Crianças do Século XXI: Novos Cidadãos?
EDIÇÃO
Monte - ACE, 2007 Esta edição foi feita a partir das comunicações do Colóquio “Crianças do Século XXI: Novos Cidadãos?”. Os conteúdos dos artigos são da exclusiva responsabilidade dos respectivos autores. TEL 266 490 090 FAX 266 419 276
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Projecto “ParticipAR - Inovação para a Inclusão em Arraiolos” (Medida 1 do PROGRIDE) C oo r den a ção
Marta Alter O r g a ni z a ção
João Antunes D E P Ó S I T O L E GA L
279 564/08 ISBN
978-972-95228-7-1 DESIGN
Sugo Design
6.12.2006
Colóquio
“Crianças do Século XXI: Novos Cidadãos?”
Introdução
C oló q u io
Introdução Marta Alter
Directora Técnica do Monte - ACE
O Colóquio “Crianças do Século XXI: Novos Cidadão” enquadra-se no âmbito do projecto “ParticipAR - Inovação para a Inclusão em Arraiolos” apoiado pela Medida 1 do Programa para a Inclusão e Desenvolvimento - PROGRIDE. Os principais objectivos com a realização deste Colóquio são: informar os participantes sobre os principais direitos das crianças e adolescentes; compreender as metodologias e técnicas de intervenção junto de crianças e respectivas famílias; partilhar conhecimentos e capacitar técnicos, pessoal docente e pessoal não docente. Com este Colóquio pretende-se incentivar a criação de uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (C.P.C.J.) no concelho de Arraiolos de acordo com a Lei n.º 147/99. Gostaria de agradecer à Sr.ª Representante do Governo Civil de Évora, ao Sr. Presidente do Município de Arraiolos, ao Sr. Director do Centro Distrital de Segurança Social de Évora e ao Sr. Presidente do Agrupamento de Escolas de Arraiolos pela abertura deste Colóquio. Uma palavra de agradecimento para os(as) oradores(as) deste Colóquio. Uma palavra de apreço também para a Dr.ª Maria da Conceição Freixo e para a Dr.ª Ana Beatriz Cardoso na qualidade de moderadoras dos painéis deste Colóquio. Através da sua sabedoria, transmitem os ensinamentos das melhores experiências e conhecimentos adquiridos num contexto particularmente exigente e complexo. O Agrupamento Monte continuará a empenhar-se na promoção dos Direitos das Crianças e a divulgar aquelas que na nossa opinião são as melhores práticas de intervenção junto de crianças e respectivas famílias.
“ C r i a nç a s do S é c u lo X X I : N o v os C id a dãos ? ”
marta.alter @ monte-ace.pt
C ol贸 q u io
“Crianças do Século XXI: Novos Cidadãos? ”
APRESENTAÇÕES Comunicação inaugural
“Olhares sobre a Infância Juventude” Jorge Souto
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Equipa Técnica da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco
PAINEL 1
CPCJ de Évora Comprometida com a Promoção dos Direitos e a Protecção da Criança e do Jovem
Teresa Aleluia Reis
2
Presidente da C.P.C.J. de Évora
Lar N. Sra. De Fátima da Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz Nuno Rosmaninho
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L ar N. Sra. De Fátima da Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz
Intervenção Familiar em Contexto de Centro de Apoio Familiar e Apoio Parental Dora Pereira
4
Associação “Chão dos Meninos”
PAINEL 2
Abusos e Maus Tratos Infantis
Como pensar uma intervenção integrada e articulada
Alice Cabral
5
Centro Distrital de Solidariedade Social de Évora
PROTECÇÃO PENAL: CRIMES DE MAUS TRATOS E ABUSO SEXUAL
Aurora Rodrigues
6
Procuradora Adjunta do Departamento de Investigação e Acção Penal de Évora
Projecto Preservamigo: Uma Estratégia de Intervenção pelos Pares
Sara Nasi Pereira
7
Associação Planeamento Familiar do Alentejo
PAINEL 3
Projecto de Intervenção Precoce de Arraiolos Elisabete Correia Nuno Silva
8
Equipa de Intervenção Precoce de Arraiolos Santa Casa da Misericórdia de Arraiolos
EXPERIÊNCIA DE UMA ESTRATÉGIA DE ACÇÃO INTEGRADA E ARTICULADA DE SERVIÇOS EXISTENTES NA COMUNIDADE Ana Cardoso
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Núcleo de Apoio à Família e Comunidade de Arraiolos
A Criança e a Infância do(s) nosso(s) mundo(s) Rosalina Costa
Departamento de Sociologia da Universidade de Évora
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Comunicação inaugural
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Comunicação inaugural
jorge.a.souto @ seg-social.pt
Jorge Souto
Equipa Técnica da C omissão Nacional de Protec ção de Crianças e Jovens em Risco
“Olhares sobre a Infância Juventude” O Papel das entidades com competência em matéria de infância e juventude Antes de mais desejo felicitar Arraiolos por mais esta excelente iniciativa, em congregar à volta da Criança um conjunto de painéis tão diversificados e que certamente contribuirão para uma reflexão de excelência em relação às diferentes problemáticas que se focalizam na Infância e Juventude. Apresentar em nome do Exm.º Sr. Presidente da CNPCJR – Dr. Armando Leandro cumprimentos e saudar este Encontro cujo olhar não foca apenas o presente mas acima de tudo o futuro, planeado, sustentado, concretizado. Em segundo lugar cumprimentar todos os participantes, desde os ilustres convidados, à organização e a todos quantos nesta manhã nos juntamos para aprendermos e descobrimos juntos caminhos conducentes ao respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos nossos concidadãos mais pequenos. Deram-me como tema para reflectir – “O papel das entidades com competência em matéria de infância e juventude”, e tentarei, humildemente, suscitar o V/ interesse para o mesmo. Valerá a pena ser criança num Pais chamado Portugal?
Esta será a questão de fundo que norteará a minha intervenção. Ser criança é hoje legalmente assumido pela Convenção dos Direitos da Criança (art. 1.º), todo o ser humano com menos de dezoito anos, já a Constituição da República Portuguesa refere no art. 69.º :
1 - “todas as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de descriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na Família e nas Instituições.” 2- «o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas ambiente familiar normal» Além destas duas grandes protecções legais, encontramos na lei geral a exequibilidade dos direitos e deveres da Criança, nomeadamente a Lei de Promoção e Protecção e a Lei Tutelar Educativa. Gostaria que nos focássemos no sistema que o Direito nos traz. Em primeiro lugar a Família. É nela que tudo começa. Afinal todos nós estamos ligados às nossas famílias, portanto, na base do sistema tem que estar a Família, devidamente apoiada quando houver necessidade, por uma rede que lhe permita, de forma integrada, tratar todos os seus membros com o afecto, respeito, e condições sociais sustentáveis. Não se deve, quanto a mim, ingerir na dinâmica familiar, contudo, quando
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esta dinâmica põem em causa direitos fundamentais dos mais desprotegidos, crianças, idosos e deficientes, então todos temos a responsabilidade, movidos por uma ética cidadã de intervir, não de forma abusiva, mas consensual, chamando para nós os desavindos e apelando ao que têm de positivo de forma a darem o “salto quantitativo” e porem termo ao que está menos bem, muitas vezes apenas momentaneamente. Depois o Sistema remete-nos para as instituições, pessoas colectivas que nos merecem todo o respeito pela sua militância, pela sua doutrina e pelo seu estar perante as dificuldades do outro e mais quando se trata de crianças. Então o Sistema está subdividido entre a Família – as organizações civis e governamentais e os Tribunais (enquanto órgão de soberania); Ao falarmos de competências em matéria de infância e juventude, temos que ter presente que não basta o saber académico, com toda a importância que investigação pura, a investigação-acção e a investigação – intervenção têm , nos diferentes domínios da ciência, para a obtenção de resultados céleres em presença das multi-problemáticas que afectam, muitas vezes, a mesma criança, daí a multidisciplinariedade , como mais valia na execução de diagnósticos claros. O saber fazer e o saber estar são, quanto a mim, os elementos chaves, para que qualquer técnico, seja de que grau for, possa intervir de forma a causar episódios traumatizantes na sua intervenção. Tolstoi dizia:
“a Ciência não faz sentido enquanto não responder às nossas questões mais importantes: o que devemos fazer? Como devemos viver?” Mostra-nos o princípio da realidade que existem não poucas crianças em Portugal que têm sido vitimas e vitimadas pelo sistema, que ao contrário das proteger, apenas vai perpetuando a intervenção, até que atinjam, alguns a idade de entrarem no sistema prisional (16 anos), outros a maioridade e então, como estão fora do sistema, agora “virem-se” – Isto para dizer que o perfil dos diferentes técnicos nos diferentes patamares de intervenção deve ser acautelado de forma a que quem trabalha com crianças acredite que não sendo fácil a realidade vivida, não há motivação maior do que ver o outro bem – e quando o outro é uma criança ainda mais. Nesta assumpção dar-vos nota positiva da qualidade dos técnicos que reforçaram as CPCJ(s), com quem tenho tido o grato privilégio de trabalhar, mas se o seu êxito é positivo deve-se a que no apoio se encontram técnicos mais velhos, com maior experiência que além da segurança da intervenção também o conselho e a visão do todo permitem garantir intervenções sustentáveis e estáveis. Vale a pena ser criança em Portugal?
Sem dúvida que sim! Muitas vezes somos acometidos de números e de episódios que nos causam dor e preocupação, mas, na verdade, defendo que no cômputo geral, os números que surgem no sistema são a excepção e não a regra; isto deixa-nos descansados? Claro que não! Mas para isso é necessário que todos os cidadãos e agentes sociais assumam que têm um papel a desempenhar na protecção das suas crianças/nossas crianças. Para isso é necessário, quanto a mim, que cada um de nós invista no desenvolvimento de uma ética de acreditar – «como poderemos dizer às crianças que vale a pena ser adulto se nós próprios temos dúvidas disso?» Helena Marujo. As crianças de Arraiolos só têm a ganhar se a existência de uma CPCJ se tornar uma realidade, e aqui fica o desafio na pessoa do Ilustre Presidente da Câmara, para que na verdade este concelho continue a pautar a sua filosofia assente na defesa dos direitos da Criança. Muito obrigado
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teresa.aleluia @ drealentejo.pt
Teresa Aleluia Reis Presidente da C.P.C. J. de É vora
CPCJ de Évora Comprometida com a Promoção dos Direitos e a Protecção da Criança e do Jovem A Experiência da CPCJ a nível da intervenção interinstitucional em situação de risco/perigo Por uma cultura de respeito da Infância! Pela defesa dos Direitos da Criança! Strecht, P.
