limpeza amazônicos. “Não temos profissionais suficientes”, justifica Val. Isso representa perda de tempo e dinheiro. Os produtos só podem ser taxados depois de certificados. O diretor do Inpa observa que é necessário também analisar os impactos ao meio ambiente que serão causados pelas hidrelétricas do Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira. Segundo Adalberto Val, até 2050 devem ser construídas 75 novas hidrelétricas na Amazônia. O impacto ambiental dessas obras precisa ser avaliado, na sua opinião. O Museu Paraense Emílio Goeldi, com 141 anos de atividades na Amazônia, realiza importante trabalho de catalogação e análise da diversidade biológica e sociocultural da região, sem que para isso conte com os recursos necessários. A instituição tem um déficit hoje de aproximadamente 60 pesquisadores, 30 tecno33
logistas, 100 analistas e 50 assistentes de nível médio para a coordenação de Ciência e Tecnologia. “Além disso, o orçamento precisa crescer 100% e a infra-estrutura de pesquisa e comunicação necessita de manutenção constante”, afirma a diretora do Museu Goeldi, Ima Célia Guimarães Vieira. Com 53 doutores em seus quadros, o Goeldi precisa de mais 100 profissionais desse nível nas diversas áreas de atuação para cumprir suas metas. O orçamento em 2007 foi de R$ 6 milhões de recursos do tesouro e em 2008 são previstos R$ 9 milhões, e mais R$ 15 milhões captados de fontes externas. Sobre o desmatamento na Amazônia, Ima Célia diz que é um cenário complexo. “Vários atores estão envolvidos nesse processo e muitas práticas ilegais estão associadas a ele”, afirma. Segundo ela, análises sobre a situação devem ser feitas com profundidade para montar programas de combate e controle. “Infelizmente, o que fizemos até agora, exatamente por falta desses estudos complementares ao anúncio das taxas anuais de desmatamento, foi montar programas emergenciais”. A pesquisadora afirma que é importante analisar os tipos de desmatamento que ocorrem na Amazônia. Primeiro, a eliminação de floresta por corte raso que, a cada ano, chega ao conhecimento público com o anúncio da taxa de desmatamento feita pelo Prodes/ Inpe. Depois, os graus de perturbação da floresta associados a derrubadas e queimadas em diferentes categorias. “Esse processo é mais difícil de avaliar e é o mais importante, pois nos dá a possibilidade de estancar o processo na hora em que está ocorrendo. Nesse aspecto, o Inpe vem aperfeiçoando o sistema Deter para esse fim”. Para evitar mais desmatamentos, Ima diz que se deve equipar os órgãos de fiscalização e controle federais como o Ibama e o Instituto Chico Mendes, e fortalecer a ação das secretarias estaduais e municipais de meio ambiente; tornar efetiva a cobrança de multas ambientais e cortar créditos e subsídios de empresas que devastam a floresta e adotam trabalho escravo e grilagem de terras públicas. 34
Segundo ela, deve-se estar atento à atuação do mercado no que diz respeito à certificação, tecnologia, crédito direcionado, a partir de estudos econômicos que indiquem a importância e o potencial de determinados setores para a sustentabilidade, e procurar alternativas econômicas de serviços ambientais, cadeias produtivas alternativas, recuperação de áreas degradadas, dentre outras ações. O Museu Goeldi faz a sua parte, mesmo com dificuldades, garante a diretora. “Realizamos estudos profundos sobre a biodiversidade da Amazônia, conhecendo-a e catalogando-a, além de avaliarmos os impactos de usos da terra sobre a biodiversidade, procurando entender as realidades regionais e as dinâmicas do desmatamento”. A realidade do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá não é diferente. Com campo de atuação em pesquisas na área biológica e social, a instituição estuda, principalmente, a sociobiodiversidade das florestas amazônicas, sobretudo as do tipo alagadas – várzeas e igapós – sua conservação e seu uso, sustentado pelas populações visando o desenvolvimento sustentável. O Instituto Mamirauá conta com apenas cinco doutores e precisaria de, ao menos, mais 10. Outro problema é a falta de recursos para a contratação de pessoal para o quadro efetivo. O orçamento é de R$ 6 milhões. Para os diretores da instituição Ana Rita Pereira Alves e Helder Queiroz, respectivamente diretora-geral e diretor técnico-científico, o desmatamento na Amazônia é um dos grandes problemas que afligem a região, mas não é o único. Apenas o mais visível. “Infelizmente, é real, ao contrário do que alguns pensam”, afirma Queiroz. “É resultado da incapacidade da sociedade brasileira de focalizar esforços nessa fase de seu amadurecimento para a ocupação ordenada e o uso adequado de uma área tão sensível para o Brasil, o continente e o planeta”, acrescenta Ana Rita. (S.R)
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ENTREVISTA
Fotos Mรกrio Oliveira e arquivo
O guardiรฃo
da fronteira
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A
frente de um contingente de 25 mil homens e da imensa tarefa de defender 1.200 quilômetros de costa e 11 mil quilômetros de fronteira na Amazônia, o general-deexército Augusto Heleno Ribeiro Pereira, 60, chefe do Comando Militar da Amazônia (CMA), tem uma visão crítica sobre o papel do poder público e das organizações não-governamentais (ONGs) na região.Tido como uma das mentes mais brilhantes do Exército Brasileiro, ele defende a mobilização da sociedade em torno dos interesses nacionais nessa imensa área de selva e rios que guardam um rico patrimônio biogenético. Experiente, o general Augusto Heleno está completando seis meses de Amazônia, tempo suficiente para perceber que ainda há muito a ser feito. Difícil, segundo ele, é fazer frente ao desafio sem dispor dos recursos necessários, uma vez que considera o orçamento das Forças Armadas “reduzido”. O Exército tem déficit de homens, equipamentos, frota e moradia. Isso sem contar os salários, defasados. Empregar no Brasil a experiência no comando da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) é tarefa quase impossível, segundo o general, em virtude das circunstâncias e características de cada lugar. No Haiti, comandou 6.250 “capacetes azuis” de 13 países durante 15 meses, contribuindo para a pacificação de áreas de conflito em locais pobres das principais cidades do país. Além de comandante das tropas de coalizão no Haiti, o general Augusto Heleno exerceu cargos importantes no Exército, entre os quais o de chefe de gabinete do comandante do Exército, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército e adido militar do Brasil na França. Em entrevista à Empório, o general fala da Amazônia, da situação do Exército e de suas preocupações em relação ao futuro da região. Lembrando uma célebre frase do brigadeiro Eduardo Gomes, afrma: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. 37
O senhor defende uma fiscalização mais rigorosa a respeito da ação das ONGs na Amazônia. Por quê? Existem duas CPIs sobre ONGs. Isso advém de uma série de denúncias que vêm sendo feitas. O número estratosférico de ONGs no Brasil é acima do normal. Boa parte delas atua na Amazônia. Assusta também a qualidade de recursos, em torno de R$ 30 bilhões, repassados às ONGs entre 1984 e 2006. Nessa mesma época, o Exército recebeu R$ 6 bilhões, a quinta parte. Vendo a quantidade de missões que temos na Amazônia, essa desproporção assusta um pouco. Acredito que haja ONGs sérias, algumas com papel preponderante em lugares onde o Estado não cumpre seu papel. A Amazônia precisa substituir as ONGs por ações governamentais. Essas ONGs representam uma ameaça para a região? Levantamentos demonstram que existem mais de 200 mil ONGs no Brasil, das quais mais de 100 mil atuariam na Amazônia ou estariam voltadas para a região. As ONGs estrangeiras também se beneficiam de recursos do nosso governo. Em determinados locais, pela natureza das atividades, começam a atuar em terrenos que podem mais tarde ser perigosos para a segurança nacional. Um dos grandes riscos que corremos é essa pregação de que não somos capazes de cuidar da Amazônia. É inverdade, mas precisamos melhorar o procedimento institucional em relação a esta parte do país. É necessário transformar palavras em ações, algo que nos garanta o desenvolvimento institucional da região. Muitos defendem a participação do Exército no combate ao desmatamento na Amazônia. O senhor é favorável? Em todas as crises desse tipo, o Exército é lembrado. Gostaríamos que fôssemos lembrados também no orçamento. Somos formados para adversidades, para crises, somos preparados para a guerra. Já fomos lembrados para atuar na questão do desmatamento. Temos uma missão de apoiar em termos logísticos aqueles que verdadeiramente são responsáveis por frear ou impedir esse processo de devastação da Amazônia. Pode ser que sejamos acionados para agir mais efetivamente, mas necessitaríamos de recursos enormes. Como o senhor vê a Amazônia? A Amazônia é um dos últimos redutos do planeta no qual alguns bens naturais importantes 38
para o mundo, como a água, os metais nobres, os minérios indispensáveis à alta tecnologia e a biodiversidade são atraentes. Fora o papel em si da floresta, como a biomassa resguardada de uma forma brilhante. Se considerarmos o que foi feito com as florestas da Europa, Ásia e Estados Unidos, somos grandes preservadores da natureza. Hoje, o papel da Amazônia cresceu de forma exponencial. A Amazônia é um desafio? Até agora, para a sociedade brasileira, tem sido vista como uma coisa distante. Não há uma consciência nacional de que a Amazônia é nossa. É preciso vê-la como a um filho que está dentro de casa e precisa de cuidados e da participação da sociedade brasileira. Hoje, vejo a Amazônia como uma evidente ausência do Estado, a ponto de nós, em muitos pontos, sermos a única presença junto ao caboclo, que faz com que ele se sinta brasileiro. Basta ver o papel que um tenente, comandante de pelotão de fronteira, exerce. Ele representa na área em que atua, além de comandante militar, a figura do delegado, padre, pastor, consultor sentimental, orientador de saúde, dono da educação, e ele tem na maioria das vezes somente 24 a 25 anos. Por que o senhor costuma dizer que a Amazônia é problema não só das Forças Armadas, mas da sociedade brasileira? Tem que haver convencimento da opinião pública de que são problemas nacionais, não podem ser entregues somente às Forças Armadas. Nós somos o retrato fiel da sociedade. O senhor acredita que seja real a ameaça de internacionalização da região por países estrangeiros? Não sou catastrófico, mas precisamos ser realistas e ter consciência de que, se nós permitirmos que organizações estrangeiras sem nenhuma responsabilidade com o destino da Amazônia brasileira continuem a desempenhar um papel preponderante junto a algumas comunidades, principalmente indígenas, nós podemos ter o desprazer de, em médio prazo, essa ameaça ser concretizada. Quais as dificuldades orçamentárias enfrentadas pelo Exército na Amazônia? Além das dificuldades naturais de uma área onde a infra-estrutura é deficiente, no transporte, na comunicação, na energia, temos as mesmas dificuldades que nossos companheiros têm em outras partes, ou seja, orçamento reduzi-
díssimo, material obsoleto, sérios problemas de moradia. Temos quatro mil militares morando de aluguel. Diante de nossos vencimentos aviltados, moram em locais incompatíveis. Somente neste ano, vamos aumentar o efetivo em 2,5 mil militares. Trouxemos para cá uma brigada de 3,5 mil homens do Rio Grande do Sul, que foi levada para Tefé, outra de Niterói, deslocada para São Gabriel da Cachoeira, e uma de Petrópolis, que foi para Boa Vista. No total, temos 25 mil homens hoje na Amazônia. O soldado brasileiro é o mais bem preparado para a guerra na selva? Temos o melhor combatente de selva do mundo. Isso por dois motivos: nossos oficiais e sargentos possuem curso de operações na selva do Centro de Instrução de Guerra na Selva, reconhecido como o melhor do mundo, e os nossos cabos e soldados são da área, conhecem detalhes da vida na selva e levam enorme vantagem quando são colocados para operar nesse tipo de terreno. Em grau de prioridade, a Amazônia ocupa qual escala para o Exército Brasileiro? Hoje, a prioridade um do Exército Brasileiro é a Amazônia, porque nós sabemos, pelas peculiaridades da região, que provavelmente a própria atenção do governo federal vai se voltar para a região amazônica. Temos mais de 11 mil quilômetros de fronteiras, com sete vizinhos com os quais dividimos as preocupações no combate aos ilícitos fronteiriços. Só isso já justificaria a prioridade da Amazônia. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) representam uma ameaça à região? As Farc são um problema colombiano muito sério.Temos informações de que elas não têm nenhuma intenção de tentar usar o território brasileiro como base de operações, não só pelo nosso poder de dissuasão, como também pela enorme dificuldade que teriam se criassem uma nova frente de combate. Sei também que, se valendo de meios legais, as Farc se abastecem logisticamente em algumas cidades brasileiras próximas à fronteira e até se valem do atendimento médico que nós disponibilizamos nessa área. Seus integrantes entram no Brasil legalmente, como cidadãos colombianos comuns, se valem dos nossos recursos, retornam e se reintegram à guerrilha. Há registros de conflitos entre guerrilheiros das
