Empório Amazônia 14

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Parintins

mundo tribal CAVERNAS DE FIGUEIREDO UMA VIAGEM DE 400 MILHÕES DE ANOS

ISSN 1809-4600

R$ 10,00

VÔO AMAZÔNICO AS INCRÍVEIS AVENTURAS DOS PILOTOS NA REGIÃO AJURICABA MÁRCIO SOUZA E A HISTÓRIA DO HERÓI INDÍGENA MODA MOVIMENTO E LIBERDADE NO VERÃO 2009 1


NEOGAMA/BBH

Bradesco. Completo como a festa da Nação Azul.

Bradesco. O banco oficial

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Bradesco. Completo como a festa da Nação Vermelha.

do Festival de Parintins.

www.bradesco.com.br








editorial Amazônia, mãe de toda a vida Imagine-se sobrevoando a Amazônia, sua natureza, mitos e mistérios, numa aventura em busca do mundo tribal. É o que propõe a revista Empório, em sua 14ª edição, cujo destino é uma Ilha onde a criatividade de um povo emerge da floresta para contar sua história em ritmo de toada. É o especial de Parintins, terra tribal marcada pelo confronto entre os bumbás Caprichoso e Garantido. Na arena, um espetáculo criado pelas mãos do homem do interior, parintinenses que fizeram da arte seu instrumento de trabalho e de um evento regional, um espetáculo universal. Nesse mundo encantado, as montanhas são como os seios e os rios caudalosos, como leite. É a fecundação da terra, dádiva da Amazônia Pachamama, lenda andina, tema do Planeta Boi deste ano. O evento, paralelo ao Festival, proporciona mais de 30 horas de entretenimento, com a presença de alguns dos DJs mais famosos do mundo, além da Feira Amazônica de Artesania e da Expo Audio Visual Amazônia, que transformam a praça da catedral de Nossa Senhora do Carmo em arena global. O leitor pode fazer, também, uma viagem de 400 milhões de anos por uma região esculpida na era do Pleistocênio, quando as águas dos mares silurianos que encobriam grande parte da Amazônia recuaram, dando formas a grutas e cavernas. É o sítio espeleológico do município de Presidente Figueiredo. O escritor Márcio Souza, autor de “Galvez, O Imperador do Acre”, dentre outras obras, escreve o artigo “Ajuricaba, mito ou realidade?”, no qual afirma que o lendário herói da resistência indígena realmente existiu. Na companhia de pilotos experientes que sobrevoam a Amazônia, conhecemos histórias que marcaram a vida desses loucos aventureiros, desbravadores de garimpos e lugares remotos. O ensaio de moda revela a “Lenda das Amazonas”, índias guerreiras que impressionaram o explorador espanhol Francisco Orellana em sua expedição pioneira pela região. Carlos Ferreirinha, expert no mercado de alto luxo, diz que a Amazônia é uma marca irresistível. Saindo um pouco da região, visitamos o impressionante deserto do Atacama, no Chile, com seus gêiseres, vulcões, lagoas verdes e canyons com água cristalina. É só ler, viajar e se divertir.

Os editores



PRESIDENTE E EDITOR Valdo Garcia

w w w. e m p o r i o a m a zo n i a . c o m . b r

DIRETOR DE REDAÇÃO Sebastião Reis reis@emporioamazonia.com.br DIRETORA EXECUTIVA Geyna Brelaz geyna@emporioamazonia.com.br CONSULTOR Carlos Ferreirinha ferreirinha@mcfconsultoria.com.br DIRETOR DE ARTE Marcelo T. Menezes criacao@emporioamazonia.com.br DESIGNER George Costa criacao@emporioamazonia.com.br PRODUTORA EXECUTIVA Carolina Bezerra carolina@emporioamazonia.com.br PRODUTOR DE MODA E BELEZA Gelb Costa gelb@emporioamazonia.com.br PUBLICIDADE Caio Michiles caio@emporioamazonia.com.br Monyk Braga monyk@emporioamazonia.com.br Renate Comtesse renate@emporioamazonia.com.br COLABORADORES André Fendii • Aníbal Beça • Augusto Carneiro • Edinho Serrão Márcio Souza • Mencius Melo • Natália Freire • Patrícia Palhares Peta Cid • Rodrigo Santos • Turenko Beça • Zeca Nazaré FOTÓGRAFOS Antonio Iaccovazo • Cao Ferreira • Euzivaldo Queiroz • Levinsk Márcio Amaral • Mário Oliveira • Ruth Jucá • Tales Azzi TRATAMENTO DE IMAGEM caoptix.com REVISÃO Dernando Monteiro damferr@ig.com.br MARKETING E CIRCULAÇÃO Ana Paula Schlickmann mkt@emporioamazonia.com.br REPRESENTANTE Thiago Lorenzoni

Rua Rio Jutaí, 19 • Qd. 35 • N. S. das Graças Conj. Vieiralves • CEP 69.053-020 • Manaus/AM CNPJ 03.207.977/0001-72 amazonbest@amazonbest.com.br Tel.: (92) 3584.5248 • www.amazonbest.com.br

CTP E IMPRESSÃO RR Donnelley DISTRIBUIÇÃO NACIONAL Leonardo Da Vinci

CAPA

Foto Mário Oliveira Styling Edinho Serrão Beleza André Fendii Produção Rodrigo Santos Modelo Ana Paula Schlickmann


COLABORADORES Márcio Souza Escritor, cineasta e ensaísta, Márcio Souza escreve o fascinante artigo “Ajuricaba, mito ou realidade?”, no qual afirma que o chefe indígena da tribo Manaú, que preferiu morrer, jogando-se ao rio acorrentado, a ser escravizado pelos portugueses, realmente existiu. Márcio Souza oferece aos leitores da Empório um relato importante sobre a guerra de resistência desse herói amazonense.

Virgílio Viana Engenheiro florestal, PhD em Biologia pela Universidade de Harvard, pós-doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade da Flórida,Virgílio Viana analisa o interesse internacional pela Amazônia e afirma que os inimigos da região estão aqui. Diretor da Fundação Amazônia Sustentável, ele convoca a sociedade a se mobilizar na luta pela preservação da floresta.

Carolina Bezerra Recém-formada em Gestão e Moda, no Ciesa, Carolina Bezerra, 22, está de volta a Empório, onde cumpriu estágio de cinco meses para elaboração de sua monografia. Contratada como produtora, atua agora na redação da revista, transitando entre a burocracia do cargo que exerce e a emocionante experiência de conviver com o jornalismo.

Patrícia Palhares Formada em Artes Plásticas, antiquária há 10 anos e fazendo moda como assistência para Luck de Berson e para revistas de Paris em época de Fashion Week no Brasil, Patrícia Palhares fez a produção de moda do editorial feminino desta edição da Empório. Profissional de sucesso, ela consegue conciliar arte e moda com muita criatividade.

Ana Paula Schlickmann Modelo desde os 13 anos de idade, Ana Paula Schlickmann, 19, saiu cedo de Itapiranga, interior de Santa Catarina, para viver o fascinante mundo da moda. Trabalhou para as agências L’Equipe, em São Paulo, e Why Not, em Milão, e desfilou para grandes marcas e estilistas. Gerente de marketing da Amazon Best. Ana é a garota da capa e do ensaio “Amazonas”.



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14 ARTE Turenko Beça apresenta o mundo íctio

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PARINTINS A festa de Caprichoso e Garantido e o Planeta Boi

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ENTREVISTA Prefeito de Parintins, Bi Garcia, investe na ilha digital

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ENSAIO A lenda das Amazonas

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MODA Movimente-se. Liberte-se

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LUXO Carlos Ferreirinha destaca a força da marca Amazônia

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AVENTURA As incríveis histórias dos pilotos da Amazônia

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TURISMO Uma viagem pelas cavernas de Figueiredo

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ARTE Índios.com encena Rito de Passagem

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LETRAS Márcio Souza viaja pela floresta de Ajuricaba

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AMBIENTE Virgílio Viana: “Os inimigos da Amazônia estão aqui”

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DESTINO Cenário de outro mundo no deserto de Atacama


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VITRINE

Foto Ruth Jucá

Athelier da moda

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magine chegar a uma loja e escolher como deve ser sua roupa, tendo para isso a assessoria de personal stylist como consultores de estilo e imagem para auxiliar o cliente a encontrar a roupa que mais bem combina com seu corpo e modo de viver? Pois bem, esse espaço já existe em Manaus. A estilista Maíra Azize lançou o ‘Athelier de Moda Maíra Cruz”, na rua Acre, Vieiralves, que traz uma proposta inovadora no circuito amazonense. Maíra Azize disse que a idéia surgiu do próprio interesse de seus clientes cativos, que cobravam um espaço próprio para a exposição das peças confeccionadas por ela. São trabalhos feitos quase artesanalmente e elaborados para todos os estilos. Na primeira exposição, roupas de diversos tipos e bijuterias.

Rua Acre, 161 - Vieiralves • (92) 3584.1318 • Manaus - AM

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Luxo Zen

Rua Rio Içá, 371 - Vieiralves • (92) 3584-5281 • Manaus - AM

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Foto Divulgação

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a adolescente à executiva que apreciam usar roupas de grifes exclusivas, a nova opção em Manaus é a Zen Maison, uma loja conceito que oferece criações de estilistas famosos, com atendimento diferenciado. As empresárias Zenilda Castelo Branco e Adlinez Moreno decidiram investir num público feminino de alto nível, que gosta de consumir produtos de luxo. São artigos teen, casuais, roupas executivas, roupas fashion, peças de lingerie, praia e moda noite luxo, assinadas por gente como Lenny Niemeyer, Marcelo Quadros, Danilo Uitch e Comini Fasano, dentre outros estilistas. A loja tem exclusividade da marca Bob Store (feminina). As peças de mais de 50 grifes não são as únicas atrações. A loja é um templo clean.


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Cidade Jardim

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Fotos Divulgação

e gazebo é um lugar de contemplação, o Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, chega com um novo conceito de centro de consumo. É o primeiro shopping center aberto da cidade, com luz natural e lojas de frente para jardins, que funcionam como oásis em meio à estrutura de concreto. O conceito é inspirado nas ruas mais elegantes do mundo e em centros comerciais como o Bal Harbour, de Miami. É uma construção ao ar livre que abriga grifes famosas - algumas das quais se instalando pela primeira vez no Brasil. Na primeira fase do complexo, aproximadamente 30% das grifes são estrangeiras e 70%, nacionais. No total, serão 180 lojas, 120 na primeira etapa, envolvendo segmentos de moda, gastronomia, cultura e serviços. O objetivo do shopping é lançar operações inéditas. O jardim destaca-se na construção, com árvores altas, em estilo tropical. As âncoras também são inovadoras, com uma unidade da Livraria da Vila associada a uma Casa do Saber, da Academia Reebok, que ocupa a maior área do prédio (4,5 mil metros), sete salas Cinemark de última geração e o mais completo spa da América Latina. Outra novidade: não há praça de alimentação e, sim, alguns dos melhores restaurantes de São Paulo, instalados no terraço, com vista para a cidade.

Av. Magalhães de Castro, 12.000 - Morumbi • (11) 3552.8677 / 8678 • São Paulo - SP

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Foto Divulgação

Máquina futurista

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aparência é despojada e futurista. Uma máquina sobre três rodas feita sob medida para homens entre 35 e 40 anos, que sabem aproveitar a vida de forma mais moderada do que os jovens. O “brinquedo” é um triciclo CanAm Spyder Grand Sport Roadster, lançado pela Bombardier, empresa norte-americana fabricante de quadriciclos, que agora investe nesse modelo disposta a abocanhar uma nova fatia do mercado no setor. A máquina moderna, empurrada por um motor de 106cv Rotax V-Twin, da marca Aprilia, pode ser adquirida em Manaus, na loja Jet Tech, em duas versões: a de cor cinza, com assento para duas pessoas, e amarela, com espaço apenas para o condutor. Ótima opção para driblar o caótico trânsito de Manaus.

Av. Senador Raimundo Parente, 291 - Flores • (92) 3652.3900 • vendas@jettech.com.br • Manaus - AM

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Arte na lata

www.cocacola.com.br

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Foto Divulgação

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e repente, o que era uma lata de Coca-Cola transforma-se em uma motocicleta cujo design não tem nada a dever ao das máquinas produzidas pela criativa família de motoqueiros do American Chopper. O trabalho de Sérgio Luiz é uma preciosidade capaz de fascinar a crianças e adultos. Esse artista da ONG Ecolata transforma alumínio em peças de arte e bijuterias, expondo-as em várias partes do Brasil e do mundo, sob o patrocínio da multinacional de refrigerantes. É uma parceria de sucesso, que será repetida em Parintins, durante o festival folclórico, onde Sérgio dará uma oficina de reciclagem ensinando a população parintinense a agregar valor às latas e expor suas peças no Planeta Boi, na praça da Catedral.


06 Foto Divulgação

Defumados da Amazônia

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specialista em produtos defumados, a Lauschner Alimentos Ltda. oferece uma nova opção à gastronomia amazonense, de dar água na boca. No cardápio variado, destacam-se pirarucu, surubim, peito de frango, picanha suína, lombo suíno e costela suína, tudo defumado. O objetivo é agregar valores a produtos exclusivos da Amazônia e lançá-los no mercado nacional e internacional. São produtos prontos para consumo, que podem ser degustados aos sábados, na loja da fábrica, no Boulevard Amazonas. Com 10 anos de atividade, a Lauschner Alimentos é uma empresa cujo nome remonta a uma família com longo histórico no ramo de alimentos. São descendentes de uma única família vinda da Silésia prussiana, radicada em Santa Catarina e Manaus.

Av. Boulevard Álvaro Maia, 549 • comercial@defumadosdaamazonia.com.br • (92) 3657.7434 • Manaus - AM

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Homem do Norte

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Foto Ruth Jucá

ma viagem pela vida do homem do Norte, sua história, costumes, crenças e tradições, com direito a um debate sobre temas relevantes da região. Mais do que um espaço meramente contemplativo, o Museu do Homem do Norte, em Manaus, reabre suas portas com um novo conceito, que envolve exposição e reflexão. A idéia é fugir da mesmice, com diversas ações educativas e culturais, como palestras e filmes, possibilitando um processo interativo entre o museu e o visitante. Localizado num prédio histórico, na rua Quintino Bocaiúva, Centro, o Museu do Homem do Norte reúne quatro mil peças do acervo cedido pela Fundação Joaquim Nabuco à Prefeitura de Manaus.

Av. Sete de Setembro, 1385 - Centro • (92) 3232.5373 • Manaus - AM

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08 Foto Cao Ferreira

Galeria amazônica

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arte amazônica com valor social, cultural e ambiental agregado tem, enfim, um endereço privilegiado, onde pode ser contemplada e comercializada. É a GaleriAmazônica, no largo do Teatro Amazonas, centro de Manaus, criada com o objetivo de valorizar e organizar o trabalho de artistas e comunidades indígenas da região. Cerâmicas, esculturas, fotografias, cestarias, esteiras, dentre outros produtos, estão à venda. Iniciativa da ONG Instituto Socioambiental (ISA) e da Associação Comunidade Waimiri-Atroari (ACWA), a GaleriAmazônica seleciona trabalhos que valorizem a diversidade socioambiental da região; o compromisso com o uso sustentável dos recursos naturais e com a manutenção da floresta.

