COLETIVOS / MIXMAG BRASIL # 4

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Coletivos

Revoluç

silenciosa Um coletivo é a ideia de um grupo de pessoas com vocações variadas, geralmente relacionadas à arte, que se engaja em comunidades pouco hierarquizadas para fornecer serviços a quem tiver interesse. Usando a tecnologia como instrumento principal, esses grupos de amigos vêm desbravando espaço precioso no mercado de criação, soprando ares novos num campo dominado por empresas viciadas em sistemas obsoletos e ideias desinteressantes. A revolução dos coletivos não faz tanto barulho, mas é eficaz - e pode estar acontecendo na sua esquina. 48 abril/maio 2010

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era yuppie se foi e são poucos os que hoje sonham em trabalhar de terno e gravata todos os dias, cumprindo uma rotina exaustiva em uma carreira corporativa. Os jovens cada vez mais querem trabalhar com criação. O desejo é ter horários mais flexíveis, desenvolver talentos, trabalhar entre amigos e criar algo diferente que renda alguma grana. A informação está disponível para todos. Os meios então, nem se fala. Em tempos 2.0, um computador ligado à internet, alguns contatos e uma boa ideia na cabeça resolvem boa parte dos problemas. Pensando nisso, nada mais natural do que a explosão de coletivos de arte, que juntam amigos talentosos e formam uma célula de criação completa e nada complexa. Esses grupos costumam juntar artistas de várias funções: fotógrafos, designers, estilistas, arquitetos, jornalistas, DJs, produtores musicais... Tudo é válido. Os artistas se complementam em diversas funções e abrem o leque de atuação do coletivo o tempo todo. Geralmente eles não têm escritórios fixos. No máximo, um estúdio onde juntam tudo - o local para fazer reuniões, ensaios

fotográficos, discutir novos projetos, ensaios de bandas - se esse for o caso - e, por que não, festas com a equipe, que num coletivo de verdade é sempre formada por amigos próximos. Todo mundo trabalha de casa. Independente, mas sem perder o sentido de união. Cada vez mais respeitados por empresas grandes e “caretas”, os coletivos hoje em dia abocanham projetos grandiosos de empresas ávidas em se comunicar melhor com o seu consumidor. Em outros casos, prestam serviços a eles mesmos, acumulando todas as etapas do processo: da ideia inicial até a venda ao cliente final. Nessa categoria, se encaixam, por exemplo, os coletivos que trabalham com bandas. Muitas vezes, as mesmas pessoas que tocam na banda também atuam no coletivo, se autoempresariando, vendendo shows, produzindo o disco, bolando o marketing, atualizando o blog ou o MySpace do grupo, etc. Tudo feito sem prestar contas ao mainstream. Chris Anderson, guru em tecnologia e como ela muda o modo como interagimos com o mundo, autor dos livros Cauda Longa e Free (referências em novas tendências de negócios) e editor-chefe da revista

americana Wired, fala um pouco disso numa ótima matéria publicada na edição de fevereiro deste ano sobre o que ele batizou de uma “Nova Revolução Industrial”. Trata-se de uma mudança no modo de trabalho na qual a relação empresa-empregado não faz mais parte. Parceria é a palavra-chave, junto com boas sacadas e um tantão de esforço e trabalho duro. As palavras a seguir são dele: “a fábrica, os investidores, os trabalhadores - obsoleto. Na era do faça-você-mesmo tudo o que você precisa é de uma garagem e uma ótima ideia”. A Mixmag acredita que esse tipo de pensamento e atitude são a base de um futuro promissor que caminha cada vez mais rápido em nossa direção. Assim, nossa equipe se espalhou para procurar e escarafunchar alguns coletivos interessantes que existem em terras brasilienses. Nosso intuito foi descobrir quais são as motivações e pensamentos daqueles que fizeram do grupo independente o seu ganha pão. Se essas páginas encorajarem alguma pessoa a se livrar do chefe para apostar num caminho diferente, trabalhando com amigos e fazendo o que gosta, nossa missão estará cumprida. É a nossa contribuição por um mundo mais interessante. www.mixmag.com.br