Farc e o Exército Brasileiro? Há algum tempo houve um conflito entre o Exército Brasileiro e guerrilheiros das Farc no chamado “Episódio do Traíra”, próximo ao 8º Batalhão de Infantaria de Selva, em Tabatinga. Houve uma reação imediata de nossa parte e, depois disso, não ocorreu mais nenhum problema. Como o senhor analisa a questão do tráfico de drogas na Amazônia e qual o papel que o Exército pode desempenhar para combater a ação dos narcotraficantes? O tráfico de drogas é um dos grandes problemas da Amazônia e do país inteiro. Com nossos vizinhos assumindo o papel de produtores, somos compradores e um enorme mercado consumidor também. No caso da Amazônia, avaliamos que a instalação do Sivam/Sipam e a própria Lei de Abate coibiram bastante o tráfego aéreo de drogas, mas reforçaram o tráfego nas calhas dos rios penetrantes e navegáveis. São 23 mil quilômetros de rios navegáveis, o que torna a fiscalização bastante difícil. E a falta de recursos torna a tarefa ainda mais penosa. Tenho me aproximado demais da Polícia Federal, que conhece bem o assunto, e acho que temos de trabalhar em conjunto. A situação crítica da violência urbana no Rio de Janeiro preocupa o Exército? No Rio de Janeiro temos um processo de deterioração da segurança pública e onde se repete o fenômeno da Amazônia. O processo começou com a ausência do Estado. Só houve o estabelecimento dessas áreas sobre o controle do tráfico nas favelas porque o poder público não pressentiu que acontecesse. Faltam escolas, saúde, segurança permanente, até chegar a esse ponto. Não é simples a solução. Quando as ações são deflagradas, a polícia acaba sendo jogada contra a população. E o apoio da população é fundamental, seja com informações confiáveis, seja para reagir à influência daqueles que estão fora da lei. A experiência no Haiti poderia ser aplicada no Rio de Janeiro? Já me perguntaram sobre isso. Lá, há um contraste de uma missão de paz respaldada por regras de engajamento muito claras e pelo guarda-chuva das Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, nas favelas haitianas não há tráfico de drogas, o que faz com que as gangues não lutem obstinadamente para conter os pontos de venda. O terceiro aspecto é que os contingentes dos diferentes países cumprem a missão e retornam às suas bases, 39
NEGÓCIOS
Fotos Euzivaldo Queiroz
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Na era dos biocosméticos
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riada em 28 de fevereiro de 1967 com o objetivo de estabelecer um pólo de desenvolvimento industrial, comercial e agropecuário no coração da Amazônia - relegada ao isolamento econômico desde o fim do ciclo da borracha - a Zona Franca de Manaus chega aos 41 anos comemorando avanços. A iniciativa dos militares de ocupar a Amazônia para integrá-la era parte de um amplo projeto de desenvolvimento e segurança para a região. Como dizia Getúlio Vargas, no Brasil era preciso se preocupar com três coisas: aço, petróleo e Amazônia. Os militares seguiram a recomendação instalando em uma capital remota, distante de tudo, um distrito industrial alimentado por incentivos fiscais. Manaus sem a ZFM era apenas um arremedo da outrora cidade pujante do ciclo da borracha. Prédios abandonados ou em ruínas, ruas esburacadas, população sem perspectiva, vazio demográfico. Em se tratando de uma área secularmente cobiçada, permitir que a capital amazonense mergulhasse em profunda decadência era abrir os flancos de uma região estratégica para o país. A Zona Franca superou a fase crítica da montagem de peças, componentes e produtos semi-acabados e da queda do núme-
ro de empregos, recuperou a competitividade, venceu a barreira das 100 mil vagas de trabalho, avançou no processo produtivo e conquistou o pólo de biocosméticos. Seria difícil imaginar o Brasil, agora, sem esse modelo econômico no meio da selva. São 450 empresas de diversos setores da indústria - do pólo de duas rodas ao eletroeletrônico - exportando produtos que em 2007 garantiram um faturamento superior a US$ 20 bilhões. Com prazo renovado para vigorar até 2023, enfrenta uma guerra fiscal que parece eterna com São Paulo. Nesse complexo de indústrias instalado em Manaus, destaca-se o pólo de duas rodas, segundo maior do mundo, e o novíssimo pólo de biocosméticos, que em três anos deve gerar 10 mil empregos, agregando valor de 40% com matérias-primas regionais. Um dos novos negócios da ZFM é a TV digital, que substitui a analógica. Manaus será o pólo dos produtos de consumo da TV digital. É um avanço que precisaria ser acompanhado por investimentos em tecnologia. A contrapartida, porém, não é a mesma. Tanto a Universidade Federal do Amazonas, quanto a Universidade Estadual do Amazonas e o próprio Centro de Biotecnologia da Amazônia en-
Estado busca novos setores de desenvolvimento A Zona Franca de Manaus passa por um momento positivo de crescimento, embora ainda tenha um longo caminho a percorrer até o interior do Estado. A opinião é do secretário de Planejamento do Amazonas, Denis Minev. O projeto Zona Franca Verde é uma das iniciativas nessa direção. “Buscamos aumentar a produtividade do interior em vários segmentos, como óleos, essências, alimentos, madeira e outros produtos florestais”, afirma. A convergência tecnológica, segundo ele, também se mostra como um grande desafio e oportunidade. A cada dia, fica mais difícil diferenciar os diversos aparelhos eletrônicos. “Produtos que antes eram separados, agora se encontram juntos; mídias de armazenamento mudam. A legislação da Zona Franca precisa acompanhar essas mudanças, sob o risco de nos tornarmos obsoletos com a tecnologia passada”. Outros desafios, na visão de Minev, dizem respeito à mão-deobra e infra-estrutura. Em virtude do crescimento acelerado, a ZFM vive momento semelhante a um “apagão” de mão-de-obra. “O crescimento médio do PIB de cerca de 9% ao ano nos últimos cinco anos tem extrapolado a oferta”. A infra-estrutura ainda deixa a desejar, de acordo com o secretário. Nos transportes, o governo anuncia um “novo e moderno” porto em Manaus e uma ponte sobre o rio Negro, o que aumentaria as possibilidades de crescimento geográfico na chamada região
metropolitana. O aeroporto internacional “precisa ser ampliado para atender maior número de vôos internacionais e carga”. Minev afirma que a ligação terrestre de Manaus a Porto Velho pode ser solucionada pela BR-319 ou por uma ferrovia. No setor energético, o gás natural é considerado um grande trunfo para se obter estabilidade de corrente e preços mais baixos. Nas telecomunicações, a ampliação de alcance dos celulares com a terceira geração deve ser prioridade nos próximos anos. As Zonas de Processamento de Exportação (ZPE’s), que podem ser criadas no Nordeste, preocupam. A expectativa é que elas possam ser desenhadas de tal forma a não competir diretamente com a ZFM. A limitação de vendas no mercado doméstico seria uma boa medida, na opinião do secretário. Buscar alternativas econômicas à Zona Franca de Manaus é outra preocupação do governo. Foram identificadas seis vertentes de desenvolvimento para o Amazonas: Zona Franca, recursos naturais, turismo, energia, serviços e serviços ambientais. Além da ZFM, que responde por mais de 50% da economia estadual, o governo deve investir nesses outros setores. “O Zona Franca Verde busca o desenvolvimento de forma sustentada dos recursos naturais, que inclui madeira, borracha, produtos de agricultura ou extrativismo, peixes, minérios, água, dentre outros”. No turismo, o potencial é enorme, mas essa é uma atividade cuja contribuição é inferior a 2% da economia estadual. No setor energético, o Amazonas “abre uma nova fronteira com a chegada do gasoduto de Urucu, tanto na melhoria na geração de energia quanto no surgimento de novas indústrias”, garante Minev. 41
NEGÓCIOS
Por André Viana Fotos Ruth Jucá
Reciclar é preciso Tudo se cria, nada se perde
Q
uando a novela “Rainha da Sucata” foi ao ar, em 1990, até o texto de Sílvio de Abreu teve de ser refeito, ou mais precisamente, reciclado. É que a novela estreou no período em que se lançava o Plano Collor. O autor foi obrigado a adaptar o texto à nova realidade do economês. No Pólo Industrial de Manaus, o processo de reciclagem não é uma obra de ficção, mas guarda muitas semelhanças com a novela global em virtude da abrangência do trabalho de reaproveitamento de resíduos. Não se reciclam textos, mas se reciclam papel e muitos outros produtos. Hoje, no Amazonas, várias empresas trabalham no setor, formando um pool especializado no tratamento de diferentes tipos de “sucata”. O negócio é tão lucrativo que saltou de três indústrias, no final da década de oitenta, para dez, poucos anos depois. O ultimo levantamento feito estima que oito mil pessoas estejam vinculadas direta ou indiretamente ao processo de reaproveitamento de resíduo. Esse pool faz com que, a cada dia, menos lixo industrial seja incinerado e apenas os resíduos orgânicos, depositados no aterro sanitário. Um dos melhores exemplos é o trabalho feito pela Coplast (maior empresa de reciclagem da América Latina) com 30 anos de atuação na Zona Franca de Manaus. Se, na natureza, o químico francês Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794) introduziu a máxima de que “nada se cria, nada se perde: tudo se transforma”, no pólo industrial, o empresário Reginaldo Pizzonia – pai do ex-piloto de Fórmula 1 Antônio Pizzonia – demonstra com sua empresa de reciclagem que, no ramo industrial, tudo se cria, nada deve se perder, tudo pode ser reaproveitado. Desde a descontaminação de lâmpadas fluorescentes à reutilização do plástico de barbeadores e escovas de dentes com falhas na fabricação. Mas, a idéia da implantação de uma indústria de materiais reciclados, a principio, encontrou resistência. Os resíduos reaproveitados não tinham boa aceitação no mercado, pois eram freqüentemente associados a materiais de segunda linha. O setor industrial preferia continuar extraindo do meio ambiente as matériasprimas para alimentar as fábricas a ter sua marca ligada à “sucata”. 42
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Mas, o tempo passou e o preconceito foi ficando para trás. A questão ambiental começou a pesar favoravelmente na balança, chegando ao ponto de ser vetor estratégico para a sobrevivência no mercado. Só para se ter uma idéia da preocupação de algumas empresas com o reaproveitamento de material, entre 60% e 85% dos componentes de um telefone celular Nokia são recicláveis. “Qualquer resíduo que há alguns anos seria jogado fora nas fábricas, hoje é reciclado e tem seu retorno garantido ao mercado, pois além de preservar a mesma característica e qualidade, é mais barato do que um produto que nunca foi utilizado”, afirma Rodrigo Pereira, gerente comercial da Coplast. Uma resina plástica virgem, por exemplo, que custa no mercado R$ 2,70, quando reciclada, sai por R$ 2,45. Em outros produtos, a economia pode chegar a 15% ou 20%. A Coplast domina o mercado brasileiro de reaproveitamento do plástico. E foi a primeira a obter a técnica de reciclar o isopor, um dos resíduos mais difíceis de ser trabalhado, além de extremamente nocivo ao meio ambiente. Atualmente, a reciclagem do isopor é feita pela Oriente Polímeros, um braço empresarial da Coplast. O processo de reciclagem plástica é complexo, mas ágil. A empresa tem capacidade de processar mil toneladas/mês, e está expandindo essa cota em virtude da demanda do mercado. Quando um resíduo plástico é coletado de um cliente, ele obedece às seguintes etapas: coleta seletiva (separação dos vários tipos de plástico), classificação, moagem, mistura, extrução (derrame da lava já solidificada), resfriamento, granulação, embalagem e, finalmente, o produto está pronto para voltar ao mercado. “A industrialização desse processo nos permite colocar de volta ao mercado um produto dentro das especificações exigidas pelas empresas. Hoje, com o aperfeiçoamento da técnica de reciclagem, não existe diferença entre um material nunca utilizado e outro que já foi resíduo”, garante Pereira. Além do plástico e do isopor, outros produtos também são reciclados na Zona Franca. Papelão, pneu, metais ferrosos e não-ferrosos são tratados pela Rio Limpo. A sucata ferrosa, pela Cometais. A incineração de resíduos perigosos, não passíveis de reciclagem, é feita pela Premix. Nesse processo, até computadores são reciclados e enviados para comunidades do interior.
