III Colóquio Internacional Marginalidades Femininas no Mundo Lusófono

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CADERNO DE RESUMOS

Albertina Pereira Ruivo - Universidade Nova de Lisboa Empregadas e patrões na obra queirosiana Em O Primo Basílio, Eça de Queirós, debruça-se sobre a problemática da existência feminina durante a segunda metade do século XIX. Época em que a pequena e média burguesia procura viver conforme os ensinamentos das suas leituras românticas. Tanto homens como mulheres vivem situações controversas para salvarem as aparências. A mulher burguesa deve viver dentro do cânone do romantismo, não trabalha, leva uma vida mundana e regulamentada. Para respeitar as regras impostas pelo mundo das aparências, a burguesia deve ter mais do que uma criada ao seu serviço. Ao dar um lugar importante à condição das criadas, Eça introduz um aspecto inovador no seu romance. Estas são exploradas pela pequena burguesia que para conservar a sua posição social, as obriga a trabalhar sem condições nem regalias. Situações que, em certos casos, conduzem as serviçais a ultrapassarem os limites, insurgindo-se contra a tirania dos patrões. Num primeiro tempo, veremos como mulheres honestas, que vão para a capital para conseguirem uma vida melhor, se tornam vítimas das aspirações burguesas dos patrões; em seguida observaremos as circunstâncias que as levam as transgredir as regras, para terminar analisaremos como se opera a revolta entre proletariado e patrões. ************ Algemira de Macedo Mendes – UESPI/UEMA Imagens e Representações de Gênero na Narrativa de Paulina Chiziane Este estudo examina as obras da escritora moçambicana Paulina Chiziane, Niketche- uma história de poligamia (2004), O canto alegre da perdiz, (2008) e Balada de amor a ao vento, (1990) a luz das teorias feministas e pós-coloniais a partir de: Stuart Hall (2000), Joan Scott (2011) e Spivak (2010), dentre outros. Paulina Chiziane, voz transgressiva em meio à produção da literatura pós-colonialista dos países africanos de língua portuguesa é a primeira mulher a escrever romance em Moçambique. A autora, problematiza em suas obras a questão do feminino, e o faz com maestria tanto em Niketche (2004), como Balada de amor a ao vento, publicada em (1990) e O canto alegre da perdiz, (2008). Em Niketche, especificamente, desenvolve uma narrativa em que a voz do feminino recupera as histórias da tradição ressignificando-as. Enfatiza as marcas do discurso da oralidade e a voz feminina aponta para um questionamento e para a ruptura daquilo que aprisiona e oprime as atitudes e desejos femininos na sociedade moçambicana pós-colonial. ************ Ana Carolina Lazzari Chiovatto - USP/UP A Santa e a Puta: a dicotomia estereotípica na novela "A Feiticeira", de Ana de Castro Osório A escritora portuguesa Ana de Castro Osório (1872-1935), autora da importante obra Mulheres Portuguesas (o primeiro manifesto feminista português), é conhecida por ser uma das primeiras feministas e ativistas republicanas em Portugal. Em 1908, publicou a narrativa "A Feiticeira", no livro Quatro Novelas, que conta a história de um rapaz dividido entre duas moças, uma muito boa e cheia de pudor, e outra, mais risonha e fogosa. Ao final da história, narrada do ponto de vista do rapaz, revela-se que esta última é uma bruxa, e o protagonista casa-se com a primeira moça. Essa novela se mostra interessante por trazer a questão do lugar da mulher e de


sua condição, apesar do tratamento estereotípico com que as personagens são trabalhadas. Com isto em mente, a partir dos estudos de gênero e à luz da obra As Quatro Mulheres de Deus: a puta, a bruxa, a santa e a imbecil, de Guy Bechtel, o presente trabalho procura analisar a novela de Ana de Castro Osório a fim de entender, discursivamente, como ela parece propagar a dicotomia estereotípica entre a mulher boa e recatada e a mulher má e despudorada. ************

Ana Cláudia Suriani da Silva - University College London Capitu, Madalena, Macabeia e Teresa contra o narrador elegíaco Nesta comunicação, os romances brasileiros Dom Casmurro (Machado de Assis, 1900), São Bernardo (Graciliano Ramos, 1934), A Hora da Estrela (Clarice Lispector, 1977) e Um beijo de colombina (Adriana Lisboa, 2010) serão comparados a partir de um elemento comum: a narração interlacada da trajetória do narrador masculino e da sua heroína, cuja voz é silenciada ou está mesmo ausente, porque já morreu quando a narrativa começa ou por não deter o poder da escrita. Nos romances de Machado de Assis e Graciliano Ramos, o ponto de vista masculino predomina, como no romance elegíaco, porque seus autores seguem modelos narrativos canônicos, que preferem narradores masculinos e pela situacão de dependência sócio-econômica da mulher na sociedade patriarcal brasileira. A comunicação discutirá a forma como os romances de Clarice Lispector e Adriana Lisboa problematizam e desafiam a relação tradicional entre narrador e heroína, construída pela narrativa em primeira pessoa. ************ Ana Cristina Comandulli – UNIRIO Entre os Grimm e Garrett existiu uma mulher: a cultura popular por MariaPeregrina de Sousa Maria Peregrina de Sousa (1809-1894) foi um nome da literatura portuguesa do oitocentos que muito escreveu nos periódicos de seu tempo. Na Revista Universal Lisbonense os seus textos versavam sobre crenças e tradições populares do Minho, e foram essas publicações que fizeram que ela se tornasse, segundo J. Leite de Vasconcelos, uma precursora dos estudos etnográficos em Portugal. O objetivo dessa comunicação é apresentar a forma com que Peregrina descreveu, com certa crítica, o universo da cultura popular em Portugal no século XIX. ************ Anabela Galhardo Couto - IADE Centro e margem no discurso amoroso feminino no período barroco O discurso amoroso do período barroco, veiculado pela poesia lírica, corresponde em boa parte ao edifício do amor idealizado platónico-petrarquista que no barroco se exarcebou e cristalizou, tal como V. Aguiar e Silva, entre outros, evidenciou. Como se sabe, tal edifício corresponde a um sistema amatório altamente codificado e convencional, atravessado por um conjunto bem delimitado de temas, motivos e iguras. Nesse edifício, masculino e feminino, sujeito e objecto do discurso amoroso têm um lugar rígido, demarcado e intransferível. Centrado no sentimento do sujeito-amante, invariavelmente identificado com a figura masculina, esse aparelho reserva à figura feminina o papel de objecto inacessível de amor, mero pretexto para o canto de exaltação amorosa do sujeito. Trata-se de uma erótica espartilhada entre sujeito-do-discurso-amante e objecto-do- discurso-amada. Nesse contexto, torna-se interessante encarar a produção lírica femina, que entre os séculos XVII e XVIII, em Portugal, conheceu algum desenvolvimento.


Partindo de um corpus lírico de autoras tais como Sóror Violante do Céu, Sóror Antónia S. Caetano, Sóror Maria do Céu, Sóror Madalena da Glória, esta comunicação propõe-se reflectir sobre o modo como se articula a relação centro/periferia, norma/margem, no quadro dessa produção literária. Partindo de um lugar marginal, relativamente à instituição literária, enquanto mulheres-autoras, estas escritoras alimentam com o centro uma dialéctica particular que lhes é conferida pelo seu estatuto singular de mulheres-religiosas. Por outro lado, no que respeita ao discurso amoroso veiculado, essa dialéctica norma/margem ganha contornos de transgressão, quando se está perante um discurso que quase sempre assume o prisma da mulher, enquanto sujeito-amante. Partindo do aparelho tradicional, estas vozes líricas femininas subvertem e transgridem os tópicos da cartografia amorosa hipercodificada que a época desenvolveu, imprimindo-lhes subtis fissuras. Retomando esses tópicos, ora os adaptam, aplicando-os no feminino, ora os invertem e subvertem, neles introduzindo pontos de fuga, ora lhe introduzem novas inflexões, dessa forma esboçando uma outra visão de amor, que em muito se afasta já do discurso amoroso dominante. ************ Anabela Morais Brás - UCP Braga Balbina, Josefina e Emília: a configuração teatral da marginalidade no feminino, na peça inédita Fatal Dilema de Abel Acácio Botelho Balbina, Josefina e Emília constituem o universo feminino da peça teatral inédita Fatal Dilema, drama em 3 atos (1893), de Abel Acácio Botelho. Através da sua composição e ação, bem como das personagens masculinas que com elas se relacionam, o dramaturgo representa, em palco, temáticas e ambientes que lhe são caros na narrativa. Assim, num ambiente aristocrato-burguês coevo, Botelho faz desfilar a mulher moral e socialmente inatacável (Balbina), à qual se opõem mulheres transgressoras, quer por se encontrarem numa situação socialmente marginal (Emília), quer por desfrutarem livre e frivolamente de seus desejos amorosos (Josefina). No fundo, estas mulheres situam-se no centro ou na periferia das normas que regiam a expectável conduta social e moral das mulheres nos finais do século XIX português, dando assim corpo aos vícios que o público teatral reconhecia como seus ou próximos de si, numa tentativa de expor os males de uma sociedade em degenerescência, com o intuito de a educar para, concludentemente, a redimir. ************ Andreia Castro - UERJ Santas pecadoras e pecadoras santas: o feminismo nos Mistérios de Lisboa A presente comunicação tem como objetivo evidenciar como Camilo Castelo Branco, em Mistérios de Lisboa, discutiu a situação das mulheres que ousavam transgredir ou, simplesmente, não se encaixavam no padrão social vigente. Órfãs, perdidas, adúlteras e prostitutas eram perseguidas, mas também se valiam da religião para se reabilitar, demonstrando que no ordenamento sociocultural do Portugal dos oitocentos quase nada era completamente desprovido de significação ou sentimento religioso. ************ Andreia Oliveira - Universidade de Coimbra Who’s afraid of Yolanda Morazzo? Figura importante do mundo lusófono com uma intervenção significativa nas áreas da cultura e da literatura, a poetisa cabo-verdiana Yolanda Morazzo moveu-se no espaço compreendido


