Revista À Mostra 2018

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ISSN 2317-1022


Foto: Clara Castañon “Atafona” XVII Mostra de Teatro da UFRJ


_ INTRODUÇÃO: À MOSTRA 2018 Por Érika Neves Coordenadora de produção

2018. 18ª edição da “Mostra de Teatro da UFRJ”, em que se apresentam ao público da cidade do Rio de Janeiro os Projetos Experimentais em Teatro dos alunos formandos no curso de Artes Cênicas – Direção Teatral da Escola de Comunicação da UFRJ. Além dos alunos-diretores em conclusão de curso, envolvem-se nas equipes das peças da “XVIII Mostra de Teatro da UFRJ”: os alunos de Cenografia e Indumentária da Escola de Belas Artes, os alunos de Dança da Escola de Educação Física e Desportos, alunos da Escola de Comunicação, alunos de vários períodos da Direção Teatral e alunos secundaristas do Colégio de Aplicação – todos da UFRJ, orientados por docentes das respectivas unidades. E também componentes de outras instituições e da sociedade civil. Tivemos um ano difícil em muitos sentidos. Se a cada ano temos que lidar com inúmeros imprevistos e restrições orçamentárias, este se superou – tanto que, das costumeiras três apresentações para cada peça, tivemos que reduzir para apenas uma, pois até um mês antes da estreia desta Mostra, sequer estava disponível a ajuda de custo para arcar com os gastos de cada montagem ou alguma verba para contratação de técnicos e confecção dos materiais gráficos. Então, inicialmente a ideia seria mostrar algum produto teatral derivado do projeto que os alunos propuseram na inscrição em “Projeto Experimental em Teatro”, não necessariamente uma peça completa. Apresentam-se variadas temáticas: negritude, mulheres, pessoas em situação de rua, especulação imobiliária e até uma adaptação de Dom Quixote. E, junto com as montagens de formatura, este ano ocorrerá em calendário totalmente simultâneo a “Amostra Grátis 2018” – resultado dos trabalhos da disciplina “Direção V”, do 6º período (primeira oportunidade de apresentação pública dos trabalhos da Direção Teatral) – peças curtas, com apenas dois atores e até trinta minutos de duração, baseadas nas obras de William Shakespeare. Ambas as Mostras possuem entrada franca e senhas distribuídas uma hora antes de cada apresentação – sujeito à lotação. De terça a sexta, de 04 a 14/12/2018, serão até quatro apresentações por dia! Aproveitem! As programações encontram-se, respectivamente, nas páginas 06/07 (“XVIII Mostra de Teatro da UFRJ”) e 44/45 (“Amostra Grátis 2018”) desta Revista. Por conta também do calendário enxuto e da diferença de datas de término do ano letivo entre graduação e ensino básico, a peça “Roda Viva”, do projeto “EncenaAÇÃO” do Colégio de Aplicação, se apresentará alguns dias antes das peças de formatura e em local diferente: no próprio CAp/UFRJ, nos dias 22 e 23/11/2018. Seguimos criando, experimentando, produzindo, mostrando. Enquanto e até quando for possível.

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18 ANOS DE “MOSTRA DE TEATRO DA UFRJ” I MOSTRA

III MOSTRA II MOSTRA

IV MOSTRA

VII MOSTRA VI MOSTRA V MOSTRA

VIII MOSTRA


XI MOSTRA

IX MOSTRA X MOSTRA

XIII MOSTRA

XII MOSTRA

XIV MOSTRA XV MOSTRA

XVII MOSTRA XVI MOSTRA

XVIII MOSTRA


___ SUMÁRIO Foto: Clara Castañon “Por que Hécuba” XVII Mostra de Teatro da UFRJ


06 ___ PROGRAMAÇÃO XVIII MOSTRA DE TEATRO DA UFRJ 10 ___ O POETA NÃO É AMIGO DO REI

Por Júlia Helena, Priscila Manfredini e Raphael Castro

14 ___ BROTAR DO IMPOSSÍVEL CHÃO

Por Lucas Massano

18 ___ NEGRAR-SE E SUAS PROVOCAÇÕES

Por Mayara Tenório

22 ___ COMO QUE ALGUÉM CHEGA NESSE ESTADO?

Por Camila Simonin

26 ___ LIMINARIDADE FEMININA

Por Giullia Luciano

30 ___ ALUGA-SE TÍTULO PARA TEXTO SOBRE PEÇA DE ALUNO-DIRETOR

Por Homero Ferreira

34 ___ UM ACORDAR COLETIVO

Por Gabriela Villela

38 ___ ECOS OCULTADOS PELA HISTÓRIA

Por Daniel Ferrão

42 ___ VIOLÊNCIAS SUTIS ATRAVÉS DOS TEMPOS

Por Giovan Bueno

44 ___ PROGRAMAÇÃO AMOSTRA GRÁTIS 2018


___ PROGRAMAÇÃO

22/11 (QUI) e 23/11 (SEX) | 19h Três turmas do Segundo Ano do Ensino Médio do CAp/UFRJ, sob a direção dos alunos do quarto período do Curso de Direção Teatral, apresentam “EncenaAÇÃO 2018”

RODA VIVA, de Chico Buarque

Direção: Raphael Castro, Priscila Manfredini e Julia Helena Local: Teatro do Colégio de Aplicação CAp/UFRJ Classificação indicativa: 12 anos Sinopse: Benedita Silva, aspirante a cantora, fará de tudo para chegar ao estrelato. Acompanhada por Anjos e Capetas, só terá que mudar muito pouco: seu nome, seu estilo, sua música e sua personalidade... até a morte. Tragicomédia musical. 04/12 (TER) | 20h

DOM QUIXOTE & SANCHO PANÇA, livre adaptação da

obra de António José da Silva Direção e adaptação: Lucas Massano Local: Rua interna do campus da Praia Vermelha, próximo à Escola de Comunicação Classificação indicativa: Livre Sinopse: Um fidalgo de certa idade, após muito ler romances de cavalaria, acredita ser um cavaleiro andante e parte pelo mundo ao lado de seu fiel escudeiro Sancho Pança, em busca de aventuras e fantasias que sempre esbarram com a realidade. 05/12 (QUA) | 20h

NEGRAR-SE, CORPOS PRETOS EM pErMoRmAÇÃO,

criação coletiva Direção: Mayara Tenório Local: Sala Vianninha da Escola de Comunicação Classificação indicativa: 14 anos Sinopse: Desenho sinuoso, malicioso, gingado e cheio de curvas, de trajetórias do corpo negro em suas potências e fragilidades, das formas de (RE)EXISTÊNCIA que vem TOMANDO. Através da dança, da tradição oral e de muita luta esse corpo se põe a ver. 06/12 (QUI) | 20h CRUA, de Thaís Mandarino e Francisco Ohana Direção: Camila Simonin Local: Sala Vianninha da Escola de Comunicação Classificação indicativa: 16 anos Sinopse: “Crua” coloca em cena as vivências de diversas pessoas que hoje se encontram em situação de rua, na tentativa de ressaltar a humanidade existente nas calçadas e praças pelas quais se passa cotidianamente. Como que alguém chega nesse estado?

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07/12 (SEX) | 20h

ENTRE NÓS: HEDDA,

adaptação de “Hedda Gabler”, de Henrik Ibsen Direção e adaptação: Giullia Luciano Local: Sala Vianninha da Escola de Comunicação Classificação indicativa: 16 anos Sinopse: Uma mulher da burguesia conta as experiências de sua vida tediosa e vazia. Seu maior desejo é um encontro inseparável com a liberdade. 11/12 (TER) | 20h

ALICE & BALTAZAR OU INDEVASSÁVEL

Texto e direção: Homero Ferreira Local: Sala Vianninha da Escola de Comunicação Classificação indicativa: 14 anos Sinopse: Alice teve sua vida revirada quando foi despejada do apartamento de Baltazar e ele não imagina o que ela planejou para chamar sua atenção. A janela, a avenida do samba, o carnaval e os 40m² do lugar participam desse encontro. 12/12 (QUA) | 20h

HISTÓRIAS PARA ACORDAR, de Lane Lopes

Direção: Gabriela Villela Local: Sala Vianninha da Escola de Comunicação Classificação indicativa: 18 anos Sinopse: Em um lugar tão, tão distante, donzelas indefesas se reúnem para falar futilidades. Mas peraí! Isso é história pra boi dormir! Em “Histórias para acordar”, mulheres fortes se reúnem armadas apenas com seus relatos e bom humor. 13/12 (QUI) | 20h

BÉKOOS: CAMINHOS DA NEGRITUDE, de Coletivo Békoos

e Fábio Baptista, com poemas de Conceição Evaristo Direção: Daniel Ferrão Local: Sala Vianninha da Escola de Comunicação Classificação indicativa: 16 anos Sinopse: Békoos dá visibilidade à negritude, resgatando memórias africanas que sobrevivem em uma sociedade estruturada por correntes coloniais. Guerreiros negros em batalhas cotidianas, contra as desigualdades sociais e raciais da contemporaneidade. 14/12 (SEX) | 20h

SOMOS TODAS ELAS, criação coletiva baseada em fatos reais

Direção: Giovan Bueno Local: Sala Vianninha da Escola de Comunicação Classificação indicativa: 14 anos Sinopse: A peça retrata mulheres, personagens ao longo da história do teatro, e suas respectivas violências, que estão presentes tanto na dramaturgia como na vida real. De alguma maneira, todas fazem parte de nós. 7



RODA VIVA

de Chico Buarque

Três turmas do Segundo Ano do Ensino Médio do CAp/UFRJ, sob a direção dos alunos do quarto período do Curso de Direção Teatral, apresentam “EncenaAÇÃO 2018”

Turma 22A Direção: Raphael Castro Direção de movimento: Idris Bahia Orientação: Celeia Machado Elenco: Clara Luna, Francisco Kuchpil, Guilherme Martinelli, Gustavo Marques, Isa da Mata, Isadora Lima, Nic Mori, Ruã Mello e Vinicius Guimarães Turma 22B Direção: Priscila Manfredini Direção de movimento: Idris Bahia Orientação: Celeia Machado Elenco: Ana Flora Queiroz, Carolina Medeiros, Clara Yuki, Darah Silva, Luiza Dittz, Mariana Americano, Marina Holanda, Tainá Moreira, Thamires Meireles Turma 22C Direção: Julia Helena Direção de movimento: Lia Sevach Orientação: Andréa Pinheiro Elenco: Eduardo Nogueira, Gustavo Costa, Ilton Costa, Julia Caixeta, Lucía Rodriguez, Luiza Lourenço, Maria Eduarda, Maria Vitória Sá e Raphael Roucaute

Cenografia e figurino: Mariana Neves Orientação de cenografia e figurino: Sunshine Pessanha Visagismo: Francisco Leite Iluminação: SUAT Preparação vocal: Mayara Tenório Composição melódica: Isadora Giesta Direção musical: Victor Brito Logo do espetáculo: Sander Machado Produção: Gustavo Brasil Direção artística: Celeia Machado e Andréa Pinheiro Imagens: Setor Curricular de Artes Cênicas e Acervo Teatro Oficina 9


O POETA NÃO É AMIGO DO REI Por Júlia Helena, Priscila Manfredini e Raphael Castro

Em 2018 a primeira montagem do espetáculo “Roda Viva” completa 50 anos. O primeiro texto dramatúrgico de Chico Buarque entrou para a história como um ícone da resistência à censura que o regime militar instaurou no Brasil. Não por menos: há meio século, um grupo paramilitar invadia o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo para, literalmente, acabar com a “Roda Viva” – destruindo cenários e figurinos, espancando elenco e equipe. A peça, que conta a malfadada trajetória de um aspirante a cantor manipulado por empresários e jornalistas, trazia uma crítica à indústria cultural brasileira e a todo o sistema que fazia com que ela fosse possível. Trabalhar com esse texto para o espetáculo do projeto “EncenaAÇÃO 2018”, realizado pelo Colégio de Aplicação da UFRJ, proporcionou um diálogo aberto e horizontal com as alunas e alunos do segundo ano do Ensino Médio sobre o poder de manipulação da mídia, machismo institucional, representatividade, democracia e resistência – assuntos tão importantes, principalmente em meio à caótica situação do nosso país atualmente. E apesar de serem temas bastante densos, sempre buscamos nos ater ao espírito da peça: irreverente e alegórico. Para isso, fomos buscar inspiração no teatro de revista 10

brasileiro, com seus números musicais cheios de canto, cor e coreografia, mas sempre afiados na crítica ao cotidiano. E para que tudo se encaixasse, foi necessário que algumas adaptações acontecessem e uma delas foi a mudança do gênero do protagonista. Na nossa montagem, Benedito virou Benedita, mudando assim as dinâmicas de relacionamento dos personagens em diversas esferas, trazendo as questões do feminino mais fortemente do que no texto original. Para nós, como alunos-diretores e profissionais de Artes Cênicas em formação, foi um processo de aprendizagem muito enriquecedor e, acima de tudo, fortalecedor nesses tempos sombrios em que uma nuvem extremamente moralista e repressora insiste em pairar sobre nossas cabeças. Essa força vem da natureza inerentemente coletiva do teatro, que está aí para nos lembrar, sempre, que não importa a época histórica ou a estação do ano, juntos sempre somos potentes, resistentes e – é claro – subversivos.