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Só para se ter uma idéia da preocupação das empresas com o reaproveitamento de material, entre 60% e 85% dos componentes de um telefone Nokia são recicláveis
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Conscientização é isso aí Além de peças, hoje é muito comum também o aproveitamento de líquidos. Cada vez mais empresas descontaminam as águas utilizadas no processo industrial para lavar pátios ou molhar jardins. Na verdade, o tratamento de efluentes é uma obrigação de todas as indústrias sediadas na Zona Franca de Manaus. No entanto, para a Recofarma – indústria amazonense que fabrica o concentrado do refrigerante mais vendido no mundo – esse trabalho é motivo de orgulho. A empresa, que abastece todo o mercado brasileiro e mais três países sul-americanos (Paraguai, Venezuela e Colômbia), adotou há sete anos um ousado programa de reaproveitamento de efluentes, e tem conseguido significativos avanços, como a redução em 52% do consumo de água. “A preocupação ambiental é uma exigência do presidente mundial da marca, o irlandês Neville Isdell, sociólogo que, de Atlanta, nos Estados Unidos, dita as diretrizes para as subsidiárias. Reduzir o consumo de água é uma meta da companhia, independentemente do custo que isso possa gerar para a empresa”, afirma Antônio Carlos Pereira, gerente operacional da Recofarma. A empresa trata 120 metros cúbicos de água diariamente, reutilizando cerca de 50 metros cúbicos. O restante é reconduzido ao sistema de drenagem da rede pública. A excelência na qualidade do tratamento dado aos efluentes permite que a empresa se dê ao luxo de criar tambaquis utilizando o produto final desse processo. “Temos um laboratório químico que analisa a qualidade da água que será reposta na rede pública, mas fazemos questão de manter esse tanque de peixe na empresa, uma vez que ele é a prova cabal e deliciosa do sucesso do nosso serviço”, conta Marcelo Santana. Por se tratar de uma empresa líder mundial em seu ramo, a fabricante de refrigerante também tem procurado mostrar para a população, por meio de ações conjuntas, o lado positivo de ações ambientais. “Em setembro do ano passado, fizemos um trabalho de limpeza na Bacia Hidrográfica do Tarumã-Açu. Em apenas quatro horas, retiramos 3.760 quilos de resíduos nocivos ao meio ambiente”, informa Daniel Mendonça, gerente de Relações Externas e Comunicação. Se o desenvolvimento de uma sociedade é proporcionalmente inverso à quantidade de lixo que ela produz, o trabalho desenvolvido pelas empresas do Pólo Industrial de Manaus é importante exemplo para tornar arraigado o hábito de reaproveitar para não poluir.
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MODA
NATUREZA MORTA
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Fotos Marcio Amaral
Camisa Reinaldo Lourenรงo Hotpant Neon Flor Acervo Pessoal Cinto Cantรฃo Bota Melkzda
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Corpete Alcaรงuz Saia Reinaldo Lourenรงo Cinto Calvin Klein Bota Fause Haten Flor Acervo Pessoal
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Corpete Alcaรงuz Saia Reinaldo Lourenรงo Cinto Calvin Klein Bota Fause Haten Flor Acervo Pessoal
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Vestido e gola Raia de Goeye
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Blusa, colete e saia Melkzda
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Vestido Vivaz Casaco Cris Barros Luva Forum Bota Fause Haten Cinto e flor Acervo Pessoal
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Vestido e bota Melkzda Cinto Cant達o Flor Acervo Pessoal
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Vestido Coven Sapato Paula Ferber Cinto Calvin Klein Luva Forum Meia Calรงa Acervo Pessoal
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Vestido BĂĄrbara Bela Luva Forum ChapĂŠu Acervo Pessoal
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Casaco SAAD Vestido Zidi Bota Melkzda Flor Acervo Pessoal
Styling Augusto Carneiro Produção de moda Rafaela Oliveira Make Odyr Barreira Modelo Sally Menezes (Mega)
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MODA
Fotos Fabiano Herrera
CONSCIÊNCIA 64
Camisa Vil Casaco Levi’s Calça e cinto Sérgio K. Gorro Acervo Pessoal Mochila Pipe 65
Máscara Walério Araújo Polo Pipe
Máscara Walério Araújo Terno, blusa e calça Mário Queiroz 67
Jaqueta Alexandre Herchcovitich Calรงa saruel NCD Regata Hering Mรกscara US Army 68
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Colete e camiseta SĂŠrgio K. Cachecol Acervo Pessoal
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Calรงa de couro Calvin Klein Moleton V. Rom Cachecol RipCurl Mรกscara de gรกs US Army 71
Blusa tricoline VR Cal莽a F贸rum
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Calça de penas Walério Araújo
Make Renner Produção Caio Assunção e Eduardo Imagens Ellen Rocha Edição Rafael Menezes Modelos André Zambam e Alex Voltarelli (Mega) Igor, Raphael e Ismael (Way) Iuri Jasper (Mônica Monteiro) 73
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DESTINO
Um paraíso
Por Sebastião Reis Fotos Maíra Coelho
cinematográfico
Imagine entrar numa cidade cenográfica, de ruas estreitas e bem cuidadas, casas pequenas e aconchegantes, uma igreja em estilo colonial do século passado e muita gente "famosa" perambulando por todos os cantos. Barcelos, paraíso natural à margem direita do rio Negro, a 396 quilômetros de Manaus, vem se transformando exatamente nisso: um cenário de filme. 76
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pequeno avião bimotor sobe levando tapas do vento. Estamos deixando Manaus a caminho de Barcelos, paraíso natural situado à margem direita do rio Negro, a 396 quilômetros da capital em linha reta e 656 quilômetros via fluvial. São uma hora e meia de viagem sobre uma região repleta de rios, igapós, dunas de areias branquíssimas e praias, muitas praias, como um imenso lençol estendido ao longo do caminho. Nosso destino é um município de 89.572 quilômetros quadrados que abriga o maior arquipélago fluvial do mundo (Mariauá, área de proteção ambiental com mais de 1.400 ilhas) e consta no Guines Book (Livro dos Recordes) pela maior extensão de dunas de areia branca de rio do mundo. Barcelos não é apenas um paraíso turístico, reduto de amantes da pesca esportiva, que se deslocam para lá à procura de aventuras e remédio natural antiestresse. É também a cidade cenográfica da Amazônia. Andar por suas ruas estreitas é esbarrar em célebres anônimos, moradores do local que da noite para o dia ganharam as telas como atores ou figurantes nos longas-metragens “A Festa da Menina Morta”, produção nacional que marcou a estréia de Matheus Nachtergaele como diretor e roteirista, “Eclipse Solar”, do diretor austríaco Herbert Brödl, e “Aviadores”, outra produção do mesmo diretor.
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Dona Iaiá, nome de batismo Maria Ramos de Alencar, 61, é um desses ilustres moradores do município que ganhou notoriedade por seus papéis no cinema. Encontramos a atriz numa noite de sábado. Embala-se preguiçosamente numa cadeira na esquina de uma rua, conversando com amigos e vendo o tempo passar na bucólica cidade. Estreou em “Curupira”, produção regional do cineasta Júnior Rodrigues, na qual fazia uma velha cega. Ela era “Vó dele” e ele, “Curumim dela”, assim avó e neto se tratavam no filme. “Gostei de trabalhar em ‘Curupira’ porque andava pela floresta, igapós e praias à noite com fogueira. Foi uma aventura muito boa”, afirma dona Iaiá, que também gravou “Eclipse Solar”. Sobre o filme “A Lenda da Menina Morta”, que movimentou a cidade, diz que não participou porque o cachê era de R$ 15 por dia. “Ganho isso costurando”. Iaiá só viajou o mundo nas telas de cinema. Nasceu em Barcelos e conheceu duas cidades: Manaus e Letícia, na Colômbia. Ao falar sobre suas perspectivas como atriz, porém, vai longe: “Te cuida, Fernanda Montenegro!”. O momento mais esperado por esses artistas caboclos é a estréia dos filmes em praça pública, na orla da cidade, de frente para o rio Negro. Um cinema improvisado em meio à natureza. Todos se vestem como se fossem para uma festa. Ao final da exibição, são tratados como estrelas. Dona Iaiá não se cansa de dar autógrafos. Carinhosamente, pega meu caderno de anotações e escreve: “Agradeço ao querido amigo”, assinando logo abaixo. Tenho o autógrafo de Iaiá. Difícil na cidade é encontrar quem não fez figuração num dos filmes, seja aparecendo rapidamente ou envolvido no meio da multidão. Mas também há famosos te esperando na esquina. Dar de cara com o ator Matheus Nachtergaele (“Central do Brasil”, “Auto da Compadecida” e “Cidade de Deus”) é comum. Desde que se apaixonou por Barcelos, nunca deixou de visitá-la. Comprou um terreno na cidade. É cidadão barcelense. Os moradores têm uma relação próxima com astros da TV. Durante a filmagem de “A Lenda da Menina Morta”, a equipe comandada por Nachtergaele ficou três meses na cidade. A sede dos Correios foi transformada em restaurante pela prefeitura para atender os visitantes. Na festa de despedida, no sítio de João Enecy, assessor do prefeito, os atores Matheus, Daniel de Oliveira (o “Cazuza”), Beth Goulart, Jackson Antunes, Cássia Kiss, Dira Paes, dentre outros, se divertiram
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até altas horas. “Foi uma noite inesquecível”, conta Enecy. A noite serviu também para gravações das últimas cenas. Um dos artistas surpreendeu a cidade ao sair à noite de cuecas à procura de algo para comer. Caiu nas graças do hospitaleiro e bem-humorado povo de Barcelos. Seria a festa dos paparazzi. Barcelos é a terra onde, segundo a lenda, viveu o índio Ajuricaba, herói que se lançou acorrentado às águas para não ser levado a Belém pelos portugueses. Não é difícil encontrar por lá descendentes de índios, dos barés aos tukanos, hoje serventes de pedreiros, agricultores ou funcionários de repartições e, em dias de gravações, figurantes. A busca pelo aparelho celular no bolso é inútil. O costume nos faz lembrar do telefone móvel e ouvir o toque dele em todos os lugares. Pura ilusão. Em Barcelos não existe sinal de telefone celular. É relaxar e gozar, como disse a ministra Martha Suplicy em pleno auge da crise na aviação. No caso dela, total infelicidade. No nosso, suprema felicidade. Lá vem Bebeto, o astro de “Curupira”, neto de Iaiá. Nessa noite, despido do papel de artista. Empurra um carrinho cheio de bugigangas. O “Curumim dela”, agora, é vendedor de rua. Vida que segue. Gerôncio Rosa Silva Lima Filho, 30, o “Curupira” do filme, fora das telas é presidente da Associação dos Serradores e dos Mototaxistas e dono de uma serraria. Uma entidade no filme e nas funções. Laurienne Gomes, 20, atriz que participou dos três longas-metragens rodado na cidade, pode ser encontrada na Wikipédia, a enciclopédia livre da internet, e no bairro Jorge Teixeira, periferia de Manaus, para onde se transferiu a fim de completar seus estudos. Passa o dia na Escola Agrotécnica, na Zona Leste da cidade. O lugar é tranqüilo, cercado de árvores por todos os lados, assim como um pedaço de sua cidade natal. Barcelos pulsa. As pessoas sempre têm um motivo para se encontrar. Aniversário é local certo para ver todo mundo reunido. O promotor Cláudio Sampaio, baiano, uma das principais autoridades da cidade, afirma, feliz: “Conheço muita coisa no Amazonas, mas igual a Barcelos, nada”. É fim de temporada. Os turistas partiram, os atores famosos embarcam de volta para suas cidades. Barcelos continua, para receber a volta das águas subindo ladeira acima, encobrindo praias e levando uma beleza para trazer outra, a do imenso espelho refletindo a cidade. As pessoas passam, o município fica, a contemplar passado, presente e futuro.
