DIÁFANO REFLEXOS, TRANSPARÊNCIAS E OPACIDADE NA OBRA DE CARLOS FAJARDO

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Ministério da Cultura apresenta

DIÁFANO REFLEXOS, TRANSPARÊNCIAS E OPACIDADE NA OBRA DE CARLOS FAJARDO Diaphanous – Reflection, Transparencies and Opacities in the work of Carlos Fajardo


Inaugurar a mostra de Carlos Fajardo no dia de comemoração do aniversário de 16 anos do MON nos orgulha muitíssimo. Fajardo é um artista com mais de 50 anos de trajetória nas artes visuais e poder mostrar ao nosso público este sólido trabalho é motivo de muita satisfação. Nesta exposição são apresentadas tanto produções realizadas ao longo de sua carreira como obras novas, criadas especialmente para esta mostra, em uma instalação que dialoga com a arquitetura do Museu Oscar Niemeyer. A mostra constrói uma narrativa que não possui um caráter retrospectivo – mais que isso, traz assuntos atuais em seu conceito. Proposta que conjuga com a linha de pensamento do MON, em que a diversidade de linguagens artísticas que compõem a ampla esfera das artes visuais é apresentada. Gostamos de sempretrazer novas abordagens, reflexões e possibilidades. O MON tem como premissa a formação de público. Para isso, sua programação e exposições estão alinhadas com um conceito museológico em sintonia com temas contemporâneos e também históricos. Através do trabalho de toda uma equipe engajada, buscamos trazer múltiplas possibilidades de emocionar e atrair o espectador. Completar 16 anos com essa determinação e com as realizações já conquistadas confirma a seriedade do trabalho, a receptividade dos visitantes e o apoio dos parceiros e patrocinadores na difusão da arte e da cultura, fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade. Com muita alegria, convidamos todos a conhecer esta mostra, o Museu e todas as atividades pensadas para os visitantes nesta nossa celebração. Parabéns ao MON!

Ilana Lerner Diretora-presidente Museu Oscar Niemeyer


uma contínua superfície cujos índices de profundidade são quase nulos. O fundo, mais como uma tela plana, confunde-se com uma rala profundidade, vindo a ser apenas mais um tom cinza.

I Diáfano – o termo vem do grego antigo, “dia”, que dizer “através”. Já “fano” vem a ser tanto “a luz” como “aquilo que chega aos olhos”, ou seja, “as imagens”. De “fano” deriva-se a luz que está no radical “foto” de fotografia. Dele também provém a insólita aparição, o “fano”, que está nos “fantasmas” e na imaginação criadora da “fantasia”. Para nós, o diáfano será a contradição de materialmente atravessar a superfície plana de uma imagem por meio daquilo que dela nos chega aos olhos, por meio de sua luz que tanto cega, como permite conhecer a própria imagem e seus tênues fantasmas. II Mergulhemos nas imagens. São imagens de uma piscina que está repleta de cristalina água, cuja transparência tanto permite a nossa penetração visual como a penetração de luzes e sombras. A massa aquosa dá a ver o fundo da piscina. Este não se trata de um fundo ladrilhado, mas de

A superfície cinza, espaço de presença aquosa quase invisível, toma aproximadamente a totalidade das imagens e porta sobre sua qualidade cristalina a propriedade de produzir uma sutil camada de reflexos, por onde miramos um céu entrecortado por uma rede de galhos, folhas e árvores. Um jogo de luzes, sombras e reflexos que faz a superfície transparente se confundir em três ou mais profundidades. Há uma espécie de palimpsesto visual entre a profundidade invertida do reflexo dos galhos que se sobrepõem aos galhos reais flutuando na água, que, por sua vez, sobrepõem-se aos galhos que mergulham sob a água na profundidade interior da piscina. Temos o mergulho em imagens que nos jogam em um mundo de inversões. Quando olhamos para o reflexo na superfície aquosa, experimentamos uma inversão entre o alto e o baixo, olhamos para o fundo da


