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Ede O Altar do Testemunho


FICHA CATALOGRÁFICA


Mônica Campello

Ede O Altar do Testemunho PRIMEIRA EDIÇÃO

RIO DE JANEIRO 2012



DEDICATÓRIA Meus queridos pais Yaponnan e Wanda e minha avó Alexandrina se foram, mas a lembrança de tudo o que eles fizeram por mim está sempre presente em meu coração. Eles me amaram, me deram educação, carinho, amor e tudo de melhor que uma filha e neta pode receber de seus pais e de sua avó. A saudade é grande! O tempo passa, mas eles continuam aqui como se fosse ontem! Eu gostaria muito que eles pudessem ler estas palavras da mais profunda gratidão e expressão do meu amor por eles. Eles me ensinaram muitas coisas, principalmente a amá-los. Mediante tão grande amor, procurei dar a eles o melhor de mim quando chegou a minha vez de fazê-lo. Outras duas pessoas que também já se foram marcaram minha vida não sei se mais com sua presença ou com sua ausência: uma grande amiga, Vera – a Iéia, e meu sogro Euclides – o Seu Quido. Com eles que tinham mais experiência de vida, eu despertava para verdades que batiam à porta. Como experientes que não precisavam me ouvir, também me ouviam. Trocávamos conselhos e ajudávamos um ao outro. Que falta sinto deles! Deus, nosso Pai Celeste, no entanto, em sua eterna misericórdia e benignidade, sustentou-me e continua a sustentar-me na ausência deles, provendo para mim todas as coisas de que necessito, preenchendo as minhas faltas, as lacunas de minh’alma. Deus é tudo para mim. Mônica Conte Campello.



Prefácio “E os filhos de Ruben e os filhos de Gade puseram ao altar o nome Ede: para que seja testemunho entre nós que o Senhor é Deus”. (Js 22:34) Em Ede – O Altar do Testemunho, você terá a oportunidade de conhecer algumas histórias espirituais de uma pessoa que buscava incessantemente um caminho que a conduzisse à verdade e que para isso não economizava esforços, mas que despendia todo o seu esforço erroneamente, o que lhe acarretou severas consequências. Somente, porém, ao conhecer Jesus e entregar-se a Ele de todo o coração, ela pôde livrar-se das amarras do inimigo.

Histórias pessoais, de igual importância, que envolvem um potencial de aprendizado espiritual são também relatadas com a finalidade de levá-lo ao entendimento de que Deus opera em toda e qualquer circunstância nas vidas das pessoas crentes nele ou não, fazen-do aquilo que lhe apraz para a realização de seus pro-pósitos, independente do que seja, sempre para bem. Mesmo que alguns reclamem, ninguém pode contes-tar: Deus sabe o que faz!



Sumário Introdução

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Capítulo 1 - A descoberta do mundo espiritual

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Capítulo 2 - A aplicação de métodos espirituais

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Capítulo 3 - Enganos Espirituais

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Capítulo 4 - Novos caminhos espirituais

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MÔNICA CAMPELLO

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO

Introdução

Esta obra nasceu primeiramente no coração de Deus, pois foi Ele quem me inspirou para desenvolvê-la, e seu objetivo é mostrar aquilo que nele é eterno – a verdade. Às vezes, as pessoas são engodadas por inverdades como peixes atraídos por iscas enganosas. O peixe é atraído por aqui-lo que acredita ser verdadeiro: o alimento de que necessita. Ao ver a isca, sente, de longe, o sabor da conquista, mas ao aproximar-se e fisgar a isca, morre. Assim pode acontecer com o ser humano que tem fome, fome de alimento espiritual. Ele começa a perceber- se em uma situação de busca – busca de si mesmo, busca do Criador, busca do caminho correto, porque, na verdade, ele quer o caminho correto, perfeito; ele sabe o que quer e aon-de quer chegar. Ele quer a verdade. Contudo, são tantos os caminhos que se lhe apresentam que acabam por confundi-lo. Atente para um fato: Confusão não é de Deus! A Escritu-ra confirma:“Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que nele crê não será confundido”. (Rm 10:11). O único fundamento firme é Cristo. Não se engane. Há vários caminhos, mas só um conduz à salvação – Jesus Cristo. Ele é o caminho e não um caminho. “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14:6).

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MÔNICA CAMPELLO Logo, a frase “Todos os caminhos levam a Deus” não encerra em si o princípio da salvação. Na verdade, todos os cami-nhos convergirão a Deus no Dia do Juízo Final, pois todos verão a Deus e serão julgados, uns para a salvação eterna e outros para a perdição eterna. As religiões que se praticam, assim como as boas obras, não poderão salvar ninguém nesse dia, como creem alguns. “Como eu vivo, diz o Senhor, que todo o joelho se dobrará a mim, e toda a língua confessará a Deus” (Rm 14:11). “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Lc 14:35). A cegueira espiritual do mundo cria sua própria que-da. Nesses últimos tempos, a humanidade tem se entregado à adoração das coisas ligadas a Satanás (muitos sem saber). Ele vem reinando majestosamente e atraindo para si o mundo que o admira por seus poderes, mediante o engano aparente-mente eficaz dos demônios. Religiosos perversos aproveitam-se da falta de entendimento das pessoas quanto à vida espiri-tual com o objetivo de atraí-las para o seu meio. Qual é a finalidade de tudo isso? Simplesmente escravizar as mentes das pessoas, algemá-las em seus conflitos, acorrentá-las em seus desvarios, impedi-las de chegar a Deus, o que corresponde ao propósito de Satanás, o qual oferece um caminho muito largo, livre de restrições, sendo totalmente válida a ideia de alguém ser religioso e mundano simultaneamente. Esta é a visão de que tratam os subversores espiritu-ais com o objetivo de atrair os incautos para o seu mundo de trevas que, à primeira vista, se apresenta como repleto de luz e esperança. Em contrapartida, esta obra tem um alvo específico: apresentar a você ver-dades testemunhais concernentes ao mun-do das trevas, e esclarecer verdades que re-futam tais trevas. Para atingir este alvo é necessária visão direta focada em um ponto determinado. É preciso atirar as flechas do livramento do Senhor mediante boa pontaria para acertar alvos fixos ou móveis a distâncias variáveis. Essa boa pontaria só pode ser

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO alcançada pelo conhecimento da Palavra de Deus e requer a armadura de Deus.“Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo” (Ef 6:10-17). Buscar tão-somente a Deus revela a verdadeira maturidade espiritual através da qual se poderão atingir as metas estabelecidas por Deus em sua vida. Mantenha seus olhos fixos no alvo que é Jesus e não se torne o alvo dos inimigos da cruz de Cristo. “Porque muitos há, dos quais muitas vezes vos disse e agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles é para confusão deles mesmos, que só pensam nas coisas terrenas. Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujei-tar também a si todas as coisas”. (Fp 3:18-21) Não seja um escravo da concupiscência, mas seja um servo de Cristo e você receberá bênçãos sem medida!

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A descoberta do mundo espiritual

Era ainda uma menina e já buscava a Deus. Hella sabia que Deus era grande, majestoso e que não caberia num livro pequeno. Havia em sua casa um livro de capa preta dura gigante que ficava aberto ao meio sobre um suporte decorado de cor dourada na mesa de centro da sala de estar. Ela já o tinha visto várias vezes, mas nunca o tinha percebido. Certo dia, o livro chamou sua atenção. Resolveu pegar o livro e leu seu nome na capa: Bíblia Sagrada. As letras eram douradas e com iniciais capitulares. Pelo seu estilo sabia não se tratar de um livro comum, mas de um livro especial, dedicado a um rei ou escrito por um rei. E se questionava: “Um livro da realeza na minha casa?”. Abriu o livro em sua intensa curio-sidade. Na primeira página havia a figura de um homem sen-tado sobre um jumentinho e alguns seguidores atrás dele, outros no caminho oferecendo-lhe ramos de folhas verdes. Essa figura contrastava um pouco com a impressão que tive-ra da capa. Mesmo sem entender o contraste inicial, o que lhe atiçou mais o interesse, prosseguiu em abrir as demais páginas do livro, sem ler atentamente, mas prestando muita atenção às figuras que surgiam. Eram lindas ilustrações que mostravam sentimentos, emoções, gestos que lhe tocavam à alma. Era tudo muito vivo, muito real. Desejou ler um pe-queno trecho do livro e percebeu que o livro falava de Deus. Imediatamente ouviu a voz de Deus falar ao seu coração. E pensou: “Deus é vivo e fala!”. Passou então a ler a Bíblia Sagrada diariamente, sem-

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MÔNICA CAMPELLO pre ao deitar-se, desejando continuar ouvindo a voz de Deus como no primeiro dia. Amava ler o Livro de Salmos, o Livro de Provérbios e o Livro de Eclesiastes, consciente de que ali encontraria a tão desejada sabedoria que vem do alto. Deleitava-se no aprendizado, imaginando quão grande pessoa se tornaria. “Quantas palavras sábias! Quero aprender mais e mais”, dizia ela. Ao término da leitura bíblica, sempre rezava o Pai Nosso, a Ave Maria, o Credo, Salve Rainha entre ou-tras orações que aprendera em um pequeno livro de catecis-mo de seu irmão. Este, junto com sua irmã, fez a primeira comunhão, mas ela não. Por isso não podia dizer-se católica. Contudo, em seu coração, sentia que não havia impedimen-to algum para comunicar-se com Deus, pois em seu íntimo sabia que para aproximar-se de Deus não dependia de reli-gião alguma, nem de dogmas ou de qualquer preceito eclesi-ástico. Bastava para isso que acreditasse na existência de Deus, e ela acreditava muito no poder de Deus. Ela sabia e sentia que ele era Deus, o Deus Todo-Poderoso, que criou o céu e a terra e tudo o que nela existe. Como ela sabia da existência poderosa de Deus? Ela ouvia seus pais falarem sobre Deus, ela descobriu uma Bíblia Sagrada em seu lar, ela assistia a filmes que narravam a história maravilhosa de Deus, e ficava maravilhada com os seus feitos e milagres. Para ela, Deus era um ser de estrondoso poder, pois sua voz lhe soava como a voz de um trovão. Assim, ela o sentia através de suas leituras bíblicas, de filmes, e no recôndito de seu coração. Era um sentimento forte que ela mesma não podia explicar, mas sabia tratar-se de um sentimento verdadeiro. Deus era tudo para ela, um poder inexplicável, uma força soberana que se importava com uma criança, e isso a fazia amá- lo ainda mais, pois sabia que para ele ela tinha valor. Hella realmente sentia a presença de Deus. E conversava com Deus. E idolatrava Deus. E respeitava Deus como um ser supremo que estava sempre diante dela vendo tudo o que ela fazia; ela tinha temor de Deus e não sabia. “Deus, que ser tremendo”, pensava consigo mesma. Em alguns dias da semana, principalmente aos domin-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO gos à tardinha, deleitava-se em conversar com seu querido pai acerca de assuntos espirituais, palavras de sabedoria, e atra-vés de suas palavras aprendia muitas coisas e absorvia tudo no íntimo de seu coração. Deliciava-se com aquelas conver-sas com o pai que, para ela, era um exemplo a ser seguido – homem de fé, homem espiritual, homem virtuoso, homem de bom coração. Ela queria ser como o pai. Ela amava Deus, mas não sabia que ele era o Pai Celeste. Ela não sabia discernir entre Deus, Pai e Deus-Pai, assim como não sabia que podia desejar ser igual ao Pai, ter um coração como o do Pai. Já conhecendo Deus como um ser transcendental, ela fazia todas aquelas rezas considerando-as como uma obrigação para que tudo lhe fosse bem. Então, ela se sentia no dever de rezar para que não ficasse devendo nada a Deus, para que Ele visse que ela rezara e por isso não mereceria qualquer punição por atos indevidos passados ou futuros. Era como se tivesse medo de não rezar e ser castigada. Rezava por obrigação, mas no fundo não estava buscando os “santos” das rezas. Hella sabia o que queria, e ela queria Deus. Simplesmente, ela via nas rezas uma forma de dirigir-se a Deus e de mostrar-lhe temor. Mas, verdadeiramente, o seu melhor momento em que desfrutava de plena satisfação era quando lia a Palavra de Deus, e, depois das rezas, podia chegar-se a ele e manifestar todo o seu pensamento e todos os seus desejos em sincera e voluntária oração. Era exatamente neste ponto que ela se sentia capaz de comunicar-se diretamente com Deus. Em sua comunicação com Deus, ela recebia palavras de verdade, de fé, de esperança, de amor, de paz... Deus criara nela a capacidade para receber sua revelação que podia ser percebida por sua mente e seu coração. Mente de menina e coração de menina, mas Deus não desprezava a sua pouca idade; na verdade, já estava preparando-a para experiências futuras. Assim, ela prosseguiu até a sua adolescência, sempre buscando a Deus, envolvendo-se fortemente com Ele, esforçando-se por aplicar os seus ensinamentos em sua própria vida conforme os requisitos e as circunstâncias de sua idade pueril. Ao tornar-se adolescente começou a sentir necessida-

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MÔNICA CAMPELLO de de algo mais forte que simplesmente ler a Bíblia em casa. Ele precisava criar um contato maior com Deus. Lembrou-se, então, de que havia uma igreja perto de sua casa – Igreja de Nossa Senhora da Conceição, onde seus irmãos tinham feito a primeira comunhão. Isso sempre estava em sua mente: “Por que eu não fiz a primeira comunhão? Bem, já que eu não fiz, farei o que está ao meu alcance. Vou à igreja, e quem sabe poderei tornar-me uma católica”. Ela sabia que sua comunicação com Deus independia de religião, mas por não ser “católica de carteirinha”, sentia-se uma “estranha no ninho”. Visando tornar -se uma católica assídua e reconhecida pela igreja, passou a ir às missas aos domingos com uma amiguinha da escola chamada Keyla. Sua mãe era uma costureira de mão cheia e lhe preparava os melhores vestidos para ir à missa, e ficava muito feliz com o gesto decisivo e independente da filha. Para cada missa um vestido novo, e ela já via nisso um presente de Deus, como uma resposta a sua atitude. Sen-tia-se linda por dentro e por fora. E lá ia ela caminhando com a amiguinha em direção à igreja, conversando, rindo, e o coração transbordante de alegria. Ela sempre gostou de sentir-se grande, livre, independente, capaz de tomar decisões por si mesma, e a decisão de passar a ir à igreja com frequência aos domingos, levando consigo a amiguinha e não sendo acompanhada pela mãe lhe proporcionava tal sensação de liberdade. Desde muito cedo manifestava tal comportamento. Aos seis anos de idade, em seu primeiro dia de aula, sua mãe a levou à escola e imediatamente após ser apresentada à professora Leniza, disse para a mãe: “Pode ir, mãe, eu sei ir para a sala de aula sozinha”. E ali na escola começou a descobrir seu talento: amava ler e escrever. Quando estava na 5ª. Série, todos os alunos da escola tiveram a oportunidade de fazer um teste vocacional. Ela levou aquilo muito a sério e procu-rou responder todas as perguntas com a maior sinceridade possível. O resultado do teste confirmava sua tendência profissional: professora e pastora. Ela não entendeu muito bem a ideia de se tornar uma pastora no futuro; aliás, ela nem sequer sabia o que aquilo significava. Contudo, nunca se es-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO queceu daquele resultado do teste vocacional. Como ela sabia o que era ser uma professora, em suas brincadeiras passou a dar mais ênfase a essa tendência. Fazia de contas que tinha alunos em uma sala de aula imaginária e ali corrigia deveres com certo e errado e aplicando notas; na verdade, eram livros velhos que ela podia rabiscar à vontade. Ganhou de presente um livro muito antigo chamado “Con-tos da Carochinha” que tinha histórias muito interessantes de pessoas de bem e também histórias medonhas que a alertavam para as maldades do mundo que ela não conhecia. Ela tinha prazer naquelas leituras. Ganhou também de seu pai uma máquina de escrever, a qual conserva consigo até hoje – uma relíquia – e logo dese-jou ingressar num curso de datilografia para aprender a ma-nusear a máquina. Que instrumento perfeito! Naqueles dias, uma máquina de escrever era uma coisa inédita. E ela passou a usar a máquina para escrever seus sublimes versos, poesias, pensamentos que brotavam no jardim de sua mente. Sua tendência ao escrever era sempre voltada para assuntos existenciais concernentes à vida emocional, moral, espiritual. Ela sentia desejo de orientar, aconselhar mediante análise de problemas, não se baseando no que via, mas principalmente olhando, com os olhos da razão e da espiritualidade, o que estava “por trás”. Ela sabia que por trás de palavras existiam intenções, por trás de atitudes existiam intenções, e nessas intenções residia a chave do problema em questão. Ela repudiava a resposta: “Porque sim”. Para ela, todas as coisas tinham um porquê, uma razão de ser que podia ser explicada e justificada com palavras muito mais do que um simples “porque sim”. Assim era a jovem moça, exata com seus pensamentos e suas opiniões. E acreditava que longe da verdade não podia haver grandes conquistas; por isso, baseava suas ideias na ver-dade, na verdade que se encontra oculta dentro de cada pessoa, e que para a pessoa ser capaz de arrancar o mal precisa encarar a realidade de si próprio, mesmo que doa em seu interior, e mesmo que não se queira aceitar a tal verdade. Seu maior hobby era conversar com as pessoas. Podia

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MÔNICA CAMPELLO conversar sobre vários assuntos, mas o que mais lhe interessava era aquele relacionado ao “eu”. Apreciava os livros de psicologia e os lia atentamente, visando uma capacitação maior para discorrer sobre os aspectos psicológicos que afe-tavam as vidas das pessoas de seu meio. E as pessoas que con-versavam com ela costumavam dizer: “Ela é muito adulta para a idade que tem”. Ela era apenas uma jovem com o dese-jo de ver as pessoas felizes, com o desejo de ser capaz de coo-perar para a conquista dessa felicidade, com o desejo de abrir os olhos das pessoas para a verdade muitas vezes oculta den-tro de si próprias, como forma de autodefesa, não sabendo elas que isso contribuía para o seu próprio prejuízo. Diz a Palavra de Deus: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (I Jo 1:9). Confessei-te o meu pecado e a minha iniqüidade não mais ocultei. Disse: confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a iniqüidade do meu pecado” (Sl 32:5). A jovem moça praticava naturalmente o amor de Deus ao buscar meios diversos para consolar as pessoas que estavam sofrendo à sua volta, mas ainda não conhecia Deus como o Consolador. Assim, não conhecendo a palavra de Deus como deveria, não era capaz de levar palavras de sabedoria divina e de esperança em Deus às almas necessitadas. Na falta do conheci-mento da verdade divina, ela buscava respaldo para suas palavras na filosofia, na psicologia, no esoterismo, etc., sem dar-se conta de que isso a conduzia a outros caminhos fora de Deus. Desta forma, ela ia desenvolvendo seu aprendizado mediante estudos diversifi-cados, sempre voltados para o tratamento do “eu”. Sua biblioteca era pequena e decidiu adquirir mais livros do gênero autoajuda que abordavam assuntos diversificados: hipnotismo, grafologia, técnicas de persuasão, magia, espiritismo, cabala, telepatia, ioga, testes psicológicos, numerologia, cartomancia, quiromancia, tarot, psicografia, parapsicologia, etc. Ela explorava as várias e possíveis interpretações de cada palavra ou frase que remexia o seu interior. Devido a esses estudos, sem o entendimento perfeito da relação com Deus, sentiu que havia um mundo de revelações mais forte

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO que o oferecido pela Bíblia Sagrada. A leitura à qual passara a dedicarse apresentava mistérios profundos acerca da alma, do além, da vida após a morte, de visões premonitórias e adivinhações, etc. Ela até mesmo acreditava que Deus a impulsionava àqueles estu-dos. Ela realmente não conhecia a Palavra de Deus.

Começou a desejar pôr em prática tudo o que estudava, como faz um iniciado. Acreditava que com tais práticas pode-ria então ajudar aquelas pessoas necessitadas de alento espiritu-al. Sua vida começou a dividir-se em fases religiosas e esotéricas conforme os estudos que desenvolvia, cada um a seu tempo. O diabo cura, opera milagres, revela fatos do porvir, para quê? Única e exclusivamente para prender, amarrar as pessoas no mundo da perdição atual que um dia se tornará eterna. Assim, sem ter o verdadeiro conhecimento do que essas curas, esses milagres, essas revelações envolviam, em sua pureza de fé e inocência espiritual, dedicava-se de coração a essas vãs tentativas que eventu-almente, acreditava ela, proporcionariam tais resultados “Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos” (Mt 24:24). E não só aquelas, mas também práticas cotidianas que se entendem por naturais, como modismos, tendências comportamentais, hábitos, sentimentos, podem ser envolvi-dos por uma esfera tenebrosa que ora não é manifesta, mas cujas consequências trarão à tona sua real essência. Tudo isso, porém, não significa que Deus esteja ausente; pelo contrário, sua presença está em que a pessoa não sofre nem é feliz debalde. Tudo tem um tempo e um propósito: “Há tempo para todo o propósito debaixo do céu” (Ec 3:1). Tudo é válido: “Todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segun-do o seu propósito” (Rm 8:28). Tudo é digno de agradeci-mento a Deus: “Em tudo dai graças; porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco.” (1 Ts 5.18). Tudo gera esperança: “Nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experi-ência a esperança” (Rm 5:3-4).

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A aplicação de métodos espirituais

“E com todo o engano da injustiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. E por isso Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a men-tira; para que sejam julgados todos os que não creram a verdade, antes tiveram prazer na iniqüidade” (II Ts 2:10-12). Tudo está nas mãos de Deus, sob seu controle, tanto as forças do mal e do erro quanto o seu amor e misericórdia por seus filhos. E foi justamente com este amor e com esta misericórdia que ela pôde contar durante toda a sua trajetó-ria espiritual errante. Não fosse o amor e a misericórdia de Deus, esta história não poderia ser narrada. Tudo o que essa moça fazia, na verdade, estava sob o controle de Deus, pois, devido às atuais circunstâncias, percebe-se que Deus permitiu que tudo acontecesse exatamente do modo como foi. Era preciso que ela passasse por tudo aquilo para que hoje pudesse declarar a glória de Deus em sua vida, e não somente isso, mas também contribuir com seu aprendizado e suas experiências para a glória de Deus. Hella passou a ser convidada a lecionar ou palestrar sobre Seitas e Religiões que surgiam aceleradamene a cada dia, assim, ela tinha oportunidade de apresentar suas experiências como testemunho vivo do poder de Deus, do milagre de Deus, do amor de Deus, da misericórdia de Deus, da bênção de Deus sobre sua vida. Algumas dessas experiências serão mostradas aqui su-

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MÔNICA CAMPELLO cintamente apenas para ilustrar situações diversas em que o espiritual e o sobrenatural manifestavam-se em sua vida. — Oi, amiga, estou com um problema tão sério! Não sei o que fazer. Me ajuda? — Ah, minha amiga, não fica assim, não. Calma, tudo vai se resolver. Olha só, eu tô estudando numerologia. Que tal a gente fazer um teste? Pelo menos é uma forma da gente tentar encontrar uma solução pro teu caso. Que que cê acha? Aparentemente, uma conversa inocente e com objetivos sinceros. Uma pessoa que busca ajuda e outra que pensa que pode oferecer ajuda. E, neste caso, por quem ambas são socorri-das? Quando elas buscam a numerologia, que deus elas encon-tram? Seria esse deus capaz de suprir suas necessidades? A numerologia é considerada uma pseudociência por não ter fundamentos científicos nem se basear em fatos. Trata-se de mera prática divinatória a partir de números relacionados à data de nascimento e ao nome de uma pessoa. Acreditando que os números possuem significado oculto e formam a base da personalidade e do destino de uma pessoa, os numerólogos desenvolvem um mapa numerológico a fim de desvendar os mistérios que envolvem sua vida, orientá-la acerca de planos para o futuro, levá-la ao autoconhecimento, e ainda encontrar a solução ideal para o seu dilema. Há pessoas tão cegas quanto à realidade divina que se deixam levar por falsos ensinamentos, acreditando que terão soluções definitivas para os seus problemas como se nunca mais elas viessem a enfrentá -los de novo ou a enfrentar novos problemas. Tais pessoas chegam mesmo a mudar o próprio nome pensando que ele carrega em si uma energia negativa, podendo atrair maus fluidos, e se não o fizerem estarão fadadas a um mau destino em determinada área de suas vidas, quiçá em todas. Se elas conhecessem a Palavra de Deus, certamente não sofreriam desnecessária preocupação: “Por amor de meu servo Jacó, e de Israel, meu eleito, eu a ti te chamei pelo teu nome, pus-te o teu sobrenome, ainda que me não conhecesses” (Is 45:4).