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Cidade Ornamental Barcelos, a 396 quilômetros de Manaus, primeira capital do Estado do Amazonas, é o terceiro maior município do mundo, só perdendo para Altamira (PA) e Kiev, na Rússia. São mais de 122 mil quilômetros quadrados de extensão, com 24.700 habitantes. A economia do município está apoiada no extrativismo, principalmente da piaçava, do peixe ornamental e, nos últimos anos, em atividades turísticas, na qual a pesca esportiva se sobressai. Barcelos tem uma festa que, pela grandiosidade, características e participação popular, lembra o festival de Parintins. É o Festival do Peixe Ornamental. Os grupos de dança Cardinal e Acará Disco – nomes dos principais peixes de exportação – se enfrentam no último fim de semana de janeiro na arena do Centro Mariauá, apelidado de “piabódromo”. A rainha do evento é a bela Rafaela Raíssa Avelar, 15, que sonha ser modelo. Os olhos de onça e a beleza cabocla impressionam.Tem atitude. Posa para as lentes da fotógrafa Maíra Coelho como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. O olhar fixo, desafiador, se sobressai. Barcelos tem hotel de selva de padrão internacional, o Rio Negro Lodge. Toda essa atividade de turismo funciona no verão, de outubro a março. Depois disso, o rio sobe e o turismo entra em declínio. É a época em que os peixes fogem para os igapós. “Queremos transformar esses seis meses nos quais não existe atividade turística para que, também no inverno, exista alguma atividade, como caminhadas na selva e rota dos igapós”, afirma o prefeito Valdeci Raposo e Silva, 55. O município foi incluído entre os 65 principais roteiros turísticos do país. O objetivo do Ministério do Turismo é alcançar nesses roteiros um padrão internacional de qualidade nos serviços prestados. No Amazonas, foram selecionados Manaus, por ser a capital, Parintins, em virtude do festival folclórico, e Barcelos. Dos 65, foram selecionados dez para serem trabalhados inicialmente. Barcelos está entre eles.
COMO CHEGAR Há vôos duas vezes por semana (quarta e domingo) partindo de Manaus. A única empresa que faz a rota atualmente é a Trip (92. 3652-1263). Barcos regionais partem do porto de Manaus (92. 2123-4350) de duas a três vezes por semana. INFORMAÇÕES Prefeitura Municipal: 97. 3321-1200 • 3321-1115 Central de Atendimento ao Turista (CAT): 97. 3321-1201
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86 Foto Rafael Andrade / Folha Imagem
TURISMO
Por Felipe Maciel
Rio majestoso, mesmo sem coroa O
velho ditado popular já dizia que quem nasceu para rei nunca perde a majestade. A máxima cai como uma luva para o Rio de Janeiro, que celebra os 200 anos da chegada da família imperial portuguesa à cidade. A então modesta capital da maior e mais importante colônia portuguesa não lembrava nem de perto a pujança das metrópoles européias. Com ruas acanhadas, sem calçamento e saneamento básico, de casas simplórias com apenas um pavimento e nenhuma ornamentação, a cidade era também pouco atraente, em virtude da incipiente vida cultural. Por isso mesmo, a transferência da corte para o Brasil pode ser considerada o marco civilizatório brasileiro. O Rio de Janeiro passou por sua primeira grande transformação política, econômica, urbana e cultural, tornando-se digna de centro do Império ultramarino português. Passados dois séculos da excepcional fuga dos Bragança e da corte lusa para a colônia na América, no ímpeto de escapar da invasão das tropas de Napoleão, o Rio de Janeiro perdeu a coroa e o status de palco das decisões políticas. Entretanto, a cidade, como naqueles tempos, continua a ser a caixa de ressonância do que acontece no país. A antiga capital imperial não ostenta o glamour de outrora, mas os ecos do passado permanecem nos símbolos da única cidade das Américas a sediar o poder político de uma dinastia européia. Para apresentar o Rio dos tempos de dom João VI, que só retornou a Portugal em 1821, deixando para trás uma nova cidade e um país às vésperas da independência, e também sugerir um roteiro do Rio “imperial” de hoje, a revista Empório convidou Bruno Chateaubriand, jornalista e produtor de eventos. Acostuma-
do a receber celebridades, ele é uma referência de bom-gosto e sofisticação. Perguntamos a Chateaubriand que lugares ele considera majestosos no Rio de hoje e quais os endereços fundamentais para reconstruir a história de um período em que a cidade era habitada por um rei bonachão e vacilante e uma rainha de origem espanhola, que não nutria um pingo de simpatia pelo calor e provincianismo dos trópicos. “Segui um critério histórico para compor esse roteiro. São lugares que estão diretamente associados ao início do século XIX, onde a vida na corte se desenvolveu”, afirma o jornalista, para em seguida justificar as escolhas dos locais “imperiais” do Rio atual. “O que destaco são as belezas naturais: as praias do Leblon, Ipanema e Copacabana, o Pão de Açúcar, o Corcovado e o Jardim Botânico. Sei que são clichês, mas nenhuma metrópole mundial foi tão bem servida nesse ponto como o Rio de Janeiro. As praias, as montanhas, as lagoas superam qualquer endereço elegante que pudesse citar”. Morador da avenida Atlântica, vizinho ao Copacabana Palace, endereço mais internacional do Brasil, Chateaubriand está acostumado a conviver com o jet set e a freqüentar lugares dignos de reis e rainhas. O jornalista buscou eleger ícones urbanos diretamente relacionados ao cotidiano da família real e do séqüito de nobres, que disputavam ardorosamente os títulos nobiliárquicos que os distinguissem do restante da plebe. A antiga nobreza imperial, impecavelmente vestida à moda européia, exibia seus trajes importados de boutiques francesas ou adquiridos na rua do Ouvidor. Os nobres circulavam pelo Passeio Público, primeiro ponto de encontro da cidade, nas proximidades 87
Foto Delfim Vieira
Bruno Chateaubriand em um dos lugares que considera ponto de visitação obrigatório no Rio de Janiero: o Jardim Botânico
da Lapa, e na praça XV, nos arredores do Paço Real, atual Paço Imperial, onde as decisões administrativas da colônia eram tomadas pelo monarca. Freqüentavam a missa da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, que, durante a estada do dom João VI no Brasil, foi a capela real da cidade e também o local onde o príncipe regente foi aclamado rei de Portugal, Brasil e Algarves, em 1818. A cidade, acanhada, contava à época com apenas 46 ruas. Seus domínios alcançavam os bairros da Glória e do Catete, ao sul, e do Catumbi, Rio Comprido e São Cristóvão, ao norte. Foi justamente no casarão na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, cedido pelo próspero comerciante Elias Antônio Lopes, que dom João fixou residência no ano seguinte à chegada ao Brasil. Carlota Joaquina manteve o mesmo hábito dos tempos em Lisboa, quando já não dividia o mesmo teto com o príncipe regente, preferindo morar em outro endereço, no atual Flamengo, bem distante do marido. São justamente esses os locais citados por Bruno Chateaubriand como fundamentais para compreender a dinâmica da aventura dos monarcas portugueses em solo brasileiro. A esses símbolos históricos, o jornalista acrescentou o Jardim Botânico, que permanece como um dos cartões-postais da cidade, e o convento de Santo Antônio, no largo da Carioca. Bruno ressalta também a estrutura criada às pressas para “civilizar” o Rio de Janeiro em função do baixo orçamento que a colônia dispunha para o desenvolvimento próprio. Praticamente da noite para o dia, a cidade se transformou. Primeiro, com a abertura dos portos às nações amigas imposta pela Inglaterra, e na seqüência com o sur88
gimento da imprensa régia, de instituições político-administrativas, da Casa da Moeda, do Banco do Brasil, das Academias Real da Marinha, de Belas Artes e de Medicina, da Real Biblioteca Pública e do Jardim Botânico. Outro aspecto importante foi a missão de artistas franceses, entre eles Debret, Taunay e Montigny, encarregados de ilustrar a nova capital do Império, aproximando-a dos centros europeus. “Se a família não tivesse vindo para o Brasil, provavelmente seríamos como nossa vizinha América espanhola, repartida em diversas repúblicas, só que falando português. Foi o pulso firme de uma monarquia local que impediu o esfacelamento do território durante a Independência”, acredita. De lá para cá, o Rio mudou. Deixou de ser capital do Império e posteriormente da República. Seu eixo elegante também passou por drásticas transformações. Sem a pompa do passado, assumiu a vocação praieira que consagraria a cidade. O banho de mar - que não era difundido no século XIX, sendo somente indicado para tratamento de doenças - e a vida social guiada pela orla, são novidades do século XX. Copacabana, um grande areal até a década de 30, só se consagraria “Princesinha do mar” no pós-guerra, enquanto Ipanema só assumiria o papel de musa a partir da década de 60. A expansão pela porção litorânea da cidade passou a guiar o crescimento urbano. Na década de 80, seria a vez de a Barra da Tijuca viver o boom imobiliário, que dura até hoje. Mas aí, o Rio já tinha abandonado havia muito tempo a influência européia para assumir o sonho de vida yankee, com avenidas retas e shopping centers.
Foto Alexandre Sassaki / Folha Imagem
O PalĂĄcio da Ilha Fiscal sediou o Ăşltimo baile da corte portuguesa no Brasil
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Foto Celso Pupo
Foto Delfim Vieira
Foto Paulo Neres
O jardim de dom João Entre os lugares do Rio imperial e do contemporâneo destacados pelo jornalista e promoter Bruno Chateubriand, somente o Jardim Botânico é citado nas duas ocasiões. Criado pelo então príncipe regente em junho de 1808, o Jardim de Aclimação, logo denominado Real Horto, foi idealizado para abrigar espécies exóticas da flora, em especial do Oriente. O local, embrenhado na floresta, encontrava-se bem distante do burburinho da cidade, próximo à Fábrica de Pólvora, no antigo Engenho de Cana-de-Açúcar de Rodrigo de Freitas. Entre as várias espécies introduzidas, nenhuma chama mais a atenção que as palmeiras imperiais, plantadas desde 1809. Atualmente, as árvores seguem firmes no cenário, enfileiradas, emoldurando a paisagem e atraindo a atenção de quem passa pelo caminho. Passear pelo interior do grande horto florestal reserva belas surpresas que remontam ao passado imperial. Em meio às árvores, pode-se ver o portal em estilo neoclássico da antiga Academia de Belas Artes, projetado por Grandjean de Montigny, em 1821. O mesmo arquiteto ergueu no Centro, em 1819, o prédio que abriga a atual Casa FrançaBrasil, considerado um dos poucos remanescentes do período neoclássico na cidade. Atualmente, o Jardim Botânico abriga uma coleção com cerca de oito mil espécies da flora nacional e de várias partes do mundo, além de área remanescente de Mata Atlântica. Segundo o jornalista, o que chama a atenção é o fato de temas tão atuais, como biopirataria e biodiversidade, já estarem presentes no Brasil do século XIX. “Acho o Jardim Botânico fascinante e uma de nossas heranças mais importantes, principalmente em função da questão ambiental, que predomina no mundo contemporâneo. É um lugar do Rio imperial que se mantém, ainda hoje, tão atual”, defende. Para o jornalista, o Rio dispõe de excelentes opções urbanas de lazer. Chega a citar o Antiquarius e o Le Pré Catelan como bons restaurantes e recomenda visita ao museu Histórico Nacional e ao museu de Arte Contemporanea de Niterói, planejado pelo premiado arquiteto Oscar Niemeyer. No entanto, é a paisagem natural que fascina o estrangeiro desde o Descobrimento até os dias de hoje. Bruno indica uma caminhada, com direito a banho de mar e água de coco, pelas praias do Leblon e Ipanema, demarcadas pelo morro Dois Irmãos e pela pedra do Arpoador. A orla de Copacabana, ao lado, é também indispensável pela beleza de seu contorno. Sugere a subida ao Corcovado, recentemente eleito uma das sete maravilhas do mundo moderno, pelo trenzinho, que corta o morro em meio à floresta ainda preservada, e o passeio no bondinho do Pão de Açúcar, que oferece uma das vistas mais deslumbrantes da cidade. “É na orla que o carioca dita moda. Essa é a característica primordial do carioca. Em qual cidade grande do mundo, as pessoas andam pela rua como estivessem à beira-mar?”, explica o jornalista, que só lamenta o descaso dos governos com a conservação da memória histórica. “Somos um povo com pouca auto-estima. Não fomos ensinados a amar nossa história. Ao contrário, temos a cultura do desprezo pelo passado. Estamos num ano de comemoração e pouca coisa acontece para nos lembrarmos da importância da chegada da família real, quando na verdade só passamos a existir de fato em 1808”, conclui.
