Revista Industria Brasileira.DOC

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100 | março 2010

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Indústria Brasileira

O futuro da agenda inconclusa de Copenhague O papel da Indústria nas negociações globais Como o Brasil pode crescer no mercado de carbono

Mudanças climáticas


O Banco parceiro das grandes empresas é do Brasil. Expertise no mercado nacional e internacional, atendimento exclusivo e a maior rede de agências do País. Tenha à disposição uma equipe de profissionais capacitados para propor as soluções mais adequadas às necessidades da sua empresa.

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editorial

Armando monteiro neto presidente da cni

Compromisso de todos O Brasil e outros emergentes devem participar dos esforços para a estabilidade climática, respeitando-se o direito ao crescimento econômico previsto na Convenção do Clima

Miguel Ângelo | CNI

A

necessidade de tornar sustentável o crescimento levou a CNI a desenvolver o Mapa Estratégico da Indústria, no horizonte de 2007-2015. Nosso propósito é consolidar uma indústria de classe mundial e uma economia competitiva. Sabemos que muito precisa ser feito, mas devemos relevar os grandes avanços em anos recentes, especialmente o esforço conjugado do governo e da liderança industrial para minorar no País o impacto da crise global e fazer emergir do processo uma economia mais robusta. É inquestionável o fato de que temos vantagens absolutas – na comparação com nações mais desenvolvidas – em uma área sensível e estratégica: a das fontes renováveis de energia. A União Europeia, por exemplo, pretende que 20% de sua matriz energética seja renovável até 2020. No Brasil, esse percentual é hoje de 46%. Graças à nossa capacidade tecnológica e recursos naturais, temos as usinas hidrelétricas e o mais eficiente biocombustível que existe: o etanol da cana-de-açúcar. A liderança brasileira na área de energia renovável é passaporte para oportunidades na busca de soluções globais para as mudanças climáticas. Também credencia o País como protagonista das negociações diplomáticas sobre o tema. A indústria desempenha papel fundamental nesse processo, tendo sido um dos integrantes mais ativos da delegação brasileira na COP-15, em Copenhague, no final de 2009. É fato que os países desenvolvidos deveriam ter assumido em Copenhague compromissos à altura de sua capacidade econômica e de suas responsabilidades. Isso não ocorreu. Mas a frustração não muda a realidade do fenômeno climático ou das transições econômicas subjacentes. É preciso ter foco racional nas negociações sobre o clima nos fóruns domésticos e internacionais. Restam muitos desafios nesse caminho, iniciado em 1992, na Conferência das Nações Unidas no Rio de Janeiro. Nossas expectativas se voltam para a COP-16, no final deste ano, no México. O encontro será precedido de reuniões preparatórias e temos confiança de que conseguiremos definir pontos essenciais da agenda inconclusa da estabilidade climática. Ainda que tenha sido fraco quando comparado ao que se pretendia, o Acordo de Copenhague apontou questões importantes. Os países signatários declararam a importância da preservação das florestas nativas, que poderão vir a gerar créditos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. O governo brasileiro apresentou em Copenhague compromissos voluntários ambiciosos, de redução do desmatamento da Amazônia em 80% e do Cerrado em 40% até 2020. Tais compromissos se coadunam com o objetivo do Mapa Estratégico da Indústria na busca da sustentabilidade. Consideramos imprescindível a participação do Brasil e de outros países em desenvolvimento nos esforços para a estabilidade do clima. Tão imprescindível quanto é o respeito ao direito que temos de crescer e de nos desenvolver. •

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sumário

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| edição

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Entrevista | Clima depende da educação

Norine Kennedy afirma que a formação ambiental das pessoas deveria ter maior atenção

13 A década do clima

Avançou-se pouco em Copenhague, mas haverá novos passos nos próximos anos

16 Documento.01.10 | Mudanças climáticas Contribuições do setor industrial brasileiro

22 Empresas | Caminho sem volta

A inf luência das mudanças climáticas nos negócios já é uma certeza para os brasileiros

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expediente www.cni.org.br

Diretoria da Confederação Nacional da Indústria > Quadriênio 2006/2010

Presidente

Armando de Queiroz Monteiro Neto (PE)

1º Vice-Presidente

Paulo Antonio Skaf (SP)

Vice-Presidentes

Robson Braga de Andrade (MG), Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira (RJ), Paulo Gilberto Fernandes Tigre (RS), José de Freitas Mascarenhas (BA), Rodrigo Costa da Rocha Loures (PR), Alcantaro Corrêa (SC), José Nasser (AM), Jorge Parente Frota Júnior (CE), Francisco de Assis Benevides Gadelha (PB), Flavio José Cavalcanti de Azevedo (RN), Antonio José de Moraes Souza (PI)

1º Secretário

28 Amazônia | O valor da floresta Como o governo pretende reduzir em 80% o desmatamento até 2020

37 Compra-se atmosfera

Competir com China e Índia é difícil, mas o Brasil pode crescer no mercado de carbono

40 Como fazer mais com menos

Melhorar a eficiência energética é o caminho mais curto para reduzir emissões

Paulo Afonso Ferreira (GO)

2º Secretário

José Carlos Lyra de Andrade (AL)

1º Tesoureiro

Alexandre Herculano Coelho de Souza Furlan (MT)

2º Tesoureiro

Alfredo Fernandes (MS)

Diretores

Lucas Izoton Vieira (ES), Fernando de Souza Flexa Ribeiro (PA), Jorge Lins Freire (BA), Jorge Machado Mendes (MA), Jorge Wicks Côrte Real (PE), Eduardo Prado de Oliveira (SE), Eduardo Machado Silva (TO), João Francisco Salomão (AC), Antonio Rocha da Silva (DF), José Conrado Azevedo Santos (PA), Euzebio André Guareschi (RO), Rivaldo Fernandes Neves (RR), Francisco Renan Oronoz Proença (RS), José Fernando Xavier Faraco (SC), Olavo Machado Júnior (MG), Carlos Antonio de Borges Garcia (MT), Manuel Cesario Filho (CE) Conselho Fiscal

Titulares

Sergio Rogerio de Castro (ES), Julio Augusto Miranda Filho (RO), João Oliveira de Albuquerque (AC)

Suplentes

Carlos Salustiano de Sousa Coêlho (RR), Telma Lúcia de Azevedo Gurgel (AP), Charles Alberto Elias (TO)

Unicom – Unidade de Comunicação Social

46 Entenda as mudanças climáticas 48 .doc | Dois Brasis

CNI/SESI/SENAI/IEL Gerente Executivo – Douglas de Felice Tel.: (61) 3317-9544 – Fax: (61) 3317-9550 e-mail: revista@cni.org.br

ISSN 1519-7913 Revista trimestral do Sistema Indústria

Coordenação editorial

IW Comunicações – Iris Walquiria Campos

Produção FSB Comunicações SHS Quadra 6 – cj. A- Bloco E – sala 713 70322-915 – Brasília – DF Tel.: (61) 3323-1072 – Fax: (61) 3323-2404

Redação

Editor Paulo Silva Pinto Editora-assistente Daniela Schubnel Editor de arte e Projeto Gráfico Marcelo Terraza | Artwork Colaboraram nesta edição Fábio Castro, Luís Indriúnas, Luiz Pinguelli Rosa e Mariangela Monfardini Biachi

Publicidade

Beth Araújo – solucao.consultoria@uol.com.br Tel.: (61) 3326-2218 ou 9994-1617 Capa Marcelo Terraza

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diane bondareff

ďƒŚ norine kennedy


entrevista

| por Paulo silva pinto

Clima depende da educação Quando se fal a em medidas para conter as mudanças climáticas, a ênfase é na diplomacia, na política e na tecnologia. Pouco ou nada se fal a de um ponto fundamental, a formação das pessoas, alerta a vice-presidente da área de energia e ambiente do United States Council for International Business (USCIB)

T

rabalhadores do chão de fábrica, engenheiros, professores e administradores de empresas precisam ser educados para entender as mudanças climáticas. Só assim será possível ter eleitores que enxerguem além dos

custos que acarretam as medidas para combater o efeito estufa. E finalmente os governos terão boa vontade

para tratar do problema. O axioma, que poderia ser de alguma ong ambiental, é defendido por Norine Kenne-

dy, vice-presidente da área de energia e ambiente do United States Council for International Business (USCIB).

“É crucial alertar o público para os riscos das mudanças climáticas, mas não do modo apocalíptico como

algumas pessoas fazem”, disse Kennedy em entrevista a Indústria Brasileira por e-mails e telefone. Ela

participou da COP 15, no final do ano passado, e das reuniões preparatórias. Afirma que as empresas dos Estados Unidos têm dedicado grande atenção às mudanças climáticas.

Com sede em Nova York, o USCIB foi fundado em 1945 e é uma das principais organizações do setor

privado nos Estados Unidos. Representa 300 empresas globais, além de escritórios de advocacia e outras associações. Um de seus principais objetivos é a defesa do livre comércio, algo ameaçado nas negociações

sobre mudanças climáticas. Kennedy avisa que será um grande erro se os países recorrerem ao protecionismo. “Precisamos do contrário: o aumento do comércio e da qualidade de vida das pessoas, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. É isso que vai levar a soluções no tema da mudança climática”, alerta.

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A COP 15 foi um fracasso? Na minha opinião, o encontro de Copenhague tratou de alguns dos maiores desafios que a sociedade enfrenta hoje. Não pode, portanto, ser desprezado, ainda que não tenha atendido às altas expectativas que as pessoas tinham. A crise econômica global tornou as circunstâncias ainda mais difíceis para empreender os esforços contra as mudanças climáticas. A Organização das Nações Unidas (ONU) e outras instituições foram testadas ao limite em Copenhague. É indispensável tirar lições dessa experiência para que as instituições se fortaleçam e continuem a trabalhar. Seus objetivos são vitais para a humanidade. Por que foi tão difícil chegar a um acordo? Do ponto de vista das empresas, o encontro falhou porque não conseguiu resolver vários temas que dizem respeito aos negócios, nas áreas de investimentos, mercados e tecnologia. Nós temos esperança de que esses assuntos prioritários possam ser tratados neste ano por um grupo amplo de empresas. Até que isso aconteça, não é possível contar com inovações que reduzam as causas da mudança climática. São necessários investimentos e ações de longo prazo, o que é muito difícil no atual ambiente de frustração e incerteza. Precisamos continuar trabalhando por um esforço concertado entre UNFCCC [o órgão da ONU responsável pelo clima] e governos para ter progresso nessas áreas. O multilateralismo pode ser considerado responsável pelo fracasso de Copenhague? Não podemos esperar que o multilateralismo proporcione uma cura milagrosa para os dilemas políticos e econômicos atrelados às mudanças climáticas. Mas tampouco podemos dizer que o assunto é muito complexo e que seria impossível a UNFCCC conseguir consenso de 190 países. As negociações devem ocorrer entre grupos menores de países? Certamente grupos menores, como o G-20 ou o G-7, entre outros, já começaram a agir. As maiores economias deverão abrir caminho, liderar as negociações. Acordos regionais são bem-vindos. Mas o contexto da busca de um acordo global continua a ser fundamental, pela importância de longo prazo das mudanças climáticas. Quando o Protocolo de Quioto começou a ser negociado há mais de dez anos, a China não era a potência que é hoje. Daqui a dez anos, a realidade política e econômica pode mudar novamente, portanto um acordo amplo e inclusivo é indispensável.

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Acordos regionais são bem-vindos. Mas a busca de um acordo global continua a ser fundamental. Quando o Protocolo de Quioto começou a ser negociado, a China não era a potência que é hoje. Daqui a dez anos, a realidade política e econômica pode mudar novamente


diane bondareff

A interação entre as empresas e entre as organizações não-governamentais (ongs) em Copenhague foi melhor do que entre governos? Empresas e ongs tiveram ótimas oportunidades para trocar opiniões e informações e acertar parcerias. Isso ocorreu nos preparativos para Copenhague e no encontro propriamente dito. Com mais de 40 mil pessoas ali, de todos os setores da sociedade, havia muitas possibilidades de ampliação das redes sociais. É incrível como pessoas e organizações têm tantas coisas em comum. O que realmente faltou foi como canalizar tantas ideias para a consideração do que os governos devem fazer depois de 2012 [quando terminam os efeitos atualmente estabelecidos pelo Protocolo de Quito]. Essas negociações não podem ser limitadas a governos. Isso jamais será suficiente, considerando as imensas necessidades de recursos para fazer frente aos problemas, o alcance do impacto da mudança climática em diferentes locais e setores e a necessidade de um conjunto de ações nas arenas regulatória e econômica. Todos os segmentos da sociedade terão de se envolver em uma transição econômica e ambiental. É preciso que as atividades

das nossas vidas e do dia a dia das empresas sejam desvinculadas das emissões de gases do efeito estufa.

Devemos aumentar a nossa qualidade

Pode dar exemplos de acordos ou parcerias? São vários. Nos Estados Unidos, iniciativas como o Business for Innovativative Climate and Energy Policy [BICEP, Empresas para Políticas Inovadoras sobre Clima e Energia] e a Climate Action Partnership [USCAP, Parceria de Ação sobre o Clima] uniram empresas e ambientalistas para criar uma legislação sobre o clima nos Estados Unidos. Em Copenhague nós vimos dezenas de exemplos de esforços em todos os setores: comunidades, cidades, ongs e universidades – e tanto dos países desenvolvidos como dos países em desenvolvimento.

equilibrada de desenvolvimento.

Quando a senhora afirma que as atividades das pessoas e das empresas devem ser desvinculadas das emissões, isso significa que devemos buscar o nível zero de emissões? Prefiro definir essa visão de modo mais holístico. Não acho que a gente deva buscar só a mitigação. Devemos também aumentar a nossa resiliência e a nossa qualidade de vida, além de

A atenção da sociedade para os problemas climáticos está crescendo? Sim, mas também está crescendo a frustração quanto às possibilidades de avanço, infelizmente. Os governos têm parte da culpa por essa situação. O problema é que os eleitores não entendem os ganhos das ações para evitar as mudanças climáticas. Eles veem apenas os custos, não os benefícios.

de vida e evoluir para uma forma

Os desejos da população mundial são cada vez maiores evoluir para uma forma mais equilibrada de desenvolvimento econômico. Precisamos, sobretudo, aumentar a nossa capacidade de atender às necessidades básicas, mas não só isso. Devemos também ter os meios de responder aos desejos e aspirações da população mundial, que são cada vez maiores. Fazer isso de modo sustentável é o que devemos ter em mente.