entre Cabo Verde, Portugal e Angola e, à semelhança de muitas outras mulheres escritoras, foi apagada e colocada na margem. Só em 2006, com a edição de Poesia Completa (1954-2004), sob a chancela da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, é que o seu nome volta a ganhar alguma visibilidade, mas ainda não a que lhe é devida, tendo em conta não só a qualidade do seu trabalho poético, mas também as suas facetas de cronista, de professora de línguas e de colaboradora em publicações cabo-verdianas de referência. Autora de quatro livros de poesia que correspondem a fases cronológicas distintas, nas principais temáticas do seu universo poético, entre outras, destacam-se o feminino e as suas vivências, bem como a relação do sujeito poético feminino consigo, com o outro, o mundo ao seu redor e o amor/erotismo/sexualidade. Neste sentido, esta comunicação visa, por um lado, apresentar esta figura feminina do mundo literário lusófono cujo percurso pessoal e profissional foi (e é ainda) deixado na margem e, por outro, discutir a representação desta mulher escritora como um ser marginalizado e a representação do feminino que atravessa, de uma perspetiva geral, as suas obras: Velas Soltas (1954-1960), Cântico de Ferro (1960-1966), Lumenara (1967-1979) e Cântico da Integração Cósmica (19802004). Em complementaridade a estas problemáticas, pretende-se igualmente estudar o caso de Cabo Verde no que concerne à mulher enquanto criadora e produtora de literatura, analisando diferentes aspetos de teor cultural, histórico e socioeconómico que contribuem, entre outras, para a diferença acentuada entre o número de escritores e escritoras pertencentes a esta literatura. ************ Angela Laguardia - CLEPUL-Lisboa/ UFMG Maria Lacerda de Moura: à margem de seu tempo e além dele Maria Lacerda de Moura (1887-1945) foi educadora, escritora, oradora brilhante, jornalista, intelectual militante e uma “feminista utópica”, como afirmou a estudiosa de sua obra Miriam Lifchitz Moreira Leite. Motivada pela força propulsora de seus ideais educacionais, humanitários, pacifistas e espirituais, exerceu diferentes papeis, muitos deles contrários à sociedade vigente, e por isto silenciada por décadas. Através da análise de algumas de suas palestras e obras iniciais, sua correspondência e outras fontes pertinentes, procuramos compreender neste trabalho suas motivações, ideais e os fatos que marcaram seu percurso, entre a utopia e o exílio; à margem de seu tempo e além dele. ************ Cândido Oliveira Martins - UCP (Braga) Re-visões contemporâneas da mulher como ser diabólico Consabidamente, uma das formas mais ancestrais de inferiorizar e marginalizar a mulher consistiu em associá-la à bruxaria e ao demoníaco, originando diversas formas de violência. A literatura portuguesa não foi excepção neste processo, como exemplarmente expresso na velha lenda medieval da Dama Pé de Cabra. Ora, depois de revisitações diversas, nomeadamente românticas, esta lenda influente e este imaginário disfórico conhecem ainda alguns ecos significativos na literatura portuguesa contemporânea. ************


Carla Gago - Universidade Nova de Lisboa Adúlteras adulteradas em O Primo Basílio de Eça de Queirós - Reflexões sobre a mulher transgressora no romance de adultério do século XIX europeu Mesmo em estudos mais recentes sobre O Primo Basílio de Eça de Queirós é sublinhada a passividade, a falta de vontade e a impotência de Luisa, a protagonista do romance de adultério da Literatura portuguesa. O que propomos aqui é uma nova leitura desta figura feminina transgressora a partir do pressuposto de que, no romance de adultério do século XIX europeu, O Primo Basílio se constitui como um corpo experimental a vários níveis: a) o motivo das leituras femininas aparece enquadrado num contexto de representações do masculino e do feminino algo subversivas no quadro familiar de leituras burguesas, não seguindo necessariamente a directiva das leituras românticas perigosas à la Bovary; b) o adultério de Luísa faz com que ela, por um lado, seja levada a valorizar o próprio marido, e por outro, conduza a uma maior harmonia sexual do casal, deixando entrever a perspectiva autoral de que uma maior experiência sexual da mulher seria positiva para o matrimónio; c) a transgressão que é punida com a morte no romance é a da escrita feminina e não a do adultério. Este nosso outro olhar sobre a nossa mais famosa adúltera ancorado em estudos sobre a representação da mulher nos discursos médicos e literários na segunda metade do século XIX pretende expôr a urgência de novas leituras dos clássicos da literatura portuguesa e apresenta, por outro lado, O Primo Basílio como central para a compreensão do romance de adultério enquanto espelho do contexto social europeu. ************ Cláudia Maria Ceneviva Nigro / UNESP / IBILCE Evidenciando o gênero em produções de mulheres afro-brasileiras A Literatura, assim como outras artes, é uma fonte inesgotável de vida e de representações do mundo. Ao estudarmos, procuramos extrair da linguagem literária transfiguradora, totalmente carregada de significados em sua máxima extensão, condições de percepção da realidade. Os textos não devem ser descontextualizados e reveladores passivos do mundo. Desse modo, o literário ganha forma na ação política, ou seja, mais do que apenas um lugar onde podemos analisar a relação entre linguagem e ideologia. Escritoras afro-brasileiras, estigmatizadas pelo gênero, têm sido condenadas ao ostracismo. Relegadas às sombras recusam o limbo e têm se libertado, propondo um discurso enviesado por uma perspectiva e uma sensibilidade ímpar. Donas de um discurso pautado na expressão condizente com universos pessoais, livram-se na escrita de admoestações, da castração de suas vozes ou o flagelo de seus corpos. O (re)pensar da literatura, por meio da representação que faz da vida mais prosaica como processo de transformação, encontra-se incorporado na linguagem. Em vista dessa natureza particular, a literatura permite (re)pensar construtos de gênero. Desse modo, pode-se dizer que a ars poética dos estudos de gênero pode funcionar como uma militância artística, uma diatribe veemente e mordaz contra os modelos tradicionais existentes. Trata-se de uma literatura sem remorsos que, abraçando estratagemas políticos que promovem a autodefinição e a total expressão, modifica valores e leis que tornam as instituições e as relações opressivas. Essa fala tratará de problematizar a pluralidade de significados que o gênero traz hoje para a literatura de mulheres afro-brasileiras. ************


Conceição Brandão - UCP-Braga Silêncio e Sombra: o lugar da voz feminina no romance de Lídia Jorge Os romances de Lídia Jorge acentuam a potencialidade comunicativa da fala interior das personagens, potencialidade essa que, em nosso entender, constitui a matriz inequívoca de grande parte da sua obra. Efetivamente, é a partir da paisagem interior das personagens, em particular das femininas, que escutamos as suas perplexidades, os seus segredos e as suas imprevisibilidades e é nesse mundo à deriva, recortado pelo eterno combate do Homem em busca do sentido indecifrável da existência, que devemos procurar o lugar extremo da voz e as formas atuantes do silêncio. A (in)comunicabilidade abre, por vezes, um lanho fundo nas histórias que Lídia Jorge nos quer contar nos seus romances e há sangue, medo e esperança revolvendo as páginas das suas obras. O silêncio é então uma voz, no sentido em que permite o resgate do mistério, do imponderável que habita o ser humano e a própria escrita. De facto, creio, deslumbrados que estamos com a festa da palavra, relegamos o silêncio para o plano da loucura, do vazio ou do suicídio da voz. O silêncio questiona os limites de qualquer palavra e recorda-nos que o seu sentido está contido entre barreiras estreitas em face de um mundo inesgotável, que está sempre atrasado em relação à complexidade das coisas. Salientaremos, portanto, a forma como, em Lídia Jorge, o silêncio cavado nas palavras não é linearmente puro silêncio, mas percepção alargada da realidade. E disso, como veremos, nos dá conta uma certa leveza discursiva a mostrar-nos o ângulo feminino da absorção do mundo pela autora. Para lá do lastro vivo das palavras, abrindo em carne viva as feridas que doem ou sugerindo o alvoroço dos momentos de plenitude, está o que nos consome antes do verbo. A questão da (in)comunicabilidade feminina sublinha, assim, a importância da palavra e leva-nos, por outro lado, a tomar consciência de que o ser pode desenvolver articulações mentais e sensíveis fora da matriz verbal. ************ Cremildo Bahule - Universidade Mondlane – Maputo A Utopia de Resistência Feminina em Moçambique Emanando d`Eu, Mulher – Por Uma Nova Visão do Mundo Dentro da temática «resistência à marginalização no feminino» me proponho a fazer uma indagação sobre o ideal de resistência da mulher em Moçambique. Vou-me centrar no texto de Paulina Chiziane, publicado em 1994. Passado duas décadas o texto, em alusão, ainda guarda uma utopia que ajuda a mulher moçambicana a resistir aos diversos moldes de marginalização. No imaginário misógino moçambicano, ainda é abundante a ideia de que a mulher deve carregar trouxas e ser submissa porque foi lobolada (referente ao ‘Lobolo’ – casamento tradicional praticado em Moçambique) pelo homem. A consciência da marginalização da mulher ainda é predominante na medida que os pressupostos de engendração, nos remetem a um caminho que deve ser seguido cegamente. Em consequência, a mulher percebe-se como um ser marginal. A sua voz é penhorada em nome da sociedade, hegemonicamente, masculina. Contudo, a mulher – na «lógica do útero», segundo Chiziane – engendra uma nova utopia: a resistência, o espaço intermediário onde a fragmentação pode se instalar, mesmo que em luta, desafiando, assim, o poder de controlo do dominador. Quando a mulher resiste à marginalização subsidia-se, basicamente, em dois propósitos complementares: (i) uma estratégia de sobrevivência dentro de um campo de batalha e (ii) um elemento agregador do tecido humano na sociedade moçambicana. Chiziane constrói, mesmo que de forma utópica, uma lógica de resistência da mulher. O intuito de resistência da Chiziane assenta no reconhecimento de que o homem deve dar aso desígnios do feminismo. Pensando como Anderson (1989) as mulheres querem engendrar uma nova consciência social dentro do tecido social moçambicano. ************


