Revista Mucury 11

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REVISTA MUCURY TEÓFILO OTONI - MG - NÚMERO 11 - ANO 08 http://www.mucurycultural.org



EXPEDIENTE DIRETOR GERAL: Bruno Dias Bento

EDITORA E JORNALISTA RESPONSÁVEL: Clarice Palles 013349/MG

PROJETO GRÁFICO:

MARKETING CULTURAL: TRABALHANDO COM A GESTÃO DA IMAGEM CORPORATIVA Eliza Granadeiro é jornalista, produtora cultural e especialista em gestão cultural. Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora e especialista em Gestão Cultural no Senac/MG, em Belo Horizonte. Possui experiência profissional em relações públicas e assessoria de imprensa. Atualmente, aprofunda estudos em marketing cultural.

POEMAS DE TANUSSI CARDOSO

Tanussi Cardoso, carioca, é poeta, contista, crítico literário, jornalista e letrista de MPB. Publicou 10 livros de poemas, entre eles, * Teias. Ed. Costelas Felinas, 2013, vencedor do 2º Prêmio Literário Narciso de Andrade. * Del Aprendizaje Del Aire / Do Aprendizado Do Ar. Ed. Fivestar, 2009, bilíngue, com tradução para o castelhano de Leo Lobos e Angélica Santa Olaya. * Exercício do Olhar. Ed. Fivestar, 2006, apresentações de Gilberto Mendonça Teles e Luiz Horácio Rodrigues, eleito o Melhor Livro de Poesia, 2006, no Congresso Latinoamericano de Literatura, São Francisco de Itabapoana-RJ. * Viagem em Torno de. Ed. 7Letras, Rio de Janeiro, 1ª edição: 2000; 2ª edição: 2001, prefácio de Salgado Maranhão, Prêmio ALAP de Cultura 2000, outorgado pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro e pela ALAP; Prêmio Capital Nacional 2000


– Poeta do Ano, organização do jornal O Capital, Aracaju/ SE. Conquistou diversos prêmios nacionais e internacionais. Seus poemas já foram publicados na Argentina, Chile, Colômbia, Espanha, EUA, França, Itália, México, Portugal, Peru, Uruguai e Romênia e, também, traduzidos para o inglês, francês, espanhol, italiano e russo.

POLITICANDO NA TRÍPLICE FRONTEIRA

Renata Peixoto de Oliveira - Cientista Política e Professora adjunta do Curso de Relações Internacionais e Integração da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Felipe Cordeiro da Rocha - Professor de sociologia do ensino médio da rede municipal de Foz do Iguaçu e aluno do curso de Bacharelado em Ciência Política e Sociologia da UNILA. Rosilene Xavierdos Santos - Aluna do curso de Bacharelado em Ciência Política e Sociologia da UNILA.

DOIS POEMAS DE GONZAGA MEDEIROS

Gonzaga Medeiros é poeta, compositor, escritor e advogado, nasceu em Fronteira dos Vales na divisa do Vale do Mucuri e Jequitinhonha, começou sua carreira nos movimentos

culturais do Vale do Jequitinhonha na década de 70 e participa ativamente dos movimentos culturais de Minas Gerais. Como compositor, tem parcerias musicais e músicas gravadas por Rubinho do Vale, Saulo Laranjeira, Paulinho Pedra Azul, Carlos Farias, Tau Brasil, Pereira da Viola, Wilson Dias, Tavinho Lima e outros. Poeta e Declamador Popular, autor dos livros de poesia “Jequitinhonha, Antologia Poética” - I e II; “Traço de União” (1991), “Trancai Vossas Filhas” (1999); e os CD’s-livros “Gonzaga Medeiros é Poesia” (2003) e “A Poesia na Praça” (poemas declamados, 2010); Apresentador de festivais de música e outros eventos culturais entre eles: FESTCOL - Festival Nacional da Canção de Colatina – ES; FENAVIOLA – Festival Nacional da Viola – Itapina – ES; FESTIVALE – Festival de Cultura Popular do Jequtinhonha.

LEO LOBOS NO FESTIVAL QUEBRAMAR

Leo Lobos. Santiago, Chile. Poeta, ensaísta, tradutor e artista visual. Ganhador do prêmio UNESCO-Aschberg deLiteratura 2002, realizou residência criativa no CAMAC-Centre d´ArtMarnayArt Center em Marnay-sur-Seine, Francia. Realizou exposições de seus desenhos, pinturas e residência criativa entre os anos de 2003 e 2005 no Jardim das Artes, Ciências e Educação em Cerquilho-SP. Publicou, entre outros, Cartas de más abajo(1992), +Poesia (1995), Ángeles eléctricos


(1997), Turbosílabas. Poesía reunida 1986-2003 (2003). Colabora ainda para vários jornais e revistas, tendo seu trabalho já reconhecido no Chile, Argentina, Peru, Brasil, México, Cuba, Estados Unidos, Espanha, França, Alemanha e Canadá. É ainda tradutor de vários poetas brasileiros como Hilda Hilst, Tanussi Cardoso, Helena Ortiz, Herbert Emanuel, Eliakin Rufi no, Ésio Macedo, entre outros. Administra e edita os blogs Leo Lobos - Electrónico LIBRO DE P@PEL, Cinco Poemas, Le chat quipêche - el gato que pesca, PALABRAS, Em lasciudades que habitamos por Leo Lobos, Jornal do CF4. Atualmente é gestor da TallerSiglo XX Yolanda Hurtado, Santiago, Chile.

A FEIRINHA DO VENETA

Fotografia: Leonardo Cambuí é fotografo e editor do site leonardocambui.com.br/. Nascido em Teófilo vizinho da Feirinha do Veneta, e premiado pela FearlessAwards com seu trabalho como fotógrafo de casamento. Texto: Bruno Bento tenta ser sociólogo, poeta, produtor e gestor cultural, além de Diretor Geral da Associação Mucury Cultural. Edita o despoesias.blogspot.com.br.

AS CAIXAS NEGRAS D’O MARGINAL – O TRABALHO DE WILLIAM MOTA

Willian Mota é um multiartista: artista visual, artista plástico, educador e músico. Nascido em Nova Lima e radicado em Betim, onde desenvolve suas esculturas, objetos, instalações, pinturas, desenhos, vídeos experimentais e grafismos urbanos. Texto: Bruno Bento.

LEI ESTADUAL DE INCENTIVO À CULTURA: OS BENEFÍCIOS E AS DISTORÇÕES DAS NOVAS CONTRAPARTIDAS PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA CULTURAL EM MINAS GERAIS

Valéria Said Tótaro é jornalista, professora de Jornalismo, pesquisadora cultural e articulista. Pós-graduada em Gestão Cultural pela UNA. Para contato: valeriasaid@hotmail.com

POEMAS D’O MENINO, A CANOA E O RIO Cláudio Bento é poeta, compositor e produtor cultural. Autodidata, nasceu sob o signo de libra na cidade de


Jequitinhonha. Já foi premiado em diversos concursos literários no Brasil e no exterior, no último fora vencedor do 11º Prêmio Nacional de Poesia de Ipatinga. Possui poemas publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais, na revista Telas e Artes e em jornais literários de vários estados brasileiros. Trabalha também ministrando oficinas literárias, fomentando o incentivo à leitura e à escrita, além de desenvolver projetos culturais em bibliotecas de escolas públicas da capital e do interior do estado de Minas Gerais. Já publicou vários livros de poemas, entre eles, Vinho e Vertigem, A Palavra Pulsa, Inventário da Infância e Jequitinhonha e outros poemas. Em dezembro de 2007 foi agraciado pela Escola Estadual Henrique Heitmann, de Jequitinhonha, sua terra natal, que denominou sua biblioteca com o nome do poeta Cláudio Bento, honra maior para um escritor.

PARAÍSO PERDIDO

João Werner nasceu em Bela Vista do Paraíso, interior rural do Paraná, em 27 de outubro de 1962. Artista catalogado na Enciclopédia de Artes Visuais do Instituto Itaú Cultural. Em 2009, participou da exposição coletiva “DigitalArt.LA”, em Los Angeles (EUA), só com a participação de artistas que trabalham com arte digital e com a organização do Los Angeles Country Museum of Art. Em 2008 recebeu a 3ª premiação na modalidade “Gravura” na 1ª Bienal de Arte

Contemporânea “Arte conraízenlatierra”, da Universidade de Chapingo, México. Em 2007, participou com gravuras digitais da 6ª Biennale Internazionale dell’Arte Contemporanea, em Firenze, Itália. O livro “Pinturas de João Werner”, em uma edição independente, faz parte do acervo das bibliotecas do Museu de Arte de São Paulo (MASP), do Centro de Documentação e Pesquisa Guido Viaro do Museu da Gravura Cidade de Curitiba (Solar do Barão) e do Museu de Arte de Londrina. Para saber mais: joaowerner.com.br


ÍNDICE SELEÇÃO DE DOIS POEMAS

POEMAS

Gonzaga Medeiros

Tanussi Cardoso

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MARKETING CULTURAL: TRABALHANDO COM A GESTÃO DA IMAGEM CORPORATIVA Eliza Granadeiro

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POLITICANDO NA TRÍPLICE FRONTEIRA: POR UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ

EN LOS MÁRGENES DEL RÍO AMAZONAS FESTIVAL QUEBRAMAR 2012 – BRASIL

Renata Peixoto de Oliveira Felipe Cordeiro Rocha Rosilene Xavier dos Santos

Leo Lobos


A FEIRINHA DO VENETA

LEI ESTADUAL DE INCENTIVO À CULTURA: OS BENEFÍCIOS E AS DISTORÇÕES DAS NOVAS CONTRAPARTIDAS PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA CULTURAL EM MINAS GERAIS

PARAÍSO PERDIDO

Bruno Bento

Valéria Said Tótaro

João Werner

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98 O MARGINAL Bruno Bento

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122 POEMAS D’O MENINO, A CANOA E O RIO

Cláudio Bento

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EDITORIAL Bruno Bento

ÀS 04H:52MIN RESOLVO DESATRASAR UM BOCADO DE COISA. ESTE EDITORIAL ANDAVA O PRIMEIRO DA LISTA QUE NÃO TERMINA, DIFERENTEMENTE DE MEU SONO – A PRIMEIRA OBSERVAÇÃO PESSOAL.

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eixando de lamúria, este 2014 anda muito bem, agradecemos. A Associação Mucury Cultural conseguiu superar sua visão institucional de tornar-se referência regional em produção cultural, avancemos. Junto dela, claro, nossas iniciativas e nossos projetos continuam com bons resultados, o site/blog, a radioweb e esta revista que alcança mais leitores e mais colaboradores, e é impossível dizer qual vem mais bonita e mais recheada de tudo quanto há. A contribuição extra-Mucuri é volumosa, a internacional de sempre do mestre Leo Lobos, a Revista passeia pelas curvas do Jequitinhonha na sua porção belo-horizontina (grande diáspora jequitinhonhense), a Zona da Mata mineira, do Rio de Janeiro e do Sul do país ainda algumas.

A Mucury 11, portanto, vem com seu já marcado traço poético. Os mestres Cláudio Bento e Gonzaga Medeiros, poetas desta porção agridoce mineira, de líricas semprevivas profundas como este céu azul demais qual nos pariu cá. De mesma forma, Tanussi e sua poesia de bicho carpinteiro suplica silêncios e sons debulhados nesta existência nossa de ir, vir e morrer sempre. Trazemos uma rápida apresentação d’O Marginal, o multiartista William Mota, com suas Caixas Negras, sprays e propostas de refundação das relações raciais, a experiência e obra do mestre poeta, artista visual Leo Lobos no Festival Quebramar de 2012 nos confins amazônicos brasileiros. O merthiolático João Werner nas decadências (será?) do Paraíso Perdido de suas ilustrações perturbadoramente construídas de nossas tripas mesmo, ou há coisa mais profunda? Finalmente, Leonardo Cambuí deixou-nos realizados com um ensaio fotográfico belíssimo a Feirinha do Veneta, a feira livre que sobreviveu na cidade.