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E o que pode ser feito para mudar isso? É preciso educar o público. Mas não por meio da divulgação de um quadro apocalíptico, como muitos têm feito. Isso é um erro. É preciso escolher caminhos mais práticos e positivos, mostrando o que pode ser feito, com benefícios claros, para evitar as mudanças climáticas. É possível fazer isso por meio de pequenas e de grandes ações. Também é necessário capacitar para a discussão sobre mudança climática cientistas, técnicos, engenheiros e administradores de empresas. Isso deveria ser uma prioridade para os países que buscam sinergias econômicas, ambientais e na área de energia, para a mitigação e a adaptação necessárias nas questões de mudança climática. Educação não tem sido uma preocupação? Nas discussões da ONU, há muita ênfase na tecnologia, no hardware. Mas há muito pouca atenção à construção de capacidades técnicas e intelectuais de trabalhadores, das pessoas que trabalham no chão de fábrica e de todo o tipo de educadores e atores comerciais. Eles são indispensáveis na transição para tecnologias limpas e novos modos de fazer negócios. A mudança climática será o grande tema da década? Eu acho que se houver o reconhecimento de que não há soluções de formato único, nós conseguiremos construir uma “década do clima”, uma década pragmática e efetiva. Para isso, é necessário que os todos os países compreendam que têm responsabilidade ao promover ações corretas, com visão de longo prazo. As medidas para combater as mudanças climáticas podem levar ao aumento do protecionismo? Tanto a falta de decisão da Rodada de Doha quanto o trabalho inconcluso em Copenhague contribuem para elevar os riscos de que isso aconteça. Políticas protecionistas em nome da mudança climática não só criariam obstáculos para a volta do crescimento econômico, mas também para as soluções necessárias para combater o efeito estufa. Medidas unilaterais levariam a retaliações mesquinhas, em que um país elevaria barreiras tarifárias e não-tarifárias em resposta às medidas adotadas por outro país. O perigo é isso levar a uma guerra comercial, num momento em que o estado precário da economia mundial já está causando imensos prejuízos e corroendo a confiança do consumidor. O aumento da tensão pode prejudicar o crescimento econômico, que seria fundamental para o desenvolvimento de projetos de proteção ambiental.

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Essas barreiras prejudicariam entendimentos políticos entre os países? Certamente impediriam a cooperação entre eles, o que também é indispensável para soluções de longo prazo, principalmente no que se refere a investimentos e desenvolvimento de tecnologia. Na verdade, o que é necessário é o contrário: o aumento do comércio e da qualidade de vida das pessoas, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. É isso que vai levar a soluções no tema da mudança climática. Quais as chances de chegar a um acordo mais abrangente no México neste ano? Ainda é muito cedo para prever o que será possível no México. Certamente será uma batalha das mais complicadas. Haverá até a COP 16 vários encontros internacionais importantes em torno da questão do clima, dentro e fora do processo da UNFCCC. Teremos o encontro do G-20, por exemplo. Outro fator é que pode haver novos desdobramentos na legislação e regulação de emissões de gases do efeito estufa dos Estados Unidos. No momento, porém, isso anda devagar no Congresso, quase parando. E quanto mais perto das eleições legislativas, em novembro deste ano, menores as chances de avançar. Mas o governo atual está muito empenhado em conseguir avanços na questão das mudanças climáticas, tanto no nível doméstico quanto no nível global.


Quais as chances de o Protocolo de Quioto ser assinado pelos Estados Unidos? Apesar de suas qualidades, é improvável que o protocolo seja assinado pelos Estados Unidos. O principal problema é a arbitrária e permanente distinção que há ali entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Isso sempre foi considerado politicamente inaceitável nos Estados Unidos. Nem mesmo no governo “verde” de Clinton e Al Gore se cogitou submeter isso ao Congresso. Acho que o governo Obama tampouco fará isso. É por isso que nós incentivamos governos, quando voltarem à mesa de negociações, a preservar os aspectos positi-

A proteção de florestas

O mercado de carbono é um meio eficiente de combater as mudanças climáticas? Em alguns países e regiões, o comércio de créditos de carbono teve um desenvolvimento promissor. Acredito que esses mercados são importantes elementos nas políticas integradas para as mudanças climáticas. Além disso, a combinação de mecanismos de mercado e financiamento flexível será algo necessário para fazer frente aos imensos investimentos que essa questão irá exigir. Para que os mercados possam trabalhar de forma eficiente, os preços devem dar às empresas e aos consumidores uma base clara para suas decisões, ao mesmo tempo em que garantem alocação ótima de recursos. Mas sabemos que precificar o carbono não é a única resposta necessária. O arcabouço pós-2012 exige um conjunto integrado de políticas nas áreas de energia, ambiente, investimento e desenvolvimento, que devem funcionar em conjunto com as transações de mercado para reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa.

mercado de carbono

Quais as chances de as florestas nativas serem consideradas um patrimônio para a evitar as mudanças climáticas e assim terem direito a créditos no mercado de carbono? A proteção de florestas nativas e o manejo florestal são indispensáveis tanto para as políticas de mitigação quanto para a adaptação às mudanças climáticas. A viabilidade dessas ações vai depender em grande medida de seu reconhecimento e de incentivos financeiros por meio de instrumentos de mercado. Assim, é essencial integrá-las ao mercado de carbono. •

nativas depende de incentivos financeiros por meio de instrumentos de mercado.

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É essencial integrá-las ao

diane bondareff

Quais as chances de existir um acordo internacional tão robusto quanto o Protocolo de Quioto após 2012? Do ponto de vista das empresas norte-americanas, o fortalecimento de um acordo que envolva integralmente as maiores economias em direção à mitigação e adaptação seria o caminho preferido, em vez de dois acordos em caminhos paralelos, mas separados. Embora o primeiro período de compromissos do Protocolo de Quioto termine em 2012, o acordo em si não terminará nesse ano. As empresas norte-americanas consideram a experiência do Protocolo de Quioto algo que deve ser atualizado e ampliado para que possa refletir novas conquistas da ciência e novas realidades econômicas, permitindo novos arranjos mais inclusivos e cooperativos.

vos do Protocolo de Quioto ao mesmo tempo em que buscam um arcabouço mais inclusivo e efetivo para responder aos desafios da mudança climática. O setor privado vai ser responsável pela maior parte dos custos das ações, por isso a parte crítica desse esforço integrado será aumentar os investimentos em energia e tecnologia limpas.

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O que poderia favorecer um acordo global sobre mudanças climáticas? As chances de um progresso significativo no México certamente seriam maiores se houvesse uma interação maior entre empresas e UNFCCC. Governos poderiam se beneficiar da experiência do setor privado. A cooperação entre ambos permitiria também criar ações de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas, além de favorecer a implementação de políticas nesse sentido. Espero realmente que isso seja possível.

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divulgação

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A década do clima Apesar da frustração em Copenhague, as mudanças climáticas ganham cada vez mais atenção e devem se tornar o grande assunto da década. Os principais países estão trabalhando em propostas e devem firmar no final do ano, no México, as bases de um acordo

| por Daniela Schubnel

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uem acompanhou as notícias da Conferência de Copenhague, no final do ano passado, ficou com a impressão de que será impossível chegar a um acordo global que reduza as emissões de carbono, e que

assim nós caminhamos de forma inexorável para a catástrofe climática. Mas não são essas as verdadeiras

perspectivas diplomáticas. De fato, as mudanças climáticas são um grande risco para o planeta (veja quadro na página 15), e os países estão, sim, empenhados em chegar a um acordo e garantir que a elevação da temperatura neste século não ultrapasse 2º C.

Os atores mais significativos dessa discussão trabalham intensamente, de um lado, para descobrir meios

de reduzir emissões de carbono nos processos econômicos, e, de outro, para ter algo a apresentar nas mesas de negociações. Haverá uma nova conferência sobre o clima no final deste ano, a COP 16, no México, e até

lá muitas reuniões em que o clima estará em foco. No mês passado, em Nova Deli, Brasil, Índia e China confirmaram os compromissos que haviam apresentado em Copenhague para redução de emissões.

Segundo o Protocolo de Quioto, acordo sobre o clima firmado em 1997, Brasil, Índia e China não têm

obrigações de corte de carbono. A industrialização ocorreu nesses países emergentes mais tarde do que na

Europa, Estados Unidos e Japão, portanto até hoje seu estoque acumulado de emissões é bem inferior ao do mundo desenvolvido. Mesmo assim, os três emergentes apresentaram compromissos voluntários, para mostrar boa vontade e contribuir para que se chegue a um concerto global. A Rússia, que com as três outras

economias forma o grupo de países chamado BRICs, assinou o Protocolo de Quioto em 2005 – só então o acordo atingiu o número de países que permitiu sua implementação.

A proximidade do Brasil com os demais emergentes é cercada de cautela. “O conceito de BRICs não vale

para a área ambiental”, alerta o diretor-executivo da CNI, José Augusto Coelho Fernandes. A matriz energética desses países é intensamente dependente de combustíveis fósseis. Índia e China têm cerca de 80%

de sua eletricidade provenientes do carvão. No Brasil, a energia elétrica é extremamente limpa: 80% são

gerados pelas turbinas de usinas hidrelétricas, caso único para uma economia de grande porte. Além disso, o País é líder, em quantidade e eficiência, na produção mundial de etanol. Graças a isso, não só a eletricidade é mais limpa: também a energia que move os veículos é muito menos poluente.

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entro e fora do Brasil, muitos defendem que o País deve tirar maior proveito da situação exemplar de sua matriz energética. Mas isso não pode ser confundido com a ideia de ter uma posição defensiva ou passiva nas negociações diplomáticas a respeito do clima, o que nos impediria até mesmo de colher benefícios econômicos. “O Brasil tem muito a ganhar com a venda de serviços ambientais”, afirma o gerente-executivo da área de Competitividade Industrial da CNI, Augusto Jucá. Ele, Fernandes e o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto, participaram em dezembro da COP 15, em Copenhague. A China tem colocado obstáculos às negociações. Em nenhum outro país as emissões de carbono crescem com a mesma intensidade, e, ainda assim, o país resiste a se submeter ao controle internacional na área ambiental. Mas engana-se quem pensa que os chineses estão de braços cruzados. Na verdade, concentram grandes esforços em desvincular o carbono de seus processos produtivos. “Eles não querem correr o risco de que suas exportações venham a ser barradas pelo rastro de carbono que deixam na atmosfera. Além disso, também querem ganhar com a venda de serviços ambientais”, diz Jucá, da CNI. Também há resistências por parte dos Estados Unidos, que disputam com a China a posição de maiores emissores de carbono, embora na perspectiva histórica, acumulada, sejam campeões incontestáveis. O argumento norte-americano é que não pode haver diferenças tão marcadas entre suas obrigações e as dos emergentes. Diferentemente da União Europeia, os Estados Unidos não assinaram o Protocolo de Quioto até hoje. Mas a preocupação interna com as mudanças climáticas cresce, assim como a tendência da aprovação de uma lei sobre o assunto, restringindo emissões (veja entrevista na página 4). A proposta brasileira apresentada em Copenhague e confirmada em Nova Deli foi muito além das expectativas, até mesmo de ambientalis-

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tas: reduzir as emissões de carbono previstas para 2020 em 36,1% a 38,9%. Para isso, entre outras metas, conta-se com a diminuição em 80% do desmatamento da Amazônia e em 40% no caso do Cerrado. A meta de redução de emissões não é mera intenção: está inscrita na Lei 12.187, que instituiu a Política Nacional sobre Mudanças do Clima, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no final do ano passado. Não está claro ainda o que o País fará para chegar a isso, mas há estimativas de investimentos de R$ 16 bilhões por ano até 2020 para fazer frente às medidas necessárias. Lula fez um discurso dos mais aplaudidos em Copenhague em que, falando de improviso, demonstrou a preocupação com a falta de um acordo mais amplo. Essa posição é algo que demonstra a liderança global do País no assunto. Apesar das justificativas políticas, porém, a crítica não traduz de modo exato a avaliação de quem está mais perto dos detalhes das negociações. “Por mais aguado que possa parecer, o documento de Copenhague contém elementos que contribuem para impedir a elevação da temperatura acima dos 2° C”, diz o embaixador Sérgio Serra, responsável no Brasil pelas negociações sobre o clima. “A direção está dada”, afirma a secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Suzana Khan. A busca de uma economia de baixo carbono é, em sua opinião, irreversível, na medida em que a consciência social e empresarial em relação a essa questão também é crescente. Um dos grandes benefícios da declaração assinada na COP 15 foi apontar para a importância de incluir matas nativas no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), forma oficial de compra e venda de créditos de carbono das Nações Unidas. Quando isso se tornar uma regra de fato, quem preservar matas poderá vender créditos de carbono especiais, que já ganharam a sigla REDD. O Brasil, que tem a maior área de florestas tropicais

Proposta brasileira de redução das emissões foi além das expectativas e exigirá gastos de R$ 16 bilhões por ano até 2020. Conservação de florestas não tem custo alto: pagando-se US$ 50 por tonelada de carbono, seria possível eliminar 80% do desmatamento

do mundo, poderá ser um dos principais beneficiados. O coordenador-geral do estudo Economia das Mudanças do Clima no Brasil, Jacques Marcovitch, tem a conta do custo da preservação. Realizado pelas principais instituições de pesquisa do País, o estudo mostra que mais de 80% do desmatamento poderiam ser evitados pagando-se uma média de US$ 50 por tonelada de carbono contido na floresta. “O desmatamento da Amazônia é responsável por cerca de 60% das emissões do Brasil, o que representa um enorme potencial para atividades de mitigação”, afirma ele, que é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Marcovitch acrescenta que a economia brasileira também pode crescer ao mesmo tempo em que mantém limpa sua matriz energética, se instalar uma capacidade extra de geração entre 162 TWh e 153 TWh por ano até 2035 por meio de gás natural, tecnologias avançadas de queima de bagaço de cana e energia eólica. Na reunião de Nova Deli ficou acertado que os países pobres receberão ajuda técnica e financeira do grupo Basic, que inclui Brasil, África do Sul, Índia e China. O Brasil, que já ajuda países africanos e latino-americanos a monitorar suas florestas, vai realizar


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Descoberta recente As primeiras evidências científicas de que o mundo está ficando mais quente são recentes, em perspectiva histórica: começaram a surgir nos anos 1960 e 1970, motivando a comunidade internacional a se organizar. Hoje se sabe que, no melhor dos cenários, a temperatura global crescerá entre 1,8° C e 4,0° C até 2100. O século passado registrou um aumento de temperatura de 0,74° C. Nesta década, está previsto aquecimento de 0,2º e na próxima também, caso as emissões de gases que formam a atmosfera terrestre continuem a crescer no ritmo atual, sem precedentes segundo a ciência. Uma camada que representa 1% da atmosfera, composta principalmente por vapor d’água, dióxido de carbono, ozônio e metano, funciona como uma cobertura natural, mantendo a temperatura global compatível com a vida no planeta. A atividade humana sobre a Terra, porém, está tornando essa cobertura excessivamente espessa. É o chamado “efeito-estufa”, provocado principalmente por queima de combustíveis fósseis, mas também por queimadas de florestas e pela pecuária, entre outras atividades. A ciência assegura que, desde 1750, a atividade humana vem aquecendo o planeta. O grande problema, porém, está nas consequências desse efeito, que já estão acontecendo, segundo o IPCC, instância das Nações Unidas em que especialistas do mundo inteiro, governos e sociedade civil se debruçam sobre o assunto com a tarefa de propor soluções. Alterações dos índices pluviométricos, padrões de ventos e duração das estações, assim como episódios fortes de calor, seca, tempestades e enchentes acontecerão com mais frequência e intensidade neste século, alerta o IPCC. O percentual de animais e plantas em extinção poderá crescer de 20% a 30%, e aproximadamente 200 milhões de pessoas ficarão desalojadas por causa dos impactos climáticos em 2050. Só em 2008 foram 20 milhões os desabrigados por causa de desastres climáticos. O degelo de glaciares e das calotas polares poderá elevar os níveis dos oceanos a ponto de fazer desaparecer cidades e países insulares, como Tuvalu, na Polinésia. “As mudanças serão, no mínimo, difíceis e abruptas, num mundo superpovoado e sob estresse, em que milhões de pessoas dependem dos padrões meteorológicos para sobreviver”, afirma o site da UNFCCC. Formada hoje por 194 países, ou partes, no jargão oficial, essa é a instância que determina os níveis de emissões de gases que garantirão a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável e estabelece as metas a serem alcançadas para isso.