Cristina Costa Gomes - Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa O corpo que fala e a instituição que o cala. A condenação da Monja da Anunciada A história da vida, marcada por momentos de glória e de drama, de Maria da Visitação, a Monja dominicana da Anunciada, despertou a veia literária de muitos escritores, desde o século XVI até hoje, e chegou ao teatro. Logo no século XVII, Antonio Mira de Amescua serviu-se dela como argumento para uma comédia intitulada Comedia famosa: Vida, y muerte de la Monja de Portugal (1670). Comédia ou tragédia, muita tinta correu, no veio do tempo, sobre a vida da “Monja de Lisboa”: Fr. Luís de Granada, Camilo Castelo Branco, António Baião, Fr. Alvaro Huerga, dedicaram-lhe largas páginas. Agustina Bessa Luís, com deliciosa habilidade, dedicoulhe um romance, A Monja de Lisboa. O “teatro do corpo”, que agitou fortemente a sociedade portuguesa na segunda metade do séc. XVI e conheceu profundos ecos fora do país, envolveu Maria da Visitação num dos processos mais visíveis e conhecidos da Inquisição portuguesa, tendo este culminado com a sua condenação, a 8 de Dezembro de 1588, à reclusão e ao silêncio no Mosteiro de Nossa Senhora da Graça, em Abrantes. A Inquisição utilizou todos os meios para silenciar esta mulher. Afastou-a dos olhos dos crentes e intentou destruir todos os seus objectos pessoais: retratos, relíquias, textos e documentos. Mas, alguns destes últimos sobreviveram... A memória das palavras e das imagens deste processo testemunham, como será analisada nesta comunicação, a luta nunca terminada entre o corpo que falou e a instituição que o procurou calar através da obediência. ************ Daniel Damasceno Floquet - Universidade do Porto Um pouco Orlando, um pouco Caliban: fluidez de gênero e identidade em Maria Velho da Costa A comunicação explorará a caracterização de Orlando, personagem de Maria Velho da Costa que atravessa dois romances da autora: Irene ou contrato social (1999) e Myra (2008). Desde o seu nome, que se comunica com o romance homônimo de Virginia Wolf, encontramos no personagem diversas marcas que desafiam as tradicionais fronteiras associadas à dicotomia masculino/feminino: nas atitudes e no corpo de Orlando, encontram-se pulverizados os limites da razão e da emoção, da passividade e da agressividade, do colonizador e do colonizado, bem como outras divisões, como os conceitos de nacional e estrangeiro, ou mesmo as posições de centro e margem na esfera social. Para entender a sua construção, bem como a dimensão política decorrente de sua condição subversiva, propõe-se a utilização de ferramentas teóricas provindas de diferentes correntes dos estudos sobre géneros, como as teorias desconstrucionistas de Judith Butler, além da écriture féminine de Hèléne Cixous e Arleen Dallery. As teorias do sociólogo português Boaventura Sousa Santos sobre os conceitos de identidade e pós-colonialidade serão também evocadas a fim de entender a relação de Orlando com tais temáticas. Por fim, dada a própria importância que a intertextualidade assume na escrita e na fortuna crítica de Velho da Costa, o romance Orlando, de Virginia Wolf, e a peça teatral The Tempest, de William Shakespeare, serão utilizadas na medida em que auxiliam no entendimento das origens literárias do personagem de Velho da Costa. ************


Dimitri Almeida - Georg-August-Universität Göttingen Omnipresentes e invisíveis: o impacto da crise económica sobre mulheres empregadas no serviço doméstico em Portugal Um recente relatório das Nações Unidas aponta para o facto que a crise financeira e económica que tocou nomeadamente os países da Europa do Sul desde 2010 tem tido um impacto particularmente negativo sobre as mulheres em situação de precariedade socio-económica. Os poucos estudos levados a cabo até hoje sobre o caso português confirmam este diagnóstico com base em indicadores económicos nas áreas do emprego e do poder de compra. Os estudos quantitativos baseados em dados macroeconómicos deixam no entanto de lado uma parte da sociedade portuguesa. As mulheres empregadas no serviço doméstico remunerado representam uma grupo importante entre as “invisíveis” das estatísticas oficiais devido à elevada incidência do trabalho não declarado neste sector. Este grupo pode ser caracterizado como afectado por marginalidades múltiplas e cumulativas em termos de estatuto socio-económico, capital educativo e, em muitos casos, de perfil étnico – as mulheres com percurso migratório encontrando-se sobrerepresentadas nesta categoria. Com base numa série de entrevistas semi-estruturadas realizadas pelo autor com 36 mulheres do distrito do Porto, a contribuição tenta elucidar as consequências da crise económica na vida de mulheres empregadas no serviço doméstico. Longe de poderem ser consideradas como vítimas passivas de um contexto económico nefasto, os resultados da pesquisa realçam as dinâmicas entre marginalidade e centralidade destacando o papel fundamental destas mulheres na elaboração de estratégias familiares para enfrentar a crise. ************ Dora Nunes Gago - Universidade de Macau Resistência à marginalização feminina em contos de Deolinda da Conceição e Maria Ondina Braga Nas obras de Maria Ondina Braga e de Deolinda da Conceição é-nos retratada a sociedade macaense, sobretudo das décadas de 40-60 e a luta das personagens femininas, muitas delas exiladas, pela emancipação. Narram também a vida das mulheres e homens chineses que sucumbiam ou lutavam contra a opressão, a pobreza extrema e as milenares superstições. Assim, tomando como corpus de análise as obras A China fica ao lado de Maria Ondina Braga, Cheong Sam, A Cabaia da escritora macaense Deolinda da Conceição, analisaremos o modo como a luta pela emancipação e liberdade, assim como a resistência à marginalização das personagens femininas é configurada, entrecruzando-se, por vezes, com os árduos caminhos e fronteiras do exílio. ************ Duarte Drumond Braga - USP Autoria e protagonismo feminino em romances goeses e macaenses de língua portuguesa (1980-2000) Esta comunicação vista estudar comparativamente as representações da agência feminina em obras romanescas, escritas em língua portuguesa, de Goa e de Macau publicadas nos anos 80 e 90 e como tal agência se articula com o caso da autoria feminina. Embora haja pouca produção literária nessa língua após a ocupação militar de Goa em 1961 pela União Indiana, há contudo uma literatura memorialística nos anos 80 e 90 (que retrata e dá voz a mulheres) escrita por autores fora de Goa, como Leopoldo da Rocha e Orlando da Costa, o último dos quais publicou em 2000 o importante romance O último olhar de Manu Miranda. No caso de Macau, são precisamente os anos 90 e 2000 os de maior intensidade em termos de edição em língua portuguesa


no território. Esta, por um lado, descoincidência e, por outro, forte coincidência entre as literaturas de língua portuguesa de Goa e de Macau pode ser criticamente articulada e refletida pelo viés da agência da mulher, quer enquanto representação, quer enquanto agente dessa mesma representação, o caso da autoria feminina. Temos, por exemplo, a personagem que dá nome ao romance de Rodrigo Leal de Carvalho, Requiem por Irina Ostrakoff (1993) e figuras femininas centrais na trama novelesca, como a goesa de Maria Ondina Braga em Noturno em Macau (1993). O que estas obras possuem em comum é debruçarem-se situações narrativas passadas anteriormente: no caso, anos 50 e 60, o que sugerem a hipótese crítica de uma literatura memorialística feminina do império português na Ásia, a ser explorada neste paper. ************ Eduardo da Cruz – UERJ/UFRRJ Paulina Campelo: uma portuguesa na imprensa brasileira da primeira república A escritora e educadora portuguesa Paulina Campelo (21/04/1873-14/09/1931), ainda jovem, emigrou para o Rio de Janeiro, onde passou a participar ativamente da vida cultural da colônia portuguesa nessa cidade. Destaca-se em sua carreira a participação no jornal dirigido a seus conterrâneos, o União Portugueza, desde 1899, publicando pequenas narrativas e poemas, além de breves artigos laudatórios e sobre educação. Foi, contudo, seu trabalho como articulista em um dos principais periódicos brasileiros da primeira república, O Paiz, diário de grande circulação, assinando com o pseudônimo de Lia de Santa Clara até a década de 1920, que permitiu que ela atingisse novos leitores e conseguisse publicar suas obras em outros títulos da imprensa. Após rastrearmos suas colaborações em jornais e revistas, procuramos, neste trabalho, perceber como sua situação marginal de mulher e estrangeira aparece representada em seus textos, tanto naqueles dirigidos aos imigrantes como ela, quanto nos que podiam alcançar o público brasileiro em geral. ************ El Hadji Omar Thian - Universidade Cheikh Anta Diop Dakar Le Personnage de la domestique dans La Cousine Bette D'Honoré de Balzac et dans O Primo Basílio D'Eça de Queirós Personnage très célèbre de la littérature française et portugaise de la fin du XIXe siècle, la domestique est témoin du rayonnement et de la décadence bourgeoise. Elle occupe une place non négligeable dans La Cousine Bette de Balzac et dans O Primo Basílio d’Eça de Queirós. Ces deux romans réalistes ont des similitudes qui nous font dire que le premier a exercé une influence incontestable sur le second. Les domestiques Agathe et Juliana, personnages respectifs de La Cousine Bette et de O Primo Basílio, sont présentées comme les victimes de leurs maîtresses, en l’occurrence Mme Hulot et Luísa Brito. Ces deux domestiques réussissent, dans le souci d’affirmer leur identité, c’est-à-dire leur corps, leur tempérament, leur conscience, à remettre en question les valeurs de leurs maîtresses, celles de la bourgeoisie décadente. L’intérêt de cet article, c’est le regard de ces deux romanciers sur la domestique, c’est-à-dire le féminin. Ce regard manipulé par le narrateur se focalise sur le portrait, les voix, la place dans l’intrigue de ce personnage, porteur de l’identité de la femme laborieuse. ************


Elen Biguelini - Universidade de Coimbra A innocencia socumbiu aos golpes do crime! A situação da mulher na obra de autoria feminina portuguesa da primeira metade do século XIX A autoria feminina ficou as margens da literatura durante a primeira metade do século XIX em Portugal. Apesar disso, existiram autoras e obras que encontraram formas de reagir. A escrita de romances e textos literários com temáticas reacionárias foi uma destas. Um romance que tem um claro objetivo de demonstrar a situação das mulheres é Afra, de Matilde Leão d’Assis Pereira da Cunha e Castro (?-?) que retrata a vida de uma menina cuja inocência é roubada por meio de uma violação. Já Henriqueta, de Maria Peregrina de Sousa (1809-1894) apresenta ao público a história de uma jovem que resolve fugir com seu amante para o Brasil. E Christina de Stainville ou os efeitos da boa ou má educação de C.E. da C.G (?-?) conta a vida de duas mulheres que seguem caminhos diferentes na vida. Este trabalho objetiva analisar estes textos feitos por mulheres para perceber o que as escritoras tentaram expressar e que estratégias utilizaram para fazê-lo. Inserindo-se na História das Mulheres, utilizar-se-á a crítica literária feminista, nomeadamente o conceito de anxiety of authorship de Gubar e Gilbert, para procurar compreender o que queriam e a quem falavam em seus livros. ************ Elisabeth Martini - UERJ O clamor do sexo: marginalidades femininas sob a ótica de Eça de Queirós e Fialho de Almeida O trânsito entre quatro paredes perdura por um longo tempo como o espaço por excelência da mulher portuguesa, conduzida nos oitocentos à condição de Senhora do Lar. Cabe, no entanto, aos autores finisseculares detectar as mudanças que, com a prevalência do individualismo, sugerem a figuração da mulher enquanto sujeito desejante, acarretando um visível desconforto à família burguesa. José Maria Eça de Queirós (1845 - 1900) e José Valentim Fialho de Almeida (1857 - 1911), escritores gestados e consagrados no bojo da Geração de 70, enunciam em algumas narrativas o movimento feminino em busca da satisfação erótica, ainda que ambos se aliem com a sociedade patriarcal ao considerá-lo um comportamento desviante. A personagem queirosiana Maria da Piedade, do conto “No moinho”, e a Contessina, personagem fialhiana de “O funâmbulo de mármore”, sugerem, em meio a pontos de contato e contrapontos vários, figurações do desejo feminino que proponho abordar. ************ Estela Vieira - Indiana University Bloomington Desencontros entre a mulher e o médico: encontros entre Clarice Lispector e Maria Judite de Carvalho No último romance da célebre escritora brasileira, Clarice Lispector, A hora da estrela (1977), a heroína e jovem nordestina, Macabéa, tem uma consulta com um médico perto do fim da historia. A protagonista e narradora, Mariana Toledo, do conto epónimo da coleção, Tanta gente, Mariana (1955) da escritora portuguesa, Marida Judite de Carvalho, também se enfrenta com um médico-especialista logo no inicio da narração. Estes desencontros entre a mulher e o médico são emblemáticos não apenas da temática dos dois textos, isto é, da relação entre o indivíduo—e da mulher em particular—e a sociedade, e da sua solidão, alienação e marginalidade, mas também apontam para uma incomunicabilidade fundamental nos projetos literários