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Roteiro do Rio histórico Paço Imperial Edifício em estilo colonial na atual praça XV, construído em 1733, foi o centro de acontecimentos políticos, festas e cerimônias reais do período joanino no Brasil. O Paço Real, hoje conhecido como Paço Imperial, era a sede de despacho do vice-rei na ocasião da chegada do príncipe regente. Foi cedido a dom João para se tornar sede do Império. Passou ao longo da história por diversas intervenções arquitetônicas. Atualmente o espaço é utilizado para mostras e exposições de arte. Quinta da Boa Vista Localizada no bairro de São Cristóvão, Zona Norte do Rio, integram suas dependências um parque público, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e o Museu Nacional do Brasil, instalado no antigo Paço de São Cristóvão, num palácio de estilo neoclássico, utilizado como residência da família imperial. Igreja Nossa Senhora do Carmo (Antiga Sé) Transformada em capela por dom João em 1808, a igreja em estilo rococó, com ornamentos e talhas em dourado, foi palco de importantes eventos históricos, como a sagração de dom João VI e a coroação de dom Pedro I e dom Pedro II. Os membros da família imperial nascidos no Brasil foram batizados nessa igreja. Perdeu o título de catedral em 1977. Atualmente em reforma, será reaberta ao público em 8 de março de 2008. Convento de Santo Antonio Erguido no morro de Santo Antônio, trata-se de um dos mais antigos complexos arquitetônicos coloniais do Rio de Janeiro. Sua origem remonta a 1592. A imagem de Santo Antônio está intimamente ligada à resistência da cidade às investidas francesas, uma vez que os portugueses recorreram ao santo para pedir proteção. Em 1810, dom João se impressionou com a história e promoveu a imagem do santo a sargento-mór, conferindolhe um bastão cravejado de pedras preciosas. Passeio Público Inaugurado na segunda metade do século XVIII, o primeiro logradouro público da cidade do Rio de Janeiro foi inspirado no Passeio Público de Lisboa. O desenho do espaço foi incumbido ao escultor e arquiteto Mestre Valentim, que projetou o parque seguindo o modelo francês. O Passeio recebeu ornamentações, com destaque para o chafariz de mestre Valentim e o belo portão de acesso forjado em ferro, destacando o brasão com as armas reais e as efígies de dona Maria I, rainha de Portugal à época.
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Foto Delfim Vieira
Foto Celso Pupo
Foto Delfim Vieira
TURISMO
Por Jair Racciner Fotos Paulo Amorim
Lisboa Das cinzas à modernidade E
ntrar em Lisboa é como mergulhar na história do Brasil, voltar ao passado, ver onde tudo praticamente começou desde que a família imperial e sua corte abandonaram Portugal, em 29 de novembro de 1807, e partiram rumo a sua colônia sul-americana fugindo de Napoleão Bonaparte. Um episódio espetacular que, para muitos, significou extremo ato de covardia e, para outros, um belo drible em Bonaparte, imperador francês que teve a coragem de admitir depois, em suas memórias, referindo-se a dom João VI: “Foi o único que me enganou”. Esse fato serviu para mudar a história de Portugal e do Brasil. Hoje, mais de 200 anos depois, a capital portuguesa – na condição de cidade mais rica do país e segundo centro econômico da Península Ibérica, atrás apenas de Madri – convive entre o antigo e o moderno. Portão de entrada para a Europa, Lisboa tem o poder de reagir às dificuldades, como ocorreu após ter sido destruída por um terremoto, em 1755, ressurgindo bela e imponente com a chamada arquitetura pombalina, marcada por obras modernas, sem perder, porém, traços importantes de seu passado. No período em que a família imperial deixou Portugal de um dia para o outro, pegando a população de surpresa antes da chegada das tropas francesas, o país era um dos mais atrasados da Europa. No livro “1808”, o jornalista Laurentino Gomes escreve que ainda vigorava o regime de monarquia absoluta, ou seja, o rei tinha poder total, ao contrário de países como Inglaterra e Holanda, em que a realeza perdia espaço para os grupos representados no Parlamento. Portugal era um país extremamente católico e avesso às idéias inovadoras que transformavam a ciência, a indústria e abriam espaço aos ideais republicanos.
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Naquela manhã em que Portugal amanheceu sem suas referências de comando, num total vazio de poder, a população sentiuse órfã, à mercê dos franceses que batiam à porta. O país havia sido entregue à própria sorte. “Portugal era um país pequeno, rural e atrasado, incapaz de romper com os vícios e tradições que o prendiam no passado, dependente de mão-de-obra escrava, intoxicado pela riqueza fácil e sem futuro da produção extrativista de suas colônias”, observa Laurentino Gomes. O outrora país pujante, senhor dos mares, “nem de longe lembrava a metrópole vibrante dos tempos de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral”. Segundo o autor de “1808”, os sinais de decadência estavam por todo lado. “Lisboa, a capital do império, havia muito tinha sido ultrapassada por suas vizinhas européias como centro irradiador de idéias e inovações...”. A queda do governo de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, responsável pela reconstrução e modernização de Lisboa após o terremoto de 1755, seguido de maremoto e incêndio, que matou entre 15 mil e 20 mil pessoas, só serviu para interromper o processo de mudanças arquitetônicas e urbanísticas na capital portuguesa. Mas, apesar das profundas crises em que mergulhou, Portugal emergiu forte. Em seu último ato, quando de sua inserção no Mercado Comum Europeu, entrou em processo de modernização, fato que tem se mostrado irreversível. Para conhecer melhor essa cidade mais rica de Portugal, dona de um PIB per capita superior à média européia e com uma economia baseada em serviços, Empório fez um passeio pelos melhores pontos turísticos da capital. Embarque nesse roteiro.
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Para conhecer um pouco da Lisboa que foi deixada pela corte de dom João VI no final de 1807, uma primeira sugestão é ir ao Chafariz del-Rei, conhecido como Chafariz de Fora. Quando foi edificado, no século XIII, situava-se do lado de fora das muralhas da cidade, voltado de frente para o rio e era o local aonde os barcos vinham “fazer aguada”, ou seja, carregar água para as longas viagens transatlânticas. No final do século XIX, a parte na frente do chafariz ganhou um aterro. Atualmente, no lugar onde antes havia barcos, apenas passam carros. À sua direita ou esquerda saem inúmeras ruelas que entram no bairro de Alfama, que é o que restou da Lisboa medieval. Alfama tem como característica as ruas que serpenteiam pela encosta acima, até o Castelo de São Jorge, sem largura suficiente para que passe um carro. Em alguns lugares se encontra um ou outro palacete, mas a maior parte das casas são de tamanho reduzido, com portas que não chegam a 1,5 metro de altura, muitas ainda não têm água encanada e não há uma data que marque a sua construção. Há 15 anos, uma reforma de uma casa encontrou uma parede construída no século VIII - sem materiais adequados, o construtor tinha posto o resto de uma bota para vedar o buraco entre duas pedras. É a região em que mais se pode ouvir o fado, a música típica da cidade. O próximo passo é uma construção do final do século XVIII, que ainda não estava completa quando a corte embarcou para o Brasil: a praça do Comércio. Com um formato em U, é hoje sede de três ministérios. Os prédios foram edificados depois do terre96
moto de 1755, para ser o palácio real, e mantêm a mesma cor com que foram pintados originalmente. Na época em que dom João VI ocupava o lugar de regente do reino, a praça era considerada uma das mais belas da Europa. Um dos principais documentos sobre esse período é o livro de memórias de Laure Permon, esposa do general francês Junot – que comandou a primeira invasão francesa a Portugal e que nos dois anos anteriores tinha sido embaixador francês no país. Permon, que inspirou Balzac para escrever seu mais famoso livro, “A Mulher de 30 Anos”, e por quem se apaixonaram Vitor Hugo e Almeida Garret, comparou a praça do Comércio com a capital francesa: “Não há nada em Paris, mesmo atualmente, tão belo como os cais que bordejam esta parte da margem”. O único reparo que ela fez ao local foi à estátua de dom José, que considerou horrível e ainda hoje ali está, no centro da praça. Do lado direito da praça, na esquina com a rua da Prata, vale a pena visitar o café e restaurante Martinho da Arcada, que teve entre os seus clientes fiéis Fernando Pessoa. Na lateral esquerda, fica a Sala Ogival da ViniPortugal, onde se pode provar gratuitamente (de terça a sábado, das 11h às 19h) vinhos portugueses de qualidade, muitos deles pouco conhecidos fora do país. Na época da viagem da corte para o Brasil, a praça era uma construção recente. O antigo palácio real, que ficava exatamente naquele local, tinha sido destruído pelo terremoto de 1755. Permon conta que 50 anos depois ainda se sentia o cheiro de queimado e dos corpos em putrefação.
Foto Cao Ferreira
O metrô que liga a estação da Baixa-Chiado ao Campo Grande foi inaugurado em 1997
Vista frontal da praça do Comércio, também conhecida como Terreiro Paço. Ao fundo, Alfama, e ao alto o Castelo de São Jorge
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Museu de Arte Antiga Até meados do século XIX, a forma de chegar ao centro de Lisboa era de barco. As casas dos nobres ficavam às margens do rio e muitas delas tinham embarcadouros particulares. A partir de 1870, com a construção de linhas de trem, o beiradão foi aterrado. Restaram as escadas que iam das casas aos embarcadouros, como se vê junto ao Museu Nacional de Arte Antiga, que fica na rua das Janelas Verdes (uma lei municipal obriga todas as janelas das casas dessa rua a serem pintadas dessa cor). O museu (aberto de 3ª a domingo, das 10h às 18h) era a antiga residência dos Condes de Alvor, que foi construída no tempo do reinado de dona Maria I, a louca, mãe de dom João VI. Atualmente, conta com o maior acervo do país (mais de 40.000 obras de arte). Um dos quadros mais importantes é a Tentação de Santo Antão, de Hieronimus Bosch. Também não se deve perder a vista do seu jardim sobre o rio Tejo. A cafeteria do museu pode ser uma boa indicação para o almoço. Basílica da Estrela Trata-se da primeira igreja do mundo dedicada ao Sagrado Coração de Jesus. Em estilo tardo barroco, ela surgiu de uma promessa de dona Maria I, que embarcou à força para o Brasil em 1807. Ela tinha prometido construir uma igreja caso tivesse um filho varão. Foi atendida e a construção começou em 1779. No entanto, o príncipe morreu de varíola dois anos antes de a obra ficar pronta. Inicialmente, deveria ser um novo centro para a cidade de Lisboa. Mas o conjunto, nunca ficou completo. Segundo Laure de Permon, influenciada pelo inquisidor-mor, quando não estava com seus ataques de loucura, dona Maria dava todo o dinheiro que podia para a basílica da Estrela, deixando o governo sem meios para atender outras necessidades. Palácio das Necessidades Este palácio, atualmente sede do Ministério das Relações Exteriores de Portugal, era no começo do século XIX um convento onde estudavam os filhos dos nobres. Foi escolhido como residência pelo duque de Wellington, que comandou as tropas que expulsaram os franceses de Portugal. Sua biblioteca foi a sede das primeiras Cortes Constituintes de Portugal, poucos anos depois da Independência do Brasil. Hoje, apenas se pode visitar a igreja e o jardim, que tem o nome de Tapada das Necessidades (aberto todos os dias das 9h às 18h).