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divulgação zhang yuwei/latinstock

Países desenvolvidos que assinaram o Protocolo de Quioto se comprometeram até 2012 a reduzir em 5% as emissões em relação a 1990. A partir de 2013, segundo a ONU, são necessários cortes de 25% a 40% para que o aumento de temperatura no século não ultrapasse 2º C

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em março oficinas de capacitação na Indonésia para ajudar na captação dos recursos do Redd. “O Basic funciona como motor de arranque, que sozinho não faz o carro andar. A idéia é fortalecer o G-77”, diz o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, em referência ao grupo formado pelos países mais pobres, que durante a COP 15 rachou e foi contra o protagonismo brasileiro. Além de mais três reuniões do grupo, o Basic também já agendou reuniões com representantes de Estados Unidos, Europa e outros grupos regionais, para azeitar o caminho até a COP 16, nome abreviado da 16ª Conferência das Partes do Protocolo de Quioto, que ocorrerá no final do ano no México. As principais consequências econômicas do aquecimento global afetam os países em desenvolvimento. Em seu Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2010, o Banco Mundial alerta que de 75% a 80% dos custos da mudança climática recaem sobre os países em desenvolvimento. Mesmo que o aumento de temperatura deste século seja de no máximo 2° C, meta proposta pelas Nações Unidas, haveria uma redução permanente de 4% a 5% no Produto Internto Bruto (PIB) dos países da África e do Sudeste Asiático. O estudo Economia das Mudanças do Clima no Brasil mostrou que o impacto do aquecimento global poderá reduzir o PIB em 2,3%, em 2050, o equivalente a R$ 3,6 trilhões. Para o cidadão comum a perda anual seria de R$ 1.600,00. Até hoje o principal instrumento de combate às mudanças climáticas produzido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima (UNFCCC, criada a partir do trabalho do IPCC) é o Protocolo de Quioto, firmado no Japão, em 1997, que determinou a redução em 5% das emissões de gases do efeito estufa, em relação aos índices de 1990, entre 2008 e 2012. Os países não conseguem chegar a um consenso quanto aos níveis de redução de emissões que deverão ser assumidos a partir de 2013, quando acaba a primeira fase de compromissos estabelecidos em Quioto. A União Europeia é uma exceção: está bastante empenhada para que se chegue a um acordo. Hoje, já se discutem níveis bem maiores de reduções, com base nas evidências científicas divulgadas no quarto relatório do IPCC durante a COP 13, que aconteceu em Bali, em 2007. A recomendação é que, a partir de 2013 os países desenvolvidos se comprometam a reduzir suas emissões


Compromissos de Copenhague Metas e propostas de redução de emissões de gás carbônico equivalente (CO2e) apresentadas na COP 15 e confirmadas um mês depois

Estados Unidos

Redução de 17% em 2020, em relação aos níveis de 2005. O texto em discussão no Congresso propõe que a redução chegue a 30% em 2025, e 42% em 2030.

União Europeia

entre 25% e 40%, em relação aos níveis de 1990, até 2020. E que os países em desenvolvimento se juntem ao esforço elevando assim as reduções em pelo menos 50% em 2050. Por conta do crescimento de sua economia, a China vem aumentando as suas emissões de dióxido de carbono equivalente (CO2e, unidade que representa a média dos gases que formam o efeito estufa) e já está em primeiro lugar (7,2 Mt CO2e – 19,13% das emissões), segundo o índice Cait (Climate Analysis Indicators Tool), medido pelo World Resources Institute (WRI), que soma os principais gases do efeito estufa, mas não considera as modificações do uso do solo. Por essa medição os Estados Unidos estão em segundo lugar (6,9 Mt CO2e – 18,3 %), a União Européia em terceiro (5 Mt CO2e – 13,35%) e o Brasil em sétimo (1 Mt CO2e – 2,68 %.). Os dados são de 2005. Se o critério é consumo de energia, utilizado pela respeitada agência norte-americana Energy Information Administration (EIA) e que representa aproximadamente 60% das emissões, a China também vem em primeiro lugar: ela ultrapassou os Estados Unidos de 2006 para 2007, e o Brasil aparece em 17º lugar – o que reflete a natureza da nossa matriz energética, considerada das mais limpas em todo o mundo, com 46% provenientes de fontes renováveis. Em termos de emissões acumuladas, porém, os Estados Unidos ainda são os primeiros (86,9 MtCO2e – 23,33%), seguidos por União Européia (64,6 MtCO2e – 17,35%) e China (55,2 Mt CO2e – 14,81%). O Brasil é o 19º (4,7 Mt CO2e – 1,23%). •

Redução de 20% em 2020, em relação aos níveis de 1990. Aceita chegar a 30% desde que os demais países desenvolvidos se comprometam com reduções do mesmo nível e os em desenvolvimento contribuam de acordo com suas responsabilidades e capacidades.

Japão

Redução de 25% das emissões em 2020, em relação aos níveis de 1990, desde que sob uma estrutura internacional em que as maiores economias se comprometam com metas mais ambiciosas que as atuais.

Austrália

Redução de 5% das emissões em 2020 em relação aos níveis de 2000. Pode chegar a 15% se os países desenvolvidos assumirem compromissos comparáveis e as maiores economias emergentes se comprometerem a reduzir suas emissões. Aceita chegar a um corte de 25% desde que seja firmado um acordo global ambicioso capaz de estabilizar os níveis de gases de efeito estufa na atmosfera em 450 ppm CO2.

Rússia

Redução de 15% a 25% das emissões em 2020 em relação aos níveis de 1990.

China

Redução de 40% a 45% em 2020 por unidade do Produto Interno Bruto (PIB) em relação ao nível de 2005; aumento dos percentuais de combustíveis renováveis no consumo de energia primária de aproximadamente 15% em 2020. Aumento da cobertura florestal para 40 milhões de hectares e do volume de estoque florestal para 1,4 metros cúbicos em 2020 em relação aos níveis de 2005.

Brasil

Redução entre 36,1% e 38,9% das emissões projetadas para 2020, por meio de ações de caráter voluntário e uso do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Algumas das ações mais relevantes são a diminuição do desmatamento da Amazônia em 80% e o do Cerrado em 40%; recuperação de florestas a partir de áreas de pasto; eficiência energética; aumento do uso de biocombustíveis e de energia gerada por hidrelétricas; uso de fontes alternativas de energia e substituição do carvão proveniente de matas nativas pelo de florestas plantadas.

Índia

Redução entre 20% e 25% em 2020 por unidade do PIB em relação ao nível de 2005, descontadas as emissões da agricultura.

Coréia do Sul

Redução de 30% das emissões projetadas para 2020.

África do Sul

Redução de 34% das emissões projetadas para 2020 e de 42% das projetadas para 2025.

Fonte: www.unfcc.org

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Mudanças climáticas:

Contribuições do Setor Industrial Brasileiro

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indústria brasileira está comprometida em colaborar com o esforço global em favor da estabilização do clima. O combate ao aquecimento global exigirá um esforço coordenado de todos os países, inclusive do Brasil. O setor industrial espera que os países desenvolvidos se comprometam com metas de reduções de emissões ambiciosas e que sejam

parâmetros que balizam a visão da indústria brasileira sobre ações de mitigação das emissões nacionais. As metas de redução de emissões dos países desenvolvidos devem ser mais ambiciosas. Embora representem um passo em direção à maior cooperação global, as metas de redução de emissões assumidas pelos países desenvolvidos no Protocolo de Quio-

Embora representem um passo em direção à cooperação global, as metas de redução de emissões assumidas pelos países desenvolvidos no Protocolo de Quioto são insuficientes para estabilizar a temperatura em níveis seguros. É fundamental a ampliação dos esforços de mitigação acordados mecanismos e recursos que fortaleçam as ações voluntárias de mitigação e a adaptação dos países em desenvolvimento. A produção industrial brasileira já é de baixo carbono. A baixa intensidade de carbono da matriz energética brasileira faz com que o setor industrial contribua com apenas 8,8% das emissões nacionais. A predominância de 46% de fontes limpas na matriz energética e o fato de que uma parcela significativa das emissões de gases de efeito estufa (GEE) advém do desmatamento e das queimadas são

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to são insuficientes para estabilizar a temperatura do planeta em níveis aceitáveis e seguros. É fundamental a ampliação dos esforços de mitigação em conformidade com o Plano de Bali e a Convenção do Clima. A participação dos países em desenvolvimento é imprescindível, respeitado o princípio da Convenção do Clima de responsabilidade comum, porém diferenciada (CBD, na sigla em inglês). A participação dos países em desenvolvimento, inclusive do Brasil, deve respeitar o direito ao crescimento econômico, ao consumo de bens

essenciais e à melhoria da qualidade de vida, permitindo desenvolvimento sustentável da Nação em todas as suas dimensões. A indústria brasileira apoia a participação do País no esforço global de mitigação sob a forma de contribuição voluntária. As Ações Nacionais de Mitigação Apropriadas (ANMAs, Nationally Appropriate Mitigation Actions - NAMAs na sigla em inglês) podem se constituir em um mecanismo eficaz para que os países em desenvolvimento contribuam para o esforço global. A regulamentação das NAMAs deverá estabelecer uma correspondência direta e proporcional entre esforços de mitigação e recursos de financiamento e cooperação tecnológica. Devem ser criados mecanismos flexíveis e efetivos para a transferência e difusão de tecnologias mais limpas, que viabilizem a transição dos países em desenvolvimento para economias com menor intensidade de emissões. Iniciativas unilaterais que resultem em barreiras comerciais climáticas aos países em desenvolvimento afrontam o princípio da responsabilidade comum porém diferenciada. Por força da Convenção do Clima, os países em desenvolvimento participam de ações voluntárias de mitigação. Iniciativas unilaterais que imponham restrições ao comércio e


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que não considerem esse princípio geram incentivos negativos à cooperação entre as nações no combate ao aquecimento global e agravam a desigualdade socioeconômica existente entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Papel brasileiro na estabilidade climática

A participação do Brasil no esforço mundial de combate ao aquecimento global é historicamente significativa. A indústria contribui com apenas 8,8% das emissões nacionais. A baixa intensidade da matriz energética do País, os avanços no controle do desmatamento ilegal e o emprego de biocombustíveis em larga escala são amplamente reconhecidos. O agronegócio é responsável por 28% da matriz energética nacional, produzindo energia renovável. Esse setor, que contribui com 26% do PIB nacional, é responsável pelas florestas

plantadas e pela produção de canade-açúcar, gerando a oferta de etanol, bagaço e carvão vegetal renovável. O setor industrial vem desenvolvendo diversas ações voluntárias de mitigação. Estas ações envolvem reciclagem de produtos, projetos de eficiência energética, cogeração nos processos produtivos e crescentes investimentos nos modos de produção com baixa emissão. Cresce também a articulação internacional dos setores, o que alavanca iniciativas de cooperação e capacitação tecnológica, promove a elaboração de estudos, dissemina práticas de mitigação e avança no uso de normas técnicas. As empresas brasileiras investem no maior conhecimento de suas próprias fontes de emissão. O setor empresarial tem contribuído para a identificação das fontes de emissão no País, pelo uso cada vez mais amplo de inventários empresariais de emissões de gases de efeito estufa.

Os esforços do setor industrial têm sido realizados em caráter voluntário. Essas contribuições podem e devem ser ampliadas, desde que seja respeitado o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, preservando o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável do País.

Oportunidades para as empresas industriais

O Brasil possui patrimônio ambiental e base energética limpa que devem ser reconhecidas e aproveitadas como vantagens comparativas nas negociações da COP 15. A já significativa contribuição do Brasil com uma matriz energética com grande participação de fontes renováveis e os avanços tecnológicos no campo da bioenergia devem ser considerados no dimensionamento das contribuições futuras. O Brasil apresenta condições ini-

A indústria contribui com apenas 8,8% das emissões nacionais. Ainda assim, vem desenvolvendo ações voluntárias de mitigação: reciclagem, eficiência energética, cogeração nos processos produtivos e investimentos nos modos de produção com baixa emissão. Cresce também a articulação internacional, por meio de cooperação e capacitação tecnológica

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gualáveis para implementar iniciativas de mitigação de baixo custo. As atividades de redução do desmatamento e de recuperação de áreas degradadas, como também as oportunidades de investimentos nas matrizes energética e de transportes, além de outros setores, são algumas das opções de mitigação de baixo custo com altos benefícios sociais e ambientais para a população brasileira. Merece destaque a possibilidade de expansão de programas de adoção de biocombustíveis, especialmente o do etanol, cuja implementação bem sucedida atesta sua viabilidade econômica, ambiental e social, e sua capacidade em gerar “know-how” e tecnologia de ponta.

Compromissos de mitigação

A indústria brasileira apoia o estabelecimento de compromissos voluntários, monitoráveis, reportáveis e verificáveis pelo Brasil. Estes esforços devem estar em consonância com o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas e não devem impor quaisquer limites às prioridades nacionais de crescimento econômico. Essas iniciativas devem buscar o reconhecimento dos esforços nacionais e garantir ao País um lugar de destaque no esforço global de combate às mudanças climáticas. A adoção de medidas nacionais

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voluntárias deve ser acompanhada pela ampliação da magnitude e do escopo dos mecanismos atuais de financiamento. Os compromissos devem ter como contrapartida a garantia de financiamento das ações voluntárias de mitigação e assistência em ações de adaptação. A relação custo-benefício deve orientar os esforços adicionais brasileiros de mitigação. As prioridades devem ser estabelecidas a partir do inventário de emissões nacionais, aproveitando as oportunidades de redução significativa de emissões a baixo custo.

Aspectos fundamentais das negociações

Para que o País assuma compromissos voluntários nacionais e apropriados de mitigação, as seguintes condições devem ser observadas: Existência de mecanismos de financiamento e transferência de tecnologia que sejam mensuráveis, reportáveis, verificáveis, efetivos e adicionais. Garantia de que estes compromissos voluntários sejam reconhecidos e que os países que os implementarem não venham a enfrentar barreiras comerciais. A Convenção do Clima, através de instrumentos legais apropriados, deve definir novos mecanismos para que esses compromissos voluntários sejam reconhecidos como equipa-

ráveis aos esforços assumidos pelos países desenvolvidos. Ou seja, deve haver garantia de que os países que ofereçam compromissos voluntários tenham seus esforços reconhecidos e não venham a enfrentar barreiras comerciais criadas por legislações nacionais de países desenvolvidos sobre intensidades de carbono em bens ou serviços.

