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fala sobre seu trabalho como pesquisadora de uma das doenças mais letais do mundo: o câncer
a Dra. Samira de Campos Grifoni tem um currículo invejável. Natural de araraquara, interior de São Paulo, ela é farmacêutica-bioquímica graduada pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP, além de mestre e Doutora pelo Departamento de Farmacologia da Faculdade de medicina da USP de ribeirão Preto. residente há 17 anos em Jackson, no mississippi, seu pósdoutorado foi realizado no conceituadíssimo Departamento de Fisiologia da Escola de medicina do University of mississippi medical Center. É lá que essa mulher casada e mãe de dois filhos atua como pesquisadora e educadora, dedicando sua carreira a entender as causas do câncer para aprimorar os métodos de detecção precoce, prevenção e tratamento da doença.
O que a levou a se tornar pesquisadora?
antes mesmo de terminar o curso de Farmácia, eu já tinha um forte desejo de permanecer no meio acadêmico como docente e pesquisadora científica. após minha graduação, cheguei a trabalhar tanto em farmácia quanto na área de produção de medicamentos, mas ambas experiências apenas reforçaram minha inclinação professional para a vida acadêmica. Foi quando decidi voltar pra universidade e fazer pós-graduação em Farmacologia. Ser Cientista, especialmente na área de câncer é, depois da minha família e de ser mãe, uma das minhas maiores realizações pessoais. Explique o que é o câncer. De forma simplista, o câncer é geralmente considerado uma doença genética. Células cancerígenas são células geneticamente instáveis, que crescem e se proliferam muito rapidamente, sendo capazes de invadir tecidos vizinhos e até mesmo colonizar órgãos distantes de sua origem (a metástase). em outras palavras, células cancerígenas sofrem mudanças genéticas em velocidade absurdamente rápida. E é esse aumento na diversidade genética, durante o desenvolvimento do câncer, o fator primordial e predominante que faz com que a cura da maioria dos cânceres seja dificultada.
Como as pesquisas sobre o câncer ajudam a preveni-lo?
O câncer é uma doença celular e acredita-se que é originada a partir de uma única célula que sofre uma mutação inicial e, ao se dividir, sofre mutações adicionais e ação de alguns eventos epigenéticos, tornando-se cancerígena. É necessário primeiro ter um conhecimento profundo dos processos que acontecem em uma célula normal, pois somente desta forma conseguimos desenvolver melhores tratamentos para tratar essa doença. pesquisas intensas na área da biologia celular e molecular têm ajudado a compreender melhor os fundamentos da biologia celular, especialmente os mecanismos de sinalização celular, ciclo celular, crescimento celular, apoptose (morte celular programada) e o controle da arquitetura do tecido. compreender a base molecular do câncer ajuda a melhorar os métodos de prevenção e definir qual o tratamento mais indicado para um paciente.
Qual a sua opinião sobre a Campanha Mundial do Outubro Rosa?
Segundo o National Cancer Institute, cerca de 281.550 mulheres serão diagnosticadas em 2021 com a doença somente nos Estados Unidos e aproximadamente 43.600 irão a óbito. É um dado alarmante, porém este número pode ser reduzido drasticamente se houver uma melhor conscientização da população sobre a importância da prevenção e diagnóstico precoce através dos exames de rotina e do autoexame. Ao contrário do que muitos acreditam, câncer de mama não é uma doença exclusiva do sexo feminino; homens também podem desenvolvê-lo, porém em porcentagem infinitamente menor. O principal alvo desta campanha é a mulher, pois o câncer de mama acaba afetando mais pilares importantes para ela, como por exemplo a remoção das mamas, perda dos cabelos durante o tratamento, redução da libido e perda da fertilidade feminina. Acredita-se que a prevenção é sempre melhor que a própria cura, e por incrível que pareça, muitos cânceres podem ser facilmente prevenidos. um exemplo sobre a eficácia da prevenção é evitar o hábito de fumar, o que reduz significantemente os riscos de se desenvolver o câncer do pulmão. no caso do câncer de mama, um fator muito importante é a descoberta precoce da doença. a maioria dos cânceres, ao serem detectados, já se apresentam em desenvolvimento há muitos anos e desta forma já contém bilhões de células cancerígenas, o que dificulta muito o tratamento. Daí a necessidade de se desenvolver métodos e programas, como a campanha do outubro rosa, capazes de conscientizar a população sobre a necessidade e a importância dos exames médicos de rotina, autocuidado e autoexame. Câncer de mama é sem dúvida um tema que precisa ser muito discutido e alertado, pois a prevenção pode salvar muitas vidas.