Coletivos “Cada um tem seu talento, todos compartilham ideias, mas respeitar o próximo é o mais importante”

ão Supressão do ego Te x t o A n g e l I n o u e Fotos Divulgação

OEstudio criou uma maneira nova e criativa de pensar no design como expressão de ideais

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OEstudio talvez tenha sido o pioneiro entre os coletivos de arte. Tão pioneiro que nem se intitulava “coletivo” e sim um clube de negócios. Os sócios iniciais não se preocupavam muito com títulos quando criaram a marca. Mas receberam vários deles. Todos eles são focados em design, mas dentro do grupo há um economista, uma cineasta, um fashion designer... Quando recém-formados, eles se mandaram para a Itália e sua devoção ao design seduziu automaticamente os jovens cariocas. O grupo começou quando Nina Gaul conheceu o japonês Nobuyuki Ogata. Depois vieram os dois irmãos dela, Anne e Peter Gaul, e o designer Fabrício DaCosta. Foi na fábrica da Benetton, dentro do celeiro de ideias de Oliviero Toscani, na Itália, que eles resolveram trabalhar juntos, da sua maneira. Com o tempo, Christine Castro e Jackie de Botton também foram devidamente agregados a equipe. “Para nós, isso de trabalhar sozinho não existe”, conta Fabrício DaCosta, que hoje mora em Florianópolis e trabalha com Pesquisa de Desenvolvimento na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. O início nunca é fácil. Fabrício explica que “todo designer, assim como todo criador, tem seu ego muito aguçado”. Então, resolveram criar uma marca, “para controlar os egos”, diz o designer por telefone. Foi no ano de 2003 que o grupo começou a participar do Fashion Business (uma feira de negócios de moda www.mixmag.com.br

carioca que acontecia antes mesmo do Fashion Rio existir). A partir daí, sentiram o poder da moda em expressar suas ideias, sua criatividade – se comunicando com muitos através de algumas peças de roupas. “O legal da moda é que ela encanta muito fácil as pessoas”, explica. Hoje, eles têm uma loja própria em Ipanema e foram os criadores do uniforme do Brasil para os jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro em 2007. O uniforme lançou tendência no mundo dos esportes. Até então eram sempre lisos e caretas. A turma desenvolveu uma técnica de impressão digital, que deu um efeito tye-dye totalmente high tech. Fabrício é uma espécie de porta-voz de OEstúdio, é o mais eloquente e comunicativo da turma. “Sou o mais chato”, brinca. Diferentemente de Nina e Nobu, ele não trabalhou na Benetton, mas é formado em design e fez mestrado em Milão. Atualmente o coletivo contribui para o curso “Fashion Techology” na Universidade de Florença, na Itália, desenvolvendo tecidos tecnológicos e inteligentes. “É a moda cada vez mais sensorial”, diz ele. No dia em que falou com a Mixmag, estava de malas prontas para a África do Sul, onde ele e sua turma vão participar do desenvolvimento do estande do Brasil na Copa do Mundo, junto com Gringo Cardia. Ele nos conta que a principal característica dentro da “organização” OEstudio é o respeito. “Cada um tem seu talento, todos compartilham ideias, mas respeitar o próximo é o mais importante. Isso faz parte da filosofia do grupo em não ter hierarquia entre nós, ninguém é chefe e todo mundo opina, cria, tem uma posição igual aqui dentro”, completa. Além de roupas, design e loja, o grupo quer mudar o mundo. Começando pelo sistema educacional atual, cada vez mais obsoleto e desinteressante aos olhos dessa garotada conectada. “Nós fomos a última geração analógica”, afirma ele, do alto de seus 33 anos. “Estamos trabalhando para que as aulas sejam mais interativas e conectadas com o mundo em que as crianças vivem fora da escola.” Idealistas? Talvez sim. Mas eles são do tipo que tenta transformar o que acredita em realidade.