de Lispector e Carvalho. A partir de uma análise destas duas cenas crucias e colocando o paralelismo dentro das obras e do contexto da escrita feminina e feminista brasileira e portuguesa, esta comunicação comparará como as escritoras usam este conflito entre o feminino e a medicina moderna tanto para subverter o papel supostamente submisso da mulher na sociedade e questionar as convenções sociais como para afrontar a falta de comunicação entre géneros. Não apenas entre a mulher vulnerável e o homem, com o poder sobre o corpo feminino, mas também entre formas literárias. Embora as autoras tenham estilos distintos e existam outras diferenças notáveis, elas se assemelham na maneira como através da própria obra poem em causa a própria construção desta. Os textos construem uma fracassada etiologia tanto médica como diegética retratando na linguagem e na estrutura uma frustração com a autoridade, as convenções narrativas e os papéis sociais. ************ Evelyn C. de Mello - UNESP Mulheres engaioladas em tempos de fardaas: representações da mulher como ser à margem em "O pardal é um Pássaro Azul" de Heloneida Studart O presente trabalho pretende problematizar a construção das personagens femininas na obra “O pardal é um pássaro azul” de Heloneida Studart, escrito e publicado no período referente ao Regime Militar no Brasil, estabelecido em 1 de abril de 1964, cuja vigência se deu até o ano de 1985. Para tanto, dialoga-se com a teoria feminista, uma vez que juntamente ao protesto contra a ditadura, assume-se uma postura de contestação à situação de opressão feminina e à desigualdade de gênero, explicitada especialmente na construção das personagens e na manipulação do foco narrativo. Narrado em primeira pessoa, o romance de Heloneida Studart foca o amor proibido da personagem Marina por seu primo João, que está preso por enfrentar a repressão, entretanto, a trama não possui somente um caráter político no que se refere à Ditadura Militar, pois além de denunciar os excessos da prisão e o desrespeito aos direitos humanos, a personagem também expõe o provincianismo dos Carvalhais Medeiros, em especial, na figura da avó Menina, que condena as mulheres “impuras” da família ao internato de freiras, assim como exclui da família o neto João, por se tratar de um homossexual. Nesse sentido, verificar-se-á em que medida a construção do feminino no texto corresponde ao fato de que Heloneida Studart foi uma das precursoras da onda feminista pós-1975, a qual se preocupou com duas frentes de luta: o combate ao regime militar e a marginalização social da mulher. ************ Fábio Mário da Silva – (Universidade Federal do Sul e Sudoeste do Pará - Instituto de Estudos do Xingu/ Univ. de Lisboa-CLEPUL) Ut pictura poesis: uma leitura de A Dama e o Unicórnio de Maria Teresa Horta – Uma Homenagem à autora Neste artigo procuraremos, sucintamente, refletir sobre a relação entre a poesia e a pintura, a partir da Arte Poética de Horácio. Seguidamente analisaremos a obra A Dama e o Unicórnio de Maria Teresa Horta procurando apontar algumas características deste livro que tem uma preocupação efetivamente estética no que diz respeito ao diálogo interartes. ************

Fernando Lima e Morato - Ohio State University Iracema, Desejada da Nação


O objetivo desta apresentação é dedicar um olhar mais atento à iconografia realizada a partir do romance Iracema, de José de Alencar, que comemorou 150 anos de sua publicação no último ano. A intenção do trabalho é reconhecer como a representação da mulher indígena na verdade é uma oportunidade para realização de fantasias masculinas de erotização e controle da mulher (não apenas indígena). O pretexto nacionalista mascara uma apropriação da imagem feminina que tem íntima relação com outros processos de auto-representação nacional identificados por Richard Miskolci em O desejo da nação (2012): na virada da monarquia para a república, houve no Brasil um investimento simbólico da ficção na construção de uma identidade masculina hipertrofiada para o país, excluindo, assim os grupos que poderiam exercer alguma ameaça a essa imagem. Procuro argumentar que a essa construção de masculinidade corresponde não a uma completa exclusão, mas siam a uma paralela hipersexualização da mulher, emblematicamente a indígena (aproveitando uma tradição que vem desde a Carta de Pero Vaz de Caminha), associada a valores telúricos e sexuais. A imagem da mulher indígena, menos comum na pintura romântica brasileira, passa a ocupar um lugar central nas artes plásticas justamente a partir desse momento, fins do século XIX, entrando século XX adentro e centrando-se mais especificamente na de Iracema. Aproveitando algumas sugestões originais do romance, mas também extrapolando-as, a iconografia da heroína Tabajara converte-se, assim, em parte de um discurso ideológico ou, para usar a terminologia e o método desenvolvidos por Roland Barthes em Mythologies (1957), em um “mito”, um significante vazio que se adapta aos discursos disponíveis. ************ Geise Kelly Teixeira da Silva - Universidade do Porto As Lágrimas de Maria Madalena: Mar de Amor e Dor Esta proposta de comunicação tem por objetivo apresentar uma leitura do Canto X do Memorial dos Milagres de Cristo, poema épico escrito pela religiosa cisterciense Soror Maria de Mesquita Pimentel. O núcleo temático do referido canto é a conversão de Maria Madalena, uma das figuras religiosas mais representativas da piedade barroca. Em toda a narrativa do Canto é possível perceber uma fina análise psicológica da pecadora arrependida, cujas lágrimas abundantes, em articulação com a sua detalhada descrição física, emprestam à narrativa uma imagética que sugere a projeção de um “quadro” que se põe diante do leitor. Com base nos preceitos de Aristóteles e Quintiliano, esta comunicação pretende elucidar o modo como essas imagines, atreladas a uma “linguagem das lágrimas”, assumem uma função retórica de persuasão que apela ao pathos do leitor no sentido de estimular a meditação individual e a devoção à Maria Madalena. Com efeito, pretende-se sublinhar os procedimentos retórico-poéticos, nomeadamente a nível da inventio e da elocutio, que concorrem à esse efeito de visualização, corroborando a ideia de que, ao trazer para “diante dos olhos” aquilo que se narra, é possível intensificar a comoção do público que se pretende atingir. Assim, para o caso do canto dedicado à Maria Madalena, as lágrimas que ela verte copiosamente enunciam para o leitor devoto a necessidade de conversão em consonância com as estratégias pedagógicas tão correntes no contexto pós-tridentino. ************ Ilca Vieira de Oliveira – UNIMONTES/CAPES Cecília Meireles: a Palavra, o Silêncio e o Espectro Este texto tem como objetivo trazer à luz uma abordagem crítica sobre o processo de criação artística e a relação que o artista estabelece com a sua própria obra. Ou seja, como determinado livro é deixado à margem pelo poeta ao longo de reedições e publicações de sua produção poética. Destaca-se, aqui, o livro Espectros, primeiro livro de poemas de Cecília Meireles, publicado em 1919, que jamais foi reeditado durante a vida da autora e, depois de sua morte somente


em edição de 2001, momento em que se comemora o centenário de nascimento da poetisa. Assim, esta reflexão irá pensar a palavra poética, que é silenciada, como uma voz que ressoa em toda poesia de Cecília Meireles, isto é, como o próprio tema do “espectro”, que é evocado nesse primeiro livro será retomado em muitos poemas de outros livros. ************ Isa Margarida Vitória Severino – CNPq/UDI – Instituto Politécnico da Guarda Florbela Espanca e Alejandra Pizarnik- mulheres à margem na escrita e pela escrita Apesar do hiato de tempo que medeia a vida de Florbela Espanca e Alejandra Pizarnik, dos contextos geográficos, políticos, sociais e culturais que as separam, existem muitos vetores de interseção nas obras de ambas as autoras. Florbela Espanca foi uma poeta "à margem", por ser transgressora, por ousar falar do corpo e imprimir o corpo no corpo do texto, conferindo-lhe vontades e desejos audazes, insólitos e impróprios para a sua época. Também a poeta argentina Alejandra PIzarnik foi considerada uma poeta "maldita", por utilizar uma linguagem transgressora e dar um particular destaque ao corpo. Assim, de modo a perceber o papel irreverente e subversivo das poetas em questão e o impacto e animosidade que suscitaram na sociedade do seu tempo, propomos uma análise pelos poemas que consideramos mais representativos para análise desta temática. ************ José Vilian Mangueira - UERN A marginalidade feminina na obra de José Lins do Rego: as mulheres do engenho Na obra de José Lins do Rego, destaca-se o modo como o escritor deu vasão à exploração de um sistema social movido pelo poder do patriarcado. Assim sendo, seus romances focalizam uma sociedade cujo mando é do homem com poderes de senhor dentro e fora de casa. Tal focalização faz com que sua obra conceda ao feminino um lugar de inferioridade social que legitima o poder masculino. Mas, ao mesmo tempo, graças à técnica narrativa utilizada nos textos, vemos que a voz feminina se faz presente, mostrando um elevado grau de discernimento. Com base nisso, pretendemos analisar os romances desse autor inseridos no “Ciclo da Canade-açúcar”, Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), Usina (1936) e Fogo morto (1943), para destacar o modo como a figura feminina é marginalizada socialmente e como a sua voz ganha destaque na narrativa como representação de ponderação e percepção. ************ Juliana Cristina Bonilha - CAPES/FLUL- CLEPUL Mulheres à margem: diretoras de periódicos literários do início do século XX no Brasil e em Portugal Resgatar e até reconfigurar o cânone tem sido objetivos da historiografia literária e dos estudos de gênero. Muito já se sabe e ainda há muito a se saber sobre a autoria feminina nos diversos tipos textuais. Das cartas aos romances, passando-se pelos periódicos nos quais as mulheres imprimiram suas opiniões e permitiram sua exposição, há cada vez mais descobertas que felizmente permitem dar relevância à produção feminina, o que possibilita um avanço no que se refere à igualdade de gêneros. Considerando-se tal panorama, quando se olha a produção feminina na imprensa do século XX, há uma confirmação da imensa colaboração literária executada por mulheres. Se a autoria feminina em periódicos tem cada vez mais sido alvo de pertinentes estudos, muito ainda pode ser explorado a respeito das diretoras e fundadoras que lideraram verdadeiras batalhas ao dirigirem um órgão informativo num momento em que imperava a ideia