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Foto Cao Ferreira
Palácio da Ajuda e Queluz Apesar de ter o seu palácio na praça do Comércio, não era ali que vivia a família real. Com medo de que mais um terremoto arrasasse a cidade, depois da destruição geral de 1755, os reis optaram por ficar numa construção no bairro da Ajuda. Segundo Laure de Permon, a construção era chamada pela população de “real barraco” - grande parte era de madeira e nunca chegou a ficar pronta. Hoje, apesar de uma parte do prédio continuar inacabada, alí funciona o Palácio Nacional da Ajuda, onde se encontra uma biblioteca com os livros que permaneceram em Portugal quando a corte foi para o Brasil – os livros que embarcaram são a base da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Há também um museu - com utensílios, móveis, quadros e jóias que pertenceram à família real – (aberto das 10h às 18h, fecha às terças). Pouco antes da viagem da família real para o Brasil, um incêndio atingiu o Palácio da Ajuda. A corte passou a morar no Palácio de Queluz, a 12 quilômetros de Lisboa (funciona das 11h às 17h30 e fecha às terças). Seus salões contrastam no luxo e opulência com as linhas sóbrias da cidade reconstruída após o terremoto. É o melhor exemplo da arquitetura rococó portuguesa e constuma ser comparado ao Palácio de Versalhes, da França. Parque das Nações Para contrapor a visita à Lisboa que restou da época em que a corte embarcou para o Brasil, vale a pena conhecer a parte mais moderna da cidade. O grande destaque é o Parque das Nações, um antigo bairro industrial (a cinco minutos do aeroporto) recuperado para a Expo 98. Dotado de moderna infra-estrutura urbana, o complexo é a cidade imaginada transformada em realidade. Além de surpreendentes jardins temáticos, ali se encontram obras de alguns dos mais importantes arquitetos da atualidade, como o espanhol Santiago Calatrava ou o português Siza Vieira. O Pavilhão do Conhecimento, ou Centro Interativo de Ciência e Tecnologia, apresenta várias exposições regularmente, permitindo ao visitante um contato direto com as mais diversificadas experiências científicas e tecnológicas. Pode-se visitar também o Oceanário de Lisboa – o segundo maior aquário oceânico do mundo, povoado por 15.000 animais e plantas de mais de 450 espécies. Para os notívagos, também não faltam opções. Situado à beira-rio, o bairro tem uma agitada vida noturna, com dezenas de bares e restaurantes no Passeio da Pimenta. Sugerimos uma visita ao Cassino de Lisboa. E que tal apreciar a paisagem? Nas imediações do parque há um teleférico de mais de mil metros com vista privilegiada para o rio Tejo. Eis uma boa dica para encerrar a viagem. O visual arrebatador costuma ficar gravado na memória dos visitantes.
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GENTE
Por Sebastião Reis Fotos Mário Oliveira e acervo pessoal
DO EL DORADO ÀS VIRGENS DO SOL
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As pesquisas na Amazônia foram aventuras fantásticas, com fugas, doenças e naufrágios
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le é branco, loiro, olhos azuis, tem vida dupla e gosta de aventuras perigosas em lugares remotos. Qualquer semelhança com Indiana Jones, personagem de Harrison Ford no célebre filme de Steven Spielberg, é mera coincidência. Se na tela dos cinemas, um é o pacato professor de arqueologia Henry Jones Júnior, que se transforma em aventureiro destemido ao enfrentar nazistas na disputa pela Arca da Aliança e o Santo Graal, na selva amazônica, o outro é o artista plástico e pesquisador chileno Roland Stevenson, 73, que garante ter descoberto o El Dorado. Há 30 anos, esse homem mais respeitado no exterior do que no Brasil por suas teorias polêmicas a respeito da origem do homem amazônida, luta para comprovar a existência da cidade mítica de ouro que no século XVI os exploradores espanhóis acreditavam existir. Passou vários meses na selva à procura do caminho conhecido dos incas, enfrentando todos os tipos de perigo, de uma onça pintada em seus calcanhares a índios macus com flechas envenenadas que o fizeram se lembrar de seus tempos de maratonista. Correu das 7h às 20h, deixando para trás parte de seu equipamento. Só não abandonou a mochila. Isso, sem contar os seis naufrágios e as seis malárias. Mas, garante, valeu a pena. “O problema é que os espanhóis buscavam uma cidade de ouro e, na verdade, tratava-se de uma fonte aurífera localizada entre o Pico da Neblina, no Amazonas, e Roraima”. Roland Stevenson chegou a Manaus em 1973 para trabalhar como publicitário. A experiência no excursionismo, ainda no Chile, o fez apaixonar-se por aventuras. Gastou par te das economias em expedições, mas não se arrepende. Prepara-se para fazer nova viagem, dessa vez à procura das Virgens do Sol, que segundo ele fugiram dos espanhóis após a captura de Atahualpa, imperador inca, e se transformaram nas guerreiras amazonas, ou icamiabas, “mulheres sem homens, mulheres sem maridos ou ainda mulheres escondidas dos homens”. Não serão poucos os que vão voltar a chamá-lo de louco. “Os brasileiros são muito preconceituosos com o meu trabalho, mas é triste ver que, em função desse desinteresse, quase todos os estudos na Amazônia são feitos por estrangeiros”, desabafa. A visão do El Dorado só existia para os espanhóis, observa Stevenson. “Os índios não conheciam esse nome, mas sim uma região natural de onde vinha o ouro”. Segundo ele, todas as tribos da bacia do rio Uaupés, no alto rio Negro, próximo à Cabeça do Cachorro, contam que soldados incas vinham buscar ouro
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Pinturas de Roland Stevenson: o caminho pré-colombiano por onde incas carregavam “insetos” de ouro e um ataque de índios ao aventureiro
em Roraima por um caminho de um metro e meio de largura. A cada 20 quilômetros dessa estrada, havia os postos de descanso dos viajantes, os chamados Tambos. “Localizei oito desses Tambos na bacia do Uaupés. Esse caminho ia direto para o Pico da Neblina, mas foi engolido pela mata”. Num desses lugares, Stevenson descobriu o petroglifo de uma lhama. O interesse dos espanhóis pelo El Dorado surgiu após a captura de Atahualpa ao norte do Peru, em Cajamarca. Eles exigiram do imperador inca um quarto cheio de ouro. Ruminháui, coletor de ouro do norte do império inca no Equador, foi incumbido de buscar parte desse produto, numa viagem de cem dias ao lugar misterioso. Ao retornarem, ele e seus homens, foram abordados por índios que queriam abrir as caixas para ver o que continham. Era a primeira vez que isso acontecia, porque, de acordo com a lenda, era proibido abrir as caixas sob pena de o Sol se apagar. Como o Sol era Atahualpa, agora refém dos espanhóis, os índios se consideravam desimpedidos. E ficaram admirados com o que viram: “insetos de ouro”. “Essas peças deviam ser trabalhadas por ourives em Roraima e no Amazonas”, acredita Stevenson. De volta ao Peru, Ruminháui não encontrou mais os espanhóis. Atahualpa havia sido assassinado. Do carregamento em ouro, nunca mais se teve notícias. Foi escondido em lugar incerto e não sabido. Tempos depois, Ruminháui foi capturado e torturado por soldados de Francisco Pizarro para revelar a localização do El Dorado. “Disse que, para chegar às minas, tinha de caminhar 70 dias. Fiz os cálculos entre o local onde os incas estavam e o destino”, conta Stevenson. Somente nove anos depois, Gonzalo Pizarro, irmão de Francisco Pizarro, resolveu percorrer o caminho, que já se encontrava fechado pela floresta. “Ele estava atrás do El Dorado e das Virgens do Sol, as moças mais lindas do império inca”, diz Stevenson. “Quatro mil índios cofane, antecessores dos tucano, foram forçados a acompanhá-lo, abrindo caminho”. Setenta dias de viagem naquele trecho, de acordo com o pesquisador, dão exatamente nas terras do Pico da Neblina. “Eu, pessoalmente, andei por esse caminho pré-colombiano pensando que tinha sido feito por garimpeiros. Pesquisas mostram que era o caminho do El Dorado”. Gonzalo Pizarro chegou lá, mas não encontrou a cidade de ouro porque, na verdade, tratava-se de uma fonte aurífera. Roraima, afirma Stevenson, era uma imensa região submersa repleta de lagos, como o Parime. É para lá que o aventureiro chileno pretende ir, na certeza de que as
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Virgens do Sol chegaram na serra do Parime por volta de 1503, escondendo-se dos espanhóis.“Lá, não existem vestígios, mas sim evidências. Está cheio de índios de olhos azuis e verdes. São descendentes das Virgens do Sol e espanhóis”, garante Stevenson, referindo-se aos yanomami, que, na sua opinião, não são uma raça pura. Sobre os estudos que indicam a origem desses índios brancos de olhos claros, Stevenson diz que não procedem. Para o jornalista Karl Brugger, descendiam de refugiados alemães da 1ª Guerra Mundial. “Ele desconhecia que, desde 1758, os yanomâmis eram conhecidos na Venezuela como ‘Guaribas Brancos’. Portanto, já possuíam essa característica física ao menos dois séculos antes da 1ª Guerra.” O escritor Jacques de Maieu considerava os “índios brancos” descendentes dos vikings e oriundos de Tiahuanaco, civilização que se desenvolveu junto ao lago Titicaca, entre Bolívia e Peru. Em seu livro “Uma luz nos mistérios amazônicos”, Stevenson diz que Maieu comete um erro cronológico de quase mil anos em relação ao início do desenvolvimento de Tiahuanaco e às incursões vikings na América. E acrescenta: “Os indígenas de rosto mongolóide que predominaram na Amazônia até fins do século XV nada tinham de nórdicos”. De suas aventuras, Stevenson guarda em seu escritório reportagens e uma preciosidade: a coroa dentada com oito pontas de uma borduna, arma inca, encontrada na região do suposto El Dorado. “Imagina quanto uma peça dessas, autêntica, não valeria num museu lá fora?”, indaga. “Encontramos cinco dessas coroas em pontos diferentes, tudo em área de garimpo”. O pintor-pesquisador diz que não se sente realizado. “A Amazônia é muito grande, uma região desconhecida. A história ainda está por ser revelada”. Refletindo sobre as dificuldades que encontra para realizar suas pesquisas e ter seu trabalho reconhecido, questiona: “Quanto tempo o brasileiro vai demorar para perceber que o lago Parime existiu? Está seco, hoje, mas o nível da água está marcado em 400 quilômetros de serra, parte dela na região da Raposa Serra do Sol, área de conflitos na disputa por ouro”. Stevenson discorda dos que afirmam que a região foi um deserto. “Como isso aqui foi um deserto se tiraram toneladas de concha marinha de onde existia o lago?” Em sua aventura quase solitária, esse chileno sonhador só tem uma certeza: vive na Amazônia os melhores anos de sua vida.