Como? Incluindo socialmente pessoas que geralmente são esquecidas por grandes empresas e também ensinando através de workshops o beabá das técnicas e negócios. Isso incentiva a autonomia criativa e financeira de seu (quem sabe?) futuro negócio. “Sempre nos apresentamos no SPFW para chamar a atenção para alguma causa. E fazemos todo mundo trabalhar junto”, enfatiza Fabrício. Por outro lado, eles prestam serviços diversos de design para empresas renomadas, como Fiat, Osklen, Isabela Capeto, In Brands, Vivo e C&A. Em seus workshops e palestras pelas universidades Brasil afora, a turma sempre prega uma maior transparência do conhecimento, tentando ensinar as pessoas uma maior autonomia. “OEstudio funciona como um trampolim para as pessoas e marcas seguirem seus próprios caminhos”, completa Fabrício. Talvez o maior feito da turma seja unir arte e ciência – da melhor maneira possível.

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Do Abstrato para o Real Te x t o A n g e l I n o u e F o t o s D i v u l g a ç ã o

Dois coletivos diferentes com ideias similares: confeccionar e vender seus próprios produtos artesanais

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OAtAlho

A t A l h o é um coletivo independente de Curitiba que reúne talentos variados moda, fotografia, audiovisual, etc. - e trabalha com projetos culturais. “No começo a ideia era ‘vamos fazer o que gostamos’, envolver nossos amigos artistas, transformar nossas ideias em projetos e prospectar clientes que podem embarcar nestes projetos com a gente”, diz André Azevedo, ilustrador e membro do grupo, que tem entre seus clientes a Audi, Alfa Romeo, Forum, O Boticário e a banda Copacabana Club, que estourou no mercado nacional recentemente. Em menos de 3 anos no mercado, já fizeram trabalhos significativos entre eventos de moda, exposições de arte, desfiles e videoclipes. E o volume de trabalho cresce a cada dia. André Azevedo e a atriz Karla Fragoso são quem gerenciam, criam e correm atrás de trabalhos para o restante da turma, composta pelos arquitetos Guilherme Sant’Ana e Felipe Potenza, o fotógrafo Antônio Wolff, o Estúdio Banzai (audiovisual) e o designer gráfico Marcelo Stefanovicz. A ideia original era boa e a turma confiante, mas foi só a partir do momento em que uma marca comprou o projeto é que eles realmente sentiram que era pra valer. “Conquistamos clientes muito importantes que só compraram nossas ideias porque lidamos com cada projeto de uma maneira única, sempre empregando ao máximo nossa

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criatividade, o que faz de cada um deles muito especial”, diz André. O trabalho tem sido tão reconhecido que a turma se prepara para mais uma empreitada: o desenvolvimento de produtos, que vão desde objetos de decoração à móveis. Algumas peças já estão sendo produzidas em acrílico e madeira. “Estamos nos estruturando para começar a vender em alguns pontos”, completa Karla. omercializar produtos de novos artistas é exatamente o que o colombiano radicado no Brasil, Ivan Hurtado, pensou quando criou seu Coletivo Amor de Madre, um mix de galeria de arte e loja que fica nos Jardins, em São Paulo. Ele próprio, artista plástico e arquiteto de formação, sentiu na pele e viu muitos de seus colegas de classe terem dificuldade de se inserir no afunilado mercado das artes. O Amor de Madre começou em meados de 2003, com uma grife de camisetas. Em 2006, com o boom da era blogger, ele se transformou em blog de arte contemporânea. E finalmente em 2009, junto com a fotógrafa Olivia Faria, a loja Amor de Madre foi lançada - com buxixo entre os modernos e formadores de opinião - no formato que é hoje. Ivan nos diz que gostaria de democratizar o design: “queremos tirar esse estigma de que tudo é caro”. Para isso, usa sacolas de papel, sem logo e sem estampa, que além de baratear o custo, ainda não agridem a natureza.