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO Não podemos nos enganar quanto à numerologia que nada mais é do que uma forma de adivinhação, prática ocultista, em que se esperam receber revelações acerca da própria vida fora da direção divina, agindo como idólatra praticante de tal abominação aos olhos de Deus; isto seria o mesmo que se desviar dos caminhos do Senhor. “Entre ti se não achará quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro” (Dt 18:10). A fase da numerologia passou, perdeu seu encantamento, e agora a moça buscava algo mais forte, mais específico, que viesse diretamente da própria pessoa que a buscasse para receber orientações sobre como agir nesta ou naquela circunstância. Voltou-se, então, para a quiromancia, em que ela poderia prever o destino das pessoas na “palma da mão”. Interpretando as linhas e os sinais das palmas das mãos, acreditava que era possível conhecer o destino de uma pessoa em todos os aspectos de sua vida, revelando eventos passados e futuros. Como se o simples gesto de abrir as mãos pudesse revelar a verdade, ela aconselha-va, fazia prognósticos e orientava o consulente sobre como lidar melhor com sua vida, minimizar os efeitos dos sofrimentos e das pró-prias limitações, adotar novos referenciais de vida ou até mesmo sobre como alterar a sua rota. Este, por sua vez, acreditava em toda aquela “revela-ção” e, sem saber que sua mente ficara condicionada a tudo o que ouvira, passava, a partir de então, a associar os fatos de sua vida àquelas falsas revelações, verdadeiros embustes de Satanás, que tanto ela quanto o consulente desconheciam, pois acreditavam que estavam fazendo a coisa certa. Seus consulentes, na verdade, eram pessoas mais chegadas a ela, como amigos e parentes. Ela não praticava tal “arte” de modo profissional, isto é, não recebia pagamento por isso. O que ela realmente queria era atingir a verdade sobre a vida, en-contrar respostas para seus problemas existenciais e também daqueles que ela amava. Contudo, nunca encontrou respos-

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MÔNICA CAMPELLO tas adequadas ou corretas que pudessem de fato ajudar a si própria ou as outras pessoas. Certo dia, já conhecedora da verdade de Cristo, encontrava-se numa praia com alguns irmãos na fé, e entre eles havia uma pessoa, também cristã, que estava enfrentando uma fase muito difícil em sua vida. Repentinamente, surgiu uma mu-lher vestida como cigana procurando quem quisesse fazer a leitura das mãos. Essa pessoa levantou-se e foi em direção à cigana e pediu-lhe que lesse sua mão. Todos ficaram perplexos com sua atitude, pois mostrava sua total descrença em Deus e falta de temor a ele. Mas ninguém ousou criticá-la, nem mes-mo perguntar-lhe sobre o que a cigana falara – comportamen-to digno de um cristão maduro que não sente prazer em condenar ninguém, que conhece a hora de permanecer calado e espera a hora certa para falar. Com certeza, todos ficaram tristes e preocupados com as consequências que ela poderia sofrer em decorrência daquilo. Ao retornar, pegou sua carteira de dinheiro para pagar à cigana. Assustadoramente, no caminho de volta para casa dentro do carro em movimento que era conduzido por alguém muito próximo a ela, sofreu um terrível e inexplicável desarranjo intestinal, deixando totalmente sujo todo o espaço do carona. Parecia que ia morrer. Não se pode afirmar se o problema era meramente orgânico ou de origem espiritual. Só Deus o sabe. Porém, pode-se afirmar que seu semblante era de pavor e suas reações refletiam o quanto estava desnorteada. Graças a Deus ela não morreu! Contudo, não deu sinais de arrependimento tampouco de reflexão. “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e incor-rigível. Quem o conhecerá? Eu, o SENHOR, esquadrinho o cora-ção e provo os rins; e isto para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações” (Jr 17:9-10). A incredulidade e o desespero fazem com que as pessoas se desviem dos caminhos de Deus e a consequência disso é desastrosa. A poderosa Palavra de Deus adverte quanto a isso: “Ninguém vos engane com palavras vãs, pois por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência” (Ef 5:6). Contudo, Deus declara em seu magnânimo amor:

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos con-sumidos, pois as suas misericórdias não têm fim” (Lm 3:22), e exorta ao arrependimento: “Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes. Voltai para o Senhor vosso Deus, porque ele é miseri-cordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em amor, e se arrepende do mal” (Jl 2:13). Somente o Deus onisciente conhece o porquê de todas as coisas, não cabendo a ninguém julgar isso ou aquilo como certo ou errado, pois para tudo há um propósito conforme os desígnios de Deus. Numerologia, quiromancia, que tal um pouco de cartomancia? Essa era mais uma novidade para Hella. Desco-briu que as “cartas falavam!” As cartas tinham o poder de revelar segredos e fatos do porvir! Contudo, ela ignorava o que se mantinha oculto para a prática satisfatória daquele jogo – uma realidade satânica. Nesta nova fase, ela dedicava todo tempo disponível ao estudo das cartas para que se tornasse uma expert na prática divinatória através deste recurso. Aonde quer que fosse, le-vava consigo as cartas de baralho para que se, porventura, alguém precisasse de uma revelação, ela pudesse investigar ao deitá-las. Na verdade, ela já aproveitava qualquer oportu-nidade para pôr em prática tudo o que estudava. Conversando acerca do presente assunto com uma amiga muito chegada, esta a fez lembrar-se de um dia em que punha as cartas fortuitamente e algo estranho lhe saltou aos olhos enquanto as lia: a imagem de um homem forte, de meiaidade, que morreria em poucos dias – esta interpretação a deixou estupefata. Naquele momento, ela não pensou em ninguém especificamente; temia, no entanto, sobre quem se tratava e que a suposta revelação se tornasse realidade. Aproximadamente uma semana após a dita leitura, ela recebeu a notícia do falecimento de um parente próximo com aquelas características. No velório, juntamente com sua amiga que a lembrou da leitura que fizera das cartas, associou o fato à figura que vira, e entrou em desespero profundo devido ao pavor que começou a sentir com relação àquela prática, pois

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MÔNICA CAMPELLO já não mais se tratava de simples leituras ao léu, mas de fortes maus presságios advindos de uma presença maligna à qual ela estava sensível, sendo capaz de perceber sua manifestação em forma de terror psicológico. Ela sentia medo do que estava percebendo, pois era algo que lhe tirava a paz. Ela sabia que era o mal personificado, que ele existia e agora queria assombrá-la. O diabo não é onisciente para revelar verdades, mas joga com o acaso que só resulta em tormento, angústia e terror. Além disso, ele cria nas pessoas um sentimento de dependência ao torná-las presas à expectativa de que o dito mal aconteça, como se inconscientemente desejassem aquilo: “Ai, quem é que vai morrer? A quem as cartas se referiam?” Mas ele não declarou: “É fulano de tal”, apenas jogou com as palavras que em momento oportuno se assemelhou à predição dada. Tolo o que vive na esperança do mal para o bem a fim de confirmar suas inverdades. “Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira” (Jo 8:44).

As revelações de Deus não são para perturbação nem para confusão. A Palavra de Deus afirma que não nos dá o espírito de medo, contrariamente aos métodos utilizados por Satanás. “No amor não há medo. Antes o perfeito amor lança fora o medo, porque o medo produz tormento. Aquele que teme não é aperfeiçoado em amor” (I Jo 4:18). As cartas não disseram que se tratava de um parente seu, não disseram o nome da pessoa que morreria, mas disseram apenas: um homem forte e de meiaidade que morreria! Quantos homens com essas características ela co-nhecia: parentes, amigos, etc.? Simplesmente o diabo brinca com a inocência e fragilidade das pessoas, fazendo-as acredi-tar em algo que ele mesmo desconhece: mera coincidência, mero oportunismo satânico. Um prognosticador, independente da fonte que utili-za, sempre deseja que suas previsões se concretizem como forma de legitimar suas capacidades extrassensoriais, sensacionalizando os fatos. Ademais, ele não faz somente

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO prognósticos negativos; também faz os positivos que geram esperança no coração dorido. Apesar de tudo o que lhe sucedera, Hella se orgulhava por saber que era capaz de prever acontecimentos, mas, em se tratando de previsões fatídicas, sentia-se incomodada por saber que era preciso que as coisas acontecessem para que se confirmassem suas predições envolvendo a desgraça alheia, fosse qual fosse: a morte de alguém, um divórcio, uma falência, etc. As confirmações positivas ou negativas lhe dariam crédito quanto a seus talentos sensórios. No seu íntimo, contudo, ela queria mesmo era ser uma cartomante apenas de boas novas, mas como isso não era possível, começou a desiludir-se. Certa vez, Hella colocou as cartas para uma parenta dileta cuja mãe não aceitava seu namoro por julgar o rapaz indigno da filha devido às suas circunstâncias de vida. Baseando-se em tal problema, ao jogar as cartas, declarou-lhe que ela não deveria sofrer por aquele rapaz: “Ai Lazinha, não fica triste não; você vai conhecer um rapaz de farda com quem vai se casar e ser muito feliz”. Ela só queria animá-la, fazendo-a crer que a vida lhe reservava o melhor. A moça acreditou naquelas palavras que ficaram registradas em sua mente e passou a ter esperanças de que aquilo realmente acontecesse. Sua visão passou a ser direcionada naquele sentido. O tempo passou e ela veio a conhecer um rapaz de farda com quem se casou, teve filhos e desfruta de plena felicidade até hoje, graças a Deus! Tudo condizia com a pretensa verdade das cartas, mas Deus é maior e não permitiu que Lazinha ficasse dependente do aparente poder delas. Ao longo dos anos, ela pôde desenvolver uma fé genuína em Deus juntamente com toda sua família. Na verdade, por uma questão de consciência, Lazinha refletiu profundamente, ponderando sobre a própria vida e a de sua amada mãezinha, chegando à conclusão de que aquela situação não valia a pena, e que era melhor permanecer com a segunda opção que sua mãe lhe dera: continuar sendo reconhecida como filha, podendo desfrutar de uma vida repleta de bênçãos ao lado de um homem digno e responsável, diferentemente da experiência que estava vivenciando com aquele

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MÔNICA CAMPELLO rapaz que quase a cegara de amor. Lamentavelmente, outros preferem continuar presos a amarras em detrimento da graça de Deus sobre suas vidas. Mas, o que dizer disso? Realmente as cartas “falaram”? Tratava-se de mera intuição? Naquele momento de dor, aquela moça que estava sofrendo pela iminente perda de um grande amor precisava muito de uma palavra de esperança, e Hella tinha o real desejo de poder confortá-la. Na cartomancia, o valete de copas é uma carta que assinala um homem jovem em todos os sentidos, representan-do o lado do amor, paixão e romantismo. Normalmente é interpretado como um novo amante, ainda moço, dotado de qualidades típicas da juventude, proporcionando o início de novas relações amorosas. Ao deitar as cartas para Lazinha, esta carta apareceu entremeada a outras, marcando presença devido às circunstâncias, pois sugeria uma alternativa que se coadunava com os pensamentos e ideais de ambas – mãe e filha – a quem Hella desejava toda a felicidade. A consciên-cia, portanto, assumia o papel de “visão”. Os resultados atri-buídos às cartas quanto ao destino de quem nelas acredita são manipulações inteligentes exercidas pelo leitor que as inter-preta conforme as exigências circunstanciais, sem descartar o fator emoção. Empregando simultaneamente as figuras e os números das cartas, entendeu que aquela era a melhor res-posta ou a melhor solução. A interação dos fatores psicológico e emocional contribui para uma tomada de decisão a partir das boas ou más palavras que o consulente recebe, decidindo praticá-las ou não. Por sua vez, o cartomante (ser humano) e as cartas (ser inanimado) têm o poder de manipular a mente da pessoa, ou seja, levá-la a crer que o prognóstico é real, mas não o poder de manipular o poder da mente, ou seja, se a mente não qui-ser aceitar o prognóstico negativo e se prontificar a lutar con-tra, ela exercitará um domínio tal que poderá impedir sua concretização através de ações preventivas quando de sua manifestação prestes à consumação. Hoje, guiada pela pró-pria mente, longe da proteção de Deus por crer-se

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO autossuficiente, ela vai lutar contra, mas, e amanhã? “Sem mim nada podeis fazer ”, diz Jesus. Ela vai ficar sempre dependente, alugando seus ouvidos para predições até que um dia acabará deixando-se levar quando poderia estar livre disso por rece-ber a palavra de Deus em seu coração e mente e desenvolver o domínio próprio em que tem o poder de controlar-se sem depender de intervenção alheia, bastando vigiar as circunstâncias – poder que Deus já lhe confere. Em Gálatas 5, entende -se que o domínio próprio é um presente de Deus dotado de princípios de sabedoria que capacitam o ser humano para tomar decisões corretas median-te o equilíbrio entre a razão e a emoção. O que vem de Deus é certo e sem sombra de variação, diferentemente do dito “poder da mente” em que a pessoa se permite ser ou prefere ser governada por este princípio enganoso. Sendo a mente quem governa a vida de alguém, uma psicocracia (designação perfeita que encontrei para a coisa!), quão carente e desprovido de proteção está esse alguém já que não existe ninguém nem nada maior que Deus e sua soberania. Quando uma pessoa se deixa dominar pela psicocracia, ela está indiretamente permitindo o mover do diabo sobre sua vida porque essa é uma forma clara de afastar Deus de sua vida, e se Deus estiver longe, quem estará perto? Logo, por que se deve obedecer a Deus? Porque só ele pode proteger alguém das garras do diabo. Esse é o verdadeiro princípio da obediência. E o que significa obedecer? Significa deixar de fazer as coisas que gosto ou desejo? Não! Significa entender que Deus quer a nossa felicidade e não a nossa destruição, pois, na maioria das vezes, somos atribulados, maltratados, perseguidos, aviltados em decorrência da consumação dos nossos desejos que trouxeram felicidade momentânea, isto é, não duradoura. Mas as pessoas pensam que obedecer a Deus é não viver a própria vida, permitindo que outra pessoa a governe; que suas decisões não são mais suas. Ela quer ter vida própria, fazer o que bem entende, e é por isso que o poder da mente a satisfaz e agrada por saber que assim é inde-pendente de quem quer que seja para fazer o que bem lhe

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MÔNICA CAMPELLO apraz; isso é pecado – desviar-se volitivamente da direção de Deus, o que é de inteiro agrado do diabo. A noção de pecado não está necessariamente ligada à ideia de que fiz isso ou aquilo de errado, mas à ideia de que não obedeci aos mandamentos de Deus de modo que tudo me fos-se bem, porque assim estaria livre do diabo. O homem pensa que obedecer a Deus é deixar de ter vida própria, mas não é isso – é ter vida própria debaixo da proteção e direção de Deus que é o único que pode contra as ciladas do diabo. “E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento” (I Jo 3:23). Que ninguém se engane: ninguém pode contra o dia-bo; só Deus. Se alguém não tem forças para resistir às tentações, seja qual for a sua origem, Deus lhe dará a força que precisa, o ajudará e o fará vencer. Isso é verdade e dou fé! Desde que a pessoa busque a direção de Deus fervorosamente com coração sincero e desejoso pelo bem, Deus criará situações em que a livrará do mal para não cair e isso a fará sentir-se bem, bem melhor do que se tivesse dado asas ao pecado, dando graças a Deus. Quando alguém está em pecado é fácil de saber: sua própria mente o condena. Pecado é uma coisa de dentro, e não de fora para dentro. É algo que faz sentir mal. Não permita que o pecado tenha domínio sobre você: não se renda à vontade de Satanás, mas receba o presente de Deus! Exercite o domínio próprio e você não será controla-do por nada abaixo de Deus. Que apenas Deus e sempre Deus tenha pleno domínio sobre sua vida. Ele é o teu Deus! Mantenha sua esperança nele. Confie nele! Por certo, as mentes que conhecem a palavra de Deus entendem o que é adquirir sabedoria para sobreviver às intempéries da vida sem serem contaminadas por palavras humanas que não podem salvar; contaminadas porque permanecem no patamar horizontal onde a visão é apenas material, destituída da espiritualidade necessária que é capaz

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO de prover todos os requisitos de uma alma carente. Não se pode negar a evidência de que ambas as incônscias vítimas das cartas, cartomante e consulente, desejando conhecer o destino e buscando predições acerca do futuro, envolvidas pelo poder da magia que foge totalmente à esfera divina, atuam sob a égide de demônios: a primeira, investida do poder de persuasão, recorre a artifícios como a mentira a fim de mascarar supostas verdades, conselhos práticos, filosofias mundanas, predições conjeturais acerca do futuro, revelações ocultistas; a segunda, revestida da fragilidade emocional e destituída da mente espiritual (1 Co 2.16), absorve com fé inadvertida todos aqueles ditames fora-da-leide-Deus, gerando um sem-fim de expectativas. O poder da mente, semelhantemente, é um atributo que distancia o homem de Deus por não ser compatível com a realidade divina, mas Deus o adverte a não andar na vaidade de sua mente (Ef 4:17,18). A pretensa manifestação do poder da mente é um apetrecho constante tanto para o que prediz quanto para o que deverá aguardar o cumprimento da predição. Contudo, como pretendem os mentalistas, não é possível “manipular o poder da mente”, pois nem mesmo Deus, que poderia fazê-lo, o faz, pois não possui a natureza de invasor de mentes e corações. Manipulação é um ato em prol daquilo que se almeja em detrimento da vontade alheia. Deus não age em proveito próprio como um tirano, mas se a nossa vontade é imperfeita, ele nos ajuda, nos estimula, nos induz a corrigi-la para que tenhamos o melhor, unicamente porque ele respeita o nosso arbítrio. “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13). Manipulação implica a ideia de adulteração e Deus não é adúltero, pois não perverte, não corrompe, não engana o homem. A ideia de manipular o poder da mente é diferente da ideia de manipular a mente. Quando se manipula a própria mente, se busca condicioná-la àquilo que se quer, independente das noções de justiça, moral, altruísmo. Exemplificando, tome-se o pecado de adultério. A pessoa

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MÔNICA CAMPELLO adúltera pensa previamente nos prós e contras do ato, mas cauteriza sua mente em favor do pecado com a desculpa de que há males que vêm para o bem: “Isso favorecerá nossa reconciliação, pois é uma forma de fugir da rotina” ou “Tenho o direito de fazer isso porque meu cônjuge fez comigo, por isso Deus não vai me condenar” ou “Sair com outra pessoa é algo que só diz respeito a mim, meu cônjuge não tem nada a ver com isso; é um problema meu”. Assim, a pessoa manipula sua mente, cauterizando- a, crendo que sua atitude está de acordo com a vontade de Deus e, então, o que para ela era pecado deixa de sê-lo. No adultério, o verdadeiro sentido de pecado não está no simples fato de a pessoa envolver -se sexualmente com outra, mas no fato de que se ainda ama o seu cônjuge, deixa-se levar pela carnalidade, sensualidade e cobiça quando teria condições de evitar esse mal. Isso é o que se deve entender por traição – quando se trai o próprio sentimento. Logo, não tem a ver com o outro, mas consigo mesmo. Isso é mais forte que qualquer legalismo religioso porque mexe com o ser in-terior – a luta mais difícil de se travar; não implica em obede-cer a regras exteriores. Quando se manipula a mente alheia, se busca harmonizar a mente da outra pessoa com a própria mente, levar o outro a pensar aquilo que queremos que ele pense, usando de argumentos que o convencerão a crer como verdade aquilo que lhe dizemos. Não permita que as pessoas pensem por você ou determinem seus pensamentos. Amantes de si mesmos que gostam de praticar o “eu”: Eu posso, eu consigo, eu faço, etc., creem que o poder da mente é capaz de transformar ideias ou pensamentos em fatos con-cretos e por isso não são capazes de admitir a frase “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4:13), afastando-se, portanto, do Senhor de todas as coisas que é Jesus e ensimesmando-se como Deus já que eles “tudo podem na sua independência”. Manipular o poder da mente não é dar ao homem a capacidade de pensar positivo a ponto de realizar determina-do feito, mas é arrancar do ser humano toda a sua força, é

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO tirar dele a bênção de receber o poder de Deus em sua vida e acabar por enredar-se nas mãos de Satanás que domina sua mente tão inteiramente, levando-o a crer -se como Deus, e se ele é deus, para que Deus? Eis o objetivo final de tudo o que concerne à ideia de “poder da mente”, “pensamento positivo”. Se algo não é bom para mim, tomo a decisão de evitá-lo. Contudo, uma força maior que eu me impele a continuar desejando-o mesmo sabendo que não é bom para mim. A minha decisão de querer vencer a tentação é de suma importância, mas eu preciso do poder de Deus sobre minha vida para vencer, pois sei que a tentação provém de Satanás que é maior que eu, mas também sei que Deus é maior que Sata-nás: isso significa sabedoria e temor do Senhor, e quem o teme por ele é guardado. Numa situação como esta de nada me adianta o poder da mente, pois minha mente não tem poder para vencer tentações do corpo e do espírito. Ela pode resistir por um tempo, mas acabará cedendo. Por isso diz a palavra de Deus “Resisti ao diabo e ele fujirá de vós”, mas como resisti-lo se não for pelo poder de Deus? Coisas boas ou ruins são passíveis de acontecer na vida de qualquer pessoa. Deus faz chover sobre justos e injustos, assim como não faz acepção de pessoa. Logo, é natural que qualquer ser humano passe por momentos de dor ou deleite. O mais importante é o indivíduo saber como vivenciar tais momentos sem se deixar abalar tanto pelo bem – para não se tornar soberbo, como pelo mal – para não se tornar rebelde. Deus nos deixa bastante claro que o amanhã pertence a ele, pois não podemos acrescentar um fio de cabelo sequer à nossa cabeça. Assim Deus nos adverte: “Não vos inquieteis pelo dia de amanhã, pois o amanhã cuidará de si mesmo; basta a cada dia o seu próprio mal” (Mt 6:34). Essa palavra é suficiente para levar à obediência a Deus e consequentemente livrar das ciladas satânicas dos métodos divinatórios. Hella descobriu também o Tarô, e passou a acreditar que ele era mais forte que as cartas comuns, pois apresentava figuras mais claras e combinações mais específicas. Com as

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MÔNICA CAMPELLO cartas do Tarô tornava-se possível representar, através das variadas formas de abertura de jogo e combinações entre si, diversas possibilidades de interpretação e orientação. Outros fatos ocorreram, às vezes sendo confirmados parcial ou integralmente, como casos de homossexualismo, casos de morte, mas ela começava a desconfiar de si mesma, pensando que “acertava” predições porque ela conhecia as vidas em jogo até certo ponto em alguns casos. Contudo, ela desconhecia uma verdade: a pessoa que se baseia em Deus não vira instrumento de Satanás; se a base não for Deus, a direção também não é de Deus. Mesmo que limitadamente, o diabo conhece as circunstâncias de vida das pessoas e se aproveita disso usando os agentes das práticas divinatórias ao proverlhes na visão e na mente o arranjo das falácias. Não é necessário jogar cartas para se conhecer determinados resultados nas vidas das pessoas, pois a Palavra de Deus diz claramente: “Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má e o seu fruto mau, pois pelo fruto se conhece a árvore” (Mt 12:33).

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO

Enganos Espirituais

“Mas, se ainda o nosso evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evange-lho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (II Co 4: 1-4).

O diabo induziu o homem ao pecado. O homem apreciou o pecado. O homem praticou o pecado. O homem se afastou de Deus. O homem sofreu em decorrência do peca-do. O homem buscou livrar-se do sofrimento. O homem entendeu que aquele que o levou ao estado de sofrimento não poderia livrá-lo. O homem sentiu a necessidade de reen-contrar Deus para livrar-se do sofrimento decorrente do pe-cado instigado pelo diabo. O homem criou meios para reen-contrar Deus. O homem inseriu ensinos nos meios para re-encontrar Deus. O homem praticou os ensinamentos e, na maioria dos casos, não reencontrou Deus. O homem se per-deu. O homem julgou melhor seguir um deus ou tornar-se um deus. O homem abandonou Deus. Seguir religião é diferente de seguir Jesus. Religião não salva; Jesus salva! É essa verdade que as pessoas precisam conhecer. Para combater as religiões que afastam as pessoas de Deus ao invés de aproximá-las não é necessário entrar em debates, discussões, ou coisas parecidas, mas unicamente travar uma batalha espiritual, discernindo toda estratégia satâ-nica e combatendo com armas espirituais os demônios que

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MÔNICA CAMPELLO atuam nelas. A batalha não deve ser contra adversários humanos, mas contra o poder invisível do diabo, e isso através de oração, pois o coração do homem foi obscurecido a fim de que não percebesse a revelação do verdadeiro Deus e, as-sim, conduzisse o desejo de seu coração para outros seres, preferindo escolher seus próprios caminhos marcados pela religiosidade “Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo; porque não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Ef 6:11-12). “Chega de esoterismo! Isso tudo é engano, é mentira, é coisa ruim. Agora eu quero mesmo é uma religião!” Pensou Hella, quando, na verdade, estava trocando seis por meia dúzia ou quinhentos gramas por meio quilo. Ah! Ah! Religião! Coitadinha! Religião, Esoterismo, Ocultismo, Seitas, etc., formam o pacote da Nova Era. Tudo tem a mesma essência, a mesma linha de raciocínio: levar o adepto para o fundo do poço sem que ele perceba; causar-lhe as piores consequências espirituais – só prejuízo! Neste mundo da Nova Era, Jesus já está superado! Cada indivíduo é um ser divinizado, detentor de um poder infinito e de uma sabedoria infinita. No âmago da criatura humana reside a consciência de que o homem e Deus são um. A porta principal – a grande brecha – para esse caminho é muito larga porque, adentrando por ela, ainda outras portas serão encontradas, pois são milhares os convidados e, ao entrarem por esse caminho, se depararão com vários atrativos

que parecem corresponder às expectativas de cada indivíduo. Certo dia, Hella ouviu uma frase muito interessante: “Na dúvida, abstém- te”. Imediatamente desejou saber quem era o autor da frase e descobriu que se chamava Allan Kardec. Logo presumiu que se tal homem dissera uma frase tão profunda e aparentemente sábia era digno de apreciação. Atentemos, no entanto, para a referida frase. Abster-se, na dúvida, é o mesmo que se conter, não fazer ou deixar de fazer algo

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO sem maiores explicações, sem entender exatamente o porquê de deixar de fazer. Isso alimenta a dúvida e não resolve o problema. Há em língua inglesa a expressão Do’s and Don’ts que significa: regras que devem e não devem ser seguidas. Trazendo esta expressão para um prisma religioso, pode-se lembrar do legalismo judaico – primeira investida doutrinária contra a Igreja, as regras impostas pelos judeus-cristãos aos novos convertidos, o que significava o fim da salvação pela graça. Isso também lembra a obrigação de Não Fazer elencada no Código Civil que pressupõe abstinência de uma ação, sendo lícita sempre que não envolver restrição à liberdade individual. Se na lei civil é assim, o que dizer da lei espiritual? Em se tratando de liberdade individual, o que dizer da frase imperativa de Allan Kardec? O sujeito se vê na obriga-ção (pois recebeu uma ordem) de não fazer algo porque tem dúvida. A dúvida, neste caso, supera os objetivos, as necessidades, a vontade, etc. A dúvida se sobrepõe a todo e qualquer plano seu. Dúvida passa a ser equivalente a falta de ação. O sujeito é agora robotizado pela marca da dúvida, pois ele sabe que não deve fazer ou agir, mas não sabe o porquê. O evangelho fora de Jesus Cristo só apresenta a fórmula, mas não a explica com respostas precisas que sejam capazes de saciar completamente a necessidade espiritual da pessoa. Em contrapartida, o Evangelho de Cristo traz todo o esclarecimento necessário quanto à dúvida em qualquer aspecto, não a alimentando, mas resolvendo-a, levando o indivíduo a atitudes corretas e precisas, que naturalmente terão resultados positivos e concretos. Mas, o que na verdade se entende por “dúvida”? Esta palavra traduz o sentido de incerteza por causa de incredulidade. Compare a frase imperativa de Allan Kardec, “Na dúvida, abstém-te”, com a frase imperativa de Jesus Cristo: “Não sejas incrédulo, mas crente” (Jo 20:27). Na primeira frase, a tônica recai sobre a palavra “dúvida”, enfatizando-a, não estimulan-do à fé para fazer o que convém, mas simplesmente a deixar de fazer o que não convém, o que resultará tão-somente numa insatisfação pessoal, sem maiores explicações. Na segunda, a

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MÔNICA CAMPELLO tônica recai sobre a palavra “crente”, cabendo a seguinte interpretação: “Não duvide; creia”. Por que Jesus diz isso? Porque Ele sabe que pode oferecer o que a pessoa precisa. Crer não naquilo do que a pessoa tem dúvida sobre se faz ou não, pois aquilo é secundário; mas a prioridade é crer em Deus que é capaz de suprir todas as suas necessidades. Não se prender à questão da dúvida, mas voltar-se para a questão da fé, em que Jesus aconselhará a pessoa sobre o caminho que deverá seguir mediante a fé nele. Não se trata simplesmente de fazer ou deixar de fazer, mas conhecer o porquê da atitude apropriada sob a direção de Deus que evitará consequências negativas. Assim, ela terá esclarecimento sobre o certo e o errado quando a sua consciência revelar a verdade de Deus mediante a palavra dele, haja vista o fato de que a consciência por si só em seu julgamento arbitrário destituído da direção de Deus pode enganarse em julgar o mal como bem e o bem como mal. A consciência deve estar livre de culpa. Cada pessoa deve buscar a conduta correta em que não há escrúpulos de consciência quanto a fazer algo, mas qualquer conduta erra-da leva à condenação. “A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus. Bemaventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova. Mas aquele que tem dúvidas é condenado se comer, porque o que faz não provém de fé; e tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14:22,23).

