REDE CINECLUBES
GUIA BÁSICO DE FUNCIONAMENTO
BREVE HISTÓRICO DO CINECLUBISMO NO BRASIL
As primeiras experiências cineclubistas do Brasil ocorreram em 1917, no Rio de Janeiro, onde um grupo de amigos conhecido como Grupo Paredão se reunia para ver e conversar sobre os filmes que assistiam nos cinemas Íris e Pátria. O nome do grupo se deve ao grande muro de pedra que separa a Baía de Guanabara da Avenida Beira-Mar, local onde se estendiam as conversas sobre os filmes. Destes encontros, surgiram os primeiros textos sobre cinema publicados no país. Outra forte referência é o Chaplin Club, fundado em 1928, que é considerado por muitos como o primeiro cineclube do Brasil, por ter sido pioneiro em manter um fluxo de exibição contínuo e possuir um estatuto coerente com suas atividades. Desde então, surgiram inúmeros cineclubes pelo país e muitos deles foram responsáveis por formar críticos e cineastas, já que as escolas de cinema demoraram a surgir no Brasil. Durante o período da ditadura militar, muitos destes cineclubes foram perseguidos e tiveram que manter exibições clandestinas, provando que governos totalitários sempre consideraram um risco o que os cineclubes são capazes de produzir: cidadãos pensantes e ativos. O CNC – Conselho Nacional de Cineclubes foi fundado no Brasil em 1961 e reorganizado em 2001. Segundo dados coletados pela entidade, em 2013, o Brasil possuía 1.370 cineclubes em atividade. Este número pode ser considerado pequeno perto das dimensões continentais do país, mas torna-se muito significativo se pensarmos que o Brasil possui apenas 2.833 salas comerciais de cinema (dados de 2015 do OCA – Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual / ANCINE). Apenas 10% dos municípios brasileiros possuem salas de cinema. Se consideramos as cidades com menos de 100.000 habitantes, este percentual cai para 7%. Portanto, o fato de que 90% das cidades do país não possuem sequer uma sala de cinema reafirma a relevância e capilaridade que vias alternativas de exibição como os cineclubes se constituem, sobretudo no interior do país, onde os aparelhos de cultura são bem inferiores aos presentes nas capitais.
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POR QUE MONTAR UM CINECLUBE? “O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe” Gilberto Gil
Fazer pontes entre a arte e o público é tão importante quanto a própria produção artística. Por isso, as pessoas que criam e mantém um cineclube tem um papel cultural em suas comunidades e áreas de atuação. Apresentar para as pessoas filmes que elas não tem acesso no circuito comercial de cinema e televisão é uma missão árdua, mas muito gratificante. O circuito comercial de salas de exibição está dominado por filmes de uma mesma natureza: grandes produções de Hollywood, os chamados blockbusters (conhecidos também como “arrasa quarteirão”); encenados por atores conhecidos mundialmente; comédias românticas, filmes de ação, onde carros são explodidos e o herói luta contra todos; comédias nacionais estreladas pelos novos rostos do stand up comedy brasileiro e novelas filmadas com os mesmos atores que vemos na TV todos os dias. Estes mesmos filmes são os que, mais tarde, chegam às telas das emissoras de TV aberta ou fechada. Poucas são as possibilidades de se romper esta programação viciada. Portanto, os cineclubes surgem como canais alternativos de distribuição que, por não ter compromissos de natureza comercial, podem apresentar para o público conteúdos, ideias e histórias que as pessoas nem sabem que existem. E, sem dúvidas, isso é capaz de interferir na formação intelectual e ampliar o repertório cultural de todos aqueles que participam de iniciativas como esta. O cineclubismo constrói e articula espaços que são ideais para filmes alternativos, do chamado cinema de arte ou cinema de autor. Em geral, estes filmes são carentes de recursos, mas ricos de ideias e conceitos. É também um canal favorável para a exibição de filmes brasileiros. Atualmente, vigora no país o sistema de COTA DE TELA, que é um mecanismo regulatório que assegura uma reserva de mercado para