de fragilidade, das boas condutas e da moral que associavam o sexo feminino ao ambiente doméstico. Sendo assim, propõe-se apresentar algumas fundadoras e diretoras que possibilitaram um alargamento no horizonte da escrita e da criação para outras mulheres no século XX no Brasil e em Portugal, dentre as quais Guiomar Torresão, do Almanach das Senhoras (18711928); Virgilina de Souza Salles, da brasileira Revista Feminina (1915-1936) e Judith Teixeira e sua revista Europa(1925). Outras diretoras dos inúmeros periódicos brasileiros serão selecionadas para essa apresentação, que procurará propiciar uma reflexão sobre a autoria feminina e as estratégias encontradas para sua concretização e divulgação. ************ Leonardo Alexander do Carmo Silva - Université Sorbonne Nouvelle Paris3 O ser marginal na obra de Cassandra Rios Cassandra Rios, pseudônimo da escritora paulista Odete Rios, ocupa um lugar paradoxal nas letras brasileiras: ainda que tenha se tornado a primeira escritora brasileira a atingir a marca de um milhão de exemplares vendidos e ainda que, no auge da sua produção literária, nos anos 1970, tenha mantido uma média de 300.000 livros vendidos por ano, um certo silêncio e desinteresse paira sobre sua obra, essencialmente desconcertante. Não é difícil elencar os motivos pelos quais tanto autora quanto obra foram marginalizadas ao longo dos anos: trata-se de uma escritora mulher; lésbica; autora de livros (des)qualificados como pornográficos e que tratam do desejo feminino; e vista como autora menor pela crítica literária que tende a julgar a sua escrita como sendo demasiado “simples” e “popular”. Vale ressaltar também que, por contrariarem certos “valores morais da família”, muitos dos seus livros foram alvo da censura durante a ditadura militar. Grande parte da produção literária da de Cassandra Rios, composta por mais de cinquenta romances, é consagrada à descrição de relações homossexuais femininas em cenários urbanos. Assim, a autora não somente garantiu a existência da figura da lésbica na literatura brasileira (e em posição de destaque), como deu voz a tais personagens que, em seus romances, expressam seus desejos e suas angústias. O sentimento de inadequação, bastante presente nesses romances está, geralmente, associado à busca de uma identidade, identificação ou até mesmo por um conceito de lesbianidade. Nosso trabalho tem por objetivo mostrar de que maneira Cassandra Rios, através de suas personagens femininas, dá visibilidade a uma marginalidade, representando um “estar/ser à margem”. Nos interessaremos, portanto, aos dispositivos utilizados pela autora para colocar em evidência o lugar social ocupado pelas mulheres homossexuais nos anos 1960 e 1970. Procuraremos mostrar, assim, que o conceito de “marginalidade” é fundamental para se compreender a obra da escritora brasileira. ************ Luciene Marie Pavanelo - UNESP Da presença(?) feminina nos romances históricos oitocentistas Os romances históricos oitocentistas não nos parecem um terreno propício para o desenvolvimento das personagens femininas, que, quando aparecem, geralmente têm um papel secundário, servindo de pretexto para as ações heroicas dos protagonistas masculinos – a tradicional cena da donzela em perigo, que necessita ser salva por um cavaleiro. Se isso é verdade para a maioria das personagens vindas da nobreza, parece-nos que o retrato feito das mulheres do povo é um pouco mais complexo. É nosso objetivo, nesta comunicação, discutir o papel que as personagens femininas possuem não apenas nos grandes modelos da ficção histórica – Walter Scott, Victor Hugo e Alexandre Dumas –, mas também nos romancistas portugueses do século XIX – Alexandre Herculano e Almeida Garrett – que dialogaram com esses modelos.


*********** Luís Bueno – UFPR Histeria e estigma no romance naturalista brasileiro em 1888 A histeria foi vista, durante séculos, como uma doença feminina, cuja origem estaria nos ovários. Na segunda metade do século XIX, a medicina começa a estabelecer uma nova visão dessa doença, que passa a ser percebida como uma afecção nervosa, sem qualquer origem física determinada e, portanto, não exclusivamente feminina, a partir do trabalho do francês JeanMartin Charcot, além do de Freud e Breuer, que publicariam seus Estudos sobre a Histeria em 1896. Numa estética por assim dizer medicalizada, como é a naturalista, é compreensível que a histeria seja uma presença constante no romance naturalista francês, e nós a encontraremos em obras de Zola, Octave Mirbeau, dos irmãos Goncourt, chegando mesmo a emergir para o título no romance L'Hystérique (1885) do belga Camille Lemonnier. No romance brasileiro, a histeria apareceria como tema central pela primeira vez em O Homem, de Aluísio Azevedo, publicado em 1887. O impacto desse livro, que teve três edições em poucos meses, causou uma espécie de contaminação na leitura que a crítica faria de outros romances publicados no ano seguinte: A Carne, de Júlio Ribeiro, Hortência, de Marques de Carvalho e O Cromo, de Horácio de Carvalho. Tal “contaminação” fica clara em artigo de um dos mais renomados críticos brasileiros do período, José Veríssimo, que relaciona diretamente os dois primeiros a O Homem, como se as três obras fossem “estudos sobre a histeria” – e, note-se, não se tratou de manifestação isolada de Veríssimo, já que essa “contaminação” também surge, por exemplo, nos textos sobre A Carne escritos por Senna de Freitas e Alfredo Pujol. Em essência, o que esses críticos fizeram foi caracterizar como histéricas personagens femininas que não eram assim simplesmente caracterizadas nos romances – isso sem mencionar que a histeria em O Homem é muito mais complexamente apresentada do que a mera carência do “homem” a que foi reduzida pela crítica e reconhecida pela forma como o senso comum via, e talvez ainda veja, a sexualidade feminina. O presente estudo pretende apresentar rapidamente a maneira específica, em relação ao romance francês, como a histeria foi tratada em O Homem, para em seguida centrar seu foco de análise em A Carne, Hortência e O Cromo, na tentativa de demonstrar como o estigma da histeria feminina produziu uma imagem estigmatizadora de obras que, ao contrário, procuraram escapar a uma representação estigmatizada da mulher ao criar heroínas peculiares que acabaram sendo consideradas inverossímeis ou insignificantes. Não é coincidência que O Homem tenha permanecido como obra canônica da literatura brasileira do período enquanto os demais tenham permanecido desvalorizados – caso de A Carne – ou quase completamente desconhecidos – casos de Hortência e O Cromo. ************

Márcia Regina Schwertner – Universidade do Porto O planeta desconhecido e romance da que fui antes de mim, de Luísa Dacosta: a velhice e a solidão do corpo como retratos da marginalidade feminina A partir da análise do livro O planeta desconhecido e romance da que fui antes de mim, da escritora portuguesa Luísa Dacosta, este trabalho aborda a presença do corpo como elemento de descoberta de si e enfrentamento ou submissão às normas sociais vigentes. Ao apresentar a trajetória de Ana e Luísa, avó e neta, Dacosta atenta para a dependência que acompanha a velhice e para a forma como físico e psicológico se mesclam em um círculo vicioso marcado


pela exclusão e pelo isolamento. Diminuição do poder econômico, enfraquecimento do corpo, necessidade de ajuda de familiares, internamento em instituições assistenciais, a fragilidade que marca as vivências de uma pessoa idosa vem acompanhada de um imaginário de impossibilidades não necessariamente verdadeiro, mas que se consolida progressivamente e se concretiza a partir da visão da juventude como período auge do ser humano. No momento da velhice e da doença, Luísa recorre à Ana, tornando a trama de Dacosta exemplar como retrato da dupla marginalidade enfrentada: é mulher e é idosa. Ao escrever a morte da avó, a neta consegue vencer o seu próprio desaparecimento, é pelo corpo escrito na proximidade da morte que a memória se constitui, construindo literariamente um idoso protagonista e ainda sujeito no momento da velhice. Para melhor compreensão do tema, serão observados também retratos da pessoa idosa encontrados nos livros Mar Azul, de Paloma Vidal, e Passagens, de Teolinda Gersão, e na crônica “De armas na mão pela liberdade”, de Rachel de Queiroz. A teoria que embasa o estudo se ampara em Beauvoir (1970), Perrot (1988), Bosi (1996), Debert (1999), Constança Paúl (2000), Norbert Elias (2003), Ricoeur (2007) e Fonseca (2014). ************ Márcia Regina Schwertner e Roseli Bodnar – Universidade do Porto Mulher (im)possível: identidade e conflito em A moratória, de Jorge de Andrade. O presente trabalho analisa a peça de teatro “A Moratória”, do autor brasileiro Jorge de Andrade, publicada na década de 1950. O texto apresenta a família de Joaquim e Helena, representantes da elite rural paulista arruinada pela crise cafeeira durante o período Vargas. A peça, em uma construção inovadora que engloba diferentes planos espaciais e temporais, reflete sobre o impacto dos conflitos políticos na vida privada dos personagens e as reações destes frente à perda de poder econômico e de prestígio social. No novo ambiente no qual a família se encontra inserida, o peso da marginalização recai especialmente sobre o elemento jovem feminino, Lucília, a filha do casal. A personagem feminina percebe-se centro de um conflito de gerações que transcende o ambiente familiar, sendo provocado e inserindo-se em um momento social de transição que não contempla mais os personagens como entes capazes de construir expectativas minimamente satisfatórias. Lucília sofre um processo de exploração generalizada, seu corpo desgasta-se até o ponto do esgotamento físico e psicológico. Porém, o retrato construído por Jorge de Andrade não fala da sua exploração como objeto sexual, mostra-nos um outro viés, marcado mesmo pela inviabilidade da realização do desejo a partir de uma gradativa desumanização que transforma o corpo em máquina de trabalho. A percepção desse processo é reforçada cenicamente: Lucília, sentada junto à máquina de costura, torna-se extensão do objeto mecânico. Como embasamento teórico do estudo realizado, foram pesquisadas questões atinentes à violência simbólica e a dominação masculina, bem como aspectos relativos à crise cafeeira do Brasil e à era Getúlio Vargas. ************ Margara Russotto - University of Massachusetts, Amherst (USA) Gestos marginales/Estrategias centrales La obra de Adélia Prado (Divinópolis, Brasil, 1935) ha seducido a sus lectores con una poesía aparentemente despretenciosa, directa y de temas en cierto modo accesibles a todos. En efecto, escenarios domésticos y numerosas referencias a la vida de la provincia o del barrio popular, son temas inmediatamente identificables en su poesía. Imágenes como la del hombre que se para en la puerta de su casa con un palillo en la boca después de almorzar, por ejemplo, o la de alguien que llama a los perros batiendo un hueso en el suelo, revelan fogonazos de un mundo