imagem dobrada em si mesma. É um mergulho fantasmático que nos joga ao céu, faz-nos atravessar árvores de ponta-cabeça cujas presenças reais também não se encontram por lá. É uma inversa profundidade que convoca ao engano e à ilusão. Um mergulho que tem parte com o diáfano, pela virtual ilusão da segunda profundidade reflexiva na superfície da matéria transparente que nos impede de nos esquecermos de sua presença material. Superfícies líquidas, acrílicos, vidros enquanto “uma cortina invisível” e, ao mesmo tempo, capaz de multiplicar incontáveis imagens. Um diáfano que é denunciado por toda ordem de tênues reflexos involuntários (e normalmente ignorados) que nos acompanham quando passamos diante de janelas, vitrines e demais superfícies polidas. É uma multiplicação de imagens esquecidas, uma dobra fantasmática do mundo sobre si mesmo, quase sempre por nós ignorada. III Voltemos a um detalhe das fotos para esboçarmos mais uma noção de diáfano. Sobre a aquosa imagem, percebemos uma centena de pontos brancos que se espalham sobre o fundo cinza mais claro e mais escuro da piscina e, também, sobre

os reflexos. São inúmeros pontos de luz estourada causados, ao que tudo indica, por folhas, fragmentos de folhas e demais sujeiras que flutuando recebem a luz direta do sol. São pontos de intensíssima luz, dados por pequeninos fragmentos de matéria opaca, cuja fotometragem não foi capaz de adequá-los ao cinza geral da foto. Porém, as diminutas explosões brancas também evocam a outro tipo de “erro” de intervenção técnica sobre a superfície da transparência fotográfica, pois tais pontos se assemelham a pó sobre o negativo fotográfico. Pó acumulado sobre antigos negativos mal guardados que produzem esses tipos de pontos cegos sobre a fotografia ampliada. Esse salpicar de branco – seja a matéria opaca sobre a transparente superfície aquosa da piscina, seja pó sobre o instrumental fotográfico na transparência do negativo ótico – é o que torna a superfície invisível ou transparente em um plano diáfano, ou seja, ele nos fornece a consciência da materialidade da superfície invisível que sustenta no interior de si o visível. A transparência no espaço representacional das artes bidimensionais se caracteriza por um espaço de


pura idealidade visual, equivalente a dizermos que ela não está por lá. É a “ilusória janela” que de forma metafórica caracterizou historicamente a ilusão do espaço tridimensional na pintura, possuindo a mesma função no recorte que enquadra o mundo em uma fotografia e no cinema. A transparência é a negação da superfície que cria para dentro de si um espaço ficcional próprio onde acontecem coisas. Em outras palavras, é a ilusória profundidade em uma tela plana, é o “ar” para dentro da tela onde seus personagens podem “respirar”, é o que, além da matemática, sustenta a possibilidade da ilusão da perspectiva. Já o diáfano produz uma contradição no interior desse plano de transparência. Ele nos faz ver não apenas a ilusão dessa profundidade, o “ar” no interior da imagem, como também dá a ver a própria superfície que nega a si mesma para fundar essa ilusão. O diáfano é um salpicar de opacidade sobre a transparência do plano ficcional. É a contradição entre a superfície material e a profundidade ilusória. É uma tênue tensão entre interno e externo, entre superfície e profundidade, que redunda na mistura e no choque entre o tocar e o ver.