o produto nacional em salas de cinema, numa tentativa de preservá-lo da concorrência muitas vezes desleal de produtos estrangeiros. Isso garante uma porcentagem mínima de dias de exibição para filmes nacionais em cada sala de cinema (atualmente, a cota prevê 28 dias por ano). Essa iniciativa amplia o acesso do público e incentiva a diversidade dos filmes que entram em cartaz, mas ainda não é suficiente para fazer com que o cinema nacional coexista em igualdade de condições com as superproduções estrangeiras. Por isso, os cineclubes são tão importantes, já que podem atenuar essa situação, ajudando a formar público para os filmes produzidos no país e contribuindo também para a liberdade de escolha. 2
O AUDIOVISUAL PARA UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL É inegável o poder que o audiovisual tem de formar opinião e influenciar no imaginário das pessoas, ditando tendências, comportamentos e estilos de vida. Como os cineclubes possibilitam a escolha de programas livres das amarras do circuito comercial, eles possibilitam que as pessoas assistam e conversem coletivamente sobre filmes que dificilmente chegam em salas comerciais ou na televisão, aproximandoas das singularidades, diferenças e multiplicidades de visões de mundo, conceitos muito importantes para o preparo de cidadãos livres e independentes. A realidade contemporânea nos apresenta um mundo impregnado de conteúdos audiovisuais. Diariamente, independentemente de nossas vontades, esses conteúdos penetram nossas vidas nos trazendo mensagens explícitas e implícitas capazes de interferir na construção da nossa visão de mundo. Por isso, faz-se necessário pensar as relações entre audiovisual e a educação integral. No mundo de hoje, o processo de ver, analisar e discutir produtos audiovisuais é parte fundamental na formação dos indivíduos e pode se revelar uma iniciativa transformadora. Essa prática permite não somente formar o olhar e preparar novas plateias compostas por espectadores mais conscientes, mas também formar indivíduos que possuam visão crítica do mundo e estejam mais bem preparados para ler e interpretar o mundo contemporâneo. Portanto, acreditamos que a prática cineclubista é um caminho que contribui para a formação integral dos indivíduos, preparando-os para os desafios do século XXI.
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COMO MONTAR SEU CINECLUBE?
EQUIPE Reúna pessoas que tenham os mesmos interesses que você: assistir bons filmes e conversar sobre eles. É fundamental ter no grupo agitadores culturais, gente que tem a capacidade de sacudir a escola, a comunidade, o bairro e incentivar as pessoas a participarem e se envolverem com as atividades do grupo. Sem isso, a iniciativa não decola. O ideal é trabalhar de forma colaborativa, dividindo tarefas e sem hierarquização. Assim, será possível compartilhar responsabilidades e funções, pensando sempre em favor do coletivo.
LUGAR Sem dúvida alguma, sua escola é o local ideal para abrigar o Cineclube Escola Animada. Escolha um espaço fixo que possibilite a realização das exibições, criando nos participantes o hábito de frequentar as sessões em um mesmo local. Nada impede que, eventualmente, o Cineclube promova sessões em outros lugares, como o pátio da escola, praças públicas, associações comunitárias, muros e paredes da escola e outras instituições da sua comunidade, mas a concentração em um único espaço é importante para que as pessoas se acostumem a frequentá-lo e a conversar sobre os filmes que viram ali. A constância das exibições também ajuda a fidelizar o público frequentador. Portanto, procure programar as sessões em dias e horários fixos, para que as pessoas memorizem isso e criem o hábito de frequentar o cineclube naquele momento.
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OS EQUIPAMENTOS Cada cineclube integrante da Rede Escola Animada recebe um kit contendo equipamentos capazes de transformar as sessões em agradáveis momentos de reflexão e lazer. Cuide bem deles e preocupe-se com a manutenção para que possam durar muito e proporcionar debates memoráveis!