Visão Setorial

A indústria brasileira apoia a adoção de compromissos setoriais de mitigação que não tenham caráter compulsório. Os países têm estruturas produtivas e matrizes energéticas diferentes e as emissões de GEE estão dispersas em diversas atividades econômicas. Os esforços de mitigação devem concentrar-se em áreas onde a relação custo-benefício seja menor. Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas, NAMAs, devem fortalecer e formalizar compromissos nacionais assumidos voluntariamente. As NAMAs podem ter uma abordagem programática e/ou setorial, mas devem, necessariamente, estar associadas às prioridades de desenvolvimento nacional e respeitar as diferenças de capacidade de financiamento de cada setor. Apenas uma ação conjunta e articulada entre os diversos setores econômicos cria oportunidades eficientes. O avanço no combate às mudanças


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climáticas, com destaque para o setor de base florestal, dependerá do sucesso com que as vantagens comparativas possam ser aproveitadas através da apropriação, pelas empresas brasileiras, das oportunidades de mitigação de baixo custo disponíveis no País.

Os países desenvolvidos devem se comprometer com a oferta

Financiamento

aos níveis tradicionais da cooperação existente

Os países desenvolvidos devem se comprometer com a oferta de financiamentos adicionais, previsíveis e em condições adequadas. A ampliação da magnitude e do escopo dos mecanismos atuais de financiamento das ações de mitigação e de adaptação é fundamental para viabilizar compromissos voluntários. Os financiamentos públicos devem ser adicionais aos níveis tradicionais da cooperação existente, sustentados e previsíveis e devem contar com sistemas de governança claros e participativos. Além das fontes externas de financiamento, também as fontes internas devem ser mobilizadas. Os sistemas de preços têm um papel importante na política de mitigação. Uma economia de baixa intensidade de carbono demandará uma estrutura apropriada de incentivos e tributação em função dos seus impactos nas decisões empresariais e dos consumidores. A redução das taxas de juros de longo prazo e da tributação sobre o financiamento e investimen-

de financiamentos previsíveis e em condições adequadas, o que é fundamental para viabilizar compromissos voluntários. Os financiamentos públicos devem ser adicionais

tos será determinante para viabilizar os esforços de mitigação. A ampliação do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo é uma prioridade, embora não esteja no mandato de Bali. A participação brasileira no mercado de certificados de emissão reduzida (CERs) pode ser ampliada com a flexibilização do critério de adicionalidade financeira e a adoção de critérios menos restritivos à geração hidroelétrica e projetos florestais. Há também que se considerar a possibilidade de comercialização de certificados entre os países em desenvolvimento para atendimento de seus compromissos voluntários.

Transferência de tecnologia

A proteção aos direitos de propriedade intelectual é fundamental para estimular o investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação. É importante que os compromissos

internacionais, ao incorporar instrumentos de estímulo à transferência de tecnologia, resguardem os direitos de propriedade intelectual. A garantia do respeito a esses direitos é crucial para a redução dos riscos de cooperação tecnológica para a inovação de baixo carbono. Ao mesmo tempo, devem existir incentivos à transferência de tecnologia às médias, pequenas e micro empresas, considerando suas respectivas capacidades de implementação. A transferência de tecnologia deve ser pautada pela redução de custos de incorporação e desenvolvimento e não por padrões tecnológicos. Isso significa fomentar com recursos financeiros, institucionais e técnicos a multiplicação de centros de tecnologia industrial colaborativa de baixo carbono e refutar a adoção compulsória de padrões internacionais de emissão.

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> A governança das ações nacionais no combate às mudanças climáticas

privado. É necessário ampliar os

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esforços de articulação interna

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Governança

O sucesso da estratégia brasileira depende de uma ação articulada entre todos os atores sociais. Essa ação deve envolver o governo (regulação, taxação e representação internacional), o setor privado (mudanças estruturais e decisões de investimento) e os consumidores (comportamento). A governança das ações nacionais no combate às mudanças climáticas depende também da participação do setor privado. É necessário ampliar os esforços de articulação interna na definição da posição brasileira na Convenção do Clima e nas políticas climáticas nacionais. A formulação de políticas deve envolver os diversos segmentos do setor empresarial. O acesso a informações deve ser ampliado e incentivado. A atualização de inventários e a elaboração de estudos setoriais devem ser financiados e seus resultados devem ser compartilhados entre todos os participantes desses esforços.

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depende da participação do setor

O Mercado de MDL

A

s reduções de emissões via MDL já representam 10% das metas de Quioto e só em 2008 geraram negócios de US$ 21 bilhões. Quase 60% dos projetos de MDL são de energia (20% em biomassa) contra 10% da indústria (emissões fugitivas e processo). A participação do Brasil no mercado de MDL é de 11% do total. Essa participação ainda é menor que as da China (47%) e Índia (22%) porque temos uma matriz energética mais limpa e porque há limitação para projetos florestais. Algumas opções de mitigação nas áreas de energia e de florestas não são elegíveis junto ao MDL. Além disso, um projeto para ser registrado como MDL tem que ser adicional ao cenário de referência do país. Isto é, para ter elegibilidade aos créditos, os projetos necessitam demonstrar que sua viabilidade ocorre apenas se os recursos dos créditos de redução de emissão estão presentes no fluxo de caixa. É possível melhorar o desempenho brasileiro no mercado de MDL simplificando e reduzindo os custos dos procedimentos de registro, ampliando a flexibilidade do critério de adicionalidade legal, financeira e permitindo a contabilização de co-benefícios. A estes itens, devem-


Expectativa média anual de projetos MDL

China 59,0%

11,3%

Índia

1,3% Argentina 1,5% Chile

6,5% 11,9%

4,6% Coréia

Brasil Demais

2,9% México 0,9% África do Sul

Fonte: http://cdm.unfccc.int/Statistics, em 20/10/ 2009

se acrescentar as atividades LULUCF (Land-Use, Land-Use Change and Forestry) no que se refere à ampliação e inclusão das atividades de florestamento e reflorestamento.

Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal - REDD

O desmatamento é responsável por mais da metade das emissões brasileiras e já coloca o País como o quinto maior emissor de GEE. A estratégia brasileira para o esforço global de mitigação deve considerar a inclusão da Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (mecanismo conhecido como REDD). Os custos econômicos do desmatamento na Região Amazônica estão associados aos serviços ambientais do bioma, que em muitos casos são apropriados fora da região e incluem a manutenção do regime climático regional e global. O desenvolvimento de um sistema de incentivos no qual o proprietário de área florestal receberia um pagamento em quantia pelo menos igual à atual renda líquida gerada pelo desmatamento em troca da manutenção da floresta evitaria emissões por desmatamento. Este conceito recebe a designação de “redução de emissões do desmatamento e degradação de florestas”, ou REDD. Um programa REDD pode oferecer pagamento aos

proprietários para que evitem a conversão do solo florestal para atividades agropecuárias. Esse pagamento é uma compensação pelos serviços ambientais que a floresta em pé gera. Sua magnitude tem que ser competitiva com o custo de oportunidade da terra desmatada em uso (agropecuário), isto é, o suficiente para alterar a decisão de desmatamento. Estima-se que pagamentos em dinheiro possam cobrir os ganhos da conversão da floresta para atividades agropecuárias em grande parte da Amazônia e garantir um estoque de bilhões de toneladas de carbono. Ou seja, opções com um custo muito menor que o da maioria das ações de mitigação em conversão de energia e na indústria. O mecanismo de REDD-plus – que prevê, além da redução de carbono, do desmatamento e da degradação florestal, o aumento dos estoques de áreas já florestadas e o manejo sustentável de florestas – deve incorporar florestas nativas e florestas plantadas, atribuindo-se maior valor à biodiversidade e ao pagamento por serviços ambientais. Projetos que se enquadrem em REED podem ser incluídos nas NAMA’s e – ao gerar reduções de emissões – devem ser reconhecidos pelas nações desenvolvidas como contribuições válidas para o esforço global de mitigação. •

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Empresas | Caminho sem volta Apesar de a matriz energética do Brasil estar entre as mais limpas do mundo, as empresas industriais acreditam que as mudanças climáticas afetarão o mercado e trabalham para reduzir emissões. Governo institui exigências ambientais para seus fornecedores

| por Mariangela Monfardini Biachi

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entre os signatários do Protocolo de Quioto, o Brasil não está entre os países com metas para reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa. Mesmo assim, os líderes das indústrias do País estão longe de se acomodar. Eles consideram a mudança climática um tema fundamental nas suas decisões de longo prazo e mesmo do dia-a-dia. Das empresas ouvidas na Sondagem Especial que a CNI realizou no final do ano passado, quase todas (97%) disseram conhecer o tema e, dessas, 69% afirmaram ter a expectativa de ter de enfrentar exigências para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Pressão, a rigor, já existe, mesmo que a mudança climática nem sempre apareça de forma clara como o motivo. Em janeiro deste ano, o Ministério do Planejamento transformou em norma para todos os órgãos do Poder Executivo federal algo que antes era uma simples recomendação: licitações para compra de bens e serviços devem seguir critérios ambientalmente corretos. Para a aquisição de computadores, por exemplo, o governo recomenda que os equipamentos tenham eficiência energética acima de 80% e não contenham substâncias como mercúrio, chumbo e cádmio em concentração acima da recomendada pela União Europeia. As obras públicas só poderão usar madeira de reflorestamento ou de

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manejo florestal, dentre outros materiais com reduzido impacto ambiental. Além disso, o projeto deve prever economia da manutenção e operacionalização do edifício, com redução do consumo de energia e água. Há planos de incluir essas regras, ainda de cunho administrativo, na Lei Geral de Licitações, a 8666. Traduzindo essa exigência em números: só em 2009 o governo federal movimentou quase R$ 50 bilhões em aquisições públicas. A iniciativa do governo pode parecer exagerada. Afinal, o Brasil tem uma matriz energética considerada das mais limpas do mundo, com 45,9% de fontes renováveis – apenas 8,8% das emissões de gases de efeito estufa são provenientes da indústria (veja gráfico). Para os especialistas no assunto, porém, o País não deve se acomodar em relação a suas emissões, o que exige esforços do setor público e do setor privado. Para a diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi, a iniciativa do Executivo está na direção correta. “Só quando há política pública e regulação norteando a todos é que se ganha escala necessária”, afirma. Ela acrescenta que as empresas não devem se preocupar somente com a legislação, pois o consumidor também está cada vez mais atento às questões ambientais. “O setor industrial precisa se antecipar às exigências do mercado

nessa área, que tendem a crescer. Os relatórios de sustentabilidade das empresas começam a se tornar diferenciais importantes para a obtenção de investimentos externos”. As metas voluntárias apresentadas pelo governo brasileiro na COP 15 apontam também para questões que podem vir a se transformar em obrigações para as empresas. O compromisso apresentado à Organização das Nações Unidas (ONU) é de reduzir de 36,1% a 38,9% a quantidade de carbono lançada na atmosfera em relação às emissões projetadas para 2020 se nada fosse feito. Só por meio do combate ao desmatamento espera-se uma queda de 25 pontos percentuais. O setor de energia deverá contribuir com 6,1 a 7,7 pontos para a redução. As siderúrgicas, com 0,3 a 0,4 ponto percentual. Não há clareza ainda de como isso será feito, embora esses compromissos já estejam na letra da lei. A Política Nacional de Mudança do Clima, aprovada pelo Congresso Nacional, foi sancionada no final de dezembro pelo presidente da República. A CNI defende a inserção das empresas industriais brasileiras nos esforços globais para redução voluntária de emissões e migração para sistemas de produção sustentáveis. Mas tem restrições à instituição de metas setoriais de corte de emissões, que podem reduzir a competitividade econômica (veja quadro na página 26). Já a ini-


fotos > stock.xpert


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stock.xchng | marcelo terraza


Das empresas ouvidas na Sondagem Especial realizada pela CNI, 97% se declararam informadas sobre as mudanças climáticas e, dessas, 69% afirmaram ter a expectativa de ter de enfrentar exigências para reduzir a emissão de gases do efeito estufa

ciativa do governo federal de introduzir a preocupação com o ambiente e o clima nas compras públicas é elogiada pela Indústria. Segundo o vicepresidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Antônio Hugo Valério Júnior, o setor público deve ser o primeiro a dar o exemplo e nortear o segmento produtivo. Valério garante que boa parte das cerca de 50 empresas fabricantes de computadores associadas à entidade estão preparadas para atender às regras do governo federal. Ele defende também que o governo crie mecanismos para premiar as empresas com processos e procedimentos ambientalmente corretos, como selos de qualidade, além da concessão de incentivos fiscais. A Abinee participa de debates nacionais e internacionais. “Estamos assistindo a uma série de consequências do consumo desenfreado e sabemos que é preciso atuar de uma maneira mais responsável”, afirma.