“É fogo... Eles pensam que a gente vai melhorar alguma coisa [...] Parece que eles não têm mais em quem acreditar, sabe? Então eles confiam na gente. Esperam da gente, não sei o quê [...] Pensam que a gente é Deus...”

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DOM QUIXOTE & SANCHO PANÇA livre adaptação da obra de António José da Silva Direção e adaptação: Lucas Massano Orientação: Marília Guimarães Martins e Daniel Marques Assistência de direção e trilha sonora: Igor Azevedo Elenco: Bruno Marques, Davi Palmeira e Yves Baeta Iluminação: SUAT Cenografia: Nícolas Gonçalves e Kelly Malheiros Assistência de cenografia: Miriam Guilarducci, Joana Ramos e Alex Lopes Direção de arte: Nícolas Gonçalves Assistência de direção de arte: Amanda Veiga Orientação de direção de arte e cenografia: Ronald Teixeira Figurino: Carolina Costa Adereços: RAFFA Assistência de adereços: Julia Araujo Orientação de figurino e adereços: Samuel Abrantes Produção: Bernardo Pimentel e Henrique S Bueno Dramaturgia de movimento: Marcílio Fernandes Orientação de dramaturgia de movimento: Ligia Tourinho e Maria Inês Galvão Preparação vocal: Tamara Innocente Pesquisa musical: Dani Câmara, Igor Azevedo e Yves Baeta Colaboradores: Alexandre Francisco, Ana Paula Gomes, Dani Câmara e Luiza César Imagens: Nícolas Gonçalves

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BROTAR DO IMPOSSÍVEL CHÃO Por Lucas Massano

“Sonhar o sonho impossível, Sofrer a angústia implacável, Pisar onde os bravos não ousam, Reparar o mal irreparável, Amar um amor casto à distância, Enfrentar o inimigo invencível, Tentar quando as forças se esvaem, Alcançar a estrela inatingível: Essa é a minha busca”. (Cervantes) Dom Quixote e Sancho Pança – balizados por seus desejos e relações – lançaram-se ao mundo, à utopia, ao sonho impossível de viver e fazer de suas vidas os caminhos dos seus sonhos e de suas próprias Histórias. Não posso escrever sobre este trabalho sem pensar na latência de encenar um “Dom Quixote” em 2018. Falar sobre liberdade, sem me referir ao meu tempo. Não posso esquecer que Cervantes – autor do romance original, no século XVII – passou anos de sua vida encarcerado. Não posso ignorar que o autor usado como base nesta adaptação – António José da Silva, no século XVIII – passou a vida perseguido pela nova inquisição e foi morto aos 34 anos, na fogueira, por prática de judaísmo. 14

Não posso ignorar que, hoje, no século XXI, um grupo de artistas do Rio de Janeiro se reúne em torno deste projeto pra falar sobre liberdade e vê uma história de cárcere, controle e opressão se repetindo. Que a Nossa Universidade Pública, onde me formei artista, está vilipendiada, sobrevivendo com 30% de sua verba, cercada pelos desejos e ambições fascistas do seu fim. Nossos sonhos, nossa vida, nossa liberdade negados. Há quem acredite que em tempos de guerra não haja espaço para o teatro, para arte, para cultura. Eles são a minha única fé. Nunca me senti tão coerente e contemporâneo. Tão artista dos meus dias. Dom Quixote dialoga comigo. Com nosso tempo. Com o nosso equívoco como sociedade. Olho ao meu redor e tenho a inabalável confiança e certeza de estar cercado pelos melhores artistas do meu tempo. Críticos, analíticos, pensadores e práticos. Ambiciosos pela coerência, desejosos do melhor amanhã. Sensíveis e generosos. A estes que – juntos a mim – são máquinas de guerra numa sociedade opressora e falida, obrigado. A vocês, que chegam agora, isto é um convite.


“Não tem remédio: hei de ir, que não é justo que fique sem fim minha memorável história. Quantos estarão em necessidade de que um cavaleiro andante lhes defenda o crédito e a honra? Quantos pupilos estarão sem justiça? Quantos cavalheiros honrados estarão desencantados por falta de andantes cavaleiros?”

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NEGRAR-SE, CORPOS PRETOS EM pErMoRmAÇÃO criação coletiva Direção: Mayara Tenório

Orientação: Daniel Marques Assistência de direção: Gustavo Brasil Elenco: Elton Sacramento, Matheus Sousa e Mika Macedo Iluminação: Júlia Helena e Raphael Castro Cenografia: Jefferson Santi Figurino: Joyce Olipo e Djalma Francisco Produção: Beatriz Santa Rita e Reinaldo Machado Preparação corporal: Henrique Bellas Orientação de preparação corporal: Ligia Tourinho, Maria Inês Galvão e Tatiana Damasceno Trilha sonora: Thiago Kobe Imagens: Gustavo Brasil, Leandro Cunha e Mayara Tenório

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NEGRAR-SE e suas provocações Por Mayara Tenório

Preto é ter black, trança, transição, Preto é tudo que se quiser NADA MAIS DE escravidão, Preto é amor é A COR, Preto é tesão Preto não pode mais ser ENCARCERADO em nenhum tipo de prisão Preto é tudo aquilo QUE SE QUER, TUDO AQUILO QUE SE TEM Preto é a potência dos ANCESTRAIS que vem Negrar-se é ser preto, pretinho, pretão ter black, trança ou transição fazer obra, vigia ou arrastão, é querer direito, poder e solução é amar a si mesmo, mesmo sendo rejeito de outro cidadão é deixar seu legado, deixar de ser caçado, Deixar esse assunto de morte de lado e buscar toda coragem dos meus antepassados. Como é possível se falar de uma masculinidade negra, uma vez que o homem negro está preso a uma objetificação que o priva de sua racionalidade cultural e nega-lhe independência?¹ Porque Negrar-se é importante, útil e necessário. Afirmo isso sem o pudor de ter de justificar ¹ ROSA, Waldemir. Homem Preto do Gueto: um estudo sobre a masculinidade no Rap brasileiro. 2006. 90 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, p.4.

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o óbvio, o corpo negro já passou da hora de ser mais do que instrumento de pesquisa e estatística do olhar hierarquizado. O corpo que está sempre sendo estudado, analisado e avaliado sob a perspectiva de uma inferioridade, seja ela corporal e/ou intelectual. Corpo que, ao ocupar espaços de fala, políticos e artísticos, alcança o patamar, na maioria dos casos, porque um branco lhe “cedeu” esse lugar. O corpo do povo que teve o controle, o conhecimento e total organização política e social de todo KEMET (hoje Egito) e de todo continente africano², foi subalternizado, escravizado e surrupiado de sua nação. Hoje, merece não só leis, como cotas e estudo de sua cultura nas escolas, merece mais que ventre livre e alforrias, merece ser conhecedor e articulador de sua própria cultura.

² Disponível em: http://ipeafro.org.br/linha-do-tempo/. Acesso em: 15 mai. 2018.


“Laroyê Exú amojubá, abre caminhos, deixa Negrar-se passar... Naveguei, naveguei, mas lá não queria tá… me tiraram da minha terra pra conhecer sinhô e sinhá… Terra ancestral solta o grito tribal e vem me ajudar. Vou juntar minha tribo de novo, mas ao invés de flechar eu vou botar pra fuder…”

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CRUA de Thaís Mandarino e Francisco Ohana Direção: Camila Simonin

Orientação: Jacyan Castilho Elenco: Alice Birman, Danuza Formentini, Dyogo Botelho, Maisa Oliveira, Raphael Sucro e Vinícius Varela Iluminação: Beatriz Franco e Kim Queiroz Cenografia: Wesley Barreto e Marina Menezes Figurino: Igor Avelino Orientação de figurino: Madson Oliveira Produção: Lucas Perovano

Preparação corporal: Camila Simonin

Orientação de preparação corporal: Lígia Tourinho e Maria Inês Galvão Pesquisa musical e trilha sonora: Gustavo Almeida e Pedro Schiller Imagens: Camila Simonin, Daniella Fiaux, Felipe Hanower, Francisco Ohana, Marco Terranova, Voluntários do “Projeto Ruas”

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COMO QUE ALGUÉM CHEGA NESSE ESTADO? Por Camila Simonin

Autor de uma das primeiras referências deste trabalho, “No olho da rua” – livro em que conta sua experiência como diretor de um abrigo para população de rua –, Marcelo Antônio da Cunha concordou em nos receber pra uma conversa. Disse que quando um sintoma aparece no organismo da pessoa, dentre as linhas de pesquisa de saúde-doença, uma diz que o organismo pode encontrar um jeito de se re-equilibrar com aquilo que parece doença. Às vezes, o modo que encontrou foi botando pra fora um furúnculo. Esse furúnculo vemos de fora como uma doença. Mas ele é a saúde que apareceu desse jeito. Então, o médico dá um antibiótico pra destruí-lo. Suprimir. Então, nesses princípios, essas pessoas estão apontando um sintoma da humanidade que é uma saída. E a gente quer cortá-la. A gente quer suprimir. Ao longo do processo de montagem, estivemos em contato com diversos projetos sociais e culturais que desenvolvem atividades com a população de rua no Rio de Janeiro. Além de participar dos encontros e ações realizadas por esses grupos, realizamos também “ensaios-partilha”, que consistiam em reuniões em diferentes praças da cidade, nas quais organizávamos piqueniques e conversas com os moradores de rua daquela região. “Vocês não iam fazer piquenique numa praça no Centro e não ser perturbado por mendigo, né? Isso aí é pra gente”. Walan senta conosco em 22

uma lona azul. Pega uma tangerina. E ali iniciamos uma conversa de quase três horas. Nesses encontros, nos deparamos com a crueza dos relatos e vidas a um palmo de distância. Isto é, vidas sem retoques e ajustes, mas permeadas por crueldade, força e diversos outros aspectos que apontavam para uma humanidade exacerbada nas pessoas que tinham em sua trajetória a rua como ponto comum. Estava em contato, na verdade, com outras possibilidades de humanidade. De gente que veio de São Paulo correndo até a rodoviária Novo Rio, de gente que matou a mãe no dia das mães, de gente que quando criança dormia em um papelão no quintal de casa. Assim, não fazia sentido colocar como foco deste trabalho somente as questões do viver em situação de rua, mas também voltar o olhar pelas histórias pelas quais passamos. Essas vivências, cotidianamente não ouvidas e não vistas, ganham, então, a cena. Ganham espectadores. E a isso, agradecemos cada um e uma com quem encontramos nesses últimos meses. Nosso obrigada por nos abrirem os olhos e ouvidos para o que o cotidiano de quem vive em casa não revela.


“Talvez ali seja a saída, né? Na humanidade cabe tudo. A humanidade não cabe nas Instituições, no dia-a-dia de quem tem casa. Isso ainda não dá conta de todas as maneiras de estar no mundo. Mas não, a gente quer suprimir. Humanamente, você vai condenar o quê?”

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ENTRE NÓS: HEDDA adaptação de “Hedda Gabler”, de Henrik Ibsen Direção: Giullia Luciano

Orientação: Lívia Flores Adaptação: Giullia Luciano Assistência de direção: Luana Vidinha Elenco: Amanda Gomes, Ana Carolina Magioli, Carolina Bonjour, Daniela Sousa, Glécia Machado, Letícia Gelabert, Lua Vicentini, Luana Vidinha, Mariana Nomelini, Marina Reis, Narayanna Rocha, Priscila Macuglia, Renata Tedeschi e Stella de Paula Iluminação: Bernardo Pimentel e Rodrigo Correia Cenografia: Jefferson Santi Figurino: Karol Pereira Produção: Luana Vidinha e Gustavo Brasil Direção de movimento: Mariana Nomelini Orientação de direção de movimento: Ligia Tourinho e Maria Inês Galvão Direção musical: José Henrique Calazans Colaboração: Bruna Christine e Livia Flores Imagens: Luana Vidinha

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LIMINARIDADE FEMININA Por Giullia Luciano

Rio de Janeiro. 2018. Eu, 24 anos, estudante da Direção Teatral, digo com toda certeza que, ao longo destes cinco anos de curso, uma das minhas missões como aluna e, mais do que isso, como mulher, foi contribuir de alguma maneira para a nossa representatividade, visibilidade, voz. Não escolhi falar sobre a mulher em três espetáculos porque a temática “está em alta”: foi natural, aconteceu como um fluxo e me pareceu desde o início uma questão de necessidade vital, como o oxigênio mesmo, pulsante dentro de mim. Inclinei-me, então, sobre peças que em alguma medida tratassem da figura feminina. Ao refletirmos sobre grandes nomes da direção teatral, a tendência é mencionarmos mais nomes masculinos. Existem mulheres nessa função – influentes, premiadas, porém a visibilidade da mulher no teatro é problemática, assim como em outros tantos espaços. Em “Hedda Gabler”, de Henrik Ibsen, temos a realidade da aristocracia norueguesa do século XIX sendo desmascarada, com a sua (des)moralidade colocada em xeque – valores como honestidade, bondade e fidelidade são questionados. Nesse contexto, a personagem Hedda tem consciência de seu papel como mulher na sociedade em que vive e se esforça a todo momento para ir contra a cultura patriar26

cal e machista. Ela seria o retrato fiel da típica aristocrata, não fossem o temperamento forte e o visionarismo, que lhe impedem de cair no conformismo, acendendo o desejo de liberdade. “Entre nós: Hedda” trata-se de uma adaptação da peça de Ibsen escrita por mim e nasceu da relevância de tocar em temas sobre a opressão sofrida pela mulher. O suicídio feminino, por exemplo, é uma grave consequência social. Para Hedda, a vida é um grande vazio, tediosa, sem sentido, chegando a ser uma situação limite. A única saída possível para finalmente sentir o gosto da liberdade é colocando fim a si própria. Isto, para mim, é o diferencial desta história, pois é da esfera do real, e não do ideal. Assim, fecho minha trajetória acadêmica de histórias femininas tentando possibilitar o protagonismo das mulheres, partindo da universidade – lugar onde muito se pesquisa, teoriza e se propaga discursos, e talvez onde pouco se debata e reflita a respeito da mulher – para o mundo. Alunas, professoras, terceirizadas, diretoras, precisam se sentir representadas e acolhidas. Este espaço deve ser de pertencimento, não de exclusão. Não mais posso me ignorar. Não posso ignorar as outras. Aqui, lá e acolá, a realidade é uma só.


“HEDDA 2 – Quem te levará até o altar? "HEDDA 1 – Quem te deixará flores na partida? "HEDDA 2 – Mais um dia e parece que nada mudou. "HEDDA 3 – Só mais um pouco, talvez ela aguente mais um pouco”

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ALICE & BALTAZAR OU INDEVASSÁVEL texto e direção de Homero Ferreira

Orientação: Carmem Gadelha e Gabriela Lírio Elenco: Jasmin Sánchez, Lucas Garbois, Rodrigo Andrade Iluminação: Carolina Reis Figurino: Bruna Araújo, Julyanna Dias, Karol Pereira e Luana Amâncio Produção: Karla Gabriela Preparação corporal: Hugo Leiva Orientação de preparação corporal: Lígia Tourinho e Maria Inês Galvão Apoio: Prêmio Nelson Seixas 2018 – Prefeitura de São José do Rio Preto Imagens: Arthur Omar, Danilo Ramos, Lucio Vaz, Marcelo Piu - Agência O Globo e Priscila Vilariño

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ALUGA-SE TÍTULO PARA TEXTO SOBRE PEÇA DE ALUNO-DIRETOR Por Homero Ferreira

A dramaturgia sempre foi um campo de interesse muito forte para mim. Sinto que a possibilidade de escrever me dá uma grande liberdade para falar dos temas que me tocam. É na escrita que deixo a minha expressão fluir e nesse sentido a oportunidade de dirigir o próprio texto se mostra uma empreitada muito desafiante. Coloca-se em jogo uma operação muito curiosa: tentativa de afastamento da própria obra para conseguir aplicar, na condução da cena, uma visão de encenador. O “eu” dramaturgo agora recebe a função de destrinchar o que tentou dizer em palavras; o “eu” diretor se contrapõe. “Alice & Baltazar ou Indevassável” é a dramaturgia que surge da minha experiência na busca de um teto para morar no Rio de Janeiro. Garimpar imóveis mostrou-se para mim um grande experimento social, pois apresentou realidades até então um pouco distantes da minha, sobretudo acerca da especulação imobiliária. Fiquei tocado pela presença da Avenida Marquês de Sapucaí, perto de um apartamento que visitei. Promover o encontro desse tema árido com a poesia do Carnaval é, em si, um “prato cheio” para qualquer escritor. Entretanto, na medida em que o texto se desenvolve, minha experiência acadêmica vai aprofundando meu entendimento sobre as causas 30

de militantes e/ou grupos que passo também a conhecer na faculdade. Além do olhar atento à militância, minha pesquisa se desenvolve em torno do neogrotesco. O suporte teórico produzido durante minhas incursões acadêmicas pelo grotesco aparece explicitamente no espetáculo: a crítica à dinâmica social; às aberrações cotidianas, às quais deixamos de dar importância; aos preconceitos disfarçados por discursos ditos hegemônicos etc. A observação, junto à pesquisa e à prática, me ajudam a entender melhor esses cenários e a acreditar que eles pautam discussões relevantes, para não dizer urgentes, a serem refletidas em nosso país atualmente. Trazer para cena temas que perpassam a minha experiência acadêmica de forma contundente é também traduzir em arte todo o meu percurso de formação na Direção Teatral. Portanto, essa montagem tem um “quê” efetivo de conclusão. Ela desdobra o curso de cinco anos em Direção Teatral em um espetáculo marcado pela discussão, pela pesquisa e, principalmente, pela relação possível de resistência nesse universo de disparidades sociais gritantes. É minha devolutiva na prática para a comunidade acadêmica e para a sociedade carioca.


“ALICE: Pode cavar seu Josias. "JOSIAS: Pelo amor de Deus menina, isso aqui é concreto puro. "BALTAZAR: O que mais você vai fazer comigo Alice? "ALICE: […] Cava Seu Josias, vamos cavar no concreto deles”

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HISTÓRIAS PARA ACORDAR

de Lane Lopes Direção: Gabriela Villela

Orientação: Eleonora Fabião Assistência de direção: Fernanda Arrabal Elenco: Daniella Fiaux, Jade Louisie, Madu Araújo, Maria Eduarda Moreira, Rebeca Figueiredo e Taye Couto Iluminação: Vitor Emanuel Cenografia: Jovanna Souza e Suellen Refrande Figurino: Jovanna Souza Orientação de cenografia e figurino: Débora Oelsner Produção: Tatiana Santorelli Preparação corporal: Dandara Ferreira e Thábata Ribeiro Orientação de preparação corporal: Ligia Tourinho e Maria Inês Galvão Musicista: Pedrita Rocha Imagens: Karina Diniz

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UM ACORDAR COLETIVO Por Gabriela Villela

Uma sala de ensaio ocupada por vários corpos femininos – corpos que falam, corpos que escutam, corpos que lutam por seu lugar no mundo. A sala de ensaio virou nosso espaço de segurança, pois sabemos que, independente de qualquer coisa, estamos juntas. Juntas com aquelas que passaram como um raio atravessando nossas vidas, e juntas com as que chegaram para ficar. Um papel em branco e muitas histórias para compartilhar. Mas qual história você gostaria de ouvir? Enquanto dialogávamos, Tatiana Spitzner foi asfixiada e jogada do quarto andar pelo marido. Nós não queremos mais ouvir, contar e protagonizar essas histórias. Queremos ser protagonistas de histórias de vida, de nascimentos, de humor; estamos cansadas de tragédias. Gostamos de histórias que nos fazem rir – como quando a Taye imitou sua vó, a Rebeca contou do seu sexto dedo do pé ou me lembrei do dia em que queimei a mão brincando com caju no sol. No dia seguinte já não havia mais riso – houve um incêndio. O Museu Nacional queimou; deixaram a cultura virar cinzas. Não foi como a minha mão com caju no sol. O Museu ruiu. Será que nós nos queimamos também? Descobrimos que nossos corpos são memória e que precisa-

mos fazê-los presentes. Uma semana se passa, novas atrizes chegam para integrar o elenco, novos ares, há toda aquela curiosidade e frescor do primeiro encontro. Temos algo muito determinante em comum: somos mulheres e queremos compartilhar nossas histórias. Isso nos dá força. Recomeçamos e, dessa vez, estamos mais unidas. Sabemos que o pior pode estar por vir e, assim, damos as mãos e seguimos juntas. Não podemos recuar, Marielle Franco não recuou. O que seria de nós se deixássemos o medo nos guiar? Mais uma semana. Nos reunimos para falar sobre mulheres, mas homens também são bem-vindos. Inclusive um passou a fazer parte da equipe recentemente. Queremos falar sobre a mulher, mas também sobre essas multidões de corpos minoritários que existem e resistem. Desejamos que todos possam se aproximar das nossas histórias, que elas promovam reflexão, que o teatro nos ajude a ver o que às vezes não conseguimos enxergar a olho nu. Hoje. A luta é de todos e de quem quiser chegar junto. Seguimos!


“É menina! – o mundo já sabe o que eu sou antes mesmo de eu ser. Mal existo, mas já fui marcada, pintada, definida, fixada. Rosa! Rosa! Rosa! Senta direito – dá pra ver sua calcinha! Tá parecendo um menino. Se ele puxou seu cabelo deve estar apaixonado... Fecha essa perna. Abaixa essa saia. Alisa esse cabelo. Não fica de bobeira na rua. Parece um menino”


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BÉKOOS: CAMINHOS DA NEGRITUDE de Coletivo Békoos e Fábio Baptista, com poemas de Conceição Evaristo Direção: Daniel Ferrão

Orientação: Gabriela Lírio Co-orientação: Adriana Schneider Elenco: Anderson Alcantara, Camila Olivieri, Débora Soares, Fabiano Bernardelli, Felipe Sarau, Pedro Vidal, Raphael Castro, Roberta Passos e Thais Ayomide Iluminação: Muller Hosken e Júlia Ribeiro Cenografia e figurino: Lana Cristina e Débora Soares Orientação de figurino: Desirée Bastos Produção: Daniel Ferrão e Lilian Corrêa Preparação corporal: Thais Ayomide Orientação de preparação corporal: Lígia Tourinho e Maria Inês Galvão Pesquisa musical: Coletivo Békoos Trilha sonora: Daniel Ferrão, Fábio Baptista e Pedro Vidal Metodologia de dramaturgia: Daniel Ferrão e Fábio Baptista Preparação vocal: Pedro Vidal Imagens: Daniel Ferrão e Fabiano Bernardelli

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ECOS OCULTADOS PELA HISTÓRIA Por Daniel Ferrão

A herança africana sequestrada pela ganância atravessou o oceano nos tumbeiros da Calunga rumando para a chibata do sinhô e se virando na noite enluarada para chorar seus lamentos de dor. Oculto, camuflado e escondido, o atabaque cadencia o espírito para fortaleza e para resistência contra a exclusão e o preconceito. O negro sobe o morro, se mistura à bala, trabalha e samba para poder ser feliz a fim de se “oportunizar” na academia. É bem visto pela burguesia e pela academia, mas só serve de souvenir para o seu entretenimento porque, na hora do acesso democrático, “não presta”. O que presta é o gosto do colonizador que até gosta de folclorizar o côco, o jongo, o funk e o samba, mas na hora de teorizar não cede espaço para o negro. Escrevemos uma cena unidos pelo suor e sangue derramado todos os dias. Suor e sangue que contam uma história diaspórica até o noticiário, que coloca o protagonismo do negro na responsabilidade pelo caos e no alvo do ódio. No entanto, caminhamos por becos em busca de um eco que conduza a negritude para o sucesso e a vitória diária nos mais variados espaços. Nosso manifesto atravessará o tempo e o espaço físico em busca de uma devolução dos direitos e valores que nos foram arrancados. Assim, invadir a aca38

demia é demarcar território, pois garantiremos a memória de todos com negros no “Trono do Saber”, tendo o direito de incluir nossas vivências e saberes da mesma forma que o colonizador. “BÉKOOS: Caminhos da negritude” reúne ideias para a libertação. É o resgatar da memória griô como inspiração para uma resistência diária nos quilombos que são ofuscados pela senzala periférica, cada vez mais criminalizada e dizimada pela ação do Estado opressor. Opressor que muda de chicote a cada virada de relógio, mas que agora enfrenta um povo fortalecido pelo Axé de sua história descortinada. “Apesar das acontecências do banzo há de nos restar a crença na precisão de viver e a sapiente leitura das entre-falhas da linha-vida Apesar de... uma fé há de nos afiançar de que, mesmo estando nós entre rochas, não haverá pedra a nos entupir o caminho.” (Conceição Evaristo – “Poemas da recordação e outros movimentos”)


“E o que o teu futuro espelha? Um reflexo de sangue, de massacres, abandono, pobreza, preconceito, discriminação... Eles vieram deitados, não em berço esplêndido, mas em tumbeiros flutuantes. Brasil, verás que um filho teu não foge à luta. E ela está apenas começando...”

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SOMOS TODAS ELAS criação coletiva baseada em fatos reais Direção: Giovan Bueno

Orientação: Alessandra Vannucci Assistência de direção: Larissa Sobral Elenco: Prisma Damatta, Ava Erzen, Lu Cezário, Thainá Scuia, Vivian Vecchi, Juliana Puga e Amarildo Moraes Iluminação: Gabriel Nasser e Tales Carneiro Figurino: Ursulo Oliveira e Eduarda Portella Orientação de figurino: Samuel Abrantes Produção: Giovan Bueno Imagens: Eduarda Portella (croquis) e Giovan Bueno

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VIOLÊNCIAS SUTIS ATRAVÉS DOS TEMPOS Por Giovan Bueno

Esta montagem visa a comunicar a relação de opressão entre homens e mulheres decorrente de um longo processo de abuso histórico-social, que implicou no afastamento da mulher de uma função social pública e seu confinamento à esfera doméstica; também busca evidenciar formas de violência, como qualquer ação ou conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual, patrimonial, moral e psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Não é fácil para uma mulher identificar que está passando por um relacionamento abusivo. Caracterizados por um jogo de controle, violência e ciúmes, os abusos podem começar com qualquer atitude mínima que a priva da liberdade. Todas podem ser vítimas: ricas ou pobres, brancas ou negras, vivendo no campo ou na cidade, qualquer que seja a sua religião ou orientação sexual. Inúmeras pesquisas mostram a prevalência da violência contra as mulheres no Brasil e muitas vezes os agressores são classificados como loucos e anti-sociais, quando, na verdade, são homens inseridos em uma sociedade que não dá o menor valor à vida das mulheres. Durante o processo de criação foram feitas análises de várias personagens femininas da dramaturgia ocidental, desde a antiguidade ao século 42

XX, que refletem padrões culturais da sociedade patriarcal – uma das causas das desigualdades entre homens e mulheres e da violência sofrida. Histórias como de Neusa Sueli, em “Navalha na Carne”, de Plínio Marcos; Virgínia, em “Anjo Negro”, de Nelson Rodrigues; Stella, em “Um Bonde Chamado Desejo”, de Tennessee Williams; Nora, em “Casa de Bonecas”, de Henrik Ibsen; Ofélia, em “Hamlet”, de William Shakespeare e outras mulheres das tragédias gregas, escritas por Ésquilo, Eurípedes e Sófocles, refletem sentimentos reais. A história encenada é fruto da coleta de memórias, sentimentos de dor e alegria, fragilidade e fortaleza, submissão e rebeldia, contadas por pessoas que vivenciaram a violência contra a mulher e seus desdobramentos no âmbito familiar. Suas histórias de vida, tão particulares e ao mesmo tempo tão comuns a outras tantas que levam, no corpo e na alma, as marcas visíveis e invisíveis dessa violência cometida por seus maridos, companheiros e namorados, foram captados pela sensibilidade do elenco que, por consciência social e cidadã, concebeu este trabalho visando a que suas interpretações cênicas possibilitem aos espectadores reflexões sobre os Direitos Humanos das mulheres no Brasil e no mundo.


“Acordei de repente com um forte estampido dentro do quarto. Abri os olhos. Não vi ninguém. Tentei mexer-me, mas não consegui. Imediatamente, fechei os olhos e um só pensamento me ocorreu: ‘Meu Deus, o meu marido me matou com um tiro’” (Maria da Penha)

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___ AMOSTRA GRÁTIS 2018

PROGRAMAÇÃO

PEÇAS CURTAS BASEADAS NAS OBRAS DE WILLIAM SHAKESPEARE Orientação: José Henrique Moreira e Marcellus Ferreira

04/12 (TER) e 05/12 (QUA) | 19h

AMOR-PERFEITO

Direção: Wesley Calcanho Elenco: Lara Coutinho e Vinícius Rangel Local: Laguinho – Escola de Comunicação Classificação indicativa: 14 anos Sinopse: Dizem que sentir ciúmes é necessário para que a chama do romance nunca se apague. Os semideuses, Oberon e Titânia, levam seus sentimentos até as últimas consequências. Será que isso pode ser chamado de amor? 06/12 (QUI) e 07/12 (SEX) | 18h

MACBETH EM JOGO

Direção: Beatriz Santa Rita Elenco: Gabriel Conrado e Mariana Gallo Local: Sala 115 – Escola de Comunicação Classificação indicativa: 14 anos Sinopse: Após receber uma carta de seu marido dizendo que por anúncio de uma profecia os dois ascenderiam ao poder, Lady Macbeth, limitada pelo patriarcado, incita em Macbeth seus próprios anseios de poder para que ele realize as ações que os levarão ao trono. Mas qual preço da manipulação das relações de poder? 06/12 (QUI) e 07/12 (SEX) | 19h

NADA AQUI PERDURA

Direção: Henrique S Bueno Elenco: Elisa Ottoni e Juliana Cardoso Local: Sala 115 – Escola de Comunicação Classificação indicativa: 14 anos Sinopse: O que fica depois da tempestade? Os que ficam depois da tempestade. Dominados por Próspero (Duque de Milão), Ariel e Caliban são as duas figuras habitantes originais da ilha em que vivem. Após ser castigado e escravizado pelo Duque, Caliban se une a um náufrago para dar um golpe e assumir o controle da ilha. 11/12 (TER) e 12/12 (QUA) | 17h

RICARDO III (DE MUITOS)

Direção: Taís Trindade Elenco: Allegra Ceccarelli e Hugo Camizão Local: Sala 115 – Escola de Comunicação Classificação indicativa: 16 anos Sinopse: Adaptação cômica do drama histórico “Ricardo III”, de William Shakespeare, que retrata a ascensão do tirano ao trono, a sucessão de golpes arquitetados para que ele chegasse ao poder e o desfecho de seu curto reinado. 44


11/12 (TER) e 12/12 (QUA) | 18h

AQUELA PEÇA – QUE PODERIA SER A NOSSA, OU TALVEZ SEJA E A GENTE NÃO PERCEBA

Direção: Isadora Giesta Elenco: Walace Pinheiro e Bianca Banhara Local: Sala 115 – Escola de Comunicação Classificação indicativa: 14 anos Sinopse: Após a revelação da profecia feita por uma bruxa, o casal Macbeth e Lady Macbeth estão dispostos a qualquer coisa para ter a coroa. “Salve, Macbeth, que vai se tornar rei depois!” Essas palavras ecoavam. Mas, o Poder que atrai e seduz é o mesmo que cega e consome. 11/12 (TER) e 12/12 (QUA) | 19h

A TEMPESTADE

Direção: Lilian Corrêa Elenco: Victor Santana e Wagner Cria Local: Sala 115 – Escola de Comunicação Classificação indicativa: Livre Sinopse: O espetáculo trata da relação de poder entre Próspero e Calibã. A peça “A tempestade” é uma história de vingança, de conspirações oportunistas. A trama se desenrola quando Próspero, Duque de Milão, mago de amplos poderes, e sua filha Miranda, foram parar numa ilha, depois de sofrerem um ato de traição política. 13/12 (QUI) e 14/12 (SEX) | 18h

CLEÓPATRA E MARCO ANTÔNIO

Direção: Anna Padilha Elenco: Aline Vargas e Léo Rossetti Local: Sala 115 – Escola de Comunicação Classificação indicativa: 16 anos Sinopse: Dois atores revelam os segredos da vida íntima da Rainha do Egito e o líder militar romano. 13/12 (QUI) e 14/12 (SEX) | 19h

LADY MACBETH

Direção: Priscila Manfredini Elenco: Fabiana Vilar e Tatiana Henrique Bongô: Massuel Bernardi Local: Pátio interno – Escola de Comunicação Classificação indicativa: 14 anos Sinopse: Quando os ventos da noite sopram fortunas futuras à Lady Macbeth, ela não tem dúvidas: seu destino é dourado. Mas para tal, o vermelho-sangue ainda precisa surgir… Ele será uma barreira ou um atalho?

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Serviços Gerais Sérgio Figueiredo Coordenação de Jornalismo Fernando Ewerton Fernandes Junior Coordenação de Rádio/TV Maria Teresa Ferreira Bastos

UFRJ Reitor Roberto Leher Pró-Reitor de Graduação – PR-1 Eduardo Gonçalves Serra Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa – PR-2 Leila Rodrigues da Silva Pró-Reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças – PR-3 Roberto Antônio Gambine Moreira Pró-Reitora de Extensão – PR-5 Maria Mello de Malta Decano do CFCH Marcelo Macedo Corrêa e Castro

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

Coordenação de Produção Editorial Mário Feijó Coordenação de Publicidade e Propaganda Mônica Machado Coordenação de Direção Teatral Jacyan Castilho

CO-REALIZAÇÃO CAp – Colégio de Aplicação da UFRJ Diretora: Maria Cristina Miranda da Silva Escola de Belas Artes (EBA) Diretora: Madalena Ribeiro Grimaldi Coordenação de Artes Cênicas – Cenografia e Indumentária: Larissa Elias Escola de Educação Física e Desportos (EEFD)

Diretora Ivana Bentes

Diretora: Katya Gualter

Diretora-Adjunta de Graduação Carine Prevedello

Chefe do Departamento de Arte Corporal (DAC): Frank Wilson

Diretora-Adjunta de Administração Sheila Camlot Administradores da ECo Adriano Costa, João Carlos Rosa Lima, Marcos Roma e Paulo César Marinho


EQUIPE XVIII MOSTRA DE TEATRO DA UFRJ

Coordenação Geral e de Produção Érika Neves Coordenação Técnica/SUAT e Orientação de Iluminação Cênica José Henrique Moreira (ECo) e Luciana Liege (EEFD) Comissão Pedagógica Carmem Gadelha, Eleonora Fabião e José Henrique Moreira Bolsistas de Produção (Bolsas de Extensão III – PROFAEx/PR-5) Bernardo Pimentel, Lilian Corrêa e Vitor Emanuel Monitoria de Iluminação Cênica / SUAT Anna Padilha (Direção Teatral - Monitoria/PR1) e Reinaldo Machado (Direção Teatral - Monitoria - PIBIAC/PR1) Suporte técnico e de Iluminação – Equipe SUAT – Sistema Universitário de Apoio Teatral Carolina Reis (Arquitetura e Urbanismo - PIBIAC/PR1), Jordan Rocha (Arquitetura e Urbanismo - PIBIAC/PR1), Karla Gabriela (Direção Teatral - PIBIAC/PR1), Rafael A. A. Merlo (Teoria da Dança - PIBIAC/PR1) Eletricista Joel de Souza Fotografia (Bolsa de Extensão I – PROFAEx/PR-5) Clara Castañon Filmagem (Bolsa de Extensão I – PROFAEx/PR-5) Rafaela Rezende Programação Visual (Bolsa de Extensão I – PROFAEx/PR-5) Redson Fernando

XVIIaI Mostr ro deTeat da

UFRJ

CORPO DOCENTE Adriana Schneider (ECo) Alessandra Vannucci (ECo) Andréa Pinheiro (CAp) Andréia Resende (ECo) Carmem Gadelha (ECo) Celeia Machado (CAp) Daniel Marques (ECo) Débora Oelsner (EBA) Desirée Bastos (EBA) Eleonora Fabião (ECo) Gabriela Lírio (ECo) Jacyan Castilho (ECo) José Henrique Moreira (ECo) Larissa Elias (EBA) Lígia Tourinho (EEFD) Lívia Flores (ECo) Luciana Liege (EEFD) Maria Inês Galvão (EEFD) Marília Guimarães Martins (ECo) Michele Augusto (EBA) Rodrigo Cruz (ECo) Ronald Teixeira (EBA) Samuel Abrantes (EBA) Sunshine Pessanha (CAp) Tatiana Damasceno (EEFD) APOIO: - IPUB – Instituto de Psiquiatria da UFRJ - NUTEC – HUBITEC – Núcleo Teatral das Ciências Humanas, Biológicas e Tecnológicas - Prêmio Nelson Seixas – Prefeitura de São José do Rio Preto - Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro – Centro de Artes Calouste Gulbenkian - SUAT – Sistema Universitário de Apoio Teatral


_ EXPEDIENTE

Revista programa sobre a “XVIII Mostra de Teatro da UFRJ”. Uma publicação laboratorial da Escola de Comunicação ECo/UFRJ, sem fins lucrativos. Produção, editoração e revisão Érika Neves Bolsista de projeto gráfico e diagramação Redson Fernando (Bolsa de Extensão I – PROFAEx/PR-5) Orientação do projeto gráfico e diagramação Andréia Resende (ECo) Foto da Capa Por Clara Castañon “Salomé Elétrica” Espetáculo oriundo da “XVII Mostra de Teatro da UFRJ”


Foto: Clara Castañon “Trilhos Invisíveis” XVII Mostra de Teatro da UFRJ


XVIII MOSTRA DE TEATRO DA UFRJ 04 - 14 de dezembro | 2018 *EncenaAção CAp/UFRJ: 22 e 23/11/2018 REALIZAÇÃO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

CO- REALIZAÇÃO

APOIO

2018

Este projeto foi apoiado pelo edital “PROFAEx – Programa Institucional de Fomento Único de Ações de Extensão 2018”, da Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ (PR-5)


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