BLANK Berlim

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ALI KHODR

CAMILA MELLO

MAURO ESPÍNDOLA

BLANK BERLIM 1 a Edição

São Paulo

http://www.caosmos.com.br

2014

ORG.




BLANK BERLIM

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SUMÁRIO

CONTENTS

8 -9

NOEL QUALTER

Abertura

1 4-15

MICHEL DACCACHE

Uma cinematografia da hiância

3 0 - 31

Opening A cinematography of the void

FERNANDA ALBERTONI

BLANK: ou sobre a experiência do tempo e reinvenção da memória BLANK: or about the experience of time and reinvention of memory

4 2-43

FABRIZIO POLTRONIERI

Negentropia - Arte - Memória

5 2-53

CAROLINE MENEZES

Entrevista - Construção de BLANK

7 6-77

Autores | Organizadores

Authors | Organisers

78

Créditos | Agradecimentos Credits | Aknowledgements

80 Colaboradores

Collaborators

Negentropy - Art - Memory Interview - Construction of BLANK


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Opening

NOEL QUALTER

Introduction

pg. 4-5 Photo: Manuela Eichner – Westhafen station, Berlin Fotografia: Manuela Eichner – estação Westhafen, Berlim

During the beautiful Berlin Autumn of 2013, I had the pleasure of sharing residency with BASE-Film at the Zentrum für Kunst und Urbanistk (ZK/U). BASE-Film artistcollaborators Camila Mello, Mauro Espíndola and Ali Khodr were exploring the notion of oblivion as a collective through a series of residencies and collaborations with artists, academia and curators. I was privileged to both discuss and to observe a work process develop from conception through to realization. I discovered that the artistic practice of the BASE-Film team was probing, energetic, complex, precise and focused. The film BLANK emerges as the result of the initial exploration and for me it is a profound and highly accomplished presentation of both the psyche and overt human experience.

Process

pg. 6-7 Frame: BLANK Berlin, 2013 – chapter THE DAY Fotograma: BLANK Berlim, 2013 – capítulo O DIA

The collaborators are driven by an ethos of unconditional and respectful openness to ideas, always within a rigorous framework that embraces the philosophical, technical, aesthetic, academic and production needs of their theme. This is extended into their use of the residency as a social space, encouraging collective input and mutual support underpinned by intense curiosity and rigor to empower their interpretation of their themes. This is the collective ethos that empowers the group. As a collective, they had already explored ideas through a series of residencies and collaborations with other artists in France and the UK. From the outset, the artists facilitated a process that permitted the production of a film that captured both complexity and a true representation of their subject.


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Abertura

NOEL QUALTER

Introdução Em Berlim, no belo outono de 2013, tive o prazer de conviver com os artistascolaboradores da BASE-Film durante residência no Zentrum für Kunst und Urbanistik (ZK/U). Camila Mello, Mauro Espíndola e Ali Khodr estavam explorando a noção de esquecimento em uma série de residências e colaborações com artistas, pesquisadores e curadores. Tive o privilégio de discutir e observar o desenvolvimento do trabalho, desde a concepção até a sua realização. A prática artística do grupo envolvia, de forma energética e complexa, investigações com um objetivo claro. O filme BLANK surgiu dessa exploração inicial que, para mim, apresenta elos profundos tanto com a psique quanto com a manifestação visível da experiência humana.

Processo Os artistas-colaboradores são movidos por um ethos incondicional de abertura a ideias, sempre conectados a um contexto de trabalho rigoroso que envolve necessidades filosóficas, técnicas, estéticas, acadêmicas e de produção da sua proposta. Esse fato é extensivo ao uso que fazem da residência como espaço social, incentivando o input coletivo e o apoio mútuo, motivados por uma intensa curiosidade e determinação para potencializar a proposta que desenvolvem. Essa energia coletiva é que fortalece ainda mais o grupo. Coletivamente, eles já haviam explorado outras proposições durante uma série de residências e colaborações com artistas na França e no Reino Unido. Desde o início, os artistas facilitaram um processo que permitiu a produção de um filme que captura a complexidade e uma justa representação do assunto. Fotograma: vídeo produzido para ambiente imersivo – open studio no ZK/U, Berlim Frame: video produced for the immersive environment – open studio at ZK/U, Berlin


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The main challenge in exploring this theme is the sheer enormity of the task, not only interrogating it, but also creating an aesthetic that is meaningful to the collaborating artists as a collective and as individuals, and that, in turn, becomes what it needs to be to each viewer, each individual.

oblivion (

)

1. the condition of being forgotten or disregarded The intrinsic beauty of the condition of being forgotten or disregarded is acutely conveyed in the aesthetic of BLANK. It also captures a paradox in the sense that the abandoned, the forgotten and the disregarded almost insolently protest at any state other their temporal manifestation.

2. the state of being mentally withdrawn or blank Curiously, another paradox that I believe is woven into the fabric of BLANK is the aesthetic state of being mentally withdrawn or blank. This is clearly articulated through the actions of the performers interleaved with a depiction of the condition of oblivion . It imparts a sense of powerlessness with a lingering universal sense of striving towards meaning. However, meaning is only possible outside of this state itself, though in so searching the meaning is obliterated.

3. law: an intentional overlooking, especially of political offences; amnesty; pardon In purely objective terms, every person knows of a multitude of stories regarding the state of oblivion ; when powers that are supposed to oversee and manage our lives, actually turn against us. The repetition of action, when matched with symmetrical camera tracking, hints that in BLANK. Not only does oblivion manifest itself in external powerful forces, but also within us. It strikes notes of dreamlike imagery transitioning to absurdity whilst pulling the viewer back to the acute abandonment that has become the legacy of both the people and places it presents. We literally edge the boundary of oblivion . Over many conversations with Ali, Camila and Mauro, I understood that their work process involved exploring that which became increasingly more philosophical not only for themselves, but for myself also. Over a short period of time, both as an observer of their process, but also in our dialogues on interpreting the semantic complexity of their task, another subtle process emerged: as individuals our personal testimony on memory, history and disturbances from the past is indelibly imprinted on our psyche. Personally, their work has lent me a deep understanding of my own longing for understanding.

NOEL QUALTER Opening

The artists and their openness with each other is governed by the principal of collaboration, a very difficult task. But as they created visual interpretation, documentation, archive and output, the clarity of intention in the pieces emerged. From this, the visual clarity of BLANK evokes both the powerlessness we have over the past and the contradiction that prevails when one attempts to quell the longing for oblivion not to exist. The highest emotional impact that this work presents, for me in particular, is that memory can be honoured in a beautiful way as evoked in a very different film about memory, Distant Voices, Still Lives , of Terence Davis. BLANK captures beautifully the rite of passage of our loss of innocence and our attempt to reconcile that loss. Perhaps this loss of innocence is the clearest precipice of the state of oblivion .


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O principal desafio na exploração desse tema é a dimensão da tarefa que envolve não apenas o questionamento, como também a criação de uma estética que seja significativa para os artistas tanto coletiva quanto individualmente. E que, por sua vez, se torne o que precisa ser para cada espectador como indivíduo específico.

oblívio 1. a condição de ser esquecido ou negligenciado A beleza intrínseca da condição de ser esquecido ou negligenciado é perceptivelmente transmitida na estética de BLANK. O filme também captura um paradoxo no sentido de que o abandonado, esquecido e negligenciado protesta insolentemente contra qualquer outro estado que não seja o da própria manifestação temporal.

2. o estado de estar mentalmente ausente ou em branco Curiosamente, acredito que outro paradoxo entrelaçado na estrutura de BLANK é um estado estético de estar mentalmente ausente ou em branco, que se evidencia nas ações dos artistas intercaladas por uma representação da condição do esquecimento . Tal estética transmite uma sensação de impotência, ao mesmo tempo que procura dar sentido ao esforço em produzir significados. Entretanto, mesmo que apenas fora desse estado o significado se torne possível, a busca provoca o apagamento.

3. lei: negligência intencional, especialmente nos casos de crimes políticos; anistia; perdão Em termos puramente objetivos, cada pessoa conhece uma multitude de histórias relacionadas ao estado do esquecimento , quando forças que supostamente deveriam supervisionar e controlar nossas vidas, de fato, voltam-se contra nós. A repetição da ação, acompanhada por um movimento simétrico de câmera, insinua que em BLANK o esquecimento se manifesta não apenas sob o poder de forças externas, mas também dentro de nós mesmos, em nossa subjetividade. O surpreendente tom onírico, que transita para o absurdo, atrai o espectador para o estado de abandono do legado das pessoas e dos lugares que o filme apresenta. Estamos, literalmente, na extremidade da fronteira do esquecimento . Ao longo das conversas com Ali, Camila e Mauro, percebi que seu processo de trabalho foi se tornando uma exploração cada vez mais filosófica, não somente para eles, para mim também. Durante um curto período de tempo, como observador do processo de trabalho e nos diálogos sobre possíveis interpretações da complexidade semântica da proposta, outro processo sutil emergiu: como indivíduos, nosso testemunho pessoal sobre memória, história e perturbações do passado está indelevelmente impresso na nossa psique. Pessoalmente, esse trabalho me concede uma profunda compreensão do meu próprio desejo de compreensão.

BLANK captura belamente o rito de passagem da perda da inocência e da tentativa de reconciliar essa perda que, talvez, seja o precipício mais nítido do esquecimento .

NOEL QUALTER Abertura

A total receptividade que os artistas-colaboradores da BASE-Film têm um com o outro é regida pelo princípio da colaboração, uma tarefa muito difícil. Na medida em que criavam interpretações visuais, documentos e arquivos e foram obtendo resultados, a clareza da sua intenção foi surgindo. A partir dessa clareza visual, BLANK passou a evocar nossa impotência diante do passado e a contradição que prevalece quando tentamos reprimir o desejo de que o esquecimento não faça parte de nós. O mais importante registro emocional que este trabalho apresenta, a meu ver, é que a memória pode ser honrada de forma bela, como em Distant Voices, Still Lives ( Vozes distantes, vidas suspensas ), de Terence Davis, um filme muito diferente sobre memória.


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NOEL QUALTER Abertura

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A cinematography of the void

MICHEL DACCACHE

A few remarks about the project BLANK

pg. 12-13 Frame: dossier – State Agency for Civil Affairs, Berlin Fotograma: dossiê - Agência de Estado para Assuntos Civis, Berlim

The following commentaries are a response to the demand expressed by the artists – my dear friends – of BASE-Film, a collaborative platform which is involved in the film project entitled BLANK. These observations are also the result of a long-term and assiduous frequentation of their work. These artists have given me the honour of considering me a member of their family. However, every time you are offered a place in a group you are also invited to occupy a specific place, or in other words, to play a role. And it may be frightening. Not because of the feeling of being forced but because of the fear of disappointing. Said emotion rapidly deflates the enthusiasm raised by the prospect of doing something in return for the group that has demonstrated so much generosity. The invitation that was extended to me was not made to the artist that I am not, but to the researcher that I am. Implicitly, I was asked to throw light on and give shape to the artists' latent discourse. In other terms, I was asked to “say what was meant to be said”. Unfortunately, I might cause some disappointment because one can never truly express what someone else wants to say. At best, one can say what he thought about it, and, perhaps even make an effort to say what seems to have been said without having wanted to. Moreover, there is the ambition, always exorbitant, to enunciate what the symbolic productions reveal about their authors. Because, as much as it can be said that one is thought by one's dreams, or told by one's discourse, it can be said that we can be filmed by our films. And if the few remarks made here are anything but exhaustive, I do hope that they will at least contribute to the important reflexivity process that the artists dedicate themselves to through BASE-Film and maybe enrich their work, which would partially and a posteriori justify the invitation that has been made to me.

Frames: intertitles Fotogramas: intertítulos

Considering and commenting on a film means to master the formal language of this specific art form: shot, reverse shot, sequence shot, etc. However, this is not my area of expertise. When I started to think about the project BLANK, I first tried to focus on the words. These words, by the way, appear on the screen. To tell the truth, I do not know what the word Blank means to the artists. It is probably related to the way the film handles memory.

Blank stands for forgetting (the word “oblivion” is the key word of the project). Blank would stand for the memorial blank (or shall we say, blackout), a lapse in


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Uma cinematografia da hiância1

MICHEL DACCACHE

Algumas observações sobre o projeto BLANK As notas seguintes respondem a uma demanda, expressa pelos artistas – que para mim são caros amigos – reunidos na plataforma colaborativa BASE-Film e engajados no projeto fílmico intitulado BLANK. Essas observações são igualmente o produto de uma longa e assídua frequentação dos trabalhos realizados pelos membros do grupo, que sempre me deram o prazer de me apresentar como um deles e, sobretudo, me considerar assim. Porém, com cada lugar que nos é atribuído vem um novo pedido, expresso ou não, e você é convidado a ocupar esse lugar específico, ou seja, a exercer um papel. E é com uma certa angústia que nos empenhamos em corresponder a uma expectativa. Não tanto pela restrição, mas porque o receio de decepcionar, de não estar à altura, vem rapidamente abater o entusiasmo suscitado pela perspectiva de retornar a moeda de troca que se abre para você generosamente. O convite que me foi feito não foi endereçado ao artista que eu não sou, mas ao pesquisador que eu sou. Implicitamente, me foi proposto trazer à luz do dia e colocar em forma o discurso latente no trabalho do grupo. Em outros termos, oferecer palavras de maneira a "dizer o que se quis dizer". Infelizmente, temo por alguns desapontamentos, porque nunca se pode verdadeiramente dizer o que o outro quis dizer. Mas é melhor dizer o que se pode pensar daquilo que se quis dizer e, talvez, se esforçar para dizer o que parece ser dito sem que se queira. A isso é preciso somar a ambição, sem dúvida exorbitante, de enunciar o que as produções simbólicas dizem de seus autores. Pois, se somos pensados por nossos sonhos, ditos por nossos discursos, podemos, de certo modo, "ser filmados por nossos filmes". E se, em todos os aspectos, elas permanecem incompletas, espero que estas poucas observações aqui desenvolvidas contribuam ao importante trabalho de reflexividade ao qual os artistas da BASEFilm se dedicaram incansavelmente. Espero poder enriquecê-lo, o que, ao menos parcialmente, justificaria a posteriori o convite que me foi feito. Pensar e comentar um filme implica dispor de um conhecimento das formas de linguagem que são intrínsecas a essa arte: campo, contracampo, plano-sequência, etc. No entanto, essa linguagem não é habitual em minhas ferramentas. Quando comecei minhas reflexões sobre BLANK, foram as palavras que me interessaram. Palavras que aparecem em movimento na tela, a começar por Blank . Parto do fato de não saber ao certo o que a palavra Blank significa "aos olhos" do coletivo. Tratase, provavelmente, de um índice quanto à relação com a memória que propõe o filme.

1. Nota do tradutor: Em conversa com o autor, tentamos explicitar o uso do termo “Béance” no título original deste artigo. Embora em francês esse substantivo possa ter um uso comum na linguagem falada e escrita, sobretudo quando é declinado em seu adjetivo “Béant”, sua tradução literal para o português devolve ao termo a definição encontrada na gnoseologia lacaniana. Não cabendo aqui esgotar essa definição, julgamos importante ressaltar que “hiância” é o ponto de partida que o autor adota como referencial para analisar o conteúdo do projeto BLANK, mapeando, assim, no processo da BASE-Film e no filme BLANK Berlim, alguns aspectos que dizem respeito a um buraco fundamental, uma fenda original ou um vazio propositivo. Em resumo, trata-se de localizar no referido conteúdo, enquanto objeto de análise, “o vazio significante entre o Sujeito e seu objeto de desejo inconsciente”.


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memory, or an absence, a lack of memory. This blank would explain the research initiated by the protagonists, in particular in its archivistic form: its task would be to fill in the blanks. The young woman that we see at the Berlin archives seems to undertake this archaeological endeavour. Berlin is, by the way, a city of voids, structured by dotted lines (Beirut, which may be the subject of upcoming works, is likewise a city full of holes). But the word Blank may also refer to many other things. For example, we use the expression “blank cheque” when the amount is not specified. Thus blank can therefore be invested with various meanings. Jacques Lacan used to ask some of his patients to pay whatever they wanted. Not specifying a certain amount would then enable them to symbolically value his work. The void, the absence, takes on additional meaning here: it refers to what is virgin, pure. Once more, I do not know exactly what the word Blank means to the artists involved in the project, but if we look closer this word can refer to both void and virgin, which are not precisely the same thing, because something virginal “is” at least something and therefore cannot refer to an absence. Needless to say that this “something” is located at the origin. It is the mark of “early beginnings”. In the same way that I had to deal with the word Blank , the term BASE used to describe the “collaborative production platform” aroused my curiosity (I'm hesitant to talk about “production company”, because in this case the work is “home-made” in the context of various artistic residencies and has nothing to do with industrial production). At first, when I heard the word Base , I thought it had something to do with the expression “rear base”, “support base”, “strategic base”... (in Arabic, 'Al Qaeda means “rear base” as much as “rules” in an ideological sense). In other words, I thought it had something to do with the base of an organization that has a mission to accomplish. But one can also consider that the word Base refers to foundations, cornerstones, and everything that is linked to the basis of a construction.

MICHEL DACCACHE A cinematography of Void

Base can also refer to database , which brings us back to the idea of archive. In addition to that, base can also refer to “basic” in the sense of “elementary” such as in the expression “basic needs”. Here, yet again, we face the issue of origins and of archaeology (the necessity to dig the ground to find the foundations and make them visible). Here we cannot avoid the image of Freud's unconscious and its topography, But I'd prefer to insist on an idea that came from the connection between the word Base and the insistence of the artists to have a “structure” (this need for structure can only be known by those who have seen the work in progress). Here, it's not so much about the structure as a social organization (a “rear base”) but about the structure of the film itself. In fact: how many times has the “beginning” of the film been written and rewritten, again and again, because the “structure” of the film depends on it? In an almost obsessive manner, the film did not stop starting (each time with a new beginning and a new structure)


Blank seria o esquecimento (a palavra “oblivion” como o outro termo fundamental do projeto). Blank seria o branco memorial, como na expressão "dar um branco". Um lapso, ou melhor, uma ausência, falta, falha da memória. Esse branco poderia justificar a pesquisa à qual os envolvidos se lançam, em particular em seu formato arquivístico: a tarefa seria de preencher os brancos. E é exatamente a esse trabalho arqueológico que parece se entregar a jovem mulher dentro dos arquivos de Berlim. Berlim, diga-se de passagem, é uma cidade ela mesma estruturada por vazios, como pontilhados distribuídos em torno de brancos (similar a Beirute, perfurada como um queijo suíço em absolutamente todas as suas dimensões). Mas a tradução da palavra Blank pode ser enriquecida de algumas nuances. Por exemplo, usa-se a expressão "cheque em branco" para se referir a um cheque no qual a quantia não foi especificada. Esse branco pode, por conseguinte, ser um lugar de investimentos diversos. Lacan sugeria a alguns de seus analisantes pagar "o que quisessem". A ausência de uma norma precisa deixava a cada um deles um grande espaço para a valorização simbólica de seu trabalho. O vazio, a ausência, assume aqui uma conotação nova: a do virginal, do possível, ou seja, do puro. Mais uma vez, não sei exatamente o que Blank significa para os artistas do coletivo, mas, se olharmos atentamente, o termo pode se referir tanto à ausência quanto ao virginal, o que não é exatamente a mesma coisa, já que o virginal, de fato, é um "alguma coisa". Um "alguma-coisa" que se situa, vale ressaltar, na origem, sendo característico dos "primeiros começos".

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Fotografias: estudos de roteiro durante residência na Commanderie des Templiers de la Villedieu, Saint-Quentinen-Yvelines, França Photos: script tests during the residence at Commanderie des Templiers de la Villedieu, Saint-Quentin-en-Yvelines, France

Base pode, igualmente, evocar o termo database e, assim, voltar à ideia de arquivo. Enfim, podemos pensar na expressão de base (como "alimentação básica" etc.), ou seja, no que é elementar. Novamente nos precipitamos sobre a questão da origem e sobre o trabalho de escavação, de arqueologia, necessário para a sua descoberta (os fundamentos são desenterrados, atualizados no tempo etc.). Aqui não podemos evitar a imagética da topografia do inconsciente, pelo menos em sua acepção freudiana. Por ora, essa observação nos afasta inutilmente de um pensamento que me convoca a criar aproximações entre o termo Base e a vontade dos artistas

MICHEL DACCACHE Uma Cinematografia da Hiância

Assim, da mesma forma que me senti interpelado pela palavra Blank , o termo BASE, utilizado para designar "a plataforma colaborativa de produção", suscitou minha curiosidade (hesito em dizer "casa de produção", pois se trata, no caso que nos interessa, de uma "produção caseira", e não industrial, desenvolvida em residências artísticas). Primeiramente, entendemos por Base algo que tenha comércio com a expressão "base de retaguarda", "base estratégica" ou "base de comando" (em árabe, Al-Qaeda significa ao mesmo tempo "base" no sentido físico e "regra" no sentido ideológico). E, logo, pensamos que pode ser a base de uma organização com uma certa missão a desempenhar. Mas também podemos compreender a palavra Base como referência aos fundamentos, às fundações, às estruturas profundas de um edifício, de uma construção.


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Frame: location scouting – Docklands, London

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Fotograma: pesquisa de locação – Docklands, Londres

because the group wanted to find (I quote) the “best” beginning, the “perfect beginning (or, in other words, the purest of the beginnings). Needless to say that the project might have never come to an end, because the “beginning” kept on being postponed to the day it would be perfect. “Beginning” became the synonym of repetition and stuttering.

MICHEL DACCACHE A cinematography of Void

Rather than going ahead, the film started to multiply. Instead of making one film, it was even decided that there should be another one, and another one, so it became a trilogy. It was probably a means of never choosing a “beginning” and therefore of deferring the anxiety of having to pick one. Anyway, it was a search for the purity of the beginnings, as strange as that may sound. Especially since, as the artists say, the film BLANK is supposed to find a way around the mythology of the beginnings. It is surprising how hard it was for them to choose a beginning (one may even wonder if they really picked a beginning, as the idea of making “three non-hierarchized” films seems to be an attempt to evade this question) – although many small details have been discussed and decided (such as the omnipresence of the number 6 even in the length of the shots). It is as if the desire to choose the right word inhibited the possibility of making a sentence that would spoil its purity. Having said initially what I wanted to say at the end – that the film (as a process and as a product) tells something that wasn't planned but still relates in an unexpected way to the subject the artists wanted to deal with – I now have to say something about the explicit “intentions” of the artists. BLANK is a clever filmic dispositive that tries to get around the myth of the origins and its contemporary manifestations. It uses the specific resource of cinema – the handling of time – to talk about a very sensitive issue, the lack of harmony that can happen between the subjective experience of memory and the narratives on memory. Our contemporary societies are built on the metaphysics of the individual, the Self, and in this context, the question of memory has gained unprecedented importance. The psychoanalytical vulgate has imposed the idea that trauma was the origin of the Subject. This origin, as violent as it may be, has the purity of the beginnings. It is the basis on which the Self can be built, going through a process of victimization, grief and empowerment . To put it in a nutshell, the gesture of remembrance, as collective as it is, is a key element of the contemporary processes of subjectivation. Therefore, the dialectic of trauma and self-liberation functions much better as the construction of a personal myth than a depiction


Frame: diagram around the number 6. Chalk on black board – studio 8, ZK/U

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Fotograma: diagrama em torno do numero 6. Giz sobre quadro-negro – studio 8, ZK/U

de dispor de uma "estrutura" (vontade extremamente forte que não podem conhecer, exceto aqueles que, como eu, acompanharam o trabalho durante seu processo de realização). Aqui, não se trata apenas da estrutura no sentido de um dispositivo social ("base de retaguarda"), mas da estrutura do filme em si. De fato, quantas vezes o "começo" do filme foi reescrito, transformado, modificado, alterado, sob o pretexto de que toda a "estrutura" do filme dependeria dele? Em uma inflação obstinada, o filme não cessou de "começar", cada vez de uma nova maneira. Os artistas se dedicaram a encontrar, e eu cito, o "melhor" início, o mais próximo da perfeição, o mais "virgem". "Começo" se tornou, assim, sinônimo de repetição e gagueira.

No início eu disse que o filme, enquanto obra concluída e enquanto processo, diz alguma-coisa que não foi prevista, mas que tem acordo com aquilo que os artistas gostariam de evocar, ainda que por uma via inesperada. Agora, no fim, devo me voltar para as "intenções" explícitas que originaram o filme. BLANK é um dispositivo fílmico hábil, visando vencer o mito da origem e das suas manifestações contemporâneas. Ele se utiliza de recurso próprio do cinema, a manipulação do tempo, para evocar um problema delicado, o da desarmonia entre a vivência subjetiva e o discurso memorial. As sociedades liberais e capitalistas são construídas sobre a metafísica do indivíduo. E, nesse agenciamento, as problemáticas da memória assumiram um papel particular. A vulgata psicanalítica impôs a ideia segundo a qual o indivíduo tinha por origem o traumatismo. Tal fundamento, tão violento assim para que possa existir na pureza dos começos, é, na mesma medida, perturbador. Ele é o alicerce sobre o qual se constitui o Sujeito, passando pelo processo de vitimização, ao qual o Direito

MICHEL DACCACHE Uma Cinematografia da Hiância

Nesse ritmo, em vez de avançar, o filme se multiplicou. Falou-se até mesmo em realizar um segundo filme e, finalmente, três. Esse método, mais que outros, nessa fase das minhas observações do processo, permite menos perfurar o "começo" que diferir sem fim a angústia suscitada pela ideia de encontrar um começo. O filme BLANK, tal como os artistas o concebem, se propõe justamente a contrabalançar a mitologia dos fundamentos. Podemos com isso estranhar a dificuldade que eles experimentaram para aprovar um começo (poderíamos, aliás, nos perguntar se eles o fizeram, já que o formato "tríptico não hierárquico" permite renunciar à questão) – embora detalhes subjacentes (como a onipresença, até na duração das sequências, do número 6) tenham sido solucionados. É como se a vontade de escolher a palavra mais justa interditasse a construção das frases.


of reality. It is in the creation of this personal myth of trauma that the individual will be able to gain freedom.

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Frame: prologue – filming of Jakob Leichter's dossier Fotograma: prólogo – filmagem do dossiê de Jakob Leichter

But the problem lies in the disharmony between the tools of remembrance (historical works, archives, etc.) and the subjective experience of the individual. What happens when one does not recognize oneself in the “memory” that has been proposed, or when the tools of remembrance just don't work? Here, the scene shot at the Berlin archives gains meaning. The young woman does her “work” going through the archives. But instead of feeling fulfilled by her work, she falls into a certain melancholy. It is impossible for these archives to offer the right words to express a very subjective lamentation. This young woman remains there, alone with her grief. Everything she was searching for seemed to be within her reach. She immortalizes herself through the act of archaeology, overcome by awareness, mourning and empowerment. Something just doesn't work and breaks the mechanism from the inside. And this thing is the unspeakable of an absence. The main character is therefore expelled out of the discourse and of language, with which she cannot identify; just like the other woman (who appears later), that at the end of the film is expelled, locked out of her own home. Something is precluded and fills the individual with sadness and melancholy. Something cannot be told, nor appropriated, or expressed by the language of a certain time. And in its place there is only emptiness.

MICHEL DACCACHE A cinematography of Void

The film deals with tradition. Cinematographic documentary tradition. But also with a more literary tradition, the writing of the self that associates autobiography and archivistic work, as if self-transparency were accessible only through the historical pursuit of traces and documents. The philosopher Jacques Derrida reminds us that no archive is innocent. The archive is an interpretation in itself, the result of an interpretation. In that sense, it is a “reading” and an act of power. BLANK then aims to express the irreducible nature of the subjective experience opposed to the myths of liberation and the tools of remembrance. The individual does his work but there's something left. And this thing that lingers is expressed by means of cinema, which becomes a tool of liberation. The film itself is the myth of its authors. That's what we come to understand by comparing two scenes: the archives scene (the young woman reads the archives, we think she's going to say something but she doesn't) and the scene in which another young woman is lying on a bed facing the wall. The wall is covered with memories, in the form of words and images, but she is not looking at this wall of archives: she is being looked at from behind. This time the archives are on the verge of making the


aporta recursos próprios, de luto (enfoque tipicamente psicanalítico), seguidos por um empowerment, (ex)tração e liberação do indivíduo. O trabalho de memória, mesmo que coletivo, é um dos elementos mais fortes dos modos de subjetivação contemporânea. Dessa forma, reconhecemos que a dialética do traumatismo e da liberação individual funciona mais como uma construção de um mito pessoal do que como uma descrição justa do real. É na construção do mito pessoal do trauma que um indivíduo vai poder se liberar - se liberar no seio desse mito.

Nesse sentido, BLANK lida com uma tradição, a tradição cinematográfica do documentário. E igualmente com uma tradição literária. A prática da "escrita de si" associa autobiografia e busca em arquivos, como se a transparência sobre si mesmo fosse possível unicamente através da investigação histórica, da pesquisa

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2. No sentido que a psicanálise lacaniana dá a esse termo, ou seja, a exclusão radical e definitiva de um significante fora da estrutura simbólica do Sujeito. O significante se encontra, nesse sentido, condenado a fazer “retorno” por fora, imagem típica da espectralidade.

Fotograma: epílogo – entrada prédio da Agência de Estado para Assuntos Civis, Berlim Frame: epilogue – building entrance of the State Agency for Civil Affairs, Berlin

MICHEL DACCACHE Uma Cinematografia da Hiância

O problema reside na disjunção entre o dispositivo memorial proposto (trabalhos históricos, arquivos etc.) e a vivência subjetiva do Sujeito. Que fazer quando não nos reconhecemos na "memória" que nos foi proposta ou quando os instrumentos de investigação colocados à nossa disposição falham em satisfazer nossas expectativas? Nesses termos, a cena do arquivo é significativa. A jovem mulher faz "seu trabalho" de busca nos arquivos de Berlim. Porém, em vez de se sentir por ele "preenchida", abisma-se em certa melancolia, acompanhada por uma música lancinante e minimalista. Entenda-se que essa busca e esses arquivos não fornecem o material necessário para a expressão de um lamento cuja dificuldade se dá na impossibilidade de verbalizar. Resta a essa jovem mulher, tendo a própria busca em suas mãos, eternizar-se no gesto de realizar o trabalho de arqueologia, tomada de consciência-luto- empowerment . Algo vem gripar esse mecanismo, e esse algo é o indizível de uma ausência. Assim, ela é expulsa para fora do discurso e da linguagem, nos quais não se reconhece, exatamente como a outra jovem mulher, que aparece em seguida no filme, se encontra mais tarde expulsa, "enclausurada fora", na porta de sua moradia. Alguma-coisa é forclos , e essa forclusão 2 desampara o Sujeito em uma melancolia. Algo não pode ser dito, impossível de ser apropriado pela, e expresso na, linguagem de uma época. Em seu lugar, encontramos o vazio.

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Photo: chapter THE NIGHT – studio 8, ZK/U Fotografia: capítulo A NOITE – estúdio 8, ZK/U

young woman say something. But nothing happens. Silence. BLANK. Because it's not really the archives that are watching the young woman. It's the camera that is looking at her. She sleeps not in front of a wall but in front of the eye of a camera. She's in front of the camera - being filmed - and behind it too, as she is also one of the directors. So now, it's the camera itself that will be able to “say something” and help the “self” create his personal myth.

MICHEL DACCACHE A cinematography of Void

At this moment, the film is no longer a documentary that would attest to reality. It is not even a commentary on reality, a discourse on such and such historical event or such and such individual history. It is an experience in itself that needs to be interpreted afterwards. BLANK delivers some symbolic elements of an archetypal quality, offering the opportunity to “edit” the film as we want, in order to extract a different meaning each time. It is not a generic tool offered to each person so they can identify their personal history in it, but a structure that has sufficient room for manoeuvre to allow different sorts of appropriations. The BLANK experiment is a complex experience because it deals with spectrality and haunting through a medium that can be characterized by its spectrality (once more, I refer to Jacques Derrida), namely cinema. Cinema doesn't show anything but ghosts. Through its structure, its editing composition, the film doesn't offer a discourse – a historical speech for example – but sets a dispositive for a spectral experience: to see ghosts and to let them dwell within us. Now, we are facing another paradox: whereas the policies of memory invite us to go through mourning to find relief from a traumatic event once and for all, Derrida reminds us that cinema is magnified grief, a never ending mourning as ghosts can reappear over and over without being incorporated. Cinema exacerbates the spectrality inherent to images, whether they be drawings, paintings or photographs. In that sense, BLANK is not so much a paradoxical film but instead a complex one,


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de traços e de documentos. Mas, como nos lembra Jacques Derrida, nenhum arquivo pode ser inocente. Ele é, em si, a interpretação e o produto de uma interpretação. O traço já é traição. Assim como a palavra tira a vida da coisa, o traço tira a do acontecimento. Logo, o arquivo é uma "leitura" e um ato de poder. O filme visa à irredutibilidade do vivido subjetivo aos instrumentos memoriais e aos mitos de liberação que a eles são associados. O sujeito faz seu trabalho e, embora lhe reste algo nas mãos, ele não saberá expressá-lo. E é isso que ele expressa (e por isso o expressa) através do cinema. O cinema se torna o meio da reconstrução do mito pessoal. Ele é o mito que nos fala de seus autores e nele o Sujeito é deslocado. Isso também é o que percebemos quando aproximamos duas cenas. A primeira é a dos arquivos. A moça folheia os arquivos e pensamos que, através dela, eles falariam, porém isso não ocorre. Já a segunda, é a cena em que a outra mulher encontra-se encostada na cama rente à parede de seu quarto. Sobre esse quadro-negro de fundo são inscritas as lembranças. Em forma de palavras e imagens. Ela dorme, literalmente, diante das imagens do arquivo. E essas imagens a olham de trás. Os papéis são invertidos... Dessa vez os arquivos parecem aptos a "fazer falar" a mulher deitada. Porém, aí de novo nada é dito. Mutismo. Silêncio. BLANK. Pois não são os arquivos que miram essa mulher. É a câmera. É diante do olho da câmera que ela dorme. Sua relação com essa câmera a posiciona de frente – ela sendo filmada – e por trás – ela sendo um dos artistas realizadores deste filme. E então apostamos na câmera que vai poder "fazer falar" e permitir ao Sujeito propor a reconstrução do seu "mito pessoal".

BLANK abre para uma experiência complexa na medida em que essa experiência faz surgir a espectralidade e a assombração através do medium mais espectral (aqui de novo é Jacques Derrida que nos aponta): o cinema. O cinema dando a ver nada menos que fantasmas. Através da construção e da montagem, o filme não prega verdadeiramente um discurso – da ordem da teoria, por exemplo –, mas cria o dispositivo de uma experiência espectral: ver fantasmas e se deixar habitar por eles. Nova ambiguidade. Embora as políticas memoriais nos induzam a "fazer o luto" de um evento traumático a fim de que dele nos liberemos definitivamente, Derrida lembra que o cinema, um luto magnificado, é um trabalho-de-luto sem fim, pois os espectros podem reaparecer eternamente em forma de projeção sem serem incorporados. O cinema acentua a espectralidade inerente às imagens, ao desenho, à pintura e à fotografia. Assim, BLANK é um filme não paradoxal, mas complexo, porque se pronuncia sobre o arquivo e sobre a espectralidade, abrindose – através da montagem e da natureza em si de filme – para a experiência do traço e do fantasmático. Se rompe com algumas tradições, BLANK, no entanto, não deixa de estar inscrito em um espaço específico, o espaço da arte, no qual a história da arte funciona como um inconsciente também específico. Quanto a isso, não nos espantamos ao ver surgirem certas imagens e certas referências. Porém, essas referências, longe de serem citações eruditas e circulares, contribuem com esse dispositivo

MICHEL DACCACHE Uma Cinematografia da Hiância

Aqui o filme deixa de ser um documentário que viria atestar uma realidade. Tampouco é um comentário sobre o real, um discurso sobre tal ou tal evento histórico ou sobre uma ou outra trajetória individual. Ele é uma experiência em si, uma realidade à parte. Mas resta ser interpretado no "após-o-fato" da experiência. Ele nos possibilita criar sentidos diversos, permitindo "montar" suas cenas à nossa maneira, extraindo delas uma significação diferente a cada vez e reconhecendo, assim, a qualidade arquetípica do comportamento de suas imagens. Não se trata de um instrumento genérico colocado à disposição de cada um para que nele identifiquemos nossa própria história, porém de uma estrutura com uma "margem de manobra" que permite uma apropriação mais livre.


as it deals with archive and spectrality, while creating the conditions – by its composition and its nature – to the experience of traces and spectrality.

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Even if it breaks with certain traditions, BLANK is nevertheless inscribed in a specific field, the field of arts, in which the history of art functions as a specific unconscious, and therefore it is not surprising to notice some images and references taken from it. However, these references, far from being circular and erudite, contribute to this experimental dispositive. For example, the last scene of the chapter titled THE NIGHT, a frontal shot on a pair of boots, refers to – intentionally or not – a classical painting theme. The famous “A Pair of Shoes” by Van Gogh has been widely commented by thinkers such as Martin Heidegger and Meyer Schapiro. Derrida notices that these authors try to make these shoes talk, to extract a truth from them. The truth of their origins or of their use. Indeed, the authors wonder what returns with these shoes. They project their fantasies on them, turning them into ghosts. Neither can the spectator avoid projecting his fantasies on such objects of everyday use. Anyway, BLANK's boots leave the spectator speechless, as they are impossible boots. They are denatured shoes that won't allow any fantasy. Indeed, what could one do with shoes that are no good for walking in?