Boas práticas

Para a coordenadora de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Andréa Santos, o setor industrial brasileiro está bem preparado para enfrentar esses desafios e consciente das oportunidades que esse cenário oferece para torná-lo mais competitivo no mercado, especialmente

porque o país possui uma matriz energética limpa. “O Brasil está em desenvolvimento e vai ter que continuar produzindo, mas utilizando boas práticas para reduzir emissões como ações relativas à eficiência energética e à siderurgia limpa”, enfatiza. A busca de processos produtivos sustentáveis é preocupação constante das empresas que integram a Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa). Entre outros processos, as empresas do setor afirmam que não utilizam mais o cloro para branqueamento da fibra e que mais de 80% do combustível utilizado nos processos industriais tem origem na biomassa, proveniente de fonte renovável. A água descartada passa por processos de tratamento para que retorne ao meio ambiente de acordo com os padrões ambientais estabelecidos, e nenhum elemento da floresta é descartado. “O que não é transformado em celulose é utilizado como fonte de biomassa ou fica no campo, protegendo e enriquecendo o solo para o próximo plantio”, explica a presidente-executiva da associação, Elizabeth de Carvalhaes. Ela cita também o fato de que as florestas plantadas são recursos renováveis e absorvem carbono em grande quantidade. “A utilização da madeira como combustível dos processos produtivos é bem menos poluente do que a queima de combustíveis fósseis”. Mesmo sem tratado assinado, a

Bracelpa comemora o que muitos consideram o único avanço da COP 15: a inclusão do mecanismo conhecido como Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd) no debate que se seguirá a Copenhague. Como está formatado atualmente, o Redd garante compensações financeiras para países em desenvolvimento – ou suas comunidades – que preservarem suas florestas. Essas compensações, porém, não estão ainda incluídas no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o formato oficial do comércio de créditos de carbono estabelecido pelo Protocolo de Quioto. Só projetos de MDL valem, para os países desenvolvidos, como certificado de redução de emissões. O REDD-plus acrescentaria a preservação das florestas e suas variáveis como formas de MDL. A defesa do REDD-plus será um dos principais pontos da agenda da Bracelpa em 2010, na esperança de que na COP 16, marcada para o final deste ano, no México, sejam obtidos melhores resultados. O Brasil é o quarto produtor mundial de celulose e líder mundial na produção de celulose de eucalipto. O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), Paulo Godoy, também considera que os diversos segmentos industriais estão atentos às transformações que ocorrem por causa de novos métodos de produção, de novas de-

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Feira de soluções ambientais

De olho nesse mercado, a segunda edição da Feira Internacional de Equipamentos e Soluções para o Meio Ambiente deverá reunir 150 empresas e 9.000 visitantes, entre 27 e 29 de abril, em São Paulo. Além de possibilitar a realização de negócios nos setores de resíduo, saneamento, ar, solo, ruído e energia, a feira também visa aproximar setores público e privado na busca de novos mecanismos, soluções e tecnologias para promover o desenvolvimento sustentável. Mesmo reconhecendo a responsabilidade dos países desenvolvidos por uma significativa redução na emissão dos gases de efeito estufa, é consenso entre os setores industriais que todos os países terão de dar sua contribuição para a manutenção da qualidade de vida no planeta. Na “Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas”, encaminhada ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, em agosto do ano passado, 22 empresas dos setores de celulose, distribuição, cosméticos, energia, mineração e construção, en-

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tre outros, se comprometeram a reduzir emissões de carbono. Entre as medidas anunciadas estão a publicação anual do inventário das emissões de gases de efeito estufa. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) possui um conjunto de linhas de financiamento para o aumento da conformidade socioambiental da indústria. Segundo o gerente do Departamento de Políticas e Estudos de Meio Ambiente, Marco Aurélio Cabral Pinto, as linhas podem atender a todos os setores da economia brasileira. Alguns exemplos são a Linha de Meio Ambiente, Proesco, Refloresta, Propflora, Funtec, Compensação Florestal, Fundo Amazônia e o próprio Cartão BNDES. As linhas se destinam a projetos de eficiência energética, saneamento básico, recuperação e conservação de ecossistemas, racionalização do uso de recursos naturais; desenvolvimento tecnológico e inovação em energias renováveis e meio ambiente, dentre muitos outros. Também são adequadas às iniciativas de processos sustentáveis de produção, comercialização e uso dos recursos naturais do bioma Amazônia. Durante a COP 15, o BNDES anunciou o desenvolvimento do Índice Carbono Eficiente, pelo qual pretende estimular empresas de capital aberto a reduzir emissões de gases do efeito estufa. O Índice Carbono Eficiente será estruturado em 2010, a partir do IBrX 50, indicador composto pelas 50 ações mais negociadas na BM&FBOVESPA, ponderadas na carteira pelo free float (quantidade de ações da empresa disponíveis para negociação no mercado). O peso de cada ação no novo índice terá como base a participação da empresa no IBrX-50 e também sua eficiência em emissões de gases de efeito estufa. Quanto menor a relação entre as emissões desses gases e a receita da empresa, maior será sua eficiência. •

Crescimento e sustentabilidade Emissões de CO2-eq (carbono equivalente) pela indústria Emissões da indústria PIB real da indústria Emissões/PIB 1,8 1,6 1,4 1,2 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

terminações legais e de tendências do consumidor. “Uma das prioridades é desenvolver produtos, serviços e bens que atendam requisitos de sustentabilidade ambiental e social”, opina. Há vários anos, segundo Godoy, as empresas estão atentas para a importância da sustentabilidade em sua cadeia produtiva, e já existem diversas iniciativas com o objetivo de transformar este discurso em realidade. “No setor de infraestrutura, por exemplo, o licenciamento ambiental é fundamental para se identificar riscos do projeto e reduzir custos de financiamento”. Godoy afirma que o governo também acerta ao apostar na expansão da matriz energética para fontes renováveis. Um exemplo recente, diz, é o primeiro leilão de energia eólica, ocorrido em dezembro passado.

Fonte: Ministério do Meio Ambiente


Os riscos das metas setoriais Indústria tem restrições a metas setoriais para cortar emissões, algo que vem sendo discutido desde a COP 13, de 2007, em Bali. “Isso pode dificultar a competitividade e o crescimento em alguns setores”, alerta o diretor-executivo da CNI, José Augusto Coelho Fernandes. O problema é o governo estabelecer compromissos sem ter a certeza do impacto econômico. Uma opção melhor, na avaliação da CNI, é deixar que as próprias empresas optem por metas de redução, individualmente ou em conjunto. Já existem iniciativas que apontam para isso, como o programa internacional GHG Protocol (a sigla se refere a greenhouse gas, termo em inglês para gás do efeito estufa), coordenado no Brasil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que permite às empresas quantificar emissões e tomar decisões para reduzi-las. Lançado em escala global pelo World Resources Institute e pelo World Business for Sustainable Development, o GHG Protocol envolve grandes empresas brasileiras das áreas de construção, petróleo, cosméticos e siderurgia. “A estratégia é produzir de forma progressiva com baixo custo e mais eficiência energética, rumo a um novo padrão industrial”, afirma Fernandes. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) é também parceiro do projeto.

A capacidade das empresas de implantar sistemas de produção adaptados às mudanças do clima, no entanto, depende da definição de estratégias de transferência de tecnologias e de instrumentos de financiamento pela comunidade internacional – outro tema que deveria ter sido discutido na COP 15 e foi adiado. Tais fatores são decisivos especialmente para que as pequenas e médias empresas tenham acesso a equipamentos e processos de produção mais adequados. “Na ausência de instrumentos capazes de assegurar o acesso dos países em desenvolvimento às novas tecnologias, é difícil esperar que haja convergência na capacidade de mitigação e adaptação entre países em diferentes estágios de desenvolvimento”, afirma o diretor-executivo da CNI. A CNI defende a criação no Brasil de linhas específicas de financiamento – a exemplo do BNDES, que já criou algumas – e incentivos tributários para o combate ao aquecimento global. Já faz parte da atuação da CNI disseminar ações voltadas para a eficiência energética e para o aproveitamento das oportunidades econômicas que se abrem com a redução das emissões de carbono. Além disso, será criado um ciclo permanente de debates sobre as políticas ambientais no contexto brasileiro e global.

biomassa**

3,4 outros renováveis produtos da cana-de-açúcar

petróleo e derivados

11,6

14,0 35%

10,3 5,8

gás natural carvão mineral e derivados

10,7 34,4

hidroeletricidade

1,5 nuclear

Renováveis* > 45,9% Não Renováveis > 54,1% * Renováveis > hidroeletricidade, lenha e carvão vegetal, cana-de-açúcar e outros renováveis

20,5

nuclear

6,2

Matriz energética mundial | 2006 %

lenha e carvão vegetal Fonte: Balanço Energético Nacional 2008/EPE

Matriz energética brasileira | 2008 %

2,2 hidroeletricidade

petróleo e derivados

17,0

36,5

Fonte: EPE, 2009

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A

26,0

carvão mineral e derivados

35%

gás natural

Renováveis* > 12,9% Não Renováveis > 87,1% * Renováveis > hidroeletricidade e biomassa ** Lenha, carvão vegetal e outras fontes renováveis


Amazônia | O valor da floresta Preservar os ecossistemas da Amazônia é a principal medida que o governo brasileiro propõe para reduzir nossas emissões de carbono. A queda do desmatamento no ano passado demonstra que isso é possível. Mas a legalização das terras da região ainda é um problema muito grande | por Luís Indriúnas

O

calcanhar de Aquiles do Brasil quando se fala de emissão de carbono se chama Amazônia Legal, uma área que ocupa 55% do nosso território e é formada principalmente de matas, com cerrados nas bordas.

Todo ano, as queimadas e o desmatamento no cerrado e principalmente nos biomas amazônicos lançam na atmosfera cerca de 1,6 bilhão de toneladas de gás carbônico, 75% das emissões brasileiras. Há controvérsias

sobre outra questão: quanto desse gás volta para as árvores – alguns cientistas afirmam que a fotossíntese da mata pode neutralizar por completo o efeito das queimadas e desmatamento. Ainda assim, não resta

dúvida sobre um ponto: quanto menos queimadas e desmatamento e mais árvores em pé trocando carbono por oxigênio, melhor para combater o efeito estufa.

Por essa razão, a principal medida apresentada pelo governo brasileiro na COP 15, em Copenhague, foi

a meta de reduzir a quantidade de árvores cortadas. É uma proposta ambiciosa: diminuição de 80% nas

queimadas e na derrubada de matas, tomando por base a média anual entre 1995 e 2006 (19.500 km2). Para chegar lá, será preciso superar o melhor resultado anual obtido até hoje. E, o que é mais difícil, manter-se

nesse novo patamar nos anos seguintes. Levando-se em conta as duas últimas décadas, desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a acompanhar o desmatamento, 2009 foi o melhor ano, com 7.000 km2 desmatados. Para alcançar a meta apresentada pelo governo brasileiro, será necessário

chegar quase à metade disso: 3.900 km2/ano.

Caso a média se mantenha em 19.500 km2, em 2020 40% da Floresta Amazônica terão sido transfor-

mados em áreas de savana. Esses números são baseados no relatório Estimativa das Emissões de CO2 por Desmatamento na Amazônia Brasileira, que o Inpe publicou em novembro de 2009. Pela perspectiva mais otimista, haverá desmatamento de cerca de 125 mil km2 entre 2006 e 2020, quase a área do Acre.

O Fórum Economia do Clima, que reúne o Inpe, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embra-

pa), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), universidades e outras instituições, fez uma estimativa financeira do prejuízo caso não se reduza o desmatamento para um novo patamar. O Brasil perderá R$ 3,6 trilhões, o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) de um ano.

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O

ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, é otimista quanto à possibilidade de reduzir o desmatamento. Para isso, afirma que será necessária a colaboração de vários setores da sociedade e investimentos de US$ 10 bilhões por ano, o que, diz ele, é possível financiar por meio de empréstimos externos. Por enquanto, o Fundo Amazônia abriu linha de crédito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de R$ 70 milhões para cinco projetos, entre pesquisas e trabalho de base em agricultura familiar. Não há como negar que a queda do desmatamento na Amazônia dos últimos anos se deveu em grande medida ao dólar em baixa e à crise econômica mundial, dois fatores que prejudicam as exportações brasileiras de qualquer produto, e também de commodities que são produzidas na Amazônia, como soja e carne (veja gráfico na página 33). Para o superintendente de Programas Temáticos da organização não-governamental (ong) WWF , Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, “agora é a hora de mudar a política econômica da região, antes que essa pressão volte”. Muitas pessoas afirmam, porém, que já houve transformações significativas na direção do que a WWF defende. Por exemplo, as moratórias da soja, firmada em 2006, e do boi, que acaba de ser firmada em outubro de 2009. Esses acordos proíbem a comercialização de produtos oriundos de terras desmatadas desde o início de

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sua vigência, envolvendo produtores e comerciantes de cada setor, o Ministério Público Federal e ongs (veja quadro na página 31). Desde 2008, as cidades com maiores índices de desmatamento sofrem embargo do governo federal, com o bloqueio a empréstimos de bancos estatais, por exemplo. Após a campanha da ong Greenpeace e a adesão de grandes redes de supermercado, a carne do rebanho oriundo de áreas desmatadas parou de ser consumida. Passos como esses só foram possíveis graças à tecnologia de monitoramento da região, cada vez mais sofisticada. Há, pelo menos, duas instituições, o Inpe e a ong Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia (Imazon), que vigiam as matas por meio de um radar e dois satélites. Os desafios que restam, porém, não são pequenos. Um dos maiores problemas está na ilegalidade da posse de terras. No Pará, por exemplo, 23% de toda a área são comprovadamente grilados. Segundo o Imazon, 89% do desmatamento no estado ocorreram de forma ilegal entre 2006 e 2008, e não há dúvidas de que as áreas griladas foram em grande parte responsáveis por isso. De acordo com a lei vigente, os terrenos particulares podem ter só 20% da vegetação original removidos. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima que apenas 10% dos proprietários da região têm suas reservas regularizadas, com

80% preservados. “Vale lembrar que até 2001 era permitido usar 50% da propriedade. Como ficam essas pessoas?”, questiona o assessor técnico da entidade, Rodrigo Brito. Há um impasse regulatório em relação ao que deve valer para as áreas desmatadas antes do novo ano base, um nó que o governo federal não tem conseguido afrouxar. Os agricultores e pecuaristas não aceitam punições a quem desmatou antes de 2001 – mesmo que se use a lei vigente na época. E os ambientalistas reivindicam a mitigação do estrago ou indenização ao Estado pelos danos causados. O impasse regulatório é uma das travas, por exemplo, para o mercado de madeira com certificação florestal. “Cerca de 85% das empresas madeireiras são pequenas e médias, que não conseguem se regularizar, não têm know-how e nem estrutura financeira para fazer um manejo nos modelos ideais”, afirma Marco Lentini, diretoradjunto do Instituto Floresta Tropical (IFT), uma ong que trabalha para reverter esse quadro. A extração de madeira legalizada deve atender a critérios de manejo. Apenas algumas árvores são retiradas de forma cirúrgica de determinada área de mata, que permanece intocada durante no mínimo mais 30 anos, para se recuperar. O consumidor consciente, atrás do produto que vem de área de manejo, tem, porém, um trabalho árduo para consegui-lo. O comerciante pode apresentar documentos que ates-


Associações empresariais, Ministério Público e ongs firmaram acordos para impedir a comercialização de soja e carne produzidas em áreas da Amazônia desflorestadas desde 2006. Em 2007, não houve plantio de soja nos 157.896 hectares monitorados. Em 2008, havia novas plantações em menos de 1% da área

Moratória da soja e da carne

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Em julho de 2006, a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (Anec) se comprometeram a não comercializar soja oriunda de áreas desflorestadas desde então. O acordo foi firmado com o Ministério Público e renovado até julho de 2010. As ongs Conservação Internacional, Greenpeace, Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam), The Nature Conservancy e WWF-Brasil participam do projeto. Houve monitoramento nos estados do Mato Grosso, Pará e Rondônia, nas áreas mais críticas. O primeiro levantamento, de 2007, concluiu que não houve plantio de soja nos 265 polígonos selecionados, compreendendo uma área total de 49.809 hectares. O último levantamento, de 2008, identificou 1.396 hectares de novas áreas plantadas com soja em 157.896 hectares monitorados. Mais recente, de junho de 2009, é a moratória da carne. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) assinou um Termo de Ajuste de Conduta com os parâmetros parecidos ao da soja: não comercializar carne oriunda de área desmatada a partir de então. O acordo também tem o apoio da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Tanto no caso da soja como no da carne, o que vale para a moratória é apenas o bioma Amazônia, o que exclui parte da Amazônia Legal.