Rua Costa Azevedo, 272 - Largo São Sebastião • (92) 3233.4521 • Manaus - AM

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Tênis ‘garanchoso’

http://www.overkillshop.com/de/product_info/info/4349/

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Foto Divulgação

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ocê já se imaginou com um pé no Garantido e outro no Caprichoso? Pode parecer absurdo, mas é exatamente isso o que a multinacional de calçados Adidas propõe com o modelo de tênis exclusivo, em homenagem ao Festival Folclórico de Parintins, lançado este mês na Europa. O ZX 800 é uma das atrações da série de calçados “Flavours of the World”, dedicada a provar/experimentar “estilos do mundo”. A parte superior do tênis é feita de fibra de algodão com aplicações de couro. No lado de dentro, estrelas e corações. Os bois também são impressos nas laterais externas do tênis. O detalhe curioso é que, por ser um único modelo, cada pé pertence a um boi: o direito é do vermelho e o esquerdo, do azul.


92 • 3635-0845 www.greenobsession.com.br




Fotos Cao Ferreira

Turenko Beça

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e Íctio é uma doença causada por protozoários capazes de infestar um aquário inteiro, a exposição homônima do artista plástico Turenko Beça surpreende pela força com que penetra em nossas mentes dentro de uma sala. São imagens que se fixam uma após a outra, na medida em que se caminha pelo imaginário desse artista amazonense que desde 1992 realiza uma pesquisa antropológica sobre sociedades indígenas, fonte de criação de suas principais exposições, bem como outras linhas de trabalho que vêm simultaneamente. O valor simbólico do peixe é o tema central do trabalho de Turenko Beça, que mostra por meio da técnica de colagem, conservas, serigrafia e esculturas a importância do peixe como símbolo amazônico. Invadindo a Galeria do Largo, no entorno da praça São Sebastião, centro de Manaus, depara-se com diversas espécies de peixes típicas da Amazônia, como o tambaqui, o jaraqui e o pirarucu, feitos com materiais inusitados, como o MDF, aço, resina acrílica (o processo chamado “conserva”) e adesivos. Turenço Beça, filho do poeta Aníbal Beça, não deixa dúvidas sobre a fonte que bebeu em sua arte: o movimento Pop-Art, que se tornou conhecido com Andy Warhol.

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PARINTINS

OS DEUSES da

CRIAÇÃO

O que têm em comum o teatro a céu aberto sobre a República da Laguna, o Réveillon de Brasília e a Gaviões da Fiel? Pouca coisa, claro, desde que entre esses eventos não existisse um caboclo pávulo que já fez até boi voar. É o parintinense, artista que criou asas na imaginação para transformar uma ilha num cenário sem fronteiras 30

Por Sebastião Reis Fotos Cao Ferreira


Amarildo Teixeira


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isitar os galpões de Caprichoso e Garantido às vésperas dos três dias de embate na arena do bumbódromo é penetrar no mundo de artistas quase anônimos que fazem de sua arte um espetáculo universal. Das mãos desses homens do interior do Amazonas nascem não só o Festival Folclórico de Parintins, mas também uma série de outros eventos artísticos que impressionam pela criatividade que brota no meio da selva. Seja numa caravela, que fica metade na água, metade na terra, servindo de palco para a célebre batalha da Laguna que eternizou o romance entre Giuseppe e Anita Garibaldi, ou no encontro entre anjos, negros, brancos e índios se abraçando no ar, suspensos sobre a Esplanada dos Ministérios, ou até mesmo no desfile de uma escola de samba, o dedo desses homens do interior do Amazonas se faz presente. É o toque da arte que não conhece limites. Tudo começou com Jair Mendes, um senhor de 65 anos de idade, cabelos grisalhos, rosto marcado pelo tempo, que pode ser encontrado no meio de um monte de ferros dando formas a blocos de isopor que ganham vida na arena do bumbódromo. Insiste em continuar, mesmo parecendo um pouco deslocado, longe de seu Garantido querido. Está, agora, no contrário, o Caprichoso, magoado por não ter sido eleito presidente do boi vermelho da Baixa do São José. “O Garantido foi quase uma vida toda. Foram muitos títulos. Hoje, minha vida é o Caprichoso.” Quem vê Jair Mendes ali, quase imperceptível em um jaleco branco, tendo de passar por cima de hastes de ferro, isopores e tantos outros obstáculos para chegar até ele, dificilmente pode imaginar a importância desse homem na evolução das apresentações dos bumbás de Parintins. São 33 anos dedicados à festa. Em certo momento, seu nome ficou tão associado ao espetáculo que a passarela dos bois se estendeu aos seus pés até a Marquês de Sapucaí, no Rio. “Tenho história no Carnaval daquela cidade”, afirma. Beija-Flor de Nilópolis e Portela que o digam. Sem modéstia, Jair Mendes admite: “Sou o precursor”. Os discípulos concordam. Ali mesmo, no barracão do Caprichoso, ele prepara Jairzinho e Teco, filhos que aprendem a arte da criação. Juarez Lima, 42, um dos principais artistas do azul e branco, também foi formado por Jair Mendes. “Fico 32

alegre em saber que quem não foi meu discípulo, é discípulo dos meus discípulos”, diz, orgulhoso. Para Jair Mendes, sua criação “é um dom de Deus”. Entre as décadas de 60 e 80, segundo ele, só existia um artista em Parintins. “Era eu”. No Carnaval de Manaus, sua marca também está presente. “Ajudei a mudar o Carnaval de Manaus”. Em São Paulo, montou o presépio do Vale do Anhangabaú com bonecos gigantes que se transformaram em atração na cidade. O Carnaval foi um Rio que passou na vida de Jair Mendes. “Decidi parar de trabalhar nas escolas de samba. Deu para ganhar algum dinheiro. Agora, prefiro ficar sossegado em minha Parintins”. No contexto da história dos bois de Parintins é impossível, segundo Jair Mendes, não citar a figura de dom Miguel Pasqualle, missionário italiano que ensinou arte sacra aos meninos da Ilha, trabalho que realiza até hoje. “O papel dele é muito importante”. Foi a partir da escola de dom Miguel que os bois decidiram criar a própria escola de arte. Sobre a magia da festa dos bois-bumbás, o velho artista é sucinto: “Isso vem do fanatismo que envolve Caprichoso e Garantido. Cada um quer fazer melhor do que o outro, se superar.” Para Karú Carvalho, 45, que acumula 11 títulos pelo Caprichoso, a magia dos bois vem da energia da Ilha Tupinambarana, como Parintins também é conhecida. “Tudo aqui, desde o cenário de rios, lagos e florestas, até o bom humor do parintinense, nos leva à criação”. Menino de infância pobre, como quase todos os artistas dos bois, Karú dedica-se desde os 20 anos de idade ao Caprichoso, contribuindo na parte alegórica e nas tribos. Discípulo de Jair Mendes, ele também trilhou caminhos parecidos. Em 87, foi para a escola de samba Beija-Flor, levado por Joãosinho Trinta. Ao lado do célebre carnavalesco, conquistou o título do Carnaval carioca em 97 pela Viradouro. “Quando cheguei ao Rio, fui estagiário. Hoje, sou contratado”, afirma, lembrando que mais de 200 artistas de Parintins se deslocam para Rio e São Paulo todos os anos, para trabalhar no Carnaval. Foi ele quem deu um toque a mais ao Réveillon de Brasília este ano. “Coloquei dois anjos na altura de 45 metros com o mundo grande em volta”. Agora, está trabalhando o cenário de “A República da Laguna”, que será encenada às margens


O FANATISMO NOS DOIS BOIS FAZ COM QUE OS ARTISTAS BUSQUEM SEMPRE FAZER MELHOR DO QUE O OUTRO, SE SUPERAR Jair Mendes

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Ito Teixeira

Karú Carvalho

Miguel Pasqualle

Júnior de Souza

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Emerson Brasil

Juarez Lima


da Lagoa Santo Antônio, em Santa Catarina. Os atores Thiago Lacerda e Vanessa Lóes viverão a saga de Giuseppe e Anita Garibaldi. No cenário, o artista do Caprichoso vai erguer duas estátuas dos heróis da Laguna. “São dois meses de trabalho.” Em setembro, Karú tem novo desafio. Está fechando contrato para a festa dos 100 anos do folclore de Curitiba, em São Matheus. Rossy Amoedo, 22, é um dos artistas parintinenses que mais espaço vêm conquistando fora de Manaus. Respeitado no Carnaval carioca, transita no mundo do samba como uma personalidade artística. Afinal, são cinco títulos em oito anos de Marquês de Sapucaí. Pelo Caprichoso, mais cinco títulos. “Sou um artista conhecido lá fora”, diz, com a autoridade de quem prestou serviço a seis escolas de samba no Carnaval deste ano. Por ordem, Beija-Flor (a campeã), Tijuca, Imperatriz, Vila Isabel, Viradouro e Portela. Das seis, quatro participaram do desfile das campeãs. “O processo do Carnaval, em si, é muito grande. A gente colabora”, admite. Um dos carros alegóricos de Amoedo que mais fizeram sucesso foi o de um bebê de cabeça para baixo, feito todo em látex, na Viradouro. “O povo parintinense tem que agradecer muito a Deus, que colocou uma luz sobre essa cidade.” No ano passado, Amoedo trabalhou no cenário do Pan ao lado da carnavalesca Rosa Magalhães. Em julho, vai fazer um trabalho sobre a chegada da família real ao Brasil. Depois, volta ao Amazonas para preparar, em Manacapuru, o cenário da festa da ciranda. Filho de pais pobres, o artista teve uma infância muito difícil. “Tínhamos que vender o almoço para comprar o jantar”. Hoje, afirma que a situação melhorou muito e que se sente um profissional realizado. “O caminho que eu trilhava na infância era o lado negro da força. De repente, tudo mudou.” Emerson Brasil, 34, também não teve infância fácil. Vendia flau, o sacolé, nas ruas de Parintins. Desde os 14 anos trabalhava como ajudante de outro artista, Cabar, no Caprichoso. Depois, foi para o Garantido, onde passou sete anos, sempre campeão, como faz questão de frisar. Dos trabalhos fora de Manaus, destaca o cenário do folclore de Natal, no Rio Grande do Norte. Juarez Lima, 42, tem 25 anos de Caprichoso. De 87 a 88 esteve no Garantido. Depois, passou um ano fora de Manaus,

na escola de samba Nenê de Vila Matilde, de São Paulo. Descendente de uma família de artistas – o tio era o compositor Braulino, de “Tic, tic, tac”, música que tornou conhecido internacionalmente o grupo Carrapicho - diz que dom Miguel Pasqualle, de quem foi aluno, trouxe a plasticidade da arte européia a Parintins. “Ele foi o divisor de águas aqui.” O missionário tinha um problema gravíssimo na coluna que somente um curandeiro famoso de Parintins, Valdir Viana, cantado em verso e prosa na festa dos bois, conseguiu sanar. “Dom Pasqualle não acreditava nisso, mas a dor era tanta que decidiu testar. Foi colocado de cabeça para baixo, feito salame, e saiu de lá, curado”, conta Juarez Lima. “Por causa disso, fez uma promessa da criação da escola de arte para crianças.” Na década de 80, o Caprichoso dominava. Jair Mendes ficou quatro anos no azul e branco. Em 89, Juarez Lima, discípulo de Jair Mendes, foi para a Beija-Flor. “Foi o ano do enredo ‘Ratos e urubus, larguem minha fantasia’. Vi um mundo novo da arte”. A técnica das estruturas metálicas, dos elevadores, enfim, a sofisticação das engrenagens dos barracões das escolas do Rio, tudo foi observado e utilizado nos barracões de Parintins. Com Joãosinho Trinta, houve um processo de troca de conhecimentos, lembra. “O Jair Mendes trabalhava muito com papelão e madeira, recolhia caixas jogadas nas ruas pelas lojas. Na década de 90, transmitiu o cajado para mim. Trouxe muita coisa dessa experiência no Rio para os bois”, diz, assim como todos os movimentos dos carros alegóricos, hoje comuns no Carnaval do Rio de Janeiro, derivam dos bois de Parintins. Bastou Joãosinho Trinta abrir as portas do Carnaval carioca aos artistas parintinenses, para trazer na esteira outras escolas de samba. “O Salgueiro veio em 98 atrás de artistas. Fui chamado. Fizemos cinco dos seis carros alegóricos. Ali foi a vitrine.” Para Juarez Lima, o artista parintinense desbravou a arte “assim como Rondon desbravou a Amazônia”. Hoje, se destaca com sua criatividade explorando materiais alternativos da região, como serragens, cipós, fibras, jutas, dentre outros. Para a apresentação deste ano do Caprichoso, o artista afirma que tem como sempre “uma carta na manga”. “Quero o êxtase com o público, uma interatividade.” A história da criação não é muito diferente no Garantido. Esses artistas, de certa forma, vivem em processo in35


terativo, pulando pra lá e pra cá, em nome da arte. Júnior de Souza, 38, há 15 anos como artista de ponta, conheceu a técnica da mecânica na oficina do pai, em Parintins. Isso o ajudou a desenvolver sua arte. “Hoje, quem trabalha no boi é reconhecido. Há 15 anos, era marginalizado.” Júnior de Souza contabiliza 12 títulos no Garantido, oito dos quais como membro da comissão de arte. Passou quatro anos no Caprichoso, mas seu coração bate mesmo é em vermelho e branco. Artista viajado, trabalhou nas escolas de samba X-9, de São Paulo, onde marcou o desfile com o carro alegórico dos tigres asiáticos, em 98, Viradouro, do Rio, em Nova York e em Natal, no Rio Grande do Norte, onde colocou 3,5 mil figurantes em cena na 1ª Mostra de Cultura Popular. “A origem do nosso boi é o Nordeste. Voltamos depois lá para um intercâmbio cultural.” O mestre de Júnior de Souza, como ele mesmo diz, foi o próprio galpão. “Não existe uma escola preparatória do artista do boi de Parintins que não seja o próprio galpão”. Quem mais bem resumiu a criatividade do artista da Ilha, segundo Júnior Souza, foi o design gráfico Hans Donner, ex-Rede Globo. “Ele disse que desconhece no Brasil um lugar que tenha mais artistas por metro quadrado do que o boi. Isso, para nós, foi marcante nessa solidão da selva amazônica.” A criação no Garantido começa na comissão de arte, onde tudo é planejado sob o comando de Fred Góes, e repassado aos artistas. Cabe a eles receber a sinopse do projeto e fazer soltar do papel o que concebeu a comissão de arte. O mesmo processo ocorre no Caprichoso, onde o conselho de arte é presidido por Gil Gonçalves. Difícil é acreditar que a brincadeira de boi em Parintins começou com Tonto, amigo do Zorro nas histórias em quadrinho. A visão que se tinha de índio, até então, era essa, lembra Ito Teixeira, 44, do Garantido. “A gente brincava de Tonto, com roupa e a pena atrás da cabeça.” Ito aprendeu numa escola agrícola que índio amazonense não usava pena e que havia algo estranho nas brincadeiras de boi de sua infância. “A primeira tribo diferenciada que fiz foi a dos carajás, com tangas e adornos”. Essa tribo, segundo Ito, chamou a atenção do festival. Ao lado de Amarildo Teixeira, outro talento do Garantido, eles inovaram com as tribos. “Despertamos a curiosidade de todos, inclusive do contrário”, diz Ito, referindo-se 36

ao Caprichoso. “Daí, começou o grande festival das tribos. Introduzimos a dança, inspirados nos índios do Xingu. Antes, as pessoas entravam pulando.” Essa mudança ocorreu logo depois que os bois trocaram o acanhado estádio de futebol Tupi Cantanhêde pelo bumbódromo ainda de madeira. Era o começo da concretização do ritual indígena no Festival Folclórico de Parintins. “Só o Garantido fazia. Mudamos a concepção, e o Caprichoso acompanhou”, afirma Ito. A apresentação anterior era muito focada no boi, de acordo com o artista. Aos poucos, ele e Amarildo decidiram introduzir também os fogos e mudar a figura do pajé. “Ele era gordo e não dançava; ficava estático.” A idéia foi convidar um rapaz chamado Valdir Santana, exímio dançarino das festas de Parintins, para assumir o papel do pajé. Santana entrou na arena, pela primeira vez, há 20 anos, e nunca mais saiu. Até hoje eletriza o público quando pisa na passarela à frente desse item no Garantido. “O processo de mudanças foi crescendo e, quando o Caprichoso decidiu fazer o ritual, o Garantido estava definindo o festival com isso.” Em seguida, foi introduzida a figura da cunhã-poranga, decisão conjunta dos bois. Mas faltava um tipo de ousadia que Jair Mendes imaginou, mas não concretizou: apagar as luzes do bumbódromo e fazer parte da apresentação no escuro. Como conseguir isso sem correr o risco de deixar a arena apagada por mais tempo do que o previsto? Ito encarou o desafio. Após estudar a dinâmica do sistema de iluminação do bumbódromo, o artista apagou dois refletores, deixando o lado do Garantido escuro. A platéia vermelha e branca foi incentivada na noite anterior pelo locutor Paulinho Faria a levar velas. Somente naquele momento o público entendeu o que estava acontecendo. O Garantido iluminou a noite. “Foi um espetáculo lindíssimo”, lembra. “Sabíamos o tempo certo de mandar reacender as luzes.” No ano seguinte quem surpreendeu foi o Caprichoso, iluminando as alegorias. “Estava um passo atrás, deu um passo à frente”, reconhece Ito. São esses brasileiros, caboclinhos, filhos do mato, criados com peixe e farinha d’água, como bem diz a música “Brasileirinha”, da cantora amazonense Lucinha Cabral, que fazem numa ilha um espetáculo universal. São os artistas dos bois-bumbás.


