CrĂtica de Michael Sandel a John Rawls
Perspetiva comunitarista
PERSPETIVA COMUNITARISTA Os comunitaristas (Michael Sandel: Michael Walzer, Charles Taylor e Alasdair McIntyre...) não concordam com a ideia liberal de que o bem comum resulte da combinação das preferências individuais Para os comunitaristas o BEM COMUM é aquilo em nome do qual se avaliam as preferências individuais
PERSPETIVA COMUNITARISTA • Bem comum tem prioridade moral sobre as preferências das pessoas e não é o resultado da combinação ou agregação dessas preferências; • Só a comunidade permite encontrar, em conjunto, o modo de vida que define a VIDA BOA = Bem comum (daí a designação de comunitaristas aos que defendem esta perspetiva) -
Esta perspetiva tem como consequências: 1) as pessoas não se autodeterminam, pois há escolhas que decorrem de laços comunitários preexistentes Ex: as pessoas não escolhem a sua família que molda muitas das suas opções, preferências, fidelidades, etc. 2) É no âmbito da vida social comunitária (família, grupo religioso, associações recreativas ou profissionais, etc.) que se constrói a própria identidade (aquilo que somos e como nos definimos), pelo que pertencemos não só a nós próprios, mas também à comunidade em que estamos enraizados. O que se segue daqui, relativamente à teoria da Justiça de Rawls?
PERSPETIVA COMUNITARISTA
Sandel versus Rawls
Breve Biografia de Sandel • Michael J. Sandel é um filósofo, escritor, professor universitário, ensaísta, conferencista e palestrante americano, que ficou reconhecido internacionalmente pelos seus livros Justiça: O que é fazer a coisa certa e Liberalismo e os limites da Justiça. • Nascimento: 5 de março de 1953, Minneapolis, Minnesota, EUA • Influenciado por: John Rawls, Immanuel Kant, Aristóteles, John Stuart Mill, John Locke, Michael Walzer, Charles Taylor • Prémios: Princess of Asturias Award for Social Sciences
CRÍTICA COMUNITARISTA DE SANDEL “Para Rawls, tal como para Kant, o justo é anterior ao bom em 2 sentidos, e torna-se importante distingui-los. Em primeiro lugar, o justo é anterior ao bom no sentido em que certos direitos individuais funcionam como «trunfos», sobrepondo-se a considerações do bem comum. Em segundo lugar, o justo é anterior ao bom, na medida em que os princípios da justiça que especificam os nossos direitos não dependem para a sua justificação de qualquer conceção particular da vida boa (…) A questão não é saber se os direitos devem ser respeitados, mas se eles podem ser identificados e justificados de um modo que não pressupõe qualquer conceção particular de bem (…). Será que, enquanto seres morais, apenas temos obrigações relativamente aos fins e aos papéis que elegemos para nós próprios, ou será que, por vezes, também temos uma obrigação de cumprir certos fins que não escolhemos – fins que nos são dados pela natureza, ou por Deus, por exemplo, ou pela nossa identidade enquanto membros de uma família, de um povo, de uma cultura ou de uma tradição? (…) Na sua obra Teoria da Justiça, Rawls liga a prioridade do justo a uma conceção voluntarista ou largamente kantiana da pessoa. De acordo com esta conceção (…) nós somos eus livres e independentes, libertos de quaisquer laços morais anteriores, capazes de eleger os nossos fins por nós próprios (…) Em modos diferentes, aqueles que (…) contestam a conceção de pessoa de Rawls, perspetivada como eu livre e independente, destituído de laços morais anteriores. Defendem que uma conceção do eu dada antes dos seus objetivos e dos seus vínculos não consegue fazer sentido de determinados aspetos importantes da nossa experiência moral e política. Certas obrigações morais e políticas que comummente reconhecemos – obrigações de solidariedade, por exemplo, ou deveres religiosos – podem constituir para nós obrigações que nada têm que ver com uma escolha.” M. Sandel, O liberalismo e os limites da Justiça, 1982, trad. Carlos do Amaral, pp 245-248.
Crítica Comunitarista de Sandel a Rawls
• Segundo Sandel, o modo proposto por Rawls para encontrarmos os princípios da justiça falha completamente, designadamente no que se refere à posição original, mais concretamente o véu de ignorância. • Porquê? (Afinal esta posição visa garantir a imparcialidade na escolha dos princípios da justiça.)