É preciso ter convicção de que determinada conduta está correta, tendo como base para julgamento os atributos morais de Deus que não deixarão a pessoa confundida por causa de sua consciência, pois esta poderia fazê-la pensar que é pecado aquilo que realmente não é e vice-versa. Falta de fé ou dúvida constitui-se no fracasso em to-mar posse daquilo que é garantido à pessoa por Cristo que ainda adverte contra o medo que é sinônimo de fé subdesen-volvida ou mesmo falta de fé. Fé significa confiança no poder da assistência e socorro de Deus em momentos cruciais. A confiança deve estar firmada em Deus. Jesus estimula para a fé, ensinando a evitar aquilo que a mente condena através do conhecimento que ele mesmo confere às pessoas sobre

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO consequentes efeitos nocivos, mas também ensina que se o coração não acusa, tem-se confiança diante de Deus (I Jo 3:21). “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede tam-bém em mim” (Jo 14:1). Eis o conforto oferecido por Jesus em momentos adversos, em tempos difíceis. Esta afirmação transmite paz aos corações, livrando as pessoas de seus temores. A moça, no entanto, passou a interessar-se por estudos espíritas. Como um livro seria muito pouco, ela adquiriu vários do gênero. Trocando-se o verbo “ler” por “comer”, pode-se dizer que era exatamente isso o que ela fazia: comia os livros, saboreando-os a cada frase, a cada novo aprendiza-do, mas a ingestão de alimentos espirituais tão pesados não a deixava dormir; ao contrário, a incentivava à gula, pois quanto mais “comia”, mais queria “comer”. Parecia entender que de uma vez por todas estava conhecendo os mistérios da vida e também da morte. Passou a entender que não estava sozi-nha, que ninguém estava sozinho, mas que sempre havia es-píritos à volta de quem quer que fosse, e isso contribuía para o descortinar de um futuro que na verdade já estava traçado, pois se tratava de “destino”, sendo este conhecido pelos espí-ritos bons, maus, brincalhões, como são classificados, que levavam em consideração o carma da pessoa, condutas e atos de outra encarnação e suas consequências na presente vida (esses eram os ensinamentos). Assim, sua própria vida passou a ser palco vívido de experiências espirituais estarrecedoras. Hella, inocentemente, acreditava que precisava passar por aquilo para que pudesse desenvolver-se espiritualmente; logo, mesmo que as situações por que passava não fossem naturais, ela não sentia medo, e continuava avançando em seu propósito. Tudo isso dava margem para que demônios se aproveitassem de sua fé frágil, ou melhor dizendo, inconsequente, porém consistente. Simples ações como se sentar em uma varanda da casa de veraneio para ler livros espíritas, esotéricos, lhe davam margem para experimentar reações estranhas de animais e pessoas à sua volta, como aconteceu numa noite em que, sem

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MÔNICA CAMPELLO maiores explicações, um cachorro parou diante dela, sentou-se e começou a rosnar ferozmente contra ela, como se esti-vesse vendo algo medonho; ela permaneceu olhando fixamen-te para ele, buscando descobrir o porquê de seu comporta-mento. E assim permaneceram por muito tempo: ela fitan-do-o, e ele rosnando. Logicamente, ela não obteve nenhuma resposta para aquela situação nos livros que lia. O que aca-bou passando em branco. Na mesma noite, após esse fato, todos os da casa saíram para passear pela cidade, e resolve-ram ir a pé. Na volta, vieram por um caminho escuro em meio a um matagal, e vinham rindo e conversando, quando, de repente, deram por sua falta, e começaram a gritar pelo seu nome, mas ela não respondia, pois já estava em casa, jan-tando. Ao pegar no talher, sentia que sua mão involuntariamente era conduzida até sua boca, e foi assim durante todo o jantar. Todas essas coisas ela permitia que acontecessem com o intuito de conhecer a intenção dos espí-ritos (demônios1 – designação ignorada na época). Após o jan-tar, mais uma vez sua mão era conduzida até sua boca, mas desta vez não para levar alimento, mas para fazer bilu-bilu com os lábios. Naquela noite, ela nada fazia por si mesma, voluntariamente, mas era conduzida por forças espirituais que ela acreditava serem do bem, para o seu crescimento es-piritual. Dormir era quase impossível, pois ficava à mercê dos espíritos. Na manhã seguinte, praia. Na praia, leitura, só leitura; nada de brincadeiras, aproveitar o sol, o banho de mar... nada! E foi assim durante toda a sua estada naquele lugar. Sua mão passou a ter vida própria. Os sintomas começavam pelo braço, estendendo -se até a mão que parecia ter olhos e pernas, pois não podia ver uma caneta e lá ia a mão em direção a ela, manifestando um desejo incontido de escre-ver. Eram os “espíritos” querendo se comunicar, fazendo revelações, usando a linguagem de entes queridos falecidos, suas características sendo demonstradas através de palavras ou pensamentos bem singulares, e ela entendia tudo aquilo como avanço mediúnico através da psicografia ou de outro poder

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO sobrenatural. Hella desconhecia a doutrina da materialização de seres espirituais que incorporam traços característicos de pessoas falecidas, causando a impressão de que são as própri-as pessoas que ressurgem. Isso não pode ser eufemicamente chamado de mediunidade, mas possessão demoníaca. Hella vivia dias de insatisfação pessoal, falta de realização em determinadas áreas de sua vida. Contudo, as mensagens deixadas pelos espíritos podiam tratar de vários assun-tos, menos de seus problemas pessoais para os quais ela bus-cava soluções. Resolveu, então, ir a um centro espírita. Lá esperou por sua vez de ser atendida para poder relatar sua dor em face às desventuras de sua vida. Recebeu orientação para submeterse a uma cirurgia espiritual para obter a cura desejada. Voltou para casa, trancou-se em seu quarto, forrou sua cama com lençol branco, travesseiro com fronha branca, providenciou um caderno e uma caneta para escrever o que os espíritos expressassem, um copo com água, luzes apaga-das, e deitou-se na cama a esperar os acontecimentos. Seu marido ficou “preso” do lado de fora, na sala de estar; sua entrada não era permitida. O primeiro movimento foi o de sua mão em direção ao caderno e à caneta. Sua mão começou a escrever coisas acerca do futuro, envolvendo nomes de pes-soas conhecidas, e pelo modo de expressar-se, ela percebia que se tratava de um parente próximo que falecera recente-mente. Imediatamente após escrever toda a mensagem, co-meçou a sentir que seu corpo fazia movimentos bruscos para cima e para baixo, intermitentemente. Os movimentos tor-navam-se cada vez mais fortes, o que a amedrontava, mas ela permanecia firme em sua fé de que eram os espíritos envia-dos àquele lugar para providenciarem todo o tratamento ne-cessário, visando o resultado da cura. E seu corpo subia e descia, subia e descia, subia e descia com força sobre-huma-na, independente de sua vontade, de seu controle. Ela sim-plesmente sujeitava-se à obediência ao que considerava obra de espíritos superiores detentores do conhecimento necessá-rio que a levaria à cura espiritual e consequentemente física. De seu corpo começava a fluir “um rio de águas”. De dentro

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MÔNICA CAMPELLO de si saía tanta água que a fez pensar estar urinando, mas ela percebeu que não era urina, mas um líquido como água que ensopou toda sua cama, talvez o suficiente para encher um pequeno balde. Os movimentos intermitentes de subida e descida de seu corpo sobre a cama pararam logo após o “aguaceiro”. E logo a sessão espírita terminou. Aguardou pacientemente pelo resultado. O tempo passou... E a cura? Esta não chegou. Que decepção! Quanta frustração! Tanta esperança de ver solucionado seu proble-ma que até então ninguém conseguira resolver, e foi tudo por “água a colchão”, ou melhor, foi tudo por água abaixo! Foi um rio que passou em sua vida e seu coração se deixou levar! Somente por aqueles breves momentos de sua vida. Mil anos para o Senhor são como um dia (Sl 90:4). Ainda assim, em sua fé, melhor dizendo, em seu te-mor – pois acreditava na seriedade dos espíritos, e não ousa-ria desacreditá-los – preferiu entender que tudo aquilo fazia parte de um processo, algo que não se resolveria em uma única tentativa, pois pensava também que poderia ser neces-sário curar- se interiormente para obter cura física. Por isso, começou a preocupar-se mais com os outros, deixando de lado seus problemas pessoais, crendo que todas as coisas se resolveriam com o tempo. Havia alguém muito importante e especial para ela que estava com um problema nos olhos, umas raízes vermelhas que prejudicavam a visão e que já tinham sofrido tentativa de cirurgia para serem retiradas. Na sala de cirurgia, esta pessoa sofreu um ataque cardíaco e foi conduzida às pressas para um hospital, onde se recuperou, e tomou a decisão de deixar quietos os seus olhos, não se importando se eles incomodariam ou não. Esta pessoa era seu pai. Sabendo do incômodo que seu pai sofria com aquelas vistas, e sabendo também que ele não mais tentaria operá-las, lembrou-se do centro espírita que fazia curas invisíveis, desconsiderando sua experiência anterior. Voltou lá e pediu orientações para tratar de seu pai. Chegando a casa, prepa-rou todo o ambiente, propiciando-o para uma intervenção

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO cirúrgica espiritual. Quando seu pai chegou, pediu-lhe que ele entrasse no quarto e se sentasse na cama com os olhos fechados. Ela começou a sentir aqueles movimentos involuntários dos braços e das mãos e deixou que tudo acontecesse naturalmente alheio à sua vontade. Suas mãos foram, então, conduzidas diretamente aos olhos de seu pai, e ela passou a pressionar os dedos muito fortemente contra seus olhos, com movimentos circulares e afundando-os a ponto de pensar: “Ai, meu Deus, será que isso tá certo? Será que não vou machucar os olhos do papai?” E ela até pensava por seu pai: “Ah, o papai deve estar com medo dessa pressão sobre os olhos dele, mas ele acredita, tem fé e sabe que vai ficar cura-do, então posso continuar sem me preocupar”. E assim con-tinuou até concluir aquilo que chamava de operação invisí-vel. Saindo do quarto, encontrou sua mãe, sua avó e seu ir-mão caçula na sala de estar e começou a dar-lhes o “passe” para lhes transmitir energia ou fluidos positivos visando o restabelecimento do equilíbrio vital, sendo esta também ou-tra ação involuntária, em que seus braços e mãos eram conduzidos do alto de suas cabeças até seus pés, na frente e nas costas de cada um, separadamente. Cabe aqui oportuna observação. Jesus impôs as mãos para curar: “E, vendo-a Jesus, chamou-a a si, e disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade. E pôs as mãos sobre ela, e logo se endirei-tou, e glorificava a Deus” (Lc 13:12,13) – primeiro, ele manifestou a autoridade da sua pala-vra; depois, ele impôs as mãos sobre a doente que imediata-mente ficou curada. Assim também o fizeram os apóstolos Pedro, Paulo e outros homens de Deus “Entretanto, demoraram-se ali muito tempo, falando ousadamente no Senhor, o qual confirmava a palavra da sua graça, concedendo que, por mão deles, se fizessem sinais e prodígios” (At 14:3).

Sabe- se, porém, que o poder que emana deste ato é o do Espírito Santo. Deus dá cura e libertação através de uma pessoa que ora ou intercede por outras, mas isto não significa

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MÔNICA CAMPELLO que este intercessor seja mais dotado que outros. Tampouco se pode afirmar que tal poder venha de espíritos por meio de médiuns, já que é sabido que os mortos não têm poder de interceder pelos vivos. Dias depois, as raízes vermelhas sumiram dos olhos de seu pai e nunca mais retornaram. O que realmente teria ocor-rido? Teriam os espíritos realmente curado seu pai? Tudo aquilo teria acontecido sob a permissão de Deus? Por que seu pai ficou curado e ela não? Quem operou a cura – Deus ou os espíritos? O diabo também cura com o propósito de manter as pessoas presas a ele – neste caso, presas a RELIGIÕES que NÃO SALVAM, sem que elas conheçam essa realidade. O diabo adora as religiões, as seitas, os ventos de doutrinas, os novos movimentos religiosos e suas práticas porque estimu-lam as pessoas a permanecerem longe de Jesus – o único que pode salvar suas almas, verdade que o diabo conhece, e são exatamente essas o seu alvo principal, pois é ladrão de almas. Mesmo quando os religiosos citam o nome de Jesus, o fazem apenas para respaldar suas teorias, para torná-las dignas de acei-tação e fé; aproveitam-se do nome de Jesus. E ainda há outras que abertamente declaram Jesus como simplesmente um ser iluminado a fim de aniquilar o entendimento de que ele é Deus. Nas situações práticas e teóricas em que Satanás atua, ele não se revela como senhor da situação, mas ludibria com fachada religiosa, usando testas-de-ferro. Contudo, o povo se deixa le-var porque o que mais deseja é a cura física, em detrimento da espiritual. E isso é passível de se entender, porque a dor é gran-de, e só quem sente a dor sabe interpretá-la e tende a buscar o que pode para dela se livrar. Nessa hora, ela pode não se im-portar com o espiritual que parece mesmo nem existir; pode não se importar se é de Deus ou não, não se importar sobre de onde vem a cura, apenas quer a cura, e muitas vezes sem saber está entregando a sua alma ao diabo, e isso é tudo o que ele quer. Orientar alguém nesse estado é muito difícil, falar do poder de Cristo para ela é muito difícil, fazê-la crer que pode ficar curada pelo poder de Cristo é muito difícil, fazê-la dar graças pelo seu estado é muito difícil, pois ela naturalmente

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO diria: “Você diz isso porque não está no meu lugar!” “Ah, tudo é válido... vou fazer tudo para alcançar a cura”, seja a sua própria, a de um ente querido, etc. Mas os que creem em Jesus para a esperança da cura sem esquecer o propósito da salvação eterna não perdem suas almas, mesmo que não obtenham a cura tão desejada. Diante da dor intensa, a pessoa prefere até morrer como forma de se ver livre da dor, mas mantendo firme a esperança de estar perto do Pai “Aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, acha-la-á. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?” (Mt 16:25-26). “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo” (Mt 10:28).

A tendência de pessoas naturais diante de tal situação é crer no sobrenatural, mas não em Deus – espíritos, forças espi-rituais, poderes extraterrenos, mediunidade, etc., o que as afas-ta da verdade eterna mediante a qual não apenas recebe-se cura, mas também o perdão e a salvação que só Jesus Cristo pode oferecer pelo seu sangue. Curas, prosperidades, e tantas outras conquistas terrenas têm afastado o homem de Deus e o tem aproximado das religiões, de práticas ocultistas ou esotéricas; consequentemente, preso à crença de que esses caminhos lhe trazem vitórias palpáveis ou visíveis, perde sua salvação. “Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando gran-des sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mt 24:24). “Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios de mentira, e com todo engano de injustiça aos que perecem, porque não acolheram o amor da verdade para serem salvos. É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação do erro, para darem crédito à mentira, a fim de serem julgados todos quantos não deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça” (2 Ts 2:9-12). Mas o que dizer daquele que se arrepende e reconhece a soberania de Deus? E depois descobre que Deus esteve cuidan-do dele todo o tempo, mesmo no tempo de sua infidelidade? “Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerância, e

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MÔNICA CAMPELLO longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento?” (Rm 2:4). “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5: 8). Tantos contatos com os espíritos com tamanho fascínio começaram a surtir efeito negativo na vida de Hella. As palavras que constam do Livro dos Médiuns2 se confirmaram: “É preciso que esses médiuns só raramente se sirvam de sua faculdade mediúnica, cujo uso freqüente [sic] lhes poderia afetar o Sistema Nervoso”. (Capítulo “Da identidade dos Espíritos”, diferenciação dos bons e maus Espíritos). Tendo ido certo dia a um centro espírita perto de sua casa, disseram-lhe que ela era médium e que realmente tudo o que se passava com ela eram sintomas naturais de sua mediunidade e que de fato eram os espíritos que agiam em sua vida espiritual, tra-zendo-lhe revelações diversas, até mesmo “divinas”. O so-nho espiritual de Hella transformou-se num martírio. E lá, ela nervosa, buscando libertação daquele problema, dizia in-sistentemente, ao que ninguém dava ouvidos: “Isso não é de Deus, é coisa de demônio!” E eles diziam: “São mesmo os bons espíritos falando através dela; com certeza eles têm uma mensagem para nós!” Eles não quiseram ouvir a sua versão, dizendo-lhe que “era assim mesmo”, que depois ela compre-enderia tudo. Talvez para eles fosse mais fácil acreditar que aquilo era real e não um problema espiritual; talvez um pro-blema espiritual lhes desse muito trabalho para resolver. Tal-vez fosse melhor acreditar que o mal era o bem. E ela deses-perada, vendo cair por terra sua única esperança de ser liber-ta daquele mal através daqueles que ela acreditava serem ca-pazes de ajudá -la, sentia- se perdida. Ninguém entendia nem podia explicar as feições de um rosto sem paz, os olhos arre-galados de medo e pavor e terror, a mente perturbada, a vi-são ou alucinação de um movimento estranho atrás de uma cortina como se estivesse enxergando os espíritos, o braço e a mão descontrolados, agindo em desarmonia com sua mente como se tivessem vontade própria. E ela se perguntava: “Meu Deus, será que ninguém tá vendo tudo isso? Só eu?!” Os pró-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO prios espíritas eram incapazes de socorrê-la, pois nem sequer puderam perceber a verdade que se punha nua e crua diante de seus olhos! Saiu dali chorando lágrimas amargas de pro-fundo arrependimento de um dia ter se envolvido com o es-piritismo, principalmente por saber que não havia ninguém que a pudesse livrar de tão grande mal. Tomou, então, uma primeira decisão: “Vou entregar em um outro centro espíri-ta perto de casa todos os livros espíritas que possuo!” E, ao chegar a casa, foi o que fez. Juntou todos os livros e os levou a um centro espírita e lá os deixou. O segundo passo seria buscar ajuda em outro lugar que pudesse livrá-la daquele problema. Conversou com sua mãe acerca de tudo o que vinha acontecendo e sua mãe lhe disse que havia uma igreja em uma cidade vizinha que podia ajudá-la, pois já tinha ouvido falar que era muito boa em libertar pessoas endemoninhadas. Ela decidiu ir até lá com sua mãe e levou consigo um retrato do marido, levando consigo tam-bém em sua mente e coração a esperança de salvar seu casa-mento que ia de mal a pior, e aqueles problemas espirituais prejudicavam ainda mais sua relação conjugal. Ela não tinha muita certeza, mas parecia ser um culto de libertação de uma igreja evangélica. Ela entrou na igreja com sua mãe, e sentia o terrível incômodo no braço, aquela queimação, aquele ardor que se manifestava todas as vezes que sua mão queria escrever; aliás, sua mão queria escrever o tempo todo, pois aquilo já tinha se tornado uma obsessão. Havia uma fila em que pessoas iam em direção ao púlpito para fazer pedidos de oração, e ela quis entrar naquela fila. Levou consigo o retrato do marido e o apresentou a uma senhora que recebia os pedidos. Acabando de entregar a foto, sentiu-se incomodada com o mal-estar do braço e resolveu voltar para pedir unção com óleo em seu braço. Feito isto, retornou ao seu lugar, mas a “coisa” não a deixava em paz, seu braço estava muito quente, parecia mesmo que a “coisa” estava muito afetada e por isso a deixava ainda mais perturbada. Num ímpeto, ela resolveu voltar àquela fila e reclamar com a “senhora da unção” que o problema continuava e que ela estava se sentindo muito mal com aquilo e que queria

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MÔNICA CAMPELLO se ver livre daquele problema de uma vez por todas. A senhora, que na verdade era uma irmã da igreja, comoveu-se com seu pedido e começou a orar com mais veemência, falando em línguas estranhas e falava alto e como quem falava com autoridade. Ela não entendia o que a irmã falava, mas em seu espírito compreendia a essência daquelas palavras e sabia em seu íntimo que eram palavras de repreensão a algo que ela desconhecia. De repente, algo se manifestou em seu corpo, possuindo-a, tirando-lhe totalmente seu autocontrole e, usando sua boca, gritava com fúria e horror, e, usando seus olhos, olhava em direção à porta da igreja que naquele mo-mento havia sido fechada, e, usando seu corpo, se debatia vio-lentamente com uma força extraterrena em virtude de os ir-mãos da igreja, aproximadamente uns cinco, estarem seguran-do-a firmemente na tentativa de fazerem com que ela parasse de se debater, mas na verdade era uma força demoníaca que a controlava e a que se sentia amarrada, presa e queria se liber-tar, mas não conseguia, e ela sentia que seus olhos possuídos olhavam para a porta da igreja reconhecendo-a como uma única saída à qual a “coisa” não podia alcançar, não apenas pela força física dos irmãos, mas pelo poder de Deus que se encontrava presente ali exercendo pleno domínio da situação e encarce-rando o mal para que não pudesse fugir. Ela nunca havia falado em línguas estranhas, parecia hebraico, ou qualquer outra língua que ela desconhecia, mas ela podia compreender a essência das palavras que saíam fluentemente de sua boca e sentia que a “coisa”, de fato um ou o demônio, expressava um desejo voraz de fugir daquele recin-to penoso e, para ele, carregado, sim, carregado do poder de Deus, o que o torturava profundamente. E ela sentia que ele vociferava com ódio mortal que ele sairia dali, que ninguém poderia detê-lo. Ela sentia que seus olhos esbugalhavam, mas não eram seus olhos, mas os dele; tudo dele ela sentia em seu corpo, mas seu corpo não era afetado por ele. Era um outro corpo por cima de seu corpo, mas que não tirava o lugar de seu corpo. Ela entendia o que ele pensava, o que ele queria, o que ele sentia, o que ele falava, o que ele via, sendo, no entan-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO to, uma pessoa além dela, fora dela, que a possuía, mas não a possuía; que parecia ter controle sobre seus membros, mas não possuía controle sobre sua vida. Em meio a todo aquele tormento, numa velocidade indescritível, ela entra num túnel, não, ela não entra, ela se encontra dentro de um túnel trevoso, sem começo nem fim, redondo, roliço, estreito, um vácuo, com paredes salientemente irregulares, no qual ela percorria milhões de quilômetros em fração de segundos. E dentro desse túnel ela só lembrava de um nome, pelo qual clamava gritando, pedindo socorro: Jesus! Jesus! Jesus! Naquela hora ela entendia que só ele podia salvá- la, e mais ninguém e mais nada! Ela não sabia se sua voz, seu clamor pela presença de Jesus podia ser ouvi-do pelos presentes, ou melhor, pelos que estavam do lado de fora do túnel, mas ela continuava a clamar ardentemente por aquele que ela sabia que seria o único capaz de resgatá-la da-quela situação tenebrosa. É nos momentos de sofrimento extremo que se reconhece o poder de Jesus, que ele é Deus! Era uma ira fenomenal estrondeante que parecia estar con-duzindo- a! Naquele momento havia uma batalha espiritual, pois seus olhos espirituais eram os que viam a batalha. Já não era o corpo dela que se debatia, mas seu espírito, e nesse ínte-rim ela não sabia se seu corpo estava imóvel nas mãos dos irmãos, ou se continuava se debatendo. Uma coisa era certa: era uma luta de morte travada entre o bem e o mal, e o bem venceu! Aleluia! O poder de Jesus! E ela saiu do túnel, e vol-tou! Voltou para os braços de sua mãe, livre daquele demô-nio. Então, se despediram dos irmãos em agradecimento e retornaram a seus lares. Ao chegar a sua casa, ela ajoelhou-se diante de seu marido em profundo desespero e horror pelo ocorrido, acreditando que forças demoníacas estavam destruindo seu casamento e sua felicidade, e pediu a ele que se reconciliassem, que passassem a lutar para que seu casamento não fosse destruído. Ela tinha voltado para casa com total disposição de travar tal luta. Mas ela sabia que não podia fazê-lo sozinha. Ela queria compartilhar com seu marido a decisão que havia tomado de não

