Amas — Fisionomias e Desmembramentos

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AMAS  FISIONOMIAS E DESMEMBRAMENTOS  LUCIANO FEIJÃO



AMAS LUCIANO FEIJÃO FISIONOMIAS E DESMEMBRAMENTOS GALERIA HOMERO MASSENA 13 JUN — 08 SET 2018


Rasgos de uma história

AMAS de Luciano

redescobrir o

Feijão é um

Brasil. Uma das

convite para

propostas veio

conhecermos a

do movimento

História do Brasil.

modernista e da

Não a História

Semana de Arte

oficial que narra

Moderna de 1922

nosso país como

que apresenta-

o resultado do

ram uma visão de

encontro entre

Brasil ancorada

três culturas

na rejeição

(a portuguesa,

das influências

a indígena e a

européias e na

africana), mas

exaltação do que

sim a história de

nos era especi-

um Brasil pro-

fico, ajudando a

fundo, marcado

consolidar a ima-

por conflitos,

gem de um Brasil

silenciamentos e

homogeneizado

pela invisibilidade

pela miscigena-

de grupos sociais

ção e pelos ideais

que foram infe-

de assimilação

riorizados pelo

e integração

nosso projeto

de negros e

nacional.

indígenas.

Na virada do

É dentro desse

século XIX para

cenário que vejo

o XX ocorreram

a obra

a Abolição da

A Negra de Tarsila

Escravatura e a

do Amaral. A

Proclamação da

Negra faz parte

República que

do ideal nacional

tornaram urgente

brasileiro. Sem

a necessidade

nome, sem dor,

de repensar

entre muitas co-

os critérios de

res, eis a mulher

cidadania e brasi-

que amamentava

lidade. Era preciso

os filhos de seus


AMAS LUCIANO FEIJÃO FISIONOMIAS E DESMEMBRAMENTOS GALERIA HOMERO MASSENA 13 JUN — 08 SET 2018












O LEIT AMA Q A PEL NEG


TE DA QUEIMA LE DA GRA




A Negra Tarsila do Amaral, 1923 100 x 81,3 cm óleo sobre tela Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo AMAS — Fisionomias e Desmembramentos Luciano Feijão, 2018 vários formatos nanquim sobre papel Galeria Homero Massena

A Negra — Evocação da infância de Tarsila, das amas de leite, do ambiente ainda impregnado pela dinâmica escravocrata que tanto compareceu nas grandes fazendas onde vivia. Pintura que sustenta o modernismo brasileiro a partir do “gosto pelo primitivo”. Sustenta ainda a ideia de uma iconografia nacional que, de maneira alegórica, contribuiu para circunscrever mulheres negras na construção ininterrupta de uma subjetividade racista secular. AMAS — As formas que se racham para abrir um ponto de questionamento na concretude das “provas cabais”, deixando escorrer do desenho o fluxo imaterial das práticas históricas, que remetem ao chão mesmo das tensões e reviravoltas, à luta de forças, aos modos, por vezes incongruentes, sobre como a experiência da arte se atualiza. Aqui a figura da ama de leite insurge contra a racionalidade modernista, para se tornar uma proposição política insana. O leite que se pretende beber agora precisa do esforço dos seus filhos para sugá-lo, para que se reestabeleçam novas




tentativas de criar corpos impetuosos, contrários a esse ser intangível que nos tornamos depois da escravidão brasileira, que produziu a subjetividade mais cruel, sutil e duradoura da história. Fisionomia versus desmembramento. A Negra — que, neste contexto, é fisionomia — encontra-se numa via negativa, entrelaçada a uma objetivação e achatamento do mundo, produzindo certezas e estereótipos característicos de uma dominação essencial. Se pensarmos que A Negra não foi produzida para proporcionar a concepção inequívoca de uma comunidade que exige ser vista como parte constitutiva de mundo; se não existe espaço para que essa pintura dispare a própria visibilidade e consciência negra como uma experiência de luta na esfera pública, cabendo, portanto, a essa mesma comunidade, servir unicamente para preencher o papel de tipo etnológico e de produção de valor capitalista, então não há outra opção em AMAS que não seja a de se apropriar da pintura de Tarsila para fazer desse objeto a expressão de sua própria negação. AMAS — que, neste contexto, é desmembramento — tenta manter o passado ativo no presente por meio da quebra da moldura. Moldura é fechamento. No desmembramento, os desenhos não estão condicionados a características fisionômicas, que trazem um sentido único à imagem proposta, mas propicia a capacidade de atribuir uma carga discursiva desindexada de uma certeza objetiva, ampliando, dessa forma, os efeitos reflexivos e críticos que essas imagens podem proporcionar. A visão confortável do passado deve ser substituída pela visão política do presente.



Na demarcação conflituosa dos espaços, a aposta no desenho — enquanto campo de atuação — talvez seja a opção pragmática de fazer com que os desenhados se convertam, em alguma instância, em documentos com validez política. AMAS apropria-se de A Negra, trabalhando contra a hegemonia imaculada do objeto/imagem/ propriedade. AMAS exige a presença de Tarsila, a convoca por meio de sua pintura, problematiza sua monumentalidade diante de corpos negros deformados. A Negra depara-se com o discurso antagônico de AMAS, se apresentando na atualidade do sistema de desigualdades no Brasil para desmitificar a si própria. Para todas as amas, do passado e do presente: que vosso leite, antes propriedade de homens e mulheres brancos, seja hoje o combustível vivo de sua luta. Que o vínculo maternal, antes fictício, criado como artifício para que fosse suportável amamentar o filho branco de seu algoz, abra espaço para um amor não ficcional que possa fecundar novamente a criança que lhe usurparam, nascendo assim um novo corpo sensível aos atravessamentos da vida, que, na incidência sobre este plano comum, seja capaz de produzir mudanças significativas. Luciano Feijão












Este catálogo foi impresso pela Gráfica Santo Antônio, no inverno de 2018, em Vitória, ES.



Este catálogo foi impresso pela Gráfica Santo Antônio, no inverno de 2018, em Vitória, ES.




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