O diáfano nos pede a volta da presença plana, uma planaridade já não mais ilusória e, ao mesmo tempo, ainda ilusória. São detritos reais sobre o espaço da ficção. É o limite entre a ilusão do ver e a matéria que exige o toque do próprio visível. É o invisível plano imagético como misto entre ilusão e materialidade. A superfície visual diáfana nos leva à matéria, nos devolve o corpo, a presença e a existência em ato da foto não mais apenas enquanto ilusão, mas também enquanto foto, numa relação com a fisicalidade de seus materiais. A superfície fotográfica torna-se concreta, o seu papel torna-se uma espécie de pele, como a pele que envolve o nosso corpo. IV Já a própria transparência em nosso corpo vem a ser apenas raramente e com certa dor tocada pelo diáfano. Jamais vemos (digo de forma direta e não por meio do reflexo em um espelho) a transparência que são nossos olhos, por onde nos chegam todas as imagens e toda luz. Se tudo vai bem com nossos olhos, sequer fisicamente os sentimos. Apenas quando um pó cai sobre nossa retina, quando há um cisco em nosso olhar ou um excesso de luz é que sentimos um atrito entre a quase espiritual transparência que são nossos olhos e a fisicalidade que

Henrique P. Xavier curador


Inaugurating the exhibition of Carlos Fajardo in the 16 years of the MON anniversary commemoration day makes us very proud. Fajardo is an artist with more than 50 years of experience in the visual arts and being able to show our audience this solid work is a source of great satisfaction. In this exhibition are presented both productions made throughout his career and new works, created especially for this show, in an installation that dialogues with the architecture of the Oscar Niemeyer Museum. The show constructs a narrative that does not have a retrospective character - more than that, brings current subjects in its concept. This proposal combines with the line of thought of MON, in which the diversity of artistic languages that make up the broad sphere of the visual arts is presented. We always like to bring new approaches, reflections, and possibilities. The MON is premised on the formation of the public. For this, its programming and exhibitions are in line with a museological concept in tune with contemporary themes and also historical. Through the work of an entire team engaged, we seek to bring multiple possibilities to excite and attract the viewer. To complete 16 years with this determination and with the accomplishments already achieved confirms the seriousness of the work, the receptivity of the visitors and the support of the partners and sponsors in the diffusion of art and culture, fundamental for the development of a society. With great joy, we invite everyone to visit this exhibition, the Museum and all the activities planned for visitors during our celebration. Congratulations to MON! Ilana Lerner Chief Executive Officer Oscar Niemeyer museum

I Diaphanous - the term comes from the ancient Greek, “dia”, which means “through.” On the other hand, “phanous” comes to be both “the light” and “that which comes to the eyes”, in other words, “the images”. From “phanous” derived the light that is in the radical “photo” of photography. From him also comes the unusual apparition, the “phanous”, which is in the “ghosts” and in the creative imagination of “fantasy.” For us, the diaphanous will be the contradiction of materially crossing the flat surface of an image by means of that which reaches us to the eyes, through its blind light, as it allows us to know the image itself and its faint phantasms. II Let’s dive into the pictures. They are images of a pool that is filled with crystalline water, whose transparency allows both our visual penetration and the penetration of lights and shadows. The watery mass shows the bottom of the pool. This is not a tiled bottom, but a continuous surface whose depth index are almost nil. The background, more like a flat screen, is confused with a shallow depth, coming to be just another shade of gray. The gray surface, almost invisible space of aqueous presence, takes approximately the images and door totality on its crystalline quality the property of producing a subtle layer of reflections, where we look at a interspersed sky through a network of branches, leaves and trees. A set of lights, shadows and reflections which makes the transparent surface blend into three or more depths. There is a sort of visual palimpsest between the inverted depth of the reflection of the branches that overlap the real branches floating in the water, which in turn overlap the branches that plunge underwater into the inner depth of the pool. We have a dive into images that throw us into a world of inversions. When we look at the reflection on the watery surface, we experience an inversion between the high and the low, we look at the bottom of the pool and we see the sky under the frame of trees, we have the experience of an image folded in itself. It is a fantasmatic dive that throws us to the sky, it makes us cross trees with upside down whose real presence is not there. It is an inverse depth that summons deception and illusion.


A dip that has part with diaphanous, for its virtual illusion of the second reflective depth on the surface of transparent matter that prevents us from forgetting its material presence. Liquid surfaces, acrylics, glasses as “an invisible curtain” and, at the same time, capable of multiplying countless images. A diaphanous that is denounced by any order of tenuous involuntary (and usually ignored) reflexes that make us accompany when we pass before windows, showcase and other polished surfaces. It is a multiplication of forgotten images, a phantasmatic fold of the world upon itself, almost always ignored by us. III Let’s go back to a detail of the photos to sketch another notion of diaphanous. Over the watery image, we noticed a hundred white dots that spread over the lighter gray and darker pool background, and also over the reflections. There are innumerable points of light bursting, which are apparently caused by leaves, fragments of leaves and other floating dirt receiving direct sunlight. They are points of very intense light, given by tiny fragments of opaque matter, whose photometry was not able to fit them to the general gray of the photo. However, the tiny white explosions also evoke another kind of “error” of technical intervention on the surface of the photographic transparency, since such points resemble dust on the photographic negative. Dust accumulated on old badly stored negatives that produce these types of blind spots on the enlarged photograph. This splash of white - whether the opaque matter on the transparent watery surface of the pool, or powder on the photographic instruments in the transparency of the optical negative - is what makes the surface invisible or transparent in a diaphanous plane, in other words, it provides us with consciousness of the materiality of the invisible surface that sustains within itself the visible. Transparency in the representational space of the two-dimensional arts is characterized by a space of pure visual ideality, equivalent to saying that it is not there. It is the “illusory window” that metaphorically characterized historically the illusion of three-dimensional space in painting, having the same function in the cut that frames the world in a photograph and on the theater. Transparency is the denial of the

surface that creates within itself a fictional space of its own where things happen. In other words, it is the illusory depth on a flat screen, it is the “air” into the screen where your characters can “breathe”, which, in addition to mathematics, supports the possibility of the illusion of perspective. On the other hand, diaphanous produces a contradiction within this plane of transparency. It makes us see not only the illusion of this depth, the “air” within the image, but also gives the very surface that denies itself to establish this illusion. The diaphanous is a splash of opacity over the transparency of the fictional plane. It is the contradiction between the material surface and the illusory depth. It is a tenuous tension between inner and outer, between surface and depth, that results in the mixture and the clash between touch and seeing. The diaphanous asks us the return of the flat presence, a planarity no longer illusory and, at the same time, still illusory. They are real debris over the space of fiction. It is the limit between the illusion of seeing and matter that requires the touch of the visible itself. It is the invisible imaginary plane as mixed between illusion and materiality. The diaphanous visual surface leads us to matter, it gives us back the body, presence and existence in the act of the photo, not only as an illusion, but also as a photo, in relation to the physicality of its materials. The photographic surface becomes concrete, its role becomes a kind of skin, like the skin that surrounds our body. IV The very transparency in our body comes to be only rarely and with some pain touched by the diaphanous. We never see (I say directly and not through reflection in a mirror) the transparency that our eyes are, where all the images and all the light come to us. If all goes well with our eyes, we do not even physically feel them. Only when a powder falls on our retina, when there is a speck in our eyes or an excess of light we feel a friction between the almost spiritual transparency that is our eyes and the physicality that is our body, a strange and uncomfortable relation between the see and the touch: an invisible burning over the world of images that reaches us. Henrique P. Xavier Curator


Período expositivo / Exhibition period

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22 28 OLHO NOV > ABR SALA

2 0 1 8

Museu Oscar Niemeyer

NOV

APR

ROOM

From Tuesday through Sunday, from 10 a.m. to 6 p.m. Ticket sale until 5:30 p.m. Online ticket sales: museuoscarniemeyer.org.br Free admission to seniors over 60 and children under 12

Rua Marechal Hermes, 999 Centro Cívico · Curitiba · PR Tel.: 41 3350 4400

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Capa / Cover Obra sem título | Untitled, 1984

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Terça a domingo, das 10h às 18h Venda de ingressos até as 17h30 Venda de ingresso online: museuoscarniemeyer.org.br Entrada franca para maiores de 60 e menores de 12 anos


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