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A loja é dividida em 2 ambientes; no piso térreo se concentram os objetos de design, vindos de várias partes do mundo e misturados com peças de artistas brasileiros, que priorizam a identidade do CAM: a diversão. “Tudo tem um toque lúdico, divertido, diferente. Gostamos das cores, da vida”, completa Ivan, de 39 anos e cara de moleque. No piso superior, há espaço para mostras, uma pequena galeria, e também um jardim com espaço para receber amigos e convidados para um drink, sempre. Aberta desde outubro de 2009, a loja não tem vitrine, é uma caixa de concreto que recebe, a cada 6 meses, a intervenção de algum artista. Além de dar espaço para novos talentos, os sócios ainda fornecem um direcionamento na criação das obras. “Mas tudo com muita liberdade”, diz Hurtado. Me chamou a atenção por lá um porta-trecos em formato de coração humano “para guardar as coisas do coração”, diz Ivan, com os olhinhos brilhando. E também uma borracha gigante com o escrito APAGA A DOR que, segundo Ivan, foi hit de vendas no Natal. Os preços variam, em média R$40,00 a R$60,00. Mas tem peças a partir de R$5,00 (um chaveiro de patinho com estampa de caveira) e um quadro gigante pintado por algum artista em ascensão, por R$8.000,00. Ótimo lugar para procurar presentes, principalmente para aquele seu amigo que já tem de tudo.

Coletivo Amor de Madre

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Base secreta Te x t o C a m i l o R o c h a F o t o s F á b i o Ta v a r e s

Promessa da música eletrônica, grupo Glocal comanda programa de rádio com a ajuda de camaradas ilustres

Dani El Souto e Lennox bancando os fortões

DJ Rodrigo Nickel, de Curitiba

uarta à noite no Centrão de São Paulo. Num apartamento de um dos magníficos edifícios antigos da avenida São Luis, mais uma sessão de música e animação está no ar. É o Drop-Kick, um programa de rádio on-line comandado pela dupla Glocal, uma das promessas musicais de 2010. No microfone está Dani El Souto, que forma a dupla com Lennox. Numa quarta qualquer, o line-up do Drop-Kick põe no bolso a grande maioria dos programas “de balada”: gente como Magal, Dada Attack, King Roc, Pig & Dan, Gui Boratto, Renato Cohen e Marc Romboy já passou por lá. Os DJs pedem para tocar lá, todos imbuídos do espírito coletivo que move o programa. Como explica Dani, “A ‘alma mater’ do programa é a gente que pensa e executa, mas têm pessoas especiais em tarefas específicas que ajudam, com toda a boa vontade”. Lennox prossegue: “Temos o Goo e o Pozzi que cuidam dos vídeos, a Cuca Pimentel, que além de nossa produtora executiva é fotografa, o Ivi Brasil e o Luis Depeche, que são www.mixmag.com.br

jornalistas e fazem entrevistas com nossos convidados, enfim todo mundo que vem no programa acaba participando e ajudando de alguma maneira”. Enquanto o DJ convidado toca e a equipe trabalha, amigos bebem cerveja, alguns dançam, outros papeiam na janela. O imóvel é gigantesco e a decoração lembra cenário de novela brasileira do tempo da disco. Dani: “Quando vi esse lugar, quase tive uma síncope! É um cenário decadente, tipo cinema brasileiro do fim dos 70 inicio dos 80”. Além das luminárias kitsch e espelhos, chamam a atenção duas enormes presas de elefante (falsas) atrás de um sofá. Do outro lado, um tatame. É que a dupla também pratica jiu-jitsu. “Tem amigos que aparecem por aqui pra desenferrujar essa arte nobre... tipo baile da saudade Gracie!”, brinca Dani. O Glocal invadiu sets e cases com faixas como “Copa’s Muscle Car”, “All My Fetish On You” e “After Midnight”, balançadas, melódicas e com vocais “soulful”. No segundo semestre chega o primeiro