“Crescer Vazio”
…alguns direitos, muitas ingenuidades… “todas as crianças têm direito a não ficarem sozinhas a chorar” “todas as crianças têm direito a um colo onde se possam sentar, enroscar como numa concha e receber mimos” “todas as crianças têm direito a terem orgulho na sua existência” Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Lei nº 147/99 de 1 de Setembro (artigo 1º)
A Lei “tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral” Visão, princípios e estratégia da Lei de Protecção Ética do respeito
Afirma que a criança é sujeito de direitos
A sua abordagem é centrada na pessoa: Exige que se oiça a pessoa Só se pode intervir com o consentimento dos adultos e das crianças maiores de 12 anos Tem que se fundamentar a intervenção Trata a pessoa com quem intervém como cidadão igual, com o direito/dever de participação na definição das medidas que lhe dizem respeito
Nova cultura - compromisso com a pessoa
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Legitimidade da Intervenção artigo 3º da Lei nº 147/99 de 1 de Setembro
“A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte da acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”
A criança/jovem está em perigo quando?
Está abandonada ou vive entregue a si própria Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais Não recebe os cuidados ou a afeição adequada à sua idade e situação pessoal É obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação
Princípios Orientadores da Intervenção Art. 4º - Lei nº 147/99 de 1 de Set.
Interesse superior da criança
Privacidade
Intervenção precoce e mínima
Proporcionalidade e actualidade
Responsabilidade parental
Prevalência da Família
Obrigatoriedade da informação
Audição obrigatória e participação
Subsidiariedade
Compromisso com a criança/ jovem e com a família
Não à repetição de diligências e diagnósticos ... Visitas domiciliárias invasivas
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Intervenção das entidades com competência em matéria de Infância e Juventude artigo 7º da Lei nº 147/99 de 1 de Setembro
“A intervenção… é efectuada de modo consensual com os pais, representantes legais ou com quem tenha a guarda de facto da criança ou do jovem, consoante o caso, de acordo com os princípios e nos termos do presente diploma”
Sistema de Promoção e ProtecçãoIntervenção Sucessiva
CPCJ – Comissão de Protecção de Crianças e Jovens As CPCJ são instituições oficiais não judiciárias, concelhias, que visam:
promover os direitos da criança e do jovem e prevenir ou pôr termo a situações susceptíveis de afectar a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento integral
Com o consentimento explícito dos pais e a não oposição da criança maior de 12 anos
Composição da CPCJ Alargada de Évora
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IPSS / ONG
* Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental
Comissão Alargada - Grupos de Trabalho Promoção de Direitos, Sensibilização Divulgação e Formação
Universidade
ADBES
IPJ
Ass. Municipal (1 membro)
DREALE
Adolescentes
HESE (Cons. Adolescentes e Dep. Psiquiatria)
CAToxicodep.
CNEscutas
PSP
GNR
ADBES
Ass. Municipal (1 membro)
Procedimentos de urgência
PSP
GNR
Ass. Municipal (2 membros)
CDSSÉvora
CPCJ - Como funciona? Comissão Restrita:
Compete-lhe intervir em situações em que uma criança ou jovem está em perigo. Actua na prevenção secundária e terciária com os seguintes objectivos:
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Proteger
Aumentar competências – pais e criança
Reduzir sequelas
Prevenir recidivas
Comissão Alargada:
Compete-lhe a área da prevenção – da promoção dos direitos e de prevenção das situações de perigo para a criança e jovem. Deve constituir um fórum de promoção de diagnósticos da situação das crianças do concelho e de concertação dos vários serviços em relação à infância.
Uma Lei de Protecção que … Parte das capacidades da pessoa e da família Prossegue um estratégia de intervenção integrada:
há um só plano de execução da medida, conhecido por todos, com o qual todos se comprometem, pelo cumprimento do qual todos são responsáveis, nas partes que lhe dizem respeito, mas também no todo, avaliado em conjunto.
Medidas de Promoção e Protecção Em meio natural de vida
Apoio junto dos pais
Apoio junto de outro familiar
Confiança a pessoa idónea
Apoio para a autonomia de vida
Confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção
Em regime de colocação
Acolhimento familiar
Acolhimento em Instituição
Em meio natural de vida
A medida mais aplicada é de Apoio Junto dos Pais – medida que exige competências diferenciadas, uma parceria activa e estreita entre os serviços – com planeamento e avaliação regulares
Em regime de colocação
Deparamo-nos com uma escassez de respostas de acolhimento familiar e/ou por vezes uma inadequação constrangedora das respostas de acolhimento institucional
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Medidas aplicadas
Problemáticas dominantesdas Crianças e Jovens em Perigo
Intervenção Inter-Institucional
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Plano de execução da medida Intervenção Inter-Institucional
Identificação das necessidades das crianças/jovens e das suas famílias Actividades a desenvolver pelos vários intervenientes - definição de responsabilidades em termos temporais Avaliação da intervenção
Desafios
Conhecer a realidade das crianças e jovens
Identificar os problemas e as necessidades
Compreender as causas das problemáticas
Encontrar uma linguagem e instrumentos comuns – construir a confiança mútua, para criarmos novas abordagens: • ao nível da prevenção • e da intervenção articulada e integrada numa perspectiva da promoção dos direitos das crianças e jovens
Por uma cultura de respeito da Infância! Pela defesa dos Direitos da Criança! Strecht, P.
“Crescer Vazio”
… alguns direitos, muitas ingenuidades… “todas as crianças têm direito aterem em casa o Pai e a mãe, os irmãos (se houver). Se o Pai e a Mãe não conseguirem viver juntos têm direito a que cada um deles respeite o outro” “todas as crianças têm direito a tentarem manter-se acordadas até tarde numa noite de verão na esperança de verem uma estrela cadente e pedirem três desejos”
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nuno_rosmaninho @ hotmail.com
Nuno Rosmaninho L ar N. Sra . De Fátima da Santa Casa da Miseric órdia de Reguengos de Monsara z
Lar N. Sra. De Fátima da Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz Quem Somos? Instituição fundada em 13 de Outubro de 1936 por um conjunto de cidadãos de Reguengos de Monsaraz reconhecedores da necessidade de um lar para “socorrer e proteger crianças, órfãs e filhas de famílias muito pobres”. A partir de 1980 passou a integrar a Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz até ao presente. Lar para Crianças e Jovens, de ambos os sexos, com capacidade para 40 utentes (24 sexo feminino e 16 sexo masculino) localizado em zona habitacional da cidade de Reguengos de Monsaraz. A Nossa Missão Acolhimento e enquadramento humano de crianças e jovens privados de meio familiar. Orientação Estratégica Trabalhar em parceria estreita com as famílias e com as autoridades e serviços, de modo a dotar cada criança com competências pessoais, emocionais, sociais e de aprendizagem. Institucionalização Concepção da institucionalização como uma medida de transição – mesmo que apenas tomada em idade avançada do adolescente – consubstanciada através da concepção, implementação e avaliação de projectos de vida individualizados. Modelo de intervenção 4 Fases
Fase antes da colocação na instituição, admissão e início da intervenção;
Fase de acompanhamento em instituição;
Fase de preparação para a saída;
Fase de acompanhamento após a saída.
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Funcionamento
Relevância do acolhimento e clarificação da tipologia de situações a atender; Enquadramento legal; Fazer da institucionalização uma resposta de passagem; Ajudar cada criança e adolescente a desenvolver um projecto pessoal de vida; Se possível colocar o retorno ao ambiente familiar no centro da actividade institucional; Articulação interinstitucional (Escola, GNR, Segurança Social,etc); Definição do perfil humano e técnico dos profissionais envolvidos e o modelo de compromisso a assumir na sua missão; Concepção e implementação de um plano de formação humana e técnico-profissional contínua; Definição de um modelo de avaliação que valoriza não só a componente técnico-profissional, mas também a verificação do cumprimento dos objectivos previamente assumidos e a avaliação dos resultados junto das crianças; Participação das crianças e jovens no planeamento, execução e divulgação das actividades; Fomentar liderança de afirmação de valores e de gestão eficiente e eficaz de recursos.
Organizar a Casa
Apesar da dimensão procura efectuar-se uma organização próxima de um domicílio familiar; A criança ou jovem é estimulado a expressar a sua vontade e as suas opções; Desenvolvimento de um espírito de grupo e de equipa procurando fomentar sentimentos de pertença; Preparação da chegada de novos residentes e do momento de acolhimento;
Definição de horários com as crianças e jovens;
Inclusão comunitária;
Visitas;
Articulação com os serviços de saúde;
Participação das crianças e jovens nas tarefas domésticas; Definição de espaços/tempos de lazer, recreativos e de trabalho.
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Desafios Futuros
Concepção e implementação de um Programa de Gestão de Voluntariado; Criação de apartamentos de inserção; Desenvolvimento do sistema de avaliação e de supervisão externa.
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dora.pereira @ chaodosmeninos.org
Dora Pereira
Associação “Chão dos Meninos”
Intervenção Familiar em Contexto de Centro de Apoio Familiar e Apoio Parental Chão dos Meninos
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Pressupostos
A manutenção da criança/jovem no seu meio favorece o seu bem estar e desenvolvimento Os pais e a própria criança ou jovem são os principais responsáveis pelo seu desenvolvimento O meio tem responsabilidade no desenvolvimento da criança e do jovem A criança/jovem a família e o meio são indissociáveis
DETECÇÃO PRECOCE
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Modelo Integral de Intervenção (Adaptado de Barudy, J., 1998)
Menos riscos…
Risco de hipotecar desenvolvimento dos membros (crianças como elementos mais vulneráveis) Risco de desestruturação/ruptura familiar
Modelo dos determinantes do comportamento parental (Belski e Isabella, 1988)
Características duma intervenção eficaz
tem de ser centrada na criança deve contemplar estratégias de prevenção e tratamento precoce deve ser focada no desenvolvimento da criança e na família deve ser levada a cabo num contexto comunitá-
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rio e conter um componente de desenvolvimento comunitário
deve ser organizada como um continuum de serviços
deve ser coordenada e planificada
deve ser sustentada por formação
CAFAP: que necessidade ?
Características das famílias actuais Isolamento social /precaridade da rede social de apoio Necessidade de desenvolver estruturas ao nível da prevenção primária e secundária das situações de risco / perigo para o desenvolvimento infantil
Metodologias de intervenção
Acordos de intervenção
Grupos de Pais
Mediação Familiar
Terapia Familiar
Apoio psicoterapêutico
Apoio socioterapêutico
Aconselhamento Parental
Mais Crianças, Mais Cidadãos do Séc. XXI
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PAINEL 2
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alice.c.cabral @ netvisao.pt
PAINEL 2 Alice Cabral
Centro Distrital de Solidariedade Social de É vora
Abusos e Maus Tratos Infantis Como pensar uma intervenção integrada e articulada
Quadro negro
900 crianças entre os 6 e os 14 anos prostituem-se – Relatório SIS Portugal bate record europeu de abandono esclar: em 2005 foram 41% Em 2005 a PSP detectou armas em 10 crianças com menos de 15 anos – são utilizadas no tráfico de armas e de estupefacientes. Não há nºs sobre tráfico de droga, mas cresce o nº de crianças usadas como correio de droga. Maus tratos – não há números fiáveis, mas existe a convicção de quem trabalha, que há cada vez mais.
Que fazer? Como manter a esperança
Conhecer
Reflectiro
Agir preventivamente
Agir na remediação
Avaliar
5 Problemas e sua Incidência No local
Factores Causais e Incidência local
Factores de risco e de protecção
Rede Social – um instrumento para um novo planeamento? Do planeamento centrado na instituição ao planeamento centrado na pessoa:
No Sec. XIX o modelo institucional baseava-se no princípio de protecção e da garantia da ordem. Era centralizado e pretendia retirar ao local a preocupação do planeamento, surgindo serviços descentralizados da administração central. As decisões eram tomadas pelos técnicos.
Johannes Schädler, From Disability planning to local participation planning
Novas tarefas de planeamento – conceitos antigos?
Planeamento tradicional: Lugares em instituição Instituições como parceiros do planeamento público
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Novo Planeamento: Soluções flexíveis
Parceiros planeamento: Rede social – Comissões locais Organizações de auto-representação
Só vejo aquilo que conheço
De que problemas estamos a falar?
Maus tratos físicos e/ou psicológicos
Negligência
Abuso sexual
As situações referidas no Art.º 3º, nº 2 da Lei nº 147/99 de 1.9. Todas eles podem deixar sequelas mais ou menos graves na criança
Resiliência Como se define
capacidade universal que permite a uma pessoa, a um grupo ou a uma comunidade, prevenir, minimizar ou ultrapassar os efeitos destrutivos da adversidade.
Edith Grotberg - A guide to promoting resilience in children
O que a promove:
garantia dos bens essenciais: comida e abrigo garantia de relações seguras que promovam as amizades e o compromisso:
amor e confiança
esperança
autonomia
C oló q u io
Fontes de resiliência na criança
Critérios de avaliação do risco Gravidade da situação
Em relação ao acto ou factos observados
Sequelas observáveis na a vítima
Características do contexto
Vulnerabilidade da criança ou jovem
Natureza da ligação agressor-vítima
Frequência dos contactos agressor-vítima
Risco de repetição do mau trato/abuso
Capacidade de protecção da(s) figuras parentais e do meio
Os pais reconhecem a existência duma situação de perigo
Estão motivados para protegê-la
Acreditam no que ela diz
Têm recursos para fazer cessar a situação
A criança tem uma pessoa significativa a quem recorrer e que possa assegurar a sua protecção evitando a repetição. Os serviços têm capacidade de evitar a repetição
Diagnóstico integrado e articulado
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Maus Tratos
Maus tratos = crime = denúncia obrigatória
O que denunciar?
Como fazer a denúncia?
A quem?
Denúncia – a quem?
Em primeiro lugar temos que ter a consciência de que não nos compete fazer investigação criminal – há entidades com competência nessa matéria: Polícias, PJ, DIAP. Quando temos uma suspeita, temos que observar os sinais – o guia distribuído dá-nos pistas de observação: dos indicadores físicos da criança, do seu comportamento e do do seu educador – figuras parentais ou outros adultos.
Denunciar o quê e como?
É importante ter um interlocutor com quem se fala, quando ficamos preocupados, para ponderar sobre o que fazer, como recolher informações e factos objectivos... Sobretudo em matéria de abusos sexuais a situação observada ou revelada tem um impacto grande nas pessoas ou técnicos...
Crise dos Técnicos O técnico pode ser tentado a fugir da criança ou ir chamar outras pessoas para ouvirem a “revelação” perturbadora.
Como pessoa de confiança é essencial ouvir tranquilamente a criança em privacidade
C oló q u io
Crises suscitadas
Conceito de abuso sexual
“Contactos ou interacções entre uma criança e um adulto, quando o adulto usa a criança para se estimular sexualmente a si próprio, à criança ou a outra pessoa. Pode ser cometido por um menor de 18 anos significativamente maior que a criança e em posição de poder ou controle sobre ela”
Definição proposta pelo “National Centre of Child Abuse and Neglect”, 1978
Afinal o que é abuso?
Uma das falsas crenças mais generalizadas é que abuso implica sempre penetração vaginal ou anal do pénis. O próprio Código Penal define várias outras formas de abuso que vão desde o exibicionismo às carícias e toques e/ ou fazer a criança observar actividades sexuais. É sempre um acto intrusivo no normal desenvolvimento psico-sexual.
Pressupostos da intervenção
A abordagem da situação tem que ter em conta os vínculos da criança à família O abuso sexual é um sindroma caracterizado pelo segredo e por comportamentos compulsivos por parte do abusador As acções dos serviços de intervenção social, judicial, médica, educativa e terapêutica têm que ser organizadas e concertadas. As medidas terapêuticas têm que ser planeadas no contexto das intervenções judicial e social e dirigidas a todo o sistema familiar.
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Complexidade
A intervenção de cada sector é importante e carece do desenvolvimento de competências específicas intra-sectoriais. A articulação do conjunto é imprescindível para a construção duma acção eficaz.
Diagrama - intervenção
Funções dos Serviços de Apoio PREVENÇÃO
Boas condições de parentalidade
Reforço das competências parentais
Cuidados antecipatórios
DETECÇÃO
Os serviços duma comunidade devem saber identificar, em conjunto, as situações de risco existentes no seu seio.
INTERVENÇÃO
Proteger
Desenvolver as competências
C oló q u io
Reduzir as sequelas
Prevenir recidivas
Apoiar a figura parental
Prestar-lhe apoio como “pai/mãe”
Prestar-lhe apoio como “pessoa”
Reforçar a relação pais/filhos
Mobilizar uma rede social de suporte
Apoiar o pai/mãe na identificação e concretização de medidas (supletivas, se necessário) para conseguir dar resposta às necessidades da criança. Prestar apoio à criança para o seu desenvolvimento respeitando as capacidades parentais.
Quando se afasta a criança
Preparar e prestar apoio na situação de afastamento da criança De acordo com o projecto de vida elaborado: Apoiar a família natural nos seus esforços para voltar a ter a guarda da criança Acompanhar os pais e a criança na definição e aceitação das modalidades de visita adaptadas ao projecto elaborado ou apoiar ambos no luto a fazer, se os contactos deverem cessar. Prestar apoio à criança e aos seus pais nas suas dificuldades pessoais.
Prestar apoio à família substituta tendo em vista as responsabilidades que vai assumir.