O POVO PARINTINENSE TEM QUE AGRADECER MUITO A DEUS, QUE COLOCOU UMA LUZ SOBRE ESSA CIDADE Rossy Amoedo

Carnavalesco da ‘Fiel’

Morar no ateliê dos tios foi um ótimo aprendizado para o garoto Zilkson Reis. Hoje, aos 28 anos de idade, esse parintinense fiel ao Garantido se consolida como um dos principais carnavalescos do país. Saiu da Mocidade Alegre, onde fez história como novato à frente de uma escola de samba de São Paulo, para a Gaviões da Fiel, desafio que considera fascinante. Zilkson Reis é mais ligado, hoje, ao Carnaval, do que ao próprio boi. É que ele saiu muito novo de Parintins para trabalhar em São Paulo, depois de passar uma temporada cuidando das fantasias do Caprichoso e outra, no Garantido. O convite de São Paulo partiu do carnavalesco Marco Aurélio Ruffin, da Tom Maior.

Mas, foi na Mocidade Alegre, onde ficou por oito anos, que o artista parintinense conseguiu se destacar. Primeiro como projetista e escultor ; depois, em 2004, desenvolvendo todas as pesquisas do enredo “Do Além Mar à Terra da Garoa – Salve Esta Gente Boa”. Em 2005, foi lançado como carnavalesco da escola. No primeiro trabalho, com o enredo “Clara Nunes”, conseguiu o terceiro lugar do Grupo Especial. Em 2005, com o enredo sobre o rio São Francisco, chegou ao vice-campeonato. Em 2007, foi campeão, desfilando o riso. Em 2008, com “São Paulo Turística”, segundo lugar por uma diferença de 25 décimos. Financeiramente, Zilkson Reis diz que sua vida é muito boa. Profissionalmente, sente-se desafiado a “fazer sempre o melhor”. Desde 2000, ele estava afastado dos bois de Parintins. Voltou para trabalhar como artista plástico do Garantido e cuidar da alegoria “Lenda”. “Na escola de samba, meu papel é mais abrangente”, compara. “Lá, vejo tudo relacionado ao desfile. Tenho vontade de ter tempo para ver o boi em geral.” Na Gaviões da Fiel, Zilkson Reis tem uma missão pela frente: realizar um grande desfile no ano do centenário do Corinthians.“Eles querem um grande Carnaval em 2009, para consolidar a virada.” Antecipadamente, o artista do Garantido avisa: “Na Mocidade, aboli destaque de chão. Na Gaviões, vamos acabar com a multidão acompanhando a escola. Afinal, Carnaval não é jogo de futebol”. 37


PARINTINS

Por Peta Cid Fotos Mรกrio Oliveira


O futuro ĂŠ agora


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O

futuro pode ser melhor, só depende da gente. É com uma consciência mais profunda de preservação da floresta, além do mero olhar contemplativo, que o Caprichoso pretende ditar um ritmo diferente no processo de proteção do meio ambiente amazônico. “Em defesa deste chão eu vou cantar para o mundo inteiro se conscientizar, preservar é amor, toda a humanidade, juntos vamos celebrar. É Caprichoso, é resistência de consciência milenar”. Os versos da toada “Em defesa deste chão”, de Ademar e Frank Azevedo, resumem bem esse espírito do boi azul e branco. O Caprichoso extrai dos caboclos e ribeirinhos as lições que eles dão ao mundo no dia-a-dia de quem conhece, vive e ama a Amazônia. São ensinamentos de como desenvolver em harmonia com as limitações ecológicas do planeta, sem destruir o ambiente, para que gerações futuras tenham a chance de existir e viver bem, como preconiza a Agenda 21. Para o Caprichoso, os discursos estão se esgotando diante de um cenário catastrófico para a Amazônia e o planeta. Mais do que discorrer ou contemplar, é preciso mostrar ao mundo que as alternativas de conservação e desenvolvimento sustentável, econômico, social, científico e cultural das sociedades correspondem a mais saúde, conforto e conhecimento. Tudo isso sem exaurir os recursos naturais do planeta. “O Caprichoso apresenta alternativas para proteger a Amazônia, melhorando a vida econômica social, mas também resguardando os biomas”, afirma Gil Gonçalves, presidente do Conselho de Arte, justificando o tema “O Futuro é Agora”. Buscar lições do passado foi a fórmula encontrada pela agremiação azul e branca para desenvolver, por meio da arte e do folclore, a apresentação do Caprichoso em três atos. Desde a fase colonial, segundo Gil Gonçalves, as decisões tomadas geraram desequilíbrios ambientais, violência, impactos sociais e econômicos. Essa forma equivocada de pensar a Amazônia despertou nos povos da floresta um sentimento de resistência contra a ocupação e exploração ilegal dos recursos naturais. O sentimento se transformou em movimento em defesa da floresta. Do passado ao presente, segundo Gil Gonçalves, são registros de coragem e bravura. Do presente ao futuro, são compromissos com as próximas gerações.

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Em três atos, o Caprichoso incorpora a luta dos índios contra o domínio e a posse da terra; o clamor da floresta, das populações tradicionais na proteção do meio ambiente, e celebra o futuro com uma vida sustentável, apresentando alternativas para tornar possível o desenvolvimento sem degradar os recursos naturais. Em síntese, o Caprichoso reforça a tese de que os modelos de ocupação da Amazônia não deram certo porque não se levaram em conta populações tradicionais. O boi encena o período de sangue, suor e lágrimas caracterizado pela escravização dos índios pelo homem branco, para exploração dos recursos naturais, o desaparecimento de inúmeras populações, como também o aniquilamento de suas culturas, línguas e identidade. O Caprichoso também passeia pela fase dos grandes investimentos na Amazônia, nos anos 60, com construções de rodovias, projetos de colonização agrária, obras e mineradoras, que atraíram os garimpeiros, desmatamentos, queimadas, avanço da pecuária, sem contar a inundação de grandes áreas com a construção de hidrelétricas como a de Balbina, considerada pelos ambientalistas como o maior acidente ambiental da história, responsável pela inundação de 40% do território dos índios waimiri-atroari, sem gerar com isso a energia pretendida para abastecer Manaus. Em contraposição, surgem os movimentos sociais de camponeses, povos indígenas, seringueiros e caboclos ribeirinhos, que passaram a reivindicar seus direitos como defensores da floresta. No final, a celebração da sustentabilidade, baseada nas experiências tradicionais praticadas por caboclos e índios, unidas à tecnologia científica. Em cantos e danças, o Caprichoso mostra que a energia que emana da floresta, a energia da Amazônia, das águas e do sol, é uma energia limpa que não fere a natureza. Parintins tem projetos de sustentabilidade que deram certo, como o Pé-de-Pincha, que repovoou os lagos com milhares de filhotes de quelônios. Em Mamirauá, projetos de conservação e manejos florestais já provaram sua eficiência, exemplifica Gil Gonçalves. No rito Hi Merimã, o grande pajé vence a batalha dos insetos, do bem contra o mal, assim como o Caprichoso pretende vencer a batalha em defesa da Amazônia.

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PARINTINS

Por Mencius Melo Fotos Mรกrio Oliveira


O boi da preservação


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ara seus apaixonados torcedores, o Garantido “é o patrimônio emocional da humanidade”. Mas, pode-se afirmar também que é o boi da preservação e do segredo, para fazer uma analogia entre o enredo que escolheu para 2008 e o mistério que envolve suas ações, dentro e fora dos galpões. Preservar a natureza do mistério faz parte da estratégia do boi vermelho e branco na tentativa de retomar a hegemonia do Festival Folclórico de Parintins. Tudo o que se diz é rigorosamente calculado. Entrar nos galpões, nem pensar. Mas é possível se avistar, ao longe, as alegorias cobertas. Chico Cardoso, coordenador e membro da Comissão de Arte, formada por experientes artistas e decanos intelectuais do Garantido, diz que o mistério se resume à leveza da apresentação que o bumbá pretende fazer. O objetivo é adequar o espetáculo à nova configuração do bumbódromo. “Nada excessivamente técnico; tudo a favor da emoção, estampada na bandeira da preservação”, garante. O Garantido não quer repetir os erros do passado. A agremiação, segundo ele, errou em 2007 ao limitar seu arsenal de toadas e alterar a tradicional contagem na primeira noite, anulando o que chama de “fator emoção”. A palavra de ordem na direção de arte é união. Pela primeira vez, os compositores vão participar da escolha do repertório de arena. Mesmo optando pelo “silêncio obsequioso”, os responsáveis pelo espetáculo do Garantido garantem guardar segredos na manga para apresentar na arena. O forte, segundo Chico Cardoso, são os movimentos das alegorias, principalmente as de ritual e lendas. Para Vicente Matos, presidente do Garantido, a agremiação vem reafirmar a identidade amazônida criada para o festival. “Garantido, o Boi da preservação”, vem selar, segundo o dirigente, o compromisso com a preservação e conservação da Amazônia. Desde que sistematizou suas apresentações baseadas no “verde”, em 1999, o vermelho arrematou sete dos últimos dez títulos que disputou. A julgar pelo número, a fórmula está correta. “O tema é um convite a se pensar não apenas na preservação e conservação da floresta, mas também e, especialmente, nos povos da floresta, nos caboclos e nos índios, que vêm sendo dizimados desde os tempos da invasão e da colonização da Amazônia”, afirma o presidente da Comissão de Arte, o compositor Fred Góes.

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O Garantido tem algo único, de acordo com Chico Cardoso: tradição e tecnologia. “E isso, vamos usar”, promete.

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ENTREVISTA

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Por Sebasti達o Reis Foto Cao Ferreira


UMA ILHA

DIGITAL

Q

uem vê o jovem Bi Garcia de boné, calção e sandálias de dedo no meio de operários, orientando obras de reforma e ampliação de uma escola da rede pública de ensino, dificilmente pode imaginar que está diante de um prefeito moderno e empreendedor. Suas maneiras simples contrastam com as ações criativas e ousadas da administração que comanda. Parintins é a primeira cidade digital da Amazônia e exemplo de município que investe em saúde e educação. Conhecida por ser a aldeia dos bumbás Caprichoso e Garantido, a Ilha Tupinambarana – como também é denominada - é mais do que um lugar pacato no meio da floresta, de povo alegre e hospitaleiro. As soluções engenhosas de administração pública apontam para um município de vanguarda no interior do Amazonas. Projetos inovadores voltados para educação e saúde rompem com um passado baseado praticamente na economia de extrativismo, agricultura e pecuária, e no isolamento de áreas rurais, desprovidas de quase tudo, até de estudo. Jovens nerds são incentivados hoje pela prefeitura a estudar horas seguidas, em quatro turnos, para representar o município em concursos importantes; professores são levados de volta às salas de aula, para cursos de graduação, e especialistas em diversas áreas da medicina chegam de outros Estados para orientar jornadas de cirurgias complexas, transformando vidas de muitos caboclos que enfrentavam problemas de saúde ou deformidades físicas sem perspectivas de solução. Para Bi Garcia, 42, gerir um município como Parintins, à margem direita do rio Amazonas, com mais de 100 mil habitantes e orçamento de R$ 65 milhões, exige criatividade. Nada de mais, em se tratando dessa cidade que se fez importante pelo espetáculo que proporciona e por sua história, cuja origem remonta à rainha d. Maria I, conhecida como a “Rainha Louca”. Foi ela quem deu a ilha de presente a José Pedro Cordovil, fundador da localidade, em 1796. Em entrevista à Empório, o prefeito pelo PSDB e primeiro suplente do senador Artur Virgílio Neto fala de seus projetos e das perspectivas do município. 55