álbum. Eles também acabam de iniciar uma residência na noite da agência 3Plus no Lions, um dos dois endereços mais cobiçados do novo mapa noturno paulistano. Saindo do elétrico QG, mais conexões. O Glocal integra uma vibrante e crescente comunidade de brasileiros que abraça os bons ensinamentos da house e da disco. Fazem parte os DJs e produtores Davis e Rotciv, baseados em Florianópolis, o músico Pedro Zopelar, do Rio de Janeiro, e DJs como Pejota, Marcio Vermelho, Leiloca Pantoja e Benjamin Ferreira, em São Paulo. A teia cruza fronteiras. Conecta com a Itália, com o prestigiado selo Rebirth, que lançou seu “After Midnight”, com Londres ou Paris, onde DJs como Pete Tong e Laurent Garnier adicionaram músicas da dupla em seus playlists, ou com a terra do house, Chicago, através do remix do Glocal para o projeto Freaks, com vocal do pioneiro Robert Owens. Os dois não param. Fique ligado na rádio em www.chaosmopolitan.com. 2010 promete. abril/maio 2010 51


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Grito Rock Brasília Te x t o M i c h e l A l e i x o Fo t o s A n d r e i a C r i s t i n n e A g u i a r

Com os coletivos musicais, a uma vez considerada Capital do Rock tenta se renovar

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Fora do Eixo (FDE) é formado por uma rede integrada de Coletivos Culturais, como o Cultcha e Esquina. Na prática, eles são associações – já presentes em todos os estados do país – que reúnem em suas cidades bandas e produtores que encontraram no FDE uma fórmula eficiente de se comunicar, divulgar seu trabalho e o mais importante, facilitar a circulação de suas bandas pelo país. Na era dos coletivos, o antigo mantra do rock independente “faça você mesmo” virou “façamos todos juntos”, num socialismo musical que seria um trunfo da Mãe Rússia no auge da Guerra Fria, se os vermelhos se importassem com isso. Mais do que simplesmente fazer música, o que a ideologia do circuito propõe é que os artistas tornemse agentes culturais. Isso significa que a nova ordem para sobreviver na cena do rock independente é a da autogestão: tocar, organizar shows, acolher bandas em trânsito e fazer trabalho social em sua cidade para que possam brotar cenas locais. “O Fora do Eixo tem mudado a realidade não só de se fazer música, mas também de se fazer arte de uma maneira geral”, afirma Ney Hugo, coordenador de comunicação do circuito. “Através das tecnologias sociais, estamos reunindo pessoas que até então não conseguiam se inserir nesse sistema. Estamos inovando a maneira de se produzir cultura. Hoje temos mais de 40 coletivos filiados.” O Coletivo Esquina, realizador da edição Brasília do Grito Rock, trouxe 16 bandas vindas do Amapá a São Paulo, numa grande celebração da nova geração do rock. Em Taguatinga, o Coletivo Cultcha recebeu nove bandas, muitas delas tentavam tocar na cidade há anos, caso da veterana Delinquentes HC, de Belém do Pará. “Temos

pedreiro s. m. Operário especializado que executa serviços de construção artista s m+f. Pessoa que cria obras de arte

contato com bandas de Brasília há mais de vinte anos, cara! Da época de cartas mesmo, mas nunca dava certo vir pra cá. Faltava um Grito Rock, um Fora do Eixo, pra isso acontecer”, desabafa Jayme Katarro, 41 anos, vocalista. Em Brasília, o Grito Rock não se ateve apenas à diversão da música ao vivo. Durante toda a semana aconteceram no Museu da República, no centro da capital, palestras e oficinas que catequizaram os jovens da cidade para o novo conceito do rock independente. “Tomamos um passo importante com o festival. A galera comparecendo significa que todos estão entendendo essa nova realidade. Isso vai abrir portas pra todo mundo”, aposta Nana Bittencourt, integrante do Esquina. ARTISTA IGUAL PEDREIRO O Fora do Eixo começou em 2005 quando produtores de Cuiabá, Rio Branco, Uberlândia e Londrina viram nas facilidades da internet uma maneira mais ágil de se articular. O nome faz referência à atitude de nadar contra a maré do Eixo Rio-São Paulo. “Em Cuiabá, o coletivo Espaço Cubo começou por volta de 2001, fomentando a cena autoral na cidade, que era infestada de bandas cover, uma realidade que precisava ser mudada. Então começamos com um pequeno estúdio, fazendo eventos, colocando as bandas pra tocar. Lançamos o Cubo Mágico que era o estúdio de ensaio, que depois virou o Espaço Cubo, um instituto cultural com várias outras frentes de atuação”, conta Ney Hugo. Uma das ações mais interessantes criadas pelos cuiabanos foi o lançamento do Cubo Card. Trata-se de um sistema de escambo através de uma moeda alternativa (cédulas coloridas no melhor estilo Banco Imobiliário) aceita em lojas de instrumentos, estúdios e