Frame: chapter THE DAY – Siemensstadt station

MICHEL DACCACHE A cinematography of Void

Fotograma: capítulo O DIA – estação Siemensstadt

Here, we are far from the narcissistic display of personal belongings (photographs, souvenirs...). The close-up on the boots being 'interlaced' (in the original sense but also in the sense of a loving embrace) functions in BLANK as an anchor point of great visual impact, and that seems to emerge out of the core of the film, to come and interlace and merge the totality of the film's images of the film and its production processes. As an example, among some other interlaced things in this film, one can find two other moments where the recurrence of shoes is explicit. In the scene that precedes THE NIGHT and in which a tree trunk interrupts the path of a woman walking on railroad tracks, redirecting her action in the scene: she takes off her shoes, and then, in a protective gesture, she envelops her feet in golden paper. In a frontal shot, that reminds us of the one of the boots, she is sitting on a tree trunk, looking at us, staring out of the frame, casting her gaze away from the film itself. Her feet, symbolically swollen by the golden paper, remind us of Oedipus (which means “swollen feet” in Greek). Her stare


experimental. O plano final do capítulo intitulado A NOITE, um plano frontal sobre um par de sapatos, reenvia, conscientemente ou não, a um motivo clássico da pintura. Os famosos "sapatos de Van Gogh" foram longamente comentados, em particular por pensadores como Heidegger e Schapiro. Derrida observa que esses autores tentaram "fazer falar" esses sapatos, portanto, tentaram extrair deles uma verdade. A verdade de sua origem ou de seu uso. De fato, perguntam-se sobre o que retorna com eles. Projetando assim sobre eles um fantasma/fetiche e fazendo deles uma espécie de "retornados" inquietantes que apelam ao nosso despertar, de modo que o espectador não pode evitar nem se projetar em um objeto de uso corriqueiro nem se interrogar sobre sua função. Resulta que os sapatos de BLANK cortam o suspiro do espectador, uma vez que se trata de sapatos impossíveis. Eles são os sapatos desnaturados que interditam toda a projeção. Pois, o que fazer de sapatos tão paradoxais que, ao que tudo indica, feitos para caminhar, são evidentemente impraticáveis?

Nesse caso, não se trata tanto dos próprios pais quanto do passado do qual somos herdeiros. Em um plano frontal, a jovem mulher parece escapar da trama do filme para atestar essa condição do ser humano, fazendo por esses meios seu trabalho-de-luto, que, nesse caso, se dá na forma da desconstrução do próprio

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Fotograma: sequência do capítulo A NOITE – estúdio 8, ZK/U Frame: sequence from THE NIGHT – studio 8, ZK/U

MICHEL DACCACHE Uma Cinematografia da Hiância

Estamos longe da exposição egoica de objetos e pertences pessoais, fotografias, suvenires ou outros. O gros-plan sobre os sapatos sendo "entrelaçados" ( stricto sensu e talvez em um sentido mais imagético do entrelaçamento amoroso) funciona em BLANK como um ponto de âncora e de síntese, de grande impacto visual, emergindo da profundidade do filme para vir enlaçar, amalgamando a totalidade das imagens e do processo de produção. A título de exemplo, seleciono, entre outros entrelaçamentos possíveis na estrutura do filme, dois momentos em que a recorrência dessa significação dos sapatos torna-se mais explícita. A primeira é a imagem que resulta do plano que antecede , onde um tronco de árvore interrompe o trajeto da mulher caminhando sobre os trilhos ferroviários, redirigindo assim sua ação em cena: ela retira seus sapatos envolvendo seus pés com uma folha dourada em um gesto de proteção. A mulher sentada no tronco, em um plano frontal que lembra o plano sobre os sapatos, nos olha, espia para o forade-campo, jogando seu olhar para fora do filme. Seus pés, simbolicamente inflados pela folha dourada, evocam o mito de Édipo (que significa, em grego, "pés inflados"). Seu olhar parece um testemunhar da consciência do trágico da situação: como Édipo, temos os pés atados por nossos ancestrais.

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seems to testify that she is aware of this tragic destiny, because, as Oedipus, our feet are bound by our ancestors.

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In this case, it is not about our parents, but about the past that is inherited. Here, again in a frontal shot, she seems to escape the narrative, going through her mourning process, which is a deconstruction of the film itself. But the shot of the shoes also refers to another scene, the one in which the woman is locked out of her house. Even if we are excluded from this house we remain there thanks to the camera. We are once again removed from our position, and that is why we can look at the interior of the house, seeing the scene off camera, knowing that the woman sitting on the tree trunk is also staring in the same direction. Cleavages and “dis-joints” appear several times in the film, in particular through the overlaying of images or of sounds on pictures. The scene in which we can see a young woman sleeping and, by superposition, loading machines working, leads us in disharmony between subjectivity and tools of subjectivation. It is the same thing in the scene in which a young child is singing and dancing and in which sounds and images are disconnected. These lag mechanisms between images and sounds create a nostalgic atmosphere disturbing our sense of identity and memory. Here, spectrality appears disjointed. Finally, the richness of the experience created by BLANK, unique each time, is mostly due to the plurality of situations and symbols. The Number 6, for example, which seems to be as neutral as every mathematical object can be invested in various ways. How can we understand the scene of the celestial bodies? Is it an astronomy lesson? An astrology lesson? A metaphor of family constellations? Does it insist on external determinations or on the contrary on the freedom of a dancing star? Or does it, through the question of light – which is pure phenomenon – remit us again to the question of appearance and spectrality? The question remains unanswered. In many ways, BLANK doesn't deliver a speech, but invites us to experience spectrality. The film doesn't conclude anything. In the last scene we witness the woman leaving the archives, taking us with her. But when she is about to exit, we see a man entering the corridor leading to the archives room. BLANK then deploys as realties that repeats to the infinite. That is the logic of BLANK. Photo: abandoned house's walls

MICHEL DACCACHE A cinematography of Void

Fotografia: paredes da casa abandonada


filme. Porém, o plano dos sapatos evoca uma outra cena, a da exclusão de sua casa. Uma cena igualmente ambígua e paradoxal. Embora sejamos excluídos do lugar, de certo modo do nosso lugar, habitamos, ainda que pelo viés da câmera, esse lugar desafetado, abandonado. Aí novamente nos reencontramos fora de nossa função, e é por isso que podemos olhar para a casa vendo o fora-decampo, o mesmo fora-de-campo ao qual se refere o olhar da mulher na cena em que ela está sentada no tronco.

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As clivagens e as disjunções aparecem em outros momentos do filme, particularmente através dos efeitos de sobreposição de imagens sobre imagens ou de sons sobre imagens. A cena na qual a jovem mulher dorme, e na qual vemos em sobreposição as máquinas de carga operarem, nos transporta em desarmonia entre a subjetividade e certos instrumentos de subjetivação. Da mesma forma, vemos em outra cena uma menina pequena cantando e dançando onde as imagens e o som são desconexos. Esses mecanismos de defasagem temporal criam um ambiente extremamente nostálgico, perturbando nosso sentido de identidade e de memória. O fantasmático aparece aqui como disjunção. Por fim, a riqueza da experiência para a qual BLANK abre, a cada vez de forma singular, torna-se em grande parte possível pela multiplicidade das situações e dos símbolos. O número 6 – que parece possuir a neutralidade de todo objeto matemático – pode ser aplicado de maneiras muito diversas. E, igualmente, o que compreender da cena dos astros? Trata-se de um estudo da astronomia, de astrologia ou de uma metáfora das constelações familiares? Trata-se de reiterar as determinações externas ou de rondar a liberdade de um astro dançante? Ou a cena consiste, através da questão da luz enquanto fenômeno, em evocar mais uma vez a espectralidade e a aparição? A questão permanece obscura. De mil maneiras BLANK provoca a experiência do espectral em vez de nos impor um conteúdo específico. BLANK não "conclui". Na cena final, a mulher toma o corredor dos arquivos, levando-nos com ela até a saída. Nesse movimento, entrevemos um homem caminhando, no mesmo corredor, no sentido contrário, entrando por sua vez no mesmo lugar, desdobrando assim o filme em realidades que se repetem e se cruzam ao infinito. Esta é a lógica de BLANK. Fotografia: desenho dos movimentos dos planetas, pré-produção para o capítulo A OUTRA NOITE

MICHEL DACCACHE Uma Cinematografia da Hiância

Photo: astronomical diagram, pre-production of the chapter THE OTHER NIGHT


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BLANK: or about the experience of time and reinvention of memory

FERNANDA ALBERTONI

PART 1 pg. 28-29 Frame: chapter THE OTHER NIGHT – moon girl's scene Fotograma: capítulo A OUTRA NOITE – cena da menina lua

Three gazes (from Mauro, Camila, and Ali), four gazes (from M.C.A. and character P. ), many gazes (from M.C.A.P. and their devices ) that meet and build geometries: within geography, nature, heritages, industrial detritus, in layers of time and information. Information: our world is immersed in it, our characters get lost within it, our stories are built from it. But where does it reside? In memory, space, or in our storage devices ? How can we organize our relation with the world? Should it be through the organization of information? Or rather, might it be through the access to (or creation of) memory? These infinite gazes (Mauro, Camila, Ali, character P. , the camera and numerous devices ) stitch together a possible mediation between a character and the world, among memories and information, times and spaces. At times reconciling, at others causing friction in their relation with the memory rooted in an Europe submerged in debris and the weight of its past. These gazes attempt to break with the bandage that covers the wounds of a not so new New World. The passage of time that stretched the bonds seems now to allow these characters and their gazes to move again: the wounds from other ages are turning into scars. The scars, as everyone knows, are maps. They are the marks of the world's double on our bodies. Characters, which are quintessentially doubles, use their scars as guides through the world. The New World's heirs no longer know where their memory rests. It does not rest. It is volatile. It bears the weight of fog that blinds but also embraces us. It modifies space and paralyses time. And vanishes. Our characters once again pursue memory in other spaces, other times. Although the project for a new future did not set them free from the weight of time and space, its scope, based on bandages, freed them to carry out an archaeology of the roots that remained partially grounded in the map of the world – the old, tired world. In their wanderings the characters began their search for cosmic geometry at a medieval pilgrim shelter, the Saint-Quentin-en-Yvelines Templar's Commandery in France. There, they engendered a process of drawing the space and outlining passages. The physical places of


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BLANK: ou sobre a experiência do tempo e reinvenção da memória

FERNANDA ALBERTONI

PARTE 1 Olhar a três (Mauro, Camila e Ali), a quatro (M.C.A. e P.ersonagem ), a muitos (M.C.A.P. e seus devices ), que encontra e constrói geometrias: na geografia, na natureza, na herança e no dejeto industrial, nas camadas do tempo, na informação. Informação: nosso mundo se enxurra dela, nossos personagens se perdem nela, nossas estórias se constroem a partir dela. Mas onde ela reside? Na memória, no espaço, nos nossos storage device s? Como organizar nossa relação com o mundo? Através da organização da informação? Através do acesso – ou criação – da memória? São esses infinitos olhares (Mauro, Camila, Ali, P., câmera e inúmeros devices ) que costuram uma possível reorganização da mediação entre um personagem e o mundo, entre memórias e informações, entre tempos e espaços. Ora reconciliam, ora friccionam o enraizamento da memória numa Europa imersa na debris e no peso de seu passado; e tentam romper os laços da atadura das feridas de um mundo novo já não tão novo. O tempo que laceou a gaze da atadura parece agora permitir que esses personagens e seus olhares se movam – as feridas de outras idades estão virando cicatrizes. As cicatrizes, como todos sabem, são mapas. Os duplos do mundo em nosso corpo. Os personagens, os duplos em excelência, usam suas feridas como guias pelo mundo. Os filhos do novo mundo já não sabem onde sua memória descansa. Ela não descansa, é volátil. Ela tem o peso da névoa, que cega e nos envolve. Que modifica o espaço e paralisa o tempo. E se esvai. Vão nossos personagens novamente em busca dela, em outros espaços, outros tempos. O projeto de um novo futuro não os libertou do peso do tempo e do espaço. A liberdade de um projeto baseado em ataduras os deixa livres para realizar uma arqueologia das raízes que permaneceram semifixadas no mapa do mundo – o velho, cansado mundo. Em seu perambular, os personagens começam sua busca por uma geometria cósmica num abrigo para peregrinos, a comenda dos templários em Saint-Quentin-en-Yvelines, na França. Lá, engendram um processo de desenhar o espaço e traçar as linhas dos lugares de passagem. As passagens do velho mundo, já tão caras a Walter Benjamin, o profeta

pg. 30-31 Fotografias: pesquisa de locação e pré-produção, Saint-Quentin-en-Yvelines, França Photos: Location scouting and pre-production, Saint-Quentinen-Yvelines, France


passages as time connections in the Old World, a concept also dear to Walter Benjamin, the prophet of the ruins of historical time, present themselves for our new prophets of the past as tracks, trains and industrial landscapes.

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During this trajectory they met other researchers of the traces and remnants of time: in London, they learned with Aby Warburg, the clairvoyant historian of images, about the survival of gestures in the ruins (or would it be memory?) of time. He was also an enthusiast of devices as tools for mapping the symbolic, and the codification of images... All the paths, the affection, the dialogues with the ghosts of the prophet of the ruins of time (whose own life ended up immersed in melancholy) and with the clairvoyant of the survival of images (who was interrupted but also potentialized by madness) led our characters to a (or the ) nerve point of this world in ruins. Differently from what the prophet and the clairvoyant thought, the city of Berlin understands that ruins also represent the potential for construction, for reinvention. The past is not reached by searching for it, but rather through constant creation. And there they are, our characters. Meanwhile, we await their new detours through memory. London, 12 th November 2013. Photo: image research in the Photographic Collection at The Warburg Institute, London

FERNANDA ALBERTONI BLANK: or about the experience of time and reinvention of memory

Fotografia: pesquisa de imagens na The Photographic Collection do The Warburg Institute, Londres

PART 2 Leap in time. Berlin is over. For now. History and stories never end. However, after the rehearsals and the preparatory studies in Saint-Quentin-en-Yvelines and London it is from and in the time and space of the passage through Berlin that the film BLANK Berlin arises. As Benjamin said, the genuine epic experience of time resides in hope and memory . We could affirm that it is precisely through these spheres of an epic experience of time that the process-film BLANK Berlin transits. Hope and memory . Hope in retracing the trajectory of our origins that perpetuates itself in the blurred lines of the memories of family sagas. But the interlocutors-proponents-characters of this process understand that the effects of the twentieth century historical


da ruína do tempo histórico, se apresentam como trilhos, trens e dejetos industriais para nossos novos profetas do passado.

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Nessa trajetória, encontram outros pesquisadores dos traços/ resquícios do tempo: em Londres, aprendem com Aby Warburg, o clarividente historiador das imagens, a respeito da sobrevivência dos gestos nas ruínas (ou seria memória?) do tempo. Ele também é um apreciador dos devices como ferramentas do mapear, do simbólico, da codificação das imagens... Todos os caminhos, todos os afetos, todos os diálogos com os fantasmas do profeta das ruínas do tempo (findado em melancolia) e com o clarividente da sobrevivência das imagens (interrompido, mas também potencializado pela loucura) levaram nossos personagens para um (ou o ) ponto nerval deste mundo em ruínas. Diferentemente do profeta e do clarividente, Berlim entendeu que ruína é reconstrução. É reinvenção. O passado não se alcança por busca, mas por um constante criar. E lá eles estão, nossos personagens. E nós, à espera de seus novos descaminhos pela memória. Londres, 12 de novembro de 2013.

PARTE 2

Benjamin disse que a genuína experiência épica do tempo reside na esperança e na memória . Poderíamos afirmar que é justamente por esses âmbitos de uma experiência épica do tempo que o filme-processo BLANK Berlim transita. Esperança e memória . Esperança no retraçar de uma trajetória de origem que se perpetua nas entrelinhas nebulosas da memória das sagas familiares. Mas os interlocutores-propositores-personagens desse processo entendem que a reincidência dos efeitos das tragédias históricas do século XX nos movimentos de êxodo de seus ascendentes é transformada no tempo e em suas narrativas. O cinza dessas meias-histórias chega até eles, mais próximos de mitologias do que de documentos, e, como tal, em seu potencial “inverificável” é que o efetivo retraçar se desenrola. Os propositores desse projeto voltam-se para os processos da experiência como o caminho desse retraçar. Resguardam um estoque de abertura para que o

Fotogramas: estudos de roteiro na The Photographic Collection, The Warburg Institute e no Regent's Chanel, Londres Frames: script tests in The Photographic Collection, The Warburg Institute and at the Regent's Chanel, London

FERNANDA ALBERTONI BLANK: ou sobre a experiência do tempo e reinvenção da memória

Pulo no tempo. Berlim encerrouse. Por ora. História e estória nunca se encerram, mas, depois dos ensaios e estudos preparatórios em Saint-Quentin-en-Yvelines e Londres, é do e no tempo e espaço da passagem por Berlim que surgiu o filme BLANK Berlim.


tragedies of their ancestors' exodus are transformed within time and its narratives. The grey shades of these half-histories reach them more like mythologies than documents, and as such, it is in their “unverifiable” potential that the effective retracing happens.

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Frame: prologue – filming at the State Archive for Civil Affairs, Berlin

FERNANDA ALBERTONI BLANK: or about the experience of time and reinvention of memory

Fotograma: prólogo – filmagens no prédio do Arquivo de Estado para Assuntos Civis, Berlim

The project's proponents turn towards the processes of experience as a path for this retracing. They store a supply of openness so that experiencing places, times and encounters outlines the narrative of this process. Such proposition clashes with what Benjamin certified as the fundamental element in the disappearance of storytelling throughout the twentieth century: the rising of information as knowledge and means of communication. According to this shift diagnosed by Benjamin we have lost the skill of exchanging experiences, which constitutes the basis of narrative and knowledge of a society in a pre-information era. The valuation of information has brought the dominance of “verifiability” and the “epic” side of truth, that is closer to mythological wisdom than to the precision of explanations, has lost its place in our concepts of memory, knowledge and narratives.

BLANK Berlin takes us back to an attempt to access memory through experience rather than through information. The project arises from a desire to work with the recent history of immigration and oblivion in the family's trajectory of the three components of the project. In BLANK Berlin one of these (hi)stories provided an imminently personal departure point transcribed in one of the member's grandfather's documents found at the Berlin State Archives. A photograph of her mother and aunt celebrating Purim, dressed up as The Night and The Day , was found during the experience of the search for her family's past at the cardinal place of confluence of the events marked this (hi)story, Berlin. However, this point also converges at an experience that belongs to the collective: it appears inscribed in the archive that exalts war and migration experiences as standardized processes, in terms of the symbology and imaginary that belong to


experienciar d/nos lugares, d/no tempo e d/nos encontros delineie a narrativa. Tal proposta choca-se justamente com o que Benjamin constatou como sendo o elemento fundamental do que ele diagnosticou como a morte da narrativa no decorrer do século XX: a ascensão da informação como conhecimento e forma de comunicação. Com essa virada diagnosticada por Benjamin, teríamos perdido a habilidade de trocar experiências, o que constituía a matéria das narrativas e do conhecimento em uma sociedade pré-era da informação. Com o domínio da “verificabilidade” que a valoração da informação trouxe consigo, o lado “épico” da verdade, que tende mais à sabedoria da mitologia do que à precisão da explicação, veio a perder lugar em nossos conceitos de memória, conhecimento e narração.

Podemos supor que em BLANK Berlim esse cruzamento entre o individual e o coletivo é representado na presença dupla da personagem. Presenciamos a busca de duas mulheres, uma pelo interior do documento, outra pelo exterior da experiência. Nunca sabemos onde elas se aproximam, distanciam ou confluem. Elas coexistem. Como passado e presente coexistem em todo agora. Como privado e universal coexistem em toda memória. Como realidade e mitologia coexistem em toda experiência.