espontáneo, desintelectualizado, de una cotidianidad más rural que urbana y ajena a todo tipo de elaboración estética. Desde Bagagem (1975) hasta Manuscritos de Felipa (1999), y también más allá, estos temas constituyen evidencias de marginalidad en varios sentidos, tanto en las marcas del orden femenino recluído en un espacio limitado, como en la preferencia por retomar un contexto considerado banal e intrascendente (vecinos, cocina, chismes de barrio, religión popular, expresiones coloquiales). Nuestra propuesta de lectura quisiera explorar el sentido que adquieren estos “gestos marginales”, problematizando su función dentro de una posible estrategia discursiva central que permea buena parte de la obra de esta importante escritora brasileña. Los aspectos principales que vamos a discutir parten de la pregunta sobre qué es lo “marginal” en un texto poético de Adélia Prado y cómo se manifiesta en los siguientes niveles: 1) en la relación entre el sujeito lírico y el otro; 2) en la construcción de la identidad femenina; y 3) en la inscripción literária que el sujeto lírico se (auto) atribuye en el canon de la literatura del Brasil. Esto sugiere indirectamente el poder de la poesía como um constructor de identidades, y también como um prisma revelador de los conflictos entre “realidad” y “representación”. ************ Maria Aparecida da Costa - UFRN A Representação Feminina em A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge Lídia Jorge é uma representante atuante da literatura portuguesa contemporânea. Em seus escritos, tematiza questões complexas a exemplo da guerra colonial, bem como se dedica a ilustrar temas como a luta das mulheres por autonomia, trazendo à luz debates sobre a marginalização feminina na sociedade portuguesa, conforme vimos no conto “Marido” (1997); ou, ainda, quando trata da esterilização feminina como meio de cercear um desejo que não era aprovado pela família, conforme ocorre no romance O vento assobiando nas gruas (2002). No romance A costa dos murmúrios (2004), Jorge apresenta um enredo sobre as consequências da guerra colonial e expõe os reflexos dessa guerra na sociedade portuguesa, ampliando o destaque para os indivíduos sem voz, como o caso das mulheres dos militares portugueses que os acompanhavam, meramente para distrai-los, durante a luta. Destarte, o objetivo desse estudo é observar a forma que a escritora representa a figura feminina aniquilada, marginalizada e vista a partir da sombra do homem no contexto da guerra colonial. A protagonista de A costa dos murmúrios, Evita, narradora da história, vai a Moçambique, ao encontro de seu futuro marido, no entanto, toda a história que Evita conhecia sobre a África, seu noivo e os militares portugueses vai sendo modificada quando a ingênua Evita começa a observar o comportamento dos homens e o tratamento que estes desferem às suas esposas e aos moçambicanos. É notável, pois, que a experiência em Moçambique vai amadurecer e transformar Evita em Eva Lopo. Essa mulher madura narra a história vivida, ironicamente, se referindo às outras mulheres como: “a mulher do Fonseca”, “a mulher do capitão”, indicando o papel dessas figuras naquele contexto, mostrando que estas mulheres perdem a identidade para assumir a dos esposos, em um processo de exilamento de si mesmas, de suas vontades e desejos. ************ Maria Cláudia Rodrigues Alves – UNESP/IBILCE Ser e pertencer: personagens em busca de identidade em Tatiana Salem Levy Tatiana Salem Levy é uma viajante. Sua primeira viagem foi aos nove meses quando seus pais, exilados políticos em Portugal, regressam ao Brasil beneficiados pela Lei de Anistia. O leitor que se der o trabalho, e prazer, de ler a obra de Tatiana Salem Levy perceberá que todo tipo de viagem é marcante para a escritora, essencial em sua trajetória, mas que a viagem mais emocionante e perene de Tatiana é a da escrita. Apesar de despontar no cenário literário com o romance A chave de casa, autoficção na qual a escritora busca suas próprias origens e


identidade, são em seus contundentes contos que a escritora luso-brasileira torna-se, a nosso ver, uma das autoras mais instigantes da atualidade. Nesta apresentação, pretendemos expor os caminhos poéticos de seus personagens, marginais num cenário de pluralismo cultural ou estrangeiros a si mesmos, como sugere Julia Kristeva (1989)? ************ Maria Cristina Pais Simon - Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3 « O(s) que fazem mulheres » nos « livros para homens » de Oitocentos e da Primeira República Assiste-se em Portugal, a partir dos finais de Oitocentos e nos primeiros anos da República, à multiplicação das bibliotecas, da produção editorial, da tradução, a que se junta, anualmente, a importação de milhares de livros estrangeiros. Embora a língua e a literatura estejam no primeiro plano, a maior parte dos editores publica também « colecções » e « bibliotecas » tematicamente especializadas: literatura infantil, humorística, feminina… e « livros para homens », variedade quantitativamente importante de carácter erótico e pornográfico, proibida pela lei, mas frequentemente disfarçada com astúcias várias. Esta produção está reunida na « Biblioteca Serões e Sesta », na « Biblioteca Curiosa », na « Biblioteca Científico-sexual do Doutor Désormeaux », na « Biblioteca Picante », na « Colecção Amorosa », na série « Tuberculose Social », entre muitas outras. Trantando-se de um género muito apreciado, eram publicados, em paralelo, textos isolados como Contos Bizarros, A Pérola: um jornal do erotismo ou O pauzinho do Matrimónio. Eram também correntes os almanaques, entre eles o « Almanaque dos Amantes » e publicações periódicas como O Pardal, O Bidé, O Malcreado. A partir de textos deste corpus, e nos parâmetros da rígida sociedade burguesa da época, propomos analisar nesta comunicação a representação e o conceito de « mulher », bem como o modo de expressão da marginalidade feminina própria a este contexto. Para isso, a análise estará submissa à natureza dos textos, médica, social, moral, ou puramente sexual, no que salientaremos o deslize do erotismo para a pornografia e a consequente visão do feminino. ************ Maria do Carmo Cardoso Mendes – Universidade do Minho Sombrios desejos: marginalidade e transgressão na obra de Judith Teixeira A obra literária de Judith Teixeira revelou um ostensivo desvio dos padrões da sua época. Atesta-o o facto de a sua primeira coletânea poética, Decadência (1923), ter sido apreendida e destruída. Pondo em causa preconceitos epocais sobre a sexualidade feminina e representando poeticamente o desejo homossexual, as suas criações literárias sofreram uma declarada marginalização. A comunicação, centrada nas coletâneas poéticas Decadência, Castelo de Sombras (1923) e ua. Poemas de Bizâncio (1926), tem assim como principais propósitos: 1) identificar a representação da sexualidade feminina na obra poética de Judith Teixeira; 2) Reconstruir as imagens do desejo homoerótico; 3) Explicitar os vetores que constroem a representação do interdito; 4) Determinar de que modo a obra poética de Judith Teixeira configura “um ser à margem” que se auto-representa na conferência De Mim (1926) nos seguintes termos: “As minhas emoções não podem obedecer a pautas nem a conceitos tradicionais”. ************ Maria do Rosário Neto Mariano – Universidade de Coimbra Nas Margens da margem: género normativo e género subversivo em personagens femininas de Clarice Lispector


No texto proposto, pretende-se analisar o percurso efetuado por diversas personagens femininas de Clarice Lispector, na deriva dos modelos de género impostos pela norma sócio-cultural conservadora e sexista - a genderização construída pela tradição hegemónica. Será a partir destes géneros normativos que as personagens clariceanas em questão, confrontadas com uma imagem ou um acontecimento de caráter iniciático, tomam consciência quer da sua alienação identitária, quer da marginalidade dos seus papéis sociais, demarcarcando-se de tais realidades mediante diferentes formas de subversão e de afirmação de uma nova identidade perante si mesmas e/ou no confronto com o mundo. Na fundamentação teórica do texto, serão convocados trabalhos de Erving Goffman, Elisabeth Badinter e Deborah Cameron. ************ Maria João Simões – Universidade de Coimbra Representações da mulher como “ser à margem” na arte: personagens de Adoecer de Hélia Correia A marginalização da mulher surge representada na obra de Hélia Correia com grande sensibilidade, sem, no entanto, as suas ficções deixarem de manifestar a dureza das situações em que a mulher é empurrada para um viver à margem ou nas margens daquilo que é aceite socialmente por ser confortável ou fácil. A este propósito, as personagens da obra Adoecer desenham um conjunto de situações diferenciadas, nas quais a mulher luta pelo reconhecimento do seu valor no mundo da arte e dos artistas. Este trabalho terá como objetivo estudar essa variedade de situações da in(ex)clusão da mulher no mundo artístico representado no romance, investigar o modo como as personagens são representativas de diversos períodos históricos e ainda analisar a simbologia das diversas formas de resistência ou desistência a essa marginalização. Atentar-se-á ainda no modo como as personagens são construídas por várias camadas que remetem para a dualidade entre corpo e espírito e para a tensão entre singularidade e complexidade, deixando entrever, no hibridismo das suas vozes, diversos posicionamentos ideológicos. ************ Maria Lucia Wiltshire de Oliveira -UFF O feminino figural em Maria Gabriela Llansol No trabalho anterior ligado ao Projeto “Marginalidade Feminina no Mundo Lusófono”, defendemos a ideia de que as beguinas dos séculos XII e XII seriam herdeiras da “dona péde-cabra”, personagem da conhecida historieta medieval encontrada num Livro de Linhagens, representativa das mulheres punidas por sua independência e destemor no momento em que o modelo patriarcal confiscou em definitivo os poderes do feminino até então presentes em sociedades célticas e germânicas da Alta Idade Média. Por sua vez as beguinas se tornaram um modelo de partida para Maria Gabriela Llansol, cujo projeto de escrita começa com a recusa da maternidade: “nesse lugar havia uma mulher que não queria ter filhos de seu ventre.” (LC, p. 11). No colóquio realizado em São Paulo (2015), focalizamos a transposição destas mulheres da História para a textualidade, marcando a sua presença massiva nas duas Trilogias da autora portuguesa: Geografia de Rebeldes e Litoral do Mundo. Ainda em torno do eixo temático “Resistência e marginalização do feminino”, a proposta atual aborda o feminino llansoliano em sua dimensão figural com o fim de observar os matizes culturais e técnicos, e suas derivações contemporâneas, em O Livro das Comunidades (1977), obra inicial e iniciática da autora. ************