O que mudou em Parintins na área de educação? Iniciamos o processo de reformulação da educação no município investindo na qualificação dos professores. São mais de 98% de professores graduados em nível superior. Investimos R$ 2,5 milhões na graduação de 330 professores, trabalho feito em parceria com a Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e UEA (Universidade do Estado do Amazonas). Pela última avaliação do MEC, Parintins é a melhor cidade em educação pública do Amazonas, em nível fundamental e médio. Hoje, nós temos 40 mil alunos em salas de aula, dos quais 21 mil da prefeitura. A evasão escolar caiu de 14% para 3%. Por que o senhor exigiu que até mesmo os funcionários públicos voltassem para as salas de aula? Os funcionários públicos analfabetos tiveram de voltar aos bancos escolares também porque precisam se aprimorar, investir em si mesmo por meio da educação e ter novas perspectivas de vida. Da mesma forma, instalamos salas de aula nos presídios públicos, para que os detentos pudessem estudar. Os resultados são impressionantes. Os presidiários se destacaram nas Olimpíadas de Matemática realizadas pela Ufam. São aproximadamente 30 presidiários estudando. Alguns que cumpriram pena continuam estudando na prisão, para não perder o ano letivo. Até o final do ano, vamos entregar mais 60 salas de aula, todas climatizadas, com arquitetura moderna. Temos uma biblioteca com acervos de livro e digital. Qual o objetivo do projeto “Jovem Doutor”? Incentivamos os melhores alunos do interior, jovens da rede estadual de ensino médio, a tomar gosto pela medicina, odontologia e enfermagem. Selecionamos 310 jovens que não tinham condições de fazer vestibular e investimos na educação deles. O resultado foi fantástico. Setenta e cinco por cento desses estudantes foram aprovados no vestibular da UEA. Estamos nos preparando para uma grande mudança, que vai acontecer até 2015, quando Parintins tornar-se-á cidade universitária do Baixo Amazonas. Nesse projeto educacional, os artistas dos bois se inserem de alguma forma? Sem dúvida. Investimos em 42 artistas de Caprichoso e Garantido e os colocamos para estudar “Expressão Visual” na UEA. Vamos pagar agora uma espe56

cialização para que eles se tornem professores e, com isso, possam transmitir conhecimentos. Eles passaram a conhecer todas as tendências das artes plásticas e do artesanato. O resultado se reflete nas próprias apresentações dos bumbás. Educação em nível superior e médio não é responsabilidade do município, mas o senhor age nessas áreas. Por quê? Faltava um compromisso abrangente do poder público com a educação. Em 40 anos, construíram apenas 12 salas de aula de alvenaria e duas escolas. Vejo a educação como uma questão de todos nós. Só para se ter uma idéia, criamos uma escola pública de inglês, espanhol e informática, fato inédito no Estado. A zona rural é beneficiada de alguma forma por essa ação administrativa? Nós temos 40 escolas na cidade e 180 na zona rural. Por aí, é possível ter uma noção da importância que damos à educação na zona rural, antes praticamente esquecida pelo poder público. Nós instalamos, em parceria com o governo do Estado, ensino médio e tecnológico em 40 comunidades na zona rural. As famílias trabalhavam com pescado e produção de farinha e não tinham condições de custear as despesas dos filhos na cidade. Hoje, temos 1,7 mil alunos estudando nessa área. O ensino é de qualidade. Como é possível afirmar que o ensino é de qualidade? Na comunidade do Moriá, por exemplo, de 20 alunos que concluíram o ensino médio, 11 passaram direto no vestibular. Os resultados comprovam que estamos adotando uma metodologia correta de ensino na zona rural. Isso é parte de um plano mais abrangente. A prefeitura trabalha também com educação profissional para o mercado de trabalho, desde 2005. Já entregamos para o mercado de trabalho mais de cinco mil jovens empreendedores. Até 2015, vamos ter sete mil alunos no ensino superior. Em 2009, teremos uma universidade de medicina em Parintins. O salário dos professores, como se sabe, está defasado em todo o país. Em Parintins, ele tem o nível de qualidade que o senhor diz existir na educação? Fazemos o que é possível dentro do nosso modesto orçamento. Para os que possuem menos qualificação, nós pagamos R$ 1,25 mil. A meta é me-


TRAZEMOS OS MELHORES MÉDICOS EM VÁRIAS ÁREAS, PARA REALIZAR CIRURGIAS PLÁSTICAS COMPLEXAS E TRANSFORMAR A VIDA DE MUITAS PESSOAS

Bi Garcia, prefeito de Parintins

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lhorar o salário do professor. Vamos iniciar estudos para premiar o mérito de professores e escolas. Como foi que a Intel descobriu Parintins no seu processo digital? Soubemos pela Embratel do interesse da Intel americana em investir numa cidade do Amazonas. Nos antecipamos. Fomos a São Paulo e fechamos um acordo. A contrapartida do município é maior do que o próprio investimento da Intel. Isso possibilitou a Parintins ser a primeira cidade do mundo a utilizar a tecnologia Wiremax, o acesso a internet banda larga sem fio. Usamos essa tecnologia também nas áreas de educação e saúde. Nós inauguramos recentemente a praça digital do Cristo, a primeira praça digital do Brasil, com sinal aberto de internet banda larga. Essa tecnologia tem nos permitido fazer videoconferência para outros lugares, como aconteceu recentemente com o meu vice, Messias Cursino, que falou ao vivo para a Malásia. A população tem algum incentivo para comprar computador e participar desse processo digital? Temos vários programas em instituições bancárias para facilitar a compra de computadores, mas nosso interesse está voltado, sobretudo, para as áreas de educação, saúde e administração. A saúde nos municípios do Amazonas é precária. Em Parintins, o que o senhor tem feito para tentar mudar essa realidade? Parintins é o único município do interior do Amazonas que tem médico anestesista. Realizamos em torno de 280 cirurgias por mês nos dois hospitais. Lançamos jornadas de cirurgias complexas. Trazemos os melhores médicos em várias áreas para realizar cirurgias plásticas, lábios leporinos, transplantes de córnea e outras operações complexas. Essa é uma ação que não existe nos hospitais públicos. Em cada jornada são atendidos 70 pacientes. Desde 2005, estamos na 23ª e operamos 1.850 pacientes. Estamos atendendo também pessoas da região do Baixo Amazonas e oeste do Pará. Essa atitude de vanguarda acabou criando um problema para o nosso município, porque vem gente de Juruti, Terra Santa e Faro, no Pará. Mas o nosso forte é a saúde preventiva, por meio de palestras nas escolas e bairros, e nas ações dos agentes comunitários de saúde, que monitoram a situação de cada morador e registram tudo em relatórios. 58

Parintins é conhecida como a cidade de Caprichoso e Garantido. Além do evento que essas agremiações proporcionam, quais são os outros investimentos em turismo? Nós temos um calendário anual de eventos. Destaco o Réveillon na praça digital, com queima de fogos no rio Amazonas. As atrações são todas locais. Temos também o Carnailha, mistura dos carnavais da Bahia e do Rio de Janeiro, com tempero local. Os blocos têm carros alegóricos e abadás, aqui chamados de tururis. Alguns blocos reúnem sete mil brincantes. Dentro desse contexto, tem o carnaval gay. Os blocos têm nomes sugestivos, como “Nós somos o que vocês já sabem”. Hoje, isso representa o fortalecimento da economia com atração de investimentos públicos e grandes empresas. Nós temos outro evento muito importante que é a festa de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Parintins, em julho. É o turismo religioso. No aniversário da cidade, 15 de outubro, realizamos o Festival de Toadas. A mudança de datas do festival folclórico, que era realizado tradicionalmente nos três últimos dias de junho, contribuiu de alguma forma para melhorar a festa? Chegamos a ser criticado quando apresentei a idéia, mas era necessário. Adequamos o festival a uma realidade mundial do turismo. Antes, era realizado nos dias 28, 29 e 30, independentemente do fim de semana. Mudamos para a última semana de junho. O acerto da medida pode ser visto pelo número de turistas que chegaram a Parintins por avião. Em 2004, entraram e saíram pelo aeroporto 3,7 mil turistas. Em 2007, 18 mil. Hoje, a cidade não fica lotada apenas nos três dias. Quinze dias antes já está repleta de gente, em virtude de termos um calendário de eventos do boi. Isso movimenta toda a economia. Construímos em parceria com o governo federal um novo porto, que recebe 26 navios de cruzeiro por ano, e o governo do Estado está fazendo uma nova pista no aeroporto, para dar suporte a tudo isso. O senhor se considera um bom samaritano, para fazer um trocadilho com o nome de um de seus projetos? Tentamos cumprir o nosso dever como administrador com mandato outorgado pelo povo. O projeto Bom Samaritano, sim, exerce esse papel, recolhendo crianças carentes e as colocando num centro educativo. A prefeitura tem muitas ações na área social, que envolve 19 creches, o festival de dança “Grito da Periferia”, o Centro do Idoso, e muitos outros.



ESTILO

Fotos Cao Ferreira

A VIDA EM


A paisagem é exuberante, estranha aos olhos e bela aos sentimentos. É como se estivéssemos em outro planeta, passeando por um território hostil, de relevo acidentado e que serve de cenário para aventureiros e filmes nonono

VIDA

PARIN-

PARINTINS


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M

istérios, lendas, mitos, gente festiva e dois bois que se enfrentam ano após ano num embate sem fim. Parintins, famosa pela magia dos bumbás Caprichoso e Garantido e pela criatividade de seu povo, parece à primeira vista mais um daqueles municípios do Amazonas aparentemente parados no tempo, com barcos emoldurando sua orla e a igreja imponente na praça principal a marcar espaço nos rincões amazônicos. Um passeio pela cidade revela outros detalhes que fogem à percepção comum. Nas janelas, os sonhadores. Nas ruas, caboclos orgulhosos. No Mercado da Francesa, a agitação do comércio e o vaivém de pessoas. Peixe assado, peixe frito, peixe fresco, peixe pra dar e vender. São restaurantes improvisados nas escadarias do mercado. Um braço de rio escondido sob a vegetação aquática guarda barcos que chegam de todas as comunidades vizinhas. Índios saterê-mawé recolhem suprimentos para levar de volta às aldeias. São tribos indígenas que preservam sua história. Na praça digital do Cristo, outra tribo, a de caboclos urbanos, conecta-se ao mundo via internet diante do rio Amazonas de águas barrentas. Essa é uma terra de povo irreverente que se diverte com tudo. Dona Pequenina é uma mulher grande e gorda; seu Terço era evangélico; Paulão é anão; o Valente apanha da mulher; o líder da oposição não sai da casa do prefeito; o Zoada não faz barulho; o Triste Vida brinca embaixo do boi; o João Novo era velho; Pelé nunca jogou bola, e Belém nasceu em Parintins. Passar uma tarde no banco da praça da catedral é um bom passatempo para quem quer ver o tempo passar. A rotina de uma cidade se descortina à frente, pegando carona de moto. Na orla da cidade, é hora de jogar o anzol. Das águas barrentas do rio Amazonas, eis que surge uma pirarara de 30 quilos, vencida após intensa batalha com o garoto Diogo, de 10 anos de idade. Ele exibe o troféu com orgulho. Comida certa para a família. No ar, uma voz inconfundível que se confunde com a própria cidade. É de David Assayag, o cantor de toadas do Garantido. Se existe uma cidade que tem voz, essa parece ser Parintins. Fim de tarde. É hora de tomar o tacacá da dona Maria.

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Um dia inesquecĂ­vel para o pequeno Diogo. Uma pirarara de 30 quilos caiu em seu anzol

Jaraquis assados na brasa abrem o apetite dos visitantes nas escadarias do tradicional Mercado da Francesa

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Num dia de chuva, a torcedora do Caprichoso exibe sua paix達o pelo bumb叩 andando de bicicleta

Poucos segundos depois, para n達o passar em branco, a torcedora do Garantido n達o deixa por menos

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Índios saterê-mawé de passagem pelo Mercado da Francesa dividem o olhar entre a TV e a modelo

“Vovozona”, uma das personagens identificadas de Parintins, faz do bom-humor seu maior tempero

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ENSAIO

AMAZONAS “Estas mulheres são muito brancas e altas e têm longos cabelos trançados na cabeça, são musculosas e andam nuas em pêlo, cobrindo suas vergonhas com os arcos e as flechas nas mãos lutando como dez índios. Na verdade, uma dessas mulheres meteu um palmo de flecha num dos barcos e outra um pouco menos, ficando nossos barcos parecendo porco-espinho”. (Frei Gaspar de Carvajal, escrivão da expedição de Francisco de Orellana ao rio Amazonas, em 1542).

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Agradecimentos Closet e Officina Peças indígenas Galeria Magia Amazônica

Fotos Mário Oliveira Styling Edinho Serrão Beleza André Fendii Produção Rodrigo Santos Modelo Ana Paula Schlickmann



O fim

maior

do inimigo das mulheres A receita para um corpo perfeito pode ficar mais fácil de ser trabalhada. Mistura-se pitadas de tecnologia com talento médico e pronto: está feito! Parece passe de mágica, mas é real. O fim da celulite e das gorduras localizadas já é possível. Mal que aflige todas as mulheres do mundo – com 90% de incidência a partir da puberdade - a celu--lite vem sendo estudada em profundidade por dermatologistas no mundo todo. No último congresso sobre a utilização de laser realizado este ano, em Orlando (EUA), foi lançada a mais nova arma contra esse mal. Uma ponteira mais potente para o thermacool, equipamento de radiofreqüência que atua na hipoderme, a camada mais profunda da pele. A novidade já está disponível em Manaus, na clínica Dra. Montaha. Aliada freqüentemente ao fator da obesidade ou da gordura localizada, a celulite causa insatisfação e faz muita gente esconder o corpo com vergonha dos furinhos que atingem, principalmente, coxas e bumbum. E é nessa área que o thermacool atua. “O thermacool não quebra gorduras, mas arruma as fibras e desfaz os pontos de celulite. E o melhor: com uma só aplicação”, explica a médica dermatologista Montaha Jasserand. Indolor e sem vermelhidão, portanto muito prático e seguro, o thermacool aumenta a produção de colágeno e fica atuando por até um ano. “Ele induz a produção de colágeno no “bloco de construção” que sustenta a estrutura da pele, que com o passar dos anos pode ter acúmulo de gordura e provocar celulite”, completa Montaha.

Já as gordurinhas são eliminadas em sessões com o ulthashape by contour, equipamento com tecnologia de ponta. Seguro e totalmente aprovado pela comunidade européia e mais de 40 mil tratamentos já realizados e aprovados ao redor do mundo, o equipamento, que pode ser utilizado em homens e mulheres, funciona por meio de ultra-som focalizado, que atinge as células de gordura com precisão, causando a redução efetiva de medidas, sem necessidade de pós-operatórios ou curativos. Outro aliado no combate à celulite é o accent, que também utiliza a radiofreqüência para o aquecimento volumétrico controlado, portanto não-ablativo e não-invasivo. Utiliza duas antenas (ponteiras) que emitem radiação eletromagnética, causando oscilação das moléculas de água e conseqüentemente a transformação da energia eletromagnética em energia térmica. O equipamento é indicado para a redução de celulite, melhora na aparência das cicatrizes, tratamento pós-lipoaspiração, tratamento de lipoma, acne e estrias e não necessita de uso de anestésicos. “Uma vida saudável e atividades físicas ajudam muito. Mas, fatalmente toda mulher terá celulite, porque faz parte da formação genética da mulher. E a tecnologia vem ajudar a vida das mulheres com equipamentos de alta tecnologia e performance. É isso que nós oferecemos em nossa clínica”, finaliza Montaha Jasserand.