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tem a procedência legal da madeira, mas é difícil assegurar que o papel se refere exatamente ao lote com o qual foi produzido determinado móvel, por exemplo. Apenas com o selo da Forest Stewardship Council (FSC), uma ong global especializada em manejo florestal, tem-se a certeza de que o produto vem de manejo sustentável. O selo agrega valor ao produto. Mesmo com a perspectiva de conseguir vender mais caro, porém, apenas 3% das madeireiras têm o selo da FSC. Os grandes produtores apostam que esse quadro pode mudar por meio da concessão das florestas nacionais (Flonas), para que sejam exploradas de forma Graças à Zona Franca de Manaus, o estado do manejada. Hoje, até mesmo os grandes madeireiros pasAmazonas perdeu apenas 2% de sua cobertura sam por uma fase de estagnação. “É preciso dar oportuvegetal até hoje. Para o futuro de toda a nidade para que possamos trabalhar”, afirma o diretor região, especialistas afirmam que é necessário da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do implantar o zoneamento ecológico e econômico, Estado do Pará (Aimex), Justiniano de Queiroz Netto. que servirá de guia para os projetos em cada área A primeira experiência de exploração comercial de Flonas começou na Jamari, em Rondônia, em 2007. Dos 220 mil hectares da floresta foram licitados 96 mil hectares. Agora outra concessão está a caminho no Pará. Esses números, no entanto, estão longe do idealizado pelo Ministério do Meio Ambiente, que anunciou quatro milhões de hectares para concessão florestal em 2009. Esse modelo tem muitos críticos. Um dos principais é o professor-emérito de geografia da Universidade de São Paulo, Aziz Ab´saber, que aponta a vulnerabilidade na fiscalização. Outros críticos citam experiências semelhantes na África, América Latina e Oceania, onde o manejo não freou a devastação das florestas. A extração de madeira não é, porém, a principal causa do desmatamento da Amazônia. Essa posição é ocupada pela pecuária. A atividade fecha um ciclo que começa com a transformação da floresta em terra nua, que depois vira pastagem. Especialistas afirmam, porém, que é possível criar gado na região desde que se aumente a produtividade. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há em média na Amazônia menos de uma cabeça de gado em uma área equivalente a um campo de futebol – precisamente 0,96 cabeça por hectare.

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Há críticas também aos grandes projetos de infraestrutura pelo impacto no ambiente. Um dos problemas no caso das hidrelétricas é, paradoxalmente, o inverso do que ocorre com a pecuária: inunda-se uma grande área sem remover a floresta. A madeira em decomposição produz gás metano, que é 25 vezes pior para o efeito estufa do que a mesma quantidade de gás carbônico emitida por usinas termelétricas. O resultado tem sido a modificação dos projetos. No caso da usina de Belo Monte, que será construída no Rio Xingu, no Pará, o primeiro projeto, de 1980, previa o alagamento de 18 mil km2, segundo o relatório do Instituto Socioambiental (ISA). O novo projeto prevê a criação de um reservatório de 400 km2, 22% do que se previa inicialmente. Dos projetos econômicos desenvolvidos na região nas décadas recentes, a criação do polo industrial de Manaus, na Zona Franca, é o que teve o maior sucesso para reduzir o desmatamento. Apenas 2% da área do estado do Amazonas perderam sua cobertura vegetal até hoje. O problema é que há controvérsias sobre a possibilidade de expandir o modelo para outros estados da região. Além disso, a Zona Franca criou grande concentração populacional em Manaus, onde estão 51% dos habitantes do estado, trazendo à cidade problemas urbanos graves, como a favelização.


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A evolução do desmatamento Ciclo de agosto a agosto 2001/02

21.523 km

2

2002/03

25.396 km

2

2003/04

27.772 km

2

2004/05

19.014 km

2

2005/06

14.196 km

2

2006/07

11.633 km

2

2007/08

12.911 km

2

2008/09

7.008 km

2

Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)

Outra solução econômica para a floresta é o extrativismo, que engloba muito mais do que madeira. Explorar Castanha do Pará, açaí, essências de óleos como andiroba ou jaborandi é algo apontado como uma alternativa para manter a floresta em pé com uma contrapartida econômica para quem vive nela. Segundo o Imazon, só o açaí consumido em Belém do Pará chega a três toneladas por dia. Isso movimenta R$ 1,5 milhão em um mercado em que ainda predomina a informalidade. Do outro lado, setores estruturados como a indústria farmacêutica e de cosméticos têm feito experiências em vários produtos, como óleos ou princípios ativos extraídos de plantas. “Algumas substâncias são mais fáceis de obter, econômica e qualitativamente, nas florestas. Isso potencializa as possibilidades de experiências de manejo”, afirma o pesquisador do Imazon Paulo Amaral. Esse modelo ajuda também a manter as populações tradicionais em seus locais, o que sem dúvida facilita a preservação das florestas. No entanto, para Alfredo Homma, pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental, o perigo do extrativismo está em considerálo a única solução ambiental. Ele afirma que é preciso também considerar a necessidade de cultivar algumas dessas espécies amazônicas em larga escala, sem depender excessivamente das condições naturais. Isso é possível em parte dos 71 milhões de hectares já

desmatados na Amazônia. Em meio a tantas alternativas, uma etapa é quase consensual: a necessidade premente de ordenação do território, determinando o que é melhor para cada área. Desde 1992, o Brasil discute um Zoneamento Ecológico-Econômico amazônico. Em 2006, o processo se intensificou e é possível que dentro de um ano o país tenha todos os estados da Amazônia Legal com seus ZEEs aprovados ou em fase de finalização. Mesmo sem poder de lei, os ZEEs poderão nortear as políticas públicas e os investimentos na região. “Também servirão para embasar um parecer jurídico, por exemplo”, afirma Roberto Vinzentin, diretor de Zoneamento Ambiental do Ministério do Meio Ambiente. Esse zoneamento é apontado como um passo para as negociações dos REDDs, sigla em inglês para as compensações que mantêm a floresta em pé, nos moldes do certificado de carbono do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), estabelecido pelo Protocolo de Quioto. Apesar do fracasso da COP 15, o documento firmado no encontro sugere a criação dos REDDs. O Serviço Florestal Brasileiro estima que 17 projetos possam render R$ 1,5 bilhão. A Amazônia é muito grande para caber em um só modelo, o que acaba aumentando os conflitos na região. Mas enquanto o planejamento caminha lentamente, a floresta se faz presente para um número cada vez maior de pessoas no Brasil e em todo o mundo. •

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Compra-se atmosfera O Brasil está muito atrás da China e da Índia na venda de créditos de carbono. Empresas se queixam da burocracia e do desconhecimento da situação brasileira na análise dos projetos. Mas especialistas afirmam que há muitas oportunidades a serem aproveitadas | por Fábio Castro

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esde a implementação do Protocolo de Quioto, em 2005, o mercado mundial de créditos de carbono vinha praticamente dobrando de tamanho a cada ano. Passou de cerca de US$ 15 bilhões, em 2005, para US$ 35 bilhões em 2006, US$ 65 bilhões em 2007 e US$ 119 bilhões em 2008. No ano passado, porém, parece ter encontrado uma barreira: cresceu apenas 5%, e fechou 2009 em US$ 125 bilhões, segundo a consultoria New Energy Finance. Além dos efeitos da crise econômica mundial no ano passado, essa aparente estagnação é explicada, na opinião da maioria dos especialistas, pela incerteza em relação à continuidade do Protocolo de Quioto após 2012 – ano em que se encerra o primeiro período de compromisso dos países signatários do tratado. E essa expectativa sobre o futuro do mercado de créditos de carbono deverá durar pelo menos até o fim deste ano. Um novo acordo poderá ser estabelecido na COP 16, que ocorrerá em novembro no México. Os números da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), no entanto, mostram que a estagnação do mercado de carbono não se dá de forma homogênea em todos os países. O Brasil já chegou a ser o recordista de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o principal recurso do Protocolo de Quioto para auxiliar o processo

de redução de emissões de gases de efeito estufa. Hoje fica em terceiro lugar, com apenas 8,51% dos projetos registrados na ONU. A China domina o mercado com quase 35% dos projetos e a Índia vem em segundo lugar, com 24,4%. Dos créditos já emitidos, a China tem 47% do total; a Índia, 22%; e o Brasil, 11%. É possível que essa tendência seja ainda mais acirrada em um futuro próximo, a julgar pela nacionalidade dos 91 projetos de MDL atualmente aguardando o registro na ONU: 69 são chineses, 10 são indianos e um é brasileiro. O encolhimento da participação brasileira no mercado de carbono pode ser explicado pela característica da matriz energética nacional. Dos projetos MDL no mundo, 60% são do setor de energia, por isso os dois países, que, ao contrário do Brasil, usam matrizes fósseis, têm muito mais chances de eliminar emissões, portanto de emplacar projetos. No Brasil, 80,5% da energia elétrica gerada vêm de usinas hidrelétricas e apenas 12,1% de termelétricas convencionais, que usam combustível fóssil. Na China e na Índia é o contrário (veja gráfico na página 37). Parte da explicação para o fato de a China concentrar projetos de MDL está também no fato de a economia chinesa ser muito maior do que a dos outros países em desenvolvimento, o que também pode ser notado pelo gráfico.

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specialistas em MDL afirmam, porém, que as empresas brasileiras enfren- por substituir o uso de termelétricas. tam dificuldades maiores do que as de outros países para implantar e apro- Cerca de R$ 150 mil foram investidos, var os projetos de MDL. “As auditorias, responsáveis por validar os projetos jun- incluindo o desenvolvimento externo to à ONU, acabaram se transformando também em um grande gargalo, pois são do projeto, as certificações necessárias poucas e não têm quadros suficientes para atender à demanda”, diz o consultor e outros custos internos. Mas o projeto Nuno Cunha e Silva, diretor da Eco Securities – empresa que gerencia investi- acabou sendo rejeitado pela ONU. mentos em projetos que geram créditos de carbono. De acordo com Silva, perduram até hoje os reA Índia tem três bilhões de toneladas de emissões de flexos das dificuldades encontradas pelas empresas brasileiras nos primeiros anos do Protocolo de carbono a serem eliminadas. O Brasil tem 350 milhões. Quioto. O desestímulo se generalizou. Associada à escassez de certificadoras autorizadas pela ONU, a Para especialistas, é preciso que o custo ambiental da lentidão e a burocracia da atuação da comissão interministerial reduziram gradualmente o número produção seja levado em conta para podermos obter de projetos brasileiros registrados na ONU, segundo Silva. A crise econômica global derrubou invesvantagens de nossa matriz energética mais limpa timentos e também o preço dos créditos de carbono, que caíram de € 22 em setembro de 2008 para apenas € 8, em fevereiro de 2009. O Ministério da “As certificadoras, que são poucas Ciência e Tecnologia (MCT) nega que as empresas brasileiras enfrentem mais dificuldades do que as de outros países. Em 2008, foram contratados mais téc- no Brasil, não têm mostrado muito compromisso com prazos e metas. Os nicos para cuidar do mercado do MDL. Silva, da Eco Securities, foi um dos sócios responsáveis pela implantação do consultores muitas vezes ficam alocaNova Gerar – o primeiro projeto envolvendo créditos de carbono registrado no dos em outro país, o que deixa o proplaneta, em 2005. Parceria entre a Eco Securities e a S.A. Paulista – que atua no cesso mais lento e cheio de erros”, diz segmento de construção – o projeto transformou um lixão de Nova Iguaçu (RJ) o proprietário da empresa, que prefeem um aterro sanitário capaz de produzir energia limpa por meio do gás meta- re não se identificar. Ele se queixa da falta de transparência da ONU no prono produzido pela fermentação dos dejetos. O projeto demorou quatro anos para ser gestado. Só para ter a chancela do cesso e do desconhecimento do setor MCT, Silva diz ter esperado oito meses. Mas, apesar das dificuldades, a iniciativa elétrico brasileiro. Mais de 20 projetos brasileiros já teve grande sucesso, segundo ele. A implantação custou cerca de US$ 600 mil, mas o governo da Holanda se comprometeu a comprar da empresa cerca de € 13 foram rejeitados pela UNFCCC. Muitos milhões em créditos de carbono até 2012 – o equivalente ao sequestro de 2,5 mi- outros, porém, nem mesmo chegaram lhões de toneladas de CO2, o dióxido de carbono, que é usado como referência no a ser apresentados por esbarrarem mercado e nos estudos sobre o clima, mesmo quando há outros gases envolvidos. no mesmo problema enfrentado pela Nem todos os projetos, no entanto, conseguem superar as dificuldades com hidrelétrica do Sul: a dificuldade em o êxito que se conseguiu em Nova Iguaçu. Uma hidrelétrica da região Sul do comprovar a adicionalidade. O conBrasil implantou há dois anos seu primeiro projeto que diminuiria emissões ceito significa provar que há redução

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Geração de energia elétrica | 2008 nuclear

térmicas convencionais

hidrelétrica

outras

China

Índia

Brasil

% >

Fonte: Energy Information Administration (EIA)

de emissões ou aumento de sequestro de gás carbônico de forma suplementar ao que ocorreria na ausência do projeto, explica o consultor Hamilton Kenji Ida, da Logicarbon Assessoria Ambiental. “Seria preciso criar um quadro regulatório mais transparente, simplificando as regras da adicionalidade”, diz Kenji. Ele aponta outros problemas: a indefinição da natureza jurídica dos créditos de carbono, a falta de incentivos tributários ou de linhas de crédito para implantação de projetos. “Os bancos ignoram as receitas provenientes dos créditos de carbono nos planos de negócios”, afirma. Os chineses, com tanta dependência do carvão em sua matriz energética, têm facilidade de provar a adicionalidade em seus projetos de MDL, afirma Ernesto Cavasin, gerente de sustentabilidade empresarial da PricewaterhouseCoopers (PwC). Se a China ganha do Brasil em número de projetos de MDL aprovados na ONU, a disparidade é muito mais escancarada quando se avalia, a partir dos números da UNFCCC, a expectativa de geração de créditos de carbono, em média, a partir dos projetos aprovados. A China possuirá 58,7% dos créditos gerados, enquanto a Índia ficará com 11,6% e o Brasil com apenas 6,3%. Essas expectativas são corroboradas pelos números mais recentes, de 28 de janeiro, de RCEs (Redução Certificada de Emissões, o nome oficial do crédito de carbono, que corresponde a uma tonelada de CO2 emitida a menos na atmosfera): o Brasil aparece não mais em terceiro, mas em quarto lugar, agora ultrapassado pela Coréia do Sul. No restante o ranking fica igual, com China em primeiro lugar (47,7% das RCEs emitidas), seguida por Índia (20%), Coréia do Sul (13,2%) e Brasil (10,22%). Ao todo, 372.351.721 RCEs foram emitidas desde que o mercado de MDL começou a operar, em 2004. “Uma hidrelétrica chinesa com a mesma potência de uma brasileira tem a capacidade de reduzir quatro vezes mais emissões de carbono”, diz Cavasin. Na comparação com a Índia, também levamos desvantagem: o

país tem um potencial de redução de emissões de três bilhões de toneladas de CO2 equivalente, em comparação a 350 milhões do Brasil. Ele defende que as empresas e o governo brasileiro transformem essa situação desvantajosa do Brasil no mercado de MDL em benefícios para a imagem do País. “É preciso valorizar o custo socioambiental da produção”, afirmou o consultor. O gerente de meio ambiente da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL Paulista), Rodolfo Sirol, afirma que uma das provas de que o Brasil é penalizado por sua matriz energética está em um detalhe: nos anos com menos chuvas, e maior necessidade de uso de termelétricas, há maior volume de créditos para projetos brasileiros. A experiência da CPFL no mercado de carbono, porém, demonstra que apesar das dificuldades é possível vender créditos. A empresa paulista de energia emplacou vários projetos com o aumento da potência de hidrelétricas sem aumento da área inundada, renovando turbinas, equipamentos periféricos e sistemas automatizados. Em 2008 a CPFL comercializou 37,5 mil RCEs, relativas ao período entre 2003 e 2007. Um investimento entre R$ 100 mil a R$ 200 mil resultou em ganho de € 507 mil apenas em 2008. Mas o projeto prevê a redução de emissões equivalentes a 921 mil toneladas de CO2 equivalente até 2023, gerando créditos a cada ano. “O Brasil tem ainda um potencial imenso, em especial nas áreas de cogeração de energia com biomassa, aterros sanitários, substituição de biocombustívies e aumento de eficiência energética de pequenas centrais hidrelétricas e energia eólica”, comenta Sirol. Em Santa Catarina, a Companhia Energética Rio das Flores lidera um projeto envolvendo quatro pequenas centrais hidrelétricas, no qual se espera obter 70 mil RCEs. Para um ganho potencial de € 700 mil, foi preciso investir cerca de R$ 30 mil. O responsável pelo projeto, Eduardo Baltar, se queixa, porém, da burocracia no MCT. “Esperávamos que o registro no Conselho Executivo do MDL ocorresse de for-