Mauro Dunder e Nicole Guim de Oliveira - USP Gritos de Dor em Contralto: As Poesias de Noémia de Sousa e Elisa Lucinda e a Condição da Mulher Negra na Literatura de Língua Portuguesa A poesia de Noémia de Sousa (1926-2002) está vinculada a um período fundamental para a construção da poesia moçambicana. Contemporânea de José Craveirinha, Rui Nogar e do angolano Agostinho Neto, os versos da escritora do Catembe estão diretamente relacionados com a construção da identidade cultural de seu país. Nesse sentido, é fundamental notar que a questão da nacionalidade e, em uma esfera mais ampla, da africanidade, está na base de sua escrita. Além disso, o fato de a escrita de Noémia de Sousa trazer à baila a questão da voz feminina em uma cultura de opressão dá a seus versos uma relevância ainda mais profunda, como fica evidente na leitura do poema “Negra”. Nesse sentido, quase meio século após virem a público os primeiros escritos da moçambicana, Elisa Lucinda (1958), poetisa e atriz brasileira, lança, em 1998, O semelhante, obra na qual segue presente a voz que clama por um olhar cristalino, que se volte para a (ainda) cruel condição da mulher negra. Dentre os poemas que o constituem, “Mulata exportação” talvez seja, de longe, o mais controverso, exatamente por não medir as palavras com que se constrói. Este artigo propõe-se a uma leitura cruzada dos dois poemas, a fim de detectar as convergências imagéticas e ideológicas que lhes surgem, tendo como norte a noção de que, no que tange à escrita de um grupo constituinte de uma minoria em dupla instância, os caminhos trilhados pela sociedade estão muito distantes de haverem se alterado significativamente. ************ Miléia Santos Almeida – UNEB Nem vítimas, nem rés: Histórias de mulheres pobres nos processos criminais (alto sertão da Bahia/Brasil, 1900-1940) O presente trabalho destina-se ao estudo das experiências de mulheres pertencentes às camadas empobrecidas que viveram nas primeiras décadas do século XX, no alto sertão da Bahia, e mais especificamente na região de Caetité, por meio da análise de sua presença em processos criminais, sobretudo, de infanticídio e defloramento, e através do diálogo com outras fontes documentais. Para tanto, será necessário problematizar as relações de gênero tecidas cotidianamente e as formas de resistência feminina em um contexto no qual predominava um discurso “civilizador” de modernização, disciplinamento e moralização da sociedade brasileira. Neste sentido, os processos-crime expõem narrativas de mulheres que romperam a ordem moral vigente seja na subversão da representação da maternidade como missão feminina em práticas de aborto ou infanticídio, seja recorrendo ao poder judicial para “defender sua honra” em ações de defloramento, ou ainda protagonizando inúmeras ocorrências policiais que ilustram um cotidiano de violências, sociabilidades, amores, conflitos, sobrevivência e enfrentamentos. Sob o viés dos estudos de gênero e suas intersecções com outras categorias de análise, pretende-se romper com silêncios da historiografia acerca da vida destas mulheres, nem vítimas e nem rés, mas sujeitos que, através de suas histórias, descortinam aspectos da sociedade em que viveram. ************ Osmar Pereira Oliva – UNIMONTES Vozes do feminino Em surdina, de Lúcia Miguel Pereira Lúcia Miguel Pereira é hoje mais conhecida pelos seus livros de crítica literária do que pelos livros de ficção. Escreveu e publicou quatro romances: Maria Luísa (1933), Em surdina (1933), Amanhecer (1934), e Cabra-cega (1954). Sem querer parecer feminista ou atrevida, essas narrativas colocam em tensão os papéis sociais e afetivos desempenhados por


homens e mulheres, fazendo emergir vozes em surdina, provocando e desafiando a tradição patriarcal e machista. No Brasil, a década de 30 é conhecida como a fase do romance regionalista, essencialmente masculina, com escritores do porte de José Lins do Rego e Graciliano Ramos. É nesse contexto que Lúcia Miguel Pereira se inscreve, com narrativas urbanas e intimista, protagonizadas por mulheres que, mesmo aparentemente subordinadas ao casamento ou ao poder do pai, deixam entrever seu inconformismo e desejo de libertação. Este trabalho pretende, portanto, discutir as anunciações do feminino a partir de vozes baixas, em surdina, para não “incomodar” a ninguém. ************ Patrícia da Silva Cardoso – UFPR Mau olhado e uma viagem pelo interior feminino Mau olhado é um título sugestivo de romance. Curto, emana uma força que evoca diretamente o sobrenatural e seu misterioso funcionamento, numa estratégia que costuma ter grande apelo junto ao público. Tendo sido objeto de recepção favorável em seu lançamento, em 1919, o poder de atração deste título, no entanto, não foi suficiente para manter o romance em grande circulação. Pode-se supor que o motivo para sua discreta passagem pela história da literatura brasileira deva-se à inserção do livro numa temática bastante frequentada, qual seja, a da representação sociológica de um determinado contexto nacional – neste caso, a vida nas fazendas do interior paulista antes da abolição da escravatura. É para esse aspecto que chama a atenção Lima Barreto, na resenha que escreve sobre Mau olhado: “Segundo Guyau e pelas suas intenções, classificarei de sociológica a sua [de Veiga Miranda, o autor] interessante novela. Esse tipo curioso da nossa antiga propriedade agrícola, que é a fazenda, pinta-o e descreve-o o autor com minúcia e carinho”. Trata-se, na sua perspectiva, de uma trama que tem como interesse central descrever esse quadro, a ponto de para ele ser digna de nota a presença apenas acidental do elemento escravo no quadro. Ocorre que, quando se lê o romance sem a atenção orientada por seu caráter de descrição sociológica, trava-se contato com aquela força que emana do título, vinculada por sua vez à protagonista, Maria Isolina, jovem que se casa com um homem muito mais velho, proprietário da fazenda, experimentando a partir daí uma trajetória consideravelmente turbulenta, fruto do descompasso entre suas expectativas e a realidade que se lhe impõe com o casamento. Nesta comunicação pretendo investigar o modo como Veiga Miranda lida com a questão feminina – o desejo e as limitações impostas à mulher, num contexto de restrita liberdade –, construindo em seu romance um contraste significativo entre a possibilidade de descrição da realidade objetiva e a dificuldade em mapearem-se as paisagens interiores, como aquela que se descortina, apenas de modo insinuado, em Maria Isolina. ************

Paula Candido Zambelli – Université Sorbonne Paris 3 A batalha antológica: resgate, inclusão e (re)fundação da tradição literária nas contra-antologias femininas de fins do século XX. A partir do século XIX, no Brasil, a evolução do gênero antológico parece indissociável dos processos que visavam à criação e à transmissão de uma tradição literária genuinamente brasileira : sabe-se que os primeiros cânones românticos materializaram-se nos parnasos, florilégios e cursos de literatura oitocentistas. Consagrada e amparada nas fluidas noções de


autoridade e depuração, a forma antológica influenciou o conjunto das práticas letradas do século XX, definindo reputações literárias, princípios estéticos e ajudando a erguer os estreitos contornos da história cultural brasileira, responsáveis pela marginalização, entre outros grupos, das mulheres de letras, artes e ciência. A frequente instrumentalização das antologias pelo discurso dominante pode ser, em parte, explicada pelo fato de constituírem um espaço de coabitação e imbricamento dos discursos histórico, literário, estético e ideológico. Curiosamente, pela mesma razão, antologias tornaram-se o objeto editorial de predileção da Crítica Feminista, a partir dos anos 1980, para a publicação dos resultados de pesquisas de resgate dos textos de autoria feminina dos séculos XIX e XX. As contra-antologias femininas, tencionavam, assim, denunciar a exclusão, desconstruir os mecanismos canônicos tradicionais, fundar uma tradição literária própria e, ao mesmo tempo, expandir os limites da história cultural vigente. Nesta comunicação, pretende-se situar e analisar o projeto antológico do primeiro volume de Escritoras Brasileiras do século XIX: Antologia, obra emblemática do fenômeno aqui descrito. Busca-se compreender tanto os resultados da escolha do gênero antológico como campo de batalha para a revisão da história literária, quanto os desdobramentos ocorridos no interior próprio gênero antológico, finalmente, tão desconstruído quanto a ideia de tradição que se buscava reformular. ************ Paulo Assunção – Universidade Estadual de Maringá/Faculdade São Bento-SP Amélia de Leuchtenberg: retrato de uma mulher a margem do poder Amélie Auguste Eugénie Napoléone de Beauharnais, princesa de Leuchtenberg (1812-1873), segunda esposa do imperador D. Pedro I do Brasil (D. Pedro IV de Portugal), é uma das figuras femininas esquecidas em meio a turbulência política do século XIX. A comunicação visa a traçar o percurso biográfico da imperatriz do Brasil e suas andanças pela Europa e América, num momento de transformações sociais e políticas promovidas pelo liberalismo e nacionalismo. A intenção é delinear, por meio da correspondência passiva e ativa, o movimento do espírito de uma mulher envolta pela trama da vida. Desde cedo, a jovem Amélia de Leuchtenberg foi instada a enfrentar desafios como o casamento com um monarca viúvo, pai de cinco filhos e com uma reputação de amante incorrigível. Destemida, ela enfrentou o Oceano Atlântico e as dificuldades que emergiram, carregando no peito a saudade. Pouco tempo duraria o seu reinado nas terras tropicais. Após a abdicação de D. Pedro I (1831) ela retorna para a Europa e acompanha o processo das guerras liberais e o movimento do romantismo literário lusitano. Após a morte de D. Pedro (1834) passou a dedicar à filha do casal até o falecimento desta em 1853. A partir de então passou a viver reclusa no Palácio das Janelas Verdes, sem deixar de atuar na benemerência, demonstrando uma atenção extremada para com familiares e amigos. Contudo, a sua atuação foi minimizada devido à posição marginal que ocupou em relação ao poder de D. Maria II, D. Pedro V e D. Luís. A comunicação visa a traçar um retrato da força política, cultural e assistencial de uma mulher a margem do poder. ************ Paulo Motta Oliveira – USP Uma Ana pouco plácida e seu destino crítico O objetivo de nosso ensaio é refletir sobre a trajetória de Ana Plácido e do papel que Camilo Castelo Branco teve no quase apagamento de sua obra. Partindo de Luz coada por ferros (1863)