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MÔNICA CAMPELLO permitir mais que aquelas coisas espirituais entre outras coisas mundanas invadissem suas vidas individuais e sua vida conjugal. Ela acreditava que eles juntos poderiam vencer aquele mal que assolava a sua união. Seu marido, contudo, parecia não dar muita importância às coisas que ela dizia; parecia não acre-ditar que ela tinha passado por um processo de libertação espi-ritual. E, assim, foram para o quarto, e se deitaram, e dormi-ram, e acordaram, e os problemas continuaram, e se separa-ram. Mas eles ainda se amavam! O amor que nutriam um pelo outro não foi suficiente para mantê-los unidos. Os obstáculos sobrepujaram tão sublime sentimento, os quais vieram em forma de traição conjugal. Hella percebeu alterações comportamentais em seu marido como chegar tarde a casa, perda da libido, diálogos esporádicos. A continuidade desses fatos a fazia sofrer muito e ela buscava uma maneira de ter o marido de volta em seu todo, pois o tinha apenas como presença física. Sempre que podia, dirigia -se à loja onde ele trabalhava juntamente com as irmãs para ajudar no que fosse preciso, aproveitando para estar mais perto dele. Certo dia, sua cunhada pediu-lhe que fosse a uma loja vizinha para trocar algumas peças de roupas por tamanhos diferentes. Chegando lá, apresentou-se à vendedora, perguntando sobre a dona da loja. Esta logo se apresentou: “Olá, meu nome é Jana, em que posso ajudar?”. Hella disse a que fora a sua loja, concretizou o objetivo e retornou para a loja do marido. Hella esteve diante da aman-te do marido, mas nada percebeu. Contudo, perspicaz como era, Hella notou um certo nervosismo e um semblante de preocupação no rosto de seu marido quando lhe disse de onde viera, o que chamou sua atenção. Pronto! Hella queria con-firmar sua desconfiança e passou a investigar o caso, fazendo amizades com as mulheres da galeria a fim de encontrar uma que soubesse de algo. Foi assim que descobriu que eles real-mente estavam se relacionando há algum tempo e que quase todos os dias após o serviço ele participava de pegas acompa-nhado dela e depois curtiam seus momentos em motéis ou restaurantes. Que informação estarrecedora! Hella sabia que

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO seu marido apreciava motéis e restaurantes e passeios e excursões e viagens, mas não esperava nunca que ele viesse a desfrutar desses prazeres em companhia de uma outra mu-lher. Ela se sentiu tão mal que imediatamente inventou uma desculpa qualquer para ir embora. Quando seu marido chegou, ela estava sentada no sofá esperando por ele para conversarem. Ao ouvir que ela já sa-bia de tudo, ele reagiu com palavras rudes como forma de se proteger, afirmando que ela não deveria dar ouvidos àquela gente, pois eram invejosos que se compraziam com a desgra-ça alheia. Esse era o momento para que ela percebesse que ele não queria terminar o casamento que um dia fora realizado numa igreja, legalmente documentado, em presença de testemunhas, com uma festa esplendorosa, coisas às quais ele dava a maior importância – não querer dar gosto à sociedade e tampouco desgosto à família. Hella, no entanto, não conse-guia administrar tais contradições: “Como um homem que dá importância a tudo isso, se envolve com outra mulher, arriscando seu casamento?” Além disso, sua dor era profun-da que doía até a alma. Resolveu que o melhor seria a separa-ção. Levou o caso à Justiça, visando o divórcio, mas o advo-gado os advertiu a que buscassem a reconciliação. Assim o fizeram. Hella perdoou seu marido e permaneceram juntos. Mais tarde, porém, seu marido novamente se envol-veu com outra mulher. Já conhecendo os sintomas proveni-entes da traição, Hella ficou atenta a todos os seus passos, mas foi numa excursão a Poços de Caldas que descobriu a existência de uma nova amante através de um amigo dele, homem idoso, que deixou escapulir a verdade e nem perce-beu que o fizera. Assim que retornou, pediu a sua mãe que a acompanhasse até à casa da dita amante para certificar-se de que realmente eles tinham um caso. Ao chegar à casa dela, chamou-a pelo nome e ela apareceu na varanda perguntando quem era. Hella identificou-se como esposa de Joaquim. A mulher aproximouse e, com ar de medo, confessou a verda-de. Hella saiu dali com uma angústia no estômago, uma dor na pele, sintomas que não entendia, mas que a derrubaram.

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MÔNICA CAMPELLO Consternada, sua mãe a levou para casa. Ali, à beira da piscina, relembrava seus momentos da infância em que desconhecia o que era tristeza ou amargura. Queria ser feliz de novo com aquela inocência pueril. Sentada envolta em cobertas pelo frio do coração congelado, com mente inerte e olhar fixo no ermo, chegou, enfim, à decisão de separar -se de vez. Hella, na verdade, crê que ainda teria esperança se tivesse conseguido perdoar e acreditar numa nova chance. Como isso é difícil para um ser humano! Um aparte aos casais Por que casais que se amam se separam? Será que os prazeres do mundo com suas “oferendas”, a concupiscência da carne, dos olhos, suplantam o sentimento de amor? Será que o orgulho – sentimento que precede a queda – é o vilão das uniões amorosas? Será que a mágoa decorrente da trai-ção, da agressão por palavras ou ações, da indiferença, pode ser mais forte que o amor, transformando-se numa muralha ou escudo de ferro que o impede de passar? Uma coisa é cer-ta: casais que se amam se separam porque a sua fraqueza em conduzir a união com sabedoria e solucionar dificuldades no relacionamento a dois é mais fraca que a fraqueza da estultícia. Sentimentos de autoproteção em que não se pondera sobre a fraqueza do outro mascaram o sentimento de amor ainda existente nas relações; em vez de proteger a relação, acabam destruindo-a. A impressão que se tem é a de que não se ama mais o outro. Entretanto, não é que não se ama mais, não é isso; é que a mágoa que se tem no coração é tão grande que confun-de, que inebria o verdadeiro sentimento de amor, não permi-te enxergar esse amor; em vez de manifestar o sentimento de amor, a pessoa manifesta o sentimento de aversão, de rejei-ção como quem se defende a fim de não ser magoada de novo, a fim de não sofrer de novo; é mais uma autoproteção do que falta de amor; não é falta de amor. “Se eu não gosto mais dele(a), por que ainda estou com ele(a)? Por que não consigo

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO me separar dele(a)? Por que eu não consigo me separar dele(a)?” Essa é a pergunta que ecoa na mente e no coração de quem não consegue se separar. É a confusão – por esse prisma, bendita – que a mágoa traz ao coração. Por isso que a pessoa não consegue se separar: porque ainda ama, mas a mágoa é tão grande que não permite dar vazão a esse senti-mento de amor que ainda se tem pelo outro devido à autoproteção contra o que lhe fez mal, por crer que ainda possa lhe fazer mal de novo. Acaba-se, por fim, vivendo mal com o cônjuge. Evitamse os envolvimentos carinhosos des-de um simples beijo às relações sexuais, tornando inerte o que era vivo, e isso pode desencadear dúvidas que propiciem um complexo de rejeição devido à incapacidade de compre-ender as reações do outro. A falta de habilidade em lidar com a situação gera falhas que induzem ao erro, como procurar por alguém que o corresponda ou que o compreenda. Nesse caso, busca-se uma confirmação para uma autoafirmação que pode ser uma brecha para o fim de fato da relação conjugal: “Será que uma outra pessoa me trataria assim? Será que isso aconteceria se fosse com outra pessoa? Vou investigar”. A verdade é que lá no fundo esse outro sabe que não é correspondido pela consciência de ter magoado alguém que o amava, mas ele não sabe tratar disso. Por isso, não cabe a preocupação de dar amor, mas urge um diálogo imediato para a solução do problema. A hora é essa, de aproveitar essa consciência, dirigindo o outro à reflexão dos próprios erros, quando por si só ele não os enxerga ou assume pela dificuldade da introspecção. Isso é auxiliar na fraqueza alheia em detrimento dos próprios sentimentos, como o amor próprio que, na maioria das vezes, se confunde com egoísmo. O outro precisa de ajuda. Ele sabe que magoou e a sua tendência é buscar melhorar, mas para isso precisa ser estimulado. “Como, se me dói?”, pergunta o ofendido. Orando para que Deus cure da mágoa – sentimento maldito porque gera no coração sentimentos de vingança, de ódio, de repulsa – para que se possa ser feliz de novo, aprendendo a perdoar, e crendo na esperança de uma verdadeira reconciliação, porque é isso o que se quer: ser feliz

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MÔNICA CAMPELLO com o cônjuge e estar em paz com ele. É preciso saber o que se quer para poder travar a luta devida, confessando a Deus o verdadeiro desejo do coração, em nome de Jesus. Sem Jesus não dá! Por exemplo, há mulheres que dizem: “Eu confio no meu taco!” Frase errada! Tola! Inútil! O diabo é mais forte que o taco dessas mulheres, mas Jesus é mais forte que o diabo! Então, em vez de dizer que confiam no seu taco, deveriam dizer: “Confio em Jesus!” Isso evitaria muitos conflitos conjugais e complexos de inferioridade por parte de mulheres inseguras, e por que não dizer também de homens? Maior é aquele que une – Jesus, do que aquele que separa – Satanás. Uma mulher deve aprender a confiar em Deus e a confiar em seu marido – aprendizado advindo de Ezequiel 40, após oração ao Senhor. Uma mulher (esposa, namorada, etc.) que fica “dando uma de detetive”, querendo investigar a vida do marido (namorado, noivo, etc.) de várias maneiras – revistando seus pertences: carteira, celular, agen-da, fazendo escutas – acaba dando brechas para Satanás atuar em sua vida. Ao invés de buscar corrigir o erro através de sinceras atitudes voltadas para Deus, parece mesmo que ela quer descobrir algo de errado que só servirá para destruir uma relação que poderia ter conserto; parece mesmo que ela já não confia mais em Deus; que Deus está muito distante de seu relacionamento conjugal. Há um velho ditado: “Quem procura, acha”, e como o diabo aprecia esse ditado! Quando se predispõe o coração a ouvir a palavra de Deus, ele pode ensinar a pessoa a desprender-se de laços que no fim tendem a amarrar a própria pessoa. Por ter desconfianças do cônjuge passa a fazer coisas erradas com intuito de obter resultados positivos em sua busca que, na verdade, se convertem em resultados negativos. Agora, uma pergunta: você (ainda) ama seu marido (sua esposa)? Se você o (a) ama, a luta deve ser muito diferente dessa que você está travando. É preciso avaliar as verdadeiras prioridades: o que serve e o que não serve – jogar fora o que não é prioridade, como má-goas, ressentimentos, ciúmes, desconfiança, etc., não se dei-xando abalar diante das crises e obstáculos, mas confiando

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO no Senhor com esperança e paciência e sendo paciente nas adversidades, crendo que o Senhor peleja por vocês. O Se-nhor luta pelo seu próprio bem antes mesmo de você lutar pelo seu cônjuge, e, dependendo do tipo de luta, pode-se per-der ou ganhar. O que seria perder ou ganhar para você? Per-der seu casamento seria o mesmo que ganhar alguma coisa? Qual é a sua real visão acerca desse assunto? Pergunte ao seu coração com verdade e encare a sua resposta de frente de modo que você possa passar a lutar com dignidade.“O mundo tá aí, Senhor, mas o Senhor está aqui!” Eis a correta visão! Creia! Quando você ora com coração sincero, Deus ouve a sua oração e passa a agir em seu favor. Um soprinho de Deus, um soprinho, é suficiente para destruir o que ele quiser, como um furacão. Um soprinho de Deus é um fura-cão. Um furacão que extermina toda fonte de mal. Assim como os membros do corpo não têm supremacia sobre a ca-beça, nada nem ninguém têm supremacia sobre Jesus, o Ca-beça da Igreja e de toda a criação. Você crê nisso? Um pastor famoso respondeu a uma esposa cujo casa-mento estava à beira do fim: “Você está orando para que seu marido seja transformado, mas você deve orar pela salvação dele”.

“Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites” (Tg 4:3). Um cônjuge deve orar a Deus não para que o outro seja transformado naquilo que ele deseja, no que ele quer que o outro seja, para sua própria satisfação, crendo que isso será a solução para sua felicidade conjugal. “E da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis”(Rm 8:26). Por pior que esteja a relação, esta deve ser suportada em oração independente do tipo ou da quantidade de adversidades. Orar pela salvação do cônjuge implica estar automaticamente orando pela sua libertação que será manifesta no momento em que ele conhecer a verdade: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8:32).

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MÔNICA CAMPELLO Jesus, a única pessoa que pode conceder salvação e liberta-ção, é a Verdade: “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” (Jo 14:6). Quem conhece a Jesus passa a ter entendimento das coisas, percebendo as verdades antes invisíveis aos olhos; passa a ter discernimento do certo e do errado; passa a ter sabedo-ria para praticar o que convém e deixar de praticar o que não convém. A salvação traz consigo incontáveis benefícios. “Buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6:33). Logo, orar pela salvação do cônjuge é a atitude mais correta e precisa; ficar insistindo para que a pessoa entenda a verdade das coisas sem conhecer a Jesus que é o detentor de toda a verdade é o mesmo que dar murros em ponta de faca, em que o único resultado certo são feridas contra si mesmo ou dar socos no vento, em que se empreende um esforço vão que resultará em nada. Quanto às uniões em que ambos os cônjuges conhecem a Jesus, a fé aliada à maturidade cristã deverá ser o combustível para impulsionar o relacionamento a um estado harmonioso em que as diferenças servirão para edificar um ao outro e as carências deverão funcionar como um sensor de perigo iminente, levando a buscar no outro o suprimento necessário para deter o mal através de um diálogo ou de um gesto sincero. “Não matarás” (Êx 20:13 ). Não mate seu casamento, não mate seus objetivos, não mate alguém de sua vida, excluindo-o, mas dê -lhe uma nova chance até que ele manifeste se quer mudança ou não, e será quando Deus dirá: Basta! En-tão, espere o basta de Deus. “Porque esta é a mensagem que ouvistes desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. Qualquer que odeia a seu irmão é homicida. E vós sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permancendo nele”

(1 Jo 3:11,15). Você pode amar e continuar amando, e isso não implica deixar de ser prudente; dar a outra face não significa “ser bobo”, mas ser capaz de continuar amando e querendo bem,

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO mesmo que o outro “aparentemente” não mereça. Significa ter um coração sarado. Você tem levado seu coração para malhar na academia? Apenas um momento de discontração antes desta breve oração: – Senhor, que ninguém precise morrer para que seu valor seja reconhecido. Que possamos reconhecer o valor do outro enquanto existe vida. Amém! Às vezes não dá tempo de alguém receber as flores que gostaria. E quem as entregaria desejará fazê-lo por toda a sua vida. Quão amarga e penosa cruz! Então que se faça agora. Pensemos e ajamos! E aos casais que “ainda” não tiveram a oportunidade de ter um encontro verdadeiro com Cristo, mas que pela misericórdia divina poderão desfrutar do gozo pleno da bondade de Deus, desejo que sejam capazes de perceber que imersos em sentimentos mesquinhos como orgulho, vingan-ça, desdém, traição, medo, insegurança, não poderão jamais chegar a um entendimento de onde se origina a falha para poder corrigi-la. É preciso que conversem em paz e mutua-mente descubram a raiz do mal que se instalou na relação conjugal. Por certo, o amor não acabou, mas apenas esfriou por alguma razão que pode ser eliminada mediante uma pos-tura digna de reconhecimento das próprias fraquezas e da firme decisão de vencê-las. Há mister de se fazer uma introspecção e avaliar todos os sentidos e comportamentos para ensejar mudanças onde houver necessidade. A bíblia sagrada apresenta em Gênesis 25:29-34 a história de Esaú que trocou a sua bênção por pão e um guisado de lentilhas. Ele estava “morto” de fome e se perguntava sobre de que lhe valia o seu direito de primogenitura, pois naquele momento para nada servia já que não podia saciar sua fome. As coisas que o mundo oferece parecem sobrepujar aquilo que a pessoa já possui, levando-a à tentação de desejar algo aparentemente melhor que somente satisfará uma necessidade momentânea, em curto ou longo prazo, cuja consequência será a destruição do que por natureza deveria ser duradouro. As aparências enganam, tanto dentro do lar

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MÔNICA CAMPELLO quanto fora dele; o que parece, muitas vezes não é. Há pessoas inseguras que têm medo ou vergonha de expor seus sentimentos, mesmo os mais sublimes, o que pode causar a impressão de indiferença de sua parte – isso dentro do lar; por outro lado, há pessoas maliciosas ou mal-intencionadas ou aproveitadoras ou dissimuladas que expõem um aparente sentimento de amor ou mera atração só para cativar o carente e mantê-lo longe do que poderia lhe fazer feliz de verdade, sendo egoístas ao visar apenas deleites – isso fora do lar. Busque encontrar a verdade que se mantém por trás de mínimos gestos e atitudes e você descobrirá a verdadeira face do amor, e até de seu antagonista. Que Deus os abençoe!

NOTAS 1 Deus não proibiria tal aberração? Para Jesus, demônios e espíritos são a mesma coisa, diferentemente de anjos (bons) ou espíritos humanos. “Senhor, os próprios demôni-os se nos submetem pelo teu nome! Mas ele lhes disse: Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago. Eis aí vos dei autoridade para pisardes serpentes e escorpiões e sobre todo o poder do inimigo, e nada, absolutamente, vos causará dano. Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus” (Lc10:17-20). CAMPELLO, Mônica. S.E.I.T.A.S. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2010, p. 168. 2 O Livro dos Médiuns CAP. XVI – DOS MÉDIUNS ESPECIAIS. – 194. 4º – Segundo as qualidades físicas do médium

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO

Novos caminhos espirituais

Hella precisava refazer sua vida, estabelecer-se em um novo lar. “Novo”, Hella queria tudo novo, não levando consigo nada que pudesse fazê-la lembrar de seu findo casamen-to. Alugou um apartamento que por aproximadamente seis meses permaneceu quase que no mesmo estado de quando o alugara: vazio. Ela não tinha móveis de quarto, nem de sala, nem geladeira, nem fogão, nem TV; tinha apenas algumas folhas de papelão sobre as quais forrava uma colcha para dor-mir, caixas de papelão dispostas organizadamente no quarto contendo suas roupas, duas toalhas de banho e uma de rosto, e alguns outros artigos de primeira necessidade. Hella convi-via bem com essa situação porque tinha plena convicção de que aos poucos conseguiria arrumar seu apartamento, mas seu pai lamentava ver a filha naquele estado e uma vez che-gou a chorar, pedindo que ela voltasse para a casa dele onde ela teria tudo o que precisasse e de nada teria falta. Hella, no entanto, agradecida a seu amado pai, Jiaque, disse-lhe que preferia lutar para conquistar seu espaço e que ele não ficasse triste nem preocupado, mas que se mantivesse firme na espe-rança de vêla vitoriosa. Não tinha outro jeito se não concor-dar com sua filha que de fato, aproximadamente seis meses mais tarde, cumpriu com sua palavra e apresentou a seu pai o apartamento todo mobiliado e lindamente ornamentado. Seu pai suspirou de felicidade e lhe disse: “Minha filha, você é mesmo uma guerreira!”

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MÔNICA CAMPELLO Hella trabalhava muito, lecionando para todas as turmas matutinas e vespertinas de um colégio em uma cidade vizinha. Enquanto se dedicava arduamente a seu trabalho, refletia sobre um vazio espiritual que vivenciava e tomou uma decisão: não se envolver mais com religião de espécie alguma, mas ser de Jesus, e confiar só nele. Isso não implica-va pertencer a alguma igreja, mas tão-somente ser de Jesus, reconhecendo seu poder sobre sua vida. Nessa época, ano de 1987, a Banda “Roupa Nova” lançava a bela música “Volta pra mim”, e ela a ofereceu a Jesus porque acabara de desco-brir que o amava e só ele era digno de toda a adoração. Ela confessou essa descoberta a uma grande amiga, e, quando a visitava, chegava lá cantando-a com toda a força do seu ser: “Eu te amo e vou gritar Pra todo mundo ouvir Ter você é meu Desejo de viver Sou menino e teu amor É que me faz crescer E me entrego, corpo e alma Pra você...” Contudo, ainda não era essa a hora; ela estava queren-do precipitar o porvir “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu” (Ec 3:1). Hella ainda tinha de experimentar mais uma reli-gião, o budismo. Um dia na loja de seus pais apareceu um rapaz chamado Pietro que parecia ter se apaixonado por ela e a convidou para ir até sua loja que ficava naquela mesma rua. Ela aceitou o convite e o acompanhou até sua relojoaria; de fato, era isso o que aquela loja deveria ser pelo que aparentava, mas era um descuido só! Os balcões sujos, desorganizados, poeira para todos os lados, uma bagunça generalizada. Só pela visão, Hella já tinha motivo suficiente para não se deixar envolver pelo rapaz, mas em seu coração nasceu um sentimento de compaixão que a tocou profundamente no sentido de querer ajudá-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO lo, pois ele transmitiu para ela uma vida solitária, necessitan-do de apoio material, financeiro, moral. Conversando com ele, descobriu que ele morava ali mesmo dentro da loja após ter se separado da esposa havia algum tempo e estava procu-rando se restabelecer em todos os aspectos. Isso foi o que ele relatou para ela. E Hella acreditou e se condoeu. O senti-mento de compaixão passou a gerar nela um sentimento mais forte que lhe causou a impressão de que estava se apaixonan-do por ele, e resolveu investir naquele sentimento. Hella e Pietro começaram a namorar e ela, admiradora de sua mãe, sentia prazer em imitá-la, preparando o almoço diário e le-vando-o para Pietro, assim como sua mãe fazia com seu pai. Hella acreditava que essa era uma forma de ajudá-lo financei-ramente já que ele todos os dias tinha de pagar por uma refei-ção no bar ao lado de sua loja. Nasceu no coração de Hella um desejo muito grande de arrumar a loja de Pietro. Hella realmente tinha um dom de querer organizar um ambiente de trabalho, não apenas com coisas prontas quer fossem compradas ou levadas de sua casa, mas com seu próprio esforço, dedicação, capacidade de organização, limpeza, adornos, móveis novos, etc. Assim, ela comprou um balcão novo de aço para a loja dele, bonito, com divisórias de vidro e começou a colocar ali os relógios consertados e os que deveriam ser vendidos. A loja ganhou nova aparência e com sua nova apresentação começou a atrair clientes novos. Os comerciantes vizinhos do local o parabenizaram pela nova namorada, e diziam: “Por trás de um grande homem sempre existe uma grande mulher; agora você vence!” Hella tinha grande prazer em atender as pessoas no balcão e ficava muito feliz com o movimento da loja que passou a ser muito bom. Até então Hella ainda não havia entrado nos fundos da loja onde Pietro dormia, mas ela observava que ele sempre entrava lá e demorava a sair. Ela cogitava sobre o porquê de sua demora já que era horário de trabalho e não de dormir, pois, pelo que entendia, lá dentro era o seu quarto. Contudo, Hella preferiu deixar que ele por si mesmo resolvesse falar sobre o assunto. Certo dia, Pietro voltou de dentro de seu quar-

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MÔNICA CAMPELLO to com algumas peças de relógio na mão dizendo que tinha de consertar um relógio de boa marca e que precisava da peça adequada que ele não tinha, mas que acreditava que encontraria alguma que pudesse substituí-la. Hella percebeu que Pietro tinha muitas peças e que talvez houvesse outras mais que ele não tivesse encontrado, e sugeriu que ele procurasse mais cuidadosamente que por certo ele a encontraria. Ele, no entanto, pediu-lhe que entrasse no lugar que seria o seu quarto para tentar encontrar a tal peça. Esse foi o momento em que Hella teve a oportunidade de conhecer aquele espaço da loja por ela ainda desconhecido. Ao abrir a cortina que separava a loja do quarto, ela deparou-se com algo totalmente estranho para ela: um móvel com algumas folhas em pequenas jarras de metal dourado, algumas frutas num prato, dois castiçais com velas, uma pequena urna cheia de cinzas, uma bacia dourada minúscula sobre uma pequena almofada vermelha de veludo, tudo isso sobre uma pequena mesa que ficava diante de um armário alto, cor de ébano, fechado por duas pequenas portas ao meio. Toda aquela visão lhe causou um certo desconforto, uma preocupação que a deixou desassossegada. Tudo lhe deixara intrigada e como ela sempre queria saber o porquê das coisas, quis saber o que significava tudo aquilo e o que estava contido dentro daquele armário. Hella sabia que não era algo comum, mas prudentemente decidiu esperar que ele lhe revelasse do que aquilo se tratava. Após a apreciação prolongada de todo aquele cenário, ela deu continuidade ao que fora designada a fazer: procurou pelas peças por todo o interior daquele ambiente onde a única parte organizada era o local estranho; o restante era uma verdadeira desordem – um colchão desfeito ao chão, muitas caixas de papelão e de madeira espalhadas por todo o lugar contendo relógios inteiros e desmontados, peças de relógios, peças velhas misturadas com peças novas, peças de um tipo misturadas com peças de outro tipo, o que atrapalhava a busca de qualquer uma de que se precisasse; o chão empoeirado, as paredes sujas... Apesar de tudo isso, Hella não conseguia vislumbrar outra coisa senão a carência de Pietro; pensava que

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO tudo o que presenciara era reflexo de sua vida solitária, mas jamais que pudesse refletir o seu verdadeiro caráter. Parecia relutante à verdade óbvia! Repentinamente, como ela não esperasse, Pietro entrou no quarto e a flagrou viajando em seus pensamentos longín-quos que a impediram de sentir sua presença. Mesmo que ela se desse conta de que ele se fazia presente, preferiria permane-cer distante para não ter que conversar com alguém que já não lhe inspirava confiança, pois, diante de tudo o que presencia-ra, sua mente conjeturava acerca de uma frase cujo significado absorvia em seu espírito, mas desconhecia sua origem: “Pelo fruto se conhece a árvore”. E começou a perscrutar seu coração: “Se a casa dele está desse jeito por causa de solidão, então ele é uma pessoa acomodada, um vai-da-valsa que não se importa com nada, em melhorar seu modo de vida, em lutar para vencer... Creio que esse homem nada tem a ver comigo”. Há duas músicas bem pertinentes que se identificam com pessoas desse tipo: A gente vai levando... A gente vai levando... A gente vai levando essa vida ... Deixa a vida me levar, vida leva eu ... Hella sempre foi uma mulher decidida, determinada, muito parecida com sua mãe. Nunca teve o mau hábito de ficar esperando pelos outros para fazer algo que ela mesma poderia fazer. Agir como se tivesse desistido da vida e passar a outros essa má impressão nunca foi o seu forte. Logo, as atitudes daquele homem contradiziam sua concepção de vida. Em contrapartida, talvez para prejuízo próprio, ela sempre manifestou uma esperança, e por que não dizer uma crença, de que pessoas com tais características poderiam ser transformadas mediante autodisciplina ou apoio moral alheio. Uma coisa é verdade: natureza de escorpião é algo enraizado na vida de um ser humano de modo que seu próprio ego não lhe permite ser diferente. Se ele não age daquela maneira peculiar, não é ele; ele mesmo não se acreditaria e não se reconheceria se agisse de modo diferente. Ele é impulsionado a fazer o que o caracteriza como “a pessoa que ele é”. Caso

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MÔNICA CAMPELLO contrário, ele não poderia morrer em paz com sua consciên-cia – se nunca o fez, ele teria de fazê-lo na iminência de sua morte. Se uma pessoa não admite mudanças, ninguém pode-rá mudá la por mais que queira; é preciso que a pessoa se permita. Desse modo, é mister que se siga o exemplo de Jesus que só entra se for convidado: “Eis que estou à porta, e bato. Se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo” (Ap 3:20).