Manaus - Av. Djalma Batista, 1661 - Millennium Shopping - Torre Medical - Conj. 203 - Tel.: 92 3659-3765 São Paulo - Rua Cel. Artur de Paula Ferreira, 59 - Conj. 43 - V. Nova Conceição - Tel.: 11 3841-0008




MODA


MOVIMENTE-SE

Top amarelo e roxo Sombra e รกgua fresca Top vermelho Poko Pano


BiquĂ­ni Paola Robba para Poko Pano Sunga Poko Pano



Mai么 Clube Bossa Sunga Poko Pano




Biquíni Água de Coco Maiô marfim vegetal Clube Bossa



Maiô Paola Robba para Poko Pano Sunga floral Água de Coco Sunga preta Poko Pano


Top marfim vegetal Clube Bossa Biquíni com aplicação metálica Paola Robba para Poko Pano




Top, sunga e biquíni Água de Coco

Fotos Márcio Amaral Stylist Patrícia Palhares Make-up and Hair Walmes (ABA Imagen) Modelos Karen Noremberg, Gagriele Furlan e Rick


MODA

LIBERTE-SE


Blusa Piper


Sunga Rosa Chรก Vintage


Camisa Paramount Calรงa Fause Haten Cinto TNG


Cardig達 Redley Camisa VR Short Vroom



Parka Zara Camisa Fause Haten Calรงa Mandi Cinto TNG


Palet贸 VR Camisa Calvin Klein Bermuda Redley Len莽o Acervo


Camisa Tassa


Moleton Pipe



Polo Paramount Calรงa Fause Haten Sapato Osklen


Fotos MĂĄrcio Amaral Stylist Augusto Carneiro Make-up and Hair Carlos Diniz (RJ) Modelos AndrĂŠ Muraro, Felipe Pampolini e Danilo Jurado


Terno Paul Smith para Clube Chocolate Camisa Fause Haten Gravata Maurice Plas




Por Edinho Serrão Fotos Mário Oliveira

ESTILO

maré alta 3

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1 Bermuda Reserva 2 Sungas Osklen e Blue Man 3 Boné Cantão 4 Blusa e camiseta Fause Haten 5 Boné Zoomp 6 Camiseta Zoomp 7 Tênis Osklen 8 Polo Zoomp 9 Cinto Osklen 10 Sandália Osklen 11 Pólo Ellus 12 Bermudas Osklen 110


jogo de damas 2 3

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1 Pantalona Cantão 2 Bolsão New Order

Bata Empório Belmiros 4 Colares New Order

5 Vestido Empório Belmiros 6 Bolsa New Order 7 Boné New Order 8 Sacola New Order 9 Bermuda Maíra Cruz 10 Pulseiras Maíra Azize

Sandália Empório Belmiros 111


LUXO Carlos Ferreirinha*

O luxo e a Amazônia

H

á tempos me pergunto qual o motivo de ainda não termos marcas brasileiras de prestígio mundial com o tempero do nosso mais estimado e desejado produto: Amazônia. O mundo quer acessar essa região do nosso país. O efeito que esse nome exerce em todas as pessoas e em todas as partes do mundo, é fenomenal. Imaginem cosméticos, frutas, alimentos em geral, perfumaria, acessórios... todos pegando carona na surpreendente diversidade cultural dessa região do Brasil... encantamento, sedução, curiosidade... aspectos necessários para a construção de marcas. Definitivamente, ainda temos um caminho de enormes possibilidades e oportunidades. A Amazônia da Zona Franca de Manaus e do espetacular festival de Parintins, porém, deixou de ser somente uma região de início ou final do Brasil. O desenvolvimento visto nos últimos anos, além de superar expectativas, surpreende também por se movimentar na área do consumo do luxo e premium. Restaurantes, cafeterias, incorporações imobiliárias, revistas especializadas e hotéis já planejam a abertura de operações ou há o movimento de renovação do que já existe no mercado, pautado a partir da perspectiva do luxo. Vale ainda considerar a informação divulgada pela empresa JHSF, responsável pelo admirável projeto Cidade Jardim, em São Paulo, sobre o lançamento do primeiro shopping de luxo a ser aberto na Região Norte do Brasil... Manaus. O Ariaú Amazon Towers já foi incluído na lista dos dez hotéis mais invulgares de luxo do mundo mas há também o Jungle Palace, o Anavilhanas Jungle Lodge, o Acajatuba Jungle Lodge e a Pousada Uacari. Exercícios determinantes para posicionar a Amazônia como um destino importante para o turismo de luxo no mundo. Em resposta ao crescimento internacional de turismo de aventura e ecológico, pousadas vêm surgindo em toda a região, nos últimos quatro ou cinco anos. 112

E o número de hotéis deve crescer ainda mais. O mais ambicioso é um complexo de 102 quartos que está em construção na estrada para Novo Airão, pelo grupo hoteleiro francês Accor. O empreendimento será o primeiro hotel de uma cadeia de luxo internacional, localizado efetivamente na selva; o grupo Hilton também anunciou planos para construir um complexo de lazer ecológico de 196 quartos perto de Novo Airão. Empreendimentos como esses irrigam a possibilidade de uma série de outros. Será natural o desdobramento em gastronomia, carros, residências, serviços em geral. Crescimento! E ainda temos na Amazônia a imensidão da água, favorecendo uma ilimitada oportunidade para atividades marítimas ou aquáticas. Quem sabe um dia a Amazônia abrigará uma filial da cidade aquática que está sendo inaugurada em Dubai? O rio Amazonas já está recebendo navios de luxo, como aqueles tradicionais que fazem cruzeiros no Caribe, desde o impressionante Royal Princess até o melhor navio do mundo, Seabourn Pride. Um número crescente de companhias de navegação incluiu a visita à Floresta Amazônica em roteiros que se iniciam no Caribe, nos Estados Unidos ou na Europa. Cruzeiros de luxo freqüentam a Amazônia há tempos, mas o número de visitantes tem se multiplicado. A chegada dessa classe turística é uma boa notícia para o turismo na Amazônia. Há uma percepção que o Caribe se encontra saturado. Com isso ganha o Brasil. A atividade e o consumo do luxo crescem no mundo... crescem no Brasil... e agora também crescem na Amazônia. Novos tempos!

* Diretor-presidente da MCF Consultoria & Conhecimento especializada no Negócio do Luxo e Premium – www.mcfconsultoria.com.br, com atuação no Brasil e América do Sul.



EVENTOS

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Por Anibal Beça Foto Mário Oliveira

LETRAS

Oh Pachamama,

Kah wey ah ha ha há! (Mãe-antiga eu sinto seu riso)

As curvas dos seios nossas montanhas O que verte dos mamilos nossos rios Ó praias da barra rendada da manta Cabelos folhas da floresta os fios Pachamama, eu ouço sua canção. Pachamama, eu ouço-a chamar. Mãe-antiga, eu sinto seu riso. Mãe-antiga, eu provo seu Maná Pachamama vem com a lua de agosto A espiga de ouro nos sulcos brotando No frio a chicha aquece nosso corpo O vinho doce da maniva Pachamama Pachamama mama fértil mãe-antiga Desde sempre Pachamama é quem nos dá Cipós, raízes e ervas curando tudinho Pachamama Mãe-Mulher tambatajá!

OFERENDA

A sedução se dá entranhável terra antiga no ventre da fertilidade Nas quatro estações tu vens comigo Vida de comer de beber e de gozar 116


Nono nonono

no nononono

Milhares de hectares de floresta desaparecem para dar lugar a imensos campos destinados Ă cultura da pecuĂĄria e da soja




Foto Cao Ferreira

AVENTURA

120

Por Sebasti達o Reis


Os comandantes da

Amazônia

Eles vivem nos céus amazônicos, encurtando distâncias e enfrentando perigos em áreas remotas. São raros os que não sofreram algum acidente de percurso. São os pilotos que ganham ou ganharam a vida sobrevoando a região 121


Foto Ruth Jucá

N

a solidão do espaço aéreo amazônico, voando a 12 mil pés de altitude em seu velho Piper Azteca, o comandante Aristides Queirós admira a exuberante paisagem desenhada por rios e florestas sem perder de vista o passageiro. Ele está logo ali atrás, silencioso e aparentemente inofensivo, mas a qualquer momento pode despertar e derrubar a aeronave. É um burro. Transportar esses animais em viagens de Manaus à reserva indígena do Abonari, onde fica a mineração do Pitinga, foi uma aventura ousada e desbravadora que ilustra a história dos comandantes da Amazônia. “Era estranhíssimo, eu e os burros”, conta Aristides Queirós, que durante 30 anos sobrevoou a região conhecendo lugares onde nunca antes o homem pisara. De 1959 a 1988, esse piloto pioneiro das viagens aéreas na Amazônia viveu situações inusitadas, perigosas e emocionantes. “Voei em todos os tipos de aviões, do anfíbio ao terrestre, passando pelos hidroaviões, monomotores e bimotores”. A história com os burros faz parte de um período romântico da aviação na Amazônia, em que a região começava a ser desmatada para a construção da BR-174. No início da década de 80, quando foram iniciadas as pesquisas na mina do Pìtinga, região nordeste do Amazonas, no município de Presidente Figueiredo, a 250 quilômetros de Manaus, Queirós e um amigo chamado Nei transportavam cargas para a região do Pitinga. Até barcos foram levados emborcados sobre os flutuadores. “Era preciso ter habilidade para pousar no rio, porque o barco tirava a estabilidade do avião”, lembra Queirós. 122

Pior foi ter de transportar burros, adquiridos pela empresa mineradora para substituir o transporte braçal. Eram animais de 600 quilos. Os pilotos retiravam os assentos da aeronave, com capacidade para cinco passageiros. Na primeira viagem, Nei decolou na frente. Um médico veterinário havia aplicado uma dose de anestesia de 10cc no burro, assegurando que seria suficiente para que dormisse por uma hora. Dez minutos depois, o animal despertou e tentou sair do avião de qualquer jeito, pulando e dando patadas ao vento, atingindo a fuselagem, danificando o aparelho e jogando-o de um lado ao outro. “Ouvimos os pedidos de emergência pelo rádio. O Nei tentava controlar o avião, para evitar a queda”, conta Queirós. “Ao pousar, saiu correndo para cima do médico. Queria bater nele”. Com a outra aeronave pronta para decolar, tendo um burro atrás, Queirós exigiu que o veterinário aplicasse uma dose maior de anestesia no animal,. “Transportei 14 burros. Não era nem irresponsabilidade; era entusiasmo, competência para resolver a coisa.” Não foram poucas as vezes em que se perdeu nos céus amazônicos. “Naquela época, não se tinha referência e instrumentos que pudessem dar condições de localização imediata. Só sabia, olhando.” Queirós sofreu quatro acidentes ao longo desses anos. O primeiro, em 1963, quando era instrutor. Estava com um capitão do Exército num avião conhecido como Paulistinha, fabricado pela extinta Companhia Paulista. Eles decolaram do Aeroclube de Manaus para um vôo local de treinamento. Era um teste de procedimento de emergência de pouso e decolagem com pane. Ficaram sem comando e entraram


Nós éramos obrigados a pousar na estrada de terra batida. Só os verdadeiros impetuosos sobreviviam. O piloto era um louco herói

num barranco. “Quebramos o avião todo e nos quebramos, também. Passei muito tempo sem andar direito.” Depois, sofreu outro acidente, em 1967, em Manacapuru. Transportava os engenheiros da Celetramazon quando o avião teve uma pane, perdeu o motor e bateu nas árvores. Todos sobreviveram. O terceiro acidente ocorreu no Tarumã, Zona Oeste de Manaus. Estava voando sozinho. O motor parou. Pousou na estrada. O último acidente ocorreu em 70, no município de Nova Olinda. Transportava dois prefeitos e um deputado estadual numa viagem entre Nova Olinda e Borba. A aeronave caiu no mato, mas ninguém se feriu gravemente. A aviação nas décadas de 50 e 60 era meio arco e flecha, algo intuitivo, como define o próprio piloto. Eram aviões de baixa velocidade, não existiam os jatos comerciais e ainda se iniciava a produção dos turbo hélices. Uma viagem de Manaus a Itacoatiara, que hoje duraria no máximo meia hora, demorava uma hora e trinta. A infra-estrutura era precária. Havia poucas pistas de pouso. Parintins, onde se realiza a grande festa dos bois-bumbás, não possuía aeroporto. “Nós éramos obrigados a pousar na estrada de terra batida. Só os verdadeiros impetuosos sobreviviam. O piloto era um louco herói.” Ainda não havia o computador de bordo, nem se pensava em GPS. Todos se localizavam com a ajuda da velha e eficiente bússola e com os olhos acostumados à localização de rios e florestas da região. “Não tinha essa de tentar; ou fazia ou não sabia. Hoje se sabe aonde vai chover, o dia, a hora..” Numa viagem de Manaus a Tabatinga, na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, só existia uma parada no

meio do caminho, em Tefé. Qualquer problema, a alternativa era jogar o avião na floresta ou na água. Foi enfrentando essas distâncias e dificuldades que Aristides Queirós conheceu a região e fez trabalhos em lugares remotos, como áreas de garimpo. “Voei em garimpos puxando cassiterita, diamantes e ouro.” Em alguns lugares, ele afirma ter tido a sensação de “um encontro com Deus”. “Você fica sentindo um amor pela região, se identificando com os problemas, pousando em lugares distantes, em rios, com a certeza de que por ali ninguém passou.” Garimpo, segundo o comandante, é algo irracional, tudo é improviso. “Eu era um piloto kossaco, ia atrás de lugares onde havia oportunidade”. Personagem da história da aviação na Amazônia, Queirós transportou a célebre missão do padre Caleri em sua última viagem. “Os deixei no quilômetro 126 da estrada onde hoje está a BR-174. A missão do padre Caleri era catequizar os índios waimiri-atroari, conscientizando-os sobre a importância da construção da rodovia que ligaria Manaus a Boa Vista, integrando a região ao Caribe. Tinha mulheres, padres, mateiros, uma porção de gente envolvida.” Do quilômetro 126, o grupo foi levado de helicóptero para a área conhecida como Maloca Queimada, na região do Santo Antônio do Abonari. Os contatos pelo rádio entre o grupo e a capital, Manaus, cessaram. Contratado pelo DNER para sobrevoar a região, na tentativa de verificar o que tinha acontecido, Queirós achou estranho não ver mais ninguém, nem os membros da missão, nem os índios. “Antes, os índios 123


Fotos Levinsk

acenavam e ofereciam bananas. Dessa vez, nem sinal de vida.” Era o terceiro dia. A missão havia sido eliminada a bordunas e flechadas. A imagem do corpo de padre Caleri repleto de flechas, estampada na capa dos jornais, chocou a população. O único sobrevivente foi o indigenista Álvaro. Ele percebera o clima hostil e fugiu na mesma noite, de canoa. “Os índios estavam estranhos, haviam mexido na panela e um deles jogara a comida ao chão ao ser reprimido pelo padre Caleri”, lembra Queirós, repetindo o que o próprio Álvaro lhe relatara. Outra vez, na mesma região, teve de fazer um pouso forçado numa pista de barro chamada 110. O Cessna 170B teve um cilindro estourado. Tirou a roupa e foi tomar banho no rio Abonari. Viu um bicho se mexer e saiu correndo, nu, até a aeronave. Ficou trancado durante a noite, após perceber que se tratava de uma onça “enorme”, que ficou rondando o avião, esturrando e olhando traiçoeiramente para o solitário piloto. Na manhã seguinte, o socorro chegou. A onça foi morta pelos mesmos homens que haviam se deslocado numa caminhonete para tirar Queirós daquela situação inesperada. Sobre a beleza da região amazônica, afirma que cada lugar tem uma peculiaridade. “Se você voar até Roraima, tem as savanas, a Serra do Tepequém, o Monte Roraima, os altiplanos da Venezuela. Outra região linda é a que vai de Silves a Nhamundá, passando por Parintins, na margem esquerda do rio Amazonas, numa vasta área onde teriam vivido as Amazonas.” Roraima, especialmente, é uma espécie de paraíso dos pilotos, segundo Queirós. Sobrevoar as savanas em seus 43 mil quilômetros quadrados de extensão, por exemplo, é passear por uma região de orquídeas, cavalos selvagens e belíssima cobertura vegetal. A Serra do Tepequém tem 1,5 124

mil metros de altitude, com um topo marcado por igarapés formando grandes quedas d’água. O Monte Roraima, ao Sul da Venezuela, é formado por uma série de outras montanhas e montes, os Tepuis. Aristides Queirós, 66, teve 16 aviões, foi deputado estadual, primeiro vice-prefeito de Manaus e prefeito de Silves. Agora, candidata-se mais uma vez ao cargo em Silves, município localizado a 350 quilômetros de Manaus. É nesse local que mantém o paradisíaco hotel “Pousada dos Guanavenas”, prêmio internacional de arquitetura. Olhando para trás, com certo saudosismo, o piloto aposentado sente-se realizado por ter contemplado, segundo ele, a passagem entre dois séculos e a transformação da Amazônia. Trabalhou na construção da Transamazônica, da BR-319 e da BR-174. “Tive a oportunidade de conhecer do avião simples ao moderno e também de assistir, com tristeza, ao avanço do processo de desmatamento”, analisa Queirós. Segundo ele, a situação da Amazônia é preocupante. ”Se não preservarem esse amor pela região, vamos perder tudo. A Amazônia não será mais a Amazônia sem floresta”, acredita. “Ver um caminhão cheio de toras de madeira é como ver teu braço cortado.”