BLANK BERLIM

Fotograma: capítulo A OUTRA NOITE – fotografia do arquivo da família Leichter Frame: chapter THE OTHER NIGHT– photograph from the Leichter's family archive

FERNANDA ALBERTONI BLANK: ou sobre a experiência do tempo e reinvenção da memória

BLANK Berlim nos leva de volta a uma tentativa de experiência , e não informação, da memória. O projeto surgiu do desejo de trabalhar com a história recente de migração e oblívio na trajetória familiar dos três proponentes. Em BLANK Berlim houve um ponto de partida através de uma dessas (hi)estórias. Esse ponto é iminentemente pessoal: aparece transcrito nos documentos do avô achados no Arquivo de Berlim, na foto da mãe e da tia celebrando o Purim como a noite e o dia , na real experiência de um dos integrantes do projeto em sua busca por esse passado no lugar de confluência cardeal dos acontecimentos, Berlim. Mas esse ponto também conflui para o coletivo: aparece inscrito no arquivo que massifica a experiência de guerra e de migração em seus processos padronizados, na simbologia e no imaginário comum a toda uma etnia/religião, na cidade emblema das problemáticas da memória do século XX.

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an ethnic group or religion, and also in the city that is emblematic of the memory issues in the twentieth century.

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Frame: location scouting at Siemensstadt station Fotograma: pesquisa de locação na estação Siemensstadt

We can suppose that in BLANK Berlin this crossing between individual and collective is represented through the double presence of a character. We witness two women's searches, one through the interior of documents, the other through the exterior of experience. We never know where these two characters approximate, converge or distance themselves from each other. They co-exist. As past and present co-exist in every now. As private and universal co-exist in every memory . As reality and mythology co-exist in every experience . The film-process opens to the doubles of experience and begins with of one of the characters walking through the symmetric geometry of a park. Next, an aseptic corridor of the Berlin State Archive appears in a perspective shot. Man's attempt to control the flow of life. But can one control the flow of memory? The noise of a door being closed. The character who wanders through the institution's corridors, and that we see flipping through folders and documents, will remain there. BLANK.

FERNANDA ALBERTONI BLANK: or about the experience of time and reinvention of memory

THE DAY begins with the symbolic image of a window. The window, and its inside-outside representation, is a transitional place between the individual and intimate to the collective and the masses. Also, it is a place where dreams pass through: the escape from self-contemplation to the constant movement of the outside world. The other character appears in front of the window and sees a train passing by. Are past and memory in transit outside, somewhere outside? Or they are always within us, wherever it might be, in the stillness of our inner world? In a decisive move, the character closes the window and leaves.

Frame: chapter THE DAY – performance with the golden paper at Siemensstadt station Fotograma: capítulo O DIA – ação com a folha dourada na estação Siemensstadt

While going down the building's stairs, the aging layers of the architecture reveal this passage, from the interior to the exterior, marking the beginning of the search. The character grabs the worn handrail as if it the very density of time could be contained. Already on the outside, she moves through the geometry of the landscape. The forest is framed by an iron gate and given scale by the train tracks. The leaves fallen from the trees, golden due to autumn, give way to the golden emergency thermal blanket that wraps the feet of the character. The same leaves that after their autumn colouring vanish at the end of their cycle. Man, on the contrary, tries incessantly to paralyze, preserve and recover time. Is the thermal blanket taking care of the feet wounded during the walk through time? Cutaneous maps, of the wounds that become scars then turn into maps, appear to be concentrated on the limb for walking. It is what carries our character to the outside of time or to the experience of memory. The other character, as if she had her feet tied, remains within time, searching and digesting in the documented memory. In THE NIGHT, the character who went out returns to its inner shelter. A lamp is turned on, revealing the documents that remained there. They belong to this protected place. Man's time resonates. Ignoring the documents on the table, the character falls asleep and dreams. Meanwhile the other character reappears carrying out her archaeology of documents. For her, the dreams seem to be


A abertura do filme-processo para os duplos da experiência parte do caminhar de uma das personagens por meio da geometria simétrica de um parque. Em seguida, o plano em perspectiva do asséptico corredor da instituição, o Arquivo de Berlim. A tentativa de controle do homem sobre o fluxo da vida. Mas pode o homem controlar o fluxo da memória? Barulho de porta que se fecha. A personagem que entra pelos corredores da instituição, e que vemos a folhear pastas e documentos, lá permanecerá. BLANK.

Ao descer as escadas do prédio, as camadas de envelhecimento da arquitetura vão representando essa passagem, do interno para o externo, e o início da busca. A personagem agarra o corrimão marcado pelo envelhecimento como se pudesse agarrar a própria densidade do tempo. No fora, ela também transita pela geometria da paisagem. A floresta é enquadrada pelo ferro do portão e dimensionada pelos trilhos do trem. As folhas caídas das árvores, douradas pelo tempo, dão lugar ao dourado da manta térmica de emergência que embrulha os pés da personagem. As folhas das árvores, após se colorirem de outono, esvaem-se ao fim de seu ciclo. O homem, ao contrário, tenta incessantemente paralisar, preservar e recuperar o tempo. Está a manta térmica a embrulhar os pés para cuidar das feridas causadas pelo caminhar pelo tempo? Os mapas cutâneos, das feridas-que-se-tornam-cicatrizes-que-viram-mapas, parecem aqui se concentrar no membro do caminhar. É ele que carrega nossa personagem para o fora do tempo, ou a experiência da memória. A outra, como que com os pés atados, permanece a buscar e digerir a memória documental, o dentro do tempo. A NOITE, a personagem que sai para o fora retorna para seu abrigo interior. Seus documentos lá permaneceram, nos revela a luz que acende. A proteção do interior é o lugar deles. O tempo do homem (relógio) ressoa. Ignorando os documentos, a personagem parte para o sono e o sonho. Enquanto a outra reaparece em sua arqueologia dos documentos, para essa os sonhos parecem ser o lugar das inscrições. Loopings entre escrita e apagamentos. 'Fear of opening the door'. Outras línguas, a incógnita da linguagem. Quando o portador da memória migra,

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Fotograma: capítulo O DIA – saída da casa Frame: chapter THE DAY – leaving the house

Fotograma: capítulo A NOITE – inscrições na parede do estúdio 8, ZK/U Frame: chapter THE NIGHT – studio 8 wall inscriptions, ZK/U

FERNANDA ALBERTONI BLANK: ou sobre a experiência do tempo e reinvenção da memória

O DIA começa com a simbólica imagem da relação interior-exterior que a janela representa. A janela, o lugar de transição entre o individual e o íntimo, o coletivo e a massa, é também o lugar de passagem dos sonhos: saída do mundo em contemplação do interno para a busca do encontro de si no mundo em trânsito lá fora. A outra personagem aparece a contemplar o fora da janela. Vê um trem em passagem. Estão passado e memória em algum lugar no trânsito do mundo de fora? Ou estão sempre conosco, aonde for, na quietude do mundo interno? Em movimento decisivo, a personagem fecha a janela e parte para o fora.

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Frame: chapter THE OTHER NIGHT – tea scene

FERNANDA ALBERTONI BLANK: or about the experience of time and reinvention of memory

Fotograma: capítulo A OUTRA NOITE – cena do chá

the place of inscriptions. Looping between writing and erasing words. 'Fear of opening the door'. Other languages, the unknown of them. When the holder of memory migrates, does the language of memory go along too? How to rebuild memory through space, time and different languages? Here, our characters seem to find another guardian for the issue of memory in the twentieth century: memory as a blackboard, where the inscriptions are erased but the marks do not disappear. Freud also ties memory to the role of its devices . This, our characters understood already with their instruments such as time compasses. One of these devices - a photograph - is used as a memory-activating tool. A fragment from the past seems to invade the present time of the character of the experience. The night-girl of the image reappears in this place of memory activation. This is not a re-tracing but rather a reinvention mechanism. As already pointed out by Benjamin, to articulate the past does not mean to recognize it as “it really happened”, but rather, to awaken from a dream - the dream that the past projected as our present. It does not mean that through the photograph and the crescent moon crown of the night-girl the light of the past shines on the characters' present. Instead, through the use of an image as a tool and through the creative experience as a medium, past and present meet and contaminate one another. The awakening from the dream of history for Benjamin is the awakening of the dream of memory for our character. Thereafter, the house of dreams, where we first see our character contemplating the world through the window, locks our guest outside. She is back to the flow of life.

Under the weight of a great house of memory. British Library. London, 26 th March 2014.


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Através de um desses devices – uma fotografia, utilizada como ferramenta de ativação da memória –, um fragmento do passado parece invadir o presente da personagem da experiência. A menina-noite da imagem reaparece nesse lugar de ativação da memória. Essa, não retraçada nem resgatada em sua completude, mas reinventada no presente. Como já indicara Benjamin, articular o passado não significa reconhecê-lo como “realmente foi”, e sim despertar de um sonho – o sonho que o passado projetou como nosso presente. Não que através da fotografia e da meia-lua na coroa da menina-noite a luz do passado brilhe no presente da personagem, mas, através dela (imagem) como instrumento, e da experiência criativa como meio, passado e presente se encontram e contaminam mutuamente. O despertar, que, para Benjamin, era um acordar do sonho da história e, para nossa personagem, é um acordar do sonho da memória. A partir daí, a casa do sonhar, de onde primeiro vemos a personagem da experiência a contemplar pela janela, tranca sua hóspede do lado de fora. Ela está de volta ao fluxo da vida vivida.

Sob o peso do teto de uma grande casa da memória, British Library. Londres, 26 de março de 2014.

Fotografia: vista exterior da casa da personagem, antiga torre de controle de tráfego de trens em frente à estação Beusselstrasse Photo: exterior view of the characters house, an old train traffic control tower near Beusselstrasse station

FERNANDA ALBERTONI BLANK: ou sobre a experiência do tempo e reinvenção da memória

migra a linguagem da memória? Como reconstituí-la por entre espaços, tempos, linguagens diversas? Aqui, nossos personagens parecem encontrar outro padrinho da memória do século XX na metáfora da memória como um quadro-negro onde as inscrições são apagadas, mas as marcas não desaparecem. Freud também liga a formação da memória ao papel de seus devices . Isso, nossos personagens, com seus instrumentos como bússolas do tempo, já entenderam.


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Negentropy - Art - Memory

Photos: location scouting at the disused Pankow train station, Berlin Fotografias: pesquisa de locaçao na estação desativada de Pankow, Berlim

FABRIZIO POLTRONIERI

As a starting point for my reflections based on the film-process BLANK I establish a brief link between one of the possible conceptions of art and the path by which the artistic idea – already a phenomenon in the creator's mind – becomes an artwork characterized by its constant mutation. This relationship leads me directly to questioning the human need to produce and store signs with the deliberate intention of perpetuating in time – through the use of symbolic languages – ephemeral situations, data that will later form a collective memory, a cultural device. I perform these two (construction and questioning) movements to try to address, even if precariously, the two issues I understand as being the bases of the film-process Blank: the attempt to understand symbolic production as a continuous procedure – synechist – and the dialogue between the film and memory, penetrating the existential space of struggle against the process of entropy verifiable in any system. I point to the use of the term “synechist” as a qualifier of a continuous process aimed, in the specific case of the filmprocess BLANK, at producing precarious meanings out of language. Further explanation is required: synechism, word of Greek origin meaning “continuity”, is the way of thinking that emphasizes the idea of the primordial importance of continuity in any process. Methodologically, synechism indicates the need for raising hypotheses involving true continuity. In other words: A phenomenon – something that presents itself to the mind – always leads us to another phenomenon, in a continuous process that forms an intricate network of interconnected meanings. A phenomenon can only find some sort of explanation in some other phenomenon, which is a logical condition for the establishment of any kind of co-natural communication.

pg. 40-41 Frame: chapter THE NIGHT – bedroom scene, studio 8, ZK/U Fotograma: capítulo A NOITE – cena do quarto, estúdio 8, ZK/U

The construction of this type of significant relationship is undeniably part of the attributions of art, verifiable throughout the civilizing process, in which art is a being that seeks to avoid the creation of hypotheses that attempt to justify the inexplicability of something. The synechist method argues that the


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Negentropia – Arte – Memória

FABRIZIO POLTRONIERI

Estabeleço como ponto de partida para a minha reflexão sobre o filme-processo BLANK a construção de uma breve relação entre uma das possíveis concepções sobre a arte e o caminho pelo qual a ideia artística – já fenômeno na mente do criador – transmuta-se em obra, ser que se caracteriza por sua constante mutação. Essa relação me conduz diretamente ao questionamento da necessidade humana de produzir e armazenar signos com a deliberada intenção de perpetuar no tempo – através do uso de linguagens simbólicas – situações efêmeras, dados que, depois, formarão uma memória coletiva, dispositivo cultural. Realizo esses dois movimentos para tentar cercar, ainda que precariamente, as duas questões que entendo como sendo as bases do filme-processo BLANK: a tentativa de entender a produção simbólica como procedimento ininterrupto – sinequista – e o diálogo entre essa produção e a memória, adentrando o espaço existencial de luta contra o processo de entropia verificável em qualquer sistema. Atento para o uso do termo “sinequista” como qualificador de um processo ininterrupto que visa, no caso específico do filme-processo BLANK, à construção de significados precários a partir da linguagem. Cabe uma explicação mais detalhada: o sinequismo, palavra de origem grega que significa “continuidade”, é a forma de pensamento que insiste na ideia da importância primordial da continuidade em todo e qualquer processo. Metodologicamente, o sinequismo aponta para a necessidade do levantamento de hipóteses que envolvam uma verdadeira continuidade. Em outros termos: um fenômeno – algo que se apresenta à mente – sempre nos conduz a outro fenômeno, em um processo ininterrupto que forma uma intrincada rede de significações interconectadas. Um fenômeno só pode encontrar algum tipo de explicação em algum outro fenômeno, sendo esta uma condição lógica para o estabelecimento de qualquer tipo de comunicação conatural. A construção desse tipo de relação significante é, de forma inegável, parte das atribuições da arte verificáveis ao longo do processo civilizatório, sendo a arte um fazer que busca evitar a criação de hipóteses que tentem justificar a inexplicabilidade de algo, já que o método sinequista defende que a única justificativa para uma hipótese é a de que ela forneça, ou busque fornecer, uma explicação para um dado conjunto de fenômenos. Ao mesmo tempo em que as hipóteses devem ser mantidas e examinadas, sabemos que as conclusões são sempre incompletas e precárias, pois não temos acesso a todos os significados de nenhum signo. Pois então que, em resumo, a tarefa da arte é fornecer questões para a validação de hipóteses externas que são, por definição, inexplicáveis em

Fotograma: estudos de préprodução em Saint-Quentinen-Yvelines Frame: pre-production studies at Saint-Quentin-en-Yvelines


only justification for a hypothesis is that it provides, or seeks to provide, an explanation for a given set of phenomena. At the same time that hypotheses must be maintained and examined, we know that the conclusions are always incomplete and precarious, because we do not have access to all the meanings of any sign. Therefore, in summary, the task of art is to provide questions for the validation of external hypotheses that are, by definition, inexplicable in their entirety. We coexist, in contact with art, in an intimate manner with the precariousness way of being par excellence.

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Frame: pre-production studies at Saint-Quentin-en-Yvelines Fotograma: estudos de préprodução em Saint-Quentinen-Yvelines

Having listed the tasks that I have set myself, I pause now on some aspects of the method by which a mental phenomenon is transmuted in form and becomes a work of art. I propose an existentialist approach whereby this transmutation process involves a triad that – far from being sacred – forms one sole body embodied in the act of playing the game of art. Here is where the players – artists and audience – are indistinct in relation to the construction of transitional meanings. The movements resulting from playing forge the artwork under the constructive desire of all players. Thus the current human landscape is established. The world of culture. The world whose way of being and appearing is revealed through playful forms of disinterested play engaged in its own rules. The sacred triad disrobes itself: nominalism, language – not just spoken language – and reality. Herein players act on processes of disinformation and information, or information and disinformation, in an eternal recurrence, an endless loop nourished by language. The procedural desire for signic creation, whose intention is to project on the world a reality that is not natural, blurring the boundaries between reality and fiction, is diluted in “the other's” constructive effort to understand the possibilities offered by the process of projection of symbolic realities. This game of forces that meet face to face in the space of art covers the natural world and continues to operate indefinitely. Human existence is pure playing. Playful existence.

FABRIZIO POLTRONIERI Negentropy - Art - Memory

In this way art is an always incomplete game to be interpreted and organized – materially and spiritually – by whoever proposes to formalize art and by the beholder. The procedural method, when applied to art, should devise contemplation of art being not as through a passive look as to what appears on the surface but as an integral and indispensable part of the game in question. Contemplation is always an aggregator play of form and spirit to a speech laden with meanings. Following such reasoning, art points unconditionally to something that is not contained within itself, having a metaphysical aspect of logic and semantic transcendence. That which the procedural art game tries to organize - its synechist hypotheses - is outside of itself. Art is a precarious index that points to an external universe while being at the same time immune to this same universe, which confers a high degree of freedom, because free means not having anything external legislate your actions. At this moment it becomes pertinent to ask: To which universes does the speech of the film-process BLANK point?


toda a sua extensão. Convivemos, em contato com a arte, de maneira íntima com o modo de ser da precariedade por excelência.

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Elencadas as tarefas a que me proponho, detenho-me agora em alguns aspectos envolvidos no método pelo qual um fenômeno mental transmuta-se em forma e torna-se obra de arte. Proponho uma abordagem existencialista, na qual esse processo de transmutação envolve uma tríade que – longe de ser sagrada – forma um só corpo, encarnado no ato de jogar o jogo da arte. Eis o local onde os jogadores – artistas e público – encontram-se, indistintos, para a construção de significados transitórios. São os movimentos causados pelo jogar que constroem a obra de arte, abrigo do desejo construtivo de todos os jogadores. Assim está estabelecido o panorama humano atual. O mundo da cultura. O mundo cujo modo de ser e aparecer é revelado através de formas lúdicas, do brincar desinteressado engajado em suas regras. A sagrada tríade se desnuda: nominalismo, linguagem – não apenas língua – e realidade. Nesse ato os jogadores atuam sobre processos de desinformação e informação, ou informação e desinformação, em eterno retorno, loop inesgotável alimentado pela linguagem.