A arte em grupo no RJ Te x t o F e l i p e T i r a d e n t e s F o t o s D i v u l g a ç ã o

Música, vídeo, fotografia e artes plásticas se distribuem pelos coletivos cariocas

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o Rio de Janeiro, coletivos das mais diversas vertentes emergem com a mesma facilidade que desaparecem. Se uma das grandes vantagens de se formar um coletivo é seu caráter não formal, essa característica pode também ser um ponto negativo á medida em que muitos terminam nos primeiros obstáculos. Mas na Cidade Maravilhosa, há bons exemplos de que se coletivizar pode ser sinal de um trabalho duradouro, 47 abril/maio 2010

como é o caso do Apavoramento Soundsystem – coletivo de música e vídeo que desenvolve projetos sonoros e audiovisuais, seja através do lançamento de EPs, de vinhetas para a TV ou de live acts. DJ Nepal, um dos integrantes do Apavoramento, explica um pouco do trabalho pra nós: “Hoje, o Apavoramento tem dois braços, um mais comercial e outro mais artístico. Fazemos vídeos para TV, cinema, publicidade, cenários

interativos, videoclipes e trilhas. Um pouco de tudo ligado à mídia digital, além das apresentações de live áudio-visual. Apresentações que nos renderam até participações em festivais e tour europeia. Também apresentações em museus, festivais de música e até na Bienal de arte de SP e na SP-ARTE (maior feira de artes plásticas da América Latina). Como você vê, é um trabalho diversificado de formatos e plataformas de apresentação”.

Já o Fleshbeck Crew, um coletivo de artistas plásticos que tenta tangibilizar a cultura de rua em diversos outros cenários, se utiliza da estética do grafite como principal ferramenta, como explica Marcio Piá: “O FBC surgiu como um zine na faculdade. A ideia do ‘coletivo’ começou, em 1999, assim. Acho que era mais uma coisa de bar do que da sala de aula. Eu fazia a assistência de direção de arte num filme e a galera abriu uma oficina de grafite. www.mixmag.com.br


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casas de shows da cidade. Com ela, os músicos podem receber algum tipo de remuneração numa realidade onde o dinheiro de verdade nem sempre circula como deveria. “O Cubo Card é uma moeda complementar que o Cubo lançou que serve para viabilizar sua própria produção. Hoje em Cuiabá, não só bandas, mas pessoas que querem realizar eventos, trampar no áudio visual e etc., têm como viabilizar sua produção só através do card. Ao mesmo tempo em que a pessoa está trabalhando e gerando cards, ela está se qualificando”, explica Ney, que também é baixista da Macaco Bong. A Macaco Bong é o Cavalo de Tróia que está provando que não existe mais necessidade de grande gravadora ou jabá (o suborno utilizado por alguns artistas para tocar em rádios populares) para chegar lá. Nos últimos seis anos, o trio saiu do Mato Grosso “metendo as caras”, muitas vezes pagando para tocar, mas por onde passaram, venderam a ideia do FDE. Em 2008, o esforço fez-se valer quando seu recém-lançado álbum Artista Igual Pedreiro foi considerado pela Rolling Stone Brasil o disco do ano, derrubando nomes como