Da lanchonete aos

céus da

Foto Ruth Jucá

Amazônia

De tanto ouvir histórias fascinantes de loucos pilotos de garimpos da Amazônia que desafiavam a morte em troca de ouro, o jovem Claiton Sérgio de Souza decidiu mudar seus planos. “Ah! Que nada de estudar para ser veterinário! Vou ser é piloto de garimpo.” Funcionário de uma lanchonete do pequeno aeroporto de Marabá (PA), no sul do Pará, Claiton gostava quando chegavam os fins de tarde e os pilotos se reuniam para conversar sobre as aventuras no garimpo de Serra Pelada, a 85 quilômetros em linha reta da sede do município. Enquanto servia sanduíches e bebidas, ficava atento às histórias, “umas mais loucas do que as outras”. Nessa época, a vida em Serra Pelada era intensa. Descoberto em 1980, o garimpo atraiu gente de todo o país. Aeronaves pousavam e decolavam transportando sonhos e frustrações, e muito ouro, claro. “Meu avô era dono de garimpo em Serra Pelada”, conta. Depois de fazer cursos de pilotagem em Goiânia e em São Carlos, o jovem começou a voar para os garimpos. O sonho da fortuna fácil em Serra Pelada ficara para trás. A fonte aurífera esgotara-se pouco a pouco, dando lugar a um enorme buraco onde antes homens se amontoavam como num formigueiro. Baiano Formiga, garimpo em Roraima, foi o destino de suas primeiras viagens. “A pista tinha 450 metros de extensão. Chegava a um certo ponto em que não dava mais para arremeter, porque havia morros na frente. A solução era tentar parar na pista ou quebrar o avião.” Claiton fez alguns pousos forçados, de barriga ou sem o cilindro, estourado, mas conseguiu driblar o perigo. “Voar na Amazônia é uma aventura. Não temos apoio de navegação,

nem áreas de emergência, como estradas e fazendas”. Outro ponto negativo, de acordo com o piloto, é a previsão de tempo precária. “Passamos do verão ao inverno em duas horas.” Dizer que piloto não sente medo, é mentira, admite, lembrando de um dos momentos difíceis de sua profissão, quando voava em céu de brigadeiro e foi surpreendido por uma mudança repentina de tempo. Coisas da Amazônia. Uma chuva que começara fraca foi aumentando de intensidade, até se transformar num temporal. “Não tinha o que fazer. O temporal foi levando o avião para cima, até chegar a 12 mil pés de altitude.” Sem radar, o piloto se guiou pela coloração das nuvens e temperatura do termômetro, para saber onde estava indo, se para o centro ou para fora do temporal. Atrás, os três passageiros estavam mudos, sem esboçar qualquer reação. Foram eternos 20 minutos de agonia. “Quando vimos o sol, foi um alívio”. Depois do pouso, um dos passageiros, senhor de idade, ficou mais de dez minutos imóvel no assento da aeronave. “Tivemos de retirá-lo de lá.” Sobrevoar o Pico da Neblina, no norte do Amazonas, é um daqueles momentos inesquecíveis, segundo Claiton. Com 2.993,78 metros de altitude, o Pico da Neblina é o ponto mais alto do Brasil. “Gravitar sobre ele é como estar no paraíso. É um platô côncavo, feito uma bacia. Venta muito e o reflexo do sol faz cintilar cristais.” Para um piloto que vive nos céus amazônicos, todo cuidado é pouco. Há histórias de tragédias incomuns, como a de um colega que pousou a aeronave na região do Abonari e, ao se encaminhar a uma gruta para beber água, foi comido por uma onça. Pedaços do corpo foram encontrados espalhados pelo caminho. 125


Foto Cao Ferreira

Uma viagem com

estranhas

coincidências

Um, dois, três, quatro, cinco passageiros mortos num só dia. Essa estranha coincidência aconteceu com Donovane Corrêa Mota, 50, um dos experientes pilotos da Amazônia. Ele passou mais de 24 horas transportando defuntos, um após o outro, numa seqüência que a certa altura parecia interminável, pela coincidência de chegar aos aeroportos e já encontrar alguém pedindo que ele levasse um parente ou amigo morto a determinado lugar no Pará. Cansado e intrigado, decidiu: “Parei, o próximo pode ser eu”. Eram os anos 80, no auge da febre dos garimpos da Amazônia. Mota trabalhava para a empresa Mamoal Mineração, no Pará. Estava de folga num sábado, em Santarém, quando o telefone tocou. Era Nazaré, dona do garimpo Mamoal, querendo que ele se deslocasse até o local, a duas 126

horas dali, para transportar a Santarém o corpo do sobrinho que acabara de ser morto com vários tiros. O rapaz era chefe de contagem na mineração, trabalho de responsabilidade, além de extremamente perigoso. Naquele dia, fizera sua obrigaçãoi normalmente pesando o ouro na balança ao lado da pista do aeroporto. Depois, pegou a carga e se dirigiu para a aeronave. No meio do caminho, foi surpreendido por homens armados que o mataram e levaram todo o ouro. Era o primeiro e, aparentemente, único “passageiro” do dia naquele sábado. Quem dera. “Meu sábado foi assassinado. “Peguei o corpo do rapaz no garimpo com destino a Santarém e escala em Itaituba para reabastecimento.” Em Itaituba, apareceram mais dois corpos que não estavam previstos. Agora, eram três passageiros mortos, três caixões no lugar dos assentos. “E eu, sozinho”, conta o piloto, com a ressalva de que “morto não faz mal a ninguém”. Em Santarém, deixou dois corpos e despachou o outro para Belém. Mas, quando tudo parecia resolvido, apareceu outro morto em Santarém. Dessa vez, o destino era Terra Santa, também no Pará. Terminar a viagem numa cidade chamada Terra Santa parecia o local certo. Pernoitou por lá mesmo. Na manhã seguinte, surgiu o quinto morto. Levou-o a Santarém, onde enfim pôde descansar em paz. A vida de Donovane Mota é marcada por histórias incríveis. Num de seus primeiros vôos, foi surpreendido ao pousar na pista do garimpo do Goiano, em Itaituba, e verificar que o terreno havia sido mexido. O avião entrou com a roda da frente no buraco e pilonou (“embicou”). A carga de


Foto Ruth Jucá

óleo diesel e arroz que estava atrás, foi toda para a frente, imprensando-o contra o painel. Foram oito minutos de agonia, com o óleo diesel vazando perigosamente. Num dos momentos mais tensos, voava de Itaituba para São Francisco, no Pará, quando começou a chover. Todas as pistas foram fechadas. Dentro da aeronave, um amigo e 500 quilos de carne. Como o tempo passava perigosamente, tentou pousar nas pistas dos garimpos Santa Júlia e São Domingos, mas ambas também estavam fechadas. Voltou para São Francisco. Ao olhar para o painel, Mota viu que o ponteiro do combustível estava vibrando e que o aparelho começara a fazer um barulho estranho. Decidiu pousar ao contrário, pelo outro lado da pista, que parecia uma rampa, tendo ao fundo uma laje de 50 a 80 metros e uma casa. O pouso foi perfeito, mas o freio esquerdo estourou. “Vi as pedras se aproximando e me imaginei lá, todo arrebentado”, lembra. De repente, tudo escureceu. Ao despertar, estava num hospital, com um ferimento na cabeça e um dedo do pé fora do lugar. O avião praticamente acabara. As asas ficaram paralelas à fuselagem. A casa ao lado da laje era um depósito de gás. A aeronave parou a dois metros dos botijões de gás. O amigo saiu ileso. Outro momento incrível, segundo ele, envolveu o resgate de um colega. Os dois pilotavam aviões diferentes, de Marupá para Itaituba. “O avião dele estava embaixo e o meu, em cima. De repente, ele falou que o motor estava parando e que ia tentar pousar no rio. Só vi quando entrou direto na selva e sumiu.”

Após parar sua aeronave na pista do garimpo União, Mota se enfiou na mata para resgatar o colega. “Quando cheguei lá, ele estava sentado no que restara do avião. Eu sofri mais ferimentos andando pelo mato do que ele.” Dois amigos de Mota também viveram uma situação parecida, mas o resultado foi tão surpreendente que ele gosta de contar. Em Itaituba, não havia contato pelo rádio entre os pilotos de garimpo. Era tudo mesmo no visual. Xerife e Lioto, pilotos lendários dos garimpos da Amazônia, se preparavam para aterrissar. Os dois faziam o tráfego de forma tão coordenada que um não viu o outro. Xerife estava em cima, num Cessna 216, e Lioto embaixo, num Cessna 210. Ao pousar, Lioto estava taxiando com sua aeronave quando viu o trem de pouso da outra aeronave varar sobre sua cabeça. Xerife acabara de pousar com seu avião sobre o dele. A foto desse momento surpreendente da aviação na Amazônia encontra-se até hoje pendurada no hall do hotel Santa Rita, em Itaituba. Apesar de tudo, valeu a pena. “Ganhei muito dinheiro nos garimpos. Quando não me pagavam em espécie, convertiam em ouro. Nunca vi tanto ouro em minha vida como em Boa Vista.” Enumerar os amigos que se perderam nessa louca aventura em busca de ouro e dinheiro, não é fácil. Em dois anos, o piloto afirma que, somente em Roraima, nove de seus colegas perderam a vida voando em região de garimpos. Mesmo assim, continua voando, agora como piloto de uma empresa comercial. 127




TURISMO

Por Sebastião Reis Fotos Antonio Iaccovazo

Uma viagem de 400 milhões de anos

A

primeira impressão remete à infância. Estamos diante da caverna do Fantasma, imponente e misteriosa com seu incrível formato de caveira, como a morada do herói de histórias em quadrinho. Em frente, numa pequena pedra próxima à queda d’água, uma fenda feita provavelmente pela ação de caçadores para amolar lanças seria sinal de habitações anteriores à idade do metal e da fibra vegetal. Eles ficariam ali, naquela entrada do labirinto de túneis, à espreita de animais que se abrigavam no Refúgio do Maroaga. É o início de uma viagem de 400 milhões de anos por uma região de cavernas e grutas esculpidas pela regressão das águas dos mares silurianos que cobriam grande parte da Amazônia. Esse sítio espeleológico (cavernas) encontra-se no município de Presidente Figueiredo, a 107 quilômetros ao norte de Manaus, na BR-174, que liga a capital do Amazonas à Venezuela e ao Caribe. É uma região rica em florestas, sítios arqueológicos e minerais, marcada por uma falha geológica que vai do Km 9 ao Km 130, paralelo à BR-174. É nesse ponto de falhas que estão as águas surgentes, que jorram do subsolo formado por rochas areníticas desprovidas de sal. São, provavelmente, as águas mais puras do mundo, segundo o geólogo Fred Cruz, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). “O que impregna as águas é o conteúdo mineral existente no subsolo, incluindo os sais minerais”, afirma. São águas azuis, cristalinas, quase destiladas, com apenas 12% de resíduos. “Quem beber essa água nunca vai ter problemas de cálculo renal, porque nela não há sais em suspensão”, garante Cruz. O Refúgio do Maroaga encontra-se numa região de fratura, por onde a água penetra no arenito. O nome é uma homenagem ao cacique waimiri-atroari que, segundo contam, teria se escondido ali com 300 homens de sua tribo, na década de 70, fugindo de militares que abriam frentes na selva. “Eu dei esse nome em 1983, quando um mateiro descobriu o local”, lembra Fred Cruz. “Foi encontrado na entrada da caverna um aplique arqueológico em forma de amolador, provavelmente dos

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A fenda marcada na pedra em frente à caverna do Maroaga seria anterior à idade do metal

A queda d’água sobre a pedra em estilo de

ameríndios, e por falta de um termo mais adequado, preferimos homenagear o chefe indígena dos índios atuais da região, no caso o Maroaga.” O subsolo do município de Figueiredo é de origem marinha, de idade Siluriano/Devoniano (período geológico do surgimento dos primeiros peixes de cartilagem), rico em palinofósseis (fósseis vegetais), que permitem datar o solo arenítico. A caverna não tem 400 milhões de anos, mas sim o arenito, datado por meio do comparativo da evolução dos fósseis vegetais. “Ela deve ter de cinco a 10 milhões de anos”, calcula o geólogo. A caverna deve ter se formado no período pós-glaciação, o Pleistoceno, etapa considerada mais importante da evolução humana, por suas transformações climáticas. Foi nesse período que o gelo derreteu na Amazônia e o nível das águas subiu, a rocha fraturou e um corredor foi criado, originando a caverna. Atualmente, a água dentro dos túneis escuros não chega a meio metro, mas já alcançou o teto (12 metros de altura). Sua dinâmica no regresso dos mares forçou a rocha, formando passagens e depressões. Cientificamente está constatado, de acordo com Fred Cruz, que toda formação de caverna e gruta que lembra um “U” inverso, como uma abóboda, decorre da ação da dinâmica das águas. O que diferencia as cavernas de Figueiredo das de outras partes do mundo é que elas são formadas em rochas tipo arenito, e não de calcário, como a maioria. Nelas, não há formação de estalactite e estalagnite. Fechada desde 2002, em virtude da não-aprovação do plano de manejo pelo Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas (CecavIbama), a caverna Refúgio do Maroaga só pode ser visitada com a permissão da Prefeitura de Presidente Figueiredo, e na companhia de um guia. Mas, essa proibição é constantemente desrespeitada. O local tem sido visitado com freqüência por pessoas que param o carro na estrada e se embrenham na mata, sem serem incomodadas. Em função da falta de fiscalização, é possível ver impressões nas paredes da galeria feitas com o simples propósito de marcar presença ou prestar uma 134


mesa de ritual forma um belo cenário

Filhotes de galo da serra flagrados no teto da gruta da Judéia num momento raro

singela declaração de amor. Não são poucos também os que chegam em grupos para fazer churrasco e dormir em acampamentos no interior da cavidade. “Está havendo um grande prejuízo ao município pela degradação daquele ambiente natural único”, acredita Fred Cruz. “Hoje, pelos estudos preliminares de capacidade de carga, ela não suportaria uma visitação de mais de 300 pessoas por dia, em grupos de 15.” “O Refúgio do Maroaga possui vários sítios arqueológicos em sua volta e dezenas de grutas, o que permite destacar que essa região deve ser transformada no primeiro Geoparque do Amazonas”, sugere o geólogo. Figueiredo está a 84 metros acima do nível do mar. O Refúgio do Maroaga localiza-se num paredão de 18 metros de altura, do qual desce uma queda d’água, como um imenso chuveiro natural, até uma pedra, lembrando uma mesa de ritual. A entrada tem uma largura de 8,5 metros e altura de 8,1 metros, medidas que variam em seu interior, chegando em alguns pontos a 20 metros de largura e 12 metros de altura. O comprimento é de 400 metros. Entretanto, se forem acrescentadas as entradas secundárias, essa medida chega a mais de 540 metros. Da estrada até a caverna, são 2,2 mil metros de caminhada, inicialmente numa mata alterada pelo homem e, na medida em que se desce, a vegetação vai se tornando mais densa. Dentro da galeria, com a água tocando os calcanhares sobre um solo de pedras minúsculas, encontra-se um ecossistema independente com transição trófica (alimentar), numa cadeia alimentar com o meio externo envolvendo morcegos, mamíferos roedores, anfíbios (sapos e pererecas), jacaré, peixes cegos, invertebrados (grilos, aranhas, amblipígeos), galo da serra e o próprio homem. O guia Edílson Navarro nos tira da escuridão absoluta naquele emaranhado de túneis ao acionar sua lanterna. Morcegos frugíveros, que se alimentam de frutas, e insetíveros, que comem insetos, passam rente a nossas cabeças. Um jacaré pedra, animal que sempre vive sorrateiramente nos lugares mais escuros, para surpreender suas presas, escapa no meio do labirinto. Segui-lo? Para quê? Não vamos cutucar jacaré com vara curta. 135