A pesquisa na área básica é o passo inicial para
o desenvolvimento de novas terapias para o tratamento das doenças. a pesquisa básica de hoje é o tratamento de amanhã. Desta forma, terapias contra o câncer são originalmente desenvolvidas em laboratórios de pesquisa experimental através de técnicas avançadas de biologia molecular. A pesquisa é importante pois possibilita estudar individualmente cada mecanismo ou alteração em uma célula cancerígena. O objetivo principal de nossos estudos é identificar novos “alvos” para o tratamento mais eficiente do câncer e identificar novos “biomarcadores” que poderão auxiliar em um diagnóstico mais preciso e precoce da doença. o principal interesse do nosso grupo de pesquisa é investigar o papel desempenhado por uma família de proteínas, em inglês chamada “eGFr/Her/erbb family of receptors”, sobre a etiologia e desenvolvimento do câncer. Nossos estudos são baseados em dados pré-estabelecidos na literatura científica que sugerem que uma desregulação nos mecanismos celulares que envolvem essa família de receptores desempenha um papel-chave no desenvolvimento de vários tipos de câncer. Estudos anteriores publicados pela The Women’s Health Initiative demonstraram que um membro dessa família de receptores, o EGFR circulante na corrente sanguínea, é o único biomarcador sanguíneo que tem a habilidade de prever e identificar mulheres em estágios iniciais do câncer de mama até 17 meses antes do diagnóstico clínico da doença. Alterações genéticas responsáveis por esta desregulação na síntese e função desses receptores têm sido extensivamente estudadas como possíveis biomarcadores de câncer. No entanto, a eficácia da utilização desses receptores como biomarcadores em vários testes clínicos tem sido extremamente frustrante, devido à incapacidade de prever com certeza quais os pacientes que irão responder de forma positiva ao tratamento. nosso grupo de pesquisa acredita que esses resultados insatisfatórios se devem ao fato de ainda não existirem anticorpos seletivos para a isoforma circulante do eGFr. desta forma, nosso laboratório, em colaboração com pesquisadores do National Cancer Institute, está desenvolvendo anticorpos específicos e ensaios biológicos mais seletivos e eficientes para detectar esta isoforma. Já estamos na fase final do desenvolvimento e caracterização desses anticorpos e estamos otimistas que eles poderão, em futuro próximo, ser utilizados no diagnóstico precoce do câncer e como uma forma de tratamento altamente efetiva. Um outro fator positivo das nossas descobertas é que, por serem bem mais baratos do que os medicamentos disponíveis, estes anticorpos poderão beneficiar um número maior de pacientes.
O que mais gosta em seu trabalho como pesquisadora? E qual o seu conselho para quem deseja se tornar cientista?
ser pesquisadora e educadora na maioria das vezes não me parece um trabalho. Ciência é uma paixão para mim. saber que trabalho em uma área que tem como objetivo desenvolver novas metodologias capazes de detectar o câncer antes mesmo de ele se apresentar no corpo do paciente é extraordinário. Como em qualquer profissão, ser pesquisador científico não é para todos. é necessário percorrer um longo caminho para adquirir todo o treinamento e formação necessários para exercer com maestria a profissão. É muito importante ter um otimismo constante e muita perseverança, pois são esses fatores que nos guiam durante as dificuldades vivenciadas no dia a dia em qualquer laboratório de pesquisa. várias universidades, tanto nos estados unidos quanto no Brasil, oferecem vários tipos de programas com o intuito de encorajar e preparar a nova geração de pesquisadores. É uma área apaixonante, mas é necessário ter coragem, foco, disciplina, dedicação e muito amor pela ciência.