pretendemos analisar alguns aspectos do destino crítico da escritora ao longo dos séculos XIX e XX. ************ Pedro Marques – Instituto Camões Estratégias de defesa da mulher no século XVIII e o género editorial papel volante Em 1975, o ensaísta Arnaldo Saraiva aplicou o conceito de literatura marginal/izada à chamada literatura de cordel, aqui designada por papel volante. O conceito de Saraiva sugere um programa de aproximação a esta literatura que parece ser, pelo menos intuitivamente, produtivo. Por um lado, torna a distinção romântica entre produção popular e erudita irrelevante; por outro, reavalia o problema em termos de uma subversão de valores. O conceito de marginalidade assinala assim uma alteridade em relação às formas editoriais prestigiadas. Por outro lado, como explicar que à designação de cordel ou papel volante corresponda uma grande diversidade de temáticas e de formatações textuais? A expressão papel volante em particular oferece uma designação branca que não nos oferece uma caracterização definitiva deste tipo de produção editorial, antes remete para a inexistência de uma unidade de prestígio temático. De facto, enconramos papéis de medicina, conselhos práticos, agricultura ou história; temas enquadrados por tipologias como polémica, jornalismo, carta, teatro, prosa ou poesia. Entre esta literatura, encontramos uma série de doze publicações que, de 1715 a 1812, faz a apologia da mulher. Este número corresponde a cerca de vinte edições até meados do século XIX. A maioria aparece como resposta a onze textos misóginos, que atingem cerca de trinta edições nos séculos XVIII e XIX. Mesmo assim, o número de publicações antifemininas ultrapassa em muito as doze que directamente participam nesta polémica. Acreditando que os papéis volantes, como literatura marginal/izada, acarretam uma subversão de valores - cabe perguntar a) como se concretiza esta subversão no perfil editorial do papel volante; isto é, cabe perguntar como e se o género papel volante transforma os temas e os formatos textuais, e b) em que medida a produção pró-feminina encontra no género papel volante um espaço de alteridade e marginalidade. ************

Pedro Schacht Pereira - The Ohio State University Com quantas margens se alinhava um centro? Rememoração do Portugal Póscolonial em Esse Cabelo de Djaimilia Pereira de Almeida Partindo do cabelo crespo como metáfora da memória conflitiva de uma africanidade portuguesa, e de uma portugalidade vivenciada como distanciamento em relação aos mitos identitários hegemónicos, a recente obra Esse cabelo (Teorema, 2015), de Djaimilia Pereira de Almeida propõe uma reflexão crítica e poética sobre a construção da memória na encenação da identidade, que é também uma profunda meditação sobre o papel que a escrita literária pode desempenhar no melancólico trabalho de pensar o que significa “ter um país”. Esta comunicação procurará traçar as diferentes dimensões da marginalidade que se manifestam no texto de Esse cabelo, bem como entender como se articulam elas na construção de um centro de enunciação a partir do qual se possa imaginar um Portugal mais inclusivo em relação às diferenças que sempre o constituíram. ************ Sandra Leandro – Universidade de Évora Capas: ilustres mulheres artistas ilustram / primeiras décadas do séc. XX em Portugal


Marginal ao domínio das Belas-Artes e geralmente observado na época como “coisa menor”, a Ilustração serviu com frequência quer para mulheres artistas, quer para homens, como fonte de rendimento certo, ou complementar, à Pintura ou Escultura de que sempre foi difícil viver em exclusividade. Certo é também que Portugal tem vivido épocas de ouro no domínio da Ilustração, como nas primeiras duas/três décadas do século XX. De resto, estamos actualmente num outro momento de excepção considerando a qualidade dos(as) ilustradores(as), sendo esta actividade cada vez mais apreciada e valorizada. Nem sempre foi assim. Pretende-se com esta comunicação resgatar do esquecimento diversos trabalhos, procurando uma genealogia para o espantoso tempo que vivemos nesta área. Iremos deter-nos especificamente nas capas concebidas por algumas artistas como Raquel Roque Gameiro (1889-1970), Alice Rey Colaço (1893-1978), Sarah Affonso (1899-1983), Maria Adelaide Lima Cruz (1908-1985), Guida Ottolini (1915-1992), entre outras. Que livros terão elas ilustrado? ************

Simone Formiga - Centro de Estudos Interculturais (CEI) do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP Características de brasilidade e suas marginalidades O trabalho apresenta resultados da tese intitulada As representações nas vossas cabeças: sobre o estereótipo da mulher brasileira que habita o imaginário português. São analisadas imagens de atrizes/celebridades brasileiras retiradas de revistas generalistas portuguesas e verifica uma possível hipersexualização da mulher brasileira. Partiu-se da hipótese, que foi confirmada, de que as representações midiáticas do estereótipo da mulher brasileira servem como um mecanismo simbólico de contraste perante uma virtude atribuída à mulher portuguesa. Utiliza-se o conceito de Lippmann, “Na maior parte dos casos nós não vemos em primeiro lugar, para então definir, nós definimos primeiro e então vemos. (...) tendemos a perceber aquilo que captamos na forma estereotipada para nós por nossa cultura” (2008). Luciana Pontes acrescenta o conceito de estereótipo da mulher brasileira que habita o imaginário português e trata da exotização das mulheres imigrantes brasileiras em Lisboa. Segundo a autora, a imagem da mulher brasileira acaba por ser constituída por atributos de “brasilidade”, que estão relacionados com a etnicidade e a morenidade. (2004). Percebeu-se que a atribuição de uma hipersexualidade à mulher brasileira em Portugal é real e os elementos para o entendimento das origens deste conceito foram fornecidos pela História. O corpus foi retirado das revistas Focus e Sábado. As imagens foram analisadas cronologicamente e foram lidas a partir de características de análise pré-estabelecidas, desenvolvidas e embasadas nos conceitos de préiconografia, iconografia e iconologia de Panofsky. O pensamento de Bourdieu sobre o conceito de habitus, “a identidade social define-se e afirma-se na diferença” (2004) — também foi um referencial. Apesar de terem sido encontradas dez representações de atrizes/celebridades brasileiras hipersexualizadas, não se pode afirmar que hipersexualização seja um atributo de brasilidade. Porém, a análise do corpus aponta para atributos de brasilidade como: beleza, sensualidade, magreza, juventude, naturalidade em exibir o corpo e hipervisibilidade, atributos que, de certa forma, estão associados à hipersexualização. ************ Susana Antunes - University of Massachusetts, Amherst (USA) Cais do Sodré Té Salamansa: existências à margem nos contos de Orlanda Amarílis


Orlanda Amarílis (Santa Catarina, Ilha de Santiago, 1942), primeiro nome feminino de destaque na literatura cabo-verdiana, apresenta no livro de contos Cais do Sodré Té Salamansa (1974) existências de quotidianos marginais da mulher cabo-verdiana dentro ou fora das dez ilhas, realçando o seu carisma de resistência. Ao longo dos sete contos que compõem o volume, Orlanda Amarílis entrelaça um cenário físico e vital cujo itinerário se inicia na praça lisboeta do Cais do Sodré e termina na praça de Salamansa, na ilha de São Vicente, Cabo Verde. As narrativas apresentadas acontecem em espaços diferentes, mas confluem num lugar-comum: o (não-)lugar da desolação, da marginalidade, do desencanto – título do conto central do livro. Muito longe do final feliz desejado, os contos transmitem, a partir de diferentes perspetivas, paradigmas de modelos de frustração de quem está fora do seu contexto sociocultural, de quem não teve possibilidade de sair das ilhas e ainda de quem saiu e regressou já “um outro”. Habitados por carências e deceções advindas da excisão espiritual e cultural de quem não pertence a lugar nenhum, a representação desta estranheza, desta existência fragmentária como as próprias ilhas traduz-se na expressão da crioulidade mediante a fusão do natural com o sobrenatural em conjugação com a crítica social e racial projetada através do olhar feminino das personagens principais – na verdade, só em um dos sete contos a ação se centraliza em torno de uma personagem masculina. Os questionamentos que surgem do confronto do “eu” com o “outro”, a representação do feminino no exílio, a memória presente nos encontros/desencontros e o manifesto esquecimento são alguns dos aspetos presentes na escrita de Orlanda Amarílis. A perspetiva de lugar e de espaço apresentada por Yi-Fu Tuan, a dimensão de exílio abordada por Michael Seidel e a representação da memória segundo Jacques Le Goff são alguns dos fundamentos teóricos que sustentarão a abordagem proposta. Em Cais do Sodré Té Salamansa, Orlanda Amarílis elege o desencanto como o delicado fio circular que une todas as personagens como missangas: todas diferentes, mas suspensas no/pelo mesmo fio da marginalidade. ************ Tobias Brandenberger - Georg-August-Universität Göttingen Mulheres à margem: problemas da personagem feminina na ficção de Quinhentos Se a primeira narradora da História de menina e moça de Bernardim Ribeiro, personagem principal de uma enigmática peripécia, se encontra "tão longe de toda a gente" por vontade própria, convertendo a solidão do seu sofrimento amoroso em estímulo criativo vincadamente "genderizado", tais características dum isolamento feminino são absolutamente extraordinárias na literatura do século XVI. De facto, outras personagens femininas na narrativa portuguesa da época apresentam tipos de exclusão ou afastamento completamente diferentes que, por sua vez, contribuem para formas significativas de marginalidade.Tentar-se-á no nosso trabalho uma abordagem das figuras de mulheres marginais no romance português de Quinhentos desde a perspectiva dos gender studies literários, com particular atenção para os elementos de transgressão e/ou opressão veiculados e funcionalizados pelo narração. ************

Wiebke Röben de Alencar Xavier - UFRN Traduções e leituras femininas no Mundo Lusófono do século XIX: Salomon Gessner para diversão e educação nos círculos literários e no ensino Entre 1761 e 1886, em Portugal, nos Açores, no Brasil e na Índia, foram realizadas muitas traduções e imitações em língua portuguesa do poeta, prosador, pintor e editor suíço Salomon Gessner (1730-1788), incluindo o poema épico A Morte de Abel, os Idílios, o romance pastoril


Daphnis, O Primeiro Navegante e os dramas Evandro e Alcimna e Erast. O sucesso europeu de Gessner, chamado entre outros o “poeta da natureza” e “Teócrito suíço”, teve início em Paris, no início dos anos sessenta do século XVIII, com as relações que se estabeleceram entre tradutores e professores de alemão, negociantes de bens culturais, colecionadores de livros com gravuras e cientistas. Pela grande quantidade de traduções e imitações das suas obras em quase todas as línguas europeias, realizadas em bom número por mulheres, e pelas leituras e interpretações didáticas dos contemporâneos formou-se um verdadeiro fenómeno Gessner que combina bem com o entusiasmo pelo sentimentalismo nas obras do suíço Rousseau. Enfocando as traduções e leituras femininas de Gessner, pretende-se mostrar a diversidade e a complexidade da participação e contribuição feminina nas transferências culturais via tradução e na divulgação do fenómeno Gessner no espaço transatlântico de língