Construção com desperdícios: do ambiental ao social | Construction with garbage

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Universidade Lusíada do Porto Construção com desperdícios: do ambiental ao social José Bastos Dissertação para obtenção do grau de Mestre

Porto 2009



III

Agradecimentos Ao meu pai, mãe e irmã. À professora Suzana Faro e ao professor João Rapagão. A todos aqueles com quem privei e troquei experiências ao longo da minha vida. Directa ou indirectamente, uns mais do que outros, moldaram a minha personalidade, e estão na génese da pessoa que hoje sou.


IV

Dedicatória A quem considerar esta investigação útil.


V

Desperdício S.m. acto ou efeito de desperdiçar; despesa inúti; esbanjamento; pl. restos de coisas manipuladas ou fabricadas. (Do nom. do b. lat. disperditio, -onis, "acção de perder") in dicionário Porto Editora, 6ª edição, pág. 527



VII

Construção com desperdícios

Resumo

Desde tempos longínquos que o Homem reutiliza os materiais nas suas construções. As pedras empregues nas primeiras estruturas permanentes eram aproveitadas para outras obras caso essas, por algum motivo, fossem destruídas. Este facto prolonga-se pelos séculos seguintes e manifesta-se, também, com a madeira e o ferro. Hoje, a reutilização dos materiais tradicionais é uma prática que se mantém. Paralelamente, com especial incidência no decorrer das últimas décadas, outros materiais têm sido reutilizados na construção. Entre eles, estão os desperdiçados, disponíveis em grande quantidade como resultante de excedentes industriais ou provenientes do consumismo e requisitos modernos. No início do século XX, foram erguidas habitações onde o tradicional tijolo foi substituído por garrafas de vidro. Sensivelmente no mesmo período, surgiram os primeiros bairros de lata, cujas habitações eram realizadas com desperdícios, principalmente devido ao seu baixo valor e facilidade de aquisição. Esta prática é, ainda hoje, usual, e a sua principal motivação prende-se com a apropriação do que está disponível, para construir um abrigo. Na década de '60 do século XX, a cultura hippie, conduzida pelos valores da contracultura, integrou, nas suas edificações, elementos encontrados ao abandono, num acto de reutilização como meio de salvaguardar o ambiente. Na década seguinte, surgiram as primeiras obras realizadas por um arquitecto que integravam, no seu processo construtivo, uma grande quantidade de resíduos, com o propósito de diminuir o seu excesso, em vários locais. Actualmente, os inúmeros materiais descartados abriram portas, permitindo que vários arquitectos desenvolvam o seu trabalho com base nestas fontes. Entende-se que esta prática, à semelhança das razões que levaram muitas pessoas, sem formação na área, a construir deste modo, aborda dois propósitos essenciais. O primeiro será como meio de oferecer resposta a uma crise ambiental. Desde xxxxx



IX

Construção com desperdícios

Resumo

algumas décadas atrás, a sociedade descarta vários materiais, cujo ciclo de vida termina, muitas vezes, em aterros, ou então, são deixados ao abandono. Esta questão tem levado a que um número crescente de arquitectos desenvolva o seu trabalho com esses resíduos, defendendo que, caso o tempo de vida útil dos materiais seja prolongado, se contribui para um decréscimo de detritos no planeta. Associado a esta prática, desenvolvem-se métodos de trabalho particulares que, juntamente com reutilização, visam a protecção ambiental. Os projectos elaborados nesta área possuem programas diversificados. O segundo propósito aborda a crise social, e pode ser entendido em duas vertentes. A primeira, traduz-se no trabalho desenvolvido para a comunidade, e o programa base é, geralmente, o abrigo. O número de pessoas que vive em locais assolados pela pobreza, ou obrigadas a deslocações originadas por guerras e catástrofes naturais, tem levado a que alguns arquitectos desenvolvam o seu trabalho em prol dessas populações, conjugando o baixo custo dos desperdícios com a sua disponibilidade. A segunda vertente traduz-se no trabalho desenvolvido com a comunidade, em que esta tem um papel activo no desenvolvimento dos projectos. A intervenção pode acontecer em sítios carenciados ou em locais onde o principal problema se prende com a inércia dos poderes políticos. O programa dos projectos é variável, em função da necessidade específica para cada situação. Como conclusão, entende-se que se trata de uma arquitectura de intervenção, de resposta imediata perante situações de crise, em que o arquitecto actua como um socorrista ambiental e social. Palavras-chave: Reutilização; Intervenção Ambiental; Intervenção Social; Abrigo



XI

Construção com desperdícios

Abstract

Since ancient times, humankind re-uses building materials. Stones used in the first permanent structures, were re-used for other works if, for some reason, the constructions were destroyed. This went on for centuries, and hapenned with wood and iron too. Today, the re-use of traditional materials remains. In addition, with particular incidence over the past decades, other components have been re-used in construction. Among them are wasted materials, available in large scale as a result of industrial surplus or consequential of modern consumerism and requirements. In the early twentieth century, some houses were built with glass bottles, that were incorporated into the walls as a brick substitute. Around the same period, emerged the first slums, with houses built of waste, mainly due to its low coast and ease of acquisition. This practice is, even today, usual, and its main motivation is related to the availability of what is needed to build a shelter. In the 60s of the twentieth century, hippie culture, driven by the counterculture´s values, incorporated abandoned elements in its construction, re-using to protect the environment. In the next decade, the first construction, designed by an architect, builded with a lot of waste, appeared, in order to reduce the excess of garbage in many places. Currently, a large variety of scrap materials are opening doors, allowing several architects to develop their work based on these sources, re-using them as building material. It is understood that this practice addresses two main purposes. The first one, as a way of responding to an environmental crisis. For a few decades, society has been wasting several materials, which life cycle ends, often, in landfills, or are simply abandoned. This has led a growing number of architects to develop their work with this waste, arguing that if the lifetime of materials is prolonged, it contributes to a decrease of debris on the planet. Associated with this practice, architects develop specific working methods that, along with re-use, aim at xxxxxxxxxxxxxxx



XIII

Construção com desperdícios

Abstract

environmental protection. The projects developed in this area have diversified programs. The second purpose addresses the social crisis, and can be understood in two parts. The first, reflected in the work for the community, and the base program is, generally, the shelter. The number of people living in poverty-stricken areas, or forced displacement caused by wars and natural disasters, has led some architects to develop their work for these populations, combining the low cost of waste with its availability. The second aspect is reflected on the work with the community, which has an active role in the projects development. Intervention can happen at poor places, or where the main problem relates to the inertia of the political powers. The program of projects is variable, depending on the specific need for each situation. In conclusion, it is understood that this is an architecture of intervention, with immediate response to crisis situations, where the architect acts as an environmental and social rescuer.

Keywords: Re-use; Environmental Intervention; Social Intervention; Shelter xxxxxxxxxxxxxxx



015

Construção com desperdícios

Índice

Agradecimentos

III

Dedicatória

IV

Desperdício

V

Resumo

VII - IX

Abstract

XI - XIII

Índice

015 - 019

I

021 - 023

Introdução I.I

Objectivos

021

I.I

Metodologia

021

I.III

1

025 - 055

História 1.1

023

Estrutura

Construção com materiais tradicionais

027 - 029

1.1.1

027

Reutilização ao longo do tempo

1.2

1.3

2

Construção com desperdícios 1.2.1

Construção com desperdícios na antiguidade

031

1.2.2

Construção com desperdícios no início do século XX

035

1.2.3

Construção com desperdícios após a década de '60 do século XX

043

1.2.4

Construção com desperdícios na contemporaneidade

049

Síntese

Como resposta a uma crise ambiental 2.1

031 - 053

Enquadramento do tema 2.1.1

A arquitectura sustentável

055

057 - 101 059 - 067 059



017

Construção com desperdícios

Índice

2.2

2.1.2

O ciclo de vida dos materiais

063

2.1.3

A reutilização e o ambiente

065

2.1.4

O desperdício é uma fonte gigantesca

067

2.2.1

Estudo 1 |

2.2.2

2.3

075 - 099

Casos de estudo

075

Michael Reynolds | Método

2.2.1.1

Um novo conceito de construção

077

2.2.1.2

Earthship Bioarquitectura | 1972-presente

081

Estudo 2 |

087

2012 Architecten | Método

2.2.2.1

O Conceito Superuso

091

2.2.2.2

*K | 2001-2007

095

2.2.2.3

O Mapa de Colheita | 2005-presente

097 101

Síntese

1616 3

103 - 155

Como resposta a uma crise social 3.1

3.1.1

O problema da falta de habitação

105

3.1.2

O design adaptativo e a primeira resposta à crise social

107

3.1.2.1

3.2

105 - 125

Enquadramento do tema

WOBO

111

3.1.3

Arquitectura para a Humanidade

117

3.1.4

Pluralidade das intervenções

121

3.1.4.1

Trabalhar para a comunidade

123

3.1.4.2

Trabalhar com a comunidade

125

Casos de estudo 3.2.1

Estudo 3 |

127 - 153

I-Beam Design | Casa do Refugiado (protótipo) | 1999

3.2.2

Estudo 4 | Shigeru

3.2.3

Estudo 5 | Sean

Ban | Abrigos para o Kosovo | 1999

Godsell | Cabana do Futuro (protótipo)

| 2001

127 131 135



019

Construção com desperdícios

Índice

3.2.4

Estudo 6 | Rural 3.2.4.1

3.2.5

Centro Mason's Bend | 2000

Estudo 7 | Santiago 3.2.5.1

3.3

4

139

Studio | Método

141 145

Cirugeda | Método

Ocupação dos lotes abandonados

147

| 2004

Síntese

155

Conclusão 4.1

157 - 169

Uma arquitectura de intervenção

Bibliografia

159 - 169

171 - 174

Monografias

171

Artigos electrónicos publicados

172

Artigos electrónicos não publicados

172

Teses consultadas electronicamente

173

Sítios na Internet

173

Índice de figuras

175 - 177

Biografias

178 - 180

Michael Reynolds

178

2012 Architecten

178

I-Beam Design

178

Shigeru Ban

179

Sean Godsell

179

Rural Studio

179

Santiago Cirugeda

180

Vale a pena espreitar

181

Créditos

182



021

Construção com desperdícios

Introdução

I

I.I

Objectivos

Esta investigação limita o tema da construção com desperdícios nas soluções apresentadas por parte da comunidade da arquitectura, como resposta às crises ambiental e social, procurando enquadrar o tema e perceber de que modo a construção com estes elementos manifesta potencial para as solucionar. Ambiciona-se, também, compreender se este método de trabalho poderá estar associado a um tipo particular de arquitectura. A acontecer, pretende-se analisar quais as suas características e especificidades, pontos em comum com as demais arquitecturas, caso existam, e o seu possível trajecto no futuro.

I.II

Metodologia

O método utilizado para a realização da dissertação baseou-se na consulta bibliográfica, artigos e manifestos, publicados quer pelos autores das obras expostas nos casos práticos quer por terceiros que estudam o tema. A isto, acrescenta-se a pesquisa de dados a partir de plataformas digitais, nomeadamente, através da consulta das páginas oficiais na Internet de arquitectos relevantes no contexto desta investigação, bem como de outras entidades que abordam o assunto. Por fim, há ainda a destacar a atenção dada a documentos audiovisuais disponíveis nesses mesmos sítios, na Internet, onde vários académicos que se debruçam sobre esta matéria dão o seu parecer. O visionamento de outros testemunhos audiovisuais, difundidos em radiotelevisão, também não deixou de ser relevante para a compreensão geral do tema. Os critérios utilizados para a redacção e exposição dos conteúdos abrangem paráfrases, resumos e citações, devidamente referenciados, e argumentos de autoria própria.

temas relativos à construção com desperdícios como resposta às crises ambiental e social.



023

Construção com desperdícios

Introdução

I

I.III

Estrutura

Esta investigação encontra-se dividida em quatro capítulos. O capítulo 1 corresponde à retrospectiva histórica. Expõem-se, de uma forma sucinta, algumas construções realizadas com desperdícios ao longo do tempo, com especial incidência no século XX. Para tal, contextualiza-se a época, o espaço e os intervenientes, uma vez que estes aspectos ajudam a perceber "o porquê" das soluções adoptadas. O corpo da investigação é composto pelos capítulos 2 e 3, que abordam temas relativos à construção com desperdícios como resposta às crises ambiental e social. Ambos os capítulos são, numa primeira fase, enquadrados e desenvolvidos com recurso a tópicos gerais. Posteriormente, expõem-se os casos de estudo, sendo a partir destes trabalhos que se lançam as bases para a análise mais aprofundada dos arquitectos intervenientes e do seu método de trabalho. Houve o cuidado de apresentar exemplos práticos em diferentes contextos, com diferentes programas e construídos com distintos materiais, num esforço para demonstrar a variedade de soluções possíveis. No decorrer desta investigação são, ainda, abordados pontos possíveis de serem associados a este tipo de construção, como o factor in situ, as possíveis relações com o lugar, as potencialidades construtivas de certos materiais, a auto-construção, a forma e a imagem, entre outros. Entendese que estes pontos são intrínsecos à arquitectura, e ajudam a perceber as soluções adoptadas pelos arquitectos como justificação para desenvolvimento das suas obras. Finalmente, o capitulo 4, corresponde à conclusão. Ambiciona-se, como desfecho, fazer uma retrospectiva da investigação e, com base na mesma, avançar com argumentos que visam dar resposta aos objectivos propostos.


[consult. 20 Jul. 2009] http://www.flickr.com/photos/street_spirit/986115966/


025

1

Construção com desperdícios

História


026

01

02

01

Alinhamento pré-histórico de pedras. A reutilização deste material é, desde tempos remotos, uma prática usual. Fonte: [consult. 09 Nov. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/grantmatthews/149840005/in/photostream/> 02

Ruínas de Tanis. Fonte: [consult. 09 Nov. 2009] WWW:<URL:http://en.wikipedia.org/wiki/File:800px-Ruins_of_Tanis.jpg>


027

Construção com desperdícios 1

História ››

1.1

Construção com materiais tradicionais

Construção com materiais tradicionais

se prende com a capacidade de planear e 1.1.1

Reutilização ao longo do tempo

Construir com materiais reutilizados não é um acto recente. Entre as vantagens deste processo destaca-se o facto do material poder estar "à mão" e encontrar-se moldado, de forma aproximada, para um determinado fim, como por exemplo, para integrar um pavimento, um muro de suporte ou uma parede divisória. Deste modo, evita-se talhar e transportar outras pedras, reduzindo custos de manufactura, custos de transporte e encurtando o tempo necessário para concluir a obra. Já nas construções pré-histórias era comum a reutilização da pedra. Mais tarde, durante as primeiras grandes civilizações, como a egípcia, grandes quantidades de pedra foram reutilizadas, mais do que uma vez, quando os edifícios de origem eram destruídos por catástrofes naturais, guerras ou, simplesmente, caíam em desuso. O esforço humano e os custos requeridos para reutilizar esses materiais, eram inferiores aos que seriam necessários para talhar novas pedras e deslocá-las de locais, em muitos casos, remotos.001 Na antiga cidade de Tanis, localizada no Egipto, encontram-se provas desta prática. Na construção de muitos dos seus templos foram reutilizados vários blocos de pedra, vindos de outros lugares e pertencentes a anteriores reinados, facto que até levantou dificuldades no enquadramento histórico-temporal desta, outrora, metrópole.002 Na antiga Grécia e Roma, as práticas acima mencionadas também se verificaram. No período romano, por exemplo, a Arqueologia comprova que, em vários locais do antigo império, a utilização de blocos de pedra, que desempenhavam anteriormente outras funções, era frequente na construção de várias estruturas defensivas. 001

ADDIS, 2006.

002

Wikipédia; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://es.wikipedia.org/wiki/Tanis_(Egipto)>


028

03

03

Componentes em ferro. A reutilização deste material, para diversas práticas, foi, no passado, e continua a ser, no presente, um processo normal. Fonte: [consult. 09 Nov. 2009 WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/mmoreno/2704015820/>


029

Construção com desperdícios 1

História ››

Construção com materiais tradicionais

Mais tarde, durante a Idade Média, a maioria das catedrais foi construída em sítios onde antes se situavam os antigos templos. Esta prática permitia aproveitar algumas das suas partes, nomeadamente, a cripta abaixo da superfície, e algumas paredes, acima do solo, reduzindo a quantidade de pedra nova a utilizar no novo edifício.003 Na mesma época, quando as cidades venciam as muralhas e estas deixavam de servir a sua função, as pedras eram reutilizadas para a construção de habitações junto às antigas estruturas, ou na pavimentação de ruas e praças. A reutilização aconteceu, também, com o ferro. Segundo Bill Addis, hoje, dificilmente se encontra ferro romano, mas sabe-se que usaram várias toneladas deste material nas suas construções. Porém, quase todo foi reciclado e reutilizado, tanto noutras estruturas como para fazer máquinas e armas. De facto, a reutilização e a reciclagem deste metal eram vistos como processos normais em todo o mundo, até ao final do século XIX, período em que a grande parte do aço fabricado usava uma proporção de sucata, aço ou ferro, de forma a reduzir custos. Contudo, no decorrer do século seguinte, esta operação não foi amplamente vulgarizada porque os consumidores de aço não se conformaram com o facto de comprar material que, na sua composição, integrava partes já usadas, mesmo que a qualidade do aço final não fosse afectada. Mais recentemente, a indústria do alumínio tem praticado a reutilização e reciclagem de enormes quantidades deste material, uma vez que os custos de produção de alumínio virgem são muito elevados, nomeadamente, do ponto de vista energético.004 A madeira, e mesmo a cerâmica, também foram reutilizadas, sempre que possível, ao longo do tempo, quando as propriedades técnicas o permitiam. Reconhece-se, em suma, que a reutilização é um processo usual no decorrer da História e que se mantém ainda nos dias de hoje como uma prática generalizada, pelas inúmeras vantagens associadas a este processo. 003

ADDIS, 2006.

004

Idem.


030

04

04

Ânforas romanas inseridas numa parede. Fonte: PEÑA, 2007. 05

Construção romana. As ânforas encontram-se assinaladas com setas. Fonte: Idem.

05


031

Construção com desperdícios 1

História ››

1.2

Construção com desperdícios

Construção com desperdícios

se prende com a capacidade de planear e 1.2.1

Construção com desperdícios na antiguidade

Para além da reutilização dos materiais tradicionais, dos quais alguns foram referidos no ponto anterior, podemos encontrar outros, pertencentes à classe dos desperdiçados. Torna-se difícil apresentar um período concreto onde se tenha começado a integrar materiais desperdiçados na construção. Presume-se que esta prática, a par da reutilização tradicional, seja transversal à história da arquitectura, realizando-se de uma forma espontânea, sem que sobre este tema tenha recaído grande atenção. Embora, certamente, haverão casos de reutilização de desperdícios em períodos anteriores, o facto é que eles não estão documentados, sendo apenas no período romano que este costume está esclarecido. Existem alguns edifícios da época romana que contêm ânforas e outros tipos de recipientes – muitos, provenientes das trocas comerciais do vinho e azeite com outros povos – integrados na construção. A título de exemplo, na basílica de Maximus, construída no século IV, foram inseridas várias ânforas na abóbada, em disposição invertida. Para além deste caso, as ânforas foram também utilizadas noutras construções, tanto em edifícios públicos como em edifícios privados e em infra-estruturas. Com base numa série de análises, Lancaster concluiu que estes materiais eram reutilizados, não com o intuito de reduzir o peso dos elementos estruturais mas, sobretudo, para reduzir a quantidade de argamassa necessária para concluir o projecto.005 Podemos encontrar, também, vestígios de ânforas que foram integradas na construção depois de receberem algumas modificações. Uma vez removido o seu fundo e o topo, foram posteriormente utilizadas como drenos – esta prática foi xxxxxx 005

LANCASTER, 2005.


032

06

06

Revolução Industrial. Trouxe um grande aumento da produção e, consequentemente, dos resíduos. Fonte: [consult. 09 Nov. 2009] WWW:<URL:http://www.sapphire.ac.uk/machine.jpg>


033

Construção com desperdícios 1

História ››

Construção com desperdícios

bastante utilizada para transportar as águas das chuvas e as águas negras de um nível elevado, para um inferior. Alguns dos exemplos que sustentam esta prática estão patentes em antigas construções localizadas em Campana, Itália, onde as escavações descobriram ânforas reutilizadas para esse fim.006 É plausível que os processos atrás apresentados se tenham prolongado ao longo dos séculos, passando pela Idade Média, Renascimento, e épocas seguintes. Pretendia-se reduzir na matéria-prima, mas também dar uso a excedentes que não tinham qualquer função prática. Todavia, não nos deparamos, no decorrer da investigação, com casos de estudo que suportem esta hipótese. Em meados do século XVIII, dá-se a Revolução Industrial em Inglaterra e, no século seguinte, propaga-se pelo mundo. Entre as várias consequências associadas a esta ocorrência, sociais, económicas e tecnológicas, não podemos deixar de mencionar aquele que terá sido o seu propósito mais importante, no contexto desta investigação. Acontece que o volume de produção cresceu exponencialmente, contrastando com o que acontecia até então, onde a actividade produtiva era de pequena escala, desenvolvida por processos manuais e artesanais ou, quando muito, com recurso a máquinas simples. Com os avanços tecnológicos e o aumento de produção houve, paralelamente, um acréscimo de produtos, oriundos do processo de industrialização, de distintas variedades, que invadiram a sociedade. Certamente que, à medida que iam perdendo a sua função, acumulavam-se como desperdício, uma vez que as práticas de reciclagem e reutilização não eram valorizadas. À semelhança do que terá acontecido no decorrer dos séculos anteriores, julgase ser credível afirmar que, alguns desses materiais, mediante as suas características, seriam empregues nos processos construtivos, de uma forma espontânea e desempenhando funções secundárias. Todavia, também não se encontraram teorias que sustentem esta afirmação. 006

PEÑA, 2007.