UMA DAS PRIMEIRAS LIÇÕES DE DIVERSIDADE QUE TIVE FOI JUSTAMENTE NESTA FEIRA, E FUI AGRACIADO PELO CONVITE DE ESCREVER O PEQUENO TEXTO QUE ACOMPANHA, E


FIZ QUESTÃO DE ESCREVER BEM POUCO MESMO, AFINAL, AS IMAGENS DISPENSAM REFERENCIAMENTOS – A SEGUNDA OBSERVAÇÃO PESSOAL. Fechando esta edição, recebemos com grande alegria, honra e prazer um texto da Eliza Granadeiro, jornalista, produtora e especialista em gestão cultural lá de Juiz de Fora, abordando Marketing Cultural sob o prisma da gestão da imagem corporativa de empresas, o que impacta decisões de financiamento cultural a partir de políticas de patrocínio. De volta à Mucury, e trazendo novos colaboradores, Renata Peixoto continua apresentando questões imprescindíveis à compreensão dos fenômenos políticos da América Latina, desta vez, traz um artigo sobre o projeto de extensão sob sua coordenação “Politicando na Tríplice Fronteira” da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).

JÁ SÃO 05H:41MIN E NÃO VOU MAIS ARRASTÁLOS À MINHA INSÔNIA. SÃO POSSÍVEIS AGORA ALGUNS RUÍDOS DAS RUAS, UMAS GOTAS DE CHUVA SOBRE O PLÁSTICO DO CARRINHO DO CATADOR DE MATERIAL RECICLÁVEL, AINDA BEM QUE AS OBRAS QUE ATORMENTAM ESTA MENTE E A RASGA-MORTALHA QUE ME ASSOMBRA

SUCESSIVAMENTE ANDAM QUIETAS POR ORA – E A ÚLTIMA OBSERVAÇÃO PESSOAL. E VIVA ESTE SORTIMENTO DA REVISTA MUCURY, IGUAL-QUE-NEM A FEIRINHA DO VENETA.

P.S.: E NOS QUASE 49 DO SEGUNDO TEMPO, RECEBEMOS A CONTRIBUIÇÃO DA JORNALISTA VALÉRIA SAID, EM ARTIGO IMPORTANTÍSSIMO DESTRINCHANDO UMA DAS GRANDES ESFINGES DE NOSSOS TEMPOS NO SETOR CULTURAL, A LEI ESTADUAL DE INCENTIVO DE MINAS GERAIS. O TEXTO É FUNDAMENTAL E CERTEIRO.


MARKETING CULTURAL: TRABALHANDO COM A GESTテグ DA IMAGEM CORPORATIVA


, por Eliza Granadeiro


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esumo: O artigo pretende abordar

os aspectos que compreendem o surgimento e as principais características verificadas na recente prática conhecida como marketing cultural. Ainda se fará uma análise das possíveis motivações das empresas para aderirem ao marketing cultural como uma política institucional, notadamente, com o auxílio das leis de incentivo fiscal promovidas pelo governo. O financiamento de projetos artístico-culturais vai possibilitar que tais organizações patrocinadoras possam reforçar ou mesmo construir uma imagem corporativa positiva no imaginário dos seus públicos-alvo.

Palavras-chave: marketing cultural, imagem corporativa, patrocínio, leis de incentivo, renúncia fiscal.

1. APRESENTAÇÃO Com o decorrer de um processo longo de desenvolvimento, hoje, pode-se dizer que a cultura e os seus bens (em uma nova realidade são verdadeiramente chamados de produtos) representam um mercado que, como tal, necessita ser gerida com um aparato de técnicas específicas e por profissionais qualificados. Para alguns, pode parecer estranho unir o conceito de marketing com o de cultura e assim criar-se o marketing cultural. Em uma tentativa de compreender a questão, deve-se voltar no tempo para uma análise do surgimento de tal prática, bem como de suas principais características.

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2. DO SURGIMENTO DO MARKETING O professor Mitsuru Yanaze (2001, p.88-92) determina o aparecimento do termo marketing após a Segunda Guerra Mundial, quando as economias europeias começaram a se recuperar ocasionando claros benefícios para empresas norte- americanas que tiveram oportunidades de expansão. Paralelo a isso, surge um tipo mais exigente de consumidor que, depois da devastação do período bélico, torna-se mais disposto a curtir os prazeres da vida. Nesse novo cenário, as empresas precisam se adaptar e conhecer o perfil desse cliente diferenciado. Por esse mesmo motivo, as universidades com cursos voltados para os negócios, começam a trabalhar com disciplinas dedicadas ao mercado, voltadas para a pesquisa e a análise dos clientes. Após algumas variações de nomenclatura, eis que cunha-se a expressão marketing (junção do substantivo market – mercado – com o sufixo ing que transforma a palavra em verbo). Em uma tradução mais literal, marketing seria, então, ‘mercadizar’. Desde seu início, o conceito de marketing foi alterado diversas vezes o que parece acompanhar o próprio desenvolvimento da atividade que, em uma sistematização simples, está relacionada às práticas de mercado. Para o pesquisador Philip Kotler, marketing deve ser entendido como um “processo por meio do qual pessoas e grupos de e pessoas obtêm aquilo de que necessitam ou desejam com a criação, oferta e livre negociação de produtos e serviços de valor com os outros” (KOTLER, 2001, p. 30). No Brasil, o desenvolvimento do marketing ocorre a partir da década de 60 com o entusiasmo que causou o período conhecido como milagre econômico, no governo militar. De acordo com Inês Fernandes Correia: “O resultado desse modismo acabou por promover a péssima fama que até os dias de hoje ainda ronda o meio. O termo “marqueteiro” virou praticamente sinônimo de trabalho feito de maneira questionável” (2010, p. 86). Essa, provavelmente, pode ser a razão para o preconceito existente para com os profissionais que utilizam o marketing como prática profissional.

Marketing Cultural: Trabalhando com a Gestão da Imagem Corporativa


Também na década de 60, Jerome McCarthy cria um composto para nortear as ações estratégicas das organizações no mercado, chamado mix de marketing. Este é formado por quatro variáveis básicas, conhecidas como os quatro P’s: Produto, Preço, Ponto e Promoção. Segundo Yanaze (2001, p. 3-4), todas as empresas com ou sem fins lucrativos possuem sua base de interação com o mercado partindo-se desse composto. Posteriormente, com a “consolidação dessas bases chegamos a uma adaptação mais atualizada e mais abrangente dos 4 Ps, que passaram a ser assim definidos: Produto, Preço, Distribuição e Comunicação”.

3. DO SURGIMENTO DO MARKETING CULTURAl Com o capitalismo, verdadeiramente tomando espaço em todas as instâncias da vida humana, ocorre um processo, denominado por Antônio Rubim (2010, p. 39), como mercantilização da cultura que está ligado às indústrias culturais e faz com que os bens simbólicos, já no momento da produção, sejam vistos como mercadorias. Dessa maneira, o resultado do trabalho artístico deve ser visto, essencialmente, como um produto. Produto que é fruto de um processo de produção. O início da prática de marketing cultural no Brasil está diretamente envolvido com o aparecimento das leis de incentivo à cultura do governo. O marco inicial de tais incentivos acontece com a chamada Lei Sarney, de 1986, e posteriormente, com a Lei Rouanet (ainda vigente, mesmo que com algumas mudanças). Resumidamente, ambas as leis tratam da renúncia fiscal possibilitando que pessoas jurídicas e físicas possam financiar projetos artísticoculturais a partir da dedução parcial ou integral dessas quantias do valor dos impostos devidos ao governo. Ao tratar de financiamento de artistas e projetos culturais, torna-se oportuno fazer uma diferenciação entre mecenato

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e patrocínio. Este último é uma relação de troca, no qual o patrocinador disponibiliza algum tipo de recurso (seja financeiro, seja serviços ou mesmo produtos) e, como contrapartida, recebe do patrocinado contraprestações que o favoreçam. Notadamente, aqui estamos falando de um favorecimento que inclui a própria imagem do patrocinador, seja para reforço ou mesmo construção de uma imagem corporativa positiva diante de diversos públicos-alvo. Em outro viés, o mecenato é um apoio espontâneo à cultura e as suas manifestações, sem que haja o estabelecimento de uma relação de prestação/ contraprestação entre os envolvidos. Historicamente, o mecenas é alguém que está mais preocupado com a manutenção da arte para uma satisfação própria. A expressão marketing cultural também está envolta por muitas questões e dúvidas, o que se exemplifica em uma variada gama de definições elaboradas por diversos pesquisadores. Em tese de doutorado sobre o assunto, Manoel Marcondes Machado Neto (2005) afirma que o termo causa certa desconfiança e mesmo estranhamento em muitas pessoas. Nas palavras do próprio autor: Isso pelo simples fato de que, pelos menos à primeira vista, o termo “marketing” possui um valor simbólico algo paradoxal em relação ao termo “cultural”. Enquanto o marketing está relacionado ao mercantilismo, à produção em massa e ao mundo objetivo das cifras monetárias, tudo o que é artístico-cultural denota humanismo, manifestação subjetiva e autêntica, além de (até) idealismo e desapego imaterial (MARCONDES NETO, 2005, p. 173). Ao concluir as pesquisas para a sua tese,

Marcondes Neto conceitua marketing cultural como: “a atividade deliberada de viabilização físico-financeira de produtos e serviços que, comercializados ou franqueados, venham atender às demandas de fruição e enriquecimento cultural da sociedade” (MARCONDES NETO,

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2005, p. 15). O autor ainda esclarece que o termo só faz sentido no Brasil, uma vez que nem no idioma inglês e nem em outros países de língua portuguesa é possível montar a expressão com o mesmo sentido praticado por aqui. Marcondes Neto (2004) afirma que com a possibilidade da renúncia fiscal para os financiadores de propostas culturais, cria-se no país um verdadeiro “boom de patrocínios e a consequente consagração do termo aliado à ideia de incentivos fiscais” (MARCONDES NETO, 2004, p.1). É importante ressaltar, segundo o autor, que marketing cultural nada tem a ver com incentivos fiscais, já que estes, geralmente, possuem pouco tempo de duração, enquanto o marketing cultural se constitui em uma política de apoio à arte. “Quando essas políticas estão fundamentadas em uma filosofia genuína de inserção da iniciativa/produção artístico-cultural no mercado, ou seja, em uma filosofia de marketing, tem-se o marketing cultural” (MARCONDES NETO, 2004, p. 1). Colaborando para a conceituação, o pesquisador Claudio Cardoso considera o marketing cultural como uma: (...) articulação da arte e da cultura aos interesses empresariais e governamentais. Mundo afora, é mais comumente compreendida como uma atividade promocional da imagem da organização na busca da criação de caminhos alternativos de relacionamento com públicos de interesse por meio da associação da marca organizacional ao prestígio de produtos artísticos e culturais (CARDOSO, 2006, p. 13). Interessante a colocação de Cardoso (2006) ao afirmar que as empresas se utilizam do prestígio de produtos artísticos para fortalecer a sua própria imagem. Dessa maneira, tais corporações financiadoras, estabelecem um contato e uma relação inovadores com seus públicos-alvo e assim, elas criam a possibilidade de serem lembradas de outra maneira, eminentemente positiva, no imaginário dos consumidores na hora da contratação de um serviço, aquisição de um produto, ou mesmo, recomendação da

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marca para terceiros. Afinal, a empresa que patrocina a cultura está colaborando para o desenvolvimento da sociedade e, por isso, merece ser bem lembrada. O marketing cultural é concebido em um novo panorama de desenvolvimento das relações da sociedade com seus agentes, no qual a cultura e seus bens simbólicos passam a ter um lugar de destaque e experimentar um papel muito relevante para a construção de um futuro mais equilibrado. Kátia de Marco (2007) dá a sua contribuição ao abordar que a: (...) a cultura passa a ser entendida como recurso valioso, comparado aos recursos naturais, fundamental para o fortalecimento do tecido social, situando-se ainda como capital social de uma nação, perpassando, de maneira transversal, os segmentos políticos, econômicos e sociais. Desse modo, a cultura amplia sua legitimidade deslocandose do campo formal das artes, folclore e patrimônio e de sua especificidade científica no campo das ciências sociais para as esferas de conhecimento do mundo dos negócios, do gerenciamento, da distribuição e do consumo de produtos e serviços (MARCO, 2007, p. 1-2). Nesse mesmo sentido, ao colocar as questões culturais em um patamar de importância inovador, o pesquisador Ricardo de Hollanda (2005, p. 290) afirma que a ideia de medir o progresso de uma sociedade pela altura dos prédios ou pelo número de viadutos está ultrapassada e deve ser deixada de lado. Dessa maneira, o desenvolvimento deve ser visto por outro viés de avaliação que considere fatores como qualidade dos serviços urbanos e ferramentas comunitárias oferecidas para a cidade, bem como a disponibilidade de áreas verdes e a variedade de opções envolvendo a área cultural. O autor ainda cita John Kenneth Galbraith: “Ciência e arte servem igualmente para a vida quotidiana e contribuem para o crescimento do produto interno bruto. (...) O futuro da Economia está na Arte”. (2005, p. 291). Como já visto, um dos fatores que contribuíram para o

Marketing Cultural: Trabalhando com a Gestão da Imagem Corporativa


aparecimento do marketing foi a mudança de postura dos consumidores nos anos posteriores ao pós- guerra. Depois do período de devastação, as pessoas passaram a querer mais conforto e tomando consciência da brevidade da vida, decidiram aproveitar os prazeres disponíveis. Com consumidores mais exigentes, as antigas corporações são impelidas a assumir, também, uma nova postura de mercado, para agradar a clientela. Está implícito aí um dos motivos do surgimento do marketing cultural. Isso porque, para aproveitar os prazeres, as pessoas precisaram dedicar mais do seu tempo ao lazer e para tal, precisariam ter opções variadas ao seu alcance. Simone Alves de Carvalho (2010, p. 94) elenca outras características que ajudam a explicar a emergência do marketing cultural, a saber: sociedade mais ativa e crítica; facilidade de acesso com a internet, interatividade de informação e comunicação; dificuldades enfrentadas pela propaganda tradicional.

– trabalhadores, consumidores, sociedade, imprensa, governo e grupos de interesse – passa a fazer parte da oferta” (AUGUSTO e YANAZE, 2010, p. 69-70).

Considerando a máquina ininterrupta do progresso social, as pessoas passam a ter acesso a uma variada oferta de serviços e produtos, aí envolvendo desde produtos de higiene pessoal a serviços de educação qualificada, e tornam-se mais ativas e críticas. Há à disposição uma multiplicidade de informações que contribuem para a sedimentação de uma comunicação realmente interativa entre as pessoas. Com o avanço da tecnologia digital e a internet ocupando uma posição cada vez com mais destaque no todo social, as relações, anteriormente, estabelecidas (aqui abrangendo tudo, não somente os aspectos ligados à comunicação/informação) ganham outros patamares e exigem uma nova mudança de postura. Nesse contexto, a propaganda tradicional feita pelas corporações empresariais começa a ter dificuldades para agradar o seu público- alvo, o que vai exigir mais dinamismo. É um cenário propício à emergência do marketing cultural.

Ainda em sua tese de doutorado, Marcondes Neto (2005, p. 159-161) elenca quatro modalidades de marketing cultural praticado pelas empresas patrocinadoras. Assim, tem-se:

Neste mosaico de fatores, como bem verificaram Eduardo Augusto e Mitsuru Yanaze (2010), o lucro, simples e puro, não é mais o único objetivo das empresas, ou seja, a análise de eficiência de uma corporação não pode mais ser medida somente pelo balanço financeiro de cada etapa. Nesse panorama, são acrescidas características como postura ética e responsabilidade social. Como dizem os autores: “A comunicação da empresa com os seus diversos públicos

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As empresas que praticam o marketing cultural não são somente aquelas tradicionalmente reconhecidas como propagadoras de atividades culturais, ou seja, que possuem tal atividade-fim, como museus, fundações, centros culturais, instituições. Novamente, Marcondes Neto (2005, p. 15) nos auxilia nessa questão ao afirmar que tanto o governo, em suas diversas instâncias, como a iniciativa empresarial (aí, compreendendo-se todo tipo de empresa: de exportação, de telefonia, de transportes, bancos, siderúrgicas etc) praticam marketing cultural quando viabilizam, com recursos financeiros e/ou materiais, ações culturais com o intuito de promover sua imagem corporativa e as disponibilizam para a sociedade.

1. Marketing cultural de fim – será

aquele exercido por organizações (públicas ou privadas) que possuem na promoção ou na difusão da cultura, a sua atividade-fim. Como exemplo tem-se: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ); Museu Casa Guignard (MG).

2. Marketing cultural de meio – será

aquele exercido por organizações que não possuem a promoção cultural como sua razão de existência. Tais empresas, atuantes nos diversos ramos da economia, vão se utilizar da difusão cultural como um meio para sua própria promoção institucional. Como exemplo tem-se: Banco do Brasil, Eletrobras Furnas SA, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

3. Marketing cultural misto – será

aquele que unirá as duas características descritas acima. Assim, pode-se conceber, por exemplo, um espetáculo teatral patrocinado pelo Banco Santander (marketing de meio) e que aconteça nos palcos do Cine Theatro Central (marketing de fim), localizado em Juiz de Fora (MG).

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4. Marketing cultural de agente –

será exercido por empreendedores que procuram assumir os riscos próprios da atividade cultural para promover suas produções culturais. Em um momento posterior, tais empreendedores podem até procurar algum tipo de parceria para suas atividades, mas isso não vai descaracterizar a classificação. Segundo Marcondes Neto, o melhor exemplo de marketing de agente ocorrido no Brasil é o da empresa Dell’Arte, atuante na produção de diversos segmentos artísticos.

3.1. CARACTERIZAÇÃO DO MARKETING CULTURAL Em uma conceituação mais abrangente, pode-se dizer que o marketing cultural é aquele que se formata com o uso das ferramentas do marketing tradicional voltadas para a área cultural.

Distante daquela velha e preconceituosa visão de que as empresas não patrocinam porque são ‘boazinhas’ e desejam unicamente o bem da sociedade, o que se deve compreender é que com a possibilidade de financiamento a propostas culturais, estabelece-se uma relação de troca, do tipo prestação/contraprestação, entre patrocinadores e patrocinados que deve ser vista de forma natural, como uma adequação às regras do mercado. Assim, tal relação é como qualquer outra que envolva um agente que oferece um serviço e outro que consome esse mesmo serviço. De acordo com Inês Fernandes Correia (2010), é possível identificar alguns objetivos claros que norteiam a decisão das organizações para se utilizarem do marketing cultural como política institucional. Assim, tem-se que:

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Um dos diferenciais do marketing cultural é que a empresa se comunica diretamente com o público que pretende atingir, criando praticamente de maneira instantânea uma relação entre um produto, uma marca ou um serviço e os consumidores atuais e futuros, entre uma empresa e a comunidade, com objetivos como: reforço e/ou ganho de imagem institucional, reforço do papel social da empresa, benefícios fiscais, retorno da mídia e aproximação com o público-alvo (CORREIA, 2010, p. 87). Apesar do entusiasmo causado pela renúncia fiscal, a ocorrência do marketing cultural no país, ainda, é incipiente. Uma das causas disso é a excessiva burocracia que envolve os órgãos públicos de fomento e que requer qualificação por parte dos proponentes de atividades artístico-culturais. Assim, propostas interessantes de projetos podem ser arquivadas ou mesmo ficarem no meio do caminho para a viabilização. Somado a isso, Simone Alves de Carvalho (2010, p. 98), se utilizando da pesquisa de Melo Neto e de Fischer, considera que há um forte desconhecimento das lei de incentivo no país, da mesma forma que é possível constatar a pouca tradição de patrocínio cultural verificado no Brasil, considerando os

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anos anteriores à existência das leis de renúncia fiscal. Essa última questão apresenta-se como um interessante ponto de análise. Uma das funções das leis de incentivo é estimular as empresas (pessoas físicas também podem financiar, mas essa ocorrência ainda é muito reduzida) a investirem em ações culturais de forma que esse ônus (o da promoção da cultura) seja dividido entre o governo e suas instâncias e a comunidade empresarial. Acontece que quando uma organização utiliza a verba proveniente de renúncia fiscal para financiar uma produção na área cultural, em verdade, a quantia investida é dinheiro público e não dos próprios setores financeiros das organizações. Forma-se, então, um campo espinhoso e passivo de muita discussão. E também de muita crítica. Partindo-se desse ponto, Marcondes Neto (2010) considera que a forma genuína de marketing cultural é aquela que represente a “destinação de parte do orçamento de marketing das empresas, independente de incentivos fiscais” (MARCONDES NETO, 2005, p. 10). O próprio Marcondes complementa o pensamento ao afirmar que somente com a saída de cena dos incentivos fiscais promovidos pelo governo é que se poderá verificar se, verdadeiramente, as organizações incorporaram o marketing cultural como prática de uma política institucional definitiva (MARCONDES NETO, 2005, p. 173). Mesmo com o reduzido tempo de existência, é possível verificar uma diferenciação no que tange ao uso do marketing cultural. Assim, Marcondes Neto conclui existirem três etapas, chamadas por ele de gerações, para a prática. A primeira geração de marketing cultural, centrada no cenário da promulgação da Lei Sarney (1986), tinha no produtor, na empresa proponente, sua figura central. Com a substituição pela Lei Rouanet (1991), configura-se um momento em que o projeto passou a ser o foco da ação de marketing cultural (é a segunda geração). Finalmente, a terceira geração, ainda no campo das possibilidades futuras, poderá se formatar como o período no qual os incentivos fiscais à cultura terão chegado ao fim. Esta geração, formulada a partir da percepção de uma lógica de desenvolvimento considerada pelo autor, se caracterizará como um momento de gestão avançada dos negócios na cultura (2005, p. 172). Para se verificar a ocorrência ou não dessa terceira geração

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proposta para a prática do marketing cultural, será preciso estar atento às mudanças que deverão se estabelecer na área nos próximos anos. Da mesma forma, será necessário analisar a permanência ou a extinção do financiamento feito pelas empresas para a realização de projetos artísticoculturais, com ou sem o auxílio da renúncia fiscal. Como a própria concepção de marketing cultural é recente, muitas das questões que o envolvem são colocadas no campo da especulação e, se verdadeiramente, a prática se mantiver no mercado, só o desenvolvimento e a consequente observação dela nos dirá.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA AUGUSTO, Eduardo; YANAZE, Mitsuru. Gestão estratégica da cultura: a emergência da comunicação por ação cultural. In: Organicom, 2010. Disponível em: http://www. revistaorganicom.org.br/sistema/index.php/organicom/article/view/316. Acesso em: 25 jun. 2013. CARDOSO, Cláudio. Comunicação empresarial e mercado cultural: observações de um educador. In: Organicom, 2006. Disponível em: http://www.revistaorganicom.org. br/sistema/index.php/organicom/article/view/52. Acesso em: 19 jun. 2013. CARVALHO, Simone Alves de. O uso do marketing cultural como instrumento de relações públicas institucionais. In: Organicom, 2010. Disponível em: http://www. revistaorganicom.org.br/sistema/index.php/organicom/article/view/318. Acesso em: 23 jun. 2013. CORREIA, Inês Fernandes. Do mecenato ao marketing cultural: a evolução do patrocínio no Brasil. In: Organicom, 2010. Disponível em: http://www. revistaorganicom.org.br/sistema/index.php/organicom/article/view/317. Acesso em: 19 jun. 2013 HOLLANDA, Ricardo de. Marketing na cultura. In: MACHADO NETO, Manoel Marcondes. Marketing cultural: das práticas à teoria. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2005. KOTLER, Philip. Administração de Marketing. São Paulo: Prentice Hall, 2001, p.30. MACHADO NETO, Manoel Marcondes. Marketing cultural: das práticas à teoria. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2005. MARCO, Kátia de. A profissionalização dos setores culturais. In: Org. CALABRE, Lia, CAMPOS, Cleise e LEMOS, Guilherme. Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Ed. Sirius, 2007. RUBIM, Antonio Albino Canelas. Singularidades da formação em organização em cultura no Brasil. In: Organicom, 2010. Disponível em: http://www.revistaorganicom. org.br/sistema/index.php/organicom/article/view/313. Acesso em: 17 jun. 2013. YANAZE, Mitsuru. Líbero – Revista Acadêmica de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, São Paulo, v. 3, n. 5, p. 88-92.

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POEMAS


, de Tanussi Cardoso *os poemas integram os livros inĂŠditos Eu E Outras ConsequĂŞncias E Dos Significados


PAISAGEM

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para Ferreira Gullar Fazer a faca de sílex me reinventar nascer homem todos os dias tecer o poema do outro criar maravilhas ouvir a pronúncia de Deus ou seu Silêncio

Poemas de Tanussi Cardoso


AUTORRETRATO

O tigre, em silêncio, é o que penso. Quando ataca, é o que posso.

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ORAÇAO

Deus é tempestade que não passa. O sol vive entre as águas : peixe distraído e diáfano. Eu morro dócil e diariamente me afogo Entre as raízes que nascem dos meus braços. Não mais a Terra Prometida : só a terra a ser morrida. Eu: palavra que se debate entre o nada e a liberdade. Deus é uma vírgula, uma espécie de saudade.

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Poemas de Tanussi Cardoso


VARIAÇÃO SOBRE UM MESMO TEMA

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para Delayne Brasil Aonde vai o silêncio quando costura o seu lençol noturno? Onde descansará, no cobertor escuro, vaga-lume amoroso e lento? Para aonde irá quando a Lua vai dormir na sua morada de gelo? Onde se esconde o silêncio, quando as buzinas, os cães e os galos iniciam as marchas ordenadas pelo Sol? Onde ele grita, quando os loucos acordam de suas injeções? Com quem falará o silêncio nas horas insones do desespero? Onde chorará o silêncio, quando o dia nasce fruta, borboleta e girassol? Onde o céu do silêncio? Onde ele nasce? Onde ele morre?

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DOS SIGNIFICADOS

É o poema aquilo o que tentamos ou seus tentáculos? É o poema labirinto de encantos ou esfinge de desencontros? É o poema o que possuímos ou o que está solto?

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Poemas de Tanussi Cardoso


HISTÓRIA QUE O VENTO LEVA

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Só a mãe sabe quando o jardim se abre para a visita semanal o filho dela é bom não é animal não seu moço costumava brincar de pique esconde soltar pipa até de roda brincava como se fosse menina dizer que agora é mulher de bandido que lava pros presos que tem marido imagine moça logo ele que jogava bola com os amiguinhos no campo perto do bairro namorava as garotas em fila na porta da casa logo ele tia que de tão inocente pegou em arma de fogo pensando que inda era menino e atirou pá! ele agora vem correndo me ver e é lindo como seu filho dona e mesmo sem estudo tem os olhos faiscantes quando me aperta forte e me beija assim tão feliz seu guarda.

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APENAS UMA RAZÃO

Escrevemos para agarrar o que não sabemos. O que não cabe em nós mas intuímos. Escrevemos para possuir o que não vemos. Alguma coisa movediça. Luz intranquila. Boca imensa a nos engolir. Escrevemos para agarrar a vida.

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Poemas de Tanussi Cardoso


A VIDA COMO NOTÍCIA

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Nem sempre a poesia é mais que a vida. “Madagascar é destruída por gafanhotos.” A vida ela mesma, rascunho e risco.

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POLITICANDO NA TRÍPLICE FRONTEIRA: POR UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ


por Renata Peixoto de Oliveira Felipe Cordeiro Rocha Rosilene Xavier dos Santos


PARA INÍCIO DE CONVERSA

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considerado um dos temas tabus de nossa sociedade, afinal de contas, quem nunca ouviu a frase “Política, religião e Futebol não se discute”. Para solucionar esta equação buscamos formular atividades a partir da escolha de grandes temáticas.

o Segundo Semestre de 2012, iniciamos nossas conversas sobre possíveis atividades relacionadas à extensão e as Ciências Sociais. À época, ainda era professora e coordenadora do curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA e sentia necessidade de levar determinadas discussões e debates para a comunidade de Foz do Iguaçu. Felipe Rocha demonstrava grande interesse em dedicar-se à educação, algo para muitos inimaginável, diante da precariedade da educação em nosso país e da desvalorização do magistério. Rosilene Santos demonstrava sua inclinação para trabalhar com jovens, conhecer melhor a cultura Hip Hop e promover debates mais politizados voltados para uma juventude esquecida e excluída nas periferias.

SE O INTUITO DO PROJETO ERA ESTIMULAR O DESENVOLVIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA CIDADÃ, A EDUCAÇÃO SERIA VISTA COMO UMA FERRAMENTA, NÃO DE FORMAÇÃO DE TRABALHADORES PARA O MERCADO, MAS DE CIDADÃOS CONSCIENTES.

Destas vontades e necessidades, surgiu a proposta de um Projeto de Extensão, o Foz Politicando, vinculado à Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana.

FRONTEIRA CIDADÃ

POLÍTICA X EDUCAÇÃO = CIDADANIA

Diante disso, temas como desenvolvimento sustentável e meio ambiente; gênero; preconceito racial; Sistema Capitalista e grandes corporações foram apresentados a estudantes da rede pública do ensino fundamental e médio, considerando as matérias previstas no currículo escolar.

Um dos desafios mais complexos e, ao mesmo tempo, aspecto mais intrigante deste projeto se refere à sua área de atuação. Pela Geografia física, a região é conhecida por suas belezas naturais e por abrigar uma das sete maravilhas do mundo natural, as Cataratas do Iguaçu. Ainda podemos destacar seu potencial hidrelétrico, afinal de contas, exibe orgulhosa a Itaipu Binacional.

Com a aprovação do projeto, coordenação e bolsitas iniciaram um longo período de reflexões sobre o melhor formato para as atividades a serem realizadas, o público alvo, as escolas a serem contempladas e os desafios para se atrair a atenção e o interesse de jovens estudantes para a Política.

O terceiro aspecto que marca a singularidade desta região é o fato de a mesma constituir fronteira com a Argentina e o Paraguai. E não se trata de uma simples fronteira, em meio a selva e distante, mas de uma fronteira pulsante e vibrante.

Sem dúvida alguma, este seria o maior desafio. Frequentemente, a Política é associada à corrupção, à má gestão pública, à ineficiência burocrática e, por isto mesmo, é

Foz do Iguaçu, Ciudad del Leste e Puerto Iguazu, conformam uma confluência bastante inusitada entre o grande contingente de turistas estrangeiros; a convivência harmoniosa

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Politicando na Tríplice Froteira


entre diferentes nacionalidades que ali habitam; a instalação da sede de estudos e pesquisa da Conscienciologia; um dos maiores polos comerciais da América do Sul; um importante ecosistema e habitat de espécies selvagens; o desenvolvimento trazido por itaipu e a resistência do povo Guarani. Qualquer ação política, social, econômica, cultural e educativa, nessa região, deve levar em conta o plurilinguismo (Português, Espanhol, Guarani, Chinês e Arabe) dos principais idiomas falados, a diversidade religiosa (mulçumanos, evangélicos, budistas, católicos), a diversidade étnica, problemas de segurança pública, a pirataria, o contrabando, o tráfico de armas e drogas ilícitas.

APRENDENDO A POLITICAR POLITICANDO

Existiram problemas quanto aos recursos disponíveis para a realização do projeto, bem como problemas quanto ao uso do transporte oficial entre as fronteiras. Se não bastasse imaginar as dificuldades de se trabalhar com escolas nos países da tríplice fronteira, o processo se tornou ainda mais desafiador pela escolha dos próprios bolsistas. Além das escolas no meio urbano, nos países vizinhos a escolha feita foi por escolas rurais e agrárias. Elaborar atividades e conseguir implementá-las satisfatoriamente com adolescentes de escolas da periferia, pode ser consideradas uma importante vitória. Realizar atividades em escolas rurais de Argentina e Paraguai, em localidades de difícil acesso, poucos recursos e estudantes mesclando o Guarani e o Espanhol em sala de aula, pode ser considerada uma vitória com um maior sabor. Basicamente, as atividades foram realizadas na escola Brasileira Arnaldo Bussato com alunos do ensino médio do turno noturno e na escola rural Paraguaia Roa Bastos para alunos do ensino básico.

Foi considerando a complexidade da realidade sócioeconômica, cultural e política desta região tão singular da América Latina, que as escolas a serem escolhidas para receber as atividades do Foz Politicando deveriam se situar nos diferentes países que conformam a tríplice fronteira.

As atividades realizadas partiram do planejamento inicial, mas eram readequadas de acordo com os recursos e infraestrutura disponível, diagnósticos da receptividade de alunos e direção escolar sobre determinados temas e ações propostas.

Apesar da proximidade geográfica, as diferenças existentes entre o sistema educativo das três cidades e países envolvidos e a falta de articulação ou de uma rede para a educação tornaram a tarefa de se buscar escolas potenciais uma tarefa bastante complicada.

Foram realizados debates, oficinas de arte, apresentações teatrais, exibição de documentários sobre os mais diversos temas durante o período de cerca de 9 meses de atuação do projeto. Como resultado positivo, alunos mais interessados, debates acalorados, reflexão sobre pontos relevantes para a compreensão de sua própria realidade.

Além disso, trabalhamos em uma instituição de ensino superior muito jovem (a Unila tem apenas 03 anos de existência), fruto da interiorização das Universidades propiciada pelo REUNI e de um projeto de lei que assegurou a criação de uma instituição com vocação internacional, bilingue e com 50% de estudantes latino-americanos, não Brasileiros. A própria universidade passa por um processo de institucionalização e busca de maior inserção junto à comunidade externa.

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O projeto se encerrou no mês de Novembro, com a realização de uma confraternização permeada por apresentações culturais e de oficina de ciências ( projeto Ficiências), entrega de lembrancinhas e um lanche especial elaborado e organizado pelas próprias mãos dos bolsistas educadores.

MAIS DO QUE COCADAS, BOLOS, BALAS E SORRISOS FOI DISTRIBUÍDO O DIREITO À EDUCAÇÃO E À CIDADANIA.

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SELEÇÃO DE dois POEMAS


, de Gonzaga Medeiros


pedrapalavra

Palavra, preciosa pedra que medra em toda lavra. Palavra se dá, se empenha, não se compra, não se vende a pedra-palavra. Palavra é pedra que se lapida na boca de cada um e cai na boca do povo, onde se consolida. Palavra com palavra, palavreado precioso do sentido ou da razão, mas de conteúdo incompleto sem a pedra-coração, que é a pedra-palavra de edificar os templos da cultura e da nação.

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Seleção de Dois Poemas


dona terra sem dono

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A terra é de ninguém, a ninguém pertence. Quando alguém aqui primeiro chegou, a Terra aqui já estava, já era dona sem dono. Fosse o caso de se achar no direito de ser dono de toda ela quem aqui primeiro chegasse, logo não haveria terra pra ninguém mais! Mais razoável seria, então, que esse tal primeiro habitante se apossasse da parte de que realmente precisasse, de modo que quando outros fossem chegando, pudessem também se apossar de outras partes nessa medida, porque a cada dia novos outros chegariam iguais em tudo, direitos e obrigações, ocupando seu pedaço. Assim, já estando aqui a Terra quando todos chegaram, só ela seria (e é) soberana em propriedade, sendo pois, a Terra, a dona das pessoas e não as pessoas donas da terra, até porque, ao contrário das escrituras, o céu e a terra não passarão, porque eternos. A pessoa, sim, passageira, passará. E quem simplesmente passa, de nada pode ser dono. A terra é estrada por onde a vida passa. Só quem fica pode dela se apossar e somente na medida e pelo tempo necessário. A Terra é dona de tudo e a ela todos devolvem tudo que dela tiraram na condição de passantes, para que assim os outros todos, chegantes, possam ter terra por onde passar e viver, onde morrer, se enterrar!

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En los márgenes del Río Amazonas Festival Quebramar 2012 – Brasil Nas margens do Rio Amazonas Festival Quebramar 2012 – Brasil


, por Leo Lobos


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En Los MĂĄrgenes del RĂ­o Amazonas | Festival quebramar 2012 - Brasil


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iempre es bueno estar ahí, mejor aún haber sido parte de la programación literaria y artística de este encuentro. Percibir otro clima, otra naturaleza humana, pero lo más importante la singularidad inventiva, que a la vista es el fruto de todo un trabajo colaborativo realizado por jóvenes, conectados en red, virtualmente ligados con el Brasil y el mundo. Sin marcas autorales, sin personalismos, sin dimensiones egóticas, sin otro partido que no sea el de la multiplicidad de la cultura. El Festival Quebramar 2012 de artes integradas, en su 5ta. versión, es uno de los principales festivales del Circuito Amazónico de Festivales Independientes, que mueve el norte del Brasil durante seis días, desde el 10 al 16 de diciembre, con intensas actividades culturales, ocupando diversos espacios de la ciudad de Macapá, capital del Estado de Amapá, realizando actividades en Universidades, Bibliotecas, Escenarios masivos de música, dialogando en diferentes lenguajes y permitiendo un flujo de conocimientos, de estímulos, tecnologías en un territorio cultural híbrido y mutante. Música, teatro, poesía, cine, televisión, artes plásticas, radio, encuentros, vivencias, conversaciones que se tejen y destejen infinitamente transitando en este espacio-tiempo uniendo deseos y sueños individuales y colectivos. La programación ofreció además talleres de activismo socio ambiental 2.0, de Diagnóstico Rápido Participativo, anticonferencias sobre consumo sustentable y formas de activismo. “El intercambio con agentes de otros estados es una forma del Festival Quebramar de traer nuevas tecnologías sociales para a comunidad macapense” afirmo Yuri Breno, agente de Nuestro Ambiente de la Casa Fora do Eixo Amapá. Vivimos en un mundo que trivializa y estereotipa las conductas, produce subjetividades padronizadas, conforme a las exigencias del mercado. “De ahí la importancia de estar “Fuera del Eje” como resistencia a cualquier proceso de homogenización, como forma de reinvención de lo humano, de una producción de otros

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sempre bom estar aqui, melhor ainda ter sido parte da programação literária e artística deste encontro. Percebi outro clima, outra natureza humana, mas o mais importante, a singularidade inventiva, que é fruto de todo um trabalho colaborativo realizado por jovens, conectados em rede, virtualmente ligados com o Brasil e o mundo. Sem marcas autorais, sem personalismos, sem dimensões egóticas, sem outro partido que não seja o da multiplicidade da cultura.

O Festival Quebramar 2012 de artes integradas, na sua 5ª edição, é um dos principais festivais do circuito amazônico de festivais independentes, que moveu o norte do país

durante 6 dias, entre 10 e 16 de dezembro, com intensas atividades culturais, ocupando diversos espaços da cidade de Macapá, capital do Estado do Amapá, realizando atividades nas universidades, bibliotecas, cenários massivos de música, dialogando em diferente linguagens e permitindo um fluxo de conhecimentos, estímulos e tecnologias em um território cultural híbrido e mutante.

Música, teatro, poesia, cinema, televisão, artes plásticas,rádio, encontros, vivências, conversas que se tecem e destecem infinitamente transitando neste espaçotempo unindo desejos e sonhos individuais e coletivos. A programação ofereceu oficinas de ativismos socioambiental 2.0, de Diagnóstico Rápido Participativo, anti-conferências sobre consumo, sustentabilidade e formas de ativismo.

“O intercâmbio com agentes de outros estados é uma forma

En Los Márgenes del Río Amazonas | Festival quebramar 2012 - Brasil


modos de existencia más creativos. Los peligros existen, pero es preciso estar atentos, como la vieja y siempre nueva canción tropicalista para no dejarse atrapar por las redes de los poderes dominantes” dice el poeta y filósofo brasileño Herbert Emanuel, que junto a Otto Ramos y Heluana Quintas de Casa Fora do Eixo, organizan junto a un inmenso equipo humano el Festival con apoyo del Gobierno estadual de Amapá y el Ministerio de Cultura de Brasil. Aconteciendo en los márgenes del Río Amazonas y cerrando las actividades de la Red Brasil de Festivales en 2012, el Festival Quebramar contó con una programación musical y artística diversa entre otros atracciones como el multiartista carioca Jiddu Saldanha, el poeta y payador del sur de Brasil Pedro Jr. Da Fontoura, el dramaturgo Hudson Andrade, Finlândia, Stereovitrola, Matinta Perera, Samsara Maya, Tatamirô Grupo de Poesía, Calistoga, Uh La La, BNegão e Seletores de Frequência, Juca Culatra e os Piranhas Pretas, Korzus, Mallu y la Gang do Eletro ocuparon el mismo escenario para una audiencia de 25 mil personas. Más informaciones en www.festivalquebramar.com y www.youtube.com/watch?v=YYGHs2391AI

do Festival Quebramar trazer novas tecnologias sociais para a comunidade macapense’’ afirmo Yuri Breno, agente do nosso ambiente na Casa Fora do Eixo Amapá. Ter a possibilidade de assistir e

ser parte da programação literária e artística deste encontro me permitiu perceber que o mais importante suas singularidade inventiva é o fruto de um trabalho colaborativo realizado por jovens, conectados em rede, virtualmente ligados com o Brasil e o mundo. Sem marcas autorais, sem personalismos, sem dimensões egóticas, sem outro partido que não seja o da multiplicidade da cultura. Vivemos em um mundo que trivializa e estereotipa as condutas, produz subjetividade padronizadas, conforme as exigências do mercado. ‘’Daí a importância de estar ‘Fora do Eixo’ como resistência a qualquer processo de homogeneização, como forma de reivindicação do homem, de uma produção de outros modos de existência mais criativos. Os perigos existem, mas é preciso estar atentos, como a velha e sempre nova canção tropicalista para não deixar por nas redes dos poderes dominantes’’ disse o poeta e filósofo brasileiro Hebert Emanuel, que junto com Otto Ramos e Heluana Quintas, da Cada Fora do Eixo, organização que junto uma imensa equipe humana no festival com o apoio do governo estadual do Amapá e o Ministério da Cultura do Brasil. Acontecendo nas margens do Rio Amazonas e encerrando as atividades da Rede Brasil de Festivais em 2012, o Festival Quebramar contou com uma programação musical e artística diversa, aonde atrações como o multiartista carioca Jiddu Saldanha, Finlância, Calistoga, Uh Lala, BNegão e Seletores de Frequência, Juca Culatra e os Piranhas Pretas, Korzus, Mallu e a Ganga Eletro ocuparam o mesmo cenário para uma audiência de 25 mil pessoas. Mais informações em www.festivalquebramar.com

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a feirinha do veneta


, por Bruno Bento


a feirinha do veneta de Bruno Bento

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Vende-se cofres ovos abacaxis amarelos e melados galinha carne farinha e sexo roupa e amor carne de sol queijo cozido mandioca e salsinha cebola e tomate mão-de-obra pratos-feitos - é o capitalismo? – pergutam-se. - não, é a feira - responde-se.

A Feirinha do Veneta


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ada é mais sortido que a feirinha do Veneta (só esta revista)! Quase plagio um amigo, dirigente partidário e bom de mesa de boteco.

A maior feira livre de Teófilo Otoni é resistência de uma manifestação cultural antes comum em muitas cidades. Aqui, só sobrou ela. Toda sexta-feira, os feirantes chegam por lá vão montando suas bancas, espalhando lonas pelo chão onde logo vão as mercadorias. Antes, me lembro ainda, eram folhas de bananeiras. É uma de minhas primeiras lembranças. Em outras cidades, estas feiras acontecem anexas aos mercados municipais, como Poté, Itaipé e outras tantas neste Mucuri ou ali no Jequitinhonha. Colorida, barulhenta e inteira de cheiros e gostos para todo tipo é esta Feirinha do Veneta. Está localizada na Avenida Marechal Floriano Peixoto no leito da antiga Bahia e Minas. E o Leonardo Cambuí fez uma coisa que queria há tempos, registar esta parte de nossas infâncias. Na feirinha comprase de carne de sol a andu, galinha viva a banana nanica e mexerica.

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A diversidade desta feira é muito interessante, desde os descendentes dos europeus, notadamente germânicos que do Cedro ou do Alto do São Jacinto e os afrodescendentes sejam descendentes dos ferroviários ou remanescentes quilombolas e de ex-escravos.

Em resumo, a Feirinha do Veneta é o resumo da cidade e do Mucuri: colorida, desordenada e repleta de cheiros e gostos. Somos nós. O fotógrafo nasceu e se criou tendo esta feira bem nos fundos de casa. E infinitas vezes passou e ainda passeia por lá, seja para atravessar a cidade ou mesmo para comprar um ‘trem qualquer’. E deixemos de cerca lourenço e vamos logo às fotos maravilhosas e com o cheiro e o som desta feira.

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O Marginal


, por Bruno Bento


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multiartista Willian Mota – O Marginal nasceu em Nova Lima e é de Betim por criação. Como pichador sua carreira teve ponto máximo na expulsão da escola, formou-se torneiro mecânico e resolveuse nas artes. Começou a conviver com os punk’s de Belo Horizonte e seu itinerário incluía o “Maleta”, a Praça Afonso Arinos e a guitarra da banda underground “Indolentes”. Em Betim, estava sempre nos eventos que aconteciam no The Wall Bar, Barfômetro, Porão, e nas casas de alguns punk’s da cidade. Um dia, Mota resolveu vender quase todos os seus CD’s, rifar uma escultura e com ajuda de familiares fez um curso preparatório para o vestibular da Escola Guignard – UEMG, e passou. Já em seu currículo, O Marginal, fez parte do coletivo Razia, realiza oficinas de percussão, esculturas, objetos, instalações, pinturas, desenhos, vídeos experimentais e grafismos urbanos. Coleciona exposições internacionais no Festiam OMI, Bienal Internacional de Graffiti, e exposições/ intervenções individuais e coletivas. Em 2010, foi agraciado com o prêmio Camélia por promoção à igualdade racial. A africanidade marca o trabalho d’O Marginal, fortemente no Encaixe Caixas Negras financiado pelo Fundo Municipal de Cultura de Betim, a partir do spray e caneta posca nos blocos de madeira o artista provoca a interação entre sua instalação, o meio e nós, os homens e mulheres, para que construamos novos encaixes e novas realidades. Segundo ele mesmo:

seu estado natural, tornando-o parte das instalações. São as mãos e pensamentos de artista e público que constroem o novo e cria um ambiente criativo e de situações incalculáveis”.

Ficha técnica: Projeto Encaixe Caixas Negras: Produto cultural financiado pelo Fundo Municipal de Cultura de Betim

Artista visual: William Mota - O Marginal Fotos: Fernanda Carvalho Técnica: Instalação com pinturas em spray e caneta posca (15 blocos de madeira – 1m X 1m).

“A arte efêmera de “Encaixe Caixas Negras” traz a cultura negra e suas africanidades impressas em 15 blocos de madeira soltos no espaço, que convidam o espectador a intervir na obra e modificar

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lei estadual de incentivo à cultura: os benefícios e as distorções das novas contrapartidas para uma política pública cultural em minas gerais


, por Val茅ria Said T贸taro


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esde sua implantação, em 1997, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais (LEIC) consiste em permitir que as contribuições de pessoas físicas e jurídicas aos projetos culturais sejam deduzidas do imposto estadual (ICMS) devido pelas empresas. E, como acontece com o modelo federal, esse mecanismo também é alvo de controvérsias e debates sobre sua verdadeira contribuição para o desenvolvimento cultural. E a discussão acirrou-se ainda mais quando, a partir de 24 de maio de 2013, em resposta a reivindicações de membros da classe cultural mineira, foi publicada, no Minas Gerais1, a Lei 20.694, de 23 de maio de 2013, que reduz, por 10 anos, o percentual de contrapartida das empresas2. Segundo a Secretaria Estadual de Cultura3, as atuais regras que alteram a Lei 17.615/2008, incentivam, principalmente, a participação de empresas pequenas e médias.

Em tese, as contrapartidas teriam por objetivo precípuo educar o empresariado a mobilizar parcela dos recursos próprios das empresas incentivadoras em projetos artísticoculturais. Mas a redução abrupta no percentual da contrapartida mineira dos 20% para no máximo 5% atuais parece seguir a cartilha pedagógica do mercado, pois o propósito é atrair novos investidores, que antes não utilizavam a LEIC, devido à obrigatoriedade de aportar os 20% de recursos próprios nos investimentos.

Na versão original da LEIC, a empresa incentivadora tinha direito a deduzir 80% do valor investido no projeto cultural, sob a forma de renúncia fiscal do ICMS, sendo que os 20% restantes deveriam ser repassados diretamente ao projeto, a título de contrapartida, sem direito a abatimento. Agora, após a publicação da Lei 20.694, a renúncia fiscal das empresas incentivadoras participantes poderá ser de 99%, 97% ou 95%, e a contrapartida de 1%, 3% ou 5%, dependendo do porte da empresa4. E, como particularidade do mecenato mineiro, essa contrapartida pode ser dada tanto em recursos financeiros como em serviços e

Mas, com as novas mudanças ocorridas nas contrapartidas da Lei de Incentivo à Cultura de Minas Gerais, quais os benefícios e as distorções para uma política pública cultural no Estado? Para entender melhor as implicações dessas mudanças foram entrevistados produtores, gestores culturais e a Secretária Estadual de Cultura, via e-mail. As entrevistas foram feitas em dezembro de 2013. Mas o tema continua na ordem do dia, tendo em vista que, em 10 de julho de 2014, no jornal O Tempo, foi divulgada uma carta aberta de 65 artistas e empreendedores mineiros7, na qual criticam o esgotamento, ainda no primeiro semestre

1 Disponível em: <http://www.fazenda.mg.gov. br/ empresas/legislacao_ tributaria/leis/2013/l20694_2013.htm>. Acesso em: 1º jul.2013

5 CORRÊA, Marcos Barreto. Do marketing ao desenvolvi-mento cultural: relacionamento entre empresas e cultura; reflexões e experiências, Belo Horizonte, 2004, p. 68.

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As mudanças na Lei Estadual de Incentivo à Cultura foram feitas com base em conversas mantidas entre o Governo do Estado e Grupos de Trabalho – GT da LEIC com produtores, agentes culturais e artistas.

materiais, o que, para o publicitário e especialista em Marketing Cultural, Marcos Barreto5, contribui para envolver os funcionários da empresa com atividades culturais, num claro movimento estratégico de marketing do setor. Outra singularidade da legislação é a possibilidade de empresas com crédito tributário inscrito em Dívida Ativa do Estado, há mais de 12 meses, terem desconto de valores por meio de patrocínio a projetos aprovados na LEIC6.

3 Secretaria Estadual de Cultura. Disponível em: <http://www.cultura. mg.gov.br/cidadao/a-lei/editais-abertos#navigation-start> Acesso em: 12 dez. 2013.

6 Conforme a Lei 20.540, de 14 de dezembro de 2012, empresas inscritas há mais de doze meses, contados da data do requerimento do incentivador, podem incentivar projetos culturais e obter desconto de sua dívida em até 25%. O sistema anterior determinava que aquelas com dívida inscrita até 31 de outubro de 2007 poderiam quitar o valor do débito com desconto de 25%, se apoiassem projeto cultural.

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ALMG aprova projeto que altera a lei estadual de incentivo à cultura. Disponível em: <http://www.cultura.mg.gov.br/component/content/ article/205-mais-noticias/1535-almg-aprova-projeto-que-altera-a-leiestadual-de-incentivo-a-cultura> Acesso em: 12 dez 2013

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Íntegra da Carta Aberta, endereçado à Secretaria de Estado de Cultura, em 10/07/14: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/ magazine/artistas-divulgam-carta-aberta-criticando-mau-uso-da-lei-deincentivo-1.880954. Acessado em Acessado em 10/07/2014, às 23h.

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de 2014, da renúncia fiscal da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais8 e questionam a má administração da LEIC, com a aprovação indiscriminada de projetos e a omissão do governo em estabelecer uma política pública de fato para a Cultura em Minas Gerais9. Uma das explicações para os recursos terem se esgotado é a mudança na legislação que reduziu a contrapartida em recursos próprios de 20% para 1% no caso de pequenas empresas patrocinadoras, 3% para as médias e 5% para as grandes. Com efeito, o setor cultural já estaria ensaiando pedir a volta dos antigos 20%, alegando que a Lei Estadual de Incentivo à Cultura estaria cada vez mais “jogando a favor dos empresários” e prejudicando os artistas10. E no dia 15 de julho de 2014, a Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais respondeu aos questionamentos contidos na carta aberta enviada pelos artistas e instituições culturais, quais sejam: 1) Quais projetos captaram os R$ 79 milhões de renúncia fiscal, que valores cada um recebeu e quais são as empresas patrocinadoras, em cada caso? 2) Qual parcela da renúncia fiscal de 2014 foi consumida pelos projetos de 2013? 3) Qual parcela da renúncia fiscal de 2014 foi direcionada para projetos que tenham originalmente ou eventualmente ligações como carnaval e a Copa do Mundo? 4) Qual parcela da renúncia fiscal de 2014 contemplou equipamentos culturais do próprio Estado de Minas Gerais ou de instituições a ele ligadas direta ou indiretamente?11

E, em 18 de julho, Conselheiros do 8 Pautando Minas, “Acaba o dinheiro para 2014 da Lei Estadual de Incentivo à Cultura”, 03/07/14. http://www.pautandominas.com.br/en/May2013/ minas_gerais/769/Acaba-o-dinheiro-para-2014-da-Lei-Estadual-deIncentivo-%C3%A0-Cultura.htm. Acessado em 10/07/2014, às 23h15.

Conselho Estadual de Política Cultural - CONSEC junto com os membros da sua Câmara Regional Consultiva composta pelos delegados eleitos para a 3ª Conferência Nacional de Cultura assinaram a Carta de Minas12, na qual, defendem, entre outros itens, “a imediata revisão da Lei Estadual de Incentivo à Cultura antes que a mesma entre em colapso. A revisão exige discussões, debates e estudos técnicos, sem decisões acaloradas e partidarizadas”.

Para a Gerente de Arte e Cultura da Fundação ArcelorMittal Brasil, Adriana do Carmo, as contrapartidas têm o objetivo de tentar mudar a “mentalidade empresarial” sobre o processo de patrocínio cultural, mas explica que somente por meio de pesquisas terá condições de mensurar a eficácia dessa estratégica de educar o empresariado para aportar recursos próprios em projetos artístico-culturais:

“As leis de incentivo preconizam uma participação do empresariado nas ações de cultura e nas decisões do que é relevante de se investir,

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Jornal O Tempo, “Artistas divulgam carta aberta criticando mau uso da Lei de Incentivo”, 10/07/14. http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/ magazine/artistas-divulgam-carta-aberta-criticando-mau-uso-da-lei-deincentivo-1.880954, Aacessado em 10/07/14, às 22h43. 10

Pautando Minas,“Acaba o dinheiro para 2014 da Lei Estadual de Incentivo à Cultura”, 03/07/14. http://www.pautandominas.com.br/en/May2013/ minas_gerais/769/Acaba-o-dinheiro-para-2014-da-Lei-Estadual-deIncentivo-%C3%A0-Cultura.htm. Acessado em 10/07/2014, às 23h15.

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11 Íntegra da resposta da Secretaria Estadual de Cultura de Minas Gerais. < http://www.cultura.mg.gov.br/images/documentos/Resposta%20da%20 SEC%20%C3%A0%20Carta%20Aberta%20sobre%20Lei%20Estadual%20 de%20Incentivo%20%C3%A0%20Cultura%20-%20julho%202014.pdf > Acessado em 16/07/14,às 13h56. 12 Leia a Carta na íntegra em http://www.mucurycultural.org/2014/07/acarta-de-minas-e-o-plano-estadual-de.html. Acessado em 31/07/14, 8h48

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a partir de um olhar da organização. A intenção é que a médio e longo prazo esta ação seja incorporada as outras ações de comunicação e/ou responsabilidade social da empresa, de modo que o uso do incentivo se torne cada vez mais baixo com o passar dos anos e a lei possa vir a se extinguir. A

intenção com a criação do mecanismo é de induzir que o empresariado venha utilizar de recursos próprios para o investimento no longo prazo. Entretanto, não existem hoje pesquisas substanciais sobre mudanças de mentalidade dentro das organizações a partir do uso do mecanismo fiscal, assim sendo, qualquer opinião a respeito pode se tornar uma análise selvagem, sob uma ótica particular, visto que não há dados quantificáveis. Acredito que uma avaliação mais eficaz deste cenário precisa ser precedida de pesquisas, algo pouco utilizado no segmento cultural para tomada de decisão em momentos de mudança.” Já Bruno Barroso, um dos diretores da Nexo Investimento Social, é categórico ao afirmar que as alterações na LEIC não vão mudar a mentalidade do empresariado, mas facilitar o convencimento de empresas que ainda não são incentivadoras: “Não acredito que a mudança na LEIC vai mudar a mentalidade do empresariado, mas certamente vai facilitar que alguns recursos que antes estavam bloqueados

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pela dificuldade de viabilizar internamente a contrapartida de 20% cheguem ao mercado. Não estamos discutindo aqui os méritos dessa alteração na lei enquanto política pública para a Cultura, mas para a captação de recursos facilita. De qualquer forma, pensando única e exclusivamente nessa mudança que foi feita na LEIC, acho que facilita o convencimento de empresas que ainda não investem nas leis. Esse é um caminho que o mercado cultural tem que seguir, não adianta ficar indo atrás das mesmas empresas sempre - identificamos por meio de uma pesquisa, por exemplo, que 90 das 200 maiores empresas pagadoras de ICMS ainda utilizam a LEIC. [...] Diferentemente de parte do setor cultural, que de certa forma demoniza as leis de incentivo, nós temos uma visão mais positiva desses mecanismos. Acreditamos muito mais num modelo em que o processo de decisão é pulverizado e que dá mais opções para o proponente captar recursos do que um cenário em que o Estado é única e exclusivamente o tomador de decisão da destinação dos recursos. Temos convicção e indícios de que muitos projetos relevantes não seriam viabilizados se não fosse pelo apoio de empresas com os incentivos. Diante disso, acreditamos

que as mudanças na LEIC podem sim incentivar que empresas passem a aderir aos mecanismos ou até mesmo ampliar o montante que investiam anteriormente, diante da menor necessidade de investir recursos próprios.”

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Os benefícios das mudanças nas contrapartidas da LEIC são justificados pela advogada especializada em Direito Cultural, Alessandra Drummond: “Acredito que a diminuição do montante de contrapartida do patrocinador somada ao aumento do percentual de ICMS passível de aplicação em projetos culturais ampliarão o espectro de utilização da LEIC por empresas de pequeno e médio porte, até então alijadas do processo em virtude de montante de seu faturamento e, consequentemente, do pequeno percentual de ICMS disponível para investimento. Em relação à diminuição da contrapartida para empresas de grande porte entendo que a LEIC foi ao encontro ao que já é realizado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura e pela Lei do Audiovisual e, recentemente, pela Lei Estadual de Incentivo ao Esporte (MG), tornando o mecanismo mais competitivo. Importante entender que sem tais medidas o patrocínio simplesmente não acontece, ainda mais em momentos de crise financeira. Além disso, vê-se

que tais mecanismos de incentivo à cultura tem a grande vantagem de ser praticamente o único meio legal de possibilitar o repasse de recursos públicos à cultura, de forma direta (leia-se, sem passar diretamente pelo “caixa” dos governos). Isso porque não existem atualmente formas legais mais eficientes ou dinâmicas para repassá-los por meio do

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Estado, principalmente no caso de proponentes pessoas físicas e pessoas jurídicas com fins econômicos. Por outro lado, vê-se

que os legisladores têm criado mecanismos para dar mais retorno aos investimentos em projetos de menor apelo mercadológico (como é o caso do art. 18 da Lei Rouanet), além de estabelecer alguns tipos de fundos e editais especiais para tais casos, na tentativa de equilibrar a questão.” Mas para o jornalista, empreendedor e ativista cultural Israel do Vale, as reduções nas contrapartidas são um contrassenso: ele questiona o sentido de se manter empresas nessa operação de renúncia fiscal para o incentivo cultural: “A redução das contrapartidas é um contrassenso. O objetivo original das leis de incentivo era recompor o estado calamitoso da política do ex-presidente Collor, que deixou o setor cultural em escombros. A prática de contrapartidas tem um caráter pedagógico. A

intenção é oferecer o benefício da renúncia fiscal para seduzir o investidor privado e mostrar a ele, na prática, que o investimento em cultura traz vantagens para a empresa e a sociedade. O percentual de “dinheiro bom” que o empresário deveria colocar aumentaria os

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recursos disponíveis para o setor e criaria um círculo virtuoso, de comprometimento com o interesse público. Em

Minas Gerais, a opção da contrapartida em serviços ou produtos já desvirtuou isso. Algumas empresas começaram a oferecer visibilidade nos seus sites como forma de contrapartida. Companhias siderúrgicas passaram a propor a entrega de vergalhões de aço para montagens teatrais. Isso quando as coisas não descambam para a corrupção o que, infelizmente, virou uma prática entre certas empresas, que condicionam o patrocínio à devolução da contrapartida em dinheiro por debaixo dos panos, sabe-se lá se para um “caixa 2” ou para o bolso do próprio funcionário responsável pela área. Em suma, reduzir a contrapartida a valores simbólicos como se fez é um paliativo, que em vez de enfrentar o problema real da dificuldade de captação, tenta contorná-lo. Na prática, é oferecer menos do mesmo. Não só não resolve o impasse atual, como tende a agravá-lo. É uma cortina de fumaça, que tenta encobrir a opção equivocada que norteia as decisões nas políticas públicas em geral hoje, não apenas na área cultural: o esforço em atender os interesses do setor privado, em detrimento dos da população. Se o incentivo cultural é lastreado quase que integralmente em renúncia fiscal e essa ação não gera dinheiro novo para o setor, vindo do caixa da iniciativa privada, qual o sentido de manter uma empresa no meio dessa operação? Nessa lógica, o patrocinador torna-se um mero atravessador de recursos públicos, sem nenhum compromisso com o interesse público”. O produtor e diretor geral da Associação Mucury Cultural, Bruno Bento, também questiona a eficiência das mudanças

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nas contrapartidas, demonstrando o impacto da redução drástica dos investimentos próprios das empresas no aporte cultural mineiro: “[...] na prática esta mudança da LEIC parece um engodo. Sem o aumento do limite de isenção fiscal, haverá aumento de patrocinadores? Haverá diminuição de recursos no mercado cultural, uma vez que a contrapartida agora não será muito significativa. Teoricamente se a contrapartida fosse mantida teríamos cerca de 14 milhões de reais no mercado, agora com a contrapartida máxima, teremos no máximo 3 milhões e meio mais ou menos.” E para o supervisor de pesquisa do Observatório da Diversidade Cultural e coordenador de projetos culturais do Sesc/MG, José de Oliveira Júnior, as mudanças nas novas regras só beneficiam as empresas em detrimento dos artistas: “Não acredito que estas alterações possam trazer a mudança de mentalidade do empresariado.O princípio de financiamento no ambiente corporativo será sempre o privado, ou seja: quanto menor o investimento com maior retorno de imagem, melhor. Com relação aos artistas, a dúvida é de outra natureza: como pensar em 508 milhões aprovados para uma renúncia de apenas 70 milhões? A mudança nos patamares de renúncia beneficia, em última instância, apenas as empresas, que praticamente não terão que injetar recursos próprios”. José Júnior explica que o mais importante não é analisar somente a questão da contrapartida, mas o contexto no qual a mudança ocorreu: “Ao aprovar todos os projetos que não apresentem problemas de documentação, o estado abre mão de uma das únicas formas de atuação neste mecanismo, onde poderia optar por projetos que tivessem maior vínculo com o interesse público ou que atendessem

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às prioridades da política pública. Assim, a alteração dos percentuais de participação própria dos empresários já nasce viciada de origem, uma vez que dá a impressão de beneficiar os artistas e grupos, facilitando a captação, mas na verdade dilui a possibilidade de a LEIC beneficiar artistas que têm efetivamente necessidade de incentivo.” Outra distorção da LEIC é apontada pelo presidente do Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas (Sinparc), Rômulo Duque Azevedo: órgãos ligados ao estado concorrerem aos recursos da lei estadual em igual condição com os demais produtores. Segundo Duque, essas distorções acontecem porque as leis de incentivo são entendidas como única alternativa de financiamento à cultura: “O mecanismo de incentivo está prejudicado por ser o único instrumento real de apoio ao setor cultural. O Orçamento do Estado é insuficiente, inclusive para as atividades fins do mesmo. Suas instituições têm, para sobreviver, recorrido ao mecanismo de Incentivo Fiscal Estadual. Isso é uma distorção. Ou seja, o próprio governo é captador de recursos. Se a redução da contrapartida traz como beneficio a ampliação de recursos disponíveis para o setor junto ao empresariado, também trouxe um problema junto: as próprias empresas passam a utilizar esta redução em suas próprias fundações até então patrocinadas pela Lei Federal. Então, o produtor independente, fica mais uma vez fragilizado.” Como o governo vai fiscalizar, de forma eficiente e eficaz o pagamento dessas contrapartidas, é o questionamento feito pelo membro titular do Segmento Literatura, Livro e Leitura do Conselho Estadual de Política Cultural (ConsecMG), Aníbal Macedo: “A contrapartida obrigatória é um avanço. A empresa precisa, no caso de utilizar recursos de incentivo fiscal, dar sua cota de publicidade. O problema reside em dois

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aspectos: O Estado não consegue fiscalizar o pagamento da contrapartida e, em muitos casos, o captador e a empresa burlam o pagamento. Acredito que em época de crise econômica precisamos flexibilizar sim, mas neste caso a empresa precisaria discutir abertamente o problema. Veja a Usiminas e a ArcelorMittal: Se no balanço anual elas tem prejuízo, automaticamente cairia a contrapartida obrigatória. No caso das empresas menores, a contrapartida pequena deveria ser paga obrigatoriamente em dinheiro, com depósitos controlados. Mas o Estado não consegue controlar isso.” Em resposta ao problema de fiscalização desses pagamentos das contrapartidas, a Secretária de Estado de Cultura, Eliane Parreiras, invocou o que está previsto na Instrução Normativa 03/2013, Capítulo VI Seção I, Art6: “deverão ser comprovados os repasses das contrapartidas obrigatórias através do fornecimento dos documentos comprobatórios hábeis, tais como notas fiscais, faturas, recibos, contratos e declarações a serem apresentados na Prestação de Contas do projeto”.

Se há divergências de opiniões sobre as mudanças nas contrapartidas da LEIC, um fato é consenso entre os entrevistados: o financiamento da cultura via renúncia fiscal não deve se concentrar como única alternativa viável e o fortalecimento do Fundo Estadual de Cultura (FEC) é categoricamente defendido por todos. Como explica o diretor

da NexoInvestimento Social, Bruno Barroso, é necessário que o Governo amplie mecanismos para fortalecer iniciativas culturais com menor potencial de captação de recursos, como o FEC:

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“A disponibilidade de recursos hoje é mínima quando comparada aos incentivos fiscais e uma boa parcela dos quase 1.700 projetos aprovados na LEIC, na nossa avaliação, tem pouco perfil de captação junto às empresas. Para esses projetos, é preciso que haja uma fonte de financiamento alternativa principalmente quando se sabe que somente 20% desses projetos vão captar quando se compara o valor total autorizado a captar e o limite de renúncia fiscal usualmente estabelecido pela Fazenda em Minas Gerais.” Outros mecanismos de financiamento à cultura, como editais setoriais mantidos por recursos diretos e a criação de editais regionais, também foram propostos pelo gestor cultural do Música Minas, Israel do Vale: “Além do fortalecimento do Fundo Estadual de Cultura e do ICMS Cultural, outra ação inovadora do estado, que precisa ser aperfeiçoada e fortalecida; defendo uma dinâmica de editais setoriais, por exemplo, mantidos por recursos diretos. Minas Gerais já tem algumas ações importantes nesse sentido, como o Cena Minas, o Filme em Minas e o Música Minas, do qual sou um dos gestores no momento. No caso do Música Minas, por exemplo, há uma ousadia bastante saudável, da construção compartilhada de políticas públicas entre as entidades do setor, reunidas em torno do Fórum da Música de Minas Gerais, e o Governo de Minas, via Secretaria de Cultura. Os recursos são tímidos ainda, mas já é um avanço. Só os editais setoriais podem ser capazes de atender demandas específicas como as das manifestações das culturas populares ou do hip hop. Também sou a favor da criação de editais regionais, que possam confrontar propostas da mesma realidade cultural --inclusive em termos de capacitação.”

do Conselho Municipal de Política Cultural (Comuc-BH), Aníbal Macedo, defende os consórcios intermunicipais, “que podem ajudar a profissionalizar o segmento através da criação de polos de produção cultural com recursos de fomento vindos do Estado e União”. Para Alessandra Drummond, toda a questão passa pela parca quantidade de recursos destinados à cultura pelos governos. Assim, urge, segundo a advogada, a aprovação de mecanismos como o previsto na PEC 15013, em trâmite no Senado Federal, que estipula patamares mínimos de aplicação obrigatória no investimento à cultura pelos entes federativos. Ao ser questionada sobre outros dispositivos a serem criados ou reformulados com a finalidade de ampliar os recursos e o acesso democrático à cultura, a partir de uma diretriz de descentralização, a Secretária Eliane Parreiras fez o seguinte apontamento: “O Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura, iniciou, no ano de 2013, o Programa Minas Território da Cultura, que visa à descentralização e regionalização das ações culturais em Minas Gerais, realizando ações em todas as macrorregiões do Estado. Além das diversas capacitações sobre os mecanismos de Fomento e Incentivo à Cultura, com o intuito de que os municípios tenham um maior conhecimento sobre os Editais e ações, a SEC começou a realizar o Seminário de Investimento Cultural, com o foco prioritariamente para as empresas que deduzem o ICMS, sejam elas de grande, médio ou pequeno porte. São essas as ações realizadas pela SEC que buscam descentralizar toda a produção cultural e ainda incentivar, cada vez mais, empresas de diversas regiões a investir em Cultura”. Além de também reforçar o FEC para as cidades do interior, o escritor e comunicador José de Oliveira Júnior sugere 13

O também titular do Segmento Literatura, Livro e Leitura

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A PEC 324/2001 reúne outras duas PECs: a 150/2003 e a 310/2004, chamada PEC de recursos para a Cultura.

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a qualificação de artistas e grupos artísticos, produtores e demais profissionais do setor para a elaboração de alternativas de financiamento e, principalmente, de aproximação com os públicos, com planos de bilheteria, de fidelização, de financiamento coletivo, entre outros. Com efeito, a ênfase na defesa do fortalecimento do FEC e de outras formas de financiamento à cultura, para além da renúncia fiscal, pode ser entendida como o esvaziamento da dimensão pública da cultura, que se traduz na ausência de uma política pública cultural. Explico: o governo, ao priorizar o mecenato, na verdade, estaria se afastando de sua responsabilidade em formular políticas públicas para o setor. Mas qual deve ser o foco dessas políticas? A população, os produtores ou os artistas? A Secretária de Estado enfatiza que “as políticas públicas culturais devem abranger toda a cadeia produtiva da cultura, desde a criação, exibição, circulação e formação, e ainda ter um foco para os agentes relacionados ao setor como os gestores públicos, artistas, produtores e sociedade como um todo”. No entendimento do presidente do Sinparc, Rômulo Duque, as politicas públicas do setor devem ter como foco a população: “Mas isso só será possível fortalecendo os que fazem a cultura: o produtor e o artista”. O jornalista Israel do Vale também afirma que o destinatário de todas as políticas públicas deveria ser sempre o cidadão: “Mas como o Estado não é capaz de atuar tão diretamente nas pontas o tempo todo. Por isso, precisa de agentes com legitimidade para mediar essa relação. Os artistas, produtores e demais agentes da cadeia criativa e produtiva da cultura são (ou deveriam ser) esse posto avançado do poder público, nas pontas”. Entretanto, Israel faz ressalvas: “política pública voltada para atender demanda de artista que comece e acabe nele mesmo e não reverta isso em algo acessível e de interesse público, é um equívoco”. Já Drummond afirma que políticas públicas para o setor devem abranger todos, “pois se complementam e se retroalimentam. Deve-se fazer valer os direitos culturais em toda sua plenitude, o que envolve o fomento da criação, da produção e da fruição dos bens e serviços culturais”. A mesma opinião tem o Conselheiro do Comuc-BH e do

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Conser-MG, Aníbal Macedo, que justifica:

“[...] Uma política pública voltada para o setor cultural tem que pensar no fortalecimento do negócio cultura. Não se pode pensar em cultura como apresentação artística. Temos que pensar que a cultura é uma indústria ligada ao entretenimento, lazer, educação e igualdade social.” Bruno Barroso, da Nexo, também compartilha da ideia de que o foco de uma política cultural consistente deve pensar em todos os elos da cadeia produtiva, pois, segundo ele, “não tem produção cultural sem artistas e produtores”. Mas pondera: “também não faz sentido focar exclusivamente neles os incentivos, sem que se faça uma conexão clara com a população”. E faz a seguinte crítica: “A própria LEIC é um reflexo desse impasse: a lei não estabelece critérios que permitem eliminar determinados projetos pelo seu mérito - hoje é meramente uma questão documental e se a ação se configura ou não como cultural. Com isso, 90% dos projetos têm sido aprovados e a sensação de que ninguém consegue captar aumenta, já que é muita gente brigando por pouco recurso. Será que realmente tudo aquilo que está sendo aprovado vai beneficiar a população e gerar algum impacto social? Tem hora que a gente se depara com situações que o projeto é mais pra quem realiza do que pra quem vai ser beneficiado.”

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Por fim, o professor José Júnior, ao pensar sobre o foco das políticas públicas, problematiza a diversidade das necessidades de cada público envolvido no universo das políticas culturais: “É importante que se pensem as reais necessidades de cada um dos agrupamentos e se estabeleçam perspectivas e prioridades para todos. Valorizar somente “a população” pode não significar formação de públicos, se for baseada apenas nos desejos e aspirações das pessoas (que tendem a valorizar e reconhecer apenas o que conhecem). Valorizar somente “os produtores” pode ser beneficiar um tipo de intermediário que nem sempre tem a ver com a atividade artística (há exceções, claro. Além do que os produtores culturais são importantes elementos do universo da Arte, bastando diferenciá-los dos que são apenas produtores de eventos e querem somente ganhar dinheiro com os artistas). Por sua vez, valorizar somente os artistas pode significar não atender à diversidade de criação existente, vez que a maioria dos artistas tenderia a imaginar que sua produção artística deveria sempre ser prioridade.” Entre as evidências e as inferências que sustentam as considerações finais desse artigo, a partir das opiniões dos entrevistados sobre os benefícios e as distorções das mudanças nas contrapartidas da LEIC para uma política pública cultural em Minas Gerais, pode-se dizer que, se por um lado, a LEIC tem contribuído para a profissionalização e o aporte de recursos no desenvolvimento cultural mineiro, por outro, suas distorções têm justificado a ausência do Estado como formulador e indutor de políticas públicas14. Os pressupostos defendidos pelo Estado para as mudanças nas contrapartidas, quais sejam, a descentralização de recursos e o aumento da participação de empresas no interior no montante captado são legítimos. Mas também é real o argumento de que a redução abrupta da contrapartida

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na LEIC não diminui o poder de decisão concentrado em um grupo de empresas do que deve ou não ser incentivado no mercado cultural, sem que elas invistam quase nenhum recurso próprio. Afinal, uma empresa que promove sua marca com apenas 1% adicional de dinheiro próprio está se valendo de dinheiro 99% público para gerar lucro, sem devolver o suficiente para a sociedade. É bom lembrar que, para o Tribunal de Contas da União, recursos de isenção fiscal são públicos justamente por terem sua origem em impostos e recolhimentos feitos pelo Estado. Portanto, receber recurso público sem oferecer contrapartida suficiente pode representar apropriação indevida de verba que teria destinação social e coletiva e usála para fins particulares, em proveito da empresa, como rebate o jornalista Israel do Vale15. É preciso refletir sobre até que ponto as mudanças nas contrapartidas da LEIC vão alterar o diagnóstico atual desse modelo de financiamento à cultura, no qual as empresas e as regiões mais abastadas economicamente são privilegiadas em detrimento de uma política pública cultural de descentralização e interiorização16. As ponderações dos entrevistados só reforçam o fato de que é impossível implementar uma política cultural no Estado mantendo somente esse modelo dominante de financiamento público via renúncia fiscal. É preciso

que o governo mineiro promova mais debates sobre o tema com a sociedade, os artistas, os em14

Nesse ponto, é de extrema relevância registrar a assinatura do Termo de Adesão do Estado de Minas Gerais ao Sistema Nacional de Cultura (SNC) , em 16 de dezembro de 2013. Minas, até então, era o único Estado que ainda não havia aderido ao SNC. Pode-se dizer que a aderência da Secretaria Estadual de Cultura ao SNC foi a ‘contrapartida’ dos debates ocorridos na III Conferência Nacional de Cultura (III CNC), em 2013, cujo tema central foi “Uma Política Nacional de Estado para a Cultura: Desafios do Sistema Nacional de Cultura” . O Ministério da Cultura elaborou uma cartilha sobre o SNC e publicou uma Revista contando tudo o que aconteceu na Conferência de 2013 pelo olhar dos organizadores e dos participantes, cuja visão convergente sobre esse modelo de gestão representa a possibilidade de valorização da imensa diversidade cultural brasileira. MINISTÉRIO DA CULTURA. Cartilha do Sistema Nacional de Cultura. Disponível em: <http://conferenciadecultura.files.wordpress. com/2013/11/cartilhas_secult_set13_sistema-nacional-de-cultura_ final.pdf> Acesso em: 23 dez 2013.

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preendedores e os gestores culturais, tendo como principal pauta discutir outros dispositivos a serem criados ou reformulados com a finalidade de ampliar os recursos e o acesso democrático à cultura, a partir de uma diretriz de descentralização. Uma sugestão seria

utilizar o dispositivo previsto na Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010 e buscar assegurar para o FNC o mínimo de 10,0% dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal (meta 50 do Plano Nacional de Cultura), destinando-os integralmente para repasses aos Estados e Municípios17. Enfim, o desenvolvimento cultural em Minas Gerais está em pauta. Mas é preciso uma mobilização de toda a sociedade para que o governo assuma seu papel de protagonista (e não somente de incentivador) na concretização de políticas públicas para o setor. A começar por uma discussão pública e ampla sobre os impactos das mudanças nas contrapartidas da LEIC, a fim de que o cenário cultural mineiro seja melhor e diferente do que é.

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QUIROGA, Helder et al. Mudar a lei de incentivo para manter tudo como está. 19 março 2013.Disponível em: <http://revistaforum.com.br/ blog/2013/03/mg-mudar-a-lei-de-incentivo-para-manter-tudo-comoesta/> Acesso em 12 dez 2013. 16 Segundo a Secretaria Estadual de Cultura, o resultado das mudanças da LEIC será avaliado ao final do terceiro ano de vigência do Governo, em 23 de maio de 2016, pelo Poder Executivo em articulação com a Assembleia Legislativa, municípios e sociedade civil. 17 MINISTÉRIO DA CULTURA. Cartilha do Sistema Nacional de Cultura. Disponível em: <http://conferenciadecultura.files.wordpress. com/2013/11/cartilhas_secult_set13_sistema-nacional-de-cultura_ final.pdf > Acesso em: 23 dez 2013.

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ROCHA, Soares Elisabeth. A trajetória das políticas públicas de cultura no Brasil. Disponível em: <http://www.uff.br/niepmarxmarxismo/MM2013/Trabalhos/Amc213. pdf> Acesso em: 12 dez. 2013. RUBIM, Antonio; BARBALHO, Alexandre. (org.) Políticas Culturais no Brasil.Edufba, Salvador, 2007. SECRETARIA ESTADUAL DE CULTURA DE MINAS GERAIS. Disponível em: <http://www. cultura.mg.gov.br/> SESI/DN. Estudos das leis de incentivo à cultura. Brasília, 2007. 2 v. Disponível em: <http://www2.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/11/ sesivol_04.pdf>Acesso em 01 jun. 2013. WANDER, Edson. Yacoff fala sobre as leis de incentivo. 28 abril 2006. Disponível em:<http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Yacoff-Sarkovas-fala-sobreleis-de-incentivo-a-cultura/12/10072> Acesso em: 12 ago.2013

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POEMAS D’O MENINO, A CANOA E O RIO


, de ClaĂşdio Bento


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Poemas D’O Menino, A Canoa e o Rio


LEMBRANÇA DOS VELHOS TEMPOS

Minha avó Cozinhava feijão no fogão de lenha Coava café em chuculateiras Lisava lençóis com ferro de brasa Lavava roupa no rio Buscava lenha no mato Depois sentava na porta da rua Nossa televisão era a lua Do livro inédito O Menino, A Canoa E O Rio

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NA FEIRA DE ARAÇUAÍ

Na feira de Araçuaí O tempo é uma incógnita O sol sobre as frutas Parece eterno Aquele povo moreno e sofrido Parece eterno Parece Encarnado naquela paisagem Parece eterno Aquele burburinho de vozes e cheiros Cheiro de gente Cheiro de fumo de rolo Cheiro de pequi Cheiro de cachaça Cheiro de ervas aromáticas Na feira de Araçuaí O tempo parece estagnado e cru Apenas o que move a vida É esta luta insana e arredia Pelo pão de cada dia

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Poemas D’O Menino, A Canoa e o Rio


O CÉU DA MINHA INFÂNCIA

Quando menino Acostumei A lançar meus olhos no céu Nele Eu via Balões coloridos nas noites de são João Via bandos de ariris e borboletas azuis Via araras cor de sangue rasgando as nuvens Hoje quase que não tenho tempo Para olhar o céu Mas o imenso céu azul da minha infância Ainda mora em meu coração Do livro inédito O Menino, A Canoa E O Rio.

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PARAÍSO PERDIDO


, por Jo達o Werner


N

ão há tráfico de óleo de fígado de bacalhau porque óleo de fígado de bacalhau, embora saudável, tem péssimo gosto. Só há vício naquilo que, sendo ou não proibido, é gostável. Por isso, como bem sabe todo viciado, nenhuma droga é uma droga, e não há campanha de boas intenções que prove o contrário. Depois de ouvir o canto da sereia, só resta mergulhar atrás do objeto do seu desejo. Por que você acha que sabe como os outros devem morrer? Ou gastar o tempo? Ou o dinheiro? Que culpa tem alguém de amar o que não lhe ama? Extrato da Exposição Paraíso Perdido.

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Paraíso Perdido


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ParaĂ­so Perdido


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ParaĂ­so Perdido


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