No ateliê em Manaus, onde coleciona fotos, mapas e histórias
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As índias
mais belas do mundo Não existem no mundo índias mais lindas do que as de Roland Stevenson. Esse artista plástico chileno que se transforma em aventureiro, nas horas vagas, é conhecido não somente pelo conjunto da obra, mas também por ter sido precursor do silicone. Basta dar uma olhada em seus quadros para observar que, há tempos, antes de se falar sobre o milagre das próteses de silicone implantadas em mamas, ele já pintava índias “siliconadas”, com seios duros apontando para cima. Stevenson busca inspiração nas lendas amazônicas e na natureza para seus quadros, que se confundem com a própria pesquisa que faz na região. São esses trabalhos em tela que lhe garantem financiar as pesquisas. Ou seja, uma obra alimenta a outra. “Cansei de pedir financiamentos para meus trabalhos. Pago tudo com o que ganho com os quadros”, afirma. Embora não seja um pesquisador formado, Stevenson acredita que se diferencia dos demais estudiosos da história na Amazônia por ser um anatomista fisionômico. É considerado o pioneiro no uso da técnica de investigação conhecida como “morfologia somática”. Ele diz que, por ter passando a vida inteira retratando feições, pode enxergar coisas que “uma mente comum é incapaz de ver”. O rosto de um indígena, segundo ele, conta todo seu passado, migrações, miscigenações e climas nos lugares onde morou. O pesquisador brasileiro, de acordo com Stevenson, baseia-se apenas na glotologia, ciência que estuda comparativamente as diversas línguas, considerando suas origens e formação. 109
TURISMO
Um hotel mais
Por Marcelo Guilherme Fotos Divulgação
do que ‘reservado’
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Uacari-branco, espécie ameaçada de extinção, endêmica de Mamirauá
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roporcionar a turistas o contato direto com a natureza sem agredir o meio ambiente e gerar renda para a população local é o objetivo da Pousada Uacari. Localizada a 600 quilômetros da capital amazonense, próximo ao município de Tefé, ela se destaca pela concepção ecológica. O conjunto de sete estruturas flutuantes foi desenhado visando o mínimo impacto ambiental, com instalação de tecnologias apropriadas, como a coleta de água da chuva, energia solar e sistema de filtragem de dejetos. A experiência é simplesmente sem igual. Acordar e olhar o rio da varanda do quar to, fazer caminhadas na mata, ter contato com animais exóticos e apreciar um dos pores-do-sol mais lindos do mundo são só algumas das vantagens de pernoitar no Uacari. O empreendimento está dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, um dos santuários ecológicos mais impor tantes do planeta (com 1,12 milhão de hectares de florestas de várzea), e está inserido em um projeto de conservação pioneiro no Brasil. A missão principal é gerar renda para as comunidades locais, fortalecer a organização e capacitação comunitária e criar incentivos para que essas comunidades promovam a conservação dos recursos naturais da área. “A Pousada Uacari gera renda por meio da compra de produtos e serviços e dos seus lucros, que são divididos entre o sistema comunitário de vigilância e as comunidades
locais, que investem parte dos lucros em projetos para a melhoria da qualidade de vida dos comunitários”, explica Nelissa Peralta, coordenadora do Programa de Ecoturismo do Instituto Mamirauá. O lugar é bastante reservado. Por se tratar de uma área de conservação ambiental, só é possível chegar lá comprando um dos pacotes de ecoturismo, ou seja, desembolsando de US$ 550 a US$ 1.000, por três, quatro ou sete dias de hospedagem na Uacari. As vagas são poucas, no máximo para 20 pessoas. “Recebemos pedidos de centenas de turistas, mas isso iria impactar o ambiente. Só podemos receber pequenos grupos por vez”, acrescenta Nelissa. A viagem tem início em um avião que sai de Manaus até Tefé (uma hora de vôo), se estendendo em uma voadeira ou lancha de motor por mais uma hora e meia. Durante a cheia, de maio a julho, as águas do Solimões e do Japurá inundam a reserva, formando os igapós, as famosas florestas submersas, transformando a visita em uma grande aula, já que os turistas visitam as famílias ribeirinhas e aprendem muito sobre a Amazônia. Outro ponto alto são as atividades de observação da fauna e da flora. No período seco (setembro a março), o visitante pode deslumbrar um grande espetáculo de peixes e seus predadores, concentrados num menor volume de água. Milhares de aves aquáticas também migram para os lagos da reserva, onde outros predadores, como o jacaré-açu e o boto côr-de-rosa, se concentram para se alimentar devido a grande abundância de peixes na área. As 111
trilhas podem ser percorridas a pé, em pequenos grupos acompanhados pelo guia local. Já no período de abril a agosto, o nível da água sobe alagando toda a área. As trilhas desaparecem sendo percorridas só em canoas com capacidade para dois turistas e um guia. O visitante estará mais perto das copas das árvores, dividindo espaço com bromélias, insetos e pequenos répteis. Há também ótimas chances de encontros com guaribas (que acordam o visitante com seus concertos matinais), uacaris-branco, macacos-de-cheiro e preguiças, além de muitas espécies de aves e animais aquáticos como o pirarucu. Enfim, não é por acaso que o guia de viagem Lonely Planet (2002) considera a Reserva Mamirauá um dos melhores lugares para observação da fauna em toda a Amazônia. A magnitude desse paraíso ecológico exige dos futuros visitantes, além de consciência ecológica, um arsenal de material fotográfico e muito espírito de aventura.
Simplicidade e conforto Em Uacari, o visitante desfruta de confor to, mas sem o luxo de um hotel cinco estrelas. A pousada tem um flutuante central com recepção, restaurante, bar, sala de TV, sala de apresentações, e uma piscina de água natural. Há também serviço de lavanderia disponível. Cada uma das dez suítes possui varanda 112
com vista para a floresta, chuveiro com água quente e duas camas de solteiro (king size). As acomodações são teladas e cobertas com palha. A pousada funciona com pensão completa, ou seja, são oferecidas três refeições ao dia. O cardápio é da cozinha brasileira, com a valorização de produtos e pratos típicos da Amazônia, com muito peixe fresco, frutas e sucos regionais (não servem carne vermelha).
COMO CHEGAR A cidade de Tefé é o portão de entrada para a Reserva Mamirauá. Você chega até lá de avião ou barco partindo de Manaus. Consulte o porto (92. 3621-4316) ou a empresa Rico Linhas Aéreas (www.voerico.com.br). De Tefé, você segue de barco para Uacari. São 90 minutos de viagem na voadeira da própria pousada. RESERVAS Telefones: 97. 3343-4160 • 8116-1349 http://uakarilodge.com.br ecoturismo@mamiraua.org.br
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LUXO
Por dentro do luxo Carlos Ferreirinha
Se o assunto é luxo, do tradicional ao sócio-ambiental, nada melhor do que escrever sobre lançamentos do mundo sofisticado nas páginas de Empório. É aqui, neste espaço, que estarei com vocês em todas as edições desta revista que vem se consolidando como uma das gratas surpresas do mercado editorial brasileiro. Vamos falar sobre o novo luxo, que passa, por exemplo, por ações sócio-ambientais responsáveis.
SOTHEBY’S Conhecida por seus prestigiosos leilões, a Sotheby’s está presente no Brasil com seu braço dedicado ao mercado de luxo imobiliário. Com seu novo conceito de comercialização de imóveis, a Brasil Sotheby’s surpreende e encanta seus clientes. Veja esta casa no Rio de Janeiro. Fronteira entre a arquitetura humana e a natureza intocada, ela foi construída em um condomínio fechado na pedra da gávea com uma vista de tirar o fôlego. O mar logo abaixo da casa, dá aos seus moradores a sensação de estar em um navio.
MIEZKO O Brasil vem surpreendendo pelo movimento aspiracional e vibrante no segmento calçadista. Excelentes trabalhos desenvolvidos por designers, que têm despertado a atenção do mundo. Alguns especialistas internacionais têm chamado nossas criações de “sapatos de personalidade”. A novidade do momento é a marca sensação do circuito fashion europeu que chega somente agora no mercado brasileiro, a Miezko, produzida no sul do país. O luxo traduzido em exclusividade, design arrojado e obsessão por detalhes.
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LA LAMPE Cadmo light, uma das mais novas peças de decoração feitas por Karim Rachid para a Artemide, é uma luminária de quase 2 metros inspirada no desdobramento de uma folha, sendo seu corpo de aço laqueado de branco. Sua versão mais exclusiva é feita em vidro preto soprado, estando disponível no Brasil apenas sob encomenda. Karim Rachid está presente na arquitetura, design de móveis, roupas, celulares e objetos que criou para grandes marcas como Prada, Umbra, Armani e Melissa. Essa peça é vendida com exclusividade pela La Lampe, representante oficial da Artemide no Brasil.
BRASTEMP Brastemp You. Depois de surpreender o mercado brasileiro com refrigeradores “personalizáveis”, a Brastemp lançou no final do ano passado o Fogão You, que permitirá ao consumidor expressar o seu lado B... exercendo sua criatividade e gerando a oportunidade de montar um eletrodoméstico só seu. Em eras de individualização, customização e exclusividade... o Fogão You encanta.
PUMA A Urban Mobility é uma linha revolucionária de acessórios de luxo da Puma, marca responsável pela transformação do sportswear em fashion e que recentemente foi comprada pelo poderoso grupo Gucci. Feita de couro Nappa, macio, branco e com estilo jacarandá é inspirada nos desenhos industriais. Um novo conceito na categoria. Uma assinatura vanguardista da Puma.
H. STERN A famosa joalheria brasileira, H. Stern, põe o Brasil no seleto mercado mundial de jóias de luxo, sendo, nesses últimos anos, presença constante em premiações internacionais, vestindo Angelina Jolie, Ashley Judd, Sharon Stone e Eva Longoria. Esta linha é denominada Red Carpet, e promete muito para o ano de 2008!
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CULT
Por Marcelo Guilherme Fotos Antonio Iaccovazo
Um festival de pura ousadia 116
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epois de 11 anos vencendo barreiras, consagrando mitos, recrutando talentos e acreditando no impossível, o Festival Amazonas de Ópera chega a sua 12ª edição levando Manaus ao status de primeira cidade em produção lírica do Brasil e a colocando entre as dez mais importantes do mundo no segmento. Se há bem pouco tempo era impossível imaginar que o tão suntuoso Teatro Amazonas, após 90 longos anos de jejum, voltasse a produzir e montar óperas – aliás, motivo de seu nascimento em 1881 (oficialmente inaugurado em 1886) – hoje, a efervescência cultural porque passa Manaus nos faz crer em um futuro de explendor. Em pouco tempo, o Festival Amazonas de Ópera se transformou no maior do gênero da América Latina, criando expectativa durante os meses de abril e maio nos antigos e novos amantes da arte lírica. Instituições como a Orquestra Amazonas Filarmônica, Coral do Amazonas, Orquestra Jovem da Floresta Amazônica, grupos do Centro Cultural Cláudio Santoro e Corpo de Dança do Amazonas foram criadas ou revitalizadas apostando em novos talentos, que na verdade formam o recheio desse grande projeto musical, iniciado em 1997 e que fez com que o Teatro Amazonas abrisse suas portas para uma longa e promissora temporada de clássicos. Montagens como Carmem” (Georges Bizet), “La Traviata” (Guiseppe Verdi) e “O Barbeiro de Sevilha” (Gioacchino Rossini) – com a orquestra e o coral do Teatro Bolshoi de Minsk e o Coro Sinfônico do Amazonas – ficaram eternizadas na memória dos amazonenses desde a abertura do festival. Mas não foi simples dar continuidade ao projeto. A dificuldade para manter tão imponente estrutura era óbvia, já que solistas, regentes e produtores da estréia eram, em sua maioria, estrangeiros, entre russos, suíços e argentinos, além de brasileiros do eixo Rio-São Paulo. Definitivamente, Manaus não tinha mão-de-obra capacitada para tão arrojada missão.
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Logo nos primeiros anos, um grande esforço foi feito para melhorar a orquestra do Amazonas. Profissionais da Rússia, Bulgária e Bielo-Rússia foram recrutados para reforçar o time de músicos. Os europeus do leste também passaram a lecionar no conservatório local, o Cláudio Santoro, e muitos artistas visitantes deram aulas para os jovens da cidade, que se preparavam para a carreira de técnicos, músicos e bailarinos. O trabalho deu frutos. Na 10ª edição, uma ópera foi montada praticamente com 100% de elenco local: “Gianni Schicchi”, de Puccini. Começava aí o ciclo de ouro no segmento cultural da cidade. Do início até hoje, milhares de empregos e ocupações foram criadas em torno das montagens, movimentando artesãos, marceneiros, costureiras, pintores, técnicos de som e luz, entre outros. “No início, era sonho e esperança. Mas desde sua criação, o festival de ópera já foi considerado um marco para as manifestações artísticas e lúdicas, promovendo uma verdadeira revolução sociocultural”, comenta o secretário estadual de Cultura, Robério Braga.
Trajetória de ousadia O Festival Amazonas de Ópera, além da própria grandiosidade, tem como característica a inovação. A criatividade está presente desde as obras tradicionais até as pouco executadas. Logo no segundo ano, em 1998, foi montada pela primeira vez, publicamente, a récita “Alma”, do compositor brasileiro Cláudio Santoro. O papel-título da jovem prostituta ganhou a voz de Rosana Lamosa, com direção musical de Nivaldo Santiago. No ano de comemoração dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, em 2000, a abertura da 4ª edição contou com um show na Ponta Negra, uma versão de “Il Guarany”, de Carlos Gomes. No ano seguinte, na 5ª versão do festival, Manaus recebeu duas récitas, de São Paulo e do Rio de Janeiro: “La Bohème” (Giacomo Puccini), que foi apresentada no paulista Teatro Alfa, e “A Ópera dos Três Vinténs” (Kurt Weill e Bertolt Brecht), encenada no carioca Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). “Os Três Vinténs” inaugurou o Teatro da Instalação, no centro da capital amazonense. “Manon”, que desde a década de 60 não era montada no Brasil, foi encenada em 2001, exclusivamente para o evento. De lá para cá foram inúmeras cenas, estrelas, figurinos, enfim, um conjunto de peças que fez com que Manaus entrasse para a história lírica nacional. “A realização do festival de ópera, a cada ano, retrata o aperfeiçoamento de uma equipe unida por um ideal, cujo perfil se aprimora com o intercâmbio proporcionado pelas grandes produções. Este evento é, com certeza, compartilhado em sintonia com a comunidade e iniciativa privada, além claro, das ações do governo. Por tudo isso, acredito que este é um acontecimento que só tende a crescer e se perpetuar ainda mais, tanto em importância quanto em termos de qualidade junto a todos”, completa o secretário Robério Braga.