A mil metros dali encontra-se um conjunto de pequenas grutas, destacando-se a da Judéia, caracterizada por uma queda d’água acima de 20 metros de altura, possibilitando a formação de um relevo que lembra uma marmita acumulando águas avermelhadas. Foi ali, num ninho no alto da gruta, que encontramos dois filhotes do galo da serra, cena rara. Ao lado da Judéia, é possível deparar com uma depressão no arenito que forma uma espécie de cânion. “São formas de relevo de grande valor paisagístico, que precisam ser preservadas para todas as gerações”, diz Fred Cruz. Espacialmente, a região em volta do Maroaga registra a presença de dezenas de formas de relevo, alguns intactos, outros fortemente erodidos, possibilitando a existência de cenários naturais incomparáveis quando associados à floresta amazônica. É o caso, por exemplo, do conjunto de grutas do igarapé do Lages. Localizado no Km 113, no cruzamento da BR-174 com o igarapé do Lages, é caracterizado por várias formas de erosão marcadas por antigas passagens de corpos d’águas que se chocaram com o paredão rochoso de arenito, formando grutas, caminhos entre as pedras, depressões, jardins, tudo num ambiente de magia e encantamento aos nossos olhos, que sugerem uma viagem ao passado remoto. A mudança de cenário da paisagem urbana, na beira da estrada, para as grutas do igarapé do Lages, é chocante. A sensação é de descortinar o tempo na medida em que se avança pelo mato e chega-se a um jardim, após ultrapassar um buraco entre as pedras. Folhas caídas pelo chão, árvores frondosas, depressões na rocha, passagens estreitas, silêncio, solidão. Há outro caminho mais fácil para se chegar lá, pela entrada do igarapé das Lages, mas a emoção não é a mesma. Há uma casa que parece estranha ao ambiente. As rochas areníticas existentes no município de Presidente Figueiredo foram datadas do período Siluriano/Devoniano, formadas há 400 milhões de anos, época do surgimento dos primeiros insetos, dos peixes de cartilagem, dos pequenos vegetais marinhos, dos anfíbios mais antigos, ambiente muito anterior à separação dos continentes da América e da África, a Pangea. Estivemos lá, milhões de anos depois.

Potencial turístico O potencial turístico do município de Presidente Figueiredo é caracterizado tanto por atrativos naturais quanto culturais. Dentre os atrativos naturais, destacam-se as cachoeiras, corredeiras, quedas d’água, saltos, cavernas, grutas, igarapés, a própria vegetação e a beleza exuberante, em virtude do rico patrimônio da flora e fauna. Sobre a fauna, deve se lembrar que aquele ambiente é sugestivo para a prática de observação de pássaros, dado a presença no município dos pássaros galo da serra, uirapuru e o beija-flor brilho de fogo. Por outro lado, os ambientes naturais geológicos são alvos para a prática do geo-turismo.

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Fotos Ruth Jucá

ARTE

Rito de Passagem Q uando se fala em balé aéreo, a primeira impressão que se tem é a de uma esquadrilha de aviões fazendo acrobacias no ar. Mas nem só de aviões vive o espetáculo nas alturas. O grupo Índios.Com - Cia. de Dança invade a cena com Rito de Passagem. No lugar de aeronaves, corpos que voam. O espetáculo é apresentado numa linguagem universal, embora tenha como base a questão regional. A técnica é complicada e fascinante, como mostra Yara Costa, amazonense, fundadora, diretora e coreógrafa do grupo Índios.Com. Ela se formou em engenharia, mas escolheu a dança como área de atuação. Para criar Rito de Passagem, Yara mergulhou nas transformações da mulher indígena e, ao mesmo tempo, “de todas as mulheres, que vivem mutações, cada uma no próprio e único tempo, umas mais lentas, outras mais rápidas, porém imersas num processo rico para observações do corpo e da mente feminina”. São os ciclos da vida refletidos na mulher como pêndulo de equilíbrio, aquela que chora e se deixa levar pela emoção. O espetáculo mostra exatamente isso, o ser que gera a vida, sustenta e semeia o futuro da humanidade, como quem se mantém suspenso entrelaçado em cordas, criando o espetáculo da existência. Serão oito apresentações até o fim da temporada, duas das quais já realizadas, em Manaus e Boa Vista, como contrapartida pelo prêmio Klaus Viana de Dança, da Funarte, conquistado pela companhia. “Queria muito fazer um trabalho diferenciado, um balé aéreo com cordas”, diz Yara, ex-atleta de ginástica rítmica, que se inspirou num grupo dos Estados Unidos chamado Banda Loop. Profissional da dança, cursando mestrado em Portugal em Performance Artística, e com pósgraduação em dança na Universidade Federal da Bahia, Yara retornou de Lisboa em 2006 para fazer pesquisa de campo. Escolheu as danças da tribo baniwa. O resultado desse trabalho está em Rito de Passagem. Para se especializar nessa área, fez um curso de rapel. “Precisava explorar esse suporte para a dança”, justifica. O grupo busca, em suas coreografias, manter uma relação entre dança, esporte e circo.

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LETRAS

Ajuricaba,

mito ou realidade? Márcio Souza*

A

juricaba existiu realmente, foi homem de carne e osso, amou sua mulher e teve filhos com ela. Entrou para a lenda pelos seus feitos heróicos. Em 1720 os portugueses começaram a falar do tuxaua Ajuricaba, a maior personalidade indígena da história da Amazônia. Dizem que na Amazônia possuímos fraca memória, e mesmo muitos heróis, a despeito de farta documentação e provas, mergulharam para sempre num injusto, ou justo, esquecimento. O tuxaua Ajuricaba, no entanto, de cuja existência se guarda apenas um gesto suicida que bem comprova o desespero vivido pelos índios desde a chegada do branco na área, conseguiu uma façanha póstuma. Permaneceu vivo na lembrança de um povo quase sempre disperso pela geografia, onde mesmo o conhecimento do passado lhe é negado por uma historiografia preconceituosa. Ajuricaba, símbolo e afirmação da resistência regional, tornou-se mesmo figura da toponímia e substantivo próprio na Amazônia. Pouco se sabe de Ajuricaba, o homem. Como manaú, grupo aruaque hoje extinto, ele viveu na margem esquerda do rio Amazonas e pertencia ao grupo cultural de maior prestígio político nesta verdadeira província de aculturação que era o rio Negro. Conta a tradição que os manaú, depois de muita resistência, sob a liderança do sábio tuxaua Caboquena, acabaram por se deixar pacificar e se aldeiaram em torno do forte de São José da Barra do Rio Negro (Manaus). No início do século XVIII morre Caboquena em meio a grande consternação, pois os manaú perdiam um líder de superior envergadura que tinha sabido conduzir da melhor maneira o contato com os invasores. Torna-se tuxaua seu filho mais velho, Huiuebéne, um homem corrompido, mal visto pelo seu povo por manter íntimas relações com os portugueses e caçadores de escravos. Huiuebéne era pai de Ajuricaba, mas este, já homem feito, não se relacionava bem com o pai. Pe144

los depoimentos dos contemporâneos, Ajuricaba mostrava-se um jovem bastante imbuído de seus deveres tribais. As relações de Ajuricaba com o pai seriam rompidas definitivamente quando Huiuebéne firmou com os portugueses uma aliança, obrigando os guerreiros manaú a acompanhar caçadores de escravos em expedições contra outros povos. Ajuricaba sai de sua maloca e começa a organizar os manaú e outros grupos aruaques contra a liderança de Huiuebéne, agora considerado um traidor. Em 1723, Huiuebéne é assassinado pelos portugueses e Ajuricaba, sabendo do ocorrido, retorna à maloca e assume o posto de tuxaua, entre grande regozijo. Começava a trajetória que o iriam imortalizar. Naquele mesmo ano dá-se o primeiro embate entre portugueses e manaú, saindo Ajuricaba vitorioso. O que enfureceria mais os portugueses era o fato dos manaú e aliados estarem usando, além das armas tradicionais, arcabuzes e pistolas. Enquanto Ajuricaba consegue vitórias, pondo em perigo o


domínio português, procura ampliar seu raio de ação, recebendo adesões de outros povos e pondo em armas um grande número de guerreiros. Os holandeses, interessados em afastar os portugueses e estender o seu território colonial até o rio Negro, intrometem-se na guerra. Mostram-se amigos, cedem armas, ensinam a utilizar os armamentos, mas não conseguem a aliança que desejam ter com o orgulhoso tuxaua. O rei de Portugal, temeroso de uma ocupação holandesa no rio Negro, ordena uma expedição punitiva para acabar com Ajuricaba. A ordem chega a Belém mas não é imediatamente seguida. A junta de governo do Pará, convocada pelo governador Maia da Gama, discute a declaração de guerra mas é convencida a procurar meios pacíficos. Um relatório de 1727 revela alguns detalhes das tentativas de pacificação realizadas por um missionário jesuíta. Ajuricaba era de fato o senhor do rio Negro, nenhum branco ousava penetrar ali impunemente. O jesuíta não foi bem recebido pelo tuxaua e considerou Ajuricaba um “infiel, orgulhoso e insolente homem que se auto proclama governador de todas as nações”. Foi esse padre que encontrou Ajuricaba viajando numa ubá onde tremulava uma bandeira holandesa. O jesuíta convenceu o tuxaua a trocar por um pavilhão lusitano, o que de certo não foi difícil de conseguir, já que para Ajuricaba aqueles pedaços de pano não tinham nenhum significado. Com o insucesso da missão do jesuíta, a expedição punitiva foi posta em ação. A tropa levantou ferros do porto de Belém em 1728, comandada por Belchior Mendes de Morais e pelo capitão João Paes do Amaral. As missões jesuítas forneceram um grande número de carregadores e guerreiros indígenas já aculturados. O ano de 1728 seria um dos muitos anos negros para os povos do Vale do rio Negro. A bem armada tropa de soldados começava a tarefa de reprimir uma insurreição indígena, enfrentando os temíveis guerreiros de Ajuricaba (aiuricuau, do nheengatú: ajuri - reunião; caua marimbondos de ferroadas dolorosas). Belchior Mendes de Morais executaria sua missão com o desvelo necessário que um guerra por El Rei de Portugal exigia. Ele entraria pelo rio Urubu, hoje de lúgubre memória, subiria o rio arrasando a ferro e fogo cerca de trezentas malocas, de onde não escapariam velhos, doentes, mulheres, crianças e xerimbabos. Completando o massacre das populações que davam apoio estratégico ao líder Ajuricaba, os portugueses concentrariam seus esforços no Médio e Alto rio Negro, afligindo com poderosos bombardeios e fuzilaria, as

populações pacíficas que habitavam vilarejos de domesticados e até mesmo grupos de povoações nas imediações de Mariuá, missão carmelita que daria origem à cidade de Barcelos, primeira capital amazonense. Além do esforço de guerra, das chacinas, das emboscadas, dos fuzilamentos, das torturas, do assassinato de líderes indígenas, os invasores trariam uma série de mazelas, como a gripe, a varíola, o sarampo e doenças venéreas, mazelas que agiriam como aliadas providenciais. Quando a ousadia de Ajuricaba foi inteiramente reprimida, os cálculos oficiais registrariam o desaparecimento de 40 mil índios das mais diversas tribos, inclusive a completa dispersão e extinção final dos próprios manaú. Ajuricaba resistiria bravamente mas não conseguiria superar a desproporção bélica dos portugueses. Cercado na região denominada de Azabary, sua prisão foi assim contada: “Tinha sido resolvido que primeiramente eles (os soldados) - relata o governador Maia da Gama - procurariam o bárbaro, o infiel Ajuricaba. Nossa gente o localizou em sua aldeia, mas ele organizou uma defesa antes de se completar o cerco. Depois de tiros de uma peça de artilharia que nossos homens para ali tinham levado, ele decidiu abandonar a aldeia e escapar, seguido de alguns outros chefes... Nossos homens o perseguiram e o procuraram nos dias precedentes pelas aldeias de seus aliados. O bárbaro e infiel líder Ajuricaba e mais seis ou sete chefes menores seus aliados foram trazidos junto com ele. Quarenta desses serão tomados em pagamento pelas despesas feita por Vossa Majestade nesta guerra, e trinta para o fundo de taxa real.” Aprisionado, Ajuricaba deveria seguir para Belém, onde receberia uma punição, possivelmente degredo ou a escravidão. Mas o guerreiro não se entregaria facilmente: “Quando Ajuricaba estava vindo como prisioneiro para a cidade de Belém, - prossegue o governador Maia da Gama e ainda estava navegando no rio, eles e outros homens levantaram-se na canoa onde estavam sendo conduzidos agrilhoados e tentaram matar os soldados. Estes sacaram de suas armas, feriram alguns deles e mataram outros. Então, Ajuricaba saltou da canoa para a água com um outro chefe e jamais reapareceu vivo ou morto. Deixando de lado o sentimento pela perdição de sua alma, ele nos fez uma grande gentileza, libertando-nos dos temores de sermos obrigados a guardá-lo”. O povo amazônico se encarregou de guardar Ajuricaba no coração.