Dessa maneira, a arte apresenta-se como um jogo sempre incompleto, a ser interpretado e organizado – material e espiritualmente – por quem propõe a formalização artística e por quem a contempla. O método processual, quando aplicado à arte, deve conceber a contemplação sobre o ser da arte não como um olhar passivo a respeito do que se apresenta superficialmente, mas sim como parte integrante e indispensável do jogo em questão. Contemplação é sempre jogada agregadora de forma e espírito a um discurso prenhe de significados. Seguindo tal raciocínio, a arte indica, incondicionalmente, algo que não está nela contido, tendo em si um aspecto metafísico de superação lógica e semântica. O que o jogo processual da arte tenta organizar – as suas hipóteses sinequistas – está fora dele. A arte é um índice precário que aponta para um universo exterior, sendo, ao mesmo tempo, imune a esse universo, o que lhe confere um alto grau de liberdade, já que livre é o que não tem sobre si nada que legisle sobre o seu modo de agir. Cabe, neste ponto, a pergunta: para quais universos o discurso do filme-processo BLANK aponta? Em meio à constelação formada pelas possíveis respostas, opto por me deter sobre o universo da memória. Imersos em um jogo caleidoscópico que recombina

Fotografia: cena final do capítulo O DIA Photo: final scene of the chapter THE DAY

FABRIZIO POLTRONIERI Negentropia - Arte - Memória

O desejo processual de criação signica, cuja intenção é projetar sobre o mundo uma realidade que não é natural, borrando as fronteiras entre realidade e ficção, dilui-se no esforço construtivo do “outro” em entender as possibilidades abertas pelo processo de projeção de realidades simbólicas. Tal jogo de forças que se encontram, face a face, no espaço da arte recobre o mundo natural e continua atuando indefinidamente. A existência humana é puro jogo. Existência lúdica.


Amidst the constellation formed by the possible answers, I choose to dwell on the universe of memory. Immersed in a kaleidoscopic game that recombines fragments collected throughout incessant research in many countries, Ali, Camila and Mauro propose memory, among other things, as a catalyst component of poetic relations. Relations that indicate ancestral connections that, united by chance, form the cosmos that unites the three artists.

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Besides the subjectivity inherent to any process of poetic construction, the trio uses data obtained from the incursions into files and places as possibilities to be recalculated. The aim is to go beyond history through the conception and formalization of narrative models that pursue the resignification of incessant phenomenological floods, triggered by the need to propose hypotheses about the objectual reality organized by the abyss of chance. They act in a post-historical manner when gathering fragments of memories and experiences that mask the natural reality with layers of artificial cultural realities and interconnected signs. Such cultural layers and the “things of the world” merge into a single substance that shapes the human world and is presented in a fractal manner in the filmprocess BLANK, a syntactically organized group of signs that reflects a symbolic arrangement, an agreement between the authors and the public. Conventional order signals precariously to external data of the sensitive world. Operating in this way, the artists – anchored by the freedom and free representation that constitute the foundations of art – are no longer committed to data external to themselves, do not simulate anything external, but rather are puzzled by the very same realities that they project on the world.

Photo: pre-production for the chapter THE NIGHT, studio 8, ZK/U

FABRIZIO POLTRONIERI Negentropy - Art - Memory

Fotografia: pré-produção para o capítulo A NOITE, estúdio 8, ZK/U

One must consider, thus, what memory is and on what is based the human need to keep it and recalculate it. We are dealing once again with a slippery existential field, and it is necessary to note that human existence is connected to communication. Human communication, cultural activity, is intimately connected to signic proliferation and the restlessness that moves man to fulfil the tireless task of drawing objectual nature closer to him. From this perspective man is a being who cultivates: harvests and stores signs through communication systems. Communication is a strategy to combat death since we are aware that we will die, a fact that makes our existence solitary. From the moment when man becomes aware of the finitude of his experience in the world he begins projecting an alternate world that at its essence carries dreams of immortality. The creation and sharing of codes give meaning to this naturally absurd way of living. Hence, the codes – artificial systems – overlay the natural objects, imposing artificial forms on the world's substance. Their function is also to store the information acquired for possible future harvesting. As human communication consists of storing, processing and transmitting


fragmentos recolhidos ao longo de uma pesquisa incessante em diversos países, Ali, Camila e Mauro propõem a memória, entre outros elementos, como componente catalisador de relações poéticas. Relações que mostram conexões ancestrais que, unidas pelo acaso, formam o cosmos que une os três artistas.

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Além da subjetividade inerente a todo processo de construção poética, o trio utiliza um repertório composto pelos dados obtidos a partir de incursões a arquivos e lugares como possibilidades a serem recalculadas, em prol da superação da história através da concepção e formalização de modelos narrativos que buscam a ressignificação de torrentes fenomenológicas incessantes, desencadeadas pela necessidade de lançar hipóteses sobre a realidade objetual organizada pelo abismo do acaso. Agem de maneira pós-histórica ao reunir, aos saltos, fragmentos de memórias e experiências que encobrem a realidade natural através de camadas de realidades culturais, artificiais, costuras de signos. Tais camadas culturais e as “coisas do mundo” amalgam-se em uma única substância, que forma o mundo humano. Este apresenta-se, de modo fractal, no filmeprocesso BLANK, conjunto de signos organizado sintaticamente que reflete um arranjo simbólico, um acordo, entre os autores e o público. Ordem convencional que orienta, de modo precário, para dados externos do mundo sensível.

Fotografia: detalhe da parede do estúdio 8, ZK/U Photo: studio 8 wall detail, ZK/U

Operando dessa maneira, os artistas – alicerçados pela liberdade e pela representação livre que constituem os fundamentos da arte – não têm mais compromisso com dados exteriores a si, não simulam nada externo, mas projetam sobre o mundo realidades que com este se confundem.

Nessa perspectiva, o homem é ser que cultiva: colhe e armazena signos através de sistemas comunicacionais. A comunicação é uma estratégia de luta contra a morte, já que temos consciência de que morreremos, fato que torna a nossa existência solitária. A partir do momento em que o homem se dá conta da finitude de sua experiência no mundo, ele passa a projetar um mundo alternativo, que, em seu âmago, carrega os sonhos da imortalidade. A criação e o compartilhamento de códigos dão sentido a esse modo de existir naturalmente absurdo. Destarte, os códigos – sistemas artificiais – recobrem os objetos naturais, impondo formas artificiais sobre a matéria do mundo. É também função dos códigos armazenar informações adquiridas para uma possível colheita futura. Sendo a comunicação humana um processo de armazenamento, processamento e transmissão de informações adquiridas, ela evidencia uma negação intencional da segunda lei da termodinâmica, que expressa o princípio da entropia, da perda natural de informação. Essa lei expressa que o universo, por ser um sistema

FABRIZIO POLTRONIERI Negentropia - Arte - Memória

Há que pensar, diante disso, sobre o que constitui a memória e em que se baseia a necessidade humana de mantê-la e recalculá-la. Trata-se mais uma vez de arenoso campo existencial, sendo necessário notar que a existência humana está ligada à comunicação. A comunicação humana, atividade cultural, está intimamente conectada à proliferação signica e à inquietação que move o homem na execução da incansável tarefa de aproximar de si a natureza objetual.


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Frame: video projection during open studio at ZK/U Fotograma: projeção de vídeo durante open studio no ZK/U

acquired information, it demonstrates an intentional denial of the second law of thermodynamics, which expresses the principle of entropy, the natural loss of information. This law states that the universe, as a closed system, has a natural tendency to increasingly probable situations that indicate the universe's steady progress towards disinformation, its thermal death, the last stage of entropy achieved when the elements of given system disperse, forming an homogeneous undifferentiated and uninformed mass. Culture tries to act in the opposite direction of this process, serving as an artificial device for storing information. Files, sounds, videos, photographs and texts are nothing more than cultural devices that accumulate signs. Extensions of human life in the struggle against entropy. Means found by man to store ephemerality. Memories. Man is a natural being who, while creating communication skills, builds memories with the intention of denying entropy, a process called negentropy.

FABRIZIO POLTRONIERI Negentropy - Art - Memory

We can observe in nature that biological development can also be understood as a tendency towards increasingly complex and highly unlikely forms whose information is also stored and can explain biological evolution. Against this natural setting as a backdrop man and the wiles of communication constitute the last stage of a long process of evolutionary development. This scenario is a symptom of natural epicycles that reflects a process in which information is accumulated in temporary and reverse interruptions without, however, preventing long-term gradual dispersion caused by entropy. In the case of man, however, we are aware of our temporary existence, and as we are both nature and culture simultaneously our bodies and our environment are doomed to entropic dissolution, even though the goal of our spirits is permanence and immortality through symbolic registers. Given these considerations, the universe projected by BLANK film-process can be understood, albeit uncertainly, as a leap guided by chance into the abyss of memory, a foray into cultural devices whose intention is to give legibility – launch synechist hypothesis about certain phenomena by poetic creation – to ephemeral existences seeking their meaning in records – indicators of the negentropic attempt to fight against oblivion, against the absurdity of human life – made ​​by previous generations.


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Fotograma: documentação em vídeo da première do filmeprocesso BLANK no estúdio 8, ZK/U Frame: video documentation of the première of the film-process BLANK, studio 8, ZK/U

fechado, apresenta uma tendência natural a situações cada vez mais prováveis que apontam para um contínuo caminhar do universo rumo à desinformação, à sua morte térmica, último estágio da entropia alcançado quando os elementos que compõem dado sistema se dispersam, formando uma massa homogênea indiferenciada e desinformada. A cultura tenta agir na contradireção desse processo, servindo como dispositivo artificial para armazenamento de informações. Arquivos, sons, vídeos, fotografias e textos nada mais são do que dispositivos culturais que acumulam signos. Extensões da vida humana na luta contra a entropia. Formas encontradas pelo homem para armazenar a efemeridade. Memórias. O homem é ser natural que, ao criar técnicas de comunicação, acumula memórias com a intenção de negar a entropia, processo chamado de negentropia. Podemos observar na natureza que o desenvolvimento biológico também pode ser entendido como tendente a criar formas cada vez mais complexas e pouco prováveis, cujas informações também são armazenadas e podem explicar a própria evolução biológica. Tendo como fundo esse cenário natural, o homem e os artifícios da comunicação configuram o último estágio de um longo processo de desenvolvimento evolucionário. Esse cenário é um sintoma dos epiciclos naturais que reflete um processo no qual informações são acumuladas em interrupções temporárias e reversas sem, no entanto, impedirem, a longo prazo, a dispersão progressiva causada pela entropia.

Diante de tais considerações, o universo projetado pelo filme-processo BLANK pode ser entendido, ainda que de maneira incerta, como um salto guiado pelo acaso no abismo da memória, incursão em dispositivos culturais cuja intenção é dar legibilidade – lançar hipóteses sinequistas sobre determinados fenômenos através do fazer poético – a existências efêmeras que procuram seu sentido em registros – índices da tentativa negentrópica de luta conta o esquecimento, contra o absurdo que é a vida humana – realizados por gerações anteriores.

FABRIZIO POLTRONIERI Negentropia - Arte - Memória

No caso do homem, porém, temos consciência de nossa existência temporária e, por sermos natureza e cultura simultaneamente, nossos corpos e nosso ambiente estão condenados à dissolução entrópica, por mais que a meta de nossos espíritos seja a permanência e a imortalidade através de registros simbólicos.


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Construction of BLANK pg. 50-51 Photo: view of the character's house with the Behala/ Westhafen port in the background Fotografia: vista da casa da personagem com o porto Behala/Westahen ao fundo

Making of: the characters house a casa da personagem

CAROLINE MENEZES

The following text is an excerpt of a long conversation between the critic and art historian Caroline Menezes and the artists Ali Khodr, Camila Mello and Mauro EspĂ­ndola, in February 2014. The interview was about the project BLANK and particularly about the film BLANK Berlin, the first audiovisual production by the collaborative platform BASE-Film. The production process of the film was carried out during an artistic residence at the Center for Art and Urbanistics - ZK/U, located in the district of Moabit, Berlin, between October and December of 2013. Caroline Menezes: By coincidence, I was offered the opportunity to see the film in the same period that I was coming to Berlin. So I decided to see it when I got here. It was one of the first things I did in the city. Among the many aspects that have caught my attention, I would emphasize the composition, the framing and the extremely precise cinematography. Now that I have had the time to visit ZK/U and the Moabit district where you filmed, I realize that the structure of the site is not very sophisticated, nor is Moabit an easy area to decipher. However, it would appear that you have relied on different equipment, even a crane perhaps. I mention this because the scenes look very well produced. But it was not quite like this, was it? Mauro EspĂ­ndola: During the previous two residences, in London and at the Commanderie des Templiers de la Villedieu in France, we focused on the preproduction of the project BLANK and on filming experiments using only digital equipment, despite some attempts to use an old Bolex camera. Then, before Berlin, we got some analog lenses to be adapted to the camera. This simple equipment improved the image quality. We used a 7D, a tripod and these lenses. Caroline: The film has a depth and beautiful transparency that perhaps another digital format would not offer. Who operated the camera? How were the shots and locations chosen? Camila Mello: We decided everything together: the cinematography, the camera's position and scenes. Ali Khodr: We thought about the images, angles and technical issues together. We depended on each day's light as we filmed during Berlin's autumn and winter. Everything else was decided while we were filming. Caroline: Regarding this light, did the site have its own lighting? There is a lamp that is used in the film and which is one of its recurring elements.


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Construção de BLANK

CAROLINE MENEZES

O texto a seguir é um recorte de uma longa conversa entre a crítica e historiadora da arte Caroline Menezes e os artistas Ali Khodr, Camila Mello e Mauro Espíndola, em fevereiro de 2014. A entrevista discorreu sobre o projeto BLANK e, particularmente, sobre o filme BLANK Berlim, primeiro resultado audiovisual da plataforma colaborativa BASE-Film. O processo de desenvolvimento dessa produção se deu durante a residência artística no ZK/U Center for Art and Urbanistics, localizado no bairro de Moabit, na capital alemã, de outubro a dezembro de 2013. Caroline Menezes: Coincidentemente, recebi o filme justamente quando vinha para Berlim, então deixei para assistir quando chegasse aqui. Foi uma das primeiras coisas que fiz na cidade. E, entre os muitos aspectos que me chamaram a atenção, destaco a composição das imagens, os enquadramentos e a câmera extremamente apurada. Agora já tive tempo também de conhecer o espaço do ZK/U e o bairro de Moabit, onde vocês filmaram. Percebi que a estrutura do local não é muito sofisticada e nem Moabit é um bairro fácil de decifrar. No entanto, muitas vezes, no filme, parece que vocês contaram com diferentes equipamentos, talvez uma grua, diferentes câmeras. Digo isso por causa da produção elaborada das cenas, mas não foi bem assim, foi? Mauro Espíndola: Nas duas residências anteriores, em Londres e na Commanderie des Templiers de la Villedieu, na França, realizamos o trabalho de pré-produção e filmagem utilizando apenas equipamento digital, apesar de algumas tentativas de usar uma antiga câmera Bolex. Antes da viagem a Berlim, adquirimos algumas lentes analógicas para serem adaptadas à câmera digital. Isso permitiu melhor qualidade da imagem embora o equipamento fosse simples. Usamos uma Cannon 7D, um tripé e essas lentes. Caroline: O filme tem uma profundidade e uma transparência belíssimas que talvez o formato digital não oferecesse. Quem ficava com a câmera? Como foram escolhidas as tomadas e as locações ? Camila Mello: A gente decidia tudo junto: a fotografia, a posição da câmera e as cenas.

Making of: trilhos de trem em Trappes, França; e sala de consulta do Arquivo de Estado, Berlim train tracks in Trappes, France and the State Archives consulting room, Berlin


Camila: It is natural light. At times we used some auxiliary lighting but it was quite precarious.

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Mauro: Very simple things. The final screening of the film occurred in our studio at ZK/U, and we set up a small exhibition of all the objects used in the film: lamp, radio, dossier with documents and some photographs. Caroline: There is also the blackboard and the chalk. Mauro: The very wall of our studio, that we call mauer, on which other artists and visitors interacted by writing and drawing with chalk during the open studio nights at ZK/U, was incorporated into the film. Basically, BLANK consists of a work in process involving participatory proposals, the use of objects linked to specific actions and the locations that evoke the idea of oblivion and neglect. Oblivion is approached by the impregnation of the sites chosen for filming, and merged with the studio experiences that occurred during the residences.

CAROLINE MENEZES Construction of BLANK

Caroline: The film's narrative is very subtle and is told precisely by these elements. Besides the ones that you mentioned now, I have listed, for example, the boots, the window and the glasses of tea. The discussion you want to provoke, about memory and oblivion, becomes much more present in these symbols than through a narrative of a series of events, as a story to be told. Therefore, I wanted to ask what these elements represent to you. Perhaps not what they represent, but how we can connect them. For example, how did the boots gain so much importance in the film? The lamp turning on and off is another good example, as is the window, its transparency and reflections. How did these findings and processes take place? Also, as part of the discussion about the project as a whole, I would like to ask what memory and oblivion mean to each one of you. Based on your notion of memory how do these symbols discourse, talk, analyze and debate? Making of: chapter THE OTHER NIGHT

Ali: The issue of memory and oblivion is subjective. It refers to what we hold on to past and how it is reflected in our habits. We three share a critical approach in relation to what we recognize in ourselves as memory. This relation is very close to the theme of heritage, where being is heritage. How to deal with it considering what we are told about ourselves? To position yourself in relation to such issues demands not only the acceptance of the history that constitutes us as beings, but also the pursuit of a kind of destruction of this heritage itself


Ali Khodr: Pensávamos juntos as imagens, os ângulos e as questões técnicas e confrontávamos com as luzes do dia, do outono e do inverno de Berlim. O resto a gente pensava e elaborava ao mesmo tempo.

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Caroline: E essa luz? Tinha iluminação local? Tem a luminária que acende no filme e é um de seus elementos recorrentes. Camila: É luz ambiente. Às vezes a gente utilizava alguma luz auxiliar, mas muito precária. Mauro: Coisas muito simples. Na apresentação final do projeto, no ZK/U, preparamos, junto de nosso ambiente imersivo, uma pequena exposição com os objetos que usamos para fazer o filme: lampião, rádio, cadeira, dossiê com documentos e algumas fotos. Caroline: Tem o quadro-negro e o giz.

Caroline: A narrativa do filme é muito sutil e contada justamente por esses elementos. Além desses que agora você citou, eu listei, por exemplo, a botina, a janela, o chá. A discussão que vocês querem estabelecer, sobre memória e esquecimento, revela-se muito mais a partir desses símbolos do que de uma narrativa construída por uma série de eventos, assim como uma história a ser contada. Logo, queria perguntar sobre esses elementos e o que representam para vocês. Talvez não o que eles representam, mas, como podemos conectá-los? A botina, por exemplo? Como ela se torna esse elemento tão importante? A lâmpada apagando e acendendo é outro bom exemplo, assim como a janela, sua transparência e seus reflexos. Como se deram essas descobertas e esses processos? Também dentro da discussão do projeto como um todo, gostaria de entender melhor qual é a noção de memória e esquecimento de cada um de vocês. E como é que esses símbolos discursam, falam, analisam, debatem a partir da noção de vocês de memória?

Making of: capítulo A OUTRA NOITE

CAROLINE MENEZES Construção de BLANK

Mauro: A própria parede do estúdio, que chamávamos de mauer, na qual outros artistas e visitantes interagiam escrevendo e desenhando com giz durante as noites de open studio no ZK/U, foi incorporada ao filme. Basicamente, BLANK é composto por um processo de trabalho que envolveu propostas participativas, o uso de objetos conectados a ações específicas e locações que evocam a ideia de esquecimento, de abandono. A abordagem do esquecimento foi acionada pela impregnação das locações escolhidas para filmar, misturando-se às experiências nos estúdios em que ocorreram as residências.


in an attempt to reorganize it. This means to actively reinterpret this heritage, and then to propose something that gives an insight into what we are. There is a sort of affirmation through denial. As for the film, we used some symbols, employing objects that I believe have no direct link to our discussion about memory. The most important thing was to look for places where we could work through the issues of this project. The objects, such as the shoes, fulfil a role in the film, enabling some actions. The way the shoes were tied, preventing their normal use, renders more meaning to the actions involving them than the objects themselves as symbols.

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Caroline: There is the scene in color in which Camila takes off her boots in the forest and then a different tight scene where the laces of the same boots are slowly tied.

Making of: chapter THE OTHER NIGHT

CAROLINE MENEZES Construction of BLANK

capítulo A OUTRA NOITE

Photo: exterior view from the window ot the studio 8, ZK/U – the crane of Behala/ Westhafen port Fotografia: vista exterior da janela do estúdio 8, ZK/U – grua de carga do porto Behala/Westhafen

Ali: The film deals with some recurrences that emerged from a need for structure, allowing a more consistent perspective of our proposal. Within this skeleton we drew THE DAY, THE NIGHT and THE OTHER NIGHT. There were times we had to shoot in a location without electricity. The oil lamp, in this setting, was an element that brought texture to the film, although, in the manner that it was used, it perhaps wasn't a likely symbol to be interpreted but merely a lighting choice that builds the kind of image that we needed. However, other elements such as the window have more precise meanings within the project. The window works as a link between the inside and outside, and this is potentially significant to our proposal that deals with memory and oblivion, with the subjectivity of the individual and the agents of subjectivity that are external to it. There are other scenes where that idea becomes clearer, such as the one of the window that reflects the bed in which Camilla is lying while we can also see through it a crane loading containers at the port. In this scene we see the external, objective and mechanical space invading the space of sleep and dreams. It is through such a commonplace opening, a window, that we are able to observe this operation. We point to what defines us as human beings in this world outside ourselves. Mauro: We were restructuring the project as a trilogy based on each other's personal history. Thus we went to Berlin, a place with strong connections to Camila's heritage. Our intention is that project BLANK should also unfold in Alagoas, Brazil, where I connect with my ancestors and afterwards in Lebanon, with Ali's heritage. When the desire to work based on our heritage began to consolidate, we did not know what kind of approach to take. After a perplexing period, we found a backbone which gave support to the project. This structure was what ended up being BLANK Berlin: a prologue, three acts, incorporating the cyclic idea of THE DAY, THE NIGHT, THE OTHER NIGHT and an epilogue. Having thought about the spine we then went in search of the muscles and blood. And thus decisions


Ali: A questão da memória e do esquecimento é subjetiva e se refere ao que guardamos do passado e a como isso se reflete em nossos hábitos. Nós três temos em comum uma relação crítica com isso. Ou seja, quanto ao que reconhecemos em nós mesmos como sendo da memória. Essa relação é muito próxima do tema da herança. Onde ser é herança. Como lidar com essa herança, com o que nos é contado sobre nós mesmos? Posicionar-se em relação a essas questões exige não apenas a aceitação da história que nos constitui como seres, mas também a busca de uma espécie de desconstrução dessa herança para tentar reorganizá-la. Isso quer dizer reinterpretar ativamente essa herança e, a partir disso, propor algo que seja uma visão sobre o que somos. Existe uma espécie de afirmação através de uma negação. Quanto ao filme, nós utilizamos alguns símbolos. São objetos que a gente empregou, e acredito que eles não têm elo direto com o nosso questionamento sobre a memória. O mais importante para nós era buscar espaços em um ambiente onde pudéssemos trabalhar as questões desse projeto. Os objetos, como os sapatos, cumprem uma função no filme, possibilitando algumas ações. A maneira como os sapatos foram amarrados, impedindo o uso normal deles, torna a ação sobre eles mais significativa que os próprios objetos como símbolos.

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Caroline: Tem aquela parte do filme, colorida, em que a Camila tira o sapato na floresta e, depois, uma cena concentrada em que ele é amarrado lentamente.

Mauro: Estávamos reestruturando o projeto sobre a ideia de trilogia a partir da história pessoal de cada um. Então, fomos a Berlim, um lugar de forte conexão com as heranças da Camila. Nossa intenção é que o projeto BLANK ainda tenha como desdobramento uma experiência em Alagoas, no Brasil, lugar de conexão com as minhas matrizes, e depois no Líbano, com as matrizes do Ali. Quando o desejo de trazer nossas heranças começou a se consolidar, não sabíamos que tipo de abordagem fazer. Depois de um período de perplexidade, achamos uma estrutura dorsal que significou a sustentação do projeto. Essa estrutura

Fotograma: capítulo O DIA Frame: chapter THE DAY

CAROLINE MENEZES Construção de BLANK

Ali: O filme lida com algumas recorrências que surgiram da necessidade de criarmos uma estrutura, possibilitando uma visão mais condizente com nossa proposta. Dentro do esqueleto que traçamos – O DIA, A NOITE e A OUTRA NOITE –, tivemos momentos em que precisamos filmar em uma locação sem eletricidade. O lampião, nesse ambiente, foi um elemento que possibilitou trazer uma textura para o filme. Talvez, da forma como o usamos, ele não seja um símbolo suscetível de ser interpretado, mas simplesmente uma escolha de iluminação que constrói o tipo de imagem que a gente precisava ter. Porém, outros elementos, como a janela, podem ter sentidos mais precisos dentro do projeto. A janela funciona como um elo entre o dentro e o fora, e isso, potencialmente, é significante para nossa proposta, que lida com a memória e o esquecimento, com a subjetividade do indivíduo e os agentes de subjetivação externos a ele. Tem outras cenas em que essa ideia fica mais clara, como o plano do reflexo da grua, carregando containers no porto, sobre o vidro da janela que reflete a cama na qual Camila está deitada. Nessa cena podemos ver o espaço externo, objetivo e mecânico, invadir o espaço do sono e do sonho. É através de uma abertura tão banal, uma janela, que podemos observar essa operação. Apontamos para aquilo que nos define enquanto seres neste mundo externo a nós mesmos.


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Frames: chapter THE DAY – Siemensstadt station Fotogramas: capítulo O DIA – estação Siemensstadt

were being taken without having to deal with any kind of classic narrative or predetermined script. We researched locations and did camera tests, and the symbols began to appear without us previously thinking about them. For example, when we went to the abandoned Siemensstadt train station, we ended up experiencing a performance that had not been discussed before. Camila was carrying a sheet of golden paper and did not mention her intention of using it there. We were experimenting with filming to understand how to address the abandonment of the place, and then Camila sat down on a tree trunk that lay across the train tracks and started taking her boots off. An obstacle, a limit to the path, an imposition on the itinerary. It was totally amazing and entirely unplanned. She held the golden paper at that point and, simultaneously, Ali started filming the scene. The same happened later, during the montage. There had been no prior thought about placing this scene at the end of THE DAY. We did not have a turning point. It happened spontaneously with the performance and many of these symbols appeared likewise, without the intention of doing so. The symbols emerged naturally. Caroline: There is an appropriation, right? Mauro: Yes. These appropriations were taking place spontaneously. One of the things that moved me the most was the materialization of a photograph of Camila's family, which was completed with the stunning participation of Liuka, the 7 year-old daughter of the artist resident at ZK/U, Jan Körbes. We worked on the costume based on the photograph to create a parallel and then we took Liuka to the location to produce a reflection of the image. However, she surprised us, performing in the space, spinning and singing a lullaby.

CAROLINE MENEZES Construction of BLANK

Caroline: So, that song had nothing to do with Camila's past? I'm asking this as it takes us back to those songs that pass from generation to generation. Mauro: In the beginning there was no relation but it ended up making the materialization of the image more powerful. Each time I see the film, I forecast different interpretations for the symbols that have appeared. There is an ambiguity in handling them. I think they come from the strangeness we feel in relation to our heritage and that we approach through subjectivity. I imagine that they are obscure images which refer to traumas, to nightmares and that will form a cycle through recurrences. All this from the relationship with our family legacy.


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consistia no que acabou sendo BLANK Berlim: um prólogo, mais três atos, passando pela ideia de ciclo – O DIA, A NOITE e A OUTRA NOITE – e um epílogo. Pensando nessa coluna vertebral é que fomos buscar os músculos e o sangue para preencher esse corpo. E foi assim que as decisões foram sendo tomadas, sem termos de lidar com qualquer espécie de narrativa clássica ou roteiro preestabelecido. Partimos para a pesquisa de locações e testes de filmagens. Os símbolos começaram a aparecer sem um pensamento prévio sobre eles. Por exemplo, quando fomos para a estação abandonada em Siemensstadt para fazer o reconhecimento de uma locação, acabamos experimentando uma performance da Camila que não havia sido combinada. Ela estava com aquela folha de ouro debaixo da manga e não comentou que tinha intenção de fazer algo com aquilo. Estávamos fazendo testes de filmagem para lidar com o abandono daquele lugar e a Camila fez uma performance tirando os sapatos, sentada em um tronco atravessado transversalmente na linha do trem. Um obstáculo, um limite no caminho, uma imposição sobre o itinerário. Foi totalmente surpreendente, sem planejamento. A Camila estendeu a folha dourada naquele ponto, o Ali simultaneamente improvisou o plano e filmou a cena. Não havia um pensamento prévio colocando essa cena para ser o final do episódio O DIA. Nós não tínhamos um ponto de virada. Aconteceu com a espontaneidade trazida pela performance e muitos desses símbolos foram surgindo assim. Sem a intenção de serem símbolos antes de surgirem naturalmente.

Making of: capítulo O DIA – estação Siemensstadt chapter THE DAY – Siemensstadt station

Caroline: Existe uma apropriação, certo?

Caroline: Então aquela música não tinha nada a ver com a história da Camila? Digo isso porque ela remete a uma dessas canções que passam de geração para geração. Mauro: A princípio não tinha, mas acabou tornando mais potente a materialização da imagem. Cada vez que assisto ao filme, revejo a possibilidade de diferentes interpretações para os símbolos que surgiram. Há ambiguidade em lidar com eles.

Making of: capítulo A OUTRA NOITE – produção chapter THE OTHER NIGHT – production

CAROLINE MENEZES Construção de BLANK

Mauro: Sim. Essas apropriações foram se dando de maneira espontânea. Uma das coisas que mais me emocionam nesse trabalho é a materialização de uma fotografia do acervo da família da Camila, que se completa com a participação belíssima de Liuka, filha do artista Jan Körbes, também em residência no ZK/U naquele momento. Fizemos a composição do figurino para gerar um paralelismo com a fotografia antiga e levamos Liuka para a locação com a intenção de materializar aquela imagem. No entanto, ela nos surpreendeu com uma performance que não foi influenciada por nós, girando no espaço e cantando uma música de ninar.


Caroline: The film has a dreamlike quality. In fact, so much so that there are two nights and one day. There is more time spent in dreams than in waking moments. In the scene where Camila is sleeping in the background of the room and the other character is in front of her, giving her back to the camera, she seems to be dreaming on the shoulder of the other.

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Mauro: We created an anecdotal term for this act: the nightmare. Frames: chapter THE NIGHT –bedroom scene and detail of studio 8 wall, ZK/U Fotogramas: capítulo A NOITE – cena do quarto e detalhe da parede do estúdio 8, ZK/U

Making of: prologue – dossier scene

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prólogo – cena do dossiê

Camila: The subjective aspect of memory becomes apparent in the choice to develop a notion about memory from oblivion, collectively and in film format. How to think together about each one's dimension of memory? I believe that through research based on our own personal history, but that is determined by the work process, it is possible to elaborate a notion of memory that operates collectively. One of the aspects I consider essential is the development of our own way of working, a kind of experience lab to learn to do what we envision in common, as in this process of making a film. It is not in terms of what memory is to me, but rather which temporalities are within us at that moment. The work is connected to the procedural dimension evoking a presence that takes place in terms of the past and also in terms of the things that are around us. Caroline: In short, we can discuss memory and its subjective aspect as opposed to oblivion. Memory as a synonym of remembrance, or as part of one's history, one's past or of anyone's past. We must not forget that there is a collective memory too. In the project BLANK it is memory connected to ancestrality that attracts my attention, to the heritage you commented on and that is the starting point of this trilogy. In fact, this question faces this issue. You are three artists with completely different ancestralities. So, how will they come together in project BLANK? Camila: The first part of the project happened in Berlin and is based on research into my own personal history. Some of the elements used in the film, such as photographs and a dossier, belong to this research, while others come from actions performed in each scene. We dedicated great part of the residence to location scouting in the city. The main site ended up being a


Penso que esses símbolos surgiram a partir do estranhamento que temos em relação ao legado transmitido e que abordamos a partir da nossa subjetividade. Fico imaginando que são imagens obscuras que vão remeter a um trauma, que vão remeter a pesadelos, que vão, através de recorrências, formar um ciclo. Isso tudo a partir da relação com as nossas matrizes familiares.

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Caroline: Tem uma coisa muito onírica no filme. Aliás, é tão onírica que são duas noites e um dia. Tem mais tempo de sonho do que de momento acordado. Tem aquela cena em que a Camila dorme ao fundo com a outra personagem à frente, em um ângulo que parece que ela sonha no ombro da outra. Mauro: Nós criamos um termo anedótico para esse ato: o pesadelo.

Caroline: Em resumo, podemos pensar a memória em contraposição ao esquecimento, o aspecto subjetivo da memória, a memória como sinônimo de lembrança, ou o que faz parte de sua história, do seu passado, ou de um passado. Não podemos esquecer que existe uma memória coletiva também. Mas chama a atenção no projeto BLANK a memória ligada à ancestralidade, à herança que vocês comentaram e que é o ponto de partida dessa trilogia. Aliás, essa pergunta vem ao encontro disso, vocês são três artistas com ancestralidades completamente distintas. Então, como se dará o encontro disso no projeto BLANK? Camila: A primeira parte do projeto aconteceu em Berlim e teve como base de pesquisa a minha história pessoal. Alguns dos elementos usados no filme, como as fotografias e o dossiê, são parte dessa pesquisa, enquanto outros surgiram das ações realizadas em cada cena. Dedicamos um longo tempo da residência a procurar lugares na cidade. Nossa principal locação acabou sendo uma torre de controle de trens, abandonada e lacrada por anos, próximo ao ZK/U, também uma antiga estação. Depois que ocupamos o prédio, ele passou a significar o lugar do esquecimento no filme. Não há nenhum gesto que tenha

Fotograma: capítulo A NOITE – cena do quarto Frame: chapter THE NIGHT – bedroom scene

Fotogramas: sala de consulta e dossiê de Jakob Leichter Frames: consulting room and the dossier of Jakob Leichter

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Camila: O aspecto subjetivo da memória fica evidente na escolha em desenvolver coletivamente uma noção de memória a partir do esquecimento na forma de filme. Como pensar uma dimensão coletiva da memória? Acredito que, a partir de uma pesquisa com base nas nossas histórias pessoais, mas que não determina o processo do trabalho, é possível criar uma noção de memória que funcione coletivamente. Um dos aspectos que acho essencial é o desenvolvimento de um fazer nosso, um laboratório do fazer, aprender a fazer o que idealizamos em comum, como nesse trabalho de fazer o filme. Não é o que é memória para mim, mas o que são as temporalidades que, neste momento, estão em nós. O trabalho está conectado à dimensão processual como evocação e estado de presença que acontece em nós, em termos do passado, e nas coisas que estão.


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Photo: locarion scouting – disued train tracks of Siemensstadt station Fotografia: pesquisa de locação – linha de trem desativada da estação Siemensstadt

train traffic control tower, abandoned and locked up for years, next to ZK/U, a former train station. After occupying the building, it became the place of oblivion in the film. There is no unnecessary gesture, tying the laces of the boots, pouring the tea, lighting the lamp, turning off the radio. Our intention is behind everything, despite the aspects that elude me such as the almost omnipresence of the train in the film. The action with the golden sheet of paper happened on a trunk lying over the train tracks. Interruptions were decisive in the film, the tree trunk, the boots tied to one another, or the impossibility to enter the house. This proposal is not connected to a specific time or historical fact, but rather reflects a context and our perception and organization of actions and elements triggered during the process. The structure proposes a subjective temporality and the process relies on improvisation and reactivity to places.

CAROLINE MENEZES Construction of BLANK

Caroline: It is an apprehension of space. And, talking about temporality, why one day and two nights? Ali: The sequence of three main acts consisting of one day and two nights is a device that addresses the issue of temporality. The first night refers to the previous act, that we call THE DAY. The time of this night is the natural consequence of daytime, while THE OTHER NIGHT is an alterity with regard to the prior acts. It comes as a discontinuity of the chronological time set by the light of the sun and its absence, and also as an alternative to historical time. In fact, the idea of THE OTHER NIGHT was inspired by Maurice Blanchot for whom it is the night of time, itself another time, the time of death or of the origin. In other words, the time that we cannot embrace. Therefore, this structure functions within the film as a deconstruction of itself, “something beyond” that integrates the whole.


sido desnecessário. Amarrar o sapato, tomar chá, acender o lampião, desligar o rádio. É a nossa intenção por trás de tudo, apesar dos aspectos que me escapam, como a quase onipresença do trem.

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A ação da folha de ouro aconteceu em um tronco atravessado no trilho do trem. As interrupções foram determinantes no filme, seja pelo tronco, seja porque um sapato foi amarrado no outro, ou pela impossibilidade de entrar na própria casa. Também não se trata de uma proposta conectada a uma época específica ou a um fato histórico, mas que reflete o contexto em que imergimos e como percebemos e organizamos as ações e os elementos desencadeados no processo. A nossa estrutura propõe uma temporalidade subjetiva, e o processo conta com a presença do acaso, do improviso e da reatividade aos lugares. Caroline: É a apreensão do espaço. E, falando de temporalidade, por que um dia e duas noites? Ali: Essa sequência de três capítulos principais compostos por um dia e duas noites é um dispositivo que aborda a questão das temporalidades. A primeira noite das duas está em função do capítulo que a antecede e que a gente chamou de O DIA. O tempo dessa noite é uma decorrência natural do tempo do dia. Já A OUTRA NOITE funciona em relação aos dois capítulos anteriores como uma alteridade. Ela vem como uma descontinuidade desse tempo cronológico ritmado pela luz do sol e pela ausência dela, assim como uma alternativa ao tempo histórico. Na verdade, a ideia de A OUTRA NOITE foi inspirada em Maurice Blanchot. Para ele, ela é a noite do tempo, que é, em si, um outro tempo, o da morte, ou o da origem, ou seja, é o tempo que a gente não consegue abarcar. Portanto, dentro do filme, essa estrutura funciona como uma desconstrução dela mesma, um “algo além” que integra o todo. Mauro: Ao invés de uma sequência que poderia ser manhã, tarde, noite, provocamos essa descontinuidade que é trazida também em outros aspectos do trabalho. Fica, assim, uma possibilidade de lacuna para ser preenchida pelo observador, um espaço para o outro. Gosto dessas recorrências e desses pequenos lapsos que surgem no filme. Caroline: Isso quase se transforma em uma metonímia da ideia de ancestralidade, da herança e da memória. Porque tem uma continuidade, só que não necessariamente Fotografia: pesquisa de locação – outono no Tiergarten, Berlim

CAROLINE MENEZES Construção de BLANK

Photo: location scouting – autumn, Tiergarten, Berlin


Mauro: Instead of a sequence that could be morning, afternoon, evening, we provoked this discontinuity that is also introduced by other aspects of the work. Thus there remains a void to be filled by the viewer, a space for the other. I take pleasure in these recurrences and the little lapses that arise in the film.

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Photo: preparatory drawings and creation of the tipography BLANK during the residences at the Commanderie des Templiers de la Villedieu and at ZK/U

Caroline: It almost becomes a metonymy of the idea of ancestry, heritage and memory, because there is a continuity, although not necessarily chronological. Neither is there a cause and effect relation. In the prologue of the film you see the character handling documents. THE DAY starts, the beginning of the story, which, in my interpretation, is about historical records found regarding the first character's ancestrality. Then, soon we witness its deconstruction, with the two nights. This dreamlike aspect. The film's subjective temporality made me think about what memory and ancestry would be. Sometimes, not knowing about your ancestry lends you a certain freedom to be whatever you want, as you are not being determined by it. On the other hand, one can say that you will always be, somewhat, determined by what came before you. Camila: Not knowing what your past was is as disturbing and determining as knowing. Ali: Yes. Knowing that these dimensions exist, that we ignore historical facts. Anyway, even that which we ignore is reflected in our habits, in everyday things and in work itself. The small coincidences that happened throughout the process were only possible because we are predisposed to recognize and reinterpret the events, creating a function for every action. The unexpected and surprising aspects of the film help us understand what we are proposing to achieve. To search for the function of each event comes from the notion that nothing is arbitrary.

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Caroline: The acceptance of chance that meant seizing the moment when you were making the film, is part of the procedural aspect. The instance of the present, your own present is perceived. There are several layers. A project that, initially, would be about the ancestry of each one of you, your historical past, is not actually obliged, so to speak, to tell the facts as if it were a documentary. In fact, this memory is being built by the film process, which lies much more in the realm of fiction than in the description of the past. The chronology is shattered; the images reveal a lot more, in a more resignified way, through various interpretations than an actual narrative about it. Ali: Exactly. This is because we deal with our histories by means of creating identifications for everyone. In this case here, it is not my personal history, it is not Camila's nor Mauro's. It is based on them, of course, but it transcends the realm of the document, especially since we do not deal with our histories as if they were property. This clearly appears in the film, we go from the


Camila: Inclusive a dimensão de não saber o que foi o seu passado. Não saber é uma perturbação tão determinante quanto saber.

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uma cronologia. E nem um relação de causa e consequência. No começo, no prólogo do filme, você vê a personagem lidando com documentos. Então começa o dia, o que seria o início de uma história, que, na minha interpretação, é a história que a primeira personagem encontrou nos registros de sua herança. Então, logo se tem a desconstrução disso, com as duas noites. Esse aspecto onírico. A temporalidade subjetiva do filme me fez pensar sobre o que seriam a memória e a ancestralidade. Às vezes, você não saber o que seria a sua ancestralidade lhe dá uma certa liberdade de ser o que quiser, porque não está sendo determinado por isso. Por outro lado, pode-se dizer que você sempre será, de alguma forma, determinado pelo que veio antes de você.

Fotografias: estudos em desenho e criação da fonte BLANK durante as residências na Commanderie des Templiers de la Villedieu e no ZK/U

Ali: Sim. Saber que essas dimensões existem, que ignoramos fatos históricos. De qualquer maneira, mesmo o que ignoramos se reflete nos nossos hábitos, nas coisas do dia a dia e no próprio trabalho. Os pequenos acasos que aconteceram ao longo do processo só eram possíveis porque temos uma predisposição para reconhecer e reinterpretar os eventos, criando uma função para cada momento da ação. O inesperado e o surpreendente podem agregar e nos fazer entender o que estamos nos propondo fazer. Isso é parte de todo processo de reflexividade. Procurar a função de cada acontecimento já parte dessa noção de que nada é arbitrário.

Ali: Exatamente. Isso é porque lidamos com nossas histórias com o interesse de criar identificações para qualquer pessoa. No caso aqui, não é a minha história pessoal, não é a da Camila nem a do Mauro. É a partir delas, claro, mas transcendendo a esse lugar do documento, até porque não lidamos com nossas histórias como se fossem propriedades. Isso aparece claramente no filme, passamos do documento, das cenas no arquivo, para um estado onde as coisas são apresentadas em uma dimensão mais subjetiva do ser humano, das condições do ser humano. Não se trata

CAROLINE MENEZES Construção de BLANK

Caroline: A aceitação do acaso é a apreensão do momento em que vocês estavam lá fazendo o filme, faz parte do aspecto processual. Percebe-se então a instância do presente. O presente de vocês mesmos. São várias camadas. Um projeto que, a princípio, seria sobre a ancestralidade de cada um de vocês, do seu passado histórico, mas que, na verdade, não tem na sua apresentação nenhum empenho, por assim dizer, de contar uma história dos fatos como um documentário. Na verdade, fica essa memória sendo construída pelo processo do filme, o que estaria muito mais, digamos, no reino da ficção do que da descrição do passado. A cronologia é quebrada, as imagens estão dizendo muito mais, de uma forma muito mais ressignificada, com várias interpretações, do que, na verdade, uma narrativa ipsis litteris da coisa.


document, the scenes at the archive, to a state where things are presented in a more subjective dimension of the human being, of the conditions of the human being. Facts are not property, neither descriptions nor events objects.

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Photos: exterior and interior view – the house and Beusselstrasse station Fotografias: vista exterior e interior – casa e estação Beusselstrasse

Mauro: There is an interesting aspect to the process. We started researching Camila's inheritance from a transcript of an interview with her grandfather, Jakob Leichter, filed in the Chagall Museum, in Porto Alegre. We performed several readings of this report, always coming up against a tremendous lack of understanding. We dealt with the impossibility of shaping, from the interview, a descriptive narrative of the things that happened to him. When we found a new dossier in the Berlin Archives, once again obscurity was present. This disturbed us. We had the opportunity to do a reading as if we were reading a script and wondered what was being said there. This lack of understanding resulting from the documents made me think a great deal about what is in the archive but is invisible, cannot be seen, nor translated. The document is there in the place of the lapse, of the impossibility, of the imponderable. It is in a place we imagine incrusted in the walls of oblivion. The attempt to locate with precision the facts described in the report and not obtain a result was, for me, an impactful experience. So I believe that the spontaneous emergence of lapses in the work is connected to this document that does not reveal itself. Camila: What is in the film is that which the dossier does not reveal.

Frame: epilogue – the locked house scene

CAROLINE MENEZES Construction of BLANK

Fotograma: epílogo – cena da casa fechada

Mauro: We could have created some fiction about this dossier, only that this was not what we chose to do. When you say that the work is close to fiction, I wonder what other input could blur this idea of fiction a little?. Caroline: Do you think memory prevails more in the realm of truth or in the realm of fiction? Do you think memory is truth? Mauro: I guess facts that you may have experienced, foreseen or sense will emerge and you really believe they represent the truth. Others you can imagine, others you can even invent. I think it's a complex mixture of things. But I cannot define the work as fiction. Ali: It is not in terms of fiction. Rather, that memory is the processing of events of an experience, therefore


Mauro: Tem um aspecto interessante do processo. A gente começou a olhar para as heranças da Camila a partir de um documento com a transcrição de uma entrevista com o avô dela, Jakob Leichter, arquivada no Museu Chagall, em Porto Alegre. De posse desse relato, fizemos diversas leituras e sempre esbarramos com uma tremenda incompreensão. Lidamos com a impossibilidade de construir, a partir da entrevista, uma narrativa descritiva das coisas que aconteceram com ele. Quando a gente encontrou um novo dossiê, no Arquivo de Berlim, mais uma vez a obscuridade estava presente. Isso nos perturbou. Tivemos oportunidade de fazer uma leitura como se estivéssemos lendo um roteiro e nos perguntamos o que estava sendo dito ali. Essa dificuldade de compreensão a partir dos documentos me fez pensar bastante no que está no arquivo mas é invisível, não pode ser visto, não pode ser traduzido. Está no lugar de um lapso, de uma impossibilidade, no lugar do imponderável. Está em um lugar que a gente imagina incrustado nessas paredes do esquecimento. Tentar fazer a prospecção disso e não obter resultado foi, para mim, uma experiência muito forte. Portanto, creio que o surgimento espontâneo de lapsos no trabalho tem conexão com esse arquivo que não se revela.

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do fato como propriedade, da descrição ou do evento enquanto objeto.

Camila: É o que o arquivo não nos revela que está ali. Mauro: Nós poderíamos ter gerado uma ficção sobre esse arquivo, só que não foi isso que escolhemos fazer. Quando você fala que acha o trabalho próximo de uma ficção, eu fico imaginando que outro estímulo poderia lhe dar para embaçar um pouco essa ideia de ficção. Caroline: Você acha que a memória reina mais no reino da verdade ou no reino da ficção? Você acha que memória é verdade?

Ali: Não é no sentido da ficção. Melhor dizer que a memória é o processamento dos eventos de uma vivência, portanto, uma construção subjetiva. Agora, essa construção subjetiva é influenciada por vários fatores e sempre são fatores externos, fatores sociais, políticos e de outras esferas. São forças externas que interferem na subjetividade, construindo nossa relação com as histórias e os mitos pessoais e, a partir disso, os hábitos e nossa relação com o mundo. Quando olhamos para um documento que pretende testemunhar uma realidade,

CAROLINE MENEZES Construção de BLANK

Mauro: Eu acho que vão surgir alguns fatos que você pode ter vivenciado, pressentido ou intuído e que você realmente crê que representam a verdade. Outros você pode imaginar, outros pode até inventar. Acho que é uma mistura de coisas. É complexo, mas não consigo definir o trabalho como ficção.


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pg. 67 Photos: camera tests for the stairs scene Fotografias: estudos de plano para a cena da escada

a subjective construction. Now, this subjective construction is influenced by a number of factors that are always external, whether social or political and from other spheres. They are external forces that interfere in the subjectivity, determining our relationship with personal histories and myths and, from that, with our habits and with the world. When we look at a document that intends to witness a reality, we are facing a formalized memory. It is in relation to this form, the way it is done, that there is disagreement. Especially because we are not trying to formalize a memory. On the contrary, we are keen on exploring this critical relationship with memory that is influenced by others and also assimilated from the outside. Caroline: When I say fiction, I don't mean to confuse it with something that is not real. I'm not talking about fiction as opposed to reality, like something from another world, but instead as a space of creation, creation upon a reality that was left to you as an inheritance and in which you embody your own reality. In the case of the film, it means what you perceived, during your residence in Berlin. Fiction as a space for creation, but not as the opposite of reality.

Photo: chapter THE DAY – leaving the house scene Fotografia: capítulo O DIA – cena da saída da casa

Camila: We never talk in terms of fiction or documentary. We prefer to define the work as a film-process. It is the procedural dimension that has the connotation that we are interested in unfolding. Caroline: That is a space of creation, collective creation. Camila: But that is also part of our life experience. Caroline: Life experiences are creative processes plus experience, not one thing or the other.

CAROLINE MENEZES Construction of BLANK

Ali: In this project we did not plan to compare the notion of fiction to reality. I do not believe that this question has been focused on in our research. We may address the idea of fiction as a category within film, which at times is considered the opposite of documentary. In terms of the concept of reality, it needs to be discussed for hours. For us, this project that took place in artistic residences provided, in the first place, a living space in which we deal with our personal histories and set up the film process in order to transform ourselves. A work about oneself is an experience that contains much more reality than fiction, regardless of the language used. Now, as a film category, a more dreamlike and disturbing treatment is visible in the images, shall we say, and we can name it as we wish. Caroline: Exactly. And my next question is: To what extent does your practice in visual arts interfere in the narrative of the film? Mauro: I completely identify with the project BLANK, sharing poetic issues within the idea of creating BASE, a collaborative platform that wishes to develop audiovisual productions. I became even more thrilled when we decided about its vocation to become a trilogy based on our heritage. It undeniably has a strong connection with my solo work, dedicated to memory and identity. When I get involved in a media it is because I am caught up in a specific project. Whenever


estamos diante de uma memória que é formalizada, e é em relação a essa forma, à maneira como é feito isso, que existe o desacordo. Até porque a gente não está querendo formalizar uma memória, ao contrário, estamos interessados em explorar essa relação crítica com a memória, tanto a que é formada por outros, quanto aquela que nós também assimilamos de fora. Caroline: Quando falo aqui em ficção, não confundir com algo que não é real. Não estou falando em ficção como oposição à realidade, como algo de outro mundo, e sim da ficção como espaço de criação, criação em cima de uma realidade que foi deixada de herança para vocês e na qual vocês incorporam a realidade de vocês. No caso do filme, o próprio tempo presente da residência em Berlim, quando vocês apreendem o que está naquele universo. A ficção como espaço de criação, mas não como o oposto de realidade. Camila: Nunca falamos em termos de ficção ou documentário. A gente prefere definir o trabalho como filme-processo. É a dimensão processual que tem uma conotação que nos interessa desdobrar.

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Fotografias: estudos de plano para a cena no interior da casa Photos: camera tests for the house interior scene

Caroline: Que é um espaço de criação, criação coletiva. Camila: Mas que também é uma vivência. Caroline: Vivência é um processo de criação e vivência. Não é uma coisa ou outra. Ali: Acho que nesse projeto não pensamos em comparar a noção de ficção com a de realidade. Não acredito que essa questão tenha sido um objeto da nossa pesquisa. Mas se formos abordar a ideia de ficção, podemos pensála como uma categoria dentro do cinema, que, às vezes, é tida como oposta ao documentário. Quanto à noção de realidade, acho que aí tem uma questão para ser discutida por horas. Para nós, esse projeto, que se deu em residências, possibilitou, em primeiro lugar, um espaço de vivência em que lidamos com nossas histórias pessoais e instauramos o processo do filme com o intuito de criar transformações em nós mesmos. Um trabalho sobre si é uma experiência que tem muito mais de realidade que de ficção, independentemente da linguagem utilizada. Agora, enquanto categoria de filme, fica visível nas imagens, digamos assim, um tratamento mais onírico e também perturbador, e podemos nomear isso como quisermos.

Mauro: Eu me sinto completamente identificado com o BLANK, compartilhando minhas questões poéticas dentro da ideia de criação da BASE, essa nossa organização voltada para desenvolver audiovisual como uma plataforma colaborativa, que tem o desejo de identificação com os colaboradores. Vibrei ainda mais quando encontramos essa vocação para uma trilogia a partir das nossas heranças. Inegavelmente, isso tem uma conexão forte com o meu trabalho solo, comprometido com memória e identidade. Quando enveredo para algumas mídias, é porque estou contaminado por determinado projeto. Quando preciso

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Caroline: Isso mesmo. E agora pergunto: em qual extensão a prática de artes visuais de vocês interferiu na narrativa do filme?


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Archive reproduction: planning and development of the Güterbahnhof Moabit with the train control tower, 1896

CAROLINE MENEZES Construction of BLANK

Reprodução de imagem de arquivo: plano de desenvolvimento e planejamento da Güterbahnhof Moabit, com a torre de controle 1896

Photo: View of the railway section between Westhafen and Beusselstrasse stations from inside the house, the old train control tower of Güterbahnhof Moabit Fotografia: vista do trecho ferroviário entre as estações Beusselstrasse e Westhafen a partir do interior da casa, a torre de controle de Güterbahnhof Moabit

I need a process that is two-dimensional such as painting or drawing, it is with these media that I'll work. And interestingly, in the activity tied to the still image I have a more individual, more isolated position. However, I realized that my videography always involves a parallel collaborative path. When I carry out a project where I need three-dimensionality, and I'm dealing with a static image, be it an installation or an assemblage, the process is also individual. Although, if I need to turn this three-dimensionality into a video-sculpture or video installation, once again the idea of collaborative strategy presents itself. Therefore, not only in the poetic material, but also in other work processes, I greatly identify with project BLANK and with BASE-Film. I'm amazed by how this exercise affects my perception about my solo work, you know? I was previously unaware of these subtle differences in my processes. Camila: Of course I must mention the imaginary and visual culture that we have as artists. We relate to the world through images and this is present in the film. Ali and I share a long experience connected to drawing, the action of drawing, which in our case involves the presence of the body and reflects the space in which this drawing is done. These works exist in relation to a specific context such as the phenomenon of transpiration, when materiality occurs at the surface of the paper. This dimension is present in the way we construct images during the experience in a place. Collaboration is also a place of relation, of negotiation and permeability, and turns projects into living spaces open to interaction where it is possible to produce and consider common issues. BASE-Film defines the desire to work with moving image in collaboration with people from different areas of language. The platform aggregates the procedural dimension, the presence of the place and focuses on the construction of the moving image. It is the image that leads us. Caroline: It is the construction of the image indeed. It is well defined. And the collaborative work. Camila: Collaborative work, the body's interaction and the temporality of experience. I really like Mauro's observations based on his personal experience


de um processo que tenha a bidimensionalidade da pintura, da representação do desenho, é com essas mídias que vou trabalhar. E, curiosamente, com essa atividade ligada à imagem estática eu tenho uma postura mais individual, mais isolada. Porém, percebi que a minha videografia sempre envolve um caminho colaborativo paralelo. Quando realizo um projeto no qual necessito da tridimensionalidade, e estou lidando com uma imagem estática, seja uma instalação, uma assemblage, o processo também é individual. No entanto, se preciso transformar essa tridimensionalidade em vídeoescultura ou videoinstalação, lá vem de novo a ideia da estratégia colaborativa. Portanto, não apenas em matéria poética, mas também por tratar de processos de trabalho, tenho grande identificação com nosso projeto BLANK e com a BASE-Film. Fico surpreso ao perceber como esse exercício influencia as percepções sobre o meu trabalho solo, sabe? Eu não tinha até então compreendido essa sutileza sobre os meus processos. Camila: Claro que não posso deixar de mencionar o imaginário e a cultura visual que temos como artistas. A nossa relação com o mundo se dá por meio das imagens (e não histórias), e isso está presente no filme. Eu e o Ali compartilhamos uma longa experiência conectada ao desenho, a ação de desenhar, que envolve a presença do corpo e reflete o espaço em que esse desenho é feito. São trabalhos que existem em relação a um contexto, como uma transpiração da materialidade sobre o papel. Essa dimensão está presente na nossa forma de construir imagens durante a experiência no lugar. Colaboração é também um lugar de relação, negociação e permeabilidade, e faz dos projetos espaços de convívio e interação onde se pode para produzir e pensar junto questões comuns. A BASE-Film define a vontade de trabalho com imagem em movimento e em colaboração com pessoas de diferentes campos e experiências da linguagem. A plataforma agrega a dimensão processual, a presença do lugar e a importância da construção da imagem em movimento. É a imagem que nos conduz.

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Reprodução de imagem de arquivo: Güterbahnhof Moabit, atual trecho ferroviário entre as estações Beusselstrasse e Westhafen, Berlim Archive reproduction: Güterbahnhof Moabit, current railway between Beusselstrasse and Westhafen station

Caroline: É a construção da imagem mesmo, está bem definido. E o trabalho colaborativo.