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divulgação

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Nuno Cunha e Silva, da Eco Securities

ma mais rápida”, diz Baltar, que é sócio-diretor da Enerbio Energia e Meio Ambiente. Se o mercado de carbono continuar depois de 2012, ele espera que tenha regras mais bem definidas. Mesmo as empresas que ultrapassam com sucesso a etapa da burocracia, porém, podem se frustrar. Foi o que ocorreu com a Inpa – Indústria de Embalagens Santana, empresa especializada em embalagens de papelão em Pirapetinga (MG). De acordo com Ivan Antonio da Silva, diretor de Meio Ambiente da empresa, o projeto iniciado em 2007 já está na lista da UNFCCC. Mas por um problema operacional a empresa ainda não pode vender seus créditos. De acordo com o projeto, quatro caldeiras a óleo BPF – combustível derivado do petróleo altamente poluente – foram substituídas por duas caldeiras que usam cavacos, pequenos pedaços de madeira. O problema é que o funcionamento não foi eficiente. Se for possível conseguir a alteração do projeto, a empresa conseguirá ganhar R$ 4 milhões depois de ter gasto R$ 6 milhões para implementá-lo. O caso da Inpa não é o único de frustração econômica. Utilizando matériasprimas renováveis provenientes da indústria sucroalcooleira para produzir fertilizantes e outros produtos químicos, a Raudi Química, de São Carlos do Ivaí (PR), iniciou em 2005 um projeto de MDL registrado em 2007. Esse projeto inovador não é motivado apenas por

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razões ambientais: deverá reduzir muito os custos operacionais. Ainda bem, porque os investimentos de R$ 100 milhões resultaram em créditos de apenas R$ 100 mil. O proprietário da empresa, Ricardo Raudi Filho, ainda espera triplicar a geração de créditos. “Não posso dizer que o projeto está cumprindo as expectativas iniciais, exceto pelo fato de que aprendemos muito”, diz. As dúvidas sobre a continuidade do Protocolo de Quioto após 2012 são de fato um gargalo para as empresas que procuram desenvolver projetos e entrar no mercado de carbono no Brasil, na opinião de Rodrigo Franco, diretor-executivo da Carbon Market Consulting. Mas ele afirma que isso é um erro. “Desde janeiro de 2008, a Comunidade Européia já baixou uma diretiva determinando a continuidade do Esquema Europeu de Negociações de Emissões até 2020. Com isso, é certo que será possível, no mínimo, para negociarmos os nossos certificados no mercado europeu, mesmo tendo sido adiadas por um ano as decisões que eram esperadas na COP 15 em Copenhague”, diz Franco. A movimentação do mercado logo após a conferência sustentou a expectativa de Franco. Se no primeiro momento a frustração pelo desfecho da COP resultou na baixa imediata do preço da tonelada de carbono equivalente – da média de € 13 para € 11,4 – nos primeiros dias de janeiro de 2010 o mercado começou

a se movimentar. No dia 6 o Conselho Executivo de MDL recebeu seu projeto de número 2000, menos de dois anos depois de o milésimo projeto ser apresentado – quatro anos depois do início das operações de MDL, em 2004. Em 28 de janeiro, o número total de projetos submetidos ao conselho era de 2024. A tendência do momento, porém, continua sendo a expansão do mercado voluntário, que é pequeno em relação àquele regulado pelo Protocolo de Quioto, devido à permanência da incerteza jurídica. “O mercado de carbono é um mercado financeiro, que responde aos fatos com sensibilidade”, explica o presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Carbono (Abemc), Flávio Gazani. Além dos mercados já existentes na Europa, China, Índia e Estados Unidos, outras alternativas de mercados voluntários nacionais deverão surgir. Em 29 de dezembro do ano passado, foi sancionada a Lei 12.187, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima e cria o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). O novo mercado deverá ser o instrumento para alcançar as ousadas metas determinadas pelo governo federal: redução de 36,1% a 38,9% das emissões de gases de efeito estufa. Mas a previsão da Abemc para os médio e longo prazos continua otimista: estima-se que até 2020 o preço da tonelada de carbono equivalente volte ao patamar


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Projetos brasileiros de MDL Projeto

Investimento Tempo de para inclusão tramitação no MDL

Redução de carbono estimada*

Renda estimada com créditos

Nova Gerar Uso de gás metano de aterro sanitário para produzir energia limpa

US$ 600 mil

4 anos

2,5 milhões de toneladas

€ 13 milhões (até 2012)

Hidrelétrica no Sul Substituição de termelétricas por geração de energia elétrica limpa

R$ 150 mil

2 anos (reprovado)

-

-

Projeto Estelar Implantação de quatro pequenas centrais hidrelétricas

R$ 60 mil

2 anos

70 mil toneladas

Não divulgado

Inpa Embalagens Uso de caldeiras com combustível renovável na produção

R$ 6 milhões

2 anos

-

-

(a adaptação custou R$ 100 milhões)

2 anos

120 mil toneladas

R$ 100 mil

R$ 150 mil

3 anos

921 mil toneladas

€ 507 mil

Raudi Uso de matériaprima renovável na indústria química CPFL Repotenciação de pequenas centrais hidrelétricas

Não informado

* Toneladas de CO2 equivalente (durante toda a duração do projeto)

de € 20. E, se um acordo válido for fechado no México, neste ano, já se pensa no carbono a € 25, em 2013, e a € 30, em 2020, adianta Gazani, citando especialistas internacionais. A grande expectativa, além da flexibilização do conceito de adicionalidade, que deverá facilitar a aprovação dos projetos, está na possibilidade de incluir os projetos de REDD, sigla para Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação, no rol das possibilidades de MDL. O REDD já garante compensações financeiras para países em desenvolvimento que preservem suas florestas, mas a ideia é que esses projetos resultem em créditos válidos dentro do MDL, cujo preço é bem acima do mercado voluntário. Esse foi o ponto que mais avançou nas negociações de Copenhague, e praticamente conquistou a unanimidade das partes do Protocolo de Quioto. E, segundo especialistas, não deverá encontrar qualquer dificuldade no encontro do México. Estudo da Abemc divulgado antes da COP 15 mostrava que, caso o REDD passasse a vigorar a partir de 2012, os créditos de carbono gerados poderiam trazer para o Brasil uma receita de US$ 8 bilhões a US$ 16 bilhões. O REDD se baseia em criar valores econômicos para a floresta em pé, ou para o desmatamento evitado. O compromisso de proteger a floresta deve durar 60 anos, gerando créditos durante todo este período. •

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Como fazer mais com menos Aumentar a eficiência do uso de energia nas residências, nos serviços e principalmente nas indústrias, além de buscar alternativas de geração, é um caminho dos mais eficientes para reduzir emissões de gases que provocam o efeito estufa. O Brasil ainda está atrasado nessa empreitada, por falta de políticas adequadas, financiamento e difusão de informações

| por Daniela Schubnel

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busca da eficiência energética, uma das principais armas para combater o efeito estufa, continua a ganhar força, apesar dos impasses nas negociações internacionais sobre regras para reduzir as emissões de

carbono. A razão disso é simples: além dos benefícios em termos de imagem e de resultados políticos, algo que não depende só de acordos internacionais, a eficiência energética traz também importantes reduções de custos para empresas e governos.

No estado norte-americano da Califórnia, por exemplo,o mais rico do país, os programas de eficiência

ajudaram a baixar o consumo médio por habitante a 40% da média nacional. “Eles conseguiram desatrelar crescimento econômico e consumo de energia”, afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP) Jac-

ques Marcovitch, coordenador-geral do estudo Economia da Mudança do Clima no Brasil, realizado em 2009 por um consórcio formado pelas principais instituições de pesquisa do País.

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ciência energética e o desenvolvimento de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a CNI quer criar um centro de referência para a eficiência energética na Indústria. Um lugar que sirva como aglutinador para todas as demandas, desde técnicas até sobre como obter financiamentos. A ideia é unir todos os interlocutores envolvidos: governo, indústrias, Sistema S, agências reguladoras, de fomento e de pesquisa. Isso já acontece, por exemplo, no Rio Grande É necessário maior foco nas áreas em que o do Sul, onde o SENAI criou o Centro Nacional de Tecconsumo de energia é mais intenso. Processos nologias Limpas. “Grandes empresas têm seus próprios térmicos em indústrias, por exemplo, representam centros de pesquisa e sabem acessar recursos, mas essa apenas 6% dos 217 projetos de eficiência não é a realidade da grande maioria das indústrias energética analisados em estudo da Unicamp brasileiras”, diz engenheiro Rodrigo Garcia, analista da dos recursos resultantes da receita do Unidade de Competitividade Induspré-sal em projetos de reduções de ga- trial da CNI. Segundo ele, o tema finalses do efeito estufa também pode ser mente ganha importância na sociedade e no governo. “O mundo discute decisiva. Com todo esse vento a favor, por isso há 30 anos, mas só agora nós tereque a eficiência energética não se es- mos um Plano.” As medidas mais urgentes, e que palha com maior rapidez no Brasil? O problema é que transformar pro- foram enfatizadas no seminário Enercessos produtivos exige altos investi- gia: fator de competitividade para o mentos, seja em pesquisa ou na com- Brasil, realizado pela CNI em outubro pra de novos equipamentos, e um dos de 2009, são reduzir a burocracia e obgrandes obstáculos que as empresas ter incentivos fiscais – seja pela redubrasileiras enfrentam é o custo do ca- ção de impostos ou de encargos - que pital. “Eficiência energética depende tornem mais atrativas a realização de inovação e financiamento”, resume desses projetos. Também são necessáo gerente-executivo de Competitivi- rias políticas públicas com novo foco, dade Industrial da CNI, Augusto Jucá. voltadas para a redução do uso do Desde 2006 envolvida em ações combustível na indústria – as atuais para capacitar as indústrias para a efi- são centradas na redução do consumo

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estudo demonstra que a eficiência energética, associada à substituição de combustíveis fósseis, poderia evitar emissões domésticas de 92 a 203 milhões de toneladas de CO2 equivalente (unidade que representa os gases do efeito estufa) em 2035. A exportação de etanol da cana-de-açúcar acrescentaria de 187 a 363 milhões de toneladas às emissões de gases evitadas em escala global. A utilização


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de energia elétrica – e que facilitem o acesso aos recursos de fundos de fomento como o da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Fundo Setorial de Energia Elétrica.

Prioridade à indústria

A necessidade de mudar o foco das políticas públicas existentes foi evidenciada pelo estudo Eficiência Energética na Indústria: o que foi feito no Brasil, oportunidades de redução de custos e experiência internacional, realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para a CNI e a Eletrobrás, divulgado em 2009. Foi demonstrado que, se conseguissem investir na otimização de fábricas, as empresas industriais do Brasil poderiam ter evitado em 2008 o consumo de 14,6 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEPs, medida padrão utilizada para qualquer fonte de energia, fóssil ou não). O estudo também demonstrou que a indústria, embora consuma 40,7% da energia do País, ainda não é prioritária nos programas governamentais de eficiência energética, que são voltados para os setores residencial, comercial e público, cujo consumo representa apenas 15,8% do total. O montante que poderia ter sido evitado em 2008 equivale a 25,7% do total de 56,9 milhões de TEPs consumidas naquele ano pelos 14 setores industriais que mais usam energia. No caixa das empresas, a economia teria impacto de R$ 6,8 bilhões – considerando-se apenas o potencial técnico. Só que 82% disso se concentram nos processos térmicos, que envolvem

fornos e caldeiras, e não no consumo de energia elétrica, onde está o foco das políticas públicas existentes. Dos 217 projetos de eficiência energética analisados pela Unicamp, apenas 6% envolvem a otimização de processos térmicos; 20% preveem melhorias em sistemas de iluminação, 19% a troca de motores e 8% a melhoria em sistemas de ar comprimido. Uma das conclusões do estudo é que as empresas tratam separadamente a economia de combustíveis e de eletricidade. O resultado é que se perdem oportunidades de aproveitamento de rejeitos do processo produtivo para gerar energia.

Mercado de carbono

Outro ganho financeiro, que não faz parte do escopo do estudo, mas está na mira da CNI, é no mercado de carbono, em que as empresas podem investir seus ganhos com a queda no consumo proveniente dos projetos de eficiência energética. Seja por meio do MDL, que tem a chancela das Nações Unidas, ou no mercado voluntário, as empresas podem vender, no mercado internacional, créditos de carbono obtidos com a redução no consumo energético (veja reportagem na página 35). Além do benefício à empresa, sai ganhando também o País, com a redução na necessidade de investimentos. O estudo da Unicamp mostra que, para reduzir o consumo de energia, são necessários investimentos que correspondem, em média, à metade do necessário para aumentar a oferta: R$ 79,00 por MWh, em vez de R$ 138,00 por MWh. “É possível fazermos uma

nova Revolução Industrial, mais limpa e energeticamente eficiente. Basta que os empresários tomem conhecimento das oportunidades existentes e tenham condições de investir. Por enquanto, a cultura predominante é a do aumento da oferta de energia”, acredita o engenheiro Mário Cardoso, analista de Política e Indústria da Gerência de Meio Ambiente da CNI. De acordo com Cardoso, a maneira de reverter essa tendência é mostrar aos empresários as vantagens de alcançar a eficiência energética por meio de investimentos em projetos de MDL. Depois da realização do estudo, a CNI promoveu seminários setoriais para analisar o potencial de economia de cada um, além de explicar como é o mercado de carbono, o voluntário e o que se enquadra no Protocolo de Quioto.

Divisor de águas

Em termos institucionais, o caminho ainda é longo a percorrer. A crise de abastecimento de energia ocorrida em 2001 é considerada um divisor de águas pelos principais formuladores de políticas públicas. A partir de 2001, nasceram a Lei de Eficiência Energética (10.295/01), o Plano Nacional de Energia 2030, e programas como o Proesco, do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), e o Procel Indústria, a vertente industrial do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), a mais antiga política pública voltada para a economia de energia no País, executada pela Eletrobrás. A Lei de Eficiência Energética conferiu ao Poder Executivo a capacidade de

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tria, educação, capacitação, transportes e recursos. “Conseguimos levantar os principais problemas dos principais setores e oferecer propostas de ações”, afirma Moss. Ele lembra que muitas ações já estão sendo implementadas, como estudos nas áreas de tributação e legislação, em curso dentro da Aneel. O presidente do Comitê Gestor de Indicadores de Níveis de Eficiência Energética (CGIEE), Paulo Augusto Leonelli, explica que o plano deverá ampliar as experiências bem sucedidas atualmente, como a etiquetagem de equipamentos. Ele afirma que serão buscadas também medidas inovadoras, como leilões de eficiência energética – a exemplo do que já ocorre na venda de energia – e a criação de um selo de eficiência para equipamentos industriais. Os incentivos financeiros oficiais para projetos de De 1999 a 2006, as empresas industriais brasileiras eficiência energética ainda são pequenos no Brasil. As gastaram R$ 157 bilhões com energia elétrica. Por empresas industriais desembolsaram R$ 157 bilhões determinação legal, R$ 785 milhões deveriam com energia entre 1999 e 2006. Desse total, 1% (R$ ter sido aplicados em programas de eficiência 1,57 bilhão), foi direcionado a um fundo administrado energética, que só receberam, porém, 18,7% disso pela Aneel, que deve aplicar a metade dos recursos (R$ no, segundo Moss, nasce afinado com o 785 milhões) em pesquisa e desenPlano Nacional de Energia (PNE) 2030, volvimento e a outra metade em proelaborado pela Empresa de Pesqui- gramas de eficiência. Mas, segundo o sa Energética, subordinada ao MME, estudo CNI/Eletrobrás, apenas R$ 147 como uma das primeiras consequên- milhões foram aplicados pelas concias da crise de 2001. No PNE 2030 há cessionárias de energia elétrica em uma meta de conservação de energia projetos de eficiência energética inde 10% do total que será consumido na- dustrial, 18,7% do que manda a lei. Melhorar o patamar de investiquele ano, estimado em 1000 terawatts-hora (TWh). Esse percentual equiva- mentos em eficiência energética, no le a aproximadamente 30% da energia entanto, demandará projetos de quaconsumida hoje no Brasil, de 450 TWh. lidade que convençam empresários e A crítica da CNI, apontada no es- governo quanto à certeza de retorno, tudo em conjunto com a Eletrobrás, avisa o gerente do Procel Indústria porém, é de que o PNE 2030 não in- Marco Aurélio Moreira. Ele concorda clui estratégias para que se chegue com a necessidade de um ambiente a essa economia. Segundo Moss, isso específico para que os dois lados enconstará do plano que será lançado, contrem soluções. Uma grande ajuda centrado em segmentos como indús- para isso vem do Programa Nacional estabelecer índices mínimos de eficiência energética ou máximos de consumo para equipamentos consumidores de energia, mas é fortemente voltada para os de uso residencial e comercial, como geladeiras, lâmpadas, fornos e fogões, aparelhos de ar condicionado e outros. “Uma das prioridades para a indústria é desenvolver uma legislação que permita a comercialização de equipamentos segundo critérios de eficiência energética”, explica Garcia. “O Brasil já evoluiu bastante, de 2001 para cá”, afirma Hamilton Moss, diretor de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME) e coordenador da elaboração do Plano Nacional de Eficiência Energética, cuja previsão de lançamento é o primeiro quadrimestre de 2010. O pla-

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da Racionalização do uso dos Derivados de Petróleo e Gás Natural (Conpet), do MME, executado pela Petrobras. A diferença é que o objetivo do Conpet é dar sustentabilidade às ações da Petrobras, grande consumidora de energia, enquanto o Procel tem de trazer resultados positivos para a Eletrobrás. O Procel existe desde 1985, mas só a crise gerada com o racionamento de energia, em 2001, fez nascer o Procel Indústria. Até hoje, apenas alguns equipamentos de uso industrial e motores elétricos possuem índices mínimos de eficiência regulamentados. Dos que estão em processo de regulamentação pela Lei de Eficiência Energética, a maior parte é de uso residencial e comercial (geladeiras, lâmpadas e fogões, por exemplo), demonstra o estudo CNI/Eletrobrás. Os primeiros resultados do Procel Indústria deixaram a desejar, na avaliação de Moreira. O objetivo do programa é minimizar em 40% as perdas dos sistemas motrizes da indústria – os motores, que, nos sistemas elétricos, são os que mais têm potencial técnico de economia de energia. O primeiro formato foi baseado em multiplicadores formados em cursos de 186 horas, o que equivale à carga horária de uma pós graduação. Esses alunos deveriam passar o conhecimento que receberam para agentes das próprias indústrias. A expectativa era que pelo menos 20% das empresas participantes apresentassem projetos próprios de eficiência energética, mas o índice ficou em 5%. Parte do problema foi de gestão, segundo avaliação do próprio Procel, pois os multiplicadores se afastaram do programa depois de formados. “Decidimos que o conceito de eficiência energética tem que entrar na empresa pelo dono”, diz Moreira. O próximo passo é organizar um grupo de trabalho permanente de eficiência energética, com todos os segmentos estudados, além da CNI, SENAI, vários setores do governo e universidades. •


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Entenda as mudanças climáticas O que é

Ao longo dos últimos três séculos a atividade humana vem afetando o clima do planeta. A queima de combustíveis fósseis em grande escala, a partir da Revolução Industrial, provocou o chamado “efeito-estufa”, o aumento da concentração de alguns gases na atmosfera. Hoje se sabe que a temperatura média global pode crescer entre 1,8° C e 4,0° C até 2100. O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, em inglês) tem por objetivo limitar esse aumento a 2° C, para reduzir as consequências das mudanças climáticas sobre o meio ambiente e a economia.

Quais os riscos envolvidos

Haverá alterações radicais, com secas e furacões. As geleiras se reduzirão de forma mais intensa, provocando a elevação do nível dos oceanos. Isso resultará em extinção de espécies e até mesmo de territórios, e milhões de desabrigados. Os prejuízos econômicos atingirão principalmente os países em desenvolvimento: segundo o Banco Mundial de 75% a 80% dos custos da mudança climática recairão sobre as economias emergentes. Mesmo uma elevação de 2° C afetaria de forma permanente o Produto Interno Bruto (PIB) de países da África e Sudeste Asiático. O PIB brasileiro poderá diminuir 2,3% até 2050 em consequência das mudanças climáticas.

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Protocolo de Quioto

Firmado no Japão em 1997, o acordo determinou que, entre 2008 e 2012, os países desenvolvidos reduzissem suas emissões de gases do efeito estufa em 5%, em comparação com os níveis registrados em 1990. É o principal instrumento até hoje da comunidade internacional para combater o aquecimento global, no âmbito da ConvençãoQuadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima (UNFCCC, criada a partir do trabalho do IPCC). Sua primeira fase de compromissos expira em 2012.

Conferência de Copenhague

Havia expectativa de que o futuro de Quioto seria decidido na COP 15, em Copenhague, em dezembro do ano passado, mas isso não ocorreu. O grande quórum não foi suficiente para que os países chegassem ao consenso necessário a uma reunião sob a chancela das Nações Unidas. Os países apenas “tomaram nota” do acordo que saiu da COP 15, resultado de um esforço de última hora de 26 países, dentre eles Estados Unidos, Brasil, Japão e as maiores economias europeias.

O futuro das negociações

As atenções agora se voltam para a COP 16, que acontecerá no México, em dezembro deste ano, quando haverá nova tentativa de chegar a um acordo com validade legal. A recomendação do IPCC é que a partir de 2013 os países desenvolvidos se comprometam com reduções entre 25% e 40% dos níveis de 1990, e que os em desenvolvimento se juntem ao esforço contribuindo para uma diminuição em pelo menos 50% dos níveis de 1990, em 2050.


Metas brasileiras

A dois meses do encontro de Copenhague o Brasil anunciou metas voluntárias de reduzir entre 36,1% e 38,9% suas emissões até 2020. Para tanto, deverá investir US$ 160 bilhões e diminuir em 80% o desmatamento da Amazônia e em 40% o do Cerrado. Entre 1990 e 2005 as emissões brasileiras aumentaram 62%. A maior parte vem da agropecuária, por conta do gás metano produzido pelo gado, e do desmatamento.

Amazônia

A Amazônia ocupa 55% do território brasileiro e emite 1,6 bilhão de toneladas de gás carbônico por ano (75% do total). É o grande desafio para as medidas de prevenção e mitigação das mudanças climáticas. O Brasil quer reduzir para 3.900 km2 o desmatamento anual da região, pouco mais da metade do melhor resultado obtido até hoje, de 7.000 km2 em 2009. A média entre 1995 e 2006 foi de 19.500 km2.

Mercado de carbono

A compra de emissões evitadas de gases do efeito estufa se tornou um mecanismo legal de mitigação para os países mais industrializados. Por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), estabelecido pelo Protocolo de Quioto, países sem compromisso de mitigação podem vender projetos de redução de emissões para aqueles que possuem. Isso gera renda e promove a adaptação desses países a novas tecnologias limpas. Entre 2005 e 2008 esse mercado praticamente dobrou a cada ano. Em 2009, com a crise global, cresceu 5%, atingindo US$ 125 bilhões. Enquanto não houver um acordo

legal as perspectivas são de estagnação do mercado de carbono, tanto o de MDL quanto o voluntário. Ainda assim, as previsões de consultorias apontam para um mercado que chegará à casa dos trilhões de dólares em 2020. Uma das apostas consideradas certas é a validação do Redd, que permitirá recompensar países que preservam suas florestas. A previsão é que o Brasil possa obter uma receita de US$ 8 a US$ 16 bilhões com isso.

Eficiência Energética

Otimizar o consumo de energia e limpar os processos industriais é uma decisão cada vez mais estratégica para o Brasil. Pesquisa da CNI demonstrou que os 14 principais setores industriais têm um potencial de economia de 14,6 milhões de toneladas equivalentes de petróleo, 25,7% do total consumido em 2008, ao custo de R$ 6,8 bilhões. Desse percentual, 82% se concentram nos processos térmicos, que envolvem fornos e caldeiras. A maior parte das políticas públicas, no entanto, ainda é voltada para a eficiência dos processos elétricos.

Efeitos para a indústria

Sondagem Industrial da CNI mostrou que 97% das empresas industriais brasileiras consideram a mudança climática um tema fundamental em suas decisões, e, dessas, 69% acreditam que terão de enfrentar exigências para reduzir a emissão de gases devido às pressões do mercado. O governo federal, que no ano passado movimentou R$ 50 bilhões em compras, já exige critérios ambientais para licitações e aquisições da máquina pública. Os especialistas alertam que relatórios de sustentabilidade das empresas já contam como diferencial para a obtenção de investimentos externos. •

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Luiz Pinguelli Rosa | Diretor da Coppe/UFRJ, secretário Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas

Patrícia Santos | Folha Imagem

Antônio Gaudério | Folha Imagem

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Dois Brasis A proposta brasileira de redução de emissões, produzida pelo governo, instituições de pesquisa e sociedade, é proporcionalmente superior à dos Estados Unidos. Mas além de enfrentar as mudanças climáticas, precisamos encurtar a distância entre os que consomem e emitem muito carbono e os que pouco consomem e emitem

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proposta de redução voluntária de emissões levada pelo Brasil à Conferência da ONU sobre a Mudança do Clima em Copenhague estabelece a necessidade de debate sobre o ambiente em que será materializada. São dois Brasis separados por uma perversa concentração de renda e, por consequência, diferenças marcantes no perfil de consumo e emissões. Sobre a participação brasileira em Copenhague há pontos que merecem esclarecimentos. Um deles é a diferença entre as duas intervenções do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A primeira foi técnica, embora abordando temas políticos. Ele defendeu o Protocolo de Quioto, alvo dos países desenvolvidos, que em sua maioria não cumprem as metas de redução de emissões. Na segunda intervenção, Lula falou de improviso. Protestou contra o rumo da Conferência, responsabilizou a intransigência dos países mais ricos, que não queriam abrir mão de nada, e prontificou o Brasil a ajudar com recursos para adaptação dos países muito pobres, especialmente da África, aos

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indústria brasileira.doc | março 2010

efeitos do aquecimento global. Faltou na reunião uma liderança de nível global, que não foi assumida por Barack Obama, contrariando as expectativas. O Brasil não chegou a Copenhague com as mãos abanando. Levou a posição de reduzir voluntariamente em 2020 suas emissões em até 38,9% em relação à projetada para aquele ano. Mas é um erro atribuir todo o mérito da posição brasileira ao presidente Lula. Houve um processo em que muita gente participou, incluindo governo, ONGs, comunidade acadêmica e empresas. Comparando-se com as emissões de 2005, o Brasil deverá reduzi-las em 22,7%. Os Estados Unidos cogitam em 2020 reduzir apenas 17% suas emissões em relação a 2005. Segundo levantamento apresentado pelo WWF e Greenpeace na reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, em Copenhague, o total dos abatimentos de emissões pelos países ricos, do Anexo 1, é de apenas 3,15 Gt CO2 equivalente, valor muito abaixo das recomendações para limitar o aumento da temperatura global em 2º C.

A redução proposta pelo Brasil veio de um cálculo da equipe da Secretaria de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, a cargo da professora Suzana Kahn Ribeiro, da Coppe, com a participação dos ministérios da Ciência e Tecnologia, Minas e Energia e Agricultura e de instituições federais de pesquisa (Inpe, Embrapa e EPE) sob supervisão da Casa Civil. A decisão final foi fruto de reuniões com o presidente da República. Foram transformadas em lei as metas do Plano Nacional de Mudança Climática, iniciado na gestão da ministra Marina Silva e elaborado na do ministro Carlos Minc. O Brasil, além de enfrentar a questão do clima, tem de eliminar a pobreza. Jacques Lambert já assinalava a existência de Dois Brasis no seu livro da década de 1960. Um Brasil é o dos ricos e da classe média. Eles emitem alta quantidade de CO2 per capita. O outro Brasil é o daqueles que vão desde os miseráveis, que mal têm onde morar, passando pelos pobres até os remediados. Esses emitem pouco CO2 per capita. •




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