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As mais badaladas de 2008
Foto Divulgação
Foto Jacek Bakutis
Este ano, a capital do Amazonas mais uma vez estará respirando ópera, do dia 15 de abril a 31 de maio. Já na abertura, uma das obras mais aguardadas desta edição: “Ça-Ira”, de autoria do ex-vocalista do Pink Floyd, Roger Waters. A ópera, que levou 16 anos para ser escrita, é encenada em três atos e fala sobre a Revolução Francesa, enfatizando liberdade, igualdade e fraternidade. A idéia é mostrar, por meio da arte lírica, a preocupação com o conceito dos direitos humanos, estabelecido naquele período. Apesar de ser ambientada em 1789, “Ça-Ira” (Algo como ‘Vai dar certo’) exala um clima de atemporalidade que deve agradar ao público moderno. “Será a primeira vez que a ópera de Waters terá a montagem que o autor concebeu originalmente. Em 2005 ela estreou em Roma (Itália) mas em formato de concerto. Depois disso, foram feitas modificações para os espetáculos que se seguiram, em Poznan (Polônia) e Kiev (Ucrânia). Mas nada foi igual ao que será apresentado aqui”, explica o diretor artístico do festival e maestro Luiz Fernando Malheiro. Destaque também para o clássico de Gian Carlo Menotti, “Maria Golovin”. Atualmente, a ópera não é encontrada na programação de grandes festivais mundiais de música erudita, são raras as apresentações. O libreto gira em torno de uma narrativa descomplicada – um breve encontro romântico entre o cego e recluso Donato e a personagem – título da trama, uma mulher casada que vivia na Europa do pós Segunda Guerra. No entanto, a obra é considerada uma das mais bem elaboradas pelo compositor. A montagem do 12° Festival Amazonas de Ópera será luxuosa, com direito a figurinos projetados pelo estilista Christian Lacroix, um dos nomes mais importantes da alta-costura internacional, com lojas de prêt-à-porter espalhadas pelas mais importantes capitais do mundo. Defensor de uma moda com características neo-barrocas, cujos detalhes muitas vezes apontam para sua infância, intrinsecamente ligada às touradas e ciganos andarilhos, já esteve à frente da direção artística de “Maisons”, com Emilio Pucci e Christian Dior. Também foi responsável pela criação dos figurinos para “Carmen”, de Georges Bizet (1838 - 1875) e para a comédia francesa baseada na mitologia grega,“Phèdre”, de Jean Racine (1639 - 1699).
Roger Waters é presença confirmada no espetáculo do Teatro Amazonas
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12ª Edição Este ano o 12° Festival Amazonas de Ópera terá 19 concertos e dois recitais. Dezesseis espetáculos serão pagos (os valores variam entre R$ 5 e R$ 60) e cinco inteiramente gratuitos. O evento receberá investimentos superiores à ordem dos R$ 4 milhões e contará com a participação de 358 artistas, sendo 230 do Amazonas, 102 de outras partes do país e 26 internacionais. Os concertos serão realizados em alguns dos mais importantes espaços culturais da cidade, como o Centro Cultural Largo de São Sebastião e o Centro Cultural Palácio Rio Negro, além, claro, do majestoso Teatro Amazonas. São esperadas 85 mil pessoas para o evento, sendo 9,8 mil para os espetáculos fechados e mais de 75 mil nos espaços abertos.
Programação ÇA-IRA (Roger Waters) Teatro Amazonas • 15, 22 e 24 de abril DAS LIED VON DER ERDE (Gustav Mahler) Teatro Amazonas • 19 e 23 de abril ARIADNE AUF NAXOS (Richard Strauss) Teatro Amazonas • 17, 20 e 26 de abril BARROCA (Concerto com trechos de óperas barrocas) Teatro Amazonas • 3 de maio JOÃO E MARIA (Engelbert Humperdinck) Teatro Amazonas • 4, 6 e 8 de maio MISSA DE RÉQUIEM (Giuseppe Verdi) Matriz de Nossa Senhora da Conceição • 10 de maio CONCERTO DO DIA DAS MÃES (Orquestra Experimental da Amazonas Filarmônica) Teatro Amazonas • 11 de maio Congada (Francisco Mignone) Finlândia (Jean Sibelius) Maroquinhas fru-fru (Ernst Mahle) MARIA GOLOVIN (Gian Carlo Menotti) Teatro Amazonas • 21, 23 e 25 de maio TURANDOT (Giaccomo Puccini) Largo de São Sebastião • 29 e 31 de maio
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LETRAS
Livros e
memória
Por Tenório Telles* Fotos Maíra Coelho
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vida sem os livros seria impossível. Como viver sem a presença desse objeto mágico que nos proporciona luz nos momentos de trevas, paz e sabedoria nas horas de tormento, amizade e consolo quando tudo parece perdido? O livro é um amigo fiel e sempre receptivo às nossas interrogações e dúvidas. Nunca fogem, e nos esperam pacientes nas prateleiras das bibliotecas, sobre a cômoda. Às vezes são deixados em quartos escuros, mas mesmo assim ficam à espera de algum leitor em busca de aventuras. A leitura de um livro é uma experiência libertadora. Somos os livros que lemos, ou que não lemos. Alguns deles nos marcam profundamente o ser – nos enriquecem de luz e sabedoria e nos tornam melhores. O livro também é o passaporte para uma viagem que pode ser definitiva. Ao chegar no mundo dos livros, descobrimos que, além da realidade, existem coisas que os olhos não vêem, e experimentamos sensações indescritíveis de prazer e descobertas que fazem de nossas vidas uma aventura feita de encantamento e compreensão sobre a realidade e os dramas humanos. A verdade é que os livros ajudam a manter viva a memória das sociedades – suas personagens e fatos que marcaram-lhe a história. Prova disso são alguns lançamentos que comentaremos a seguir.
1808 Sobre a presença da família real no Brasil, a partir de 1808, e seus desdobramentos para a sociedade brasileira, o livro do jornalista Laurentino Gomes, “1808”, merece destaque. Não é a toa que há semanas lidera a lista dos mais vendidos do país. A obra é um fascinante relato sobre a fuga da corte portuguesa para o Brasil, sob a pressão das tropas de Napoleão que bloqueavam a Europa, fato esclarecido no subtítulo da obra: “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil”. O livro também se difere por mostrar um outro lado de dom João, muito além das chacotas.
D. Pedro II “D. Pedro II” é a biografia de uma das personalidades mais expressivas da nossa história. O livro de Murilo de Carvalho traça um perfil humano do imperador Pedro d’Alcântara, como gostava de ser chamado. O relato gira em torno desses dois aspectos da mesma personagem: o rei, que se manteve no poder durante quase cinco décadas, pouco afeito aos rituais e etiquetas da vida cortesã, e o homem, tímido, “que amava as ciências e as letras tanto quanto detestava as pompas do poder”. Trata-se de uma leitura reveladora sobre a personalidade e o caráter do monarca que ajudou a construir as bases do Estado brasileiro.
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O príncipe maldito Outro livro que tem suscitado o interesse de leitores e estudiosos da história brasileira é “O príncipe maldito”, em que a escritora Mary Del Priore (coordenadora de “Os senhores dos rios: Amazônia, histórias e margens) retrata o trágico destino de Pedro Augusto de Saxe e Coburgo, neto do imperador dom Pedro II. O príncipe foi criado até o início da adolescência como o sucessor natural do trono, mas a sua sorte mudou com o nascimento do príncipe do Grão-Pará, filho da princesa Isabel, a primogênita, com o conde D’Eu, e, portanto, o legítimo herdeiro. Preterido, Pedro Augusto sucumbiu emocionalmente. Sua vida obscura é resgatada neste belíssimo texto de Del Priore.
O Amazonas na época imperial No âmbito regional, algumas obras, publicadas recentemente, são indispensáveis para compreendermos o processo histórico regional. “O Amazonas na época imperial”, de Antonio Loureiro, é um livro pioneiro sobre esse período, em que o autor relata e comenta os fatos históricos ocorridos na província do Amazonas, desde a sua instalação até a proclamação da República, em 1889. Embasa sua pesquisa em documentos do cotidiano da burocracia das instituições, como as comunicações dos presidentes da província amazonense e dos líderes da Igreja Católica, para expor o aguçado ambiente social, econômico e político que marcaram a época.
A ilusão do fausto Um dos livros mais importantes da produção acadêmica contemporânea, “A ilusão do fausto”, da professora Edinea Mascarenhas Dias, é um painel crítico sobre um dos períodos mais importantes do processo de desenvolvimento regional – o fausto da borracha. O mérito do livro não se limita apenas ao rigor da pesquisa, mas especialmente ao fato de ter enfocado o cotidiano dos trabalhadores, normalmente esquecidos ou negligenciados pelos pesquisadores oficiais. O romancista Milton Hatoum, na apresentação da obra, ressalta: “ ‘A Ilusão do Fausto’ é um estudo pioneiro sobre uma cidade, Manaus, que foi planejada e construída para atender a uma demanda do capital internacional”.
A invenção da Amazônia “A invenção da Amazônia” é um dos mais belos livros que já se escreveu sobre o universo amazônico – costurado com os fios da ciência e da literatura, numa tessitura em que se sobressaem a emoção, a poesia e o rigor científico. A Amazônia sempre despertou o fascínio e o interesse de viajantes e cientistas estrangeiros, o que motivou a elaboração de uma percepção plasmada pelo fantástico, em que sobressai uma região tecida pela imaginação do colonizador europeu. A pesquisa da professora Neide Gondim é reveladora do processo de constituição desse imaginário amazônico, fruto do diálogo dos conquistadores europeus com o universo regional.
* Tenório Telles é escritor, membro da Academia Amazonense de Letras e autor de “A derrota do mito” e “Poesia e poetas do Amazonas”. 127
LETRAS
Fotos Antonio Iaccovazo
Uma ficção encantada
O novo livro de Milton Hatoum é uma trama cheia de violência, luxo e tragédia de uma época que vai da Cabanagem ao ciclo da borracha
A
Amazônia é mais uma vez fonte de inspiração para uma obra ficcional. Agora, o mito da Cidade Encantada é o ponto de partida para a novela de Milton Hatoum. Autor de três obras premiadas (“Relato de um certo oriente”, “Dois irmãos” e “Cinzas do Norte”), o amazonense estréia no gênero com “Órfãos do Eldorado”, da Companhia das Letras. Enfrentar o desafio de enquadrar um de seus projetos nas regras da “Coleção Mitos”, idealizada pela editora escocesa Canongate e publicada por um pool de editoras em 30 países, não foi fácil para Hatoum, principalmente por conta da necessidade de concisão. Mas nem bem chegou às prateleiras e o livro já está na lista dos mais vendidos do país. “Eu esperava que as pessoas se interessassem pela obra principalmente por causa do romance ‘Dois Irmãos’, que vendeu muito. Afinal, muitas pessoas seguem a carreira de um determinado escritor, mas não imaginava que a obra teria toda essa receptividade”,
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conta Hatoum. “Novela é um gênero que exige um texto despojado e seco, no qual você deixa apenas o osso. Essa limitação me ensinou a escrecer e eu gostei de ter escrito e, até onde eu sei, os leitores também gostaram”. “Órfãos do Eldorado” se passa em uma cidade à beira do rio Amazonas, onde um visitante procura abrigo à sombra de um jatobá. Curioso, ele se dispõe a ouvir um velho com fama de louco. E assim segue a trama, cheia de violência, luxo e tragédia na Amazônia da época da Cabanagem até o fim do ciclo da borracha. O resultado é um livro com ares de novo, ao focar narrativa no narrador e na história que este conta, mas que também carrega os traços de seus livros anteriores. Uma celebração da experiência individual em um lugar muito específico no Norte do País e que abarca questões que são do Brasil como um todo e do homem para além da nacionalidade.
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IMAGEM
Brincadeira de criança 130
Foto Ruth Jucá
A sensação de empinar pela primeira vez uma pipa vai além da imaginação. É como se nossos sonhos invadissem o espaço para fazer morada. Mesmo que “quedem” ou “guizem” meu pequeno papagaio de papel, não importa. Ele já voou, levando ao vento minha brincadeira de criança.
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