Crítica Comunitarista de Sandel a Rawls • Sandel considera que: não basta que as nossas escolhas sejam
imparciais para serem boas;
avaliar uma escolha como boa ou má é uma questão moral, mas o véu de ignorância coloca as pessoas numa situação anterior a qualquer moral, exigindo que as escolhas sejam feitas por seres racionais que têm em conta apenas os seus interesses pessoais;
Crítica Comunitarista de Sandel a Rawls mesmo que as pessoas cheguem a um acordo, ele não é justo só porque as partes livremente o acordaram; Um acordo é justo quando é bom, pelo que a noção de bom é anterior à noção de justo e, segundo Sandel, a noção de bom não pode ser dada pelas preferências individuais dos seres desenraizados de uma comunidade concreta (ver liberalismo deontológico) O véu de ignorância transformar-nos-ia em seres fictícios, numa espécie de fantasmas desencarnados e desprendidos de qualquer laço social; Então: As escolhas feitas por hipotéticos seres desprendidos nem sequer são moralmente credíveis, pois qualquer noção do que é bom ou mau decorre do nosso enraizamento prévio numa comunidade concreta. Em qualquer situação moralmente credível, as pessoas já fazem parte de uma comunidade e o véu de ignorância não serviria apenas para nos esquecermos da nossa condição, mas também para nos esquecermos do nosso próprio eu, que é socialmente construído e exigir às pessoas que se esqueçam dos seus laços sociais é o mesmo que exigir-lhes que se desprendam de si mesmas.
Crítica Comunitarista de Sandel a Rawls O véu de ignorância transforma as nossas escolhas em escolhas amorais. Daí que Sandel acuse o liberalismo igualitário de Rawls de criar uma espécie de vazio moral no que diz respeito à escolha dos princípios da justiça. Esta situação poderá, até, ser perigosa por deixar as questões morais entregues aos moralistas
Crítica Comunitarista de Sandel a Rawls • Sandel destaca 3 pontos na Teoria da Justiça de Rawls que permitem vê-lo como um liberal deontológico.
1) a absoluta primazia moral conferida à justiça, que é vista como a primeira virtude das atividades humanas. 2) a primazia fundacional da justiça, vista como antecedente e prioritária em relação ao bem, afastando-se das doutrinas teleológicas que definem a prioridade do bem sobre o justo. 3) a regulação da sociedade com amparo no que é fundamental na personalidade humana: os seres humanos entendidos como pessoas morais são, fundamentalmente, eleitores autónomos dos seus fins, de maneira que a sociedade deve ser organizada por um caminho que respeite essa característica personalidade sobre qualquer outra (MULLHALL & SWIFT, 1996, pp. 44-45).
LIBERALISMO DEONTOLÓGICO • O liberalismo deontológico é uma corrente teórica sobre a primazia da justiça entre outros ideais morais e políticos, com a qual Rawls se identifica ao defender que o justo é anterior/prioritário em relação ao bem. A sociedade, sendo composta por uma pluralidade de pessoas em que cada uma sustenta a sua própria conceção de bem, os seus objetivos e os seus interesses particulares, é melhor organizada quando regida por princípios que não pressupõem, em si, qualquer conceção particular de bem. O que justifica tais princípios não é a promoção ou maximização do bem, mas a noção de justo como uma categoria moral que é dada anteriormente ao bem, e que dele é independente (MULLHALL & SWIFT, 1996, p. 42).
LIBERALISMO DEONTOLÓGICO • Assim formulado, o liberalismo deontológico imprime a primazia à justiça em duas maneiras. Pela primeira, fica consignada a primazia moral da justiça, de maneira que nenhum outro valor político ou social possa triunfar sobre ela, de modo que os direitos individuais dos cidadãos não podem ser sacrificados em busca de outros bens ou objetivos. Além deste sentido de primazia, surge uma segunda implicação, mais profunda e distintiva, que, vendo a justiça como um valor de justificação privilegiada, o justo é anterior ao bem não só no sentido de reclamar precedência, mas também no sentido de que os princípios de justiça sejam derivados independentemente do bem. Essa postura traz duas vantagens: a) a primazia fundacional da justiça torna a sua justificação independente dos valores particulares (concepões de bem, interesses ou objetivos particulares); b) a derivação dos princípios não decorre de uma referência particular ao bem, pois esta postura conduziria a uma imposição coercitiva de conceção de bem a alguém que sustentasse outra conceção distinta. Assim, para estabelecer uma primazia moral segura e não-coercitiva à justiça, a derivação dos princípios deve ser fundamentado em algo distinto da multiplicidade de circunstâncias particulares e competitivas adotadas pelos seres humanos (MULLHALL & SWIFT, 1996, pp. 42-43).