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Enfermagem: manual de gerenciamento / organizadora: Maira Buss hofehrn. – Porto Alegre: Moriá Editora, 2016. 200 p. : il. Bibliografia ISBN: 978-85-99238-16-5 1. Supervisão de enfermagem 2. Serviços de enfermagem 3. Administração de recursos humanos em saúde 4. Competência profissional I. hofehrn, Maira Buss II. Título NLM WY15 Catalogação na fonte: Rubens da Costa Silva Filho CRB10/1761
Adrize Rutz Porto Enfermeira. Professora auxiliar da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestre em Ciência da Saúde pela UFPel. Doutoranda em Enfermagem na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) − linha de pesquisa Gestão em saúde e enfermagem e organização do trabalho. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem (NEPEN). Andréia Coelho Bettin Enfermeira. Diretora do Departamento de Ações, Programas e Serviços de Saúde da Prefeitura de Canguçu/RS. Mestre em Ciência da Saúde pela UFPel. Especialista em Saúde Psicossocial no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Especialista em Equipe Multiprofissional em Saúde da Família. Membro do NEPEN. Camila Rose Guadalupe Barcelos Schwonke Enfermeira. Gerente de Ensino e Pesquisa do Hospital Escola da UFPel. Doutora em Enfermagem pela Fundação Universidade do Rio Grande (FURG). Caroline Lemos Martins Enfermeira. Especialista em Saúde do trabalhador pela Uninter. Mestre em Ciência da Saúde pela UFPel. Doutoranda em Ciências da Saúde – ênfase em Enfermagem do programa de pós-graduação em Enfermagem da UFPel. Membro do NEPEN. Débora Monteiro da Silva Enfermeira. Coordenadora do curso de Enfermagem da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Gravataí). Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Especialista em Administração dos
Michelle Barbosa Jacondino Caroline Lemos Martins Nara Jací da Silva Nunes Maira Buss hofehrn
ão é simples se propor a realizar leituras sobre as práticas de trabalho dos profissionais de saúde, independente da sua formação. Se você, leitor, abriu este pequeno manual é porque, possivelmente, tem uma afinidade por debates que incluem os processos de trabalho em saúde, neste caso, especificamente, em enfermagem. Não é, sem dúvida alguma, uma temática de fácil compreensão; aliás, é muita complexa, cujas discussões envolvem teorias profundas e difíceis, reflexões constantes e revisões de conceitos continuamente; conceitos esses que permeiam a vida profissional e, logicamente, a vida pessoal de cada indivíduo. Discutir sobre o processo de trabalho em enfermagem é estar disposto a debates que englobam o fazer dos profissionais no cotidiano do seu trabalho, incluindo questões referentes ao modo como se organizam as equipes e realizam suas tarefas, aos motivos por fazer suas ações de determinada maneira, a como a subjetividade de cada trabalhador influencia o desenvolver de sua prática profissional, a quais são as singularidades que permitem aos diversos profissionais não executarem do mesmo modo tarefas semelhantes e a quais são as dificuldades e facilidades enfrentadas no trabalho para
desenvolver a tarefa do cuidar, além de tantos outros questionamentos transversais que surgem ao longo do trabalho do ser humano e, principalmente, na área da saúde. Ora, você poderia pensar, então, que compreender o processo de trabalho em enfermagem não é uma empreitada simples. No entanto, se você gosta ou está disposto a ter afinidade pela temática, saiba que discutir práticas profissionais é englobá-las dentro de contextos históricos, estruturais e culturais, as quais refletirão na forma como os profissionais se organizam e agem no dia a dia do trabalho. Além disso, pode-se considerar que o fazer dos trabalhadores carrega influências das construções históricas das práticas de trabalho em saúde, dos modelos assistenciais em saúde, da construção do sistema único de saúde e dos demais sistemas existentes, como as institucionalizações das práticas de saúde, do conhecimento científico e dos interesses políticos. Nesse pensar, saiba que muitas vezes há um “pré-conceito” ou “preconceito” com aqueles profissionais (enfermeiros) que se identificam pela temática, seja no âmbito do trabalho assistencial, gerencial, seja no ensino e na pesquisa. Tem-se a impressão de que, quem tem interesse ou estuda a temática do processo de trabalho, estaria destituído ou afastado de outros assuntos tão importantes para prática profissional e que também contribuem para o desenvolvimento do conhecimento e da pesquisa em enfermagem e saúde – como pesquisas envolvendo pacientes com câncer, renais crônicos, colostomias, ecossistema, epidemiologia, saúde coletiva, saúde da criança, saúde da mulher, entre outros. Nada disso! Inclusive, acredita-se que quem se permite aventurar pelos caminhos do processo de trabalho em saúde está, com certeza, debruçado sob todos esses espaços, com olhar afinado para as práticas profissionais e contribuindo para a melhoria da qualidade do “ato” assistencial. Então, se você, mesmo assim, ainda estiver disposto a ler e compreender mais sobre o assunto, esperamos que este seja um manual de acesso rápido, o qual possa estimular questionamentos sobre o mundo do trabalho e lhe permita refletir e repensar sobre o seu agir profissional. E, é claro, que promova, além dos questionamentos in-
ternos, meios que possam conduzi-lo para a ação, ou seja, a promoção de mudanças em direção a um mundo do trabalho sempre melhor para os trabalhadores no que tange a qualidade de vida, as condições de segurança em saúde do trabalhador, os melhoramentos nos ambientes de trabalho, nas relações humanas, no gerenciamento de conflitos e de custos e na valorização e qualificação profissional. Para compreender um pouco sobre o processo de trabalho em enfermagem é essencial que o leitor conheça e se aproprie de três elementos que compõe sua matriz conceitual, sendo: o objeto, a finalidade e os instrumentos. O objeto de trabalho é traduzido como aquilo em que se aplica o próprio trabalho, ou seja, aquilo sobre o qual incide a ação do trabalhador e que ao final do processo estará modificado.1 Por exemplo, um trabalhador da construção civil terá como objeto de trabalho a edificação. Na área da saúde e enfermagem, o objeto é o ser humano, a família e a comunidade na sua integralidade e complexidade, os quais interferem ou devem interferir diretamente no processo de trabalho dos profissionais.2 A finalidade do trabalho é o que dá sentido a ação, é a razão pela qual o trabalho é feito e é a partir dessa finalidade que se constrói um projeto de trabalho para atender uma necessidade.1 Utilizando, novamente, o exemplo do trabalhador da construção civil, a finalidade do trabalho seria construir uma residência para que uma família pudesse se abrigar. Na área da saúde, a finalidade do trabalho é a ação terapêutica desenvolvida pelo profissional, que aqui é entendida como o cuidado. Dessa forma, o cuidado é compreendido como a finalidade do trabalho do enfermeiro, uma vez que se traduz em uma ação com objetivo terapêutico.2 O instrumental de trabalho seria um conjunto de meios (como ferramentas, saber profissional, aparelho de medir pressão, glicose, entre outros) necessários, os quais o trabalhador insere entre si e o objeto de trabalho, a fim de conduzir sua atividade sobre o objeto.1 Ao final do processo, o enfermeiro terá modificado o objeto (ser humano e/ou família) conforme suas necessidades humanas, ou seja, o usuário será transformado pelo cuidado, projetado e planejado pelo trabalhador.
Camila Rose Guadalupe Barcelos Schwonke Luciene Smiths Primo Pâmela Barros de Leon Wilson Danilo Lunardi Filho
istoricamente, o cuidado em saúde sempre foi uma atividade perigosa e de risco, mesmo tendo como função “prestar assistência à população na prevenção de doenças, no tratamento, na recuperação e na reabilitação de pacientes”. As ações de cuidado, por motivos indesejáveis e não intencionais, podem ser praticadas de forma a oferecer riscos aos pacientes, exigindo importante atenção na qualidade desta assistência.1,2 Os avanços tecnológicos em relação à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento de doenças, desenvolvidos pela área da saúde, têm sido significativos nos últimos anos. Os profissionais de saúde, desde o seu processo formativo, preocupam-se e comprometem-se com a assistência prestada, visando a um cuidado de qualidade. Todavia, apesar dos esforços na atualização, na educação dos profissionais e na prestação da assistência, utilizando toda tecnologia disponível, o paciente pode ser colocado em situações de risco e danos.3 Estudos que envolvem as questões relacionadas ao erro humano são recentes, tendo sua origem no campo da aviação, aeroaviação
e engenharia nuclear, com o objetivo de tornar as ações, nessas áreas, cada vez mais seguras.4 No entanto, esse campo de pesquisa tornou-se multidisciplinar, considerando-se a necessidade de tais questões serem expandidas para outras áreas do conhecimento, em especial para aquelas que envolvem os cuidados em saúde. A importância da abordagem dessa temática nas ciências da saúde caracteriza-se por esta ser uma das áreas mais profícuas e que vem obtendo resultados tão importantes, capazes de alterar a longevidade e a qualidade de vida das pessoas por meio do controle e da erradicação de doenças, da compreensão e da transformação de respostas orgânicas e do alívio do sofrimento, sendo que constantemente busca curar doenças, suprimir agravos à saúde e promover sua melhora. Diante desse contexto, procura-se sempre fazer o melhor pelo paciente (entendido como usuário, cliente, família, comunidade) e, assim, os profissionais aprendem que não podem errar.5 Diversos estudos na área da enfermagem vêm investigando e problematizando as questões que envolvem erros na execução de cuidados em saúde, especialmente aqueles relacionados à administração de medicamentos.6-11 Contudo, essa não é uma preocupação recente da profissão. Em 1863, a percussora da enfermagem moderna, Florence Nightingale, no livro Notes on Hospitals, já afirmava que, mesmo causando estranheza, era preciso enunciar como primeiro dever de um hospital não causar dano ao paciente.12 No início do século XX, em Boston, o cirurgião Ernest Codman foi pioneiro na avaliação científica dos resultados das cirurgias, ao considerar o resultado final para o paciente como princípio fundamental para justificar uma intervenção cirúrgica. Por estar insatisfeito com a falta de avaliação no Hospital Geral de Massachusetts, demitiu-se para criar o próprio hospital, no qual fosse possível acompanhar o paciente e avaliar o resultado final. Assim, Codman propôs algumas categorias para avaliar falhas no tratamento: erro por falta de conhecimento técnico ou habilidade; erro por falta de julgamento cirúrgico; erro por falta de atendimento ou equipamentos; erro por falta de habilidade diagnóstica; a doença é intratável; o
Maria Tereza Leopardi
Gestão de enfermagem é um ramo dessa área que se concentra na gestão de enfermeiros e padrões de atendimento ao paciente. Um programa eficaz de gestão de enfermagem é fundamental para a maioria das instituições – como hospitais, clínicas e serviços de assistência domiciliar. Enfermeiros têm formação tanto de enfermagem como de gestão e recebem treinamento especial como gerentes e supervisores. Quando um gerente cuida do pessoal de enfermagem em um hospital inteiro, questões como consistência, procedimentos padronizados, protocolos de transferência e cooperação são, muitas vezes, uma parte importante do trabalho. Na hierarquia estabelecida, há gerentes de enfermagem que são responsáveis por coordenar uma equipe em suas unidades, por especificar as atribuições dos trabalhadores para casos específicos, além de fiscalizar os cuidados prestados a fim de garantir que permaneçam em um nível elevado. Eles também são envolvidos na elaboração de planos de enfermagem, coordenando os esforços da equipe de enfermagem para manter todos a par dos desenvolvimentos na condição do paciente e nos cuidados médicos. Estabelecida a compreensão sobre o tipo de trabalho definido para os gerentes da enfermagem em geral, pretendo centrar este capítulo nos conceitos para os quais o título aponta, ou seja, “responsabilidade” e “gestão”, para, então, estabelecer o nexo entre eles na
produção do trabalho assistencial de saúde. Como diria Aguiar Dias,1 “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade”. Mas o que vem a ser responsabilidade? Responsabilidade deriva do latim respondere (responder), que, por sua vez, originou-se de spondeo (aquele que deve). Responder a algum estímulo, seja ele qual for, significa, primordialmente, comportar-se reativamente a ele. Se pensarmos nessa origem, o sentido do termo realmente exprime uma posição de alguém a quem é atribuído um comportamento ou dever. Os romanos, ao firmarem um contrato, pronunciavam a palavra spondeo, derivada de respondem, com a finalidade de vincular os envolvidos, ou, de outro modo, responsabilizá-los mutuamente pelo seu cumprimento. É essa a intenção, pois, da palavra: responsabilidade é a vinculação das pessoas aos seus atos. Essa proposição determina duas consequências derivadas do tipo de evento ao qual necessitamos responder. Do ponto de vista positivo, se a resposta moral for sentida como dever, isso significa que aceitamos a atribuição social determinada pelo direito e pelo sentido ético; por exemplo, uma mãe que aceita sua atribuição de amamentar. “Responsável é aquele que responde, e a resposta é sempre resultante de estímulo anterior causativo – a pergunta”. ¹ No sentido negativo, quando alguém fere tais regras, as consequências são à medida da “culpa” imputada, tal qual a apreensão da carteira do motorista que atinge certo número de pontos resultante de ocorrências de transgressão das regras de direção segura. A punição atribuída resulta da negação da resposta esperada no meio social, ou seja, a pessoa não assume sua responsabilidade social de manter a segurança das pessoas à sua volta. Habermas,² por sua vez, reflete justamente sobre o problema da responsabilidade em relação ao poder de intervenção na vida e sobre a responsabilidade que cada um tem consigo mesmo e com os outros; questiona sobre o poder que um indivíduo tem na relação com o outro. “A mudança de paradigma da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem situa-se precisamente neste contexto”.² Teoria e prática se relacionam. A teoria pode e deve ser aplicada aos