CURADORIA Os filmes são a alma e razão de existência de todo cineclube. Sem eles, nada acontece. Mas quais filmes devemos mostrar? Todo cineclube deve ter a preocupação de formar o olhar dos espectadores e isso se faz apresentando a eles filmes que não estão acostumados a ver, mas que são capazes de surpreendê-los e fazê-los refletir sobre as ideias e conceitos presentes na história. De nada adianta exibir em um cineclube filmes que estão disponíveis no circuito comercial e salas de exibição ou que chegam rápido na televisão, locadoras ou internet. Estes conteúdos podem ser facilmente vistos no cinema ou na TV e sua sessão será apenas uma mais das várias que cada espectador pode ter de determinada obra. Devemos fazer exatamente o caminho contrário, buscando filmes que o espectador não está acostumado a ver e que podem lhe apresentar universos, caminhos e linguagens completamente diferentes do que ele normalmente consome. Aí, sim, sua sessão será inesquecível! Lembre-se sempre que a melhor coisa que uma pessoa pode fazer por outra é inspirá-la e que a segunda melhor é surpreendê-la! Agindo assim, seu cineclube contribuirá para criação de plateias mais conscientes e para a formação crítica dos indivíduos que o frequentam, libertandoos do consumo de massa e preparando-os melhor para o exercício da cidadania. Podem apostar que atitudes simples como estas são capazes de influenciar em muito a comunidade em que seu cineclube está inserido. 5
DIVULGAÇÃO E MOBILIZAÇÃO De nada adianta, armar toda uma cena para ver e debater filmes e não contar com público na hora da sessão. Portanto, divulgue seu cineclube de todas as formas que você puder. E valem todas as ferramentas para isso: colar cartazes nos murais da escola; visitas rápidas às salas de aula para convidar os alunos; anúncios de divulgação em rádios comunitárias ou no sistema de áudio da escola; espalhar cartazes em lugares estratégicos como pontos de ônibus, mercearias e bibliotecas; redes sociais; aplicativos como grupos de whatsapp e até mesmo anúncios em igrejas ou cultos. Divulgue as informações essenciais da sessão, como local, data, horário, nome do filme, duração, gênero e uma pequena sinopse (resumo do filme). Use tudo que seja capaz de ajudar a atrair a atenção das pessoas e trazê-las para a sessão.
ADESÃO Para envolver os participantes do cineclube de forma profunda nas ações do grupo, vale a pena implementar estratégias de filiação de caráter mais sistematizado, como confeccionar uma carteirinha de identificação para cada um dos membros do grupo. Isso ajuda a criar compromisso com as atividades do cineclube, no engajamento do grupo e facilita a liberação da entrada na escola de todos os participantes das sessões. Além de proporcionar o acesso a outros cineclubes pertencentes à Rede Escola Animada.
BATE-PAPO APÓS AS SESSÕES Em todo cineclube, o filme não acaba quando sobem os créditos. Conversar sobre a obra e os impactos dela no público é parte fundamental do processo. É isso que faz toda a diferença: assistir e conversar coletivamente. Para tornar os debates ainda mais interessantes, traga convidados especiais para comentar as sessões, que podem ser professores, mestres da comunidade, especialistas em determinados temas, pessoas afetadas ou envolvidas por aspectos presentes no filme, etc... Isso enriquecerá o processo de análise das obras e transcendência das discussões. 6
REGISTRO É muito importante registrar as ações do cineclube. Isso parte de informações básicas como registro de presença e número de espectadores. O cruzamento destes dados com a programação do cineclube permite identificar o tipo de filme e as datas que mais atraíram a presença do público, sendo um importante instrumento para se pensar o rumo da programação oferecida e nortear as escolhas da curadoria. Também é importante fazer o registro fotográfico das sessões para construir a memória do grupo e possibilitar a confeccção de Relatórios de Exibição, contendo título do filme, duração, horário da sessão, número de espectadores presentes e fotos do encontro. Esse instrumento ajuda na consolidação do cineclube e sua legitimação perante os autores que cedem filmes para serem exibidos e também frente à comunidade em que está inserido.