S.Constantineau 2002
Definição do projecto de vida Avaliação do grau de cumprimento do plano de intervenção com a participação:
da família
dos serviços implicados
Decisão
Os interesses da criança prevalecem sobre os direitos dos pais
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Beppo e Momo - “Vês, Momo, é assim: às vezes temos uma longa rua na nossa frente. Pensamos: que horror! É tão comprida! Nunca vou conseguir...” Ficou um momento parado, com o olhar vago e depois continuou: - “Depois começamos a andar à pressa. Cada vez mais à pressa. Olhamos para a frente e vemos que o caminho que falta não pára de crescer. Esforçamo-nos, ficamos cheios de medo e, perdemos o fôlego. E a rua ali está, à nossa espera. Não podemos fazer assim.” Beppo ficou um momento pensativo e depois disse: “Não podemos nunca pensar na rua toda, percebes? Temos que pensar apenas no próximo passo, como vamos respirar a seguir, na próxima varridela. Isso traz-nos alegria e alegres, a gente faz as coisas bem. De repente reparamos que a rua inteira já foi varrida e nem demos por isso. Michael Ende, Momo
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aurora.r.rodrigues @ mpublico.org.pt
Aurora Rodrigues Procuradora Adjunta do Departamento de Investigação e Ac ção Penal de É vora
PROTECÇÃO PENAL: CRIMES DE MAUS TRATOS E ABUSO SEXUAL É à luz dos direitos humanos e da dignidade essencial da pessoa humana que hão-de ser perspectivados os direitos da criança e o seu reverso que consiste na violação desses direitos para que o mundo só começou a parecer despertar decisivamente depois da 2ª Guerra Mundial, em virtude dos horrores e atrocidades que esta comportou. Não poderá, assim, deixar de se atentar em primeiro lugar no art. 1º, da Constituição da República Portuguesa, que institui como pilar primordial a dignidade da pessoa humana. Por outro lado, não podem deixar de se ter presentes os instrumentos de Direito Internacional como seja a Convenção Sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 20 de Novembro de 1989), que na medida em que foi assinada e regularmente aprovada, ratificada e publicada, vigora na lei interna portuguesa, nos termos do art. 8º da Constituição. De acordo com a mesma Constituição, é devida às crianças especial protecção contra a discriminação e a opressão e o exercício abusivo de autoridade na família e em outras instituições e “O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal” (art. 69º, nºs 1 e 2, da CRP - Infância). Como lhes reconhece, do mesmo modo que a todas as pessoas, por força do art. 25º, o direito à integridade pessoal. Art. 25º (direito à integridade pessoal)
1- A integridade moral e física das pessoas é inviolável. 2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos”. E lhes é reconhecido o direito ao desenvolvimento da personalidade, à identidade pessoal, e todos os outros direitos pessoais como o direito à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação (art. 26º). Em direito penal vigora o princípio da mínima intervenção. (“Nenhuma lei, e muito menos a penal, será estabelecida sem absoluta necessidade”, conforme tal princípio é enunciado na Constituição de 1822).(1) - (Teresa Beleza) No entanto, sempre haverá que criminalizar as condutas gravemente atentatórias dos direitos fundamentais e esse será o caso, com especial destaque, dos actos gravemente violadores dos direitos fundamentais e da dignidade das crianças, enquanto verdadeiros sujeitos de direitos próprios e autónomos, “mas também enquanto seres humanos particularmente vulneráveis e por isso especialmente carentes de tutela penal” (1) (Teresa Beleza) Apenas para que não esqueçamos que nem sempre juridicamente foi assim,
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e para que nos lembremos da necessidade de tal tutela, que longe estamos, felizmente de 1874 e do caso Mary Ellen de Nova Iorque. “Mary Ellen, uma menina de nove anos, de nova York, filha ilegítima, era constantemente espancada e negligenciada, passando quase todo o dia amarrada com correntes aos pés da cama. Tal facto não era considerado delito. Uma trabalhadora da caridade, recorreu à Sociedade Americana Para Prevenção da Crueldade com os Animais. Usou como argumento no processo judicial que a criança, pelo menos, merecia tanta protecção como um cão. Assim, em Setembro desse mesmo não, ganhou-se pela primeira vez um processo que representava o reconhecimento oficial do mau trato infantil.”(2) (Teresa Magalhães) Mesmo assim, hoje e num sentido geral, as crianças continuam a poder ser vítimas de toda a sorte de actos que lesam os seus direitos, desde logo o próprio direito à vida e à integridade física. Vejam-se os palcos de guerra, os campos de refugiados como Darfur, a fome em que as crianças são das vítimas mais vulneráveis. “A Declaração dos Direitos da Criança e a Convenção Sobre os Direitos da Criança parecem, face ao desolador panorama mundial, impotentes repositórios de piedosas intenções...(As crianças) são ainda vítimas de toda a espécie de falta de condições de desenvolvimento da sua personalidade na grande maioria dos países do mundo.” (1) (Teresa Beleza). Numa perspectiva médico-legal, “actos ou condições abusivas ou negligentes” poderão ser “quaisquer actos ou omissões por parte de indívíduos, instituições ou da sociedade e quaisquer circunstâncias resultantes destes actos ou omissões, que privam a criança dos seus direitos e liberdades e/ou interferem com o seu desenvolvimento” (Prof. David Gil -USA). (3) (Isabel Pinto Ribeiro). Nesses abusos ou maus tratos incluem-se os físicos, nutricionais, sexuais, emocionais, a omissão de cuidados de higiene e de cuidados médicos e o síndroma de Munchausen por procuração. (3) (Isabel Pinto Ribeiro) No entanto, de acordo com o nosso quadro legal, a tais abusos/maus tratos correspondem diferentes tipos legais de crime e punições diferentes merecendo tutela bens jurídicos distintos que são autonomizados e identificados diversamente, como sucede, por exemplo, com o abuso sexual, com o sequestro, relativamente a outras situações de maus-tratos, que muitas vezes coexistem com aqueles. Nessas situações, estando em causa bens jurídicos diferentes, o agente comete o crime de maus tratos e também o(s) crime(s) contra a liberdade ou autodeterminação sexual ou, por exemplo, a verificarem-se os respectivos pressupostos, o(s) crime(s) contra a liberdade. Assim, a definição legal de maus tratos: Art. 152º, do Código Penal
“1 - Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência ou gravidez, e: a) lhe infligir maus tratos físicos ou a tratar cruelmente; b) a empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou c) a sobrecarregar com trabalhos excessivos, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos(...)”.
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Pode ser intra-familiar ou em contexto diferente, desde que se verifiquem as relações de guarda, cuidado, dependência, hierarquia enumerados e a conduta consiste em, por um lado, maus tratos físicos ou tratamento cruel (onde se incluem maus tratos psíquicos) e por outro lado trabalhos ou actividades perigosos, excessivos, proibidos ou que atentem contra a dignidade da pessoa humana. A esta norma passam a corresponder, na nova redacção do Código Penal, no essencial, por um lado, o crime de violência doméstica (nova redacção do art. 152º, com a epígrafe “violência doméstica”) nos casos em que a vítima seja menor e que sejam praticados por pessoas que coabitem com a criança e, por outro lado, num novo art., o 152º- A, com a epígrafe “maus tratos” que se reporta a situações de maus tratos fora do contexto familiar ou de coabitação (por exemplo, institucionais). A conduta passa a ser caracterizada por “infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais” e tratamento cruel, trabalhos ou actividades perigosos, desumanos, proibidos ou que impliquem sobrecarga excessiva. Quer o artigo 152º, quer o 152º- A, prevêem e punem aquelas condutas quando praticadas contra menores mas também contra outras pessoas, designadamente numa relação intrafamiliar ou num contexto de violência de género, ou por razões de especial vulnerabilidade do(a) ofendido(a). O direito penal português não usa habitualmente a palavra “crianças”, embora o faça esporadicamente. Usa, antes, normalmente o termo “menor”. Nem a Constituição nem o Código Penal definem o conceito de criança, Esse conceito deve ser interpretado de acordo com a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989: “Criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.” O Código Penal Português autonomiza, enquanto vítimas de crimes, os menores face aos maiores e cria barreiras de idade para determinados tipos de crimes de que são vítimas crianças, sendo a barreira dos 14 anos particularmente relevante no que diz respeito aos crimes sexuais. (1) (Teresa Beleza). De acordo com a nossa lei penal, tendo essencialmente como critério a referida barreira da idade, há duas categorias principais nos crimes sexuais: os crimes contra a liberdade sexual e os crimes contra a autodeterminação sexual. Nos primeiros são “punidos comportamentos que atentam contra o direito de cada pessoa a decidir livremente da sua vida e prática sexuais e no segundo condutas que incidem sobre vítimas que, atendendo à idade, se entendeu não estarem ainda em condições de se autodeterminar sexualmente, pelo que, mesmo na ausência de qualquer meio explicitamente violento, de coacção ou fraudulento, serão susceptíveis de prejudicar o livre desenvolvimento da sua maturidade e vida sexuais. A fronteira foi situada nos 14 anos de idade, idade abaixo da qual o legislador entendeu ser sempre prejudicial para tal desenvolvimento sujeitar o menor a um qualquer dos comportamentos previstos no crime de abuso sexual de crianças” (4) (Rui do Carmo). Art. 172º, do Código Penal (que passa a corresponder ao art. 171º):
“1- Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2 - Se o agente tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor de 14 anos é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.”
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É punida também especialmente, nesse preceito, a actuação perante ou sobre menor de 14 anos com conversa obscena, escritos, material pornográfico e a importunação ou exibicionismo. O mesmo preceito prevê a agravação, havendo intenção lucrativa do agente. Convém referir que a reforma do Código Penal vem reforçar o conceito de acto sexual de relevo, neste preceito legal, como noutros crimes sexuais, com a introdução de objectos e partes do corpo (“Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos (...) - nova redacção). A norma que prevê o abuso sexual de crianças constitui o paradigma do abuso sexual contra crianças no que respeita às condutas contra a autodeterminação sexual delas. Porém, haverá que referir que, para além dessa barreira/fronteira dos 14 anos, outras condutas podem ser praticadas contra jovens de idade superior a 14 anos, até ao limite dos 18 anos, em que “com a menoridade concorrem outros factores que ofendem o direito a decidir livremente da sua sexualidade” e que são, ainda, atentatórias da autodeterminação sexual dos jovens (por exemplo: abuso sexual de menores dependentes (menor de idade compreendida entre os 14 e os 18 que tenha sido confiado ao agente do crime para educação ou assistência - art. 173º, que passa com a reforma do Código Penal para art. 172º); lenocínio e tráfico de menores (art. 176º, passando a estar previstas tais condutas nos arts. 175º e no art. 160º, nº2 - “tráfico de pessoas”); actos sexuais com adolescentes ( entre os 14 e 16 anos, desaparecendo com as alterações do Código Penal, o crime de actos homossexuais com adolescentes). (4) Rui do Carmo. Como alteração de grande importância relativamente ainda às condutas atentatórias da autodeterminação sexual, ressalta a introdução, com as alterações do Código Penal, de um preceito novo, o art. 174º, que passa a punir o “recurso à prostituição de menores, na faixa etária entre os 14 e 18 anos. E não poderá deixar de referir-se que os menores de 14 anos podem também ser vítimas de crimes contra a liberdade sexual stricto sensu quando se verificar o uso de violência, ameaça grave ou a vítima tiver sido tornada inconsciente ou posta na impossibilidade de resistir, o que caracteriza a coacção sexual e a violação, consoante haja ou não cópula, coito anal ou coito anal ou, com a nova redacção, introdução vaginal ou anal. Da definição de abuso sexual, convém reter que se trata da exploração sexual de uma criança com a finalidade de gratificação pessoal ou com fins lucrativos.(3) (Isabel Pinto Ribeiro). Convém reter também que se trata de um “maltrato infantil que abarca várias dimensões: médica, social, legal e psicológica”.(5) (Isabel Alberto). Sendo um mau trato e sendo-o numa das formas mais graves de maus tratos e mais gravemente atentatória da dignidade e da integridade física e moral, recebe no nosso ordenamento jurídico um tratamento autónomo, em que o bem jurídico protegido são a liberdade e autodeterminação sexuais e com tipos legais de crime a que em regra correspondem, em abstracto, penas mais graves, em concurso com o crime de maus tratos ou violência doméstica quando também ocorra, como frequentemente sucede e com punição de todos os actos quanto tiverem sido praticados, por se tratar da violação de bens jurídicos eminentemente pessoais e por haver uma conduta grave por parte de um adulto para com uma criança, cuja gravidade, quer da ilicitude por parte do agente, quer das consequências para a vítima, aumenta, por regra com a reiteração. Quanto ao agente do crime “o primeiro esclarecimento acerca da designação
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de pedófilo é o de não o confundir com uma adulto abusador de crianças, que é melhor descrito como “qualquer adulto que tenha contactos sexuais com crianças pré-púberes”. Este “qualquer adulto” vai incluir pedófilos e não pedófilos, ou seja há adultos que abusam sexualmente de crianças mas não o fazem porque sejam pedófilos mas sim por uma variedade de outros motivos (por exemplo, os violadores)”.(6) (Afonso de Albuquerque) “ O abuso sexual pode acontecer dentro da família (intrafamiliar ou incestuoso) com as suas próprias crianças (consanguíneas ou por afinidade) ou com crianças fora da família (extrafamiliar). “ (6) (Afonso de Albuquerque). “ De realçar que todos os estudos apontam para que o intrafamiliar seja mais frequente. Uma outra diferença entre estes dois grupos é que no intrafamiliar a maioria das vítimas são raparigas enquanto no extrafamiliar são rapazes e raparigas em números equivalentes. Isto significa que no conjunto geral a maioria das vítimas de abuso sexual são do sexo feminino” (6) (Afonso de Albuquerque). “ Desde 1996 que se assiste em Portugal ao aumento substancial dos indivíduos condenados por abuso sexual de crianças e adolescentes, não significando necessariamente um aumento desses crimes mas uma maior denúncia pelas vítimas, família e população.”(6) (Afonso de Albuquerque) Afonso de Albuquerque chama a atenção para o efeito “Casa Pia”, que se começou a sentir a partir de 2002. Em 2002, houve, contabilizados, 363 inquéritos por abuso sexual de crianças, em 2003, houve 527 inquéritos e, em 2004, houve 1075.(6) (Afonso de Albuquerque) Um outro aspecto que convém ter sempre presente é a especial vulnerabilidade e exposição às situações de toda a sorte de abusos e também de abuso sexual das crianças e jovens institucionalizados porque desprovidos de meio familiar normal, a quem o Estado tem de assegurar, por imperativo constitucional (art. 69º, nº2, da CRP), especial protecção para seu desenvolvimento integral e harmonioso e salvaguarda da dignidade ( que não um mero depositário até à maioridade) . Finalmente, falarei da necessidade de intervenção articulada entre diferentes áreas do saber e entre os técnicos que intervêm nessas áreas, com respeita pela autonomia própria de cada um. Sem essa intervenção articulada, a punição por si nem teria sequer um efeito reparador e poderia inclusivamente não se saber do que se está a falar quando, na situação concreta, houver que falar de abuso sexual de criança. Essa intervenção articulada terá também em vista que a criança não seja repetidamente ouvida por todos os intervenientes no processo de modo a que não seja “castigada” por quem tem o dever de a proteger, havendo que lançar mão de todos os mecanismos que obstem a essa múltipla vitimização. É que se é fácil definir cópula, coito oral ou coito anal, ou introdução com objectos, nem sempre assim sucede com todo o acto sexual de relevo. Essa interacção e intervenção articulada têm de estar presentes em todas as fases do processo, sem esquecer que a conduta que levou à intervenção no caso de abuso sexual de crianças constitui crime. E, se já podia o Ministério Público dar início ao processo quanto a menores com idade inferior a 16 anos sempre que o interesse da vítima o impusesse, o que se traduzia num carácter público híbrido do crime, com a reforma do Código Penal, os crimes sexuais contra crianças passam a ter natureza pública, com excepção dos actos sexuais com adolescentes (art. 173º). Uma breve nota para a pornografia de menores:
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Conforme assinala Afonso de Albuquerque, a pornografia infantil tem vindo a aumentar de forma maciça nos últimos anos, e Portugal aparece numa posição perigosamente avançada entre os países que vêm sendo estudados em número de sites na Internet. (6) Para além das dificuldades inerentes à investigação deste tipo de criminalidade, havia a dificuldade acrescida de não ser punida a mera detenção “para consumo” de material de pornografia infantil. Com a reforma do Código Penal passa a ser punida também a mera aquisição ou detenção de material pornográfico infantil, independentemente do seu suporte (art. 176º).
1 Teresa Pizarro Beleza - “A Protecção penal de crianças no Direito Interno Português” -
III Encontro de Mulheres Juristas dos Países Lusófonos, Lisboa, 24 a 26 de No-
vembro de 1994
2 Teresa Magalhães - Maus Tratos em Crianças e Jovens, Colecção Saúde e Sociedade, Guia Prático para Profissionais,
Quarteto Editora, Abril de 2002, pág. 28
3 Isabel Pinto Ribeiro - “Síndroma da Criança Maltratada”, Centro de Estudos Judiciários, 2000/2001
4 Rui do Carmo - “O Abuso Sexual de Menores - Uma Conversa Sobre Justiça Entre o Direito e a Psicologia” 2ª edição,
Edições Almedina, Março de 2006
5 Isabel Alberto - “O Abuso Sexual de Menores - Uma Conversa Sobre Justiça Entre o Direito e a Psicologia” 2ª edição,
Edições Almedina, Março de 2006
6 Afonso de Albuquerque (Prefácio de John Bancroft) - “Minorias Eróticas e Agressores Sexuais”,
Publicações D. Quixote, Setembro de 2006
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apfalentejo @ sapo.pt
Sara Nasi Pereira Associação Planeamento Familiar do Alentejo
Projecto Preservamigo: Uma Estratégia de Intervenção pelos Pares A Associação para o Planeamento da Família (APF) é uma organização não governamental, com o estatuto de IPSS, criada em 1967 e que tem como principal objectivo contribuir para que as pessoas possam fazer escolhas livres, responsáveis e conscientes na sua vida sexual e reprodutiva. Neste sentido, promove a igualdade de direitos e oportunidades entre as mulheres e os homens assim como o acesso de todos à saúde sexual e reprodutiva através da intervenção e acção social. A APF desenvolve as suas actividades em sete delegações regionais Açores, Alentejo, Algarve, Centro, Lisboa, Madeira e Norte – assim como nos Serviços Centrais. A Equipa é constituída por profissionais de diferentes áreas de formação. A APF Alentejo desenvolve os seus projectos através de diferentes actividades. A nossa mais recente valência, o novo Espaço APF, situado no Bairro da Cruz da Picada, em Évora, pretende ser uma resposta na área da Saúde Sexual e Reprodutiva (SSR). Neste sentido, funciona actualmente, neste Espaço APF, o Projecto Pais e Filhos com Companhia Ilimitada, que visa o aconselhamento em SSR dirigido a adultos e famílias, bem como a promoção de competências parentais, com a dinamização de workshops sobre questões ligados à primeira infância, cursos de preparação para o parto e de recuperação no pós-parto, massagens para bebes. A APF Alentejo actua também ao nível da Formação em SSR e Educação Sexual, apoio técnico e/ou material de Profissionais de Saúde e Educação, atendimento e aconselhamento a jovens sobre SSR, sempre numa perspectiva de prevenção do risco associado ao comportamento sexual e promoção de uma vivência positiva da sexualidade. Desde 2005, desenvolvemos na APF Alentejo, um Projecto chamado “PreservAmigo”, financiado pelo Programa ADIS/SIDA, dirigido aos jovens da região Alentejo, entre os 15 e os 24 anos. Através de uma metodologia de prevenção/acção inter-pares, o projecto PreservAmigo pretende responder a necessidades de informação e educação dos jovens alentejanos, dando-lhes competências para fazerem escolhas livres e conscientes na sua vida sexual e reprodutiva, que lhes permitam prevenir os riscos associados à sexualidade, nomeadamente a infecção pelo VIH e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Este objectivo de idade específico é justificado pelo facto de cada dia, mais de 6000 pessoas jovens no mundo inteiro entre 15 e 24 anos ser infectado, o que corresponde, conforme a Organização Mundial de Saúde, a 50 % das novas infecções por VIH/SIDA. Estima-se também que um terço dos casos de gravidez adolescente resultarão em aborto, metade dos quais sem as devidas condições de higiene e segurança sendo que 65% dos jovens não previram a sua primeira relação. Estes são alguns dos dados que justificam o Projecto PreservAmigo, que já vai no seu terceiro ano de existência.
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A Educação pelos pares adequa-se à metodologia deste projecto uma vez que foca a sensibilização e compreensão sobre sexualidade, SSR e VIH/SIDA e pode ser alargada a uma ampla gama de grupos. Este tipo de intervenção tem a vantagem de poder ser aplicada em diferentes contextos, capacitando os jovens para examinarem as suas próprias atitudes e comportamentos, bem como os dos outros. Actualmente, encontram-se constituídos os grupos de jovens Promotores de Saúde Sexual e Reprodutiva, decorrentes das actividades realizadas no âmbito do Projecto de Formação PreservAmigo. Estes grupos desenvolvem acções de prevenção/sensibilização, numa metodologia inter-pares, realizada sobre a forma de sessões formativas ou através de eventos pontuais em espaços de lazer frequentados pelo público-alvo (praças, ruas, bares, feiras, piscinas e festas académicas). Estas acções concretizam-se através da abordagem directa de pares, actividades lúdico-pedagógicas, distribuição de materiais informativos e preventivos e actividades de expressão artística. Um dos aspectos chaves desta abordagem é que os educadores de pares devem ter a mesma idade e experiências semelhantes às do grupo-alvo. Para tal, em grande parte destas acções temos recorrido ao jogo “Sexualidade à Roda”, desenvolvido no âmbito do projecto PreservAmigo que privilegia a intervenção centrada na educação inter-pares, que tem a vantagem de poder ser realizada sobre a forma de sessões formativas ou através de eventos pontuais (festivais, eventos desportivos); Assim, “Sexualidade à Roda” é pensado por Jovens Promotores de SSR indo de encontro às necessidades, às dúvidas, aos medos e aos mitos do grupo alvo. Este jogo tem sido avaliado pelo público-alvo como divertido, adequado, atractivo e esclarecedor. Para o futuro, pretende dar-se continuidade às actividades já desenvolvidas, acrescentando a estas uma nova linha de intervenção, centrada na dinamização de um Gabinete de Apoio à Sexualidade: Afectos à Quarta. Este Gabinete prevê a promoção e aconselhamento sobre a saúde sexual e reprodutiva, bem como a prevenção de comportamentos de risco, associados à infecção pelo VIH/ SIDA. Outros voluntários, Jovens Promotores de SSR, constituíram um grupo de actores salientando-se daqui mais uma vantagem da educação pelos pares, que permite a utilização de diferentes técnicas, como as dramatizações, debates, dinâmicas, simulação de situações, como forma de promover a modificação de comportamentos. Medos, dúvidas e ansiedades… Estas são as palavras-chave que estão na origem do espectáculo concebido por jovens voluntários entre os 14 e os 17 anos também com formação em áreas como a sexualidade, IST’s e prevenção de riscos associados ao comportamento sexual. Cenas e Contracenas é o nome de um espectáculo onde através do teatro vive-se e revive-se, sente-se e questiona-se a nossa postura em relação à vida, à nossa sexualidade, aos nossos preconceitos. O primeiro amor, a alma gémea, a primeira vez, a gravidez não desejada… As aventuras e desventuras de um grupo de jovens que se perdem num mundo de questões por resolver, onde os sentimentos e incertezas são uma constante. É no palco que se desmistificam crenças relativas à sexualidade, próprias das relações humanas. Destinado ao público jovem, este espectáculo visa alertar e despertar para questões como os métodos contraceptivos, as infecções sexualmente transmissíveis, as inseguranças e as dúvidas que surgem nestas idades. A APF Alentejo aposta nas artes em geral, e no teatro em particular, como sendo um veiculo privilegiado para a sensibilização desta temática junto ao público-alvo. Segundo o manual Theatre-Based Tecchniques for Youth Peer Education: A Training Manual, produzido pela Y-Peer “o termo teatro na educação refere-se ao uso do teatro de forma mais abrangente, para
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além do entretenimento de um público”. O teatro na educação tem como finalidade a mudança de conhecimentos, atitudes e comportamentos do público”. No contexto deste manual, o objectivo do teatro na educação é melhorar a saúde reprodutiva dos jovens, a prevenção do VIH, e reduzir o estigma e a discriminação adjacente a uma gravidez não desejada ou à infecção pelo VIH. Neste sentido, o espectáculo de teatro Cenas e Contracenas tem desempenhado uma actividade de extrema importância nestas mudanças, enquadrando-se sempre nos objectivos do Projecto PreservAmigo e passando a palavra a muitos jovens. Desde a estreia deste espectáculo até ao momento, muitos foram os contactos recebidos para levar este grupo a várias localidades da região Alentejo. O feedback que nos tem chegado é sem dúvida muito positivo, o que nos faz crer que o recurso ao teatro numa perspectiva de prevenção/educação é bem recebido e desejado! A metodologia inter-pares revela-se adequada a este projecto sendo que os jovens se sentem mais à-vontade discutindo com os seus pares. Os Educadores de pares estão bem posicionados para escutar e responder às necessidades dos seus colegas e servem de elo de ligação com os serviços de saúde e de apoio. Esta relação, além da transmissão de mensagens sobre saúde, pode também fornecer apoio mútuo perante problemas e desafios. O Projecto PreservAmigo caracteriza-se por uma participação activa dos jovens voluntários, adequando-se ao carácter sensível do trabalho em SSR. Os modelos de aprendizagem em que se baseia são activos, não recorrendo apenas ao ensino. Pode ser sistematicamente adaptado para ir ao encontro das necessidades específicas dos jovens marginalizados enquanto promove mensagens que reflectem a realidade da vida das pessoas envolvidas. Algumas das dificuldades sentidas ao longo do projecto são relativas à rotatividade dos voluntários e ao facto destes nem sempre terem a disponibilidade necessária para um trabalho contínuo. Como foi referido anteriormente, todos os voluntários têm formação, o que implica que cada vez que um jovem se oferece como voluntário, seja preciso oferecer-lhe formação na área. Depois de formado, este jovem pode continuar ou não a ser voluntário e a participar no projecto. Mesmo quando não existe a disponibilidade para continuar a ser voluntário, fica a certeza de que a formação disponibilizada lhe permitiu adquirir conhecimentos e competências para a vida, e o critério de as fazer valer depende apenas dele. Do contacto que vamos mantendo com alguns destes formandos, sabemos que continuam a fazer valer estas competências junto dos seus pares, mas também a nível académico e profissional. Através da Educação pelos Pares pretende-se que os jovens adquiram competências que os acompanhem ao longo da sua vida. Espera-se que fiquem capacitados para resistir às pressões sociais, negociar o uso do preservativo e que saibam usar e escolher entre as medidas contraceptivas. Deste modo, potencializa-se os jovens e mudar o seu comportamento sexual e reprodutivo. A Equipa do Projecto PreservAmigo/APF Alentejo
Ana Catarina Araújo – Coordenadora
Sara Nasi Pereira – Psicóloga
Glória Costa Silva – Actriz/Encenadora
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scmarraiolos @ hotmail.com
Elisabete Correia Nuno Silva Equipa de Intervenção Precoce de Arraiolos Santa Casa da Miseric órdia de Arraiolos
Projecto de Intervenção Precoce de Arraiolos Intervenção Precoce Despacho Conjunto 891/99
Medida de apoio integrado, centrado na criança e na família, mediante acções de natureza preventiva e habilitativa, no âmbito da educação, saúde e acção social.
Destinatários
Crianças dos 0-6 anos com deficiência ou em risco de atraso grave de desenvolvimento; Famílias
Objectivos
Assegurar condições facilitadoras do desenvolvimento da criança com deficiência ou em risco de atraso grave de desenvolvimento; Potenciar a melhoria das interacções sociais e familiares; Reforçar as competências familiares como suporte da sua progressiva capacitação e autonomia face à problemática da deficiência
Organograma da Intervenção Precoce
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A intervenção precoce no concelho de Arraiolos Equipa de coordenação concelhia de Arraiolos:
Sta. Casa da Misericórdia de Arraiolos
Segurança Social
Centro de Saúde de Arraiolos
Câmara Municipal de Arraiolos
Agrupamento de Escolas de Arraiolos
A equipa reúne para programar, supervisionar e avaliar o desenvolvimento da intervenção precoce no concelho de Arraiolos
Constituição da equipa de intervenção directa
2 educadoras de apoio educativo - ME
1 psicólogo – Saúde
1 terapeuta da fala – Saúde
1 Fisioterapeuta - Saúde
1 educadora social – St. C. M. Arraiolos
1 enfermeira - Saúde
1 técnica serviço social – Saúde
1 técnica serviço social – St. C. M. Arraiolos
A equipa directa reúne semanalmente
Área de intervenção SOUSEL
MORA
ESTREMOZ
Vimieiro
Sabugueiro
Santana do Campo
Aldeia S. Gregório da Serra Santa Justa ESTREMOZ
Arraiolos Gafanhoeira
Ilhas
Igrejinha REDONDO
Barragem do Divor
MONTEMOR-O-NOVO
ELVAS ESPANHA
ÉVORA MONTEMOR-O-NOVO LISBOA
Quem encaminha?
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Fluxograma da intervenção
O papel do Psicólogo
O Papel do Terapeuta da Fala
O papel do Técnico de Educação Social Trabalho com os técnicos da equipa
Participar na selecção de casos e intervir de acordo com a avaliação. Actualizar e aprofundar conhecimentos básicos fundamentais para o diagnóstico real dos agregados;
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Participar na elaboração do plano e relatório anual da EID e acções necessárias; Facilitar e solicitar informação referente a cada situação; Apoiar os “responsáveis de caso” na execução dos planos.
Trabalho com a família
Apoiar a organização da vida quotidiana dos agregados;
Identificar competências e necessidades da família;
Dinamizar as potencialidades da família;
Elaborar P.I.F.’s
O papel do Educador de Infância
Intervenção nos diferentes contextos (Domicílios, Creche/Jardim-de-infância, outros)
Contextos domiciliários:
Potenciar a melhoria das interacções familiares;
Reforçar as competências familiares
Ajudar a lidar com as dificuldades/problemas
Intervenção integrada nas dinâmicas privilegiando:
a comunicação
interacção positiva
a reflexão
Intervenção com a criança:
Minimizar as dificuldades/problemas
Partir dos pontos fortes
Desenvolvimento global/ áreas curriculares /necessidades especificas de educação
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Documentos necessários à intervenção Dossier da criança:
Ficha de identificação
Autorização da família/ encarregado de educação
Recolha de dados de caracterização da criança/família (contactos com a família, educadores). Instrumentos de recolha de dados, escalas de avaliação (Anamnese, Genograma, Ecomapa…) Ficha de Utentes de Intervenção Precoce Relatórios das observações/avaliação, encaminhamentos etc.
PIAF
Programa Educativo
Relatório Individual da criança/aluno
Relatório final da intervenção – transição para o 1º ciclo
Documentos necessários docentes/ técnicos
Plano de actividades
Relatório de actividades
“ C r i a nç a s do S é c u lo X X I : N o v os C id a dãos ? ”
C ol贸 q u io
PAINEL 3
acardoso @ cm-arraiolos.pt
Ana Cardoso
Núcleo de Apoio à Família e C omunidade de Arraiolos
EXPERIÊNCIA DE UMA ESTRATÉGIA DE ACÇÃO INTEGRADA E ARTICULADA DE SERVIÇOS EXISTENTES NA COMUNIDADE Tecendo Redes Quem Somos? um grupo de trabalho validado pelo Conselho Local de Acção Social de Arraiolos (Rede Social), coordenado pela Câmara Municipal de Arraiolos, composto por uma equipa multidisciplinar com técnicos de diferentes áreas e serviços/ instituições, designadamente: sociologia ( Câmara Municipal de Arraiolos), serviço social ( Centro de Saúde de Arraiolos, Santa Casa da Misericórdia de Arraiolos, Segurança Social) educação social (Santa Casa da Misericórdia de Arraiolos) e educação (Agrupamento de Escolas de Arraiolos)
Que objectivos ?
analisar situações e agregados familiares com problemáticas diversas
procurar respostas articuladas e integradas
optimizar os recursos existentes
tornar as acções/intervenções mais eficazes e efectivas
Como intervimos ? Princípios:
Autonomia
Confiança
Diálogo
Partilha
Negociação
Abordagem
Em rede
Em articulação e coordenação
Utilizando uma metodologia activa e multidisciplinar
“ C r i a nç a s do S é c u lo X X I : N o v os C id a dãos ? ”
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Acções
atendimento integrado;
visitas domiciliárias integradas;
análise e discussão das situações apresentadas numa perspectiva sistémica e multidisciplinar ,procurando respostas integradas e articuladas;
acompanhamento e avaliação das intervenções;
encaminhamentos de casos;
articulação com serviços/instituições locais e regionais
Ficha do Processo - conteúdos
Mais Valias
Uma maior rentabilização dos recursos
Co-responsabilização das instituições
Respostas mais rápidas e eficazes nos acompanhamentos Não sobreposição de intervenção dos serviços Valor adicional ao desempenho dos diferentes técnicos
Acreditamos que tecendo redes mais fortes, trabalhando numa lógica de entendimento do Homem numa perspectiva ontológica e não reducionista e fragmentada, decerto edificaremos uma sociedade mais justa onde as crianças possam ser os construtores da sua própria história e cúmplices na construção da história das próximas gerações. Serão estes os cidadãos do futuro?
C oló q u io
rosalina @ uevora.pt
PAINEL 3 Rosalina Costa
Departamento de Sociologia da Universidade de É vora
A Criança e a Infância do(s) nosso(s) mundo(s)
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“Que significa o mundo para vocês?” No filme Favores em Cadeia , o professor de Estudos Sociais, naquela que é a primeira aula, inicia uma conversa com os alunos tendo como ponto de partida o nome da disciplina: “...esta disciplina é de Estudos Sociais. Isso significa vocês e o mundo. Existe um mundo lá fora e mesmo que decidam que não o querem conhecer, vão ser forçados a isso. Acreditem em mim. Portanto, é bom que comecem a pensar sobre o mundo e o que ele significa. Que significa o mundo para vocês?”
Do diálogo entre professor e alunos que se estabelece daí em diante, percebemos que para essas crianças “o mundo” significa um espaço de interacção plural, de significados múltiplos e socialmente diferenciado: a aula, a casa, a rua, o centro comercial ou a cidade. Compreendemos, assim, como falar da criança e da infância implica, necessariamente, identificar, caracterizar e compreender o contexto em análise, bem como aquele a partir do qual nos posicionamos, ou seja, o reconhecimento de como a criança e a infância são socialmente construídas. Mas esta tarefa não é, nem pode, ser fácil. E porquê? Antes de mais porque lidamos com um conjunto de imagens préconcebidas, e quer queiramos quer não, tais imagens condicionam o modo como olhamos a realidade. Depois, porque a realidade não é unidimensional mas multidimensional, e muitas vezes paradoxal, congregando num mesmo espaço e tempo experiências que pertencem, do ponto de vista da representação social, a “mundos” diferentes, ainda que histórica e socialmente enquadrados no “mundo ocidental”.
Este texto retoma e sintetiza algumas das principais reflexões que nortearam a comunicação apresentada pela autora no Seminário Crianças do século XXI: novos cidadãos?, organizado pelo Agrupamento MONTE em Dezembro de 2006. Título original Pay It Forward, EUA, 2000 (Direcção: Mimi Leder; Elenco principal: Kevin Spacey, Helen Hunt, Haley Joel Osment; Duração: 132 min; Cor). Favores em Cadeia, (71) 00:07:34,076 (77) 00:08:00,471. Utilizamos aqui a expressão “mundo” na acepção que lhe é dada pelo Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea (2001) da Academia das Ciências de Lisboa e Fundação Calouste Gulbenkian: “sociedade humana considerada numa época precisa ou num espaço determinado” ou “ambiente ou enquadramento inerente a uma actividade específica […]”.
“ C r i a nç a s do S é c u lo X X I : N o v os C id a dãos ? ”
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De que cores se pinta a criança e a infância? Numa história infantil intitulada “As palavras cor-de-rosa e as palavras cinzentas” , inexplicavelmente certo dia as “palavras cor-de-rosa” (palavras delicadas como “Obrigado”, “Faça favor”, “Se não se importa”, “És tão importante para mim”, “Amo-te”, “Penso em Ti”, etc.) deixaram de habitar o planeta para darem lugar às “palavras cinzentas” (“Cabeça de alho chocho”, “Não me chateies”, “Cala o bico”, “Vá pregar a outra freguesia”, “Já não gosto de ti” ou “Acabou tudo”). Como nesta história, tendemos muitas vezes a olhar para a criança e para a infância a partir de um olhar dicotómico e redutor: a criança desejada e a criança indesejada, a criança feliz e a criança infeliz, a criança incluída e a criança excluída, a criança bem tratada e a criança vítima de maus-tratos, a criança saudável e a criança em risco, as nossas crianças e as crianças dos outros, etc., etc.. A “criança e infância cor-de-rosa” versus a “cinzenta” é uma metáfora que aplicamos (de modo grosseiro, como veremos) ao nosso próprio mundo e aos mundos em que crianças e adultos estão inseridos: o “mundo da família” e o “mundo da escola”, o “mundo da casa” e o “mundo da rua”, o “mundo do trabalho” e o “mundo do não trabalho”. Vejamos como alguns desses “mundos”, ora “cor-de-rosa”, ora “cinzentos”, não são, como à primeira vista poderia parecer, monocromáticos. Desde logo, são muitas as fragilidades de uma oposição absoluta entre o “mundo da família” e o “mundo da escola”, entre filhos e alunos, pais e professores, emoção e razão, ou saber familiar e escolar. Escola e família não são mundos à parte. Simultaneamente palco e bastidores, vivem dentro um do outro, fazendo parte de um mesmo mundo para a criança. Há, indiscutivelmente, uma cumplicidade histórica entre família e escola, a família está dentro da escola, como também a escola está dentro da família . As crianças transportam a sua posição social de partida, a família que têm (ou não têm, como também a que gostariam de ter), aquela onde nasceram, cresceram ou vivem para a escola e para as suas trajectórias escolares. Do mesmo modo, levam nas suas mochilas para casa muito mais que os “T.P.C.”. Transportam toda a escola para a família: os professores, os colegas, os auxiliares e toda a teia de experiências de que se tece o quotidiano na escola e da escola. A mobilização educativa e a pedagogização do quotidiano das famílias são bem exemplo disso . Por outro lado, é necessário “encarar-se a escola como um lugar de vida, como espaço de construção de identidade infantil ou juvenil e de cultura de pares, e não apenas como um lugar de instrução.” . E isto torna-se tanto mais verdade quanto, numa sociedade envelhecida como é a nossa, as crianças crescem cada vez mais isoladas do ponto de vista geracional e colateral, isto é, convivem menos com irmãos e primos, de modo que a escola e os contextos educativos em sentido amplo são, para muitas delas, “a plataforma privilegiada (exclusiva?) de contacto, conhecimento e sociabilidade entre pares” , onde a criança percebe a diversidade étnica, cultural ou familiar que a rodeia e nela se situa. Também a distinção entre o “mundo do trabalho” e do “não trabalho” é, para as crianças, mais permeável do que aparenta. É certo que a afirmação da escola moderna – pública e obrigatória – é indissociável da ideia de disponibilidade absoluta das crianças para a escola, afastando-as dos processos Tradução e adaptação de Sophie Carquain (2003), Petites Histoires pour Devenir Grand, Paris : Albin Mi-
chel, no âmbito do Projecto “Abrir as portas ao sonho e à reflexão”, promovido por O Clube de Contadores de Histórias (Biblioteca da Escola S/3 Daniel Faria – Baltar). E-mail: contadoreshistorias@gmail.com
A. N. de Almeida (2005), «O que as famílias fazem à escola… pistas para um debate» in Análise Social, vol. XL (176): pp. 579-593.
Montandon e Perrenoud, 2001 apud Almeida, 2005. A. N. Almeida e M. M. Vieira (2006), A Escola em Portugal – Novos Olhares, Outros Cenários, Lisboa: ICS, p. 83.
Almeida e Vieira, 2006, p. 83.
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de aprendizagem das tarefas agrícolas, oficinais ou domésticas10. Mas nem sempre a escola afasta a criança do trabalho, até porque esta ideia é, em si mesmo, paradoxal, na medida em que, como afirma Maria Manuel Vieira, “a escola é trabalho, implica trabalho”11. Não apenas o “ofício de aluno”12 implica a actividade escolar que se estende para além do tempo de permanência da escola, invadindo períodos de descanso como a noite, os fins de semana e férias13, como temos, à nossa volta, crianças que continuam a ser vistas como mão-de-obra no contexto da economia doméstica, e que trabalham, e muito, seja nas “tradicionais” ocupações domésticas, agrícolas ou artesanais14, seja em domínios que se estendem para o mundo do espectáculo, da moda ou da publicidade15. Finalmente, também a oposição entre o “mundo da casa” e o “mundo da rua”, e a associação do primeiro ao espaço doméstico, dos afectos, da intimidade, da privacidade e da segurança; e do segundo ao perigo eminente, ao trânsito, aos raptores de crianças, ao desconhecido e imprevisível que foge ao controlo dos pais ou educadores e, por isso, perigoso, é uma oposição atravessada de paradoxos. Por um lado, o espaço da rua pode ser, e é muitas vezes, um espaço de conhecimento, descoberta e aventura16. Na sociabilidade com os pares, no contacto com a natureza ou na descoberta de um mundo exterior, infinito aos olhos da criança, esta aprende a relacionar-se e a reconhecer-se com e entre os outros, a conhecer os seus limites mas também possibilidades, e a prosseguir com a tarefa maior de ser criança: crescer. Por outro lado, o perigo não está apenas fora de casa. Como bem sabemos, o perigo e o risco entram pela porta dentro das formas aparentemente mais anódinas: pela porta da rua, pelo telefone ou pela Internet, mas também através de brinquedos perigosos ou mal manuseados. Nalguns casos, os perigos não necessitam sequer passar a porta da rua pela razão muito simples de que já se encontram dentro de casa: grande parte dos maus-tratos infantis, ocorre precisamente em casa, por familiares ou pessoas próximas da criança17, e há, também, um enorme e assustador número de acidentes graves, e nalguns casos mortais, com crianças que acontecem no espaço doméstico. Vejam-se, por exemplo, os números relativos a afogamentos, quedas, intoxicações, queimaduras ou asfixias em crianças e adolescentes em Portugal18. A “pluralização dos modos de ser criança e a heterogeneização da infância enquanto categoria social geracional”19 vêm assim demonstrar como, afinal, é com uma paleta feita a muitas cores, que não apenas o cor-de-rosa ou o cinzento, que se pinta a criança e a infância nas sociedades ocidentais contemporâneas.
10 M. M. Vieira (2005), «O Lugar do Trabalho Escolar – entre o trabalho e o lazer?» in Análise Social, vol. XL (176): pp. 519-545.
11 M. M. Vieira, 2005, p. 530. 12 Perrenoud, 1995 apud M. M. Vieira, 2005, p. 536. 13 M. M. Vieira, 2005. 14 J. S. Fialho [Coord.] (2003), Trabalho infantil em Portugal 2001 – Caracterização social dos agregados
familiares portugueses com menores em idade escolar, Lisboa: SIETI/Ministério da Segurança Social e do Trabalho. Disponível em URL: http://www.peti.gov.pt/upload_ftp/docs/edicoes/TrabalhoInfantilEmPortugal.pdf
15 J. S. Fialho [Coord.] (2004) Caracterização das Actividades dos Menores em Espectáculos, Moda e Publicidade, Lisboa: SIETI/Ministério da Segurança Social e do Trabalho. Disponível em URL: http://www.peti.gov. pt/upload_ftp/docs/edicoes/CaracterizacaoActividadesMenores.pdf
16 M. J. Sarmento (2002), «As Culturas da Infância nas Encruzilhadas da 2.ª Modernidade», Textos de
Trabalho CEDIC/IEC, Braga: UM/IEC, Disponível em URL: http://cedic.iec.uminho.pt/Textos_de_Trabalho/textos/encruzilhadas.pdf.
17 A. N. Almeida, I. André, e H. N. Almeida (2001), Família e Maus Tratos às Crianças em Portugal, Lisboa: Assembleia da República.
18 M. MacKay e J. Vincenten (2007), Child Safety Report Card 2007 – Portugal. Amsterdam: European
Child Safety Alliance/Eurosafe. Disponível em URL: http://www.apsi.org.pt/24/report_card_portugues_af.pdf
19 M. J. Sarmento, 2002, p. 1.
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A criança, a infância, e um mundo por colorir Retomando o filme Favores em Cadeia, depois da questão “Que significa o mundo para vocês?”, o professor volta a questionar os alunos: “Vou fazer-vos outra pergunta. Pensam muito nas coisas que acontecem fora desta cidade? Vêem o noticiário? Sim? Não? Pronto, então ainda não pensam no global, mas porquê? - Porque temos 11 anos. Bem visto. Como te chamas? - Trevor. Talvez o Trevor tenha razão. Porque devemos pensar no mundo? Afinal, que espera o mundo de nós? - Espera? De ti. Que espera o mundo de ti?”20
As crianças desta sala de aula não sabem mas, apesar da diversidade da condição social da infância, o mundo como um todo espera tanto delas que um conjunto importante de agências internacionais, bem como vários Estados, acordaram princípios de garantia de uma protecção especial à criança e a infância. Ora, é aqui justamente que radica a principal distinção entre o que poderemos designar de um “mundo de ontem” e um “mundo de hoje” no que à criança e à infância diz respeito. Há, indiscutivelmente, um “antes” e um “depois” no lugar que a criança ocupa no chamado “mundo ocidental”. A Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança (1924), a Declaração do Direitos da Criança (1959), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), ou o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), imprimem uma matriz de “infância global”21, reconhecida e protegida que no plano dos princípios faz, indubitavelmente, da criança um (novo) protagonista na família, mas sobretudo na sociedade. Aquilo que faz das crianças hoje novos cidadãos não radica, assim, na sua condição de ser criança, mas no valor que, enquanto sociedade, reconhecemos a tal condição. E porquê? Porque isto implica deixar de ver na criança um ser inferior, que apenas há que deixar crescer para então assumir em pleno os seus direitos e deveres de adulto; para encarar a infância como uma etapa autónoma da constituição da personalidade, e ver na criança um sujeito portador de direitos inalienáveis e, nessa medida, semelhante ao adulto. As muitas negações, descoincidências e contradições entre a diversidade dos mundos da criança e a universalidade do mundo normativo em torno das crianças, expressão de uma “infância dos paradoxos”22 que persiste nas sociedades ocidentais contemporâneas, não devem ser encarados senão como 20 Favores em Cadeia, (83) 00:08:16,876 ( 94) 00:08:51,106. 21 M. J. Sarmento, 2002. 22 C. Ponte (2005), Crianças em Notícia – A construção da infância pelo discurso jornalístico 1970-2000, Lisboa: ICS.
C oló q u io
um estímulo para o trabalho de legisladores, políticos e técnicos. Como no trabalho que o professor de Estudos Sociais propõe no filme Favores em Cadeia, também esta parece ser uma tarefa difícil. A resposta, essa pode bem ser a alternativa que propõe: “Difícil. Que tal “possível”? É possível. O reino da possibilidade... ...existe onde? Em cada um de vocês. Aqui. Portanto, podem fazê-lo. Podem surpreender-nos. É convosco. Ou podem cruzar os braços e deixá-lo atrofiar. Atrofiar.”23
O mundo da criança e da infância de hoje é, mais que nunca, o mundo dos possíveis, e reconhecer essa possibilidade é torná-lo mais possível.
23 Favores em Cadeia, (127) 00:10:22,636 (136) 00:11:00,030.
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Anexos
Cartaz
9.00
Abertura do secretariado, recepç ão dos participantes e entrega de documentação 9.30 Sessão de Abertura Exma Sr.ª Fernanda Ramos Governadora Civil do Distrito de Évora Exmo Sr. Jerónimo Loios Presidente do Município de Arraio los Dr. José Oliveira Director do Centro Distrital de Segura nça Social de Évora Arq.º Jorge Cruz Presidente do Conselho de Admin istração do MonteACE Professor Joaquim Mira Presidente do Agrupamento de Escolas de Arraiolos 10.00
Comunicação inaugural O Sistema de Promoção e Protec ção: intervir em tempo útil e articular intervenções Dr. Jorge Souto Equipa Técnica da Comissão Nacion al de Protecção de Crianças e Jovens em Risco PA I N E L
1
Moderação 1: Dr.ª Maria da Concei ção Freixo Santa Casa da Misericórdia do Vimiei ro
10.30
A experiência da CPCJ a nível da intervenção interinstitucional em situação de risco/ perigo Dr.ª Teresa Aleluia Reis Presidente da C.P.C.J. Évora Em co-apresentação com outro membro da C.P.C.J. de Évora
11.00
Pausa para Café
11.15
A experiência da Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz em situaçõ es de risco Dr. Nuno Rosmaninho Lar Nossa Senhora de Fátima / Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsa raz 11.45 Intervençao Familiar em Contexto de Centro de Apoio Familiar e Apoio Parental Dr.ª Dora Pereira Associação “Chão dos Meninos” 12.15 Debate 12.30
Almoço
PA I N E L
2
Moderação: Dr.ª Maria da Concei ção Freixo Santa Casa da Misericórdia do Vimiei ro 14.00 Abusos e Maus Tratos Infant is: como pensar uma intervenção articulada? Dr.ª Alice Cabral Centro Distrital de Segurança Social de Évora 14.30 Protecção Penal: Crimes de Maus Tratos e Abuso Sexual Dr.ª Aurora Rodrigues Procuradora Adjunta do Depart amento de Investigação e Acção Penal de Évora 15.00 Projecto PreservAmigo: Uma Estratégia de Intervenção pelos Pares Dr.ª Sara Nasi Pereira Associação Planeamento Familia r do Alentejo 15.30 Debate
fich a de ins cri ção preencher e enviar [original ou fotocóp
ia] via fax ou correio
MONTE.ace: 66 arraiolos
rua joaquim basílio lopes, nº1, 7040-0
FAX 266.419276
nome
morada
telefones
15.45 Pausa para Café PA I N E L
3
Moderação: Dr.ª Alice Cabral Centro Distrital de Segurança Social de Évora 16.00 A Criança e a Infância do(s) nosso(s) mundo(s) Dr.ª Rosalina Costa Professora Assistente do Depart amento de Sociologia / Universidade de Évora 16.30 O projecto de Intervenção Precoce de Arraiolos Equipa da Intervenção Precoce de Arraiolos Santa Casa da Misericórdia de Arraio los 17.00 Núcleo de Apoio à Família e Comunidade de Arraiolos: experiência de uma estratégia de acção integrada e articulada de serviços existentes na Comunidade. Equipa Técnica do Núcleo de Apoio à Família e Comunidade de Arraiolos
data de nascimento
habilitações literárias
profissão
entidade
17.30 Debate 17.45 Sessão de Encerramento Arq.º Jorge Cruz Presidente do Conselho de Admin istração do MonteACE Exmo Sr. Jerónimo Loios Presidente do Município de Arraio los
inscr ições até 4 de Deze mbro 2006 será entregue certificado de partici
pação
Programa
Certificado
Crianças do Século XXI: Novos Cidadãos?