Mas ainda que a palavra de esperança seja levada, qualquer perspectiva de mudança será frustrada se o ouvinte rejeitá-la: “Quanto à cidade que não vos receber, saindo dali, sacudi o pó dos vossos pés em testemunho contra eles” (Lc 9:5). Nesse caso, é imprescindível que se respeite o arbítrio do outro de modo que ele siga seu caminho naturalmente, pois qualquer insistência equivaleria a “dar pérolas aos porcos”. A morte apresenta muito do que é a pessoa. Na morte, a pessoa conhece de si mesma o que nunca antes havia percebido. A morte faz pensar e repensar tudo o que se fez, podendo chegar ao arrependimento. Lamentavelmente, nas vidas de muitos, isso só acontece nessa hora derradeira. Contudo, há aqueles que mesmo na hora da morte se sentem felizes por saber que vão morrer com a natureza de escorpião, e que debalde tentaram fugir a essa natureza – um cristão não convertido, por exemplo. Não se pode forçar ninguém a ser o que não quer ser. Isso também lembra outra música: Eu nasci assim, eu cresci assim, eu vivi assim, vou morrer assim... – síndrome de “Gabriela, Cravo e Canela”. O Pietro não estava diante da morte, e muito menos queria sofrer uma mudança de comportamento – ele era o escorpião em pessoa. Mascarava-se de bom moço, escondendo tendências violentas, criminosas, oportunistas, mas nada como o tempo para trazer à tona toda a realidade oculta por uma cortina de fumaça. Sendo Hella muito transparente, Pietro percebeu que ela não apreciava aquele ambiente e imediatamente buscou apresentar para ela algo que ele acreditava que mudaria seus conceitos a respeito dele. Ele a conduziu até o armário

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO incomum, parou em frente a ele e perguntou-lhe se fazia alguma ideia do que estava contido ali dentro. Naturalmente, ela respondeu que não e logo ele pegou um bastão pequeno e tocou-o na minúscula bacia dourada sobre a mesa em frente ao armário. Ao leve toque, a bacia revelou-se num sino. E Hella apreciou o som. Era um som suave, bonito, agradável de se ouvir e que parecia penetrar na alma, transmitindo paz, mas aquela paz era envolta por um sentimento de medo, tal-vez medo do desconhecido; parecia mesmo que ela sentia que algo de ruim se alojava em todo aquele ambiente. Ela ainda não conhecia as palavras de Jesus: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá”. A paz que Jesus oferece não deixa nenhum coração turbado nem atemorizado. De fato, a paz que o mundo oferece é efêmera e sem qualquer garantia de paz perene; vem acompanhada do medo, da inse-gurança e da desconfiança: “Será que isso é bom mesmo?” A paz de Jesus nunca traz dúvida! Ela não sabia que aquele som era o eco do afastamento do Deus vivo. Esse era o seu temor, embora fosse algo que ela ainda não conseguia entender, mas que seu espírito inquieto queria revelar, apesar de não estar apto para fazê- lo. Deixou-se inebriar em meio às dúvidas que rondavam sua mente, preferindo acreditar que tudo era ape-nas uma cisma e que não havia nada de mal numa coisa que se mostrava tão sublime. Pietro perguntou se ela queria ver o que estava dentro do armário e ela disse que não, que deixas-se para uma outra oportunidade. Certo dia, ao chegar à loja onde Pietro não estava para atender, estranhou e dirigiu-se até seu interior para procurá-lo. Ao entrar, deparou-se com ele sentado de costas para a porta em frente ao armário que estava aberto. Ele não perce-beu sua chegada. Ela fitou o olhar no que estava dentro do armário e viu algo nunca visto antes e perguntou a si mesma: “O que é aquilo?” Hella se aproximou, posicionando-se atrás dele para observar melhor. Era um pergaminho com alguns ideogramas. E ficou olhando, tentando decifrá-lo, quando, de repente, ele começou a tocar continuamente o sino. Ela preferiu não incomodá-lo, mas permanecer ali até poder com-

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MÔNICA CAMPELLO preender o que ele estava fazendo. Ele repetia os mesmos sons ininterruptamente num ritmo compassado. Depois to-cou novamente o sino e começou a recitar outras palavras, já não mais palavras iguais, mas bem diversas, parecendo uma reza de palavras estranhas. Hella não entendia nada. E se per-guntava se ele entendia aquelas palavras todas. O ambiente exalava uma fragrância e ela percebeu que provinha de uma fumaça tênue que subia de um incensório ladeado por duas velas acesas. Havia também algumas frutas frescas sobre um prato singelo que antes não estava ali. Hella esperou ele ter-minar tudo para poder cobri-lo das mil perguntas que queria fazer. Enquanto ele rezava, ela dirigiu-se à loja para dar pros-seguimento ao atendimento, caso aparecesse algum cliente. Terminado o período de devoção, Pietro voltou para a loja onde Hella o esperava ansiosa para saber o que signifi-cava todo aquele ritual. Pietro disse-lhe tudo o que queria saber, quer dizer, tudo até o ponto onde ele compreendia ou pensava que compreendia. Após suas explicações, Pietro que-ria que ela repetisse o mantra budista que ela o ouviu recitan-do, dizendo que somente assim poderia um dia alcançar a iluminação – seria, como creem os budistas, uma forma de plantar a semente do estado de Buda no coração para garan-tir reencarnações de paz, livres do mau carma, transforman-do veneno em remédio, etc., etc., etc. Mas ela não conseguia entender uma coisa: onde ficava Deus em tudo aquilo? Ela havia percebido que Deus era apenas um deus rejeitado por aquela classe de religiosos. Por isso, de imediato recusou -se a repetir aquelas palavras que lhe causavam uma estranha preocupação. Contudo, ele foi insistente em fazer com ela o que eles chamam de “chakubuku”, ou seja, levar uma pessoa a converter-se ao budismo de Nitiren Daishonin, uma dentre várias seitas budistas. Daí, ele a convidou para uma reunião budista em uma residência que era oferecida para esse fim. Na verdade, ela aceitou o convite mais por curiosidade; afinal, ela queria mesmo saber com o que estava envolvido o homem com quem ela esta-va se envolvendo. Chegando à casa onde aconteceria a reunião,

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO ele passou a apresentá-la às pessoas como sua namorada. Todos a receberam muito bem com sorrisos que expressavam gigantes-ca satisfação como de alguém que encontra um tesouro repleto de jóias preciosas. Como ela não apreciava ser o centro das atenções, sentiu-se acanhada e constrangida com aquela recepção mais do que calorosa que denunciava uma expectativa pela concretização daquele objetivo notadamente coletivo. Poucos minutos depois, todos começaram a ajoelhar-se sobre um tapete não muito grande que não comportava todos os presentes sobre ele e por isso alguns ficaram de joelhos diretamente sobre o piso. Na sala onde eles estavam havia um armário igual ao de Pietro contendo o mesmo pergaminho diante do qual todos estavam ajoelhados como se aquilo fosse um deus a ser adorado. Todos se punham naquela posição com total reverência, abaixando a cabeça por três vezes consecutivas, recitando o mantra que Pietro recitara na loja. Um homem, isolado à frente das demais pesso-as, entoava a recitação do mantra que mais parecia um cântico uníssono e cadenciado. Aproximadamente dez minutos depois, o homem passou a entoar uma sequência de palavras diferentes, lidas por alguns, num pequeno livreto laranja, que soavam como uma oração durante a qual todos esfregavam nas mãos algo pa-recido a um rosário que eles chamavam de “juzu” e era uma esfregação ruidosa geral. Findada a oração, o homem virou-se para as pessoas que saíam de seus joelhos para sentar-se sobre o tapete. Ele, então, começou a discursar sobre temas budistas analogamente à vida terrena, usando um jornal que a maior par-te da “Organização” (denominação dada àquele ajuntamento de pessoas) possuía. Hella sondava criticamente o recinto onde tudo lhe era novo e desconhecido. Em seus pensamentos concordava com algumas palavras do orador, mas seu espírito relutava contra algo que não entendia: por que Buda e não Deus? Qual era a diferença entre eles? Por que chamar de “mestre” um dos presidentes sucessores daquela Organização? Um homem comum que, como mestre, teria o potencial de guiar todos os povos que sucumbissem àquela “ideologia espiritual”. Para ela, parecia mesmo que todos estavam convencidos de que o

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MÔNICA CAMPELLO seu “mestre” era um homem dotado de sabedoria longe da qual ninguém poderia ter vida plena e que só ele poderia conduzi-los ao caminho da libertação dos ciclos de vida e morte, isto é, livrando-os de contínuos renascimentos. “E o escriba lhe disse: Muito bem, Mestre, e com verdade disseste que há um só Deus, e que não há outro além dele; e que amá-lo de todo o coração, e de todo o entendimento, e de toda a alma, e de todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, é mais do que todos os holocaustos e sacrifícios. E Jesus, vendo que havia respondido sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do reino de Deus” (Mc 12:32-34). Este é “o” MESTRE! Preste atenção ao que ele diz! A pessoa fica encantada com o budismo que a seduz para o seu caminho. É como um ímã que magnetiza mente, corpo e alma; é como o mavioso canto da sereia que atrai os navegantes por sua sonoridade. Analogamente, as palavras do Buda “( ...) como o eco responde a um som, (...) como o ímã atrai o ferro” unidas à máxima budista “A voz executa o trabalho do Buda” atuam como um potencializador para a recitação do respectivo mantra no sentido de concretizar o objetivo maior do budismo: conduzir todos os seres à iluminação. Todavia, é de suma importância que o homem espiritual discirna entre os princípios da iluminação de Buda e da iluminação pelo Espírito Santo. O Espírito Santo opera a iluminação na mente humana, levando ao entendimento perfeito dos mistérios divinos e é processada ao se ler e ao se ouvir a palavra de Deus, que não é descartado em hipótese alguma, mas reverenciado como Deus cuja glória não pode ser transferida a qualquer outro ser: “E a minha glória não a darei a outrem” (Is 48:11). O budismo, no entanto, assevera que o homem precisa despender esforços contínuos em uma ou várias encarnações para poder atingir o estado de Buda que reflete uma autossalvação que não requer um encontro místico com Deus, pois a iluminação de um Buda é sinônimo de onisciência perfeita. Trata-se do pleno desenvolvimento da mente humana que suplanta a onisciência de Deus. O ho-mem é um deus que desfruta do poder da mente adquirido

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO através da “lei mística do universo”. Quem é essa? Uma substituta de Deus ou um outro nome para Deus? Diferentemen-te dessa instrução, Deus esclarece que não há necessidade de qualquer esforço humano para se obter a salvação que é pela graça, ou seja, é um dom gratuito que o homem recebe de Deus, bastando para isso manifestar a sua fé no sacrifício vicário de Jesus Cristo: “Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus”(Ef 2:8). A fé vem da pregação da palavra de Deus e para crer é preciso ouvir sua palavra através da leitura bíblica ou de um pregador do evangelho, de modo que se possa alcançar a fé para a salvação. Se alguém está sem esperança, necessita de Deus, e se está longe de Deus, necessita de Cristo. Há pessoas perdidas no mundo e nem o sabem, e precisam ser encontradas e resgatadas. Assim, elas precisam escutar a pregação e crer na palavra de Deus. “A fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rm 10:17). Terminada a reunião, Pietro e Hella se despediram das pessoas e se dirigiram a uma lanchonete onde conversaram bastante sobre o Budismo. Ela, como sempre, fazia muitas perguntas, querendo saber o porquê de tudo, mas muitas perguntas Pietro não sabia responder, deixando-a com dúvi-das que, com certeza, mais tarde ela procuraria sanar através de alguém da Organização ou lendo o seu jornal ou estudan-do por meio de livros seculares. Mas, conhecendo Hella como se conhece, logicamente ela não esperaria muito tempo para obter respostas a suas indagações. Ela logo perguntou a Pietro se ele tinha algum jornal da Organização e ele respondeu que havia muitos dentro de uma caixa de papelão nos fundos de sua loja. Assim que teve oportunidade, Hella se dirigiu à loja para resgatá-los. Estavam todos amarelados, empoeirados e intactos como se nunca tivessem sido folheados. De fato, Pietro não gostava de ler. No entanto, na Organização as pessoas tinham por costume, e por que não dizer “obriga-ção”, comprar o jornal como se isso fizesse parte de um pa-cote que cada participante deveria adquirir para poder obter o status de membro. Além da aquisição do jornal decorrente

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MÔNICA CAMPELLO da assinatura de impressos (jornal e revista), nesse pacote constavam a entrega dos impressos, a prática do “Kofu”, prática diária dos rituais, visitas a membros e simpatizantes da Organização, participação nas respectivas atividades organizacionais como palestras, orações, festividades, etc. Mas, e aquela palavrinha ali em cima, “Kofu”, o que significa? Normalmente, instituições filantrópicas de cunhos diversos costumam angariar fundos para autossustentação e isso é louvável sabendo-se que, na maioria dos casos, elas não recebem subsídios de governos ou de qualquer outra fonte externa. Contudo, havia uma pressão constrangedora sobre os membros daquela organização quanto ao número de cotas a serem doadas com base num valor mínimo esti-pulado pela organização. Sendo a maior parte da membresia de classe média-baixa, a quantidade de cotas por membro deveria ser estimulada com a ideia de “desafiar até conse-guir” como prova de um desenvolvimento econômico na vida cotidiana, buscando sempre através de horas de “daimoku” (recitação do mantra) aumentar as cotas em cada etapa; assim, se um membro não lograsse êxito, ele se senti-ria constrangido diante dos dirigentes que mais tarde orien-tariam os membros em geral a desafiar mais, conscientizando-os de sua pouca fé ou pouca determinação. Nesse caso, a organização seria sensivelmente afetada com relação aos objetivos propostos pelos dirigentes que propu-nham em seu coração alcançar metas extraordinárias de kofu para mostrarem serviço aos dirigentes-mor. Quanto aos que logravam êxito, vangloriavam -se de sua conquista e eram altamente elogiados por seus superiores, principalmente diante dos outros para servir como exemplo. Uma grande parte dos relatos de experiência era proveniente desse even-to. As orientações para o sucesso dessa prática soavam eufemicamente como incentivo, embaçando um discreto sentido de exclusão. Hella recolheu todos os jornais e os levou para sua casa a fim de limpá-los para poder manuseá-los já que pretendia ler um por um com o objetivo de conhecer os princípios budis-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO tas. Ao iniciar a leitura do primeiro jornal, Hella percebeu instruções filosóficas muito atraentes como que princípios de sabedoria, algo que era o seu objeto contínuo de busca. “Destruirei a sabedoria dos sábios, E aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes” (I Co 1:19, 25, 27). Pessoas que têm o temor de Deus são sensatas e por isso cumprem os seus preceitos; essa é a verdadeira sabedoria e nada além disso. Só Deus pode oferecê-la. Vem dele – não adianta querer encontrá-la fora dele. Além de Deus, somente filosofias vãs que apresentam caminhos de soluções deléveis pelo tempo; quando se procurar novamente, já não mais se achará. Mas o que é de Deus subsiste para e por toda a eternidade, não morre jamais. “Não há sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o SENHOR” (Pv 21:30). A tendência natural da humanidade é se encantar di-ante de novidades que mascaram conquistas que nunca vão chegar. Como diz o ditado: “Nem tudo o que brilha é ouro”. Quem está sob o poder de Deus está livre de encantamentos e consequentemente de enganos. Os que encontram as religi-ões que são fora (não que estão fora) dos caminhos de Deus encontram falsas esperanças e falsas promessas, tirando-lhes os pés do chão e vivem uma vida inteira seguindo um deus morto que creem que ainda, um dia, lhes dará vida. Como pode um morto conceder vida? Jesus morreu, mas ressusci-tou; Buda, porém, morreu e lá ficou, tendo hoje outros a tomar seu lugar, usando seu nome apenas para base espiritu-al a qual por si mesma já é falha. Hella, no entanto, desconhecia essas verdades e se comprazia na leitura budista. Como queria aprender mais, decidiu assistir às reuniões da organização. Ela não sabia, contudo, que a organização tinha como regra persuadir o simpatizante a se tornar membro efetivo e, para isso, era preciso receber em seu lar um objeto de adoração chamado “Gohonzon”,

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MÔNICA CAMPELLO aquele pergaminho que Pietro possuía em sua loja dentro de um armário – um oratório o qual ela descobriu que se chamava “Butsudan”. Ela só queria conhecer melhor aquela religião, focando-a como objeto de estudo; nada, além disso, cercava seu pensamento. Preencher aqueles requisitos para tornar-se membro da organização nem passava pela sua cabeça; ela sequer tinha noção de que isso aconteceria. Hella era professora de Língua Inglesa numa escola perto de sua cidade e dentre tantos alunos havia um que se chamava Glauco. Ele ainda era um menino e seus pais costumavam buscá-lo na escola, até que um dia seu pai a procurou para conhecê-la, e, logicamente, contou o fato para a esposa que também no dia seguinte a procurou para conhecê-la. Eles demonstraram sentir por ela um carinho de tal modo que a convidaram para visitar sua casa que ficava na mesma cidade onde lecionava. Hella aceitou o convite e os visitou. Eles eram budistas e ficaram muito felizes em saber que ela era uma simpatizante. Iniciaram uma grande e saudável amizade, e, como um dos traços característicos de Hella era atribuir apelidos diminutivos e carinhosos às pessoas por quem nutria amor e carinho, passou a chamar a nova amiga de Totoca. Os dirigentes manifestaram o interesse em admiti-la na organização ao que, em seu íntimo, não era favorável. Mas, quando uma pessoa é levada pelas circunstâncias, pela educação, pela influência dos amigos ou por um elo afetivo, ela acaba pensando que aquilo não é nada demais, que não vai fazer mal algum, e, por ser tão pressionada, por não querer frustrar a vontade alheia, aceitou a oferta. Sua amiga Totoca a acompanhou nesse processo de admissão na organização e a incentivou fervorosamente a receber o objeto de adoração. Ela tentou resistir à ideia, mas acabou por aceitá-la. Ao retornar da viagem que fizera para uma cidade em São Paulo onde receberia o Gohonzon, já com este em mãos, não sentia alegria alguma em possuí-lo senão uma preocupação profunda que jazia em seu semblante quanto ao que aquela atitude poderia lhe acarretar. Ela não sentia por aquele papel a mesma adoração que sua amiga nutria por ele. Sua amiga

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO o reverenciava como se fosse um deus, manifestando um cuidado extremoso para com ele, de modo que o protegesse para não sofrer qualquer dano como rasgar, molhar, sujar, etc., e ensinava a Hella que ela deveria fazer o mesmo, com total temor; caso contrário, ela poderia sofrer danos irreparáveis em sua vida provenientes de tal descuido. Era a verdadeira te-oria do medo. Algo não se encaixava. Ela indagava em seu íntimo: “Sou eu quem tem de cuidar disso ao invés disso cui-dar de mim? Isso parece tão contraditório! Nunca foi isso o que aprendi de Deus!” Sentiu-se privada de sua liberdade de ir e vir com tranquilidade. Ao saltar do ônibus, ela pegou o pergaminho e o olhou fixamente, segurando-o com pulso firme e se perguntou: “Pra que que eu aceitei isso? Ai, meu Deus, que arrependimento! Bom, agora não tem jeito. Tenho de manter minha postura diante das pessoas.” Até chegar a casa, andou pelas ruas com medo. “Porquanto odiaram o conhecimento; e não preferiram o temor do SENHOR:Não aceitaram o meu conselho, e desprezaram toda a minha repreensão.Portanto comerão do fruto do seu caminho, e fartar-seão dos seus próprios conselhos.Porque o erro dos simples os matará, e o desvario dos insensatos os destruirá.Mas o que me der ouvidos habitará em segurança, e estará livre do temor do mal” (Pv 1:29-33).

Quem ela queria mesmo era Deus como quando ele a livrou daquele túnel de escuridão. Mas ela se sentia muito distante de Deus e já não se achava digna de pedir-lhe qualquer coisa. Bastava-lhe, portanto, continuar naquele caminho obscuro que seu coração secretamente rejeitava. Em meio aos fios de seda de uma teia fortemente armada, ela se sentia como uma presa sem nenhuma perspectiva de libertação. Os própri-os ensinamentos budistas, o próprio presidente da organiza-ção a quem chamavam “mestre”, os próprios dirigentes que a induziram a receber o pergaminho, tudo e todos enfim eram incapazes de livrá-la daquele cenário de terror implícito. “Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá” (Ef 5:14). Como sempre se aplicou avidamente aos estudos, sua tendência natural seria sua elevação curricular dentro da

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MÔNICA CAMPELLO Organização. Hella poderia ser indicada a um cargo budista vultoso tão logo atingisse o grau superior. Essa coisa de car-go, posição, status, nunca foi o forte de Hella, mas ela foi tão pressionada pelos dirigentes que acabou sendo convencida a aceitar o primeiro cargo. Aquilo realmente não a agradava, mas Totoca a incentivou muito, tornando-se uma pessoa de grande influência na sua trajetória budista. Esse sempre foi um traço marcante em sua personalidade: não querer magoar ninguém, não desagradar ninguém, não desfeitear ninguém, tampouco suas opiniões e ideias; tendia, portanto, a pagar um alto preço por isso, vindo a sofrer danos às vezes irreparáveis. Isso também era verdadeiro no tocante à sua reputação que muitas vezes foi ferida pelas próprias pessoas a quem deu apoio fosse material, moral; pesso-as que se deleitavam em prejudicá-la ou pessoas que a prejudicavam indiretamente, sem intenção, mas o faziam. Hella dava a impressão de ser uma pessoa boa ou boba ou ingênua ou inocente como muitos a classificavam, sempre, e sempre advertiam -na quanto aos cuidados que sua personalidade inspirava no sentido de ser facilmente ludibriada. Parecia mes-mo que ela não tinha opinião própria, por sempre querer fazer a vontade dos outros em detrimento de sua própria, fato do que muitos se aproveitavam. Para alguns, isso parecia fraqueza. Na verdade, Hella era dotada de uma força interior que a impulsionava a ajudar qualquer pessoa que surgisse di-ante dela com determinado problema. Não importava o que fosse, lá estava ela já se prontificando a ajudar; não esperava que pedissem. Certa madrugada, ela dormia no chão da sala onde estava o oratório. Subitamente, ela despertou e viu o seu espírito saindo de seu corpo, ainda seguro no artelho, e, com a visão do seu espírito, via-o dirigindo-se a um caminho longínquo de densa escuridão; desesperadamente ela tateava-o com braço forte e mão estendida na tentativa de resgatá-lo, até que, não sabe como, conseguiu trazê-lo de volta. Hella travou uma luta espiritual intensa! Sentiu-se aliviada, e, no seu pouco entendimento, depreendeu que alguém queria roubar-lhe a alma, mas

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO Deus interveio em seu favor, despertando-a do sono aparentemente tranquilo para que pudesse testificar do seu cuidado para com ela, e saber que, independente das circunstâncias, ele ja-mais a abandonaria. Deus é fiel. Fiel é Deus que em outra circunstância numa viagem para Angra dos Reis, Hella juntamente com Totoca e sua filhinha e D. Mara sofreram um acidente em seu carro, mas não houve nenhuma vítima. Apenas Totoca sofreu um pequeníssimo corte na testa. Hella só conseguia descrever que seu carro deslizou numa “casca de banana” – referindo-se ao vazamento de óleo que ela avistara na traseira do ôni-bus de sua equipe que seguia à frente de seu carro. Quando sentiu o carro escorregar, num flash ela olhou em volta e só via abismos e anteviu a morte. Hella não via mais nada, não ouvia mais nada, só pensava na urgência de se salvarem. Avistou uma enorme rocha e pensou rapidamente: “Eu pre-ciso jogar o carro naquela rocha a fim de pará-lo, se não ele vai cair no abismo e aí já era”. Foi o que ela fez. Quando o carro parou, ela procurou por todas como se elas estives-sem muito distante e as encontrou sãs e salvas assim como ela, e ficou tremendamente feliz. Ao saírem do carro, elas viram o grande estrago e o grande livramento que receberam. De quem? Alguns budis-tas que se aproximaram imediatamente atribuíram-no aos deuses budistas. Hella se fechou no seu mundo de questionamentos e manteve-se em silêncio para não divergir deles já que sabia que eles não acompanhariam seu raciocí-nio. Era assim que ela convivia consigo mesma e com eles todo o tempo: desejando compreender a verdade das coisas. Naquele exato momento, Hella não sabia o que sabe hoje. Até o presente carrega consigo a certeza da providência de Deus naquele acidente para que não houvesse mortes, mas vidas para o testemunho da sua glória. E quantos dali se converteram à pregação do evangelho de Cristo tempos depois! A própria Hella foi um dos exemplos. No entanto, preferiu não manifestar seu pensamento, silenciando-se diante de seus amigos que jamais aceitariam nem compreenderiam tal de-

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MÔNICA CAMPELLO dução. Parecia mesmo que ela conhecia a palavra do Senhor: “Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para não acontecer que as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem” (Mt 7:6). O ônibus da Organização parou para saber o que havia ocorrido, liberando o marido de Totoca que depois retornou ao veículo, aconselhando -os a prosseguirem o trajeto até o templo onde teriam um evento budista, pois ele permaneceria com elas. Eles começaram a tomar as devidas providências. O evento acabou, o ônibus passou de volta pelo mesmo caminho e eles ainda estavam lá à espera do reboque pela seguradora. O carro se acabou de modo que o seguro avaliou o seu estado e concluiu pela perda total. Impelida pelas circunstâncias a uma trajetória budista, Hella resolveu dar o melhor de si, já que esse é um traço característico dela – uma perfeccionista em sua plenitude, utilizando-se da frase: “O que não tem remédio, remediado está”. Quer dizer, se não tinha jeito, devia ser suportado, e isso da melhor maneira possível. Foi exatamente o que ela fez: continuou a prática budista, dedicando-se ao estudo profundo do budis-mo, fazendo visitas a membros e simpatizantes, praticando o Kofu, fazendo as orações diárias, participando ativamente de reuniões de palestras, assumindo cargos, tudo em prol do “Kossen-rufu” – movimento de ampla declaração e propaga-ção do Budismo visando a Paz Mundial, conforme eles preco-nizavam. O que Jesus diz acerca dessa paz? A paz mundial! Todos sonham com ela. Logo, para os que creem, sonham com a volta de Jesus – o Príncipe da Paz (Is 9:6) – quando haverá ausência total de toda a sorte de conflitos e tudo estará em perfeita ordem. É na pessoa de Cristo que a tão desejada paz foi revelada à humanidade “Porque ele é a nossa paz” (Ef 2:14). Antes mesmo de pensar em aprofundar o relacionamento com Pietro, Hella teve duas experiências desastrosas com ele que contribuíram perfeitamente para o desfecho daquele horrível episódio em sua vida. Pietro tinha uma irmã que vi-via em São Paulo e ela pediu-lhe que a visitasse num fim de semana para ajudá-la a resolver um problema financeiro mui-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO to sério que estava enfrentando. Tão logo recebeu o telefonema, comunicou a Hella que faria uma visita a irmã que acaba-ra de telefonar para dizer que estava com saudades e queria vê-lo. Para sua decepção, só mais tarde ela conheceria o real mo-tivo do telefonema. Ele a convidou para ir com ele. Ela acei-tou o convite e naquele mesmo fim de semana partiram para aquela cidade. Chegando lá, hospedaram-se na casa da irmã dele. Ele e a irmã conversaram sobre a situação na ausência dela, mas quando ela se aproximou, notou que eles reagiram estranhamente à sua presença, como se estivessem mudando de assunto. Desconfiada, Hella procurou saber diretamente dele o que estava acontecendo. Pietro, contudo, não quis responder sua pergunta, omitindo a verdade. Logo depois, convidou-a para fazer um lanche. Como a noite era jovem, linda e agradável, sugeriu que fizessem um passeio pela cidade. No caminho, Hella tocou novamente no assunto, o que o deixou profundamente irritado e em plena rua não hesitou em agredila fisicamente em meio a gritos e palavrões de modo que a surpreendeu terrivelmente. A bela noite transformou-se em densas trevas. Olhando para ele, Hella só conseguia ver um monstro, perigoso, aterrorizante do qual ela só queria manter milhas de distância. E foi o que ela decidiu: acabar de uma vez por todas com aquele relacionamento que mal começara. Substantivar a conjunção “mal” resultaria na verdadeira essência do relacionamento – um mal em sua vida! Em todos os sentidos, nada acrescentou; só subtraiu! Há pessoas que entram assim nas vidas de outras, e essas outras vão sustentando situações apenas pela esperança de que aquelas sejam transformadas, regeneradas, e por isso, acabam tornando-se vítimas de si mesmas. Aquelas não pen-sam em mudanças; pensam em vantagens. Vantagens que normalmente tendem a ferir, magoar, ofender, prejudicar a vida alheia. São pessoas capazes de dizer “Eu te amo”, crendo no que diz, mas sendo capazes de agir como se dissessem o contrário. São pessoas dissimuladas que enganam os inocen-tes. Mas Deus entra com providência em favor dos inocen-tes, dando-lhes o fortalecimento de que necessitam para esca-

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MÔNICA CAMPELLO par de suas investidas malignas. E esclarece que por muitas vezes sofreram devido à fraqueza de sua vã esperança, pois aquelas pessoas não mudam porque não querem mudar – rebeldes por natureza! “Porque este é um povo rebelde, filhos mentirosos, filhos que não querem ouvir a lei do SENHOR” (Is 30:9). Há pessoas que optam por seguir o mal, ser más, sentem prazer no mal, em fazer o mal, mesmo sabendo que é mal. “Vês aqui, hoje te tenho proposto a vida e o bem, e a morte e o mal; Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” (Dt 30:15, 19). Obediência aos desígnios e ordens de Deus é a base de toda felicidade! “Porquanto te ordeno hoje que ames ao SENHOR teu Deus, que andes nos seus caminhos, e que guardes os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os seus juízos, para que vivas, e te multipliques, e o SENHOR teu Deus te abençoe na terra a qual entras a possuir. Porém se o teu coração se desviar, e não quiseres dar ouvidos, e fores seduzido para te inclinares a outros deuses, e os servires, então eu vos declaro hoje que, certamente, perecereis” (DT 16-18).

E ainda dizem que Deus é mau! Será que não sabem ler? Se sabem ler, será que não sabem interpretar? Deus não é mau, mas justo! Se ele dá uma ordem que é para o próprio bem da pessoa e ela não quer obedecer, então a responsabilidade pelo seu futuro é somente sua; ninguém poderá ser culpadao pelo seu erro, por aquilo que escolheu. Deus é tão justo que ordena ao homem escolher o bem porque sabe que será bom para ele, mas lhe permite escolher o mal, se assim o quiser. Ele então opta pelo que lhe apraz, sabendo que Deus é fiel aos seus juízos e decretos, não podendo desdizer sua palavra. É isso o que milhares de pessoas não entendem e com suas bocas crucificam Deus pelos resultados de suas próprias ações conscientes, previamente advertidas por Deus. No entanto, por ser justo, pode exercer misericórdia com o arrependido – atri-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO buto divino – o que os desentendidos mal interpretam como um “voltar atrás” de Deus. Daí, duas formas de aniquilar Deus: “Deus é mau” ou “Deus não tem palavra” – xeque-mate! De igual importância, seguir ou nutrir sentimentos mesquinhos em detrimento da palavra de Deus é inclinar-se a outros deuses. Deuses não são apenas ídolos religiosos, mas podem ser encontrados no âmago do próprio ser – egoísmo, usura, malícia, dissimulação, hipocrisia, falsidade, mentira, maldade, etc. Por esta razão, a palavra de Deus é para todos, mas principalmene para os que servem a Deus para que tenham o cuidado de estarem sempre vigilantes quanto a não estarem servindo ao diabo, vangloriando-se de estarem servindo a Deus sem reconhecer sua própria realidade. Hella ficou tão estarrecida com o comportamento de Pietro que se pôs a correr para a casa de sua irmã para arru-mar as malas e voltar para o Rio de Janeiro de onde jamais deveria ter saído; assim era o seu pensamento intermitente como um eco em sua mente. “Ai, que arrependimento! Como eu fui me envolver com um homem desses?! Que horror! Nunca mais quero ver essa coisa na minha frente, chega!” Ao chegar à casa, dirigiu-se imediatamente ao aposento onde es-tava acomodada. Quando começava a arrumar sua mala, Pietro irrompeu porta adentro, arrancando-lhe a mala das mãos, dizendo aos gritos que ela não iria embora dali sem ele. Ela continuava pasma diante de tudo aquilo. “Que isso? Por que esse homem tá desse jeito? Que coisa horrível!” Hella não encontrava respostas para tanta agressividade, e sentia medo. Para evitar problems maiores, concordou com ele des-de que eles partissem naquela mesma noite. E assim foi. Já em “terra firme”, sentindo-se protegida em solo seguro, cum-primentou -o, e partiu para sua casa. No dia seguinte, procu-rou-o para ter uma conversa séria e definitiva com ele. Ela declararia o fim daquele relacionamento, pedindo-lhe que a compreendesse, e não mais a procurasse. Ele fez cara de tris-teza, pediu desculpas, disse que aquelas coisas não se repetiri-am, mas ela estava disposta a terminar tudo sem hesitar, pois

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MÔNICA CAMPELLO tomou aversão a ele. Hella percebia em Pietro um mal inato que mesmo que ele quisesse, ele não conseguiria ocultar. É como se aquele mal transparecesse através dos olhos, como se por trás dos olhos existisse algo estranho que buscava se es-conder. “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (Mt 6: 22-23). “A candeia do corpo é o olho. Sendo, pois, o teu olho simples, também todo o teu corpo será luminoso; mas, se for mau, também o teu corpo será tenebroso.Vê, pois, que a luz que em ti há não sejam trevas. Se, pois, todo o teu corpo é luminoso, não tendo em trevas parte algu-ma, todo será luminoso, como quando a candeia te ilumina com o seu resplendor” (Lc 11:34-36). Aproximadamente uma semana após o fim do relacionamento, Hella recebeu uma mensagem do banco onde era correntista solicitando seu comparecimento à agência com urgência. Ela se dirigiu ao banco tão logo recebeu a mensagem. Procurou o gerente para se informar sobre a solicita-ção. O gerente lhe apresentou um cheque sem fundos em nome dela que fora devolvido. Hella ficou surpresa diante do gerente e, muito envergonhada, afirmou que não havia passado cheque algum. Quando o gerente lhe apresentou o cheque, ela ficou olhando-o e dizendo para si mesma: “Ué, mas eu não passei esse cheque. Essa assinatura não é minha! O que que tá havendo?” Ela fitava a assinatura com asco, já sabendo quem era o autor daquilo que, na verdade, não era apenas um ato fraudulento, mas um crime triplo de furto seguido de estelionato e falsidade ideológica. O gerente lhe respondeu que ela deveria quitar aquele cheque para evitar problemas em sua conta e com o Banco Central. Ela lhe res-pondeu que não era justo pagar por um cheque que ela não tinha passado. Então, mostrou-lhe a assinatura falsificada. Pegou uma folha e escreveu sua assinatura para que o gerente conferisse e comprovasse que aquela não era a sua assinatura.

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO Tendo confirmado o que Hella dizia, orientou-lhe a escolher qual de dois caminhos seguir: pagar o valor do cheque ao banco e livrar-se do problema ou levar o caso à polícia, pois se tratava de crimes. Ela pensou e repensou e decidiu pagar o valor do cheque. Apesar de tudo, ela não tinha coragem de entregar aquele homem à polícia; ela não queria de modo algum ser responsável pelo infortúnio de sua incriminação que só ocorreria mediante sua participação. Ela, como sempre, mesmo sem perceber, estava deixando o caso nas mãos de Deus, confiando em sua justiça. A penalidade que ele sofreria soava para ela como culpa que ela não queria carregar. Se um dia ele tivesse de ser pu-nido, não seria por intermédio dela. Ela, então, quitou o cheque e o resgatou. Cada vez que ela olhava para o che-que, ela se perguntava: Como me deixei envolver assim por alguém que eu nem conhecia, só porque tinha uma loja per-to da loja do meu pai como se isso sinalizasse segurança (o aspecto da loja refletia o caráter do dono – Hella não perce-beu) e uma religião (o propósito de suas orações revelava-se em seu comportamento – ganância – Hella não percebeu). Ela ainda o procurou somente para dizer-lhe que havia descoberto suas falcatruas, mas que ele não se preocupasse porque ela não faria nada contra ele, apesar de ele merecer. Para justificar-se diante de tamanha prova de mau-caratismo, ele disse tê-lo feito com a mais pura intenção de ajudar sua irmã (na verdade, ele queria mostrar serviço, como diz o ditado: “Ser forte à custa alheia é ser fraco à custa própria”), motivo pelo qual ela o tinha chamado, e ele para mostrar-se solícito, disse-lhe que a ajudaria, dando-lhe um cheque “já assinado por Hella que muito se comovera com a sua situação e que voluntariamente se prontificou a ajudá-la”. Que absurdo! Hella nem sabia de nada! Ainda acrescentou que ele teria lhe contado tudo se ela não tivesse rompido o relacionamento com ele, o que o deixou muito triste de modo que ele até esqueceu de lhe contar sobre o cheque. Que história mais esfarrapada! Infere-se das palavras de Pietro o seu ardil. Além disso, em nenhum momento, prontificou-se a pagar o prejuízo. Ela tam-

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MÔNICA CAMPELLO bém não cobrou dele, pois tanta mentira lhe causava nojo, e só o que ela queria era sair logo dali. Preferiu pagar o preço! “E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa” (Mt 5:40). Essa foi a sua história – conto da carochinha. Um maucaráter ganancioso. Ela só percebeu essa realidade depois de tudo o que aconteceu, pois não parava de pensar naqueles terríveis últimos dias. “Bem-aventurado o homem que suporta a tentação; porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam. Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o peca-do; e o pecado, sendo consumado, gera a morte. Não erreis, meus amados irmãos. Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” (Tg 1:12-17).

O tempo passou e Hella conseguiu esquecer aqueles dias, mas deu prosseguimento àquele caminho budista, vivenciando continuamente as dúvidas de seu coração cujas respostas jamais obtinha. Nesse ínterim, conheceu um homem chamado Fernando. Um português naturalizado brasileiro cujos pais possuíam pequenos negócios e alguns imó-veis na pequena cidade onde moravam e ele mesmo os administrava, mas sua vida era administrada pela mãe que agia como uma matriarca a quem os filhos, independente da ida-de e do estado civil, obedeciam com veemência. Seus irmãos tendiam a vigiar-se reciprocamente para informar a mãe so-bre seus afazeres, planos, decisões, etc. Desse modo, eles não desfrutavam de liberdade de ação; tudo deveria ser levado à mãe para posterior decisão. Fernando era solteiro, sem filhos, porém de idade já avançada para um homem que pudesse ainda vir a pensar em casamento. Ele era advogado, mas não exercia a profissão, a

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO não ser por uns biscates que fazia com algumas colegas de faculdade que se formaram junto com ele. A mãe dele, no entanto, desejava ardentemente que ele exercesse a profissão, não pelo desejo maternal em si, mas pela vaidade de ter um filho advogado, e, consequentemente, vê-lo livre daquele balcão de botequim, que seu pai fundou quando chegou de Portugal, no qual passou a trabalhar desde a infância, sempre sob a direção do velho pai que tinha um modo bastante peculiar de tratar do ambiente de trabalho, e Fernando seguia a risca seu exemplo como ato de obediência para não contrariá-lo. O estabelecimento não apresentava bom asseio: teias de aranhas no teto, paredes negramente empoeiradas, devido à combustão de veículos, chão encardido, cadernos velhos empilhados nas prateleiras, copos embaçados — traço marcante da velhice, garrafas de bebidas alcoólicas embriagadas sobre o velho balcão traseiro, cozinha engordurada, estufas com “sobrôs”. Parecia que ninguém tinha acesso àquela parte do mapa! Lidar com as tendências daquela idade e saber respeitá-las era algo que Fernando bem aprendera. Em frente ao botequim ficava a padaria que o pai dera de presente aos filhos. Aquilo era um inferno! Um querendo mandar mais que o outro. A divisão dos lucros era motivo de discórdia entre os irmãos porque a receita nunca estava em conformidade com as despesas as quais julgavam mínimas pelo fato de nunca irem ao mercado ou adquirir as demais necessidades do referido comércio, causando a impressão de que o administrador, o irmão mais velho, o Fernando, os burlava. Por mais que trabalhasse duro, e ele o fazia, nenhum de seus irmãos o valorizava, sempre desconfiando dele, mas ninguém se manifestava a fazer o que ele fazia – passar as madrugadas trabalhando no forno da padaria juntamente com o padeiro quando faltava ajudante para que os pães pudessem estar prontos às cinco horas da manhã; procurar padeiros pela cidade quando o padeiro faltava, o que era uma constan-te naquele negócio, juntando trabalho do botequim com o da padaria para que os negócios fluissem bem. Contudo, seus irmãos só queriam o lucro, o dinheirinho bonito na mão no

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MÔNICA CAMPELLO final do mês, sem esforço algum, a não ser aquele pequeno esforço de ficar algumas horas de serviço sentadas (as irmãs, porém não todas, e mais exploradamente uma cunhada) ao caixa da padaria. O maior serviço delas, no entanto, era co-brar os seus direitos aos lucros da pequena empresa. Isso elas faziam com perfeição! Fernando andava cansado de tudo aquilo, mas pelos pais ele fazia das tripas coração para agradá-los. Porém, em um ponto, disso ele divergia. Ele tinha um hábito, por que não dizer vício, de jogar pôquer, valendo muito dinheiro, mas di-nheiro não lhe faltava. Esse jogo era o desgosto de seus pais a quem ele mentia sobre cada vez que se dirigia ao pequeno cas-sino de sua cidade. A sua mãe, contudo, sabia que era lá que ele se encontrava cada vez que desaparecia por longas horas, mas buscava ocultar do pai tal verdade. Fernando sofria por causa daquilo, mas não conseguia largar aquele mal que açoitava sua vida – saúde, relações afetivas, vida social. A vida dele se resu-mia em trabalhar durante todo o dia para à noite e madrugada adentro, quando fora do forno, desfrutar da falsa alegria que lhe dava a impressão de lazer a que ele tinha direito após um dia de serviço árduo. Muitas vezes sua mãe tentou dissuadi-lo daquele mau hábito usando de subterfúgios como, em seus dias de folga, simular uma doença sua ou de seu marido (era de costume somente ele levá-los ao médico); desejar visitar alguém, de preferência à noite, com a desculpa de evitar desencontros devido a horários de trabalho; fazer compras para o almoço do dia seguinte. Na verdade, ela buscava impedir sua ociosida-de e consequente motivo de buscar o jogo para preencher o tempo. Enfim, ela buscava fazer o possível e o impossível para que ele não se dirigisse ao cassino. Lamentavelmente, todo o tempo esforçou-se debalde. Fernando continua jogando. Nem mesmo a morte de seu pai conseguiu afastá-lo definitivamente do jogo, pois por um tempo, desgostoso com a morte do pai, ele parou de jogar e todos tinham a impressão de que ele estava livre daquele vício. Deixou a barba crescer por seis meses, apa-rentando um homem velho e relaxado, uma forma que ele encontrou de “rasgar as vestes” pelo luto de seu querido pai,

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO mas, passado algum tempo, sentindo-se refeito da dor, ele raspou os longos pelos excedentes de sua barba, retomando um aspecto digno e saudável, e voltou à jogatina ainda com mais força que antes. Ao lado da padaria ficava a entrada para o prédio de apartamentos também pertencente à família. Essa portaria ficava de frente para o botequim de onde Fernando tinha uma visão global do prédio. Ele sabia tudo o que acontecia, desde uma pessoa que saía a outra que entrava; nada lhe pas-sava desapercebido. Certo dia, ele avistou uma velha amiga, Élen, acompanhada de duas mulheres, observando o prédio, apontando os locais em volta, como que o estivesse apresentando a elas. Interessado em saber o que se passava, ele saiu do botequim e foi ao encontro delas com o intuito de per-guntar o que elas faziam ali, se porventura precisavam de alguma coisa ou se estavam à procura de alguém. Élen o cum-primentou alegremente com um forte abraço e o apresentou às amigas: – Fernando, Olívia. Olívia, Fernando. Fernando, Hella. Hella, Fernando. – Olá, muito prazer. A que devo tamanha honra? Irmãs tão belas... – Irmãs, não, Fernando, mãe e filha – esclereceu Élen. – Como Deus é generoso! – agradavelmente respon-deu ele. Fernando era assim mesmo, clássico, e gostava de agradar as pessoas. Imediatamente sentiu-se atraído por Hella. Seus olhos denunciavam seu coração. As três perceberam, mas Hella preferia manter-se indiferente à atmosfera que se criara diante dela. Convidou-as, então, a tomar um café em seu estabelecimento. Lá, Élen disse a Fernando que estava mostrando o prédio dele para suas amigas, pois Hella estava interessada em alugar um apartamento. Ele disse que havia um que estava prestes a ficar desocupado, e, tão logo fosse possível, entraria em contato com ela para mostrar-lhe o apartamento. Ele perguntou se ela moraria sozinha ou acompanhada. Hella ficou um tanto embaraçada com a pergunta, e,

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MÔNICA CAMPELLO ao perceber que a constrangera, Fernando logo explicou que fizera tal pergunta porque o apartamento tinha apenas um quarto. Hella respondeu que moraria com seu irmão, pois ambos eram divorciados e sem família, e, além disso, sua mãe pedira a seu irmão que fosse morar com ela para que ela não ficasse sozinha, como já havia ocorrido antes, o que lhe deixava muitíssimo desassossegada. Fernando disse que não havia qualquer problema. Negócio quase fechado, eles se despediram e Hella ficaria à espera do chamado de Fernando para visitar o apartamento. Passadas duas semanas, Fernando entrou em contato com Hella para que ela fosse ver o apartamento. Hella o apreciou e decidiu alugá-lo com seu irmão que previamente já lhe dissera que acataria sua escolha. Na semana seguinte, Hella começou a arrumar sua mudança e sua mãezinha sempre presente a ajudava com um infinito e suave sorriso nos lábios, uma suavidade que escondia sua personalidade forte de mulher guerreira, determinada, destemida, lançando-se de cor-po e alma a tudo o que estava ao seu alcance para ajudar seus filhos. Não tinha “tempo quente” para ela, nada lhe parava; era afoita, encarava tudo de frente, e não havia para ela esse negócio de dizer “isso é coisa de homem”, pois ela não punha limites a nada; se surgiam tarefas masculinas, não esperava por homem algum, pois estas não lhe eram obstáculos. Filho de peixe, peixinho é! Esses atributos Olívia soube bem trans-mitilos a sua filha querida. Hella adaptou-se muito bem ao pequeno e simples apartamento. Seu irmão também apreciou a nova moradia, acreditando que ali pudessem vir a desfrutar de experiências fraternais mais estreitas que as vivenciadas durante sua infância e juventude, sabendo que essa era uma dádiva decorrente da obediência ao pedido de sua mãe. – Poxa, maninha, manero esse apartamento. Gostei! Vai ser legal! Vamos poder bater altos papos, nos consolar quando estivermos tristes, trocar experiências de vida...Taí, valeu a ideia da mamãe! – disse Jiaquinho, seu irmão. – É, manão, realmente, espero que a gente seja muito fe-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO liz aqui nesse lugar; que aqui possamos nos recuperar das nossas tristezas – disse Hella com um ar meio triste. Não era aquilo que ela queria para ela e seu irmão; antes, quereria que ambos estivessem felizes com suas próprias famílias, cada um em seu próprio lar. Mas Hella também sabia que era preciso adaptar-se àquela circunstância de vida, tirando dela o máximo proveito, pois era certo que dela adviria muito aprendizado. E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito (Rm 8:28). Jiaquinho tinha algumas “manias” como engolir um ovo cru pela manhã (sem casca, claro!), tomar uma colher de Emulsão de Scott todos os dias, tomar uma colher de azeite em jejum – ahh! Por outro lado, também tinha hábitos invejá-veis – Hella não os tinha – como comer frutas, tomar sucos. E ele era todo organizadinho com suas coisas: potes coloridos diversos para cada tipo de alimento, talheres e pratos exclusivos, jantar independente para poder ser a seu gosto e para não constranger a irmã à obrigação de preparar refeições; enfim, um cara bem excêntrico, o seu irmão querido, mas também uma pessoa de sinceridade espontânea, extrema honestidade, responsável e pontual com seus compromissos, leal, exatamente como seu pai. Além disso, ele estava ali a pedido de sua mãe para cuidar de sua irmã, algo que ele nunca esquecia. Nesse sentido, ele se sentia de certa forma responsável por ela, sem-pre perguntando sobre seus afazeres, relacionamentos, vida social, para saber se tudo ia bem. Assim, se alguém se interes-sasse por ela, por exemplo, deveria dar-lhe satisfação para po-der visitá-la. Foi o caso de Fernando que muito se interessou por ela e, tendo se declarado e sendo aceito, sentiuse no dever de comunicar seu irmão sobre o namoro. Para brindar o rela-cionamento, Hella resolveu oferecer-lhes um jantar. Hella sem-pre apreciou oferecer almoços, jantares. Eles tiveram uma noi-te muito agradável e divertida. Os dois irmãos viveram momentos memoráveis de um companheirismo alegre em que tudo era compartilhado. Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar (Ec 3:4).

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MÔNICA CAMPELLO Entraram, no entanto, numa fase em que deveriam compartilhar a dor da doença presente e da morte iminente – seu querido pai sofrera de um ataque cardíaco, o terceiro. Deu-se início à trajetória dos cuidados com o pai em meio aos horários de trabalho, um e outro se revesando, ainda com o ir-mão caçula, Jomar, para poder oferecer o melhor para aque-le homem de suas vidas. “Nosso pai tá doente. Que medo de perdê-lo!” – frase constante em seus lábios e mentes. Era uma dor incurável, irreparável, infindável, ver doente alguém tão amado. Era inconcebível a ideia de sua morte, algo que nao dava para acreditar, parecia que ele nunca morreria. Era o seu chão. Como eles o amavam e choravam sua morte por antecipaçao. O sofrimento era angustiante. Papai, querido papai, Papai, papai, meu amor, Papai, papai, eu te amo, Papai, meu querido papai. Hella desenhou um singelo cartão para seu pai com uma musiquinha escrita cujo ritmo ela mesma produziu, uma melodia que ninguém na face da terra conhece e jamais conhecerá – única, singular – somente ouvida pelo seu pai, que ela canta até hoje, com a mesma emoção, pois seu pai é vivo em seu coração e mente. Ela plastificou o cartão e o levou para o hospital. Ao chegar ao quarto de seu pai, observou que ele dormia um sono tranquilo e resolveu esperar até que ele acordasse naturalmente, e enquanto isso acariciava seus poucos fios de cabelos lisinhos e prateados. O topete da ju-ventude já era ralo, mas estava lá intacto como sinal de que nele o avançar da idade não trouxera envelhecimento. Ele era sempre risonho e feliz, altas reflexões, homem de provér-bios e filosofias, “homem de paz” como todos em sua cidade o conheciam – esse era o seu traço distintivo. Naqueles dias, Hella teve a grande oportunidade de entender que seu pai não era apenas seu pai, mas seu amigo, com quem ela podia conversar sobre tudo sem qualquer constrangimento ou impedimento. Ele a fez prometer que ela faria so-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO mente o que fosse perfeito para tornar-se feliz, pois ele temia que, com ele ausente, seu protetor, ela viesse a sucumbir perante os entraves da vida. Sua palavra dada era a garantia de que ele poderia partir seguro e feliz pela vida de sua filha. Hella aprendeu que para manter viva a memória de um ente querido basta pôr em prática o que a pessoa pediu em seu leito de morte e fazer o que durante a vida recebeu dela como aprendizado. Ser fiel à palavra dada a alguém que morre é um ato de dignidade incomparável. Hella tinha a obrigação de ser feliz. Seu pai queria o melhor para ela e enxergava o que era o melhor para ela. Ele temia pela beleza e inocência de sua filha, pois ele sabia que ela não tinha malícia quanto a quase tudo na vida. Ele temia os abutres de toda espécie. Queria morrer com a certeza de que ninguém lhe faria mal e que, baseada em seus ensinamentos, não permitiria que ninguém viesse a fazê-la so-frer. Ela lhe deu essa certeza para que ele pudesse partir em paz – deu-lhe sua palavra de que assim o faria. Essa foi a última vez que ela teve com seu pai uma conversa tão enriquecedora, tendo a certeza de que conversava com alguém que realmente a amava. E era disso que ela tinha medo: perder alguém que ela sabia que a amava e que dificilmente encontraria alguém com esse mesmo sentimento. A perda daquele que era pura suavidade e amor para com suas crias. “Ah, meu pai, que saudades! Que falta o senhor me faz! Depois que ficamos amigos com tanta liberdade para conversarmos, logo o senhor se foi e me deixou aqui sem um amigo tão confiável para desabafar as minhas dores, triste-zas... ah, pai, choro de saudades, meu pai, te amo! Sempre! E sempre te amarei! Perdão, meu Deus, se um dia entristeci meu pai; obrigada, meu Deus, por ter feito feliz meu pai.” A não ser pelo Fernando por quem aprendeu a nutrir um sentimento de ternura e carinho e amor fraternal, por conhecer a verdade dos seus sentimentos, em detrimento de todos os dissabores que com ele viveu, entendendo que essas coisas fazem parte da vida, mas não desmerecem ou desqualificam um ser humano em comaparação com o seu todo; às vezes, um marido inconfiável é um amigo confiável.

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MÔNICA CAMPELLO Apesar de saber que voltar para os braços do Pai é uma esperança feliz, pela qual se deveria sorrir de eterno contentamento, as pessoas naturalmente manifestam o infausto sentimento da perda da vida na terra e não o glorioso sentimento do ganho da vida no céu. Lamentamos a ida de um ente querido que ruma à vida eterna porque não somos capa-zes de compreender a experiência que ele está vivenciando naquele momento ímpar dele com Deus; somos incapazes de enxergar sua felicidade, como alguns já descreveram pela per-missão do Pai, ainda em tempo, no momento derradeiro, quando já começavam a vislumbrar a glória, para poder con-fortar aqueles que ficavam. Este dia chegou para o seu pai. Nos momentos que antecediam sua morte, seus três filhos Hella, Jiaque Filho e Jomar juntamente com sua mãe Olívia travaram uma luta intensa pela sua vida, pela sua sobrevivência à morte que se apresentava sorrateira, mas que deixava os seus sinais por onde começava a passar. Sinais feios que jamais saem da memória. A dor de ver um pai agonizando que sabe que está indo em-bora e não poder fazer nada por ele para garantir-lhe a continuidade de sua existência em meio a seus familiares. Saber que a única coisa que se pode e se deve fazer é permancer por perto, não abandoná-lo por um momento sequer, por nada, mostrando-lhe o verdadeiro amor que se tem por ele, e, dian-te de sua partida inevitável, propiciar-lhe a certeza de que era e foi e será sempre amado. Fazer isso é não ter do que se arrepender. É o mínimo que se pode fazer. Saíram todos no mesmo carro, os cinco, em direção à zona sul da cidade. Mesmo em face da urgência em socorrer o pai, crendo que era de suma importância que todos estivessem unidos, seus filhos sugeriram que passasem antes pela casa de sua outra filha, Rosa, para que ela pudesse participar daquele momento crucial da vida de seu pai. Ela, contudo, decidiu não acompanhálos. Ali mesmo em seu portão, com a filha no colo, despediu-se de seu pai – foi a última vez que ela esteve com ele. Seu marido, Eli, que era totalmente aversivo à família, estava a seu lado. Com um semblante de contentamento, pare-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO cia contemplar aquele momento tão crítico em que todos davam importância à presença dela, pois sabia que ela não os acompanharia em obediência a ele. Uma forma de envaidecerse: “Quem manda mais aqui? Agora eu sou marido. Ela não é nem maluca de acompanhar vocês porque sabe que eu não quero!” – transparecia seu pensamento. Toda essa revolta era motivada por questões antigas que Eli remoía em seu íntimo. Certa noite, enquanto subiam a passarela de volta para casa, Eli disse a Hella: “Tá pensando que me engana, é?! Pensa que eu não sei que você matou aula para namorar!” Hella ficou revoltada com aquela acusação injusta. Acelerou o passo num ímpeto de fúria, desejando imediatamente estar debaixo do braço forte e protetor de seu pai. Contou-lhe o que tinha acontecido, esclarecendo antes que estivera em casa de uma amiga, Ângela, preparando um trabalho escolar antes de ir para o colégio, fato que sua mãe sabia. Minutos depois chegaram Eli e Rosa. Jiaque recebeu Eli, pegando-o pelo colarinho a ponto de levantá-lo do chão e o advertiu: “Nunca mais acuse minha filha de nada porque se não eu acabo contigo!” A perseguição de Eli contra Hella se dava porque um dia se interessara por ela e ela também por ele e começaram a namorar. Tudo ia bem até o dia em que ele a convidou para conhecer sua mãe. Que moça não se sente honrada com um convite desses? Começaram a caminhada. Hella desconfiou que o caminho era estranho, pois sempre o viu indo embora por outra direção, mas ele disse que estava seguindo por ali porque o caminho era mais curto. Ela continuou estranhan-do, mas continuava a acompanhá-lo. Aproximadamente após dez minutos, ele parou diante de um portão, num lugar escu-ro, e o abriu, pedindo-lhe que entrasse. Hella não apreciou o local: era uma cabeça-de-porco; um ambiente estranho, de-serto, ninguém à vista, esquisito. Ele parou em frente a uma porta, abriu um cadeado enorme com segredo, destrancou a porta, e... Hella deu de cara com um quarto e uma luz ver-melha sobre a cama que os convidava a entrar. Um ambiente propício para um encontro sensual. A reação inesperada de Hella amargou as expectativas de Eli. Revoltada por ter sido

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MÔNICA CAMPELLO enganada, pois acreditou inocentemente que conheceria a mãe do namorado, descobriu que ele só queria seduzi-la a aceitar a proposta que o quarto oferecia. Ele insistiu muito para que ela entrasse. Imagine seu estado! E ela muito educada, mas relutante, respondia que não. Ele entendeu que ela realmen-te não queria aquilo e desistiu da investida. Voltaram para a escola. Ele furioso, soltava vendaval pelas narinas! Ela ficou de mal com ele, mantendo em seu coração a esperança de ele se arrepender e pedir -lhe desculpas, o que não aconteceu e sim o inesperado: ele deu em cima de Rosa que, mesmo sa-bendo que ele era namorado de sua irmã, correspondeu à paquera dele e passou a namorá-lo. Uma forma cruel de açoi-tar os sentimentos de Hella. Sua irmã era assim. Qualquer coisa que pudesse levá-la a sentir-se engrandecida em lugar de Hella lhe intumescia o ego. Quem disse que “dois bicudos não se beijam”? Dois bicudos se beijam e ainda se unem a fim de afrontar e enfren-tar alguém em comum. Eli não se redimiu e, ainda pior, pas-sou a persegui-la. Qualquer coisa que viesse a prejudicá-la para ele era um “prato feito”. Ele só queria se vingar (isso por toda sua vida) daquele mal-enfadado dia em que sua virilidade foi aviltada por uma força feminina. Eli e Rosa tornaram- se os maiores inimigos de Hella, usando-se um ao outro para atin-gir o mesmo propósito: destruí-la no que fosse possível. Hella passou quase a vida inteira querendo descobrir porque sua irmã a odiava tanto, um sentimento gratuito. “Quase”, porque muito interessada em questões genealógicas, Hella, já beirando os cinquenta, descobriu uma tia da parte de sua mãe com quem conversou muito sobre sua vida e nar-rou fatos acerca da irmã que sempre quis entender e que sem-pre a confundiram muito, e sua tia sabiamente desvendou o mistério depois que Hella narrou- lhe a história que sua mãe lhe contara: “Toda vez que eu ia te dar de mamar, a Rosa chegava perto e roubava o teu peito; aí eu tinha de fazer ma-madeira pra você. Ela já tinha quatro anos, mas enquanto você não parou de mamar, ela também não parou”. Ao ouvir essa história, a tia de Hella entendeu que sua irmã Rosa so-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO fria de um complexo de rejeição desde a mais tenra infãncia. Apesar de sua mãe não lhe repreender e permitir que continuasse com aquele comportamento só para não entristecê-la, Rosa não reconhecia tal gesto de amor maternal que já seria sufici-ente para libertá-la daquele ciúme desnecessário, e não se con-tentava com aquilo. Ela queria tudo para si e nada para a irmã que considerava uma ameaça constante da qual queria livrar-se. Aquela era, então, a única maneira que encontrava para atingir seu objetivo. Temendo que sua irmã ocupasse seu lu-gar, sentia-se motivada a travar uma luta diária e duradoura contra ela, sempre buscando parecer melhor em tudo – uma eterna disputa unilateral. Muito razoável a explicação de sua tia que a fez entender claramente todo o comportamento aversivo, rebelde e nocivo de sua irmã, o qual carrega consigo até hoje. Há uma frase jocosa muito pertinente: Freud explica! Partiram para o hospital com a esperança de que o encaminhassem para São Paulo para fazer uma ponte de safena, pensando que ele poderia resistir, mas os médicos advertiram que não seria possível, pois ele não resistiria e morreria no meio do caminho; que ele deveria permanecer ali mesmo onde ainda teria chances de se recuperar. Mas logo após sua internação, os médicos voltaram dizendo que ele deveria ser transferido para um outro hospital onde havia mais recursos. E dessa feita, só os quatro no carro, em alta velocidade, com Jiaquinho ao volante, acompanhavam a ambulância com uma sirene altissonante que voava pelas ruas desertas e sombrias que conduziam ao destino final daquele trajeto. Internaram seu pai. Voltaram para casa em silêncio. No dia segunte pela manhã, bem cedo, Jiaquinho, mal tinha saído para o trabalho, retornou ao seu apartamento com a trágica notícia: “Papai morreu”. Em extremoso respeito à me-mória do pai, Jiaquinho sugeriu que ambos se trajassem a rigor para a sua despedida – vestes negras e densas. Como sempre fizeram o máximo pelo seu pai, o traje de luto tradicional seria o mínimo que poderiam prestar-lhe como homenagem póstuma. No velório, Hella cantava aquela musiquinha que compusera especialmente para ele, acariciando sua testa que já

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MÔNICA CAMPELLO estava fofa pelo que já se desfazia, aproveitando ao máximo os últimos momentos perto de seu pai, sabendo que nunca mais o veria, que nunca mais o abraçaria, que nunca mais deitaria no seu colo, que nunca mais receberia dele brilhan-tes ensinamentos de vida, que nunca mais ouviria seus asso-bios, sua canções antigas, nunca mais, nunca mais! Nunca mais é doloroso demais! Tá, tá, tá, tá na hora, Vava-vale tudo agora, Eu sou mo-mole pra fa-falar, Mas sou um pintacuda para beijar... Todo bicho tem seu passo É gato, é rato, é urubu Mas o passo da girafa Abafa até o velho canguru Com três metros de pescoço Desengonçado corre para chuchu...ô Devagar e sempre, devagar e sempre Devagar e sempre, devagar sempre é melhor Devagar e sempre, devagar e sempre É só por isso que a girafa é a maior Em sua descida, o último adeus. Sua mãe do alto visualizava aquele cenário sombrio da cova vermelha por onde descia o ataúde. Num ímpeto, ela quis atirar-se à eternidade que aquele espaço representava. Era uma dor imensurável. A terra se fechou e todos voltaram-se de costas para ela para pros-seguir cada um o seu caminho. O fato de não ter acompanhado o pai na véspera de sua morte, levou Rosa a apresentar seus espinhos. Ela manifestou indiretamente seu sentimento de culpa, do qual queria livrar-se, ao procurar alguém que pudese acusar pela morte do pai – sua mãe era o alvo mais indicado. Acusou-a repetidas vezes pelo infortúnio da perda de seu tão amado pai, sem resguardar o luto de sua mãe: – A senhora que é culpada disso. Se a senhora tivesse levado ele para São Paulo, ele não teria morrido. Mas a senhora

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO é uma mão de vaca, uma sovina, que não quis gastar dinheiro para curar meu pai. Foi a senhora que matou o papai. Olívia só chorava. Não conseguia sequer responder a filha para tirar de sua mente pensamentos tão perversos. Como ela mesma costumava dizer, sua filha era uma respondona, e apanhou muito por conta disso. Mas, estando casada e já sendo mãe, Olívia não tinha mais como aplicar corretivos a sua filha, apesar de que os que ela chegou a aplicar não resolveram muita coisa. Naquela conjuntura, entretanto, ela não tinha forças para corrigir a filha, mesmo que quisesse. Uma mulher tão forte se vendo derrotada pela fragilidade das emoções. Contudo, não manifestava qualquer sentimento aversivo à filha acusadora; só queria defender-se, mas era impossível, pois Rosa falava incessantemente, aos berros, ultrajando-a cada vez mais. Pelo menos os outros filhos e a mãe da pobre enlutada Olívia estavam a seu lado, apoiando-a em tudo. Rosa, entretanto, não fazia o mesmo, além de não expressar o mínimo de afeição pela avó, o que também não fazia a mínima questão de esconder. “Essa velha!”, era como Rosa se referia à avó. Vendo sua mãe tão solitária, Jiaquinho resolveu morar com ela para fazer-lhe companhia e deixou de morar com a irmã. Ao tomar conhecimento disso, Fernando imediatamente propôs a Hella que se unissem como marido e mulher. Hella aceitou e passaram a viver juntos. Hella manifestou em seu coração o forte desejo de não cometer o mesmo erro do passado com relação à vida a dois em que havendo erros houvesse também a oportunidade e a predisposição ao perdão a fim de evitar nova separação conjugal. Olívia aos poucos foi se recuperando da dor enquanto dava continuidade aos negócios. Com a ausênica do marido, ela se via muito sozinha para dar conta de todo o serviço. Seus filhos também trabalhavam, mas, na medida do possível, ajudavam-na. Por tanta dedicação ao trabalho, acabou esquecendo de se cui-dar; talvez nem tenha sido esquecimento, mas ação volitiva des-de que perdera quem tanto amava e já não via mais graça na vida, não se importando mais em se cuidar. Ficou doente. Ela deu o melhor de si para viver bem e conviver bem com a doença, ape-sar da tristeza que seu rosto não conseguia esconder pela ausên-

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MÔNICA CAMPELLO cia daquele que ela chamava tão carinhosamente de “Filhinho”, assim como ele a chamava de “Filhinha”, e quando queria brincar com o apelido falava “Fadinha”. Essa brincadeira com nomes de pessoas queridas Hella herdou de seu pai. Outra particularidade do casal: em segredo, para os filhos não saberem dos seus assuntos, conversavam na “Língua do I”. Interessante como o casal conversava tão rapidamente sem se perderem em nenhuma palavra. E os filhos ouviam, não entendiam nada, mas curtiam aqueles momentos como se fosse uma brincadeira. Eles tentavam imitar os pais, mas ninguém entendia nada. A tentativa de conversa deles na Língua do I resultava num verdadeiro caos oral que propiciava gostosas gargalhadas. Era muito divertido! Olívia passou seus últimos anos de vida relembrando momentos como esses, coisas simples que marcaram sua vida tam-bém muito simples, de vendedora de picolé caseiro e exímia costu-reira a microempresária – dona de aviário e depois de autoescola.

Olívia muito habilmente matava galinhas, as depenava e as cortava em pedaços para toda a vizinhança, e para vendê-las na feira de domingo numa barraca em frente à Prefeitura de sua cidade. Quando se dirigia ao banheiro onde matava as galinhas, seus filhos ficavam à porta para observar o ato que para eles era um filme de terror. E Olívia os advertia a que saíssem de perto, pois ela acreditava que o seu olhar de piedade acabava dificultando a morte da galinha. “Mamãe é muito corajosa, né?!” – elogiava Hella. Passados alguns anos, Olívia e Jiaque iniciaram um novo negócio – uma autoescola. Começaram com apenas um carro, mas o negócio era tão lucrativo que gradativamente foram adquirindo um carro após outro até que formaram uma frota de veículos de vários tipos: carros para todos os gostos, motos, kombis, ônibus, caminhão, a fim de prover as instruções adequadas e necessárias para todas as categorias de habilitação de motoristas. Além da autoescola possuíam um caminhão 1313 cujo empregado de apelido Jacaré utilizava para transporte de cargas. Nada disso, no entanto, lhe subia à cabeça. Olívia podia dar-se ao luxo de desfrutar de coisas caras, passeios caros, roupas caras, viagens, mas essas coisas não en-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO chiam seus olhos. Ela não tinha vaidades com essas coisas. Importante para ela era ter o necessário para viver bem sem ter falta de nada, para si e para os seus. Olívia nutria dois grandes prazeres: poder comprar sempre à vista o que quer que fosse e não esbanjar dinheiro em superfluidades. Por isso, trabalhou a vida inteira, sempre ajudando seu marido, com a constante preocupação de dar o melhor para seus filhos, mesmo quando se casaram. Ela sempre teve muito cuidado e carinho com os seus rebentos, assim como com seus netos. Ela sempre estava disposta a fazer o que quer que fosse necessário para ajudá-los: dar como presentes casas, terrenos, carros, mobílias, apoio finan-ceiro, etc. Um dia, a doença visitou Olívia. Ela desenvolveu um câncer de mama. Quando ela decidiu mostrar o caroço em sua mama a sua filha Hella, ele já estava quase do tamanho de um limão. O semblante de Hella foi tomado de extrema preocupação, e, sem superestimar os motivos pelos quais sua mãe fora indiferente àquele corpo estranho, imediatamente se pôs ao que mais importava naquele momento: marcar uma consulta ur-gente para sua mãe. Seguiu-se à primeira consulta intermináveis outras acompanhadas de exames e tratamentos constantes, intensos e dolorosos. Ela perdeu a mama direita e passou a usar uma prótese, e dizia: “Por um lado é bom Jiaque não estar aqui pra me ver assim; ele ficaria muito triste”. Hella ouviu falar de um remédio à base de ervas extraídas de uma rocha que curava câncer o qual só poderia ser adquirido em um lugar muito distante, cerca de 3 horas de sua cidade de onde ela saía às quatro horas da manhã todos os dias para poder chegar lá cedo e entrar numa fila gigantesca. Ao sair de lá, cheia de esperança no coração, como alguém que busca um milagre, rumava direto ao hospital para dá-lo a sua mãe. Mas a cura tão esperada não chegou. Olívia pressentia que a indesejada chegaria, e antes que isso acontecesse pediu que Hella levasse para ela uma revista de moda infantil. Ao recebê-la, olhou sorridente para a capa que continha a foto de duas meninas com vestidos rosa-claro e isso lhe impulsionou a levantar-se da cama como quem se prepara-va para ir embora para casa. Ela fez aquilo com uma força ex-

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MÔNICA CAMPELLO traordinária, dizendo que era capaz de ficar de pé e que já estava curada e que já podia ir embora para fazer os vestidinhos lindos iguaizinhos aos da revista para suas netinhas. Olívia realmente acreditava que podia ir embora. Foi a força do amor que a tirou do leito. Quando Hella e Jiaquinho lhe disseram que não naquele momento, mas que depois ela voltaria para casa, ela acreditou e voltou para o seu leito do qual nunca mais se levantaria. Foi a última vez que Olívia ficou de pé, quando motivada pelo amor às netinhas, crendo que ainda podia fazer algo para agradá-las como um presente que ela mesma moldaria de forma talentosa. Que força ela teve! Hella se lembra disso com lágrimas nos olhos nas quais reside a lembrança da força extraordinária que sua mãe possuía. O que a motivava para a vida e sempre a motivou foi o seu carinho pelos seus. Hella se lembra do dia de Natal em que Olívia teve de ficar no hospital para acompanhar sua mãe que adoecera naque-les dias de festa. De longe, Hella olhava para o quarto lá no alto onde Olívia estava à janela, solitária, sem marido, longe dos fi-lhos naquela época em que nos anos anteriores só era motivo de festa e alegria. Hella jamais esquecerá aquela imagem. Olívia pas-sava a viver momentos diferentes em sua vida como se fosse um preparo para o porvir de dor e sofrimento que encararia. Tudo isso Hella via em sua mãe como que fazendo raios-x do seu íntimo em face da dura realidade que a vida lhe reservava. Dois anos depois da morte do marido, Olívia também deixou seus amados filhos para sempre. Deixou-lhes, contudo, seu exemplo de garra, de luta e da crença de que era mais forte do que a doença, não tendo se entregado por um só momento, e ainda, no fim de seus preciosos dias, aconselhava sua filha Hella para que deixasse aquele caminho religioso que a afastava do Deus vivo e eterno que ela teve a oportunidade de conhecer nessa fase derradeira de sua vida por intermédio de seu filho caçula, Jomar, que, como a irmã, também buscava o milagre da cura para sua mãe, levando-a até àquele que não apenas cura, mas salva, todavia conhecendo-o e obedecendo-lhe: “O SENHOR é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela” (I Sm 2:6). – Filha, larga esse caminho. Busca a Deus. Só Jesus sal-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO va – exortava-a Olívia com voz doce e serena, evangelizando sua filha, desejando-lhe o melhor no que então ela passara a compreender e a crer, refletindo uma mudança interior tremenda em que toda a agitação e dinamismo de Olívia se transformaram em quietude e paz sem medo do porvir. “Para que, no tempo que vos resta na carne, não vivais mais segundo as concupiscências dos homens, mas segundo a vontade de Deus”. “Portanto também os que padecem segundo a vontade de Deus encomendem-lhe as suas almas, como ao fiel Criador, fazendo o bem” (I Pe 4:2,19).