REGRAS DE FUNCIONAMENTO DO GRUPO Apesar de ser extremamente estimulante, o convívio coletivo nem sempre é fácil. Procure dialogar muito com todos os participantes e entender as intenções e interesses de cada um. Assim, será possível coincidir desejos e reunir forças que façam o grupo crescer como um todo. Conflitos, problemas disciplinares ou questões de segurança devem ser avaliados e resolvidos pelo próprio coletivo. Recomendamos que situações de exceção devam ser administradas pelo coletivo em conjunto com a direção da escola onde o cineclube estiver instalado.
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ONDE CONSEGUIR OS FILMES?
Não tenha medo de fazer corpo a corpo com diretores de filmes. Diante das dificuldades de inserção no viciado circuito comercial de exibição, tudo que eles querem é que seus filmes sejam vistos pelo maior número possível de pessoas. Se você explicar a natureza das suas sessões e do público que a frequenta, é bem possível que ganhe DVD´s ou links para baixar os filmes e exibi-los em seu cineclube. Navegue também pelo site da Programadora Brasil (www. programadorabrasil.org.br). Lá, você encontrará um grande acervo de filmes brasileiros, disponibilizados em pacotes a preços subsidiados para cineclubes, centros culturais e pontos alternativos de exibição. Além disso, é possível ler online todo o catálogo da Programadora Brasil, que pode se constituir em uma preciosa ferramenta de pesquisa sobre filmes brasileiros. Alguns sites de compartilhamento de vídeos, como Youtube e Vimeo, já possibilitam ao realizador disponibilizar sua obra com a licença Creative Commons, de forma que o filme pode ser baixado sem necessidade de pagamento de direitos de exibição. Para isso, você precisará utilizar algum aplicativo que faça download dos vídeos disponíveis nestes sites. Para conseguir isso, acesse as aulas da Fase 2 do Percurso Formativo no PROAR e aprenda como executar esta ação (proar.escolaanimada.org. br/saladeaula/aula/182-2-3-nos-digitais). Vale a pena pesquisar os conteúdos disponíveis no site do projeto Vídeo nas Aldeias (www.videonasaldeias.org.br), que disponibiliza gratuitamente os filmes produzidos por eles, todos realizados por indígenas. Confira também os vídeos do portal Porta Curtas (www.portacurtas.org. br). Além de disponibilizar filmes por streamming, muitos deles vem acompanhados de um parecer pedagógico que auxilia a utilização deste conteúdo em sala de aula. Neste mesmo portal, você poderá navegar também pelo projeto Curta na Escola, que possui mais de 500 filmes classificados de acordo com as disciplinas escolares: www.portacurtas. org.br/curtanaescola.
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O site do ESCOLA ANIMADA já disponibiliza filmes e conteúdos audiovisuais que podem ser exibidos no seu cineclube. Você encontrará estes materiais na plataforma PROAR: www.proar.escolaanimada.org. br/cineclube. Por fim, como o Projeto Escola Animada Rede Cineclubes está integrado às ações do Polo Audiovisual da Zona da Mata de Minas Gerais, em breve os filmes realizados na área de atuação do Polo serão disponibilizados para exibição nos cineclubes. Da mesma forma, o Polo reunirá filmes das mais variadas fontes (realizadores, produtores, entidades não governamentais) provenientes de todos os cantos do país, que constituirão acervo a ser disponibilizado para exibição pelos cineclubes que compõem a rede do Escola Animada. Pronto. Agora, é só arregaçar as mangas. Boas sessões!
Escola Animada – Rede Cineclubes Instituto Fábrica do Futuro
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www.escolaanimada.org.br escolaanimada@fabricadofuturo.org.br