Ali: O que a Camila disse fala também de mim. Nossas experiências anteriores nos levaram a criar a BASEFilm. Particularmente, sempre trabalhei em colaboração. Poucas vezes me envolvi em projetos individuais. Antes da BASE, tivemos a fase em que Camila e eu trabalhávamos aqui na Europa fazendo residências e também abrindo à participação e ao envolvimento de outras pessoas. E, antes disso, no Brasil, fazíamos parte do Mergulho, um grupo de quatro integrantes trabalhando com vídeo. Nossa formação inicial era em desenho e acredito que isso aparece um pouco nas imagens do filme. Caroline: Tem! Nossa! E como! As janelas, as texturas e todos os ângulos.

Fotografia: a casa, principal locação do filme, prédio da antiga torre de controle de Güterbahnhof Moabit Photo: the house, main filming location and the old train control tower of Güterbahnhof Moabit

CAROLINE MENEZES Construção de BLANK

Camila: Trabalho colaborativo, o corpo presente nas ações e a temporalidade da experiência. Gosto muito do que o Mauro constata a partir da sua experiência pessoal sobre a potencialidade do vídeo em relação às experiências coletivas anteriores. Dentro do contexto da residência, o trabalho se torna um lugar comum.


about the potential of video regarding his previous collective experiences. Within the residence context, the work becomes a common place.

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Ali: What Camila says refers to me as well. Our previous experiments led us to create BASE-Film. I, in particular, have always worked collaboratively, and rarely get involved in individual projects. Before BASE, Camila and I worked here in Europe doing residences that were also open to the participation and involvement of other people. And, before that, we worked together in Brazil, as part of Mergulho, a group of four working with video. Our initial training was in drawing and I believe it can be seen somewhat in the films images. Caroline: It can! A fair amount, substantially! The windows, textures and all the angles.

Photo: notice board of ZK/U residence community

CAROLINE MENEZES Construction of BLANK

Fotografia: quadro de avisos para a comunidade da residĂŞncia ZK/U

Ali: Topics such as spectrality, haunting and the phantasmatic, that I'm developing in my PhD research, matured with this work and the dialogue with Camila, Mauro and the other collaborators of BASE-Film. I deal with the materialization of what can appear and disappear without us being able to interfere. The issues of our current project, including oblivion, have always existed for me. I remember that one of my individual projects took place in the gallery of the Goethe Institute, Porto Alegre, in 2007. Before Forgetting was a performance about one of my childhood books, which was left open on a table. My action consisted of placing my feet on its pages in the hope that the words would pass through my body so I could blindly write them in Arabic on the walls. Nobody understood my memory exercise, not even me. Overall, my research into these issues happened, more or less, in the form of trance. Therefore, I now perceive a significant transformation in the making of the film BLANK, especially when I'm not in front of the camera. Now I can think about how history haunts us and about the past in a more analytical way and with a certain distancing. I feel an ever greater desire to work in this manner. Another example was my master's thesis in Strasbourg, for which I conducted a series of videos called Actions to Inhabit the Space , between 2008 and 2010. In this work I was looking for abandoned spaces, let's say, in which to insert my body. This relationship between body and space was a kind of incorporation of the place, and also the disappearance within it, like a spirit haunting the place. And this has to do with my story with places, a story made up of migrations. However, my work with images is strongly influenced by collective experiences. In the process of the film BLANK things happened differently: the three of us discussed how to develop the scenes, rebuilding, restructuring, creating meanings. This has been a learning experience for me, even the stage when we shared and talked about the project. Anyway, what I did before is incorporated into what I'm doing today, just in a slightly more analytical manner and with a slightly more critical eye.


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Making of: Inicio do processo BLANK, Saint-Quentin-en-Yvelines

Ali: Temáticas como, por exemplo, a da espectralidade, da assombração e do fantasmático, que estou desenvolvendo na minha pesquisa de doutorado, amadureceram com esse trabalho e com a interlocução com Camila, Mauro e os colaboradores da BASE-Film. Eu lido com a materialização daquilo que tem a qualidade de aparecer e desaparecer sem que a gente possa acessar de forma autônoma. As questões do nosso projeto atual, entre elas a do esquecimento, sempre existiram para mim. Lembro-me que um dos projetos individuais que realizei em 2007 se chamava Antes de Esquecer . Era uma performance na galeria do Instituto Goethe, de Porto Alegre, em que tratava de um dos livros da minha infância, aberto sobre uma mesa. Minha ação consistia em colocar meus pés em cima de suas páginas e o trabalho se dava no desejo de que aquelas palavras passassem por meu corpo para que, às cegas, eu as escrevesse sobre as paredes, em árabe. Ninguém entendeu meu exercício de memória, nem eu. Em geral, minha investigação sobre esses temas se dava mais ou menos em forma de transe. Logo, percebo uma transformação significativa na realização do filme BLANK, sobretudo quando não sou eu na frente da câmera. Agora posso pensar sobre a assombração da história e do passado de uma forma mais analítica e com certo recuo. Sinto cada vez mais vontade de trabalhar nesse sentido. Um outro exemplo foi meu projeto de mestrado em Estrasburgo, para o qual realizei, entre 2008 e 2010, uma série de vídeos chamada Ações para Habitar o Espaço . Nesse trabalho eu procurava por espaços abandonados, digamos, para inserir meu corpo. Essa relação do corpo com o espaço era uma espécie de incorporação do lugar, e também o desaparecimento nele, como um espírito que assombra o lugar. E isso tem a ver com minha história com os lugares, uma história feita de imigrações. Porém, meu trabalho com imagem é fortemente influenciado pelas experiências coletivas. Já no processo do filme BLANK, as coisas se deram de uma forma diferente: nós três discutimos juntos para elaborar as cenas, refazendo, reestruturando, criando sentidos, e tem sido um aprendizado novo para mim, inclusive nessa fase em que compartilhamos e conversamos sobre o projeto. De qualquer forma, o que eu fazia antes está no que estou fazendo hoje, só que de uma maneira um pouco mais analítica e com um olhar um pouco mais crítico.

pg. 74-75 Fotomontagem: mauer parede do studio 8 com objetos e inscrições residuais do filme-processo BLANK Photomontage: mauer studio 8 wall with objects and residual inscriptions of the film-process BLANK

CAROLINE MENEZES Construção de BLANK

beginning of the BLANK process, Saint-Quentin-enYvelines




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AUTHORS Noel Patrick Qualter (Ireland, 1964) Writer, director and producer. Graduate/post-graduate of the National University of Ireland. Noel's first exposure to stories occurred when as a young boy he accompanied his father on the mobile library to the remotest parts of western Ireland. Worked in the Middle East, integrating agency of the United Nations based in Cairo, Egypt. In 1999, Noel became a filmmaker of shorts and promos. Through his company Cineman Films, he produced Sisters for NI Screen and BFI, with director Terry Loane. Currently living between London and Berlin, Noel is the writer and director of the artcore story The Last Day of Rain, produced by Krysanne Katsoolis. He collaborates on the project BLANK with text production and critical follow up of the work process during the residence at ZK/U, between October and November of 2013.

Michel Daccache (Paris, 1980) Sociologist. After conducting research in philosophy and political science, specializes in the sociology of knowledge, science and culture. Lives and works in Paris. Collaborates on the project BLANK with text production and critical follow up of the work process. Participated in the script and filming process during the residence at ZK/U, between the 15th and 20th October 2013.

Fernanda Albertoni (Rio de Janeiro, 1981) PhD candidate at both the Research Centre for Transnational Art, Identity and Nation (TrAIN), University of the Arts London and Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, Brazil). Fernanda's research is entitled Reordering images and constructing memory: three artists-archivists in Brazil. She is one of the organisers of the inter-institutional Studying Latin American Art Group (TrAIN/Essex University) and publishes about contemporary art in academic and art specialised publications in Brazil and UK. Lives and works in London. Collaborates with text production and critical follow up of the work process, being responsible for the presentation of the project BLANK in the Studying Latin American Art Group meeting, on the 31st July of 2013.

Fabrizio Augusto Poltronieri (São Paulo, 1976) Artist of the field of aesthetic technology. PhD in Communication and Semiotics, he conducted Postdoctoral research on early computer art in Europe at the Royal College of Art in London. His texts have been published in international journals and books and he presently divides his time between Rio de Janeiro, São Paulo and Berlin, city of his current research. Collaborates with text production, critical follow up of the research and of the open studio proposal at ZK/U, between 26th and 30th October of 2013.

Caroline Menezes (Rio de Janeiro) Art writer who works for newspapers and cultural magazines in Latin America and the UK, such as Studio International , for which she has been part of the collaborator's team since 2006. Her writings have also been included in books such as the 30 x Bienal – Transformations in Brazilian Art from the 1st to the 30th Edition (Bienal São Paulo, 2013). She is currently concluding her PhD degree in Art Theory at the University of the Arts London. Lives and works between Berlin, London and Rio de Janeiro. Collaborates with text production, conducting an interview about the film-process BLANK Berlin with the filmmakers.

ORGANISERS BASE-Film Ali Khodr (Berkayel, Lebanon. Brazilian nationality, 1980) PhD in visual arts, researches the generation of phantasmatic production in artistic processes. Member of the collective Mergulho and of BASE art association. Since 2006, Ali has been developing projects with drawing, video, photograph and printed works in order to create methodologies of sharing the artistic experience, such as the projects Estados Temporários (Temporary States) and Quando não soubermos mais como (When we no longer know how). Lives and works in Paris.

Camila Leichter Mello (Porto Alegre, 1976) Artist-researcher who develops the project corpolugar - the body as the place of experience -, through drawing, performance and video in order to expand the relational, political and subjective aspects of artistic practice. Collaborates regularly with independent projects such as the group Mergulho, BASE art association, the projects Technoshamanism, Transperformance and Mario Carneiro Transits. Since 2010 she has been one of the organisers of the project SEU - Semana Experimental Urbana (Urban Experimental Week). Lives in Rio de Janeiro and works in collaborative platforms.

Mauro Bomfim Espíndola (Rio de Janeiro, 1962) Visual artist, investigates human nature in its psychological, ethical and cultural aspects and develops, through artist´s books, drawings, installations and video, poetic reflections on identity construction, such as Victal & Sons , The Mirror Method , Nactividade and Stepchildrenland. Mauro is one of the founding artists of Durex Contemporary Art, a space of great performance in the center of Rio de Janeiro that has produced various events and was responsible for disseminating the work of several visual artists between 2003 and 2011. Lives and works in Rio de Janeiro. Web site: www.mauroespindola.com


Noel Patrick Qualter (Irlanda, 1964) Escritor, diretor, produtor. Pós-graduado pela National University of Ireland. O primeiro contato com literatura ocorreu ainda menino, quando acompanhou o pai em uma biblioteca móvel até as partes mais remotas da Irlanda ocidental. Trabalhou no Oriente Médio, integrando agência da Organização das Nações Unidas (ONU) com sede no Cairo, Egito. Através de sua empresa Cineman Films, produziu Sisters (Irmãs) para Northern Ireland Screen e British Film Institute (BFI), com o diretor Terry Loane. Escreveu e dirigiu a história artcore The Last Day of Rain, produzida por Krysanne Katsoolis. Atualmente, vive entre Londres e Berlim. Colabora neste projeto com produção textual e acompanhamento crítico do processo de pesquisa, realizado durante a residência no ZK/U, entre outubro e novembro de 2013.

Michel Daccache (Paris, 1980) Sociólogo. Após aprofundar-se em filosofia e ciência política, especializou-se em sociologia do conhecimento, ciência e cultura. Vive e trabalha em Paris. Colabora neste projeto com produção textual e acompanhamento crítico do processo de pesquisa. Participou da elaboração do roteiro e das filmagens durante residência no ZK/U, entre 15 e 20 de outubro de 2013.

Fernanda Albertoni (Rio de Janeiro, 1981) Doutoranda em projeto colaborativo entre TrAIN (Research Centre for Transnational Art, Identity and Nation), na University of the Arts London, e Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sua pesquisa, intitulada Reordenando imagens e construindo memória: três artistas-arquivistas no Brasil . Fernanda é uma das organizadoras do grupo de pesquisa Studying Latin American Art Group (TrAIN/Essex University) e publica sobre arte contemporânea em revistas especializadas em arte e publicações acadêmicas no Brasil e no Reino Unido. Vive e trabalha em Londres. Colabora neste projeto com produção textual e acompanhamento crítico do processo de trabalho, sendo responsável pela apresentação do projeto BLANK no Studying Latin American Art Group, em Londres, em 31 de julho de 2013.

Fabrizio Augusto Poltronieri (São Paulo, 1976) Artista do campo das estéticas tecnológicas. Doutor em comunicação e semiótica, realizou, no Royal College of Art, em Londres, pesquisa de pós-doutorado sobre o início da arte computacional na Europa. Tem textos publicados em revistas e livros internacionais e atualmente divide seu tempo entre Berlim, onde realiza pesquisa, Rio de Janeiro e São Paulo. Colabora neste projeto com produção textual e acompanhamento crítico do processo de pesquisa, além de participar da construção de proposta imersiva para open studio, durante a residência no ZK/U, entre 26 e 30 de outubro de 2013.

Caroline Menezes (Rio de Janeiro) Crítica de arte, doutoranda em teoria da arte pela University of the Arts London e mestre em história da arte pela University of Sussex. Foi repórter de cultura do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, e escreve para revistas culturais da América Latina e do Reino Unido. Desde 2006 integra o corpo permanente de colaboradores da revista britânica Studio International . Vive e trabalha entre Berlim, Londres e Rio de Janeiro. Colabora neste projeto com produção textual, conduzindo uma entrevista com os realizadores do filme-processo BLANK Berlim.

ORGANIZADORES BASE-Film Ali Khodr (Berkayel, Líbano. Nacionalidade brasileira, 1980) Doutorando em artes visuais, pesquisa a geração de produção fantasmática em processos artísticos. Membro do coletivo Mergulho e da art BASE association desde 2006, vem desenvolvendo projetos com desenho, vídeo, fotografia e obras impressas, a fim de criar metodologias de compartilhamento da experiência artística, tais como os projetos Estados Temporários e Quando Não Soubermos Mais Como. Vive e trabalha em Paris.

Camila Leichter Mello (Porto Alegre, 1976) Artista pesquisadora, desenvolve o projeto corpolugar - o corpo como lugar da experiência - por meio de desenho, performance e vídeo, a fim de aprofundar o caráter relacional, político e subjetivo da prática artística. Colabora regularmente em plataformas colaborativas, tais como o grupo Mergulho e a art BASE association; e em projetoscomo Technoxamanismo, Transperformance e Mário Carneiro Trânsitos. Desde 2010 atua na organização da Semana Experimental Urbana - SEU. Vive no Rio de Janeiro e trabalha em plataformas colaborativas.

Mauro Bomfim Espíndola (Rio de Janeiro, 1962) Artista visual, investiga a natureza humana em seus aspectos psicológicos, éticos e culturais. Desenvolve, por intermédio de livros, pinturas, desenhos, objetos, instalações e vídeo, reflexões poéticas sobre o processo de construção da identidade, tais como Victal & Sons, The Mirror Method, Nactividade e Stepchildrenland. É um dos artistas fundadores do Durex Arte Contemporânea, espaço de grande atuação no centro do Rio de Janeiro que, entre 2003 e 2011, produziu vários eventos e difundiu o trabalho de diversos artistas visuais. Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Web site: www.mauroespindola.com

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AUTORES


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CRÉDITOS DO FILME | FILM CREDITS Produção e realização | Production BASE-Film Direção | Direction Ali Khodr, Camila Mello e Mauro Espíndola Participação | Participation of Ana Carolina Leichter Matte, Camila Mello, Gustavo Sanromán e Liuka Ona Körbes Colaboradores | Collaborators Fabrizio Poltronieri, Fernanda Albertoni, Manuela Eichner e Michel Daccache Música | Music insulation Fabiano Marques Som | Sound David Clark Filmado no outono de Berlim, 2013 Filmed in the Berlin Autumn of 2013

CRÉDITOS DO LIVRO | BOOK CREDITS Organização | Organisation Ali Khodr, Camila Mello e Mauro Espíndola Autores | Authors Caroline Menezes, Fabrizio Poltronieri, Fernanda Albertoni, Michel Daccache e Noel Qualter Edição | Edition Caosmos Editora Revisão | proofreading Kathia Ferreira Tradução e revisão inglês Luciana Dumphreys English translation and proofreading Tradução francês do texto Ali Khodr Une cinématographie de la béance French translation of the text Projeto gráfico | Design BASE-Film Fotografia | Photo BASE-Film pg. 4-5 Manuela Eichner pg. 80 Auto retrato | Self-portrait Noel Qualter

AGRADECIMENTOS | ACKNOWLEDGMENTS Alexandra Handal, Alexandre Neves, Ana Luiza Leichter Matte, Anderson Nascif de Mendonça, Antonio Andrade e Silva, Bernardo Zanotta, Carol Burnier, Clara Stein, Christophe Bildé, Cristina Ribas, Danielle Stora, Elena Azzedín, Elza Bomfim, Harry Sachs, Hayat Khodr, Helena Knorr, Helle-Nice Bomfim Espíndola, Hileana Menezes Carneiro, Jan Körbes, Jean-François Robic, Jefferson Sofarelli, Julia Widdig, Matthias Einhoff, Marcos Dana, Marie-Noèle Pistora-Bastien, Michael Asbury, Monica Frota, Neusa Bomfim, Nicolas Polack, Ophélie Félix, Paul Taylor, Philip Horst, Rembrandt Duits, Romulo Kunz, Samuel Kalika, Stéphanie Bildé, Studying Latin American Art Group (TrAIN/Essex University), The Warburg Institute - The Photographic Collection A produção deste livro-documento contou com recursos captados por intermédio da plataforma de financiamento coletivo Catarse. Agradecemos a todos os apoiadores.

APOIO CULTURAL | SUPPORT

PATROCINADORES | SPONSORS Alice Dulin

Dalva Khodr Argenta

Felícia Leichter Matte

Jaime Gili

Marcelo Noronha de Mello

Marga Noronha de Mello

Nadima Khodr

Samir Abujamra

Projeto apoiado pelo Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural do Ministério da Cultura - Brasil - Governo Federal Supported by the Interchange and Cultural Diffusion Program of the Ministry of Culture - Brazil


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Mauro Espíndola Fernanda Albertoni

Noel Qualter Ali Khodr Camila Mello Ana Carolina Leichter Matte Manuela Eichner

Caroline Menezes Mauro Espíndola Gustavo Sanromán Ali Khodr

Ali Khodr Fabiano Marques Mauro Espíndola Ali Khodr Fabrizio Poltronieri

David Clark Liuka Ona Körbes

Ali Khodr Mauro Espíndola Camila Mello Fernanda Albertoni Ali Khodr Camila Mello

Mauro Espíndola Gustavo Sanromán Ali Khodr Michel Daccache



Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Blank Berlim / organizadores Ali Khodr, Camila Mello, Mauro Espíndola. Tradução de Luciana Dumphreys. – São Paulo : Caosmos Editora, 2014.

Vários autores.

1. Artes. I. Título.

7.02 CDD-700

Tiragem 500 exemplares Papel OFF SET 120g/cm2 Fonte BLANK Impressão IDEOGRAF GRÁFICA E EDITORA




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