Sabendo que Jesus, sendo Deus, sujeitou-se à morte e ao sofrimento, ela sentiu-se no dever de pôr em prática o “ser feita à sua imagem e semelhança”. Consciente da vontade soberana de Deus sobre a limitada existência humana na face da terra, exalava de seus poros o aroma da coragem do ser espiritual e não carnal face à morte. “Nas tuas mãos encomendo o meu espírito; tu me redimiste, SENHOR Deus da verdade” (Sl 31:5). Tudo, no entanto, contribuía para o crescimento espiritu-al de Hella que todas as coisas investigava com sagacidade vivaz – a conversão de sua mãe, sua força em meio à doença, seu destemor em face da morte, a convicção de sua mãe quanto à salvação eterna, a fé de seu irmão. Parecia não haver mudanças para Hella, mas seu interior mudava e pensava sem que ela percebesse. Certo dia, as palavras de uma budista a intrigaram: “Descruza esses dedos, menina. Parece o sinal da cruz!”. A mulher demosntrou-lhe insegurança, como se tivesse medo da cruz de Cristo; talvez com medo de voltar às raízes do conhecimento tradicional de família que impunham o cristianismo como reli-gião sem nem mesmo entender por quê, mas fugia dele. Percebeu, também, que outros budistas manifestavam o mesmo tipo de insegurança, sempre tentando aparentar uma força interior que na verdade não existia, talvez lutan-do contra seu próprio ego que propicia a ilusão de autocontrole e autoconfiança que possibilitam a autodefesa daquilo no qual eles jamais deixaram de crer. Pessoas que se apegaram àquela religião pelo fato de terem alcançado, na esfera espiritual ou material, o que se poderia chamar de milagre ou ainda uma cura divina, algo que o próprio Deus concedeu-lhes, “Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons,

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MÔNICA CAMPELLO e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mt 5:45), do que eles não têm consciência, mas creem ser fruto da Força Mística do Universo, Poder Universal, Mente Universal, entre outros (o que assim pluridenominam só para não chamar de Deus), cuja resposta vem em forma recíproca dos princípios “O veneno se transforma em remédio” e “Os desejos mundanos são iluminação” – polir a vida e purificá-la conforme sua doutrina. Para que salvação em Cristo e por Cristo, ou que consistência há nisso se eles experimentarão o eterno ciclo de nascimento e morte ao qual é atribuído o sentido de vida eterna para alcançar aquele objetivo? Jesus se fez sacrifício uma vez por todas não havendo necessidade para existências múltiplas favoráveis à expiação do carma conforme preconizam. “Ora, todo sacerdote se apresenta dia após dia, ministrando e ofere-cendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados; mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, assentou-se para sempre à direita de Deus” (Hb 10:11,12). “Eu sou o SENHOR, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que tu não me conheças” (Is 45:5). Sabe-se, no entanto, que Deus em sua onisciência abençoa justos e injustos, isto é, os que são justificados por Deus e os que não são, e, pela permissão de Deus, o diabo também opera curas e milagres: “Hão de surgir falsos cristos e falsos profetas, e farão grandes sinais e prodígios; de modo que, se possível fora, enganariam até os escolhidos” (Mt 24:24). Deus cura criaturas segundo o beneplácito de sua vontade, e o diabo cura criaturas segundo seus cruéis interesses egoístas. Ninguém acredita que é o diabo atuando porque ele cuida do espírito carnal muito sutilmente através de artes e ciências humanas que envolvem o corpo e suas expressões e a mente e suas manifestações de tal modo que a pessoa se vê e se sente curada e pode de fato ficar curada em seu corpo – grande ardil para manter as pessoas distantes do Salvador – mas o espírito espiritual ele não tem como tratar, só como enganar, tapear, quebrar o galho, pois ele sabe que desse só Jesus pode tratar e curar. Por que Deus permite isso? Porque ele exerce um misté-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO rio para a vida de cada ser humano, justo ou não. Essa é uma das realidades que qualquer religioso é incapaz de entender por não conhecer em intimidade o Deus verdadeiro, o único Deus, o Eu Sou! Como soberano e não controlador [Deus tem o controle de todas as coisas, mas isso não significa que ele controla o homem; na verdade, Deus criou o homem constituído do livre arbítrio com capacidade para controlar-se e não para ser con-trolado como se fosse um robô], pois se perguntaria: “Se Deus controla o homem, onde fica a liberdade que lhe outorgou?” Deus vê cada ser humano se dirigindo a seus próprios objeti-vos, antes tendo sido advertidos por ele acerca das consequências de seus futuros feitos. “A alma que pecar, essa morrerá. O filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele” (Ez 18:20). “Não vos enganeis; Deus não se deixa escarnecer; pois tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6:7). Por não entender a essência de Deus, os homens têm criado tantas religiões e arrebanhado tantos prosélitos. Com o espiritual fraco, a tendência de Hella era buscar conforto e consolo em situações mundanas. Nessa época, cursando faculdade de Direito, certo dia sofreu de uma crise renal muito forte conforme diagnosticada pelo seu médico que, além dos remédios, sugeriu-lhe tomar um copo de cerveja por dia para ajudar no tratamento; essa receita ajudou a curar a doença, mas causou-lhe outra doença: o gosto incontido pela cerveja. É dito que se uma pessoa empanturrar-se de determinado alimento em sua primeira prova, ela poderá tomar repulsa por ele cada vez que o vir, mas se provar dele uma pequena porção a cada dia, vai aprender a gostar dele de modo que não mais deixará de experimentá-lo. O mesmo é verdade com o vinho, com o adultério, os vícios! Às sextas-feiras, após as aulas, seus colegas sempre se reuniam num restaurante perto da faculdade e a convidavam, mas ela nunca queria participar. Ali bebiam muito e batiam papo por longas horas. Todavia, ela acabou tendo dois motivos muito fortes que a impeliram a aceitar o convite deles: a receita do médico e o abandono do marido. Ela costumava chegar da faculdade às dez da noite aproxi-

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MÔNICA CAMPELLO madamente e se apressava a aprontar o jantar, pois seu marido também deveria chegar por aquelas horas. Mesmo sabendo que ele podia não chegar, ela sempre mantinha a esperança. Abandonada aos prantos, com o delicioso jantar à mesa, aguardava o doce momento de ver a porta se abrir com sua amável chegada. Vã expectativa! Ele preferia jogar pôquer até altas horas da madrugada, perdendo rios de dinheiro, rodeado de outros jogado-res inveterados, a ir para casa para fazer companhia a sua mulher. Quando ele chegava, ela sempre levantava para recebê-lo com muito amor e carinho e lá estava ele na copa, comendo a comida fria. Dali, partia direto para a cama, para dormir. Que vida! E Hella chorava tão profunda dor e amargura. Como seu marido só se importava com jogo (até o ponto onde ela conhecia, pois não sabia de seus casos amorosos), ela não se preocupou em passar a acompanhar seus amigos na cervejada, unindo o útil ao agradável – ultrapassava os limites da receita médica, acreditando que assim surtiria ain-da maior efeito. Isso se tornou um hábito, e por que não dizer um vício do qual ela passou a depender? Esse mau hábi-to causou-lhe muitos dissabores. Hella se via derrotada pelo mal e destruída em suas conquistas. Bebia quase todos os dias; não sabia mais o que era viver sem cerveja. E ficava bêbada. Quando trêbada, fazia necessidades pelas ruas, dormia no carro, pagava para as pessoas se sentarem à mesa com ela com o dinheiro que seu marido jogava para ela pela janela da jogatina: “Pega aí, duzentos reais. Dá pro gasto ou quer mais?” O que Hella queria não era dinheiro para custear desprazeres, mas a presença e o carinho daquele que o jogava. Como isso ela não tinha, o que lhe restava fazer era usufruir do que ti-nha em mãos. Com a esperança de que ele a quisesse encon-trar, Hella sempre lhe dizia onde estaria. Até que um dia o desejo dela se concretizou. Disseram-lhe que ela estava dor-mindo dentro do carro do outro lado da cidade e imediata-mente ele foi ao seu encontro e a levou para casa, deixando lá o carro dela até o dia seguinte. Numa outra ocasião, ela já tinha percorrido toda a cidade de carro em busca de um estabelecimento onde pudesse continu-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO ar bebendo, mas todos já estavam fechados. Uma boate de dançarinas era o único local que ela encontrara aberto, e, apesar de seu estado, ainda tentou refletir, mas a necessidade do álcool calou seu pensamento. Em plena alvorada, Hella adentrava aquele recinto cujas portas eram totalmente avessas ao seu nível social. De pronto, avistou na primeira mesa dois ex-empregados de seu pai e pediu licença para sentar-se com eles. “Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5:8) – o Deus onipresente à vida dos seus! Percebendo seu abandono e preocupados com seu estado de embriaguez naquele tipo de ambiente, imediatamente permitiram que se sentasse a fim de protegê-la e logo providenciaram para que seu marido fosse avisado sobre o fato. Sem perceber a função para a qual eles se prestaram, Hella pensava simplesmente que conseguira dois amigos para compartilhar a alegria da noite. “Não vos esqueçais da hospitalidade, porque por ela alguns, não o sabendo, hospedaram anjos” (Hb 13:2). Curtia o bate-papo com eles quando seu marido che-gou sorridente e tomou assento a fim de não constrangê-la a sair bruscamente, causando-lhe a impressão de que também estava curtindo aquele momento. Cerca de meia hora depois, ele conseguiu convencê-la a ir para casa, o que ela aceitou muito feliz porque tudo o que ela queria era estar com o marido, nem se dando conta de como ele fora parar naquele lugar. Hella, com forte espírito inquisitivo, se perguntava se para desfrutar de algumas poucas horas da presença do marido era preciso vivenciar algum tipo de sofrimento – vergonha, abandono, risco de vida. Ela queria compreender a essência do casamento, da família, da sociedade. Até que ponto o sofrimen-to de alguém poderia contribuir para o seu próprio crescimen-to moral, espiritual, socioafetivo. Tais questionamentos leva-vam-na a aprofundar-se em estudos filosóficos e religiosos di-versos. Quanto mais ela estudava, mais ela compreendia que nada entendia. Mas percebia uma coisa: que a vida não se aprende com as letras. “A letra mata, mas o Espírito vivifica” (II Co 3:6). Mais tarde, viria a aprender que a Bíblia Sagrada, que é a Palavra de Deus, se aprende com a própria vida. Nessa época, ela percebeu como o budismo contribuíra

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MÔNICA CAMPELLO para o estrago social de sua vida, pelo acúmulo de problemas espirituais não resolvidos, permitindo liberdades sem discernimento do erro, sem elucidações do prejuízo decorrente delas. Foi exatamente nesse ponto que Hella percebeu a diferença entre o que serve e o que não serve a Deus [Ml 3:18]. O homem que não serve a Deus assim como o que serve conduz a sua vida de forma natural: ama, odeia, inveja, jactancia-se, enciúma-se, sente, sofre, trabalha, diverte-se, empobrece, enriquece, desenvolve-se, estagna. Há, contudo, um agravante em tudo isso: o modo como se conduzem essas circunstâncias. O homem natural, diferentemente do homem espiritual, não discerne as situações da vida reconhecendo nelas o bem e o mal intrínsecos, invisíveis aos olhos humanos: o bem lhe parece mal e vice-versa; o homem natural não consegue enxergar o que está por trás de seus feitos ou intentos, por mais que ele entenda que é exatamente aquilo o que ele almeja. E assim vai levando a vida, baseando-a tão-somente em valores morais, éticos, filosóficos, racionais, nunca manifestando a sabedoria que vem do alto, isto é, de Deus. Quando Deus fala ao coração do homem que é o seu ouvido espiritual, ele adverte acerca das consequências do ato e da postura que se deve tomar diante do fato. “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido” (I Co 2:14,15). Tomemos como primeiro exemplo o sentimento de inveja. Todo ser humano carrega consigo esse sentimento que permanece em estado latente até o momento em que algo o desperta. A inveja pode ser classificada como emoção positiva ou emoção negativa. A manifestação de seu aspecto positivo impli-ca em que alguns poucos tendem a reconhecê-la, confessá-la em seu íntimo, não aceitá-la, desejar vencê-la e tratá-la, desenvolven-do um autoexame dos reais objetivos de vida e de sua capacidade de conquistá-los. Inveja tratada resulta em libertação e vitória; por outro lado, a manifestação de seu aspecto negativo implica em que muitos tendem a reconhecê-la, todavia escondendo-a de si mesmos, ou não reconhecê-la devido à sua prepotência, ativan-

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO do seu mecanismo de defesa em ambos os casos. Consequentemente, não a confessa em seu íntimo e muito me-nos a Deus, tornando-se incapaz de tratá-la devidamente para dela se libertar e passando a ser seu escravo consciente ou incons-ciente que, ao invés de buscar o próprio crescimento e sucesso, passa a cobiçar a vida, os valores ou os bens do próximo, e não logrando êxito passa a desejar-lhe o mal, a prejudicar-lhe seja em que área ou ambiente for, pois o que lhe interessa já não é mais ser ou possuir porque sabe que não conseguirá, mas destruir o que o outro é ou possui já que ele não pode sê-lo ou tê-lo. Inveja não tratada resulta em autodestruição e perseguição a outros. “Confessei-te o meu pecado, e a minha maldade não encobri. Tu perdoaste a maldade do meu pecado. Tu me cinges de alegres cantos de livramento” (Sl 32: 5,7). Em qualquer aspecto dessa emoção há de se ter em mente que ela implica em vislumbrar somente o lado benéfi-co do objeto de desejo em questão, rejeitando o seu oposto que é caracterizado por problemas e dificuldades. Na verda-de, não se pode desvencilhar o objeto, pois isso abalaria sua estrutura. É como um todo em que tudo vem junto, e não em partes; os bens que a inveja cobiça são acompanhados de ma-les. Uma família feliz, por exemplo, não deixa de ter proble-mas e são esses problemas que acompanham a felicidade. Logo, se se inveja alguém, deve-se invejar no todo. O invejoso, no entanto, só quer o lado bom da coisa, quer arrancar o bem do outro e deixá-lo só com o mal o que por si só já evidencia o quanto esse sentimento é nocivo porquanto egoísta – deseja para si todo o bem e para o próximo todo o mal. “O sentimento sadio é vida para o corpo, mas a inveja é podridão para os ossos” (Pv 14:30). Um segundo exemplo. O medo. Este também pode ser positivo ou negativo. Mais do que ser um atributo da covar-dia, esse sentimento é um reflexo da consciência de perigo ou da ausência de coragem. A noção de perigo iminente leva a pessoa à autopreservação, o que impede que o mal chegue. Por este prisma, o medo é positivo. Por outro lado, a falta de coragem leva a pessoa à autodestruição, o que impede que o bem chegue. Por este prisma, o medo é negativo. “Porque Deus

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MÔNICA CAMPELLO não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza, e de amor, e de moderação” (II Tm 1:7). Existe uma história cuja origem é incerta e o autor é desconhecido, mas seu fundo moral tem servido para abastecer o homem de ensinamentos acerca de valores humanos diversos. Trata-se da parábola: “O sapo e o escorpião”. Você já deve ter ouvido sobre ela algum dia, em algum lugar em algum momento. É assim: Num dos lados de uma lagoa muito tranquila, o sapo fez de uma folha espessa sua boia pra tomar um solzinho. Enquanto relaxava sob a brisa da manhã, o escorpião surgiu à beira da lagoa e assobiou. O sapo olhou e avistou o escorpião, que assim falou em alta voz: «Seu sapo, você pode me atravessar para a outra margem?» O sapo lhe respondeu: «Não, tá maluco? No meio do caminho você vai me picar. Ih, sai fora, meu!» O escorpião retrucou: «Que isso, seu sapo, como vou te picar? Se eu fizer isso, o senhor vai morrer e afundar e eu vou junto. Tá doido? Pode confiar em mim». Concordando com a lógica do escor-

pião, o sapo anuiu e eles começaram o percurso. Na metade do caminho, o escorpião picou o sapo com o seu ferrão, inoculando no sapo o veneno. O sapo começou a sucumbir, mas ainda encontrou forças para perguntar: «Por que você fez isso comigo, mesmo sabendo que não poderia chegar ao outro lado sem a minha ajuda?» O escorpião lamentou o fato, dizendo: «Não deu pra resistir; isso faz parte da mi-nha natureza!» Contextualizando a presente prosopopeia, dela se pode inferir dentre várias interpretações que o medo pode levar à prevenção do mal se levado a cabo quando as circunstâncias sinalizam perigo ou adversidade. Não se pode deixar enganar por palavras ou gestos que, entremeados de verdade, seduzem o incauto e o ferem com veneno mortal. Ainda com relação ao sapo, se ele for colocado num recipiente com água quente, ele pulará imediatamente para fora; se for colocado num recipiente com água da lagoa que seja aquecida gradativamente, ele permanecerá nela por senti-la como mera mudança de ambiente. Não perceberá que o mal adentra seus poros até a morte pela fervura. Isso reflete a mentira entremeada

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO com a verdade em que o ser humano acostuma-se com o mal que passa a fazer parte de sua vida e até o faz feliz, preferindo não ousar tentativas de melhoras, acomodando-se à estagnação de não avançar rumo à vitória pelo crescimento. Portanto, os empecilhos provocados pelo medo podem ser bons ou ruins. Dependendo da aplicabilidade, podem resultar em êxito ou fracasso. Atente-se à palavra de Deus que adverte a buscar sabedo-ria para tomar decisões corretas: “Pediste para ti entendimento, para discernires o que é justo” (I Rs 3:11); “E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a

todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada” (Tg 1:5). O ato de pedi-la a Deus é necessário. Um terceiro exemplo é a mágoa. “O ressentimento mata o insensato” (Jó 5:2). O que há de positivo ou de negativo com relação a esse sentimento? Que proveito se pode tirar dele? O que pode ser bom ou o que pode ser ruim? A traição conjugal tipifica muito bem esse sentimento. O homem traído ou a mulher traída manifestará o que se chama de “orgulho ferido” ao descobrir o caso e a tendência natural será ressentir-se do fato. Ainda existe amor que possa sobrepujar esse sentimento? Há como se perdoar e recomeçar a relação? Ou, nada se pode aproveitar nessa situação? Um cônjuge, por exemplo, desconfia do outro e segue na investida de descobrir a verdade. Empenha-se cuidadosa e arduamente nessa missão, utilizando estratégias diversas e recursos bastante arrojados de modo que confirma suas suspeitas. Apesar de toda a sutileza envolvida no trato das investigações, a pessoa é incapaz de tratar devidamente de suas emoções. A tendência natural é o fim do relacionamento; contudo, quando se quer preservá-lo, a tendência espiritual é a busca da erradicação do mal pela parte adúltera assim como a busca da erradicação do mal pela parte ofendida através de orações fervorosas e fé em Deus de que ele é poderoso para suprir todas as necessidades do casal a fim de corrigir suas falhas. Cabe, portanto, à primeira parte reconhecer os motivos que a estimularam ao adultério – a tara, os olhares lascivos, a luxúria, a cobiça, a concupiscência car-nal – e decidir vencê-los mediante uma postura de mudança comportamental, contando com a sustentação divina. “Sem mim

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MÔNICA CAMPELLO nada podeis fazer” (Jo 15:5). Ressalte-se que cabe à parte que sofre o dano assistir a parte adúltera em misericórdia, compreensão e oração em detrimento de sua dor. Parece contraditório, mas esta que sofre é a parte mais forte; ela só passa por isso porque pode suportar, e é esta parte que tem a missão de lutar pelo casamento com as armas de Deus. “Fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar”

(I Co 10:13). Se esta quer restaurar a relação, precisa livrar-se do sentimento de vingança que naturalmente se acenderá em seu coração. “Pois o ciúme desperta a fúria do marido, que não terá misericór-dia quando se vingar” (Pv 6:34), mas “Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: “Minha é a vingança; eu retribuirei”, diz o Senhor” (Rm 12:19). A concretização daquela busca por ambas as partes envolve o perdão juntamente com a certeza da libertação que pro-picia a continuidade da relação (sendo esta saudável quando não há abuso das partes – se um abusa por ter sido perdoado e o outro abusa por deter o poder de perdoar). Aqui se estabelece a sabedoria diferentemente de meros valores humanos. Eis o fim a que o homem de Deus se propõe: o homem espiritual não ape-nas vislumbra valores morais, mas conscientiza-se de seus vícios morais, reconhecendo os danos que deles advêm, e, consequentemente, opta por mudar o comportamento. Isso é verdadeiro tanto para um quanto para o outro, pois o que trai erra, mas o que é traído também tende a cometer erros em decor-rência da traição sofrida. “A tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança” (Rm 5:3-4). O Senhor saberá como tratar a parte adúltera de modo que a ofendida não seja de todo prejudicada, e como tratar da parte ofendida de modo que a parte adúltera não seja prejudica-da, em caso de manifestar arrependimento. O Senhor cuida dos seus. Não os desampara. Ele está atento a tudo o que está acontecendo e trará em tempo oportuno a solução definitiva para o problema que se instaurou na relação do casal. Nada como deixar os nossos problemas nas mãos de Deus

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EDE - O ALTAR DO TESTEMUNHO e fazermos a nossa parte em submissão a ele – lermos a sua palavra, ouvirmos a sua voz, obedecermos à sua instrução – que é o que o agrada, sabendo que não nos deixará ser destruídos. O aprendizado decorrente desses sentimentos, entre outros, refletirá o quão digno ou indigno se é como ser humano. É preciso autoavaliar-se emocionalmente para poder se tratar e fi-car são, haja vista saber-se que o ser humano sempre os manifes-tará. Logo, mesmo sofrendo uma recaída, ao vigiar e orar since-ramente, uma pessoa pode receber o livramento de Deus através dos impedimentos que ele providencia porque está do seu lado. Amém! Quando estava perto de atingir o nível superior no budismo, Hella entendeu como Deus dizendo: “Basta! Você não precisa aprender além do que já tem aprendido”. Hella teve um encontro com Jesus. Era uma noite fria e solitária. A companhia dos amigos e a bebida foram incapazes de consolar seu coração, pois se sentia cada vez mais esquecida pelo marido. Sua casa fica-va no final de um corredor muito comprido onde a densa escuri-dão era sua única companhia naquele momento de tristeza pro-funda. Ao entrar em casa, vazia, sem Buda, sem deuses, sem nin-guém, pôsse a meditar sobre sua vida inútil. Dirigiu-se até a cozi-nha e ali olhou para o teto e sem perceber fez uma oração: “For-ças divinas e celestiais que não sei quem são, por favor, me aju-dem!”. Naquele momento, ela sentiu o peso na consciência por ter abandonado Deus e por esse motivo não conseguia proferir seu nome, mas no âmago de seu ser sabia que a ele clamava e tinha esperança de ser socorrida por ele exclusivamente. Ela ti-nha em sua sala um oratório com um pergaminho diante do qual poderia ter orado e suplicado forças para vencer aquela crise exis-tencial, mas ela sabia em seu espírito que dali não obteria o que precisava, pois era o espiritual carnal. Logo, suplicou àquele que podia salvála – Jesus. Depois disso, chorou. E dormiu. “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Sl 30:5). O homem sentirá na alma a existência de Deus mais cedo ou mais tarde, independente da classe social ou do credo religioso. Por mais que tente fugir dessa realidade ou simplesmente não aceitá-la, haverá um momento em que ela se manifestará e só lhe

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MÔNICA CAMPELLO restará uma única coisa a fazer: render-se. Render-se a essa reali-dade é certo; quanto a se render a Deus é incerto, e ele será o único responsável pela sua insurreição. “E os filhos de Israel disseram-lhes: Quem dera tivéssemos morrido por mão do SENHOR na terra do Egito, quando estávamos sentados junto às panelas de carne, quando comíamos pão até fartar! Porque nos tendes trazido a este deserto, para matardes de fome a toda esta multidão” (Êx 16:3). “Quem nos dará carne a comer? Lembramonos dos peixes que no Egito comíamos de graça; e dos pepinos, e dos melões, e dos porros, e das cebolas, e dos alhos” (Nm 11:4-5). Pobres dos escravos que já se acostumaram com a escravidão e não sabem como viver em liberdade! Em contínua murmuração, ainda desejam as coisas do mundo.

Isso reflete a ingratidão a Deus, quando se almejam condições longínquas como forma de não enfrentar o presente. Seja qual for o deserto que uma pessoa esteja enfrentando, Deus é poderoso para prover suas necessidades enviando “cereal do céu” que saciará sua fome em sua tríplice forma cor-po, alma e espírito. Como resposta às queixas de um povo rebelde que ele não tem prazer em que se perca, Deus manifesta a sua bondade ao providenciar circunstâncias combinadas a fim de testar fé e obediência. Deus é tão maravilhoso que providenciou para toda a humanidade o maior e melhor alimento que se pode receber: Jesus, o pão da vida! No dia seguinte, ao acordar, ligou para seu irmão para pedir-lhe que a levasse a sua igreja. Ele ficou esfuziantemente feliz e confirmou seu pedido. À noite foram à igreja. Ao término do culto, saindo pelo estreito corredor lateral, antes de chegar ao portão, Hella ouviu um “trec!”, e sentiu um enorme peso desprender-se de seu tornozelo: o grilhão foi destrancado e o peso saiu! E ali ficou, na casa de Deus, sob o seu domínio. “Buscai ao SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” (Isaías 55:6). Amém!

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