* Márcio Souza é escritor, roteirista de cinema, dramaturgo e diretor de teatro e ópera 145


Foto Euzivaldo Queiroz

AMBIENTE

Os inimigos da Amazônia estão aqui Virgílio Viana*

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m infeliz artigo publicado no jornal The New York Times realimentou um fantasma que nos persegue há bastante tempo: o risco da internacionalização da Amazônia. Um dos poucos brasileiros que tinha a coragem de apontar para o equívoco dessa “iminente ameaça à nossa soberania” era o saudoso senador Jefferson Péres, cuja perda causou enorme prejuízo ao debate de temas de interesse nacional. Sinto-me no dever de manter acesa a chama do bom senso sobre esse tema. Não creio que exista uma conspiração em curso com o objetivo de internacionalizar a Amazônia. A lógica é simples: os alegados interesses econômicos de outros países não precisam de tropas ou domínio estrangeiro para usufruir as riquezas da região. Basta ver o setor de mineração, com forte domínio de multinacionais, que lavram nossas riquezas à luz do dia, amparadas pela lei, em todo o território nacional, incluindo a Amazônia. Recentemente uma licitação colocou nas mãos de um consórcio internacional a responsabilidade sobre a hidroelétrica do Jirau, que terá importância estratégica para a região e o país. Poderíamos falar sobre a participação estrangeira em setores estratégicos como telecomunicações etc... Tudo isto sem a necessidade de nenhuma “invasão” ou “domínio” de outros países. Alguns enganos são realimentados pela imprensa e servem para nutrir o debate sobre a “internacionalização”, que deveria ser periférico na discussão sobre o futuro da Amazônia. A frase atribuida a Al Gore não foi dita por ele, mas sim por um congressista norte-americano de pequena expressão. Os cadernos escolares americanos com o mapa da Amazônia excluida do Brasil nunca existiram de fato e foram montados por um site na internet. Existem muitos outros enganos repetidos de forma equivocada. O cerne da “questão amazônica” é outro e mais incômodo: os inimigos da Amazônia estão aqui mesmo, dentro do nosso país. Na sua quase absoluta totalidade, quem desmata são brasileiros, quem produz e compra madeira ilegal são brasileiros, quem planta soja são brasileiros, quem promove a grilagem de

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terras são brasileiros e quem assassina líderes dos movimentos sociais são também brasileiros. A ação do poder público, salvo raras exceções, tem sido insuficiente para reverter esse quadro. Infelizmente, esta é a dura realidade. Para o bem e para o mal. A solução inclui três componentes principais. Primeiro, precisamos de um projeto nacional para a Amazônia, que explicite o óbvio: desmatar é contra o interesse nacional. Das florestas amazônicas depende a chuva que irriga a agropecuária e abastece as hidroelétricas e as cidades em quase todo o Brasil. Soma-se a isto o potencial socioeconômico de produtos florestais, obtidos sob regime de manejo sustentável. Segundo, precisamos de políticas públicas eficazes e na escala correta. Sabemos como promover o desenvolvimento sustentável na região. Existem muitos exemplos de sucesso que precisam apenas ganhar escala. Faltam investimentos públicos e gestão eficiente. Terceiro, precisamos envolver a sociedade civil, universidades e o setor privado numa grande cruzada em prol da sustentabilidade do desenvolvimento da Amazônia. Devemos combinar os conhecimentos tradicional e científico, a criatividade e o empreendedorismo brasileiros a favor de um projeto nacional de sustentabilidade para a região. Buscar vilões estrangeiros é mais cômodo e simples, mas não irá resolver o cerne do problema. O problema está aqui, na nossa cara. De nada adianta satanizar organizações não-governamentais que, no geral, são positivas. Dificultar a participação de estrangeiros no desenvolvimento científico e tecnológico da região? Burrice. Deveríamos, ao contrário, fomentar parcerias e a cooperação inteligente. Ao invés de optarmos por uma posição retranqueira e isolacionista, deveríamos ser proativos e, por exemplo, lutar pela instituição de mecanismos de pagamento por serviços ambientais para remunerar as populações que vivem na floresta. Obviamente, reposicionar o debate sobre a soberania da Amazônia não significa que devamos negligenciar os interesses e movimentos de outros países na região. Temos que estar alertas. Felizmente, os militares representam o que há de melhor em termos de presença do Estado na região, ao desempenharem com competência sua função de guardiões de nossas fronteiras. Identificar os inimigos certos e nossas metas estratégicas é essencial para vencermos a batalha pela defesa da Amazônia. Nosso desafio é cuidar bem da sustentabilidade da Amazônia. Com competência e seriedade. Esta é a melhor arma para defendermos os interesses estratégicos e a soberania do Brasil na região.


* Virgílio Viana é diretor-geral da Fundação Amazonas Sustentável 147


Por Natรกlia Freire Fotos Tales Azzi

DESTINO

A magia lunar

do Atacama


A paisagem é exuberante, estranha aos olhos e bela aos sentimentos. É como se estivéssemos em outro planeta, passeando por um território hostil, de relevo acidentado e que serve de cenário para aventureiros e filmes. Estamos no Vale da Lua, no Deserto do Atacama, Chile


A

ntes de embarcarmos nessa viagem, quero apresentá-lo ao altiplano chileno. Ao pisar nas terras agrestes do país vizinho, o corpo e a mente mudam. Por isso, prepara-se para uma experiência extremamente sensorial. Localizado ao Norte do Chile, com cerca de 200 quilômetros de extensão, o deserto do Atacama é o mais alto e árido do planeta (chegou a registrar, em alguns pontos, 400 anos sem sinais de chuva). Os baixos índices pluviométricos se explicam pela presença de altíssimas cordilheiras nos arredores que, como paredes, impedem a entrada de correntes do Pacífico. O resultado é um clima instável, com temperaturas entre -35ºC (nos pontos mais altos e à noite) e 40ºC (nas par tes mais baixas, durante o dia). Mas, a despeito das condições inóspitas, as paisagens são belíssimas (tanto que o Atacama já foi escolhido para ser cenário de grandes produções cinematográficas, como “De volta para o futuro”, “Diário de motocicletas” e, mais recentemente, do novo “007”). Além de planícies avermelhadas e tórridas, pode-se ver neve no topo de vulcões, lagoas verdes repletas de flamingos e canyons com água cristalina. O céu é um espetáculo de raro encanto. Sem nuvens, os tons de azul realçam no horizonte agreste. E ao escurecer, as estrelas invadem o espaço límpido, iluminando o vazio terreno e evidenciando a pequenez humana. O vento, combinado ao cheiro de solo seco, faz a experiência ainda mais marcante.

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Viver no deserto é que se torna difícil. Em função das adversidades, poucas cidades e vilas se estabeleceram ali. A mais conhecida se chama San Pedro do Atacama. Os fundamentos de San Pedro datam 12 mil anos. O povoado emergiu quando caçadores nômades, já dominando incipientes técnicas de cultivo, estabeleceram-se na região. Seu povo e tradições culturais descendem dos incas, aymaras e atacamenhos. O museu Del Padre Lê Paige, bem no centro da vila, mostra o legado deixado por eles, preciosidades arqueológicas como cerâmicas, instrumentos de caça e múmias com milhares de anos. Mas, San Pedro não é famosa só pelos achados históricos. Com pouco mais de 3 mil habitantes, a pequenina cidade abriga os visitantes do deserto. Graças a uma infra-estrutura de hotéis e pousadas, se tornou ponto de encontro de mochileiros, fotógrafos, pesquisadores, aventureiros, enfim, viajantes do mundo inteiro. Com construções de adobe (um tipo de tijolo de barro que mantém a temperatura agradável), o lugar parece um povoado do “velho oeste”. As ruas mais afastadas descansam sob a sombra de árvores desér ticas com o caule retorcido, e estão cercadas por encantadoras cercas talhadas. À noite, quando os viajantes regressam dos passeios, a vila se agita mais, com bares e restaurantes funcionando até 1h. A população é simpática e receptiva, pois vive basicamente do turismo.




“Sentinela”, escultura gigante feita pela erosão na entrada do Salar de Tara

Depois de ambientados, vamos à aventura. No Atacama, existem mais de 30 opções de excursões. Para três dias de estada, escolhemos cinco entre as mais badaladas. Logo ao chegar, não é interessante sair deserto afora. É bom primeiro se acostumar com a altitude para evitar mal-estar. Aconselhamos, pela manhã, um rápido passeio pela cidade de San Pedro, a fim de se familiarizar com as pessoas e comprar algo que sempre falta na mala. Protetor solar e óculos escuros são indispensáveis. Máquina fotográfica, nem precisa falar. A visita ao museu Padre Lê Paige - que guarda um dos maiores acervos da cultura pré-colombiana no Chile - é obrigatória, bem como um passeio pela feirinha de artesanato. De xales coloridos a pratos em bronze, há mais de mil opções de souvenir. Na segunda metade do dia, já dá para botar o pé na estrada. Acompanhados de um experiente guia, partimos para a Cordilheira do Sal, um dos lugares mais impressionantes para se conhecer de início, já que, de lá, dá para ter uma noção geral do deserto, avistando-se vulcões e imensas planícies vermelhas e esbranquiçadas. Chegamos ao Vale da Lua, que tem esse nome por parecer com a superfície lunar. Há muitas crateras e nenhuma forma de vida. É o lugar mais seco do Atacama, com apenas 2% de umidade. Graças ao ar límpido, é possível ver morros a até 400 quilômetros de distância, fenômeno que explica as tão faladas

“miragens” (ao caminhar pelo deserto, o viajante enxerga paisagens aparentemente próximas, mas que nunca alcança). Mais alguns minutos de carro e tivemos o primeiro contato visual com uma imensa duna de areia. De toda parte chegam visitantes que, de bicicleta ou a pé, se unem a nós para observar a exuberância da natureza. Fotos e palavras não são suficientes para explicar a sensação de ver o infinito dourado ao alcance dos olhos. Também fomos ao Vale da Morte, que tem esse nome por ter sido um dos locais de maior extermínio de nativos. Nosso dia se encerra em um canyon com vista para o mais belo pôr-do-sol. Um lanche leve, com amêndoas e frutas cristalizadas, repõe as energias perdidas nas horas de caminhada. No segundo dia de nossa aventura, fomos ao encontro das belas lagoas do Atacama. A viagem é longa e a altitude causa desconforto, dor no ouvido e nariz. Geralmente masca-se folha de coca para diminuir a dor na cabeça. Já no caminho, o cenário começa a mudar. Há mais plantas e animais. Cruzamos com cabras, jumentos, vicunhas (um tipo de veado) e zorros (espécie de raposa). As pajas bravas e breas (vegetação agreste) também dão um colorido diferente à região. Depois de passarmos por um redemoinho, avistamos uma estação do “Alma”, ambicioso projeto astronômico onde 64 rádio-telescópios coletam sinais provenientes de corpos celestes, ou seja, buscam contato com 153


A íncrivel paisagem do gêiser El Tatio, a cinco mil metros de altitude

extraterrestres. O Atacama é um dos pontos estratégicos do programa internacional. Finalmente chegamos a Miscanti, a maior laguna do deserto. São 15 km² de superfície esverdeada e um visual recompensador. Quem pode imaginar que no meio de um cenário agreste há tamanha quantidade de água cristalina? A formação se deu pelo degelo dos vulcões que cercam a área. Não há peixes ou qualquer outro animal na lagoa, apenas microalgas e crustáceos resistentes a baixas temperaturas. Passamos por outras lagunas até parar para o almoço. Uma base de atendimento turístico serve refeições caseiras para os visitantes. A comida chilena é deliciosa, à base de quínoa, milho e batata. Entre as bebidas, além do famoso vinho Carbenet Sauvignon, indicamos experimentar o delicioso pisco. A próxima parada foi no grande Salar, uma área formada por quilômetros de depósito de sais. Ali está a maior reserva mundial de lítio, além de ter potássio, nitrato e magnésio. Outro espetáculo é a presença de elegantes flamingos. Na reserva, são mais de 700 divididos em três espécies. Eles e outros pássaros de menor porte se alimentam dos microorganismos presentes nas lagunas. No caminho de volta para o hotel, visitamos uma típica família atacamenha. Santos Tejerina, de 19 anos, nos recebe amavelmente em sua casa, onde mora com os pais e mais quatro irmãos. Chama-nos a atenção um imenso forno artesanal do lado de fora. Ali, se faz a comida doméstica. Luz elétrica não há.Todos 154

vivem do pequeno salário do pai, que trabalha no Salar, extraindo minerais, e da agricultura de subsistência. “Gostaria de viver em um lugar melhor, talvez na costa do Chile. Plantar não é futuro, mal dá para a gente se alimentar”, queixa-se Terejina. No dia seguinte, às quatro horas da manhã já estávamos todos de pé. Deixamos para o último dia o passeio que exige melhor preparo físico. Nada de café da manhã. O recomendado é apenas um chá de coca. Afinal de contas, iríamos enfrentar três horas de carro até o gêiser El Tatio, a mais de cinco mil metros de altura. Gêiser é um fenômeno de ebulição da água que ocorre em poucos lugares do mundo. Quando a água subterrânea que se encontra nas fissuras e lençóis freáticos entra em contato com rochas quentes e lava vulcânica, vai se aquecendo gradativamente até ser expelida em forma de fortes jatos para o alto. Um espetáculo único. Depois de enfrentarmos caminhos tortuosos, chegamos ao Tatio ainda antes de clarear. O frio é intenso, menos de 12°C. Mas o show de luzes e cores torna, sem dúvida, aquele um dos mais incríveis passeios do Atacama. É simplesmente incrível! Pensamos: “Deus existe mesmo”. Descemos a montanha em busca de um balneário de águas termais. Dizem que as águas do Atacama já curaram inúmeras pessoas de problemas como pedras nos rins e fadiga. Ficamos ao menos uma hora mergulhando naquelas piscinas naturais. Revigorante.



Sombra e água fresca

Situado a 15 minutos da rua principal de San Pedro, o hotel spa dispõe de 32 acomodações e generosos espaços de estar que dialogam com um excepcional paisagismo. As paredes são de adobe e o teto é vazado para entrar iluminação natural. Móbiles minimalistas combinados a velas, tapetes de pele, almofadas e mantas artesanais dão um toque rústico e, ao mesmo tempo, moderno aos ambientes. Na área externa, há uma piscina e uma jacuzzi com vista para o vulcão Licancabur. Já na parte interna do spa, uma piscina coberta oferece jatos d’água e camas de borbulhas. O pacote para se hospedar no Tierra Atacama durante quatro dias com todas as refeições inclusas custa a partir de US$ 1.255 por pessoa. O serviço de spa é cobrado separadamente, com opções a partir de US$ 30.

Roteiro da viagem

Depois de curtir as excursões pelo altiplano, é possível relaxar e cuidar da beleza em um spa inusitado. Inaugurado no início do ano, o Tierra Atacama Hotel propõe inúmeros atrativos, como suítes aconchegantes, piscinas aquecidas, excelente comida e tratamentos para o corpo e a mente. Quem pensaria em montar um spa no deserto? Certo dia, um grupo de amigos que adora aventura (um empresário do ramo hoteleiro e dois arquitetos) se perdeu ao explorar o famoso vulcão Licancabur. A quilômetros de altura, feridos e no limite da sobrevivência, já esperavam pelo pior. Mas, a sorte estava do lado deles. Acabaram por se reencontrar no acampamento-base e seguiram sem maiores problemas para a cidade. Foi aí que - como forma de agradecimento por estarem vivos – os amigos decidiram comprar aquelas terras no entorno do vulcão. Os três chegaram a visitar a propriedade em várias ocasiões, mas só depois de alguns anos, após comprar a parte dos dois arquitetos, o empresário Miguel Purcell resolveu investir naquela área agrícola abandonada. Com novos sócios, deu início ao projeto Tierra Atacama. “San Pedro nos pareceu um bom lugar para diversificar os negócios. Aqui há turistas todo o ano, pois tem uma beleza cênica única”, justifica o empresário.

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Para chegar ao deserto é preciso entrar no Chile, via Santiago, a capital. São quatro horas de viagem partindo de São Paulo em vôo da Swiss Air, que oferece passagens por até US$ 637 em classe econômica. No aeroporto de Santiago você pega outro avião para Calama, a maior cidade do Atacama, o que custa cerca de US$ 207 pela Air Comet. Em Calama, geralmente, um carro o estará esperando para leva-lo até San Pedro, onde estão os hotéis e de onde partem as excursões.



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