Caetano Veloso e Marcelo D2. O que dá mais mérito ao feito é constar que a Macaco Bong é um power trio de rock instrumental. “O nome Artista Igual Pedreiro nasceu dessa lógica que já vem sendo trabalhada pelo Espaço Cubo há alguns anos: quando chegamos a uma cidade, além de músicos, somos três integrantes do Cubo. A gente conversa com a galera ou damos oficinas, sempre investindo na qualificação e na formação desses coletivos. Então artista igual pedreiro é isso, é você pegar a arte como um programa, um conjunto de ações pela valorização do ser humano e seu serviço”, conclui Ney.

Aí foram surgindo ideias atrás de ideias. Sempre achei o máximo essa estética do grafite em videoclipe e os projetos começaram a surgir. Achava aquilo o máximo. Em São Paulo, tinha www.mixmag.com.br

CONTROVÉRSIAS Em janeiro, Pablo Capilé, um dos coordenadores do FDE e vicepresidente da Associação Brasileira dos Festivais Independentes (Abrafin), disse em entrevista ao site ‘oinimigo. com’ que as bandas novas “não deveriam receber cachês quando se apresentassem em festivais independentes, porque tais shows devem servir apenas como vitrine pra tais artistas”. Seu comentário foi rechaçado por dois terços dos mais

de 300 comentários no site: “Sou a favor das bandas não ganharem cachê pra tocar num festival, se os seguranças forem até lá engravatados e agirem educadamente sem ganhar um tostão”, disse um dos comentários; “acho que esse circuito ainda peca por nivelar as bandas por baixo”, disse outro. Ney Hugo explica melhor esse princípio: “Acho que as bandas têm que ser remuneradas sim, mas a banda que está começando tem que entender que ela ainda tem muito que investir e conquistar. Se você tem uma banda desconhecida e vai tocar em outra cidade, você não vai receber grana. Mas ao chegar lá vai encontrar uma galera nova e receptiva, ambiente propício para você formar seu público. Se você der continuidade a esse trabalho nessa e em outras cidades, na próxima vez que voltar, a bilheteria vai ser sua e etc. Então às vezes esse discurso é contestado porque ou a banda é preguiçosa ou tem uma miopia que não lhe permite ter uma leitura esclarecida de todo esse processo. A banda que tem esse discurso de revolta vai acabar caindo num isolamento.”

Entre engajados e opositores, o Fora do Eixo vem realizando um trabalho admirável de interação e recrutamento a nível nacional. Bandas que há dois anos tocavam na maior parte do tempo em pequenos clubes locais, estão galgando a popularidade a passos largos, mesmo que a remuneração não cresça tão rápido como a de ‘rivais’ do mainstream como Pitty ou Nx Zero, por exemplo. De qualquer forma, o conceito de sucesso é relativo. Quando a MIXMAG perguntou a Dennis, baixista do Black Drawing Chalks, no calor do momento o que ele achou do show, sua resposta carregada de emoção foi “falar o que quando a gente sai e o povo chama de volta? Tem coisa melhor não!”. A dois metros dele, um dos garotos anônimos que os rodeava disse a seu irmão, o baterista Douglas, que um dia suas bandas tocariam juntas. Com uma reação incomum a sua posição naquele instante, sua resposta tímida foi: “Seria uma honra cara”.

alguma coisa parecida, mas eu não tinha muito acesso”. Com uma ideia bem simples, mas prezando pela complexidade estética, o Party Busters – coletivo

que fotografa com estilo a noite carioca – vem ganhando também grande destaque em mídia. E no formato de site, facilita a função mercadológica da ferramenta, onde

quem quiser ver seu clique da noite anterior tem que se cadastrar e, por consequência, entrar no mailing do grupo, que além de outras atividades, também produz festas.

Saiba mais: www.myspace.com/blackdrawingchalks www.myspace.com/macacobong www.foradoeixo.org.br

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