034

07

07

Casa construída com garrafas por William Peck. Início do século XX. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.agilitynut.com/h/otherbh.html>


035

Construção com desperdícios 1

História ››

Construção com desperdícios

1.2.2

Construção com desperdícios no início do século XX

A produção em massa, decorrente de uma maior eficiência aplicada às linhas de montagem industriais, levou a que distintos produtos fossem lançados no mercado. Este facto levou, no campo da construção, ao despontar de várias ocorrências, em alguns pontos do globo, onde o material reutilizado, em virtude das suas características, passa a ter um papel de destaque na configuração da obra. O desperdício é apropriado de uma forma espontânea, como recurso facilmente disponível, para responder a uma situação de urgência e emergência. Trabalhar com materiais excedentes na construção poderá ser interpretado como um método alternativo para resolver problemas e, de facto, a necessidade de abrigo, associada à utilização de desperdícios para o construir, revelou-se de forma expressiva no início do século passado. Nessa altura, foram erguidas as primeiras construções com garrafas, desta vez não para reduzir o uso de alguns materiais de construção tradicionais, como aconteceu em épocas mais remotas, mas para os substituir integralmente. Aquela que é considerada a primeira habitação erigida, quase integralmente, com recipientes, encontrava-se em Nevada, Estados Unidos da América (EUA), e foi construída no início do século XX, por um mineiro que, na altura, lá trabalhava, de nome William Peck. Tratava-se de uma residência de planta quadrangular, aspecto robusto e sólido, na qual foram utilizadas centenas de garrafas vazias de cerveja para construir as paredes exteriores. Os recipientes foram dispostos em posição horizontal, transversalmente ao alinhamento da parede, em sucessivas camadas, sobre argamassa, até a divisória atingir a altura desejada.007 Porém, o caso apresentado não é único, nesse local. Desde o século XVIII, vários trabalhadores dirigiram-se a Nevada, onde extraíam ouro, carvão e outras matérias-primas, nas minas aí localizadas. Pela mesma altura fixaram-se, na zona, as primeiras estruturas comerciais. Entre os estabelecimentos, destacavam-se os xxxxxxxxxxxx 007

Roadside Architecture; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.agilitynut.com/h/otherbh.html>


036

08

09

08

Habitação construída com barris, garrafas e outros materiais. Século XIX. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.agilitynut.com/h/otherbh.html> 09

Habitação construída com antigas latas de óleo. Século XIX. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.agilitynut.com/h/otherbh.html>


037

Construção com desperdícios 1

História ››

Construção com desperdícios

diversos bares, o que levou a que as companhias de transporte conduzissem, habitualmente, grandes quantidades de bebida a esse local. Por sua vez, estes estabelecimentos contribuíam para o amontoar de garrafas vazias de cerveja, vinho, licor e outras bebidas, em redor das cidades mineiras. Essas fontes acabaram por servir como o material de construção, uma vez que outros elementos eram escassos. Os trabalhadores ergueram os seus abrigos com o que estava disponível, como barris, latas e, sobretudo, garrafas de vidro, que foram integradas na argamassa, como aconteceu na casa de Peck, ou no adobe. Este material provou ser robusto, durável e, também, muito económico, uma vez que não foram considerados os custos de transporte para o local da obra, já que isso tinha sido liquidado pelos consumidores, nos bares.008 "…como esses locais [as cidades mineiras] se encontravam, muitas vezes, longe de rotas de viagens e os materiais de construção eram escassos, os seus habitantes viram-se na necessidade de recorrer à imaginaç ão e técnicas bizarras para construírem as suas casas. Viviam em locais tão variados como abrigos subterrâneos, [onde era aproveitada a topografia do terreno

para

descartadas…"

a

construção]

até

cas as

construídas

com

garrafas

009

No decorrer do século XX, continuaram a ser erguidas várias habitações com garrafas, principalmente na zona ocidental dos EUA. É plausível que as pessoas, ao verem tal tipo de obra em algum lugar, tenham experimentado construir do mesmo modo. Sabe-se que muitas das habitações que integravam recipientes na construção se encontram em zonas próximas às primeiras experiências com garrafas, o que sustenta a afirmação. Alguns edifícios estão, actualmente, em recuperação, devido à sua história, e funcionam como elemento de atracção àqueles locais.010 008

Las Vegas Review-Journal [Em linha] de 30 Jul. 2000; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.reviewjournal.com/lvrj_home/2000/Jul-30-Sun-2000/lifestyles/14012107.html> 009

Idem, tradução livre

010

Roadside Architecture; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.agilitynut.com/h/otherbh.html>


038

10

10

Habitações características de um bairro de lata. Nota-se a utilização de um vasto leque de materiais na sua construção. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/13626255@N08/3310512964/>


039

Construção com desperdícios 1

História ››

Construção com desperdícios

Quando falamos na reutilização de materiais descartados, não podemos deixar de fazer referência às habitações localizadas em alguns dos locais mais carenciados do planeta. Nesses sítios, dada à extrema falta de recursos, a todos os níveis, as pessoas socorrem-se de quaisquer materiais disponíveis para erguer um refúgio. É um processo natural, de utilização do que está "à mão" para responder a uma necessidade básica, o abrigo, e que se prolonga no tempo até à actualidade. Os exemplos que sustentam a afirmação vêm, predominantemente, dos bairros de lata, presentes em vários países, nomeadamente, no Brasil, cujas favelas são dos casos mais conhecidos. As primeiras formações de favelas datam entre o final do século XIX e início do século XX, e estão ligadas ao fim do período de escravatura. Muitos escravos então libertos, sem propriedades nem opções de trabalho no campo, migraram para o Rio de Janeiro, nessa altura capital federal, em busca de melhores condições de vida, o que levou à ocupação de terrenos desvalorizados, geralmente de difícil acesso e sem quaisquer infra-estruturas, como espaços para habitar.011 Os materiais utilizados para construir os abrigos eram provenientes da cidade, resgatados dos estaleiros das obras ou mesmo do lixo, e caracterizavam-se pela sua precariedade e diversidade. As placas de madeira e papelão, chapas metálicas, plásticos e os demais materiais, eram pregados para formar as fachadas e a cobertura, depois da estrutura do refúgio ser erguida. Os elementos recolhidos e reagrupados eram trabalhados como ponto de partida para a construção, que dependia directamente do acaso dos achados, da descoberta de sobras interessantes e, também, da imaginação construtiva do residente. 012 "As construções numa favela – e consequent emente, a própria favela – nunca ficam concluídas. A colheit a de materiais também nunca c essa. Ao lado das barrac as, há sempre uma reserva de pedaços de madeira, de papelões, de plásticos, de tijolos e de telhas, à espera de uma próxima xxxxxx 011

Wikipédia; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://pt.wikipedia.org/wiki/Favela>

012

JACQES, 2003.


040

11

11

Vista geral sobre uma favela. O aspecto fragmentado está presente quer na habitação, como unidade, que na favela, como conjunto. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/dreamindly/tags/favela/>


041

Construção com desperdícios 1

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Construção com desperdícios

melhoria. A construção é cont ínua, sem término previsto, pois há sempre melhorias ou ampliações a fazer."013

Hoje, as constantes deslocações do espaço rural com destino à cidade, em busca de emprego, juntamente com a dificuldade e morosidade na criação de políticas habitacionais para lidar com a sobrepovoação, estão entre os agentes que têm levado à proliferação destas estruturas.014 Os métodos de construção mantêm-se e, como novidade, destaca-se a maior variedade de materiais utilizados, que acompanha o que de novo vai surgindo no mercado. Estas estruturas caracterizam-se por não estarem associadas a um projecto, que determina o momento de conclusão da obra, o que faz com que muitos edifícios apresentem uma imagem fragmentada, resultado da adição sucessiva de materiais, de vários tipos. A forma final não é predeterminada e, por isso, a construção nunca termina. O inacabado da casa da favela é, também, uma questão legal, visto que, enquanto incompleta, não paga impostos. Todavia, nem só em locais onde a escassez de recursos era problema, se construiu com desperdícios. Conceitos que outrora surgiram para responder a uma carência converteram-se, pontualmente, em construções extravagantes e originais que reflectem, acima de tudo, os gostos e a personalidade do criador. Para algumas pessoas, tornou-se um trabalho de gosto, de fantasia, uma manifestação do inconsciente, características que podemos associar à arquitectura espontânea. " [A arquitectura espontânea] …é um trabalho solitário, muitas vezes realizado ao longo de vários anos, cuja composição e adereços formam estruturas curiosas que espelham, acima de tudo, a f orma de viver de quem as constrói. […] São soluções surpreendentes que fogem dos padrões tradicionais, e que nascem do uso de mat eriais c onsiderados pouc o nobres e nada convencionais."

013

JACQES, 2003. Pág. 24, tradução livre.

014 015

015

Wikipédia; [consult. 18 Jun. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://pt.wikipedia.org/wiki/Favela> Yonelins; [consult. 18 Jun. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://yonelins.tripod.com/arquiteturaespontnea/>


042

12

13

14

12

Pormenor de uma composição com lâmpadas. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/edioescobar/2892895406/> 13

Utilização de uma manilha como elemento estrutural. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/edioescobar/2892056141/in/photostream/> 14

Vista geral da habitação. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/taissa_esteves/2261396883/>


043

Construção com desperdícios 1

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Construção com desperdícios

Em São Pedro da Aldeia, Rio de Janeiro, encontra-se uma residência que reflecte essas características. Foi construída ao longo de várias décadas, por um homem pobre, trabalhador nas salinas da região, que nunca frequentou a escola. Entre os anos 1923 e 1986, data em que faleceu, Gabriel dos Santos ergueu e embelezou o seu lar com materiais recolhidos dos resíduos domésticos e das sobras de outras edificações, devido à falta de recursos económicos para comprar outros materiais de construção. Deste vasto leque, destacam-se os pedaços de cerâmica, louça, vidro e ladrilhos, bem como outros objectos considerados sem valor, tais como, manilhas usadas, lâmpadas queimadas, tampas metálicas de antigos recipientes e faróis de automóvel. A pequena casa, de pé-direito baixo e somente com três espaços interiores, sala, quarto e depósito para guardar os bens, foi construída à medida que o material era adquirido. Com as mesmas fontes, também decorou a sua habitação, reproduzindo flores, mosaicos e esculturas, no interior e exterior. 016 Gabriel dos Santos argumentava: "Fico satisfeito quando trabalho com cacos porque as coisas modernas […] ninguém vai ver. Entramos nas cidades e aquilo é tudo moderno, tudo organizado, custa tudo muito dinheiro. As pessoas vêem ali a força da riqueza, mas aqui, gostam de ver porque é a força da pobreza."017 Os conceitos manifestados nesta construção podem ser encontrados, também, noutros casos de arquitectura espontânea, um pouco por todo o globo.

1.2.3

Construção com desperdícios após a década de '60 do século XX

A reutilização foi, igualmente, amplamente difundida e empregue por artistas considerados "verdes", geralmente associados à corrente de contracultura. Este movimento iniciou-se na década de 50’ do século passado, e teve o seu auge na década seguinte. Defendia-se, na altura, por parte de alguns grupos que fizeram ,xxxx 016

Casa da Flor; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.casadaflor.org.br/hist.htm>

017

Idem, tradução livre.


044

15

15

Contracultura. Considera-se que as preocupações ambientais associadas a este movimento estão na génese da implementação do pensamento ecológico. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/heather/512689912/>


045

Construção com desperdícios 1

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Construção com desperdícios

parte deste movimento, uma transformação ao nível da consciência, do comportamento e das normas pré-definidas, pondo em questão os valores fundamentais estabelecidos pela cultura ocidental da época, como o trabalho, o patriotismo, o status social e a estética modelo.018 É nesta conjuntura que se desenvolvem os primeiros ideais ecológicos.019 Segundo a arquitecta brasileira Edite Carranza, o livro Silent Spring, editado em 1962, escrito pela bióloga Rachel Carson, foi importante para essa ocorrência. Esse manual, considerado como a obra inaugural no campo da literatura ambiental, abordava a questão da degradação do ambiente, o que levou a um aumento da consciência pública perante a crescente actividade humana e dos seus riscos para o planeta. A mesma fonte defende que, as contribuições para o desenvolvimento do pensamento ecológico foram reforçadas pela transposição dos debates que se desenrolavam no campo académico, para a opinião pública, e pelos ideais defendidos pelo próprio movimento de contracultura. As pessoas, maioritariamente jovens, mobilizaram-se, em oposição às guerras que estavam a ocorrer, à corrida ao arsenal armado e às experiências nucleares. Manifestaram-se, também, contra o acelerado desenvolvimento tecnológico e o consumismo, que caracterizava a sociedade norte-americana, e da sua repercussão no ambiente.020 "…discutir a ecologia sem situa-la em relação à sua conexão com a contracultura

[…]

seria

reduzir

a

compreensão

daquilo

que

fundamentalmente a ins pira e lhe confere o clima e o tom predominante. É nesse ambient e que a crítica ecológica ao progresso e ao capit alismo industrial nas décadas de ‘60 e ’70 [do século XX] integra um espectro amplo

e

complexo

de

contravalores

que

se

caracterizam

pelo

questionamento do status quo das sociedades des envolvidas, pela crítica aos valores da modernidade ocidental e pela busca de um novo modo de organizar a vida individual e colectiva."021 018

Wikipédia; [consult. 09 Nov. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://pt.wikipedia.org/wiki/Contracultura>

019

O termo ecologia (ciência da casa) foi criado pelo naturalista alemão Ernest Haeckel, em 1869, para descrever a disciplina científica que aborda as relações entre as espécies animais e o seu ambiente. 020

CARRANZA, s. d.

021

Idem. Op. cit., tradução livre.


046

16

17

18

16

Desenho hippie. Corte da cobertura dos carros para posterior revestimento de algumas fachadas. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://arthistory.ucdavis.edu/people/faculty/publications/Drop%20City%20Revisited.pdf> 17

Habitação na comunidade Drop City. Neste caso, com paineis solares para fornecer alguma energia. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.clarkrichert.com/node/30> 18

Cúpula geodésica. Esta estrutura dava forma às construções. Fonte: Idem.


047

Construção com desperdícios 1

História ››

Construção com desperdícios

Deste modo, podemos avançar que o primeiro conceito relacionado com a ecologia, como hoje a entendemos, nasceu no seio do movimento da contracultura, como "…um instrumento de actividade política na área ambiental, que defendia uma vida alternativa à sociedade industrial tecnocrática, perspectivando um melhor relacionamento com a natureza."022 A comunidade hippie surge neste contexto. Seguindo os seus valores culturais, esta colectividade exteriorizava uma consciência ambientalmente sustentável, também nas suas construções, utilizando componentes alternativos, sempre que possível. A reutilização era um processo constante, não só para reduzir o lixo presente na sociedade, mas igualmente para prolongar a sua vida útil e aproveitar as suas potencialidades, ao nível dos custos. A comunidade Drop City, formada em 1960 no Sul do Colorado, EUA, foi um lugar que acolheu algumas obras com estas características. Na altura, um pequeno número de artistas deslocou-se para o Colorado, com a intenção de criar um espaço aberto de manifestação artística, intitulado Arte Gota, que dava continuidade a um programa que vinham a desenvolver nas suas universidades. Como precisavam de residências para lá permanecerem, optaram por as construir recorrendo aos ideais defendidos pela contracultura.023 Num primeiro olhar pelas habitações aqui presentes, o que podia chamar à atenção eram as estruturas em forma de cúpula geodésica, utilizadas para dar forma aos edifícios. Contudo, as construções eram, também, caracterizadas pelas soluções inovadoras e económicas adoptadas ao nível dos materiais, sendo importante salientar o aproveitamento de chapa retirada directamente da cobertura de automóveis que, depois de recortada e moldada, foi utilizada para revestir as fachadas. Na década seguinte, ’70, surgiram as primeiras construções erguidas com desperdícios projectadas por um arquitecto. Michael Reynolds, o seu nome, xxxxxx 022

CARRANZA, s. d. Tradução livre.

023

Clark Richert, um dos artistas responsáveis pela criação da comunidade Drop City; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.clarkrichert.com/dropcity>


048

PROFISSテグ: ARQUITECTO

19

19

Profissテ」o: arquitecto. Assistimos a um crescente nテコmero de arquitectos a desenvolverem o seu trabalho com desperdテュcios. Fonte: O candidato.


049

Construção com desperdícios 1

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Construção com desperdícios

afirmou utilizar resíduos para execução das suas habitações por serem materiais que se encontravam abandonados em vários locais, e em grande quantidade. Pensou, assim, que os podia empregar nos edifícios, para reduzir o impacto no meio ambiente. Estas habitações mantêm o mesmo conceito de construção até hoje, embora ao longo dos anos tenham recebido algumas actualizações, nomeadamente, ao nível tecnológico, que as torna mais eficientes e, em alguns casos, autónomas.

1.2.4

Construção com desperdícios na contemporaneidade

De uma forma geral, podemos afirmar que o uso de desperdícios na construção não tem grande repercussão, quando comparado com a reutilização de outros materiais. Entre as principais razões, poder-se-ão referir a resistência quanto à utilização de elementos considerados pouco nobres, pela maioria das pessoas, e o facto da construção estar profundamente enraizada nas técnicas tradicionais. Todavia, como iremos observar ao longo da investigação, esta situação encontrase em franca mudança. Actualmente, permanece a construção com materiais desperdiçados para dar resposta ao excesso de lixo na sociedade, do mesmo modo que subsiste a construção com materiais desperdiçados para responder à falta de abrigo. O que há de novo é, seguramente, o facto de haver um crescente número de arquitectos que se dedicam a trabalhar com estes materiais, com propostas variáveis, desde construções simples, às mais complexas. Relativamente à construção com desperdícios, para combater o excesso destes elementos no ambiente, é de referir a obra executada ao longo das últimas décadas por Michael Reynolds, com a reutilização de pneus e garrafas. Mais recentemente, são de destacar as obras desenvolvidas pelo 2012 Architecten que, xx


050

eco

20

20

Eco. Este prefixo é adoptado em vários produtos, de diversas áreas. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/bidwiya/2077441971/>, trabalhado sobre.


051

Construção com desperdícios 1

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Construção com desperdícios

numa abordagem ao mesmo problema, projecta com base numa lista de materiais muito abrangente. Perante a falta de abrigo, é de referir a organização Arquitectura para a Humanidade, que tem como missão divulgar problemas existentes no globo e promover a pesquisa de soluções no campo da arquitectura. Como resposta a diversos concursos lançados por esta organização, destacam-se nomes como o IBeam Design, e os abrigos erguidos com paletes de madeira, Shigeru Ban, e concepção dos refúgios construídos com tubos de cartão para zonas afectadas pela guerra, ou Sean Godsell, que para o mesmo problema, propôs a adopção do contentor marítimo como unidade habitacional. Há, ainda a mencionar, o papel de outros arquitectos que, não deixando de actuar em prol da comunidade, fazem-no a uma escala mais reduzida, caracterizada por trabalharem directamente com as populações, onde estas têm um papel activo na procura de soluções. Neste âmbito, é de realçar a obra desenvolvida pelo Rural Studio e por Santiago Cirugeda. Para finalizar a abordagem relativa à construção com desperdícios na contemporaneidade, considera-se importante abordar

a corrente do "ser

ambientalmente sustentável e responsável", em que vivemos actualmente, e da sua repercussão no sector da construção. "O público, os média e políticos estão agora cientes dos estragos que o ambiente tem vindo a sofrer como resultado da constante exploração de recursos. Como consequência desta crescente preocupação, as pessoas estão menos tolerantes com aqueles que continuam as suas actividades sem tentarem reduzir o seu impacto no ambiente. De várias formas, há uma crescente competitividade entre diversas organizações para se parecer mais preocupado com o meio ambiente do que os seus rivais." 024

Tal como acontece noutras áreas, o fenómeno mediático da sustentabilidade xxxx 024

ADDIS, 2006. Pág. 9, tradução livre.


052

21

21

Remade in Portugal. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/36823331@N05/3765853571/>


053

Construção com desperdícios 1

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Construção com desperdícios

está a conduzir muitos arquitectos a mostar o seu ponto de vista neste campo, fazendo-os apostar em situações imaginativas, que cativem a atenção das pessoas. Numa altura em que a sociedade está atenta e valoriza tudo o que é feito pela área ambiental, não será com surpresa que alguns criativos aproveitem a vaga para promover e difundir as suas obras neste campo, esperando com isso não só divulgar um conceito mas, em muitos casos, também o seu nome. Pelas razões atrás anunciadas, muitos dos trabalhos nesta área estão mais na moda do que nunca, manifestando-se em várias disciplinas, entre as quais o design e a arquitectura. Muitos destes projectos são encarados como experimentação e marcam presença em exposições periódicas, um pouco por todo o mundo. Em território nacional temos o Remade in Portugal, um programa que se insere no conceito Remade existente em diversos países, e que procura difundir a cultura do desenvolvimento sustentável através do design ecológico, recorrendo à divulgação de produtos cuja composição integra uma percentagem assinalável de material proveniente do processo de reciclagem.025 Entende-se que muitos dos projectos patentes em exposições, assim como outros que, com as mesmas características, podemos encontrar com uma simples pesquisa são, por norma, casos isolados, e embora possam ser óptimos exercícios de criatividade, provam não ter uma função prática relevante à grande escala. Não passam, em várias situações, de instrumentos de manifestação política e mensagens mediáticas, que pretendem chegar a todos e sensibilizar todos. Considera-se que estas obras não estão filiadas nos princípios aqui defendidos e desenvolvidos, nomeadamente, promovendo a diminuição de desperdícios e superando a falta de abrigo.

025

Remade in Portugal; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.remadeinportugal.pt/default/apresentacao>



055

Construção com desperdícios 1

História ››

1.3

Síntese

Síntese

A introdução de desperdícios na construção desenrolou-se paralelamente à reutilização dos demais materiais, embora, de uma forma espontânea. Porém, a falta de estudos, especialmente antes do século XX, dificulta uma abordagem mais profunda, neste campo. Quanto ao século passado, a construção com desperdícios é marcada por actos isolados efectuados, sobretudo, por necessidade. Após a década de ’60, associado a movimentos activistas e às suas reivindicações, a reutilização passa a ser encarada como um modo de proteger o ambiente. Entende-se que o aspecto transversal à reutilização de desperdícios na construção prende-se com a urgência de oferecer uma resposta, imediata e directa, a determinados problemas. O primeiro é, certamente, a crise ambiental. Ao longo das últimas décadas, a sociedade descarta vários materiais, cujo ciclo de vida termina, muitas vezes, em aterros, ou são simplesmente abandonados. Esta questão tem levado à manifestação de algumas experiências com base nesses materiais, sustentadas pelo argumento que defende que, ao prolongar a vida útil dos mesmos, se contribui para uma redução de res íduos no planeta. O segundo problema aborda a crise social. A necessidade de abrigo, em vários locais, conjugado com a carência de recursos aí presente, leva a se construam refúgios com as fontes disponíveis, o que inclui desperdícios. Pretende-se, desta forma, uma solução, permanente ou provisória, para o problema da falta de habitação. Actualmente, considera-se que os materiais desperdiçados estão a servir, pela primeira vez, como ponto de partida para o trabalho de muitos arquitectos. Estes profissionais, suportados pelas mesmas razões que levaram a que muitas pessoas, sem formação na área, construíssem com estes elementos, fazem-no para dar solução às crises anteriormente expostas.


[consult. 20 Jul. 2009] http://www.solstation.com/stars/earth.htm


057

2

Construção com desperdícios

Como resposta a uma crise ambiental


so

058

l cia

justiça

tolerância

viabilidade

nómico eco

sustentabilidade

22

22

Desenvolvimento sustentável. Este desenvolvimento assenta em três áreas, ambiental, social e económica, que por sua vez, se relacionam entre si. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://cmsdata.iucn.org/downloads/iucn_future_of_sustanability.pdf>, trabalhado sobre.


059

Construção com desperdícios 2

1

História ›› Como resposta a uma crise ambiental ››

2.1

Enquadramento do tema

Enquadramento do tema

mais importantes se prende com a capacidade de planear e 2.1.1

A arquitectura sustentável

Nos últimos anos, o desenvolvimento sustentável tem sido alvo de interesse, particularmente após a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, no ano de 1992. Este congresso, conhecido como Cimeira da Terra, produziu o Agenda 21, um programa que viabiliza o desenvolvimento baseado em métodos de protecção ambiental, justiça social e económica. Este documento representou uma modificação importante nas políticas ambientais a nível mundial, pois reconheceu-se que o desenvolvimento sócio-económico não se deve dissociar da protecção ao ambiente.026 Todavia, foi em 1987 que se apresentou uma das definições mais utilizadas do conceito de sustentabilidade, que consta do relatório O Nosso Futuro Comum, publicado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, e que o define como "o desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades."027 Actualmente, o termo sustentabilidade é visto como um conceito amplo para várias actividades humanas, entre as quais a arquitectura. Desde o ano da crise do petróleo, em 1973, até à actualidade, o conceito sobre o que é construção sustentável tem-se alterado. No período da crise petrolífera, o debate abordava construções mais eficientes ao nível energético, uma vez que o sector imobiliário é responsável

pelo

consumo de

uma

grande

quantidade

deste

recurso.

Posteriormente, o alvo passou a ser os resíduos produzidos no decorrer das obras e, mais tarde, o consumo excessivo de água. Hoje, devido aquecimento global, é dada uma especial importância aos gases que são lançados para a atmosfera.028 das suas características mais importantes se prende com a capacidade de planear 026

Wikipédia; [consult. 04 Set. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://pt.wikipedia.org/wiki/ECO-92>

e

027

AFONSO, 2006. Op. cit. Pág 11.

028

ARAÚJO, s. d. [a]


060

23

23

Arquitectura sustentável. Ambiciona a harmonia entre a construção e o ambiente. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/dcdead/2860127362/>, trabalhado sobre.


061

Construção com desperdícios 2

1

História ›› Como resposta a uma crise ambiental ››

Enquadramento do tema

"…a construção s ustentável não é um modelo para res olver problemas pontuais, mas uma forma de pensar o processo de construção e tudo que o envolve. Quanto mais sustentável uma construção, mais responsável será pelo que consome, gera, processa e descarta, sendo a capacidade de prever os impactos ambientais uma das principais características. […] A construção sustentável é uma síntese de abordagens que associam o edificar e o habitar à preservação do meio ambiente. Para ela, convergem tendências como: arquitectura ecológica, arquitectura antroposófica, arquitectura orgânica, arquitectura

bioclimática,

arquitectura

biológica,

bioconstruç ão,

ecobioconstrução, arquitectura sustent ável, construção ecológica…"029

São vários os factores específicos de cada tendência, referidos na citação anterior. A implantação da obra e a sua disposição solar, a adopção de vegetação como elemento de controlo térmico e renovação do ar, a implementação de tecnologias que permitam a produção de energia e o tratamento de excedentes, são disso exemplo. A isto, acrescentam-se os materiais que são utilizados, aspecto que será, porventura, um dos mais importantes no que diz respeito à sustentabilidade de uma construção. A selecção dos materiais deve estar de acordo com a geografia envolvente, ecossistema e condições climatéricas do sítio, entre outros factores, numa prática próxima ao da arquitectura vernacular, que é sustentada pelos valores locais. A sua escolha também deve seguir normas particulares, desde o seu primórdio, ainda no estado de matéria-prima, até ao produto final, de modo a serem reconhecidos como sustentáveis.030 Embora os desperdícios não se enquadrem nessa linhagem, considera-se legítimo afirmar que a sua reutilização, como material de construção, pode ser visto como uma prática sustentável, na medida em que existe um prolongamento da sua vida útil depois de já cessada a sua primeira função, acarretando várias consequências benéficas a nível ambiental. 029 030

ARAÚJO, s. d. [a] Pág. 2. Idem.


extracção

fabrico

produto

uso

erdício

ater

to du

desp

t ur a pro

ac

nu ma f

extr

ç ão ac

uso

062

desperdício

ro

aterro

percurso linear

reutilização

extracção

fabrico

produto reciclagem

uso

percurso fechado 24

24

Percurso de vida dos materiais. Fonte: O candidato.


063

Construção com desperdícios 2

1

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2.1.2

Enquadramento do tema

O ciclo de vida dos materiais

Para melhor compreendermos a origem dos vários materiais que poderão ser usados como elementos de construção, convém perceber os ciclos de vida dos mesmos. Numa típica sociedade do desperdício, a generalidade dos materiais está envolvida num fluxo linear – extracção, manufactura, produto, uso, desperdício e, por fim, aterro. Este percurso é chamado "do berço ao túmulo", já que os materiais têm um nascimento e uma morte anunciada, dando facilmente a entender que o trajecto dos acontecimentos não é sustentável.031 Segundo Bill Addis, as primeiras tentativas para mudar o pensamento das pessoas sobre o ciclo de vida dos materiais, ainda no decorrer da década de '90 do século XX, tendeu a focar-se sobre o que poderia ser feito para atenuar as grandes quantidades de resíduos que se iam acumulando e eram enviados, directamente, para os aterros. Porém, segundo o mesmo autor, actualmente, a sociedade tem vindo a perceber que a própria ideia de desperdício pertence ao velho modo de pensar, onde excesso e supérfluo eram encarados como um sério problema. Acontece que, hoje em dia, um número crescente de pessoas com parecer nesta matéria está a olhar de forma diferente para o problema, e passaram a dirigir a sua atenção para o trajecto de vida em que os materiais estão envolvidos.032 Assim, considera-se que o trajecto mais ecológico consiste num fluxo que não é linear, como acontece no trajecto do berço ao túmulo, mas fechado – extracção, manufactura, produto, uso e desperdício, sendo que, neste último estádio, temos duas possibilidades. A primeira, é a reciclagem, e o descartado volta, novamente, ao fabrico. A segunda, é a reutilização, e volta a ser encarado como um produto útil. Embora o transporte e o processamento de grandes quantidades de material para ser reciclado já seja uma prática diária, o método da reutilização permite poupar esforços e custos inerentes ao processo anterior, sendo uma prática a considerar considerar xxxx 031

ADDIS, 2006.

032

Idem.


064

25

25

Consumo na actualidade. A manter os níveis de extracção actuais, seriam necessárias três Terra para suportar o consumo. Fonte: [consult. 15 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.wwu.edu/depts/skywise/a101_planets.html>, trabalhado sobre.


065

Construção com desperdícios 2

1

História ›› Como resposta a uma crise ambiental ››

Enquadramento do tema

sempre que possível. O percurso anteriormente referido intitula-se do “berço ao berço”, uma vez que a fonte vai ter uma nova função depois de terminado o seu ciclo de vida, sendo actualmente debatido e defendido por diversos intelectuais que se debruçam sobre este assunto.033

2.1.3

A reutilização e o ambiente

"A razão dominante para a reutilização visa a redução do impacto ambiental da nossa sociedade no meio ambiente."034 Segundo Bill Addis, existem três pontos primordiais para a reutilização aplicada ao sector da construção, que consistem na redução do impacto dos edifícios no ambiente, na importação de benefícios para o projecto e, por último, na exposição do nome do responsável pelo projecto.035 As actividades relativas à construção de edifícios para responder às expectativas da sociedade moderna manifestam um grande impacto no meio ambiente, expresso de várias formas, tais como o consumo de fontes de energias não renováveis, sejam minerais ou fósseis; poluição atmosférica, provocada pelos processos de fabrico e transporte; degradação da paisagem natural, como a criação de pedreiras, movimentos de terra e desflorestação. Os dados que sustentam este primeiro ponto são fornecidos por várias avaliações sobre a pegada ambiental do Homem, e da enorme quantidade de recursos necessários para lhe fornecer os materiais e a energia, de forma a satisfazer as suas carências. A título de exemplo pode-se indicar que, a manter os níveis de consumo que actualmente se verificam, a cidade de Londres necessitaria de uma área da dimensão da Espanha, para ser sustentável, enquanto que, se cada país ocidental tivesse os mesmos níveis de gasto, seriam necessários três planetas Terra para suportar as acções humanas.036 033

MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002.

034

ADDIS, 2006. Pág. 05, tradução livre.

035

Idem.

036

Ibidem.


066

26

26

Indústria. As actividades humanas são grandes geradoras de poluição. Fonte: [consult. 24 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/schlegl/340924117/in/set-72157617018390709/>


067

Construção com desperdícios 2

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Enquadramento do tema

"Ao mudar o equilíbrio da balança para o reaproveitament o dos materiais pode-se reduzir o número de processos envolvidos e, consequentemente, levar a uma poupança de energia. Ao atingir estes objectivos, não só se reduz a pressão existente nos aterros como se reduz a necessidade de extrair matéria-prima do planeta. Isto irá reduzir o impacto provocado pela exploração dos recursos naturais e abrandar, ou mesmo parar, com a exaustão dos mesmos."037

O segundo ponto consiste na importação de benefícios para o projecto como, por exemplo, a redução de custos da obra devido a incentivos estatais que apoiam programas relacionados com a sustentabilidade. Além disso, e de uma forma directa, pode-se obter uma redução de custos na aquisição dos materiais para construção, uma vez que o desperdício é considerado de pouco valor. Quando possível, também se pode poupar ao nível do transporte, sempre que se optar por reutilizar in-situ.038 O terceiro e último ponto aborda a reputação, exposição e divulgação do nome daqueles que participam, directa ou indirectamente, nesse projecto, uma vez que as pessoas que trabalham no sentido de uma melhoria ambiental são, por norma, reconhecidas. A reutilização pode também acrescentar valor ao projecto, embora não se possa alegar que esta característica se aplique a todas as construções e em todas as situações.039

2.1.4

O desperdício é uma fonte gigantesca

O aglomerado de desperdício tem aumentado proporcionalmente ao crescimento económico. Qualquer empresa que trabalhe com resíduos pode testemunhar que o amontoado de lixo é um indicador fidedigno da mudança económica, para o melhor e para o pior. Embora algumas alterações introduzidas nos últimos anos auxiliem xxx 037

ADDIS, 2006. Pág. 5, tradução livre.

038

Idem.

039

Ibidem.


068

27

27

Resíduos. Esta fonte é praticamente inesgotável. Fonte: [consult. 24 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/grahameh/2211881442/>, trabalhado sobre.


069

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Enquadramento do tema

a combater esta situação, como a adopção de leis mais restritas no campo ambiental e a reorganização do fluxo dos materiais, ainda existem diversos elementos que se continuam a acumular. Como apontamento, pode dizer-se que, no final do século anterior, cerca de 10 milhões de toneladas de desperdícios industriais foram gerados nos processos de fabrico, apenas em Inglaterra.040 É certo que nem tudo o que é resultante de processos industriais ou descartado tem potencial para ser reutilizado, devido à sua toxicidade, propriedades físicas ou mecânicas, mas certamente que dentro da grande variedade de desperdício existente, facilmente podemos encontrar materiais com potencial para esse fim, de diferentes escalas, formas, cores e texturas, em quantidades gigantescas. Diariamente, nos países europeus, em termos médios, são produzidos cerca de dois quilos de lixo por pessoa, sendo que metade deste valor corresponde a embalagens. Este valor é elevado mas, mesmo assim, não é um montante tão alto quando comparado com o que a indústria norte-americana produz. Nesse território, por cada quilo de desperdício sólido municipal, as empresas produzem 20 vezes esse valor, em que grande parte consiste em embalagens, como caixas, garrafas e latas, que são descartadas depois de desempenharem a sua função.041 De facto, existem quase tantos tipos de embalagens como produtos que supostamente devem proteger. Estas, mediante as suas características, podem ser integradas na construção como substituto dos materiais tradicionais, nas paredes, por exemplo, ou serem utilizadas como barreira para isolamento térmico, depois de comprimidas. Para além disso, as embalagens são, também, visualmente interessantes, pois permitem transparências, cores e texturas, que podem enriquecer a construção, garantindo-lhe uma imagem e linguagem próprias. Hoje em dia, mais do que nunca, os carros estão por vários locais. Por causa do crescente número de veículos que circulam pelo planeta – em grande parte, xxxxxxxx 040

ADDIS, 2006.

041

HINTE; PEEREN; JONGERT, 2007.


070

28

29

28

Os pneus usados estão entre a maior variedade de resíduos. Fonte: [consult. 24 Ago. 2009] WWW:<URL:http://cronkitenews.jmc.asu.edu/?p=732> 29

Reutilização nos locais mais carênciados. Nos países mais pobres, os pneus são reaproveitados para outras funções. Fonte: [consult. 24 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/21663411@N08/2183866112/>


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Enquadramento do tema

devido às economias emergentes – o número de pneus usados que se juntam não abranda. Em meados da década de '90 do século passado, e somente nos EUA, o número destes elementos superou os 3 mil milhões e estima-se que, desde essa altura, o número tenha subido 250 milhões a cada ano, localizados em aterros, lixeiras ilegais ou, simplesmente, empilhados e deixados ao abando em vários locais.042 Todavia, este problema tem sido analisado, e o destino desses pneus depende das circunstâncias. Nos países industrializados, muitos pneus são agora recuperados e vendidos em segunda mão, depois de recauchutados, ou então integrados como matéria-prima em pavimentos e novos produtos. Contudo, continuam a existir, principalmente nas zonas mais pobres e sem sistemas de recolha e reciclagem, aterros e lixeiras que contêm vários pneus usados, o que poderá originar vários problemas. Para começar, a decomposição origina resíduos tóxicos que se infiltram nas terras, contaminando os solos e os cursos de água subterrâneos, tornando-os perigosos para os seres vivos. Além disso, os pneus podem reter as águas das chuvas que, com o passar do tempo, se tornam lar para insectos e um foco de propagação de doenças. Por último, correm o risco de serem incendiados, com todas as consequências que isso acarreta. Ora, todos estes pneus, devido às suas características técnicas e formais, podem ser reutilizados na construção, segundo várias formas. O mesmo poderá acontecer com uma variedade indefinida de materiais com o mesmo destino, como será exposto, mais à frente, na análise dos casos de estudo. No que à origem de desperdícios diz respeito, não podemos deixar de fazer referência à indústria da construção civil, especialmente no sector específico da demolição. Esta área contribui com uma grande quantidade de resíduos materiais e, embora a sua quantificação anual não seja simples, podemos encontrar alguns estudos, referentes aos EUA, que apontam para valores de, aproximadamente, 150 xx 042

PAPANEK, 2007.


072

30

31

30

Demolição. Esta área é responsável pela origem de uma grande quantidade de resíduos. Fonte: [consult. 24 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/loupiote/3120378052/> 31

Mercado de salvados. Disponibilizam uma grande variedade de elementos provenientes do processo de desconstrução. Fonte: [consult. 24 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/49646846@N00/2800079517/>


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Enquadramento do tema

150 milhões de toneladas no ano de 2000. 043 Contudo, existe um processo substituto à demolição. Designa-se por desconstrução, e consiste na desmontagem selectiva dos vários componentes que integram o edifício. Ao contrário da demolição, que geralmente se faz por processos mecânicos, em grande escala, e visa, somente, reduzir o volume do edifício para, posteriormente, ser encaminhado para o aterro, ou mesmo para a reciclagem, a desconstrução propõe a preservação dos elementos estruturais em madeira e ferro, das portas, janelas e outros componentes, na sua composição original, para que possam ser posteriormente reutilizados noutras construções.044 Esta prática está directamente associada ao mercado dos salvados, que comercializa vários elementos cujo valor é superior aos materiais provenientes da demolição, devido ao cuidado no seu tratamento. Quando reutilizados, os componentes podem assumir a função para que foram concebidos ou, ainda, serem empregues em usos para os quais não foram previamente considerados.

043

CHINI; BRUENING, 2003.

044

COUTO; COUTO; TEIXEIRA, 2006.


074

32

32

Uma das primeiras habitaçþes projectadas por Reynolds. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.melaniedorson.com/Photosintro.html>


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2.2

Casos de estudo

Casos de estudo

mais importantes se prende com a capacidade de planear e 2.2.1

Estudo 1 |

Michael Reynolds | Método

O excesso de lixo não é um problema actual. De facto, já na década de '70 do século XX, Michael Reynolds045 utilizou no seu trabalho, de uma forma intensa, materiais desperdiçados pela sociedade, de modo a dar uma resposta aos problemas ambientais da época. Hoje, as preocupações mantêm-se e, como tal, o arquitecto continua a trabalhar com fontes do mesmo tipo. Reynolds acredita na utilização sustentável de todos os recursos existentes no planeta, sem que isso comprometa a qualidade das casas, dos escritórios e dos demais tipos de usos e programas. Os seus diversos estudos no campo da reutilização dos resíduos, como material construtivo, procuram demonstrar que estes podem ser tão eficientes e valorizados como os materiais de construção convencionais, sejam a pedra, o tijolo, o betão, ou qualquer outro elemento, se tratados como tal. Entre esses resíduos, encontram-se pneus, latas e garrafas de vários tipos, que foram aplicados nas primeiras construções, para si próprio, no início da carreira profissional. Posteriormente, volta-se para os seus clientes.046 Reynolds afirma que a ideia de começar a utilizar latas nos seus projectos surgiu depois de ver um programa televisivo, onde eram apresentadas diversas ruas e campos, em vários locais norte americanos, repletos destes recipientes. Então, pensou que essa abundância de material supérfluo poderia, eventualmente, ser utilizada como recurso no desenvolvimento das suas obras, "…servindo-se de um problema para resolver outro. Ele [Michael Reynolds] acredita que os melhores materiais vêm do que está disponível em abundância."047 A nível ambiental, é de salientar o facto deste arquitecto trabalhar com uma fonte completamente renovável, o lixo, sendo que para a sua obtenção não é necessário um… 045

Biografia na pág. 178.

046

PASCHICH; HENDRICKS, 1995.

047

Idem. Pág. 74, tradução livre.


076

33

33

Garrafas como elemento de construção. Neste caso, integradas numa parede de adobe. Fonte: [consult. 24 Ago. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/earthshipkirsten/2123124294/>


077

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Casos de estudo

necessária a exploração do planeta. "Quando trabalhamos com o desperdício, estamos a poupar árvores, petróleo, bem como uma série de outros recursos naturais e, ainda, a reduzir a poluição." 048

2.2.1.1

Um novo conceito de construção

Um dos primeiros projectos de Michael Reynolds, a Casa Thumb, concluída em 1972, caracterizou-se por ser construída com garrafas de cerveja vazias, dispostas por sobreposição em camadas de argamassa e, pontualmente, de adobe. Como não havia qualquer tipo de estudos relativamente a este processo construtivo, as obras seguintes foram sendo melhoradas à medida que se ia experimentando e rectificando os erros cometidos anteriormente.049 No ano seguinte, surgiu a crise do petróleo, o que agravou o custo para aquecer o interior de um edifício deste tipo. Como resposta, Reynolds procurou materiais que garantissem mais massa térmica, de forma a preservar uma temperatura agradável no interior da habitação. Os invernos podem ser extremamente frios no Novo México, local se encontram muitas das suas obras, e os edifícios construídos com paredes de grande massa térmica oferecem uma resposta eficaz face à baixa temperatura ambiente. "Massa térmica é o termo usado para qualquer massa que contenha ou preserve a temperatura. Terra, areia, pedras, tijolos e cimento são bons exemplos deste tipo de materiais."050 Assim, Reynolds começa por servir-se de terra, como material de construção para as suas obras, pois encontra-se facilmente disponível, é fácil de trabalhar e, quando comprimida ao longo da parede, torna-se num excelente isolante térmico. Contudo, a terra pode também ser frágil, caso não seja sustentada por uma estrutura que resista à erosão. Depois de uma pesquisa para resolver este problema, Reynolds descobre que os pneus, disponíveis em grande quantidade e xxxxxxx 048

PASCHICH; HENDRICKS, 1995. Pág. 74, tradução livre.

049

Idem.

050

Ibidem. Pág. 75, tradução livre.


078

34

34

Construção de uma parede com a utilização de pneus, terra e pedras. Fonte: WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/bangladeb/512489450/>


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variedade nos EUA, são a solução para oferecer consistência às paredes, e começa a experimentar estes elementos na execução dos seus projectos.051 A nível construtivo, os pneus são dispostos horizontalmente, por camadas, segundo o desenho da construção e, de seguida, são preenchidos com terra e pedra, compactadas, provenientes do local da obra. O processo é repetido até à altura pretendida, resultando em paredes de grande resistência estrutural e térmica, devido à sua grande massa, o que permite a criação de espaços com uma temperatura interior constante. Os vazios existentes entre cada pneu são preenchidos com terra, latas e garrafas, que ajudam na estabilização e estanquidade do conjunto. Estas pequenas peças podem, também, ser usadas como substituto dos tradicionais tijolos de barro, para levantar as divisórias interiores ou, em alguns casos, construir paredes em contacto com o exterior, quando as questões térmicas não são importantes. Reynolds, referindo-se à parede feita com pneus, terra e recipientes, argumenta: "…aqui está a estrutura, aqui está a massa e aqui está o sistema de aquecimento – e é grátis… normalmente, a criação de massa térmica envolve sistemas dispendiosos."052 E acrescentou: "as casas tradicionais não têm massa… o truque é capturar energia… a densidade da matéria, massa, mais energia armazenada está presente… tornando-se a primeira fonte de aquecimento e arrefecimento."053 A este sistema de construção, Michael Reynolds deu o nome de Earthship Bioarquitectura, designação que, daí em diante, permaneceu como termo chave para identificar as suas obras. De forma a demonstrar o quanto acredita no futuro do sistema, o arquitecto chega a fazer uma comparação entre as suas construções e o modelo A, da Ford, afirmando que, tal como este automóvel revolucionou o transporte na sua época, as Earthship irão mudar os princípios sobre o que é um lar e uma casa, no futuro. "Quando apareceu o modelo A, o cavalo e a carruagem continuavam a ser mais xxxxxx 051

PASCHICH; HENDRICKS, 1995.

052

Idem. Op. cit. pág. 75, tradução livre.

053

Ibidem. Op. cit. pág 75, tradução livre.


080

35

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35

Panorâmica sobre a comunidade Earthship em Taos, Novo México. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/marvins_dad/2612771201/>

36

Exemplo de uma Earthship. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/earthshipkirsten/794310333/>


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Casos de estudo

eficazes, mas o automóvel mudou a forma como fomos em direcção ao futuro. Hoje, os carros que chegam aos 200 quilómetros por hora são frequentes, algo que os cavalos e carruagens não podem fazer."054 Actualmente, as Earthship estão presentes em vários pontos do globo, com especial incidência no Novo México, onde são habitadas por comunidades que exemplificam um modo de vida ecologicamente responsável.055 Em muitas situações, embora existam pessoas que gostariam de usufruir de uma habitação deste tipo, o processo é frequentemente dificultado pelas leis que regulam a construção nos diversos países.

2.2.1.2

Earthship Bioarquitectura | 1972-presente

As Earthship são estruturas habitacionais, concebidas e construídas, literalmente, por Michael Reynolds e pelas pessoas que habitam nas comunidades ecológicas, que se deslocam a qualquer local do planeta para as erguer, se forem chamados para o efeito. Para além da reutilização, as construções Earthship são caracterizadas pela utilização de materiais naturais e aplicação de tecnologia sustentável. Todas estas características, quando conciliadas, garantem, em alguns casos, a completa autonomia da habitação, podendo-se implantar em praticamente qualquer ambiente e adaptar-se a qualquer clima, desde o calor do deserto às zonas muito frias, em grandes altitudes.056 A grande massa térmica das paredes, juntamente com a correcta orientação solar do edifício, permite manter o interior estável, mesmo nos períodos em que a temperatura exterior é extrema. A massa térmica permite, também, acumular a energia solar durante o dia, que depois é libertada para o interior, assim que a temperatura ambiente desce. Juntamente com este sistema, as Earthship possuem 054 055 056

PASCHICH; HENDRICKS, 1995. Op. cit. pág. 74, tradução livre.

Neste momento existem três comunidade, todas na zona de Taos, Novo México, EUA. TRUYENS, s.d.


082

37

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37

Remate superior da parede de pneus. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/jessicareeder/3410459874/in/photostream/>

38

Aplicação do adobe sobre uma parede de pneus. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/seyfang/show/with/6196727/>

39

Painéis solares. Localizam-se, geralmente, na cobertura, mas também podem ser inseridos na fachada. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/seyfang/4968861/>


083

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Casos de estudo

dispositivos de ventilação simples, que podem ser manipulados para assegurar o conforto térmico e a renovação do ar interior, tais como portas e janelas, presentes nas paredes e na cobertura. Em climas mais quentes, pode-se recorrer a outros sistemas de regulação térmica, como o arrefecimento pelo solo, cuja ideia é captação de ar exterior e a sua posterior condução, por tubos enterrados, para o interior do edifício. 057 "Quando o ar viaja pelo tubo […] transmite parte do seu calor para o solo que o envolve, entrando na casa como ar arrefecido…"058 Ao nível dos materiais naturais, há a destacar o uso do adobe, que é utilizado como elemento entre a sobreposição dos pneus e como revestimento, no interior e exterior da habitação, o que, para além de garantir uma imagem mais cuidada da casa, permite que esta se integre na paisagem em que está inserida. Não devemos esquecer que estas construções se encontram implantadas em ambientes naturais e, como tal, caso as paredes não fossem alvo de um acabamento eficaz, a construção ficaria com uma imagem agressiva e descontextualizada. A madeira é, igualmente, um material natural amplamente utilizado, geralmente, assumindo funções estruturais. As Earthship acomodam, também, tecnologia de vertente ecológica, que garante aos edifícios as condições necessárias para o seu funcionamento, enquanto residência. A energia eléctrica é fornecida por painéis solares e a água, captada das chuvas e degelo da neve, é posteriormente acumulada em reservatórios e reutilizada para várias tarefas, segundo uma série de processos. Como se sabe, a quantidade de água potável no planeta é limitada, o que levou Reynolds a investir fortemente na utilização sustentável deste elemento natural – depois de ter sido recolhida da cobertura, é transportada para uma cisterna, onde é armazenada e tratada, sendo posteriormente distribuída pela casa. A água usada nas tarefas domésticas é reutilizada para regar as plantas e vegetais, no interior da residência, xxxxx 057

TRUYENS, s.d.

058

CAD; [consult. 20 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.planetacad.com/presentationlayer/Artigo_01.aspx?id=13&canal_ordem=0402>


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40

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42

40

Sistema de recolha de água a partir da cobertura. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://derbernold.com/tag/connecticut/>

41

Vegetação no interior. A sua rega é efectuada com água recolhida da cobertura. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/lunapark/67340146/>

42

Fossa séptica. Neste espaço, encerrado com um vidro, ocorre o processo de decomposição orgânica. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/unm00red/3227144022/in/photostream/>


085

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Casos de estudo

e que, por sua vez, ajudam a purificar o ar e controlar a temperatura. Em algumas situações, os vegetais também servem de alimento para os habitantes. O líquido que não é usado pelas plantas é transportado para um reservatório mais pequeno, que abastece a sanita. As águas negras daí resultantes são encaminhadas para uma fossa séptica exterior, fechada por um vidro, para ajuda a aquecer o interior e a acelerar o processo orgânico de decomposição. O excedente é encaminhado para o ar livre, onde é consumido pelas ervas e outra vegetação local.059 Como se pode constatar, o conceito de auto-sustentabilidade para Reynolds vai muito além da simples reutilização do desperdício. O arquitecto sustenta que toda a habitação deve ser pensada para ser completamente autónoma e não depender de quaisquer fontes externas. A variedade de construções Earthship reflecte-se nas diferentes escalas e formas, de maior ou menor complexidade, com grande variedade de plantas e detalhes construtivos para cada caso. De um modo sucinto, podemos catalogar os modelos em 2 classes principais: categoria compacta, modular.060 As habitações de categoria compacta são as mais económicas, fáceis e rápidas de construir. Têm, geralmente, forma rectangular, e constroem-se com recurso a uma parede estrutural de pneus, que envolve todo o edifício, deixando apenas uma fachada envidraçada, virada a sul.061 A categoria modular, como o nome indica, tem por base a repetição de módulos espaciais. As habitações deste tipo têm, por norma, planta simétrica, com a sala de equipamentos técnicos ao centro. A partir deste núcleo, desenvolvem-se os módulos, de forma circular, que se vão agregando entre si, conforme os espaços necessários. Oferecem maior conforto térmico do que os modelos compactos, uma vez que cada espaço se encontra individualmente revestido com massa térmica. Esta categoria pode ser dividida em sub-categorias, onde as formas podem variar dependendo de diversas condicionantes, como o sítio e a vontade do destinatário ainda,xxxxxxxxxxxx 059

TRUYENS, s.d.

seu formas

060

Idem.

061

Ibidem.


086

A parede exterior envolve totalmente o edifício, excepto a fachada virada a sul, que é realizada em vidro. A área interior alberga os diferentes espaços que podemos encontrar numa habitação tradicional, sendo que as suas paredes divisórias são realizadas com recipientes e, posteriormente, revestidas com adobe. O reservatório da água e equipamentos técnicos encontram-se no exterior.

43

A parede exterior envolve todo o edifício e as aberturas são pontuais. A área interior alberga os diferentes espaços que podemos encontrar numa habitação tradicional, todos revestidos com massa térmica, garantida pela utilização dos pneus e dos recipientes, sendo posteriormente revestidos com adobe. O reservatório da água e equipamentos técnicos encontram-se no interior e assumem-se como elemento estruturante da organização espacial. 44

43

Exemplo de uma Earthship de categoria compacta. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/twojackalopes/65996247/in/poolearthships_for_homes>, trabalhado sobre. 44

Exemplo de uma Earthship de categoria modular. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/earthshipkirsten/798363825/in/set72157603438432328/>, trabalhado sobre.


087

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Casos de estudo

da obra.062 Além das categorias compacta e modular, existem outras, secundárias, com propriedades específicas. São elas a categoria nautilus, de planta em espiral, híbrida, onde são várias as configurações espaciais possíveis, e retrofit, que consiste na adaptação das técnicas Earthship a construções pré-existentes.063

2.2.2

Estudo 2 |

2012 Architecten | Método

"Imagine-se que se estão a desmontar os enormes reservatórios metálicos num edif ício da zona industrial. Grandes quantidades de aç o, tubos e outros elementos, são c ortados em peç as e colocados em reboques para serem vendidos como sucata. De seguida, o material é triturado em pequenos fragmentos e carregado em camiões, que transportam essa matéria para fábricas de aço situadas, muitas vezes, em zonas afastadas. Assim que chegam ao seu destino, estes resíduos são colocados em enormes fornos onde são processados e transformados novamente em matéria-prima. De seguida, dá-se a forma pretendida e procede-se ao transporte para o mesmo local de origem, onde é feito todo o caminho de volta até onde, inicialmente, estavam. Lá chegados, esses elementos são montados, soldados e aparafusados para se construírem out ros tanques, muitas vezes com características semelhantes aos primeiros." 064

De acordo com a metodologia do 2012 Architecten065, autor do texto atrás citado, o processo descrito é supérfluo, uma vez que a origem e o resultado acabam por ser virtualmente idênticos. Desmontar, colocar o material em veículos, transportar para um determinado s ítio, descarregar, e fazer todo o percurso inverso, depois de reciclar, é frequente. Porém, a reutilização é uma prática mais eficaz.066 Para o desenvolvimento dos seus trabalhos, o 2012 Architecten socorre-se, xxxxxxxxx 062

TRUYENS, s. d.

063

Idem.

064

HINTE; PEEREN; JONGERT, 2007. Pág. 5, tradução livre.

065

Biografia na pág. 178.

066

HINTE; PEEREN; JONGERT, 2007.


088

45

46

45

Reutilização de caixilharias de alumínio. Neste caso, para estruturar um espaço interior. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/2012architecten/sets/72157618487466293/> 46

Reutilização de caixilharias. Os mesmos materiais serviram, na mesma obra, para a execução do mobiliário. Fonte: Idem.


089

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Casos de estudo

para além de elementos geralmente considerados lixo, como pneus usados, garrafas e latas descartadas, de quaisquer outros materiais, de diferentes origens. Esta lista não pode ser descrita dada a sua diversidade e constante novidade mas, para se ter uma noção do universo, pode-se falar de estruturas de armazéns desmontados, equipamentos industriais abandonados, peças de automóvel e outros

veículos, placas

de sinalização e outros

elementos

rodoviários,

electrodomésticos, entre muitos outros. Todavia, ao contrário de Michael Reynolds, que se limita a usar o elemento na sua configuração original, aproveitando sobretudo as suas potencialidades mecânicas e escondendo-o, no final, com um revestimento, o método de trabalho deste atelier é de constante ensaio e criatividade, que não se confina à simples utilização das peças tal como se apresentam. Os materiais podem manter o aspecto que os caracteriza e serem integrados na construção como tal, ou podem, apenas, ser usadas algumas partes da peça de origem, descaracterizando-a em maior ou menor proporção, sendo aproveitado somente o que interessa. Deste modo, os pneus podem ser integralmente usados numa obra, para construir uma base sólida e nivelada, mas também podem, nessa mesma obra, ser recortados, sendo unicamente aproveitadas algumas das suas partes para revestir um alçado. No final, o pneu ainda poderá ser revestido por um outro material ou, pelo contrário, ser assumido tal como é. O mesmo tratamento é aplicado a outros elementos, que são testados, experimentados e explorados de forma a serem aproveitadas as suas potencialidades, de acordo com a visão do arquitecto para o projecto. A forma de trabalhar do 2012 Architecten vai mais longe daquilo que é a simples e tradicional reutilização. É um processo que tem por base um conjunto de medidas que visam proteger o ambiente e fazer arquitectura de um modo sustentável


090

47

48

47

Recycloop, construído com antigos lavatório da louça. O trabalho final dos Architecten é uma consequência directa dos materiais que usam. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/2012architecten/1886890802/>

48

Pormenor da intervenção. Fonte: Idem.


091

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Casos de estudo

sustentável, mas também é uma forma criativa e inovadora de fazer arquitectura, onde a imaginação tem um papel fundamental num campo ainda pouco explorado. Frequentemente, os arquitectos idealizam o projecto e, de seguida, procuram os materiais para concretizar a sua obra. Porém, neste caso, primeiro observam-se os materiais e, de seguida, desenvolve-se o projecto a partir do que está disponível, sendo que este factor influencia, à priori, o resultado da obra.067 Pela inovação deste processo, o holandês Piet Vollaard, arquitecto, professor, autor e crítico de arquitectura, refere-se ao 2012 Architecten do seguinte modo: "Uma vez que eles [os arquitectos que compõem o 2012 Architecten] querem trabalhar e inspirar-se com aquilo que encontram, precisam de repensar o processo de construção. Recebem o pedido do cliente e o que fazem, em primeiro lugar, é proc urar pelo que está disponível e que pode ser usado – podem usar isto para ali, aquilo para acolá… – e todo o método de uso e disposição do edifício vem das coisas que encontram. É mais um laboratório de método de trabalho…"068

Esta forma de trabalhar foi, pelas características que lhe estão associadas, intitulada pelo 2012 Architecten de Superuse. Este conceito não tem, até ao momento, tradução para a língua portuguesa, mas quererá exprimir um estádio superior à simples e tradicional reutilização. Deste modo, propõe-se como tradução a palavra Superuso.

2.2.2.1

O Conceito Superuso

"Superuso... preocupa-se com todos os aspectos da qualidade do edifício e do impacto no meio ambiente durante o ciclo de vida do mesmo, mas foca-se na xxxxxxx 067

PBS; excerto do documentário Superuso, 2.58 min.; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em xxxxx WWW:<URL:http://www.pbs.org/e2/episodes/306_super_use_excerpt.html> 068

Idem, tradução livre.


092

49

50

49

Parque infantil. O Conceito Superuso reflecte-se na reutilização de componentes industriais que já não serviam a função. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/seyfang/4968861/>

50

Vista geral sobre os equipamentos infantis. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/2012architecten/3551070177/>


093

Construção com desperdícios 2

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Casos de estudo

eficiência energética do transporte e do processamento dos materiais…"069 O Conceito Superuso não se refere à simples reutilização, no sentido mais lato, já que, muitas vezes, pode envolver a introdução de produtos novos, que se encontram sem uso, porque foram fabricados em excesso. Ambiciona-se, deste modo, voltar a atribuir uma função prática aos materiais cuja importância se tenha desvanecido, por vários factores, tais como, se encontrarem esquecidos num armazém, serem descriminados, ou depositados em lixeiras e sucatas.070 Superuso é, também, ter consciência que podemos poupar uma série de recursos associados ao transporte e a processos industriais, geralmente relacionados com a reciclagem – com todos os problemas associados a esta prática, nomeadamente, aos níveis económico, temporal e ambiental – se optarmos pela reutilização, particularmente se for efectuada in-situ. Este conceito não quererá dizer que a obra tem de ser realizada exactamente no local onde estão os materiais de construção, mas à escala de Roterdão, cidade onde este atelier desenvolve o seu trabalho, a distância para os transportar de um ponto A para um ponto B, não é exagerada. Segundo Jan Jongert, um dos membros do atelier, o conceito in-situ aponta para a utilização dos recursos presentes na cidade para fazer nova arquitectura, "… ter uma cidade feita de partes geradas pela própria cidade, numa espécie de sistema cíclico…"071 Mais do que um método de trabalho exclusivo do 2012 Architecten, o Conceito Superuso pretende ser um ponto de partida a ser utilizado em várias áreas. Existe a preocupação de fazer com que os valores desta prática sejam universais e, como tal, o atelier recolhe e expõe vários exemplos de criações feitas com desperdícios, colocando-as na Internet, à disponibilidade de eventuais interessados pelo tema. Este espaço armazena obras, não só, no âmbito da arquitectura, mas também noutras áreas, como o design, e mesmo criações feitas ocasionalmente por pessoas sem formação nestas áreas.072 069

HINTE; PEEREN; JONGERT, 2007. Pág. 46, tradução livre.

070

Idem.

071

Ibidem. Pág. 46, tradução livre

072

Superuse; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.superuse.net>


094

51

52

51

Perspectiva superior do bar. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/2012architecten/sets/72157600227764375/>

52

Perspectiva geral do bar. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/2012architecten/sets/72157600227764375/>


095

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2.2.2.2

Casos de estudo

*K | 2001-2007

Um dos primeiros projectos do 2012 Architecten a expressar os ideais Superuso foi a Estação Espacial, uma obra construída a partir de vários painéis frontais de máquinas de lavar roupa descartadas. Estes elementos têm a vantagem de obedecer a medidas standard e apresentam uma configuração semelhante, o que facilita a disposição dos mesmos na obra. A concepção da estação baseia-se na ideia de associação de módulos, de forma heptagonal, onde cada uma das faces é constituída por uma parte frontal dos antigos electrodomésticos, posteriormente fixos a uma estrutura em perfis de aço. A secção inferior é realizada em madeira, para se caminhar sobre esta e garantir estabilidade e rigidez ao conjunto. Para unir os vários elementos, entre si, recorre-se a diversos tipos de ferragens e selantes. Na altura do seu aparecimento, esta construção não possuía um programa definido, mas este facto não invalidou que a mesma percorresse algumas exposições. A certa altura, a obra chamou a atenção de Wytze Patijn, Reitor do Departamento de Arquitectura na Universidade de Tecnologia de Delft, que ficou tão impressionado com a criatividade da estação que decidiu adquiri-la e convertêla num bar, com o nome Espressobar Strek (*K). Posteriormente, foi colocado no interior de um dos edifícios do campus universitário, onde permanece. "Há um pouco de humor neste trabalho, os arquitectos não têm de ser sempre sérios…" 073, argumenta Patijn, relativamente à obra. Para servir esta nova função, foram acrescentados três módulos à anterior estrutura, de modo a aumentar o seu espaço útil. De seguida, colocaram-se alguns antigos assentos de automóvel no interior, para sentar, e reutilizaram-se portas de frigoríficos antigos para erguer um espaço de preparação de refeições. De salientar é, ainda, o uso de pratos de plástico translúcido na cobertura do espaço de convívio e a utilização de painéis solares, para fornecer energia. 073

PBS; excerto do documentário Superuso, 2.58 min.; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.pbs.org/e2/episodes/306_super_use_excerpt.html>


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Prateleiras realizadas com vidro para-brisas. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/2012architecten/sets/72157594181404156/>

54

Pormenor das prateleiras. Fonte: Idem. 55

Perspectiva interior do espaรงo Worm. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/2012architecten/set-72157594181332176/>


097

Construção com desperdícios 1

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História ›› Como resposta a uma crise ambiental ››

2.2.2.3

Casos de estudo

O Mapa de Colheita | 2005-presente

Posteriormente, o 2012 Architecten foi solicitado para remodelar o interior de um pequeno espaço destinado a uma sapataria. Neste caso, são utilizados vidros párabrisas de automóvel para construir as prateleiras, resíduos de madeira para fazer os assentos e um tapete rolante, frequentemente utilizado numa caixa de pagamento de super-mercado, é reutilizado como passerelle, onde os clientes podem caminhar e experimentar os seus sapatos. O bom desempenho demonstrado neste trabalho levou a que o atelier fosse convidado para a remodelação interior de um edifício para um grupo de artistas que organizam concertos, projecções de filmes, workshops e outros eventos, denominado Worm. Pretendia-se, para este projecto, uma grande utilização de elementos salvados, uma vez que são muito mais económicos do que os novos, indo ao encontro das condições dos artistas, que não pretendiam despender muito dinheiro na obra. Aos arquitectos foi pedido, também, que as estruturas propostas fossem fáceis de manusear e de transportar, uma vez que acompanhariam os artistas quando ocupassem outras instalações, num outro local, visto que estes profissionais fazem as suas performances em espaços que lhes são cedidos de uma forma gratuita, mas por um tempo limitado. Por último, foi imposto que todos os equipamentos devessem ser de execução simples, de modo a poder repetir-se, se necessário, a sua execução noutro local, sem a presença dos arquitectos.074 Posto isto, o 2012 Architecten foi incumbido de desenhar toda a organização espacial no interior do imóvel, onde desenvolveram um bar, um espaço de projecção de filmes e concertos e uma zona aberta para os artistas trabalharem, entre outras áreas secundárias. Além disso, idealizaram os equipamentos e mobiliário necessários ao funcionamento do programa, segundo os requisitos pedidos. Painéis, de vários tipos, para levantar as divisórias, portas e sistemas de climatizade 074

HINTE; PEEREN; JONGERT, 2007.


098

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56

Reutilização de antigos reservatórios de água para albergar os wc’s. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/2012architecten/2758810305/>

57

Bancos realizados com pneus. Fonte: HINTE; PEEREN; JONGERT, 2007. 58

Mapa de Colheita. O número 1 corresponde à localização do espaço Worm e os restantes à localização dos materiais. Fonte: Idem.


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Casos de estudo

climatização, foram directamente recolhidos de lojas de produtos salvados, localizadas próximo do lugar da obra, e posteriormente inseridos na construção com o mínimo de modificações. Antigos bancos de automóveis foram reutilizados como assentos no espaço de projecção cinematográfica, as casas de banho encontram-se no interior de grandes tanques translúcidos, e o balcão do bar é concebido com recurso a componentes em madeira e tubos de ventilação. Por fim, uma grande variedade de pneus, recortados e dispostos de várias formas, foram usados para construir os sofás. Associado a este projecto surgiram novos desafios, nomeadamente, a dificuldade em saber onde se poderiam adquirir os vários materiais, bem como o conhecimento das suas distâncias relativamente ao sítio onde eram precisos. Isto originou o desenvolvimento de uma nova técnica de trabalho, que consistiu na criação do Mapa de Colheita.075 Este documento provou ser uma ferramenta valiosa na busca de materiais para o local onde estes eram necessários, e o seu método consiste no seguinte: primeiro, sobre o mapa da cidade onde se está a trabalhar, marca-se o sítio onde os materiais são solicitados – neste caso, o espaço Worm. De seguida, desenvolve-se uma pesquisa dentro de um determinado raio, a partir da construção, para descobrir o que está disponível com potencial para ser reutilizado, vindo de doações, demolições ou sucatas. Depois de cruzar essa informação com a distância a que o material se encontra da obra, analisam-se os dados e adquirese o que está mais próximo com as características pretendias, o que permite economizar custos de transporte e reduzir a quantidade de gases com efeito estufa libertados para a atmosfera, como resultado dessa deslocação. O Mapa de Colheita é, a partir dessa altura, um documento essencial para qualquer projecto do 2012 Architecten.

075

HINTE; PEEREN; JONGERT, 2007.



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Construção com desperdícios 2

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2.3

Síntese

Síntese

As obras efectuadas com materiais desperdiçados no âmbito da resposta a uma crise ambiental caracterizam-se, sobretudo, pela inovação e ensaio dos métodos construtivos. Os projectos baseiam-se na experimentação, na análise e na busca de soluções a partir do aperfeiçoamento de construções previamente efectuadas, uma vez que não existem estudos científicos que abordem o comportamento dos vários materiais usados. Embora os primeiros casos tenham começado pela construção de residências, actualmente já podemos encontrar intervenções ao nível de outros programas, com variações de complexidade, como resultado da natural evolução a que esta área assiste. As obras, geralmente de carácter permanente ou com um período de vida dilatado, reflectem preocupações que ultrapassam o simples acto de protecção e caracterizam-se pela diversidade ao nível da escala, forma e imagem, consequentes dos materiais que são utilizados e do modo como são empregues. Juntamente com a reutilização e a questão construtiva em si, há ainda a salientar a preocupação dada a outros aspectos ligados à sustentabilidade de uma forma geral. Nota-se, por exemplo, especial atenção atribuida à eficiência energética dos materiais e à localização dos mesmos, pois este último aspecto é importante para prevenir o seu transporte a partir de longas distâncias.


[consult. 20 Jul. 2009] http://www.flickr.com/photos/julien_harneis/3621896572/


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3

Construção com desperdícios

Como resposta a uma crise social


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59

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A falta de habitação. Esta realidade é um problema em vários pontos do globo. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/rudiroels/3633552748/>


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3.1

Enquadramento do tema

Enquadramento do tema

mais importantes se prende com a capacidade de planear e

3.1.1

A falta de habitação

De acordo com Thomas Fisher, professor de Arquitectura e Paisagismo na Universidade de Minnesota, um futuro problema incidirá sobre o papel dos arquitectos

na resolução das crises

habitacionais

do mundo, seja ele

industrializado ou não. O mesmo, num artigo onde aborda precisamente este assunto, argumenta: "…Como tema, o problema da habitação tem sido base para imensos estudos e pesquisas sobre o papel do arquitecto nesta área… Como arquitectos, o quanto somos responsáveis para atender à necessidade de milhões de pessoas, em todo o mundo, que vivem em habitações inadequadas? Muito! E o quanto estamos preparados, como arquitectos, para res ponder a um problema dessa dimensão? Não muito bem. O que podemos fazer, como arquitectos, para assumir mais responsabilidade e ajudar quem não pode pagar os nossos honorários? Como nos podemos preparar para enf rent ar os problemas perante os quais temos pouca experiência?"076

Fisher continua a desenvolver a ideia, chegando a fazer referência a uma citação de Richard Farson, presidente do Instituto de Ciências Western Behavioral077, e antigo membro do Instituto Americano de Arquitectura, que lançou a seguinte questão ao sair do conselho de administração em 2003: "Por vezes, pergunto-me o que diria um arquitecto americano a um líder chinês, se este fosse ao seu encontro e lhe pedisse ajuda para abrigar 800 milhões de pessoas sem casa…"078 Como resposta o arquitecto diria que, ao aplicar os processos normais para uma obra de 076

FISHER, 2005. Pág. 2, tradução livre.

077

Instituição fundada em 1958, como uma entidade independente e sem fins lucrativos dedicada à investigação, ensino e estudos avançados em assuntos humanos. 078

FISHER, 2005. Op. cit. pág. 2, tradução livre.


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Passagem do furacão Katrina por Nova Orleães, EUA. As catástrofes naturais serão mais frequentes no futuro devido às alterações climáticas. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Katrina-new-orleans-flooding32005.jpg>


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Enquadramento do tema

tal envergadura, utilizando os processos tradicionais de ordem burocrática, logística e construtiva, o projecto demoraria muitos anos a ser realizado, o que levaria o líder chinês a concluir que não se conseguia dar uma resposta imediata ao problema.079 Porém, o problema da falta de habitação não afecta apenas os países com milhões de habitantes sem possibilidades económicas. Fisher recorda que, depois do tsunami asiático, em 2004, da inundação de Nova Orleães, causada pelo furacão Katrina, em 2005, e de outras catástrofes naturais, a comunidade da arquitectura careceu de soluções para abordar as grandes ameaças que podem ocorrer no ambiente, construído ou não construído, cenários que, devido às alterações climáticas, serão mais frequentes no futuro.080 No seu artigo, questiona: "Como poderemos res ponder a este problema [a falta de habitação] que afecta países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos? Pode ser que a curto prazo os arquit ectos trabalhem em parceria com o público e com entidades sem fins lucrativos para procurar e expor soluções que permitam responder, de uma forma prática, ao crescente número de pessoas desalojadas por causa das questões ambient ais e económic as..."081

3.1.2

O design adaptativo e a primeira resposta à crise social

As primeiras manifestações que visavam a procura de soluções para a falta de habitação, especialmente em locais carenciados e recorrendo à reutilização, manifestou-se há alguns anos. Como temos visto ao longo da investigação, o tipo e a fonte de desperdícios que podem ser reutilizados na construção são variados. Porém, um aspecto transversal a todos eles, é o facto de não terem sido, na generalidade, concebidos para desempenhar uma segunda vida como elemento de construção. As peças poderão ser feitas de diferentes materiais, apresentar várias escalas, diversas formas, cores arquitectónicas 079

FISHER, 2005.

080

Idem.

081

Ibidem. Pág. 2, tradução livre.


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61

62

61

Reutilização de embalagens da empresa FedEx para construir abrigos. Projecto do arquitecto Takuya Onishi. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.launchpad05.com/fedex%2001.htm>

62

Construções verticais e abobadais. Onishi sugere construções variadas. Fonte: Idem. 63

Construções oblíquas. Fonte: Ibidem.

63


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Enquadramento do tema

e texturas, em função da sua vida primária e do seu propósito durante esse tempo. É esta multiplicidade que permite a grande diversificação de propostas arquitectónicas, todas elas válidas no seu contexto, como vimos na análise dos casos práticos anteriormente expostos. É certo considerar que este método de trabalho continue a ser utilizado, no futuro, já que o recurso a materiais com potencial de reutilização é abundante e, certamente, novas experiências serão feitas a partir de elementos até agora nunca utilizados. É um procedimento normal, visto que diariamente são descartados vários objectos e a indústria está frequentemente a lançar novos produtos com potencial de reutilização. Todavia, existe uma categoria de materiais desperdiçados e posteriormente reutilizados na arquitectura que se distingue dos demais, visto que possuem uma característica particular: foram concebidos para servirem um propósito pré-definido depois da sua vida primária cessar. Projectos desta natureza estão geralmente associados a empresas multinacionais que disponibilizam, por exemplo, o invólucro dos seus produtos, para responder à falta de materiais de construção em locais empobrecidos. Nestes projectos, o design, como disciplina associada à produção industrial, torna-se no agente responsável pela concepção destes elementos que, certamente, terão de obedecer a vários requisitos, sendo as propriedades técnicas e formais as mais relevantes. O produto terá que desempenhar bem a sua função habitual, mas também terá que responder, eficazmente, à situação que se destina no final do seu ciclo comercial. Alguns dos primeiros desenvolvimentos nesta área são o resultado do trabalho de designers e arquitectos visionários, no decorrer das décadas de '60 e ‘70 do século passado, que pensaram em projectar algo com as características atrás referidas para ser produzido em massa, destinado ao mercado de consumo e, posteriormente, adquirido pelas comunidades mais desfavorecidas. Pretendia-se conjugar as potencialidades do objecto, como elemento construtivo, com o factor xxxxxxxxxxxxx


110

64

64

Pormenor de uma parede realizada com garrafas WOBO. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/zoedisco/3294998876/in/photostream/>


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Enquadramento do tema

internacionalização da empresa, tirando partido desta circunstância para salientar a facilidade, rapidez e economia com que poderiam chegar aos sítios necessários.082 Foi dentro desta conjuntura que nasceu a garrafa WOBO, o primeiro objecto – e único até ao momento, com o mesmo impacto – que se pretendeu assumir, propositadamente, como material desperdiçado susceptível de ser reutilizado na construção. Embora o conceito não tenha conhecido o sucesso relativamente à prática para o qual tinha sido concebido, como iremos observar no tópico seguinte, a verdade é que a ele não podemos deixar de fazer referência, por estar associado à ideia percursora relativa ao trabalho com desperdícios na arquitectura, no âmbito de uma crise social.

3.1.2.1

WOBO

No início da década de '60 do século XX, Alfred Heineken, responsável pela companhia de cervejas Heineken, fez uma viajem à ilha de Curação, no Mar das Caraíbas, e ficou consternado pelas más condições da habitação local, construída em grande parte por detritos resultantes da sociedade consumista. Ao ver recipientes da sua própria empresa entre o amontoado de lixo aí presente, o empresário considerou criar uma garrafa que pudesse ter uma vida secundária, ao ser utilizada como material de construção.083 Foi nesta circunstância que nasceu e se desenvolveu o projecto WOBO, iniciais de World Bootle que, em tradução directa para português, significa garrafa mundo, em referência ao potencial que este elemento poderia manifestar para a construção nos locais mais carenciados, em praticamente todo o planeta. Projectada pelo arquitecto holandês John Habraken, a WOBO é um exemplo pioneiro de reutilização adaptativa dos elementos industrializados. Este recipiente passou por um longo processo de concepção onde foram procuradas soluções passou por 082

WHITELEY, 1997.

083

Idem.


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67

65

Sobreposição das garrafas WOBO. A ligação dos dois recipientes é assegurada por adobe. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://futurecraft.org/09/?page_id=6> 66

Pormenor da ligação de duas paredes. Fonte: Idem. 67

Construção realizada com garrafas WOBO. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://taz.de/datenscheich/2008/09/>


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Enquadramento do tema

simples e práticas para o seu uso, tendo sido estudadas diferentes formas de autonivelamento e encaixe das garrafas entre si. Alguns dos primeiros estudos manifestaram não ser muito eficazes já que, embora servissem para a construção, eram muito pesados e pouco funcionais como garrafa de cerveja. As questões estéticas e o preço final do produto levaram a que outras ideias fossem renunciadas. Assim, a derradeira concepção, acabou por ser o compromisso entre os modelos previamente estudados.084 A antiga garrafa da Heineken foi o primeiro recipiente alguma vez concebido e produzido em massa com a finalidade de prolongar a sua vida útil para além da função primária, a protecção de cerveja, e desta forma responder a uma segunda função, como elemento substituto do tijolo. Na altura da sua produção, a WOBO foi fabricada em duas versões, com duas medidas de comprimento: 350 e 500 milímetros. Do mesmo modo que é necessário o meio-tijolo na construção tradicional, esta diferença de dimensão é útil para uma correcta disposição das garrafas e para uma melhor estabilidade do conjunto. Para erguer a parede, as garrafas eram colocadas horizontalmente, encaixadas entre si e fixadas com uma argamassa, sendo necessárias, aproximadamente, mil garrafas para uma construção de 10 m2.085 Ao contrário do que normalmente acontece, em que as garrafas fazem dezenas de viagens entre a produção e consumidor, antes de serem destruídas, o modo de apropriação da WOBO consistia na sua integração imediata na construção após a bebida ser consumida. Isto deve-se ao facto de, na ilha, assim como noutros sítios carenciados, não existir um sistema de recolha, tratamento e devolução, fazendo com que, rapidamente, os recipientes em excesso se acumulem como lixo.086 Em 1963, realizaram-se os primeiros casos práticos. Foram produzidas cerca de 100 mil garrafas, sendo que, algumas foram utilizadas em pequenas experiências, como na construção de muros, alguns deles preservados no museu xxxxxxxxxxx 084

Wikipédia; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://en.wikipedia.org/wiki/Bottle_wall#The_Heineken_WOBO_.28World_Bottle.29> 085

Idem.

086

WHITELEY, 1997.


114

68

68

Maqueta de uma habitação. O projecto nunca foi construído, mas explorou-se a construção com garrafas WOBO, juntamente com latas de óleo usadas e peças de automóvel. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.krepcio.com/vitreosity/archives/2007_03.html>


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Enquadramento do tema

da Heineken. Entretanto, outras obras foram erguidas e, posteriormente, destruídas, sem que houvesse recolha das garrafas. Habrakan, juntamente com Rinus van den Berg, arquitecto e designer holandês, projectaram em 1976 uma habitação que integrava, na sua construção, além de várias WOBO, latas de óleo usadas, madeira e peças de automóvel Volkswagen, numa tentativa de explorar vários materiais desperdiçados usados na construção do mesmo edifício, mas a ideia nunca passou à fase de execução.087 Embora tenham sido realizadas algumas experiências práticas com estas garrafas, como foi anteriormente referido, o conceito WOBO não teve repercussão e a ideia não se afirmou. É plausível que isso se tenha devido, pelo menos em parte, à radicalidade do desenho da garrafa e da imagem que poderia transmitir ao público, visto que os recipientes foram criticados por serem demasiado estranhos, "…o protótipo da garrafa deparou com a oposição dos comerciantes da Heineken, porque a garrafa tinha ranhuras ao longo do gargalo para receber os pescoços das outras garrafas […] não adequada a conotações de masculinidade e robustez…"088 Posteriormente, surgiu um segundo protótipo, que tentou resolver alguns problemas associados à garrafa anterior, nomeadamente, ao nível da imagem, mas também não teve sucesso e o projecto WOBO terminou.089 Embora a concepção de produtos com dupla função fosse uma ideia interessante, acontece que, como se verificou, este caso ficou marcado pelo insucesso. Um dos aspectos mais decisivos para a não implementação em grande escala deste tipo de projectos prender-se-á com a associação a grandes multinacionais, e dos riscos intrínsecos à imagem e valores da empresa, bem como todo o aspecto económico associado, o que faz com que resistam a esta prática. No campo da reutilização de uma garrafa como elemento construtivo, é de destacar

outros

projectos,

nomeadamente,

a

United

Bottle,

projectada

recentemente pelo atelier suíço Instant. Esta solução foi concebida para ser usada xxxxxxxxxxxxxxxxx 087

Popsop; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://popsop.com/6571>

088

WHITELEY, 1997. Pág. 97, tradução livre.

089

Idem.


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69

United Bottle. Possiveis utilizaçõs da garrafa e exemplo de construção. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.united-bottle.orgconcept.html>

70

United Bottle aplicada na reconstrução de edifícios. Fonte: Idem.


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Enquadramento do tema

por Governos e Organizações não Governamentais, para distribuir água potável a um nível local e regional, sendo que, posteriormente, permite a sua utilização como material de construção. As garrafas seriam construídas em plástico e teriam um desenho específico para garantir o encaixe entre si, em obra. No momento da sua reutilização, seria possível o seu preenchimento com materiais locais, tais como areia ou terra, para formar um isolamento mais eficaz.090 Embora este projecto não tenha sido concretizado, até ao momento, parece-nos que será uma prática mais interessante em relação à WOBO, visto que não se encontra conexo a grupos económicos, logo, não está dependente da sua aceitação, ou não, por parte dos consumidores. Além disso, transporta água, um bem indispensável e de difícil aquisição, principalmente nas zonas carenciadas.

3.1.3

Arquitectura para a Humanidade

Na procura de soluções que visam dar respostas arquitectónicas aos problemas resultantes de crises sociais, há que destacar o surgimento da organização Arquitectura para a Humanidade, no ano de 1999. Ao contrário do que acontecia até então, onde a presença nesta área se fazia através de casos pontuais, esta instituição passa a ter um papel fundamental ao expor os problemas dos locais mais carenciados e a reunir soluções, a uma escala global, para os solucionar. Cameron Sinclair é, actualmente, além de professor em escolas nos EUA e outros países, um conferencista periódico que tem contribuído para expor problemas relacionados com a justiça social, relacionando-os com o poder que a arquitectura e o design possuem para os resolver. No final da década de '90 do século XX, este arquitecto, de origem inglesa, defendeu que o principal valor social da arquitectura era dar uma casa ao mundo. Esta preocupação pela vida social, cultural e humanitária, já se tinha revelado durante o seu percurso como estudante xxxxxxxxxx 090

United Bottle; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.united-bottle.orgconcept.html>


118

71

71

Arquitectura para a Humanidade. Esta organização trabalha em prol das comunidades mais carenciadas. Fonte: [consult. 05 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.architectureforhumanity.org/node/579>


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Enquadramento do tema

e reflectiu-se na sua pós-graduação, focada no tema da habitação para os desalojados de Nova Iorque, baseado no abrigo provisório e sustentável. Mais tarde, depois de se ter mudado para trabalhar em Nova Iorque, as suas ideias levaram-no a criar um movimento assente num espírito solidário e activo, disposto a servir as populações mais desfavorecidas, nos diversos locais, de forma a aliviar o seu sofrimento. Nascia, assim, a Arquitectura para a Humanidade.091 O objectivo desta instituição é promover a arquitectura e o design, de soluções globais, para resolver crises sociais e humanitárias. A Arquitectura para a Humanidade cria oportunidades para os arquitectos, assim como outros criativos, ajudarem as comunidades mais carenciadas, levando um desenho e concepção profissionais às construções. Além disso, mantém um papel dinâmico, realizando, frequentemente, concursos internacionais, workshops e palestras, entre outras actividades. A organização defende que, "…quando são escassos os recursos e as competências, a arquitectura e design inovadores, sustentáveis e cooperativos podem, realmente, fazer a diferença." 092 A Arquitectura para a Humanidade começou por lançar um concurso internacional para a construção de habitações temporárias que servissem de abrigo para os refugiados que regressavam ao Kosovo. Os projectos mais interessantes acabaram por marcar presença em várias exposições por todo o globo, incluindo a Bienal de Veneza093, o que ajudou a projectar o problema e levou a que a comunidade da arquitectura ficasse mais consciente do papel que esta área pode desempenhar para ajudar a melhorar a vida das comunidades sujeitas a uma crise. Em 2003, esta instituição foi registada como uma organização sem fins lucrativos, com base em Nova Iorque, o que lhe permitiu receber mais doações. Dado o seu crescimento, os voluntários começaram a formar grupos locais, por todo o mundo, levando a Arquitectura para a Humanidade a implantar-se em dezenas de comunidades carenciadas.094 091

Cameron Sinclair; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.cameronsinclair.com/index.php?q=/about>

092

Architecture for Humanity; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://architectureforhumanity.org/about/history>, tradução livre. 093

Exposição internacional de arte que, desde 1895, ocorre a cada dois anos na cidade de Veneza, Itália.

094

Architecture for Humanity; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://architectureforhumanity.org/about/history>


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Abrigo realizado com caixas de cartão. Este projecto surgiu como resposta a um dos concursos lançados pela Arquitectura para a Humanidade. Fonte: [consult. 05 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.openarchitecturenetwork.org/projects/5176>


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Enquadramento do tema

Actualmente, a organização inclui centenas de arquitectos, designers e outros parceiros de todo o globo, dispostos a dar o seu contributo para ajudar aqueles que, de outra forma, não seriam capazes de receber os seus serviços. A Arquitectura para a Humanidade traz concepção, construção e, também, desenvolvimento de serviços, onde estes são mais necessários. São milhares as pessoas que, todos os anos, beneficiam directamente dos seu projectos, onde são administrados todos os aspectos desde a sua fase inicial, ao nível do desenho, à fase final, de construção.095

3.1.4

Pluralidade de intervenções

Muitos dos projectos arquitectónicos ligados à resolução de uma crise social, quer associados aos concursos lançados pela Arquitectura pela Humanidade quer no âmbito de outras organizações, baseiam-se na ampla utilização de elementos de baixo custo e de fácil disponibilidade, normalmente acessíveis no próprio local ou próximo, por todas as vantagens que estes factores acarretam, sendo que a utilização de materiais naturais e materiais desperdiçados marca uma forte presença. Pelas suas características, podemos interpretar estas construções como sustentáveis, o que não é errado. Contudo, julga-se que este ponto é a resultante de todo um processo pré-concebido pois, o principal, neste caso, é a rapidez e eficácia de acção perante uma situação concreta. Quando o arquitecto, perante o problema da falta de abrigo, pretende trabalhar com desperdícios, parte do princípio que os mesmos estão facilmente disponíveis, são económicos, simples de manipular e de transportar. Certamente que não tem em consideração, de uma forma directa, trabalhar com resíduos para combater o seu excesso no ambiente. Na abordagem à construção com excedentes, no âmbito de uma crise social, xxxx 095

Architecture for Humanity; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.architectureforhumanity.org/about>


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Campo de refugiados. Trabalhar para a comunidade aborda, habitualmente, a procura de soluções arquitectónicas para um elevado número de pessoas. Fonte: [consult. 05 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/unhcr/3288180922/>


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Enquadramento do tema

convém referir que, dada a amplitude do tema, entende-se que o mesmo requer abordagens diferentes mediante o contexto em que se está a trabalhar. Assim, consideram-se duas situações particulares de crise social, caracterizadas por assumirem diferentes modos de intervenção: trabalhar para a comunidade e trabalhar com a comunidade.

3.1.4.1

Trabalhar para a comunidade

Os trabalhos desenvolvidos para dar resposta a uma crise social eram vistos, até certo período, como um aspecto secundário da arquitectura, e as propostas neste campo eram o resultado do empenho de pouquíssimos arquitectos que se dedicavam, de uma forma constante, ao assunto. Para além disso, os projectos que, pontualmente, surgiam nesta área por parte de outros arquitectos, eram resultado de alguns concursos internacionais destinados a estudar ideias inovadoras para responder a esta situação. Hoje, o cenário está a mudar, e existe um número crescente de criativos a trabalhar nesta área. Embora, em muitos casos, não desenvolvam a sua carreira neste campo, não deixam de dar o seu contributo para a resolução das diversas crises sociais existentes por todo o planeta. Fazem-no a título individual, por vezes, mas frequentemente são suportados por organizações, como Arquitectura para a Humanidade, entre outras. O arquitecto, ao trabalhar para a comunidade, não tem em consideração, do ponto de vista individual, a quem se destina a obra. Apenas, tem em mente que está a desenvolver uma solução para centenas ou milhares de pessoas, que não têm um papel activo no desenvolvimento do projecto. Isto leva a que algumas das soluções adoptadas, embora tenham o mesmo propósito, o abrigo, e usem elementos da mesma origem, permitam alguma flexibilidade, nomeadamente, na xxxxx


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O arquitecto e a comunidade. Fonte: [consult. 05 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/architectureforhumanity/200052277/in/photostream/>


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Enquadramento do tema

organização espacial e no tempo de vida da obra, de forma a dar uma resposta mais objectiva aos requisitos individuais. Em alguns casos, porém, pode haver um contacto mais directo com as populações. Refira-se, por exemplo, casos em que o arquitecto integra uma equipa multidisciplinar, que se desloca para cenários de crise.

3.1.4.2

Trabalhar com a comunidade

Para além do desenvolvimento de soluções para a comunidade, também se pode recorrer à reutilização de desperdícios na área da construção num contexto mais reduzido, com preocupações mais íntimas e pessoais. Desde a escala de uma pequena aldeia até uma grande cidade, existem inúmeras situações de carência que, caso sejam resolvidas, melhorariam substancialmente a qualidade de vida da comunidade que diariamente as enfrenta. Estas crises podem estar associadas à pobreza, é certo, mas também à inércia dos políticos e à burocracia das leis, que colocam entraves a intervenções que se pretendem executar, frequentemente, pela própria comunidade, num determinado local, com o intuito de melhorar algum aspecto. Uma questão importante quando se pretende desenvolver soluções para dar resposta a um problema, prende-se com a necessidade de conhecer quem vai usufruir da construção, perceber o seu modo de vida e, se possível, desenvolver soluções juntamente com as pessoas, fazendo delas um elemento activo no decorrer do todo o projecto. Frequentemente, no âmbito do trabalho com a comunidade, o arquitecto dedica a uma carreira profissional à intervenção social, agindo no seio das populações.


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75

Casa do refugiado. Neste caso, demonstra-se uma das possíveis configurações da construção. Fonte: [consult. 05 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/g_agnew/1393775385/in/photostream/>


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3.2

Casos de estudo

Casos de estudo

mais importantes se prende com a capacidade de planear e 3.2.1

Estudo 3 |

I-Beam Design | Casa do Refugiado (protótipo) | 1999

A intervenção em análise enquadra-se no trabalho para a comunidade. Como resposta ao primeiro concurso de ideias lançado pela Arquitectura para a Humanidade, que procurou soluções para alojar as vítimas da guerra do Kosovo, destaca-se o trabalho realizado pelo I-Beam Design096, cuja proposta consiste na criação de abrigos com base na reutilização de paletes de madeira. A obra intitula-se Casa do Refugiado e é definida como "…uma carcaça transitória que faz a ponte entre o abrigo provisório e o repouso permanente." 097 Com esta expressão, pretende-se declarar que a construção ambiciona ser mais do que um simples abrigo temporário, já que estas estruturas têm como tempo de vida útil, aproximadamente, 5 anos, o que corresponde ao tempo necessário para uma família kosovar reconstruir a sua típica casa em pedra.098 O I-Beam defende que este modo de construir revive um conceito que sempre acompanhou a história do Homem, a auto-construção e a utilização dos recursos disponíveis à mão, para responder a uma carência – as características patentes na arquitectura vernacular são disso exemplo, na medida em que as soluções se desenvolvem de acordo dos materiais disponíveis no local, e das suas características, que são empregues na arquitectura em função da necessidade ou urgência, muitas vezes, no seu formato original. Neste caso, as paletes são o material disponível, e segundo o I-Beam, um excelente material para esta aplicação, porque são resistentes, leves, práticas, económicas e podem integrar a construção recorrendo ao seu modelo original.099 Na maioria dos casos, estes elementos têm a vantagem de chegar aos locais afectados como parte do transporte de alimentos e de outros bens essenciais, não xxx 096

Biografia na pág. 178.

097

xxxxxxxxx

I-Beam Design; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http:// http://www.i-beamdesign.com/projects/refugee/refugee.html>, tradução livre. 098

Idem.

099

Ibidem.


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Preenchimento da palete com pedras. Fonte: [consult. 05 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/g_agnew/1394671256/in/photostream/>

77

Preenchimento da palete com terra. Fonte: Idem. 78

Preenchimento da palete com palha. Fonte: Ibidem.

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exigindo nenhuma logística adicional para serem obtidos. Além disso, estão disponíveis como excedente em vários lugares porque, frequentemente, são utilizadas para o transporte de produtos num fluxo unidireccional, o que faz com que muitas paletes fiquem abandonadas no sítio onde a mercadoria foi entregue. Segundo o I-Beam, as casas de paletes não seriam apenas uma resposta para a crise habitacional no Kosovo, mas um conceito que poderia ser adoptado noutras situações com o mesmo tipo de problema. Os desastres naturais, conflitos regionais e políticos, obrigam à deslocação de muitas pessoas, o que faz da construção de abrigos provisórios um bem essencial para suprimir as suas carências. O atelier defende que, nestes casos, considerando os recursos limitados na maior parte das situações assoladas por uma crise, o desafio é conceber algo necessariamente prático, eficaz e de montagem rápida, e mais resistente do que uma simples barraca. Estas considerações estão patentes na casa construída com paletes em madeira. A simplicidade de construção com paletes permite que os abrigos

sejam manufacturados

por qualquer pessoa, uma vez que os

conhecimentos técnicos requeridos são básicos. Diariamente, podem ser manipuladas de 500 a 600 paletes, por um pequeno grupo de indivíduos, o que resulta em várias habitações, uma vez que um abrigo transitório com uma dimensão de 10 por 20 metros incorpora cerca de 80 peças. Quanto ao custo do material, poderá variar, desde completamente gratuito, caso seja adquirido como excedente, a algumas dezenas de euros, caso tenha de ser comprado.100 A nível construtivo, as paletas são dispostas na vertical e fixas, entre si, por corda, arame ou qualquer outro material com características semelhantes. Depois do invólucro estar finalizado, as paredes são preenchidas com materiais naturais, de origem local, como pedra, terra ou vegetação, para melhorar o conforto térmico no interior do abrigo. Devido às suas características, as casas construídas com paletes podem ser facilmente montadas, desmontadas e montadas novamente, comccc 100

I-Beam Design; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.i-beamdesign.com/projects/refugee/refugee.html>


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Construção de um abrigo com estrutura em tubos papel. Fonte: BALLESTEROS; et al., 2008.


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com o mesmo material, facilitando a sua deslocação. Outro benefício que esta construção permite é a flexibilidade espacial, podendo-se ajustar a área habitável ao número de ocupantes. Na generalidade, as casas de paletes podem apresentar um aspecto pouco cuidado a nível estético, caso a sua função seja responder a uma urgência imediata e provisória. Contudo, as edificações com carácter mais permanente, podem ser alvo de um maior rigor ao nível da construção, recebendo um revestimento, interior e exterior, peças de mobiliário, como mesas e bancos, bem como outros elementos, que garantem à obra, segundo os seus responsáveis, uma aparência mais cuidada.101 A reutilização defendida pelo I-Beam é valorizada quando atendemos à quantidade existente de paletes sem uso. Para o efeito, podemos enunciar dados do Serviço Florestal Americano e da sua Associação de Madeira Nacional que estimam que, das 1 900 milhões de paletes da madeira em uso nesse país, cerca de 10 por cento são processadas para reciclagem, enquanto que outros 10 por cento, ou seja, 190 milhões, terminam o seu ciclo de vida como desperdício.102

3.2.2

Estudo 4 | Shigeru

Ban | Abrigos para o Kosovo | 1999

Semelhante ao projecto do I-Beam, o caso de estudo em análise enquadra-se no trabalho para a comunidade. Ainda no decorrer do concurso de ideias lançado pela Arquitectura para a Humanidade, com vista ao desenvolvimento de uma solução para os refugiados de guerra no Kosovo, o arquitecto Shigeru Ban 103 avançou com um abrigo que apresentava uma estrutura em tubos de papel e um revestimento em plástico. Todavia, este projecto não foi completamente inovador, uma vez que já tinha sido anteriormente desenvolvido, pelo mesmo arquitecto, para cenários idênticos, xxxxxxxxx 101

I-Beam Design; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.i-beamdesign.com/projects/refugee/refugee.html> 102

Iconocast; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.iconocast.com/0000000009/R6/News1.htm>

103

Biografia na pág. 179.


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Colocação do revestimento. Fonte: [consult. 04 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.shigerubanarchitects.com/SBA_WORKS/SBA_PAPER/SBA_ PAPER_9/SBA_paper_9.html> 81

Perspectiva sobre vários abrigos. Fonte: Idem. 82

Utilização de tubos de papel para erguer as fachadas de um abrigo. Fonte: BALLESTEROS; et al., 2008.


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Casos de estudo

como o Ruanda, no ano de 1994, onde 2 milhões de pessoas ficaram desabrigadas quando eclodiu a guerra civil.104 Nessa altura, a organização do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados forneceu elementos possíveis de serem manipulados, para a criação de abrigos temporários, em que foram usadas barras de alumínio para erguer a estrutura e plástico no encerramento espacial. Contudo, os ruandeses venderam as barras metálicas e substituíram-nas por ramos de árvores, que passaram a desempenhar a função estrutural do refúgio. Posteriormente, esta situação foi resolvida, tendo-se procedido à substituição do metal por uma alternativa de baixo custo: tubos de papel. A proposta foi aprovada e, de seguida, foram desenvolvidos abrigos que foram testados, com êxito, quanto ao seu custo, durabilidade e defesa contra os insectos. Por fim, deu-se a sua implementação no terreno.105 Relativamente aos tubos de papel, Shigeru Ban argumenta que trabalha com estes elementos há muito tempo, e que os integra na construção pelas suas características, designadamente, a facilidade de transporte, de manipulação e de aquisição. Ainda que o papel seja um material biodegradável, Ban rejeita ser rotulado de arquitecto ecológico. Em resposta a uma entrevista, esclarece: "Comecei a trabalhar com tubos de papel em 1986. Agora, os jornais referem-se a mim como um arquitecto ecológico e tentam colocar-me essa etiqueta... Nunca trabalhei em nome da ideia popular da sustentabilidade, mas agora é uma palavra que está na moda. Não gosto que me coloquem essa etiqueta."106

Embora os tubos de papel sejam especificamente fabricados para as soluções de abrigo realizadas por Ban, existem casos em que estes elementos podem ser reutilizados, provenientes de vários locais, pois o seu uso nas práticas quotidianas é usual. Os mais interessantes, para integrar uma construção, provêm da indústria, xxxxxxxxx 104

Shigeru Ban; [consult. 20 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:www.shigerubanarchitects.com/SBA_WORKS/SBA_PAPER/SBA_PAPER_9/SBA_paper_9.html> 105

Idem.

106

BALLESTEROS; et al., 2008. Pág. 119, tradução livre.


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Vista frontal da Cabana do Futuro. Fonte: [consult. 05 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.mfa.fi/uvvwork?id=1884507>


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geralmente usados para enrolar tecidos, papel ou outro material. A sua escala, forma, resistência e leveza, garantem uma estrutura suficientemente robusta para servir de abrigo. Por outro lado, caso a sua quantidade não seja suficiente, podem ser fabricados, por máquinas simples, no próprio local onde são necessários.

3.2.3

Estudo 5 | Sean Godsell | Cabana

do Futuro (protótipo) | 2001

A presente solução arquitectónica, tal como as duas anteriores, insere-se no trabalho para a comunidade. Face à falta de habitação em locais carenciados, o arquitecto Sean Godsell107 sugeriu uma construção completamente diferente das anteriormente expostas. Chamou-lhe Cabana do Futuro e para a sua concepção recorreu, somente, a um contentor marítimo, ao qual acrescentou, na face superior, uma simples estrutura para garantir sombra. Como unidade habitacional, o contentor tem sido tema de pesquisa e experimentação por parte de um grande número de arquitectos e designers, em todo o mundo. Estes elementos, simples, resistentes e de características modulares, têm servido tanto como propostas económicas de abrigo, como é o caso em estudo, como para construções de valor elevado, muito sofisticadas. Existe um grande potencial para utilizar os contentores como habitação, uma vez que a sua configuração e escala permitem, sem excessivas alterações, acomodar pessoas no seu interior. Além disso, são construídos de metal, um produto não tóxico e não combustível. Os contentores marítimos começaram a ser transformados em espaço habitável na área da indústria do petróleo, que utilizou estes elementos préfabricados como casa para os trabalhadores, nas plataformas petrolíferas. Actualmente, os contentores estão por todo o globo. Nos países menos desenvoldddd 107

Biografia na pág. 179.


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Fotomontagem do abrigo num cenรกrio de crise. Fonte: [consult. 05 Set. 2009] WWW:<URL:http://museumvictoria.com.au/about/mv-news/2005/shacked-up/>, trabalhado sobre. 85

Contentores. A propriedade modular destes elementos permite o eficiente acondicionamento do abrigo, facilitando o seu transporte. Fonte: [consult. 05 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/seeingthings/301095573/>


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desenvolvidos e alvo de elevados níveis de importação, estes elementos foram-se acumulando em portos marítimos e outros locais de trocas comercias. Devido à sua facilidade de apropriação, as comunidades mais desfavorecidas começaram a ocupá-los e, rapidamente, serviram de abrigo, quer organizados individualmente quer agrupados. A urgência de construir um abrigo, recorrendo ao que está disponível, sempre fez parte da história de sobrevivência do Homem. Neste caso, o abrigo já está idealizado, e Godsell aproveitou esta característica como base do seu projecto. Com alguns acréscimos pontuais, de forma a suprimir algumas carências técnicas, o contentor passou a servir como refúgio de emergência. Um desses acréscimos é a cobertura, realizada com uma estrutura metálica e, posteriormente, revestida por embalagens descartadas, barro, folhas de palmeira ou outro qualquer material com características semelhantes, disponível no local. Esta protecção, de duas águas, encontra-se recolhida no interior do volume, para facilitar o transporte do conjunto mas, uma vez aberta, permite reduzir a incidência solar e a carga térmica no interior. Além disso, traduz um símbolo universal de casa. Dentro do contentor, encontram-se os elementos secundários de construção do módulo, tais como a rampa de acesso ao interior, uma escada de acesso à cobertura e alguma tecnologia de apoio, como uma fonte de energia solar e um receptor de satélite. Para se adaptar ao terreno, independentemente da topografia, o abrigo é sustentado por apoios telescópicos que, uma vez nivelados, permite que a construção assente de modo estável sem que sejam necessários trabalhos de preparação do solo.108 Tal como acontece no transporte de produtos, a natureza modular do contentor permite que este abrigo possa ser facilmente armazenado e transportado, o que é uma grande vantagem quando se percebe que a rapidez de acção perante as situações de crise é essencial. Segundo Godsell, a Cabana do Futuro pode ser xxxxxx 108

Architecture Australia; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://architectureaustralia.com.au/aa/aaissue.php?issueid=200109&article=11&typeon=2>


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Auburn. É neste que o Rural Studio desenvolve o seu trabalho. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/downtownblue/429711689/>


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totalmente montada em 24 horas e tem a possibilidade de servir uma grande variedade de situações de emergência, onde é preciso um refúgio imediato para alojar as vítimas, tais como pós-inundações, incêndios, terramotos ou outros desastres naturais. Porém, a obra é suficientemente flexível para assegurar, também, um alojamento mais duradouro às pessoas que vivem nos países mais pobres e que não têm recursos para ter uma casa.109

3.2.4

Estudo 6 |

Rural Studio | Método

O Rural Studio110 explora um conceito peculiar de fazer arquitectura, baseado no activismo e na atenção dada aos materiais subaproveitados pela sociedade. Ao contrário das arquitecturas anteriores, o caso em análise enquadra-se no âmbito do trabalho com a comunidade, referindo-se ao contributo do arquitecto para melhorar as condições de vida das populações mais empobrecidas. Recorrendo, em maior ou menor percentagem, a diferentes elementos reutilizados, o estúdio avança com uma série de intervenções que demonstram que, o que poderá ser interpretado como obsoleto e antiquado aos olhos de algumas pessoas, poderá ser o básico para suprimir as carências de muitas outras. Mais do que um espaço onde se faz arquitectura, o Rural Studio é uma escola que visa ensinar aos seus alunos, vindos de vários locais, as responsabilidades sociais inerentes à profissão de arquitecto. Pretende-se que os estudantes ultrapassem preconceitos, projectem, construam e disponham os seus valores educativos em benefício das comunidades rurais localizadas em Alabama, local onde o gabinete está localizado e que se caracteriza por ser uma das regiões mais pobres dos EUA. Nos últimos anos, o estúdio tem erguido vários edifícios, de diversos programas, desde residências até espaços de carácter comunitário, recorrendo a soluções inovadoras e utilizando diversos materiais, como sobras de oussssssss xxxxxxxxxxx 109

Architecture Australia; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://architectureaustralia.com.au/aa/aaissue.php?issueid=200109&article=11&typeon=2> 110

Biografia na pág. 179.


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Centro comunitário de Mason’s Bend. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/downtownblue/429711274/in/set-72157600014486723/> 88

Percurso de entrada na igreja. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/downtownblue/429711274/in/set-72157600014486723/>


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outras construções, materiais provenientes de demolição, placas de trânsito, peças de veículos, pneus e palha, entre outros.111 A arquitectura praticada pelo Rural Studio adapta-se e transforma-se a cada circunstância, dependendo das fontes e dos recursos disponíveis. O que se destaca no resultado final é, para além da origem dos materiais e das técnicas de apropriação e manipulação dos mesmos,"… a qualidade arquitectónica de cada projecto, uma comunhão perfeita entre custo e produto, forma e função."112 "É uma arquitectura que não aceita rótulos nem s e enc aixa no quadro oficial da sustentabilidade. O Rural Studio lida com a pobreza e com o pobre. Não é uma escola sobre problemas habitacionais, novos sistemas construtivos ou novos mat eriais. É, ant es, sobre produzir moradias dignas que permitam, aos seus ocupantes, uma melhoria na qualidade de vida. O trabalho realizado pelo Rural Studio pode ser considerado como uma vaga de es perança e energia que renova a responsabilidade social do arquitecto perante a sociedade."113

3.2.4.1

Centro Mason's Bend | 2000

Entre os vários projectos concretizados pelo Rural Studio, destaca-se o centro comunitário de Mason's Bend, uma intervenção que reflecte, eficazmente, o modo de trabalho desta escola, quer no âmbito da preocupação social quer na qualidade e originalidade das construções. Trata-se de uma intervenção num pequeno espaço, onde os estudantes construíram dois edifícios para servir a comunidade. A primeira intervenção, de pequena escala, consiste num edifício para receber instituições sociais, como o centro de saúde e biblioteca móveis. Para a construção, foram utilizados materiais vindos de doações, como é o caso das várias chapas metálicas, empregues no revestimento das fachadas e cobertura. O xxxxxxxxxx 111

Instituto dos Arquitectos do Brasil; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<www.iabrs.org.br/noticia.php?id=304&PHPSESSID=6b5edb804fb8a6cafd3ca502cfdb82c9.html> 112

Idem, tradução livre.

113

Ibidem, tradução livre.


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Pormenor da sobreposição dos vidros na cobertura. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/42315933@N00/460994148/in/photostream/>

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Vista interior. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/jamesbrownontheroad/3491725874/in/photostream/>

91

Perspectiva geral sobre a construção. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.flickr.com/photos/42315933@N00/461000283/in/photostream/>


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Casos de estudo

conjunto encontra-se ligeiramente elevado do solo, uma vez que foi assente sobre um atrelado de camião que já não tinha uso, de modo a aproveitar a sua estrutura como parte do edifício. A segunda intervenção consiste uma pequena igreja, para as pessoas conviverem e expressarem a sua fé. Apresenta uma planta assumidamente longitudinal, de linhas fluidas, que se estendem pelo terreno e convidam as pessoas ao interior. Ao nível construtivo, verifica-se uma clara diferença de tratamento entre a base, de aspecto robusto, e o corpo, de aspecto ligeiro. O edifício desenvolve-se sobre muros, realizados com materiais naturais, provenientes do local, através de uma mistura com 30 por cento de terra e 70 por cento de brita, posteriormente, combinada com cimento e água. Depois da liga ser misturada, foi derramada em moldes. Ergue-se até cerca de 1 metro, altura em que é rematado com uma liga metálica e se apoiam os barrotes de madeira, que dão forma e asseguram a estabilidade do conjunto. 114 Como encerramento espacial do corpo da igreja, foram utilizados materiais ligeiros, sendo de referir as chapas metálicas, empregues na cobertura e em algumas partes da fachada. Todavia, neste aspecto, o que se destaca de imediato são os vidros pára-brisas, fixos a uma estrutura metálica. Estes elementos pertenciam, outrora, a antigos automóveis, e foram recuperados de uma sucata.115 Dadas as suas características, os vidros assumem-se como uma pele ligeira e transparente que explora a relação visual entre o interior do edifício e todo o espaço circundante. Aliás, toda a igreja é tratada como um espaço fisicamente semi-aberto. É um sítio de meditação, de recolhimento e de forte carga simbólica, onde importa criar uma atmosfera luminosa e acolhedora, sendo que a utilização de grande quantidade de vidro na fachada garantiu este propósito. Nesta construção, não foi dado relevo à estanquidade térmica. Por um lado, deveu-se ao facto da obra se encontrar num local onde a temperatura é amena e, por outro, não xxxxxxxxxxx 114

Architectook; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<http://architectook.net/masons-bend-community-center/>

115

Idem.


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Fotomontagem de uma prótese num edífício de habitação. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.recetasurbanas.net/index.php?idioma=ESP&ID=0009>

93

Estacionamento para bicicletas. Os trabalhos de Cirugeda caracterizam-se pela sua espontaneidade. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.recetasurbanas.net/index.php?idioma=ESP&ID=0002&IDM=i0807#img>


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Casos de estudo

ser essa a principal preocupação do projecto, uma vez que o programa permitiu esta liberdade. Samuel Mockbee considerou esta obra uma lição de agilidade e desembaraço, um edifício de vanguarda como qualquer outra peça de arquitectura. Descreveu-a da seguinte forma: "…uma capela pára-brisas com paredes de lama e características vernáculas, que repousa sobre uma ampla base de terra prensada que combina com a cor da estrada e dos edifícios vizinhos…"116

3.2.5

Caso de estudo 7 |

Santiago Cirugeda | Método

A análise do seguinte caso prático recai sobre o trabalho desenvolvido num espaço totalmente diferente daquele onde o Rural Studio actua. Todavia, existe a semelhança de ambas as intervenções serem desenvolvidas com a comunidade, no seu seio. A crise e a adopção de soluções, recorrendo a uma arquitectura realizada com elementos desperdiçados, não faz apenas sentido em meios economicamente carenciados. Por vezes, a cidade é palco de inúmeras situações problemáticas que desafiam a criatividade de alguns arquitectos para as resolver de um modo rápido, simples e prático. É nesta base que assenta o trabalho do arquitecto Santiago Cirugeda117, que pode ser entendida como um acto de cultura urbana, com carga política. Cirugeda desenvolveu um método de trabalho baseado na observação e análise de oportunidades na cidade, e entende a arquitectura como uma disciplina que deve responder às carências sociais. Desde a segunda metade da década de '90 do século passado, este arquitecto tem desenvolvido projectos revolucionários na realidade urbana, desde a construção de próteses em edifícios pré-existentes, passando pela edificação em terrenos deixados ao abandono e ocupações xxxxxxxxxxxxxxxx 116

Land views , actual. 2003. [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em xxxxxxxx WWW:<http://www.landviews.org/la2003/champion-aod.html>, tradução livre.

117

Biografia na pág. 180.


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Artigo publicado no jornal ABC. Faz referĂŞncia aos os lotes abandonado na cidade de Sevilha. Fonte: Jornal ABC [Em linha]. 27 Jun. 2004.


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Casos de estudo

espontâneas do espaço público, como resposta uma carência ou problema. 118 Em Receitas Urbanas, uma espécie de base de dados em plataforma digital que pode ser consultada e utilizada por qualquer pessoa, a partir da Internet, Cirugeda aborda um conjunto de problemas presentes na cidade onde desenvolve o seu trabalho e expõe soluções para os mesmos, como se se tratasse de um manual de resolução de casos práticos.119 Santiago Cirugeda tem uma visão própria da arquitectura, e entende que o seu valor não reside na obra por si, mas sim pelo contexto em que está inserida e na sua satisfação de resposta. Contudo, muitas das suas intervenções entram em conflito com a burocracia patente em algumas leis que, ao tratarem de proteger determinados valores estéticos pré-concebios, impedem o avanço das obras no sentido de melhorar as condições de vida dos cidadãos. Numa entrevista realizada em Fevereiro de 2004, o arquitecto afirma "…Vejo a arquitectura como uma arte social. Eu não quero aparecer nas revistas só para mostrar a arquitectura com imagens bonitas..."120, dando a perceber que o universo estético resultante do seu trabalho não é o factor mais importante, mas sim a eficácia que uma determinada obra manifesta perante uma situação a que pretende dar resposta.

3.2.5.1

Ocupação dos lotes abandonados | 2004

Em cada um dos seus trabalhos, Cirugeda defende que a resolução dos problemas não se faz exclusivamente por palavras e teorias, mas sim por actos práticos, pela acção, pelo imediato e pela radicalidade.121 O agrupamento de elementos leves, económicos e de fácil aquisição, está na génese da sua arquitectura, sendo que qualquer objecto presente na cidade poderá ser usado como recurso para a construção. Apesar de serem vários os xxxxxxxxxxxxxxxxxx 118

Transformers; [consult. 18 Mai. 2009] Disponível em WWW:<URL:http://www.trans-formers.org/artists_1/301_cirugenda_e.htm> 119

Recetas Urbanas; [consult. 18 Mai. 2009] Disponível em WWW:<URL:http://www.recetasurbanas.net.html>

120

One small project; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<URL:http://www.onesmallproject.com/pagescontributors/contributorparejo.html>, tradução livre. 121

CIRUGEDA, 2007.


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Vista do lote antes da intervenção. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://neorama.wordpress.com/2009/07/30/receitas-urbanas/> 96

Vista do lote depois de aberto à cidade. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://neorama.wordpress.com/2009/07/30/receitas-urbanas/>


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projectos, de maior ou menor complexidade, com uma ou outra função, capazes de reflectir estas características, entende-se como um bom exemplo da arquitectura de Santiago Cirugeda o trabalho que visa a ocupação e abertura à cidade dos lotes abandonados existentes na zona central de Sevilha, Espanha, que dá continuação a projectos anteriores, idênticos. Embora muitos destes vazios urbanos estejam geralmente encerrados por um muro, não impede que lá se deposite lixo e se tornem lugares inseguros. De forma a tornar estes espaços vividos, Cirugeda sugere que possam ser equipados com estruturas temporárias de baixo custo, de modo a atribuir uma função ao local, tornando-os atractivos para as pessoas. Além disso, ajudam a melhorar a segurança e a configuração física da cidade. 122 Esta ideia surge no seguimento de um dos principais objectivos da gestão urbanística de Sevilha, que pretende a redução do número de lotes vazios no tecido urbano. Assim, para combater esta crise, Cirugeda defende que uma simples mudança no regulamento urbano pode incentivar os proprietários a disponibilizar os lotes abandonados para uma intervenção activa na cidade. Para isso, será definido que os donos não percam os seus direitos à terra e obtenham benefícios em troca como, por exemplo, ter o espaço limpo, ou mesmo obter reduções fiscais para iniciar uma futura obra nesse local.123 Esta alteração irá permitir que os espaços fechados se tornem praças, jardins ou parques, garantindo uma resposta imediata à escassez de equipamentos públicos aí existentes. Para além desta situação é, também, facilitado o controlo urbano da cidade, visto que, para cada novo local que é tratado, é necessário um novo registo. Na continuidade do seu pensamento, este arquitecto alega que a busca para a localização desses espaços e a sua futura transformação em locais públicos temporários, pode ser gerada a partir da participação dos cidadãos, fazendo deles parte activa em todo o projecto, uma vez que são estes quem xxxxxxxxx 122

CIRUGEDA, 2007.

123

Idem.


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Variedade de materiais reutilizados para fazer os equipamentos. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.recetasurbanas.net/index.php?idioma=ESP&ID=0008&IDM=i00828#img> 98

Desenho de um dos baloiรงos. Fonte: Idem, trabalhado sobre.


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Casos de estudo

usufruem da cidade.124 "Nada nos impede [aos cidadãos] da cont ratação e posterior uso, de uma área, com o proprietário de um terreno baldio, que ainda possui e detém todos os direitos sobre o local. Este contrato, não estará sujeito ao regime especial de pagamentos urbanos e será automaticamente rescindido através de uma ordem da Câmara Municipal, que solicita a sua demolição ou deslocação

[da intervenç ão t emporária]

para

realizar

projectos

de

urbanização nesse mesmo lote (art. 136,2 RDL 1 / 1.992, de 20 de Junho)."125

A estratégia de Santiago Cirugeda acabou por ter repercussão num lote com cerca de 200 metros quadrados, que foi transformado num parque público temporário, durante um período pré-estabelecido com um mínimo de 6 meses, prorrogáveis até 2 anos. Depois de se efectuarem reuniões entre os técnicos e representantes políticos dos Assuntos Urbanos de Sevilha, agentes culturais e o proprietário do lote, foram redigidas petições onde se apresentava, juntamente com os documentos legais para o efeito, um plano que justificava a viabilidade da proposta.126 Posteriormente, deu-se a demolição do muro que encerrava o espaço, a limpeza dos detritos no seu interior, o tratamento do solo e a introdução de vegetação. De seguida, a área foi alvo de uma organização, conseguida através da incorporação de peças de mobiliário urbano, móveis e fixas, passando, desta forma, a ser um sítio com utilidade e identidade. Os equipamentos implantados no lote foram completamente executados com materiais reutilizados, vindos dos depósitos municipais. Os bancos foram feitos a partir de barreiras divisórias do trânsito, juntas em pares, na longitudinal, e preenchidas com cimento, para obterem estabilidade. De seguida, apenas foram xxxxxxxxxxxxxxxxx 124

CIRUGEDA, 2007.

125

Recetas Urbanas; [consult. 18 Mai. 2009]. Disponível em WWW:<http://www.recetasurbanas.net/index.php?idioma=ENG&ID=0006>, tradução livre.

126

CIRUGEDA, 2007.


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Comunicação dos Serviços de Gestão Urbanistica de Sevilha. Tem como destinatário Santiago Cirugeda e indica os lotes possiveis de sofrer uma intervenção. Fonte: [consult. 08 Set. 2009] WWW:<URL:http://www.caac.es/espacio_pub/fax_1.jpeg/>


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Casos de estudo

acrescentados 2 barrotes de madeira, provenientes de antigas linhas-férreas, para sentar e encostar. Para executar os equipamentos infantis, nomeadamente, os baloiços, o arquitecto aproveitou, novamente, as barreiras divisórias. De seguida, acrescentou os restantes componentes, designadamente, as traves e os assentos, estes últimos realizados com pneus. Há, ainda, a destacar, no mesmo local, a reutilização de peças que outrora pertenciam a paragens de autocarro, para criar zonas de sombra. A intervenção levada a efeito por Cirugeda pretende ser a adopção de um modelo que, como o próprio reivindica, não é inédito. O arquitecto Aldo van Eyck que, no final da Segunda Guerra Mundial, trabalhava na área de desenvolvimento urbano de Amesterdão, serviu-se da disponibilidade dos espaços industriais abandonados para construir parques infantis. O custo dos parques foi reduzido, assim como as despesas de manutenção, tornando-se acessíveis de suportar pelo município. Actualmente, esta prática permanece, existindo dezenas de parques temporários para as crianças, distribuídos por toda a cidade.127 O plano de Santiago Cirugeda, apoiado pela comunidade, generosidade dos proprietários dos lotes e Direcção de Urbanismo da cidade de Sevilha, que suportou a divulgação de sítios de intervenção, acabou por ser valorizado e bem sucedido. A comprová-lo, esteve o grande número de crianças e adultos que desfrutaram do espaço e dos equipamentos nele localizado. Actualmente, a estratégia deste arquitecto, no âmbito da ocupação dos espaços abandonados, tem como local de acção, para além de Sevilha, outras cidades espanholas. Os equipamentos propostos acolhem vários programas, em função da necessidade específica do local, e são executados com várias fontes, em função da sua disponibilidade.

127

CIRUGEDA, 2007.



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3.3

Síntese

Síntese

Ao contrário do que acontece na reutilização para combater a crise ambiental, no âmbito social não é dada, de uma forma geral, especial atenção à procura de novas soluções construtivas, nem tão pouco à qualidade estética da obra. A construção com materiais desperdiçados, no âmbito da resposta a uma crise social, distingue-se pela procura de soluções económicas, simples e imediatas, geralmente com um tempo de vida efémero. Considera-se que um dos factores mais importantes nestas construções é o seu custo controlado, quer traduzido nos materiais que são utilizados, de baixo valor, quer traduzido na disponibilidade e na aquisição dos mesmos, normalmente localizados no local onde são necessários. Relativamente às propostas desenvolvidas para a comunidade, importa salientar características como a pequena escala, a utilização de elementos ligeiros, a facilidade de montagem e desmontagem, a portatibilidade e a auto-construção. Importante é, também, dizer que as soluções adoptadas se destinam, geralmente, à sua repetição por um número indeterminado de casos, em vários locais. Devido à variedade do público-alvo, normalmente localizado em zonas afectadas pela pobreza, guerras ou catástrofes naturais, algumas soluções oferecem a liberdade de serem modificadas e, embora mantenham a mesma base, permitem alguma flexibilidade ao nível da configuração espacial e local. No caso das propostas desenvolvidas com a comunidade, o arquitecto projecta de acordo com as carências específicas das populações. Trabalha no seu seio e intervem socialmente, com respostas eficazes e directas face aos problemas. Ao contrário das soluções anteriores, estas são construídas para um local específico, assumem uma escala variável, acolhem programas diversos e têm um período de vida mais dilatado.


[consult. 20 Jul. 2009] http://www.flickr.com/photos/avrg/2840093373/


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Construção com desperdícios

Conclusão



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4.1

Uma arquitectura de intervenção

Uma arquitectura de intervenção

mais importantes se prende com a capacidade de planear e

A integração de desperdícios na construção realizou-se de uma forma espontânea, em paralelo com a reutilização dos materiais tradicionais, embora nunca assumissem a mesma importância e destaque que os últimos. No início do século XX, surgiram as primeiras construções erguidas, em grande parte, com desperdícios, como resposta de urgência social perante uma necessidade básica, o abrigo. A dificuldade em adquirir outros materiais necessários à construção, motivada quer por factores geográficos quer económicos, levou a outras manifestações com a mesma finalidade, procedendose à reutilização do que era descartado, localizado in-situ, como fonte. Posteriormente, na década de ’60, as preocupações ambientais, defendidas por grupos activistas que integravam o movimento da contracultura, serviram de mote para que este tipo de construção se diversificasse e ampliasse, levando a que, pela primeira vez, se enquadrasse num propósito que ultrapassou o simples acto de protecção. Os desperdícios foram reutilizados como uma resposta ao excesso de resíduos presente na sociedade, como uma reivindicação. Face a este registo, considera-se que a construção com desperdícios se reflecte em dois campos: como resposta a uma crise ambiental e como resposta a uma crise social. O papel do arquitecto, no âmbito da construção com desperdícios, surgiu como resposta às preocupações ambientais, e focou-se no programa da habitação. Aconteceu na década de ’70 do século passado, no seguimento dos ideais defendidos na altura, nomeadamente, por parte dos artistas e activistas “verdes”. O carácter sustentável das obras era aparente na sua construção, realizada com resíduos, vindos de vários locais, pretendendo-se, com isso, a sua dixxxxxxxxxxx



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redução. Para além da simples reutilização, os projectos foram alvo de um planeamento rigoroso, segundo uma visão abrangente, no que à sustentabilidade diz respeito. Integravam, simultaneamente, desperdícios, materiais naturais e componentes tecnológicos. Manifestavam preocupações quanto à orientação solar e à estanquidade térmica, num esforço para tornar a construção a mais autónoma possível e, por conseguinte, menos dependente de fontes externas. Embora o trabalho com desperdícios tenha sido visto, no decorrer de um longo período, como uma área pobre, discriminada até, no âmbito da arquitectura, não merecendo a mesma atenção que era dada a outras soluções propostas visando a resolução do mesmo problema, hoje, a situação está em franca mudança. Para isto, contribuiu a consciência ambiental generalizada, muito mais vincada e receptiva a novas e diferentes soluções, em relação a décadas atrás. Actualmente, as construções que integram desperdícios estão presentes em múltiplos ambientes, desde locais remotos às grandes cidades. A gama de materiais é diversificada, num constante acto de experimentação e inovação. Todavia, não podemos afirmar que a simples integração de um material desperdiçado numa construção determine, por si, que essa obra seja sustentável. Deverá existir uma visão global do problema, expresso, por exemplo, na análise relativa à localização do material e à distância ao local da obra, às suas características técnicas, ao seu tempo de vida útil e posterior destino. O segundo propósito, pelo qual os arquitectos recorrem aos desperdícios como fonte para os seus trabalhos, aborda a crise social. Este universo divide-se em dois campos: trabalhar para a comunidade e trabalhar com a comunidade. No trabalho para a comunidade, os projectos encontram-se muito dependentes de concursos lançados por algumas instituições que trabalham em prol dos mais desfavorecidos. O programa privilegiado é o abrigo, e as principais preocupações preocupaç~osss



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reflectem-se ao nível da aquisição dos materiais e no transporte dos mesmos. Além da atenção dada ao nível da deslocação e da flexibilidade espacial do abrigo, conceitos importantes quando se idealiza uma construção que não tem um lugar e um público-alvo específicos, o objecto arquitectónico apresenta preocupações ao nível do conforto térmico, integrando diversos materiais naturais, de origem local, para o efeito. No caso do trabalho com a comunidade, os arquitectos podem actuar em múltiplos ambientes, com carências diferenciadas, desde as zonas pobres, sem recursos, até aos locais onde os principais problemas se prendem com a inacção dos poderes políticos. Em ambos os casos, estes profissionais colocam os seus conhecimentos a favor das populações onde, para além de exercerem a sua actividade como criativos, entram no campo da acção política e dos direitos dos cidadãos. As pessoas têm um papel activo no decorrer do projecto e liberdade para participar nas decisões que moldam as suas vidas e se expressa no desenho do ambiente construído. As soluções acolhem diferentes programas, manifestam um tempo de vida variável e um cuidado construtivo que, geralmente, está dependente desse mesmo período de existência. Como vimos, as soluções adoptadas como resposta às crises ambiental e social manifestam diferentes especificidades. Porém, as mesmas podem ser alteradas, valorizando uma relativamente à outra, dependendo da situação, da visão do arquitecto e do propósito do projecto. Transversalmente a todas elas, existe a questão da obra ser condicionada pelos elementos que estão disponíveis. Geralmente, o arquitecto propõe os materiais, com base numa série de factores, no momento anterior ao projecto ou durante o seu desenvolvimento, não sendo um factor decisivo para a concretização da obra. Pelo contrário, nesta situação, o resultado da obra está directamente dependente do que se encontra disponível, sendo este, porventura, o aspecto que mais contrasta com o restante xxxx



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modo de fazer arquitectura. Operacional

e

instrumentalmente,

podemos

encontrar

semelhanças

metodológicas com a arquitectura vernacular. Apresentam, ambas, características puras e essenciais, que significam, na sua origem, economia, que se traduz na utilização dos meios e recursos disponíveis, na apropriação dos materiais, localizados e retirados do sítio. A auto-construção, a modularidade e a repetição, também são características paralelas. O papel do arquitecto, no centro do processo da construção com desperdícios como forma de responder a uma crise, insere-se numa área recente e em constante evolução. Embora a reutilização destes materiais não fosse usual, devido à inacção e à dificuldade face à mudança, existe, hoje, um crescente número de profissionais a trabalhar com estas fontes. Julga-se que será no campo da crise ambiental que esta metodologia oferece um maior espaço de manobra e evolução, relativamente aos métodos construtivos, à exploração de novos materiais e à sua disposição em obra. Isto, porque não existem as mesmas condicionantes económicas e imediatas que estão entre as prioridades no âmbito da crise social. Nesse ponto, as preocupações estéticas ocupam, por norma, um lugar secundário, valorizando a funcionalidade, mas não desprezando a criatividade, que é, igualmente, exigente. Embora não possamos afirmar que existe uma marca transversal aos projectos realizados em prol da sustentabilidade, visto que a variedade e a diferença são, à partida, os únicos traços comuns, já se esboçam algumas noções que poderão caracterizar as obras. Existe uma variante onde se verifica a tendência de associar os materiais desperdiçados com outros, de diferentes origens, traduzindo-se em construções anfíbias. Os desperdícios poderão, ainda, sofrer manipulações, de forma a não serem reconhecidos como tal ou, em casos extremos, serem revestidos por outros xxxxxx



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elementos. Por outro lado, constata-se uma outra variante, onde a imagem final da obra é a resultante de uma adição de componentes ligeiros, de várias escalas, formas e texturas, com o seu aspecto original ou modificado, e que se assumem, claramente, como materiais que já serviram outra função. Resultam, frequentemente, em construções com uma imagem fragmentada, em maior ou menor evidência, como consequência da variedade de elementos que as constitui. Vários destes projectos podem reflectir uma curta fronteira entre o que é arquitectura, design ou manifestação artística, já que todas estas disciplinas se podem fundir. Esta tendência para trabalhar e explorar capacidades visuais e, juntamente, técnicas, dos materiais será, porventura, o campo onde este tipo de construção continuará o seu trajecto, como área inovadora, que se destaca por ter uma expressão própria e claramente assumida. Depois do percurso efectuado ao longo desta dissertação, juntamente com as considerações agora tomadas, como conclusão da mesma, podemos avançar que a construção com desperdícios, quer como resposta a uma crise ambiental quer social, se traduz numa arquitectura empírica, prática e política, particularmente atenta aos problemas existentes num espaço e numa época. Poderá ser entendida como uma arquitectura experimental e laboratorial, sem cânones. Não está dependente de regras e normas pré-concebidas, nem assente numa morfologia e linguagem rígidas. A sua essência sempre esteve, está e, certamente, estará, associada a uma arquitectura de reacção e intervenção, quase oposição. Também se verifica, nesta metodologia, um retorno à condição inicial e original da edificação, que sempre acompanhou a história da arquitectura e do Homem. O conceito do modelo elementar, da cabana primitiva, estudado e interpretado por vários arquitectos e outros teóricos, comprova esta ideia. Deparamo-nos, assim, com cssssssssssss



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com um gesto retroactivo, inspirador e orientador que procura a ideia primária, suportada por um sentimento de regresso à origem e que expressa a genuinidade e essencialidade da disciplina da arquitectura. Neste momento, a construção com desperdícios responde às crises de âmbito ambiental e social. No futuro, poderá responder a outras.



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IDHEA- Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica. Disponível em WWW:<URL:http://www.idhea.com.br/> Iconocast. Disponível em WWW:<URL:http://www.markosweb.com/www/iconocast.com/> Inhabitat. Disponível em WWW:<URL:http://www.inhabitat.com/> Las Vegas Review-Journal. Disponível em WWW:<URL:http://www.lvrj.com/> Launchpad 05. Disponível em WWW:<URL:http://www.launchpad05.com/> Melanie Dorson. Disponível em WWW:<URL:http://www.melaniedorson.com/homepage.html MFA. Museu de Arquitectura da Finlância. Disponível em WWW:<URL:http://www.mfa.fi/> Museum Victoria. Disponível em WWW:<URL:http://museumvictoria.com.au/> Neorama. Disponível em WWW:<URL:http://neorama.wordpress.com/> One small project. Disponível emWWW:<URL:http://www.onesmallproject.com/.html> Open Architecture Network. Disponível em WWW:<URL:http://www.openarchitecturenetwork.org/> PBS. Disponível em WWW:<URL:http://www.pbs.org/e2/> Recetas Urbanas. Disponível em WWW:<URL:http://www.recetasurbanas.net/> Roadside Architecture. Disponível em WWW:<URL:http://www.agilitynut.com/roadside.html> Rural Studio. Disponível em WWW:<URL:http://www.cadc.auburn.edu/soa/rural-studio/> Sapphire. Disponível em WWW:<URL:http://www.sapphire.ac.uk/> Sean godsell. Disponível em WWW:<URL:http://www.seangodsell.com/> Shigeru Ban. Disponível em WWW:<URL:http://www.shigerubanarchitects.com/> Superuse. Disponível em WWW:<URL:http://www.superuse.org/> TAZ. Disponível em WWW:<URL:http://www.taz.de/> Tom Krepcio. Disponível em WWW:<URL:http://www.krepcio.com/index.html> UCDAVIS. Univeridade da Califórnia. Disponível em WWW:<URL:http://www.ucdavis.edu/index.html> United Bottle. Disponível emWWW:<URL:http://www.united-bottle.org/> William McDonough. Disponível em WWW:<URL:http://www.mcdonough.com/> Yonelis. Disponível em WWW:<URL:http://yonelins.tripod.com/>


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Índice de figuras 01

Alinhamento pré-histórico de pedras.

02 03

Ruínas de Tanis. Componentes em ferro.

04

Âforas romanas inseridas numa parede.

05

Construção Romana.

06

Revolução Industrial.

07

Casa construída com garrafas por William Peck.

08

Habitação construída com barris, garrafas e outros materiais.

09 10 11

Habitação construída com antigas latas de óleo. Habitações características de um bairro de lata.

Vista geral sobre uma favela.

12

Pormenor de uma composição com lâmpadas.

13

Utilização de uma manilha como elemento estrutural.

14 15

Vista geral da habitação. Contracultura.

16

Desenho hippie.

17 18

Habitação na comunidade Drop City. Cúpula geodésica.

19

Profissão: arquitecto.

20

Eco.

21

Remade in Portugal.

22

Desenvolvimento sustentável.

23

Arquitectura sustentável.

24

Percurso de vida dos materiais.

25

Consumo na actualidade.

26

Indústria.

27

Resíduos.

28

Os pneus usados estão entre a maior variedade de resíduos.

29

Reutilização nos locais mais carênciados.

30

Demolição.

31

Mercado de salvados.

32

Uma das primeiras habitações projectadas por Reynolds.

33

Garrafas como elemento de construção.

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01

Construção de uma parede com a utilização de pneus, terra e pedras.

Panorâmica sobre a comunidade Earthship em Taos, Novo México.

Exemplo de uma Earthship.

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Remate superior da parede de pneus.

Aplicação do adobe sobre uma parede de pneus.

Painéis solares.

Sistema de recolha de água a partir da cobertura.

Vegetação no interior.

Fossa séptica.

Exemplo de uma Earthship de categoria compacta.

Exemplo de uma Earthship de categoria modular.

Reutilização de caixilharias de alumínio.

Reutilização de caixilharias.

Recycloop, construído com antigos lavatório da louça.

Pormenor da intervenção.

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Parque infantil

Vista geral sobre os equipamentos infantis.

Perspectiva superior do bar.

Perspectiva geral do bar.

Prateleiras realizadas com vidro para-brisas.

Pormenor das prateleiras.

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01

Perspectiva interior do espaço Worm.

Reutilização de antigos reservatórios de água para albergar os wc’s.

Bancos realizados com pneus.

Mapa de colheita.

A falta de habitação.

Passagem do furacão Katrina por Nova Orleães, EUA.

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Reutilização de embalagens da empresa FedEx para construir abrigos.

Construções verticais e abobadais.

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01

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01

Construções oblíquas.

Pormenor de uma parede realizada com garrafas WOBO.

Sobreposição das garrafas WOBO

Pormenor da ligação de duas paredes.

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Construção realizada com garrafas WOBO.

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Maqueta de uma habitação.

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United Bottle.

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United Bottle aplicada na reconstrução de edifícios.

71

Arquitectura para a Humanidade.

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Abrigo realizado com caixas de cartão.

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Campo de refugiados.

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O arquitecto e a comunidade.

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Casa do refugiado.

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Preenchimento da palete com pedras.

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Preenchimento da palete com terra.

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Preenchimento da palete com palha.

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Construção do abrigo com estrutura em tubos papel.

80

Colocação do revestimento.

81

Perspectiva sobre vários abrigos.

82

Utilização de tubos de papel para erguer as fachadas de um abrigo.

83 84

Vista frontal da Cabana do Futuro. Fotomontagem do abrigo num cenário de crise.

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Contentores.

86

Auburn.

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Centro comunitário de Mason’s Bend.

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Percurso de entrada na igreja.

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01

Pormenor da sobreposição dos vidros na cobertura. Vista interior.

Perspectiva geral sobre a construção.

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Fotomontagem de uma prótese num edífício de habitação.

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Estacionamento para bicicletas.

94 95 96 97 98

Artigo publicado no jornal ABC. Vista do lote antes da intervenção. Vista do lote depois de aberto à cidade. Variedade de materiais reutilizados para fazer os equipamentos. Desenho de um dos baloiços.

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Comunicação dos Serviços de Gestão Urbanistica de Sevilha.

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Biografias Michael Reynolds Reynolds é um arquitecto sediado no Novo México, EUA. Termina o curso em 1969, pela Universidade de Cincinnati, Ohio, e desenvolve a sua Tese na área da construção a partir de materiais de resíduo, posteriormente publicada na revista Architectural Record. Apesar de sempre ter manifestado que as suas habitações eram erguidas com técnicas experimentais, não descartou o facto de alguns compradores avançarem com processos judiciais, devido a vários defeitos nas obras, levando a Câmara dos Arquitectos a retirar-lhe a licença de profissão. Em 2000, Reynolds foi abordado pelo Instituto dos Arquitectos Americano, para dar uma palestra sobre a sua obra, e foi-lhe reposta a autorização para praticar arquitectura. Michael Reynolds é visto como um entusiasta associado ao "movimento verde", tendo a sua vida e obra retratadas num recente documentário, intitulado Garbage Warrior. 2012 Architecten 2012 Architecten é um atelier holandês, fundado em 1997 pelos arquitectos Cesare Peeren e Jan Jongert. Em 2004, juntou-se um novo membro, o arquitecto Jeroen Bergsma. O 2012 Architecten baseia-se na reutilização como estratégia de trabalho, que não se limita apenas à arquitectura, mas também ao design e à arte. Um dos primeiros projectos foi a Estação Espacial, construída com painéis de máquinas de lavar roupa antigas, que acabou por se converter num bar. Posteriormente, entenderam que a sua arquitectura poderia ser executada em maior escala, e vários trabalhos se seguiram. Lançou o livro Superuse: Construction new architecture by shortcutting material flows, em 2007, onde são expostas várias obras feitas a partir de materiais recuperados, quer da sua autoria quer de outros autores. I-Beam Design O atelier I-Beam tem sede em Nova Iorque, EUA, e foi fundado por Suzan Vinhos e Azin Valy, no ano de 1998. Os seus projectos, no âmbito da arquitectura, design e arte pública, têm por base o espaço como um meio fluido, adaptável e sensível às condições e necessidade do cidadão. Como resultado, as obras são sempre específicas do lugar, e todos os elementos arquitectónicos destinam-se a satisfazer, simultaneamente, requisitos de natureza espacial, funcional e programática. O reconhecimento do trabalho do I-Beam tem-se manifestado, nomeadamente, pela angariação do primeiro prémio no concurso internacional Abierta, para o redesenho do parque Tenent Petrosino, em Manhattan, uma menção honrosa para a solução de abrigo para os refugiados do Kosovo, e pela exposição de alguns trabalhos na 7 ª Bienal Internacional de Arquitectura de Veneza.


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Shigeru Ban Ban nasceu na cidade de Tóquio, Japão, em 1957, e estudou no Instituto de Arquitectura da Califórnia. Mais tarde, mudou-se para a Escola de Arquitectura Cooper Union, onde terminou o curso em 1984. Sendo japonês, Ban serve-se de muitos temas e métodos de construção encontrados na arquitectura tradicional desse país. Porém, este arquitecto é conhecido pelo seu trabalho inovador com papel e cartão, podendo ser adoptado em estruturas de grande escala, como o pavilhão japonês construído no âmbito da Expo 2000, em Hanover, com recurso a uma estrutura em tubos de papel que se prolongava por 72 metros de comprimento, até à execução de abrigos de emergência, de pequena escala e montagem simples. Em 2005, foi o vencedor da Medalha de Arquitectura da Universidade de Virgínia. No mesmo ano, foi distinguido pela revista Time pela sua inovação no domínio da arquitectura e design. Sean Godsell Godsell nasceu em Melbourne, Austrália, em 1960. Graduou-se na Universidade de Melbourne, em 1984, e nos anos seguintes viajou pelo Japão e Europa. Mais tarde, regressa à cidade natal, onde abre o seu atelier de arquitectura, Sgarchitects, em 1994. Em 1999, a sua Cabana do Futuro foi exibida em Nova Iorque, Paris e Londres, vindo a receber vários prémios de reconhecimento, entre os quais o prémio RAIA, Instituto Real dos Arquitectos Australianos. Godsell é, também, responsável pela concepção da Escola de Artes de Woodleigh e pela casa Carter/Tucker, esta última também reconhecida com um prémio RAIA, bem como por outros projectos, divulgados em várias publicações da especialidade. Em 2001, a revista English Design anunciou-o como uma das dez pessoas destinadas a "mudar a forma como vivemos". Rural Studio O Rural Studio foi fundado em 1993 pelo arquitecto Samuel Mockbee, como um projecto da Universidade de Auburn, que pretendia utilizar a arquitectura como meio para dar dignidade às pessoas mais desfavorecidas. Está sediado em Newbern, uma área rural pobre localizada no estado de Alabama, EUA. Mockbee morre em 2001 e, actualmente, o Rural Studio está sob direcção do arquitecto Andrew Freear. Embora continue a praticar arquitectura para levar dignidade às pessoas, o estúdio tem, hoje, um impacto mais amplo, mais exigente em execução e muito menos dependente da gama de materiais recuperados, que o caracterizou nos seus primeiros anos. Agora, as construções são mais fundamentadas em questões de habitabilidade, longevidade e apresentam maior escala, perceptível quer nas obras, em si, quer no tempo de execução das mesmas, já que muitos projectos são construídos por fases que podem abranger vários anos.


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Santiago Cirugeda Cirugeda nasceu em 1971 e é formado pela Escola Superior de Arquitectura da Universidade Internacional da Catalunha. Depois de completar o curso, decidiu desenvolver a sua carreira profissional entre a arquitectura e o activismo, realizando intervenções que resultam como uma ferramenta social. Escreve artigos e discursa em palestras. Além disso, está envolvido em mestrados, seminários, conferências, workshops, exposições e eventos culturais. Os seus projectos, tais como a ocupação de terrenos abandonados com arquitectura ligeira ou a construção de próteses em edifícios pré-existentes, são caracterizados pela análise e reinterpretação da lei, acção rápida e suporte popular. Recentemente, Santiago Cirugeda editou o documentário Spanish Dream. Nesta pelíula, o arquitecto analisa as condições de acesso à habitação em Espanha, desde a passada década de '70 até à actualidade.


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Vale a pena espreitar Os endereços electrónicos abaixo indicados referem-se a alguns (dos muitos) sítios que, ao contrário dos indicados no decorrer desta investigação, não contribuíram, de uma forma directa, para o desenvolvimento da mesma. Porém, a sua visita e análise não deixou de ser importante para uma compreensão geral das potencialidade, usos e manifestações, associadas à reutilização de desperdícios. Por essa razão, o candidato recomenda, a eventuais interessados pelo tema, a sua consulta. http://www.campanas.com.br/ Fernando e Humberto Campana são uma dupla brasileira que desenvolve arte com materiais comuns, encontrados em diversos sítios. Têm obras expostas nos principias museus mundiais. http://www.complett.nl/ Complett é o nome de um atelier holandês que desenvolve arte, design e arquitectura, com várias fontes reutilizadas. http://firmitas.org/ Firmitas é uma base de dados, frequentemente actualizada, que se destina, exclusivamente, à divulgação de projectos, de diversos programas, realizados com contentores marítimos. http://www.lot-ek.com/ Lot-ek está sediado em Nova Iorque, EUA. A sua arquitectura baseia-se, sobretudo, na adopção do contentor marítimo nas suas de infinitas combinações. http://www.reciclarq.org/index.html Reciclarq é uma associação sem fins lucrativos sediada em Barcelona, Espanha. Actua nos campos cultural, educativo, científico e tecnológico, com o objectivo de fundir reciclagem e reutilização com a arquitectura. http://rotordb.org/ Rotor é o nome de um atelier de arquitectura sediado em Bruxelas, Bélgica. A sua metodologia é semelhante à do 2012 Architecten. http://www.scraphouse.org/ Scrap House foi concebida pelo Public Architecture, um atelier com sede em São Francisco, EUA. Esta habitação, de carácer provisório, foi construida em 2005, por altura da comemoração do Dia Mundial do Ambiente desse mesmo ano (5 de Junho). A todatilade dos materiais usados nesta obra são reutilizados. http://www.ssdarchitecture.com/works/residential/big-dig-house/ Big Dig House é uma habitação projectada pelo gabinete SsD, sediado em Nova Yorque, EUA, cuja estrutura é realizada com materiais provenientes da desmontangem de vários componentes anteriormente localizados em estradas. http://www.trashformaciones.com/ Trashformaciones tem sede em Barcelona, Espanha. O seu trabalho foca-se no espaço urbano, desenvolvendo arte com variados materiais descartados.


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Créditos Tiragem de 06 exemplares em suporte físico e 02 exemplares em suporte digital. Esta investigação foi redigida com fonte Arial. No texto principal, apresenta tamanho 11. Nas citações destacadas, tamanho 10. Nas notas de rodapé, legendas e números de páginas, tamanho 08. Nas páginas secundárias, tamanho 08, também. Como suporte físico, foram utilizadas 91 folhas de papel formato a4, recicladas, e 01 folha de papel de fomato a2, posteriormente recortada, também reciclada. Como suporte digital, foi utilizado um DVD de 120mm, onde se apresenta um ficheiro em formato PDF. O candidato sugere que no momento em que a investigação perca a sua utilidade, seja depositada no ecoponto azul. O ambiente agradece. É permitida a reprodução e transcrição, em parte ou no todo, dos conteúdos incluídos nesta investigação, apenas para fins privados e desde que devidamente citados.

Construção com desperdícios: do ambiental ao social também se encontra disponível em http://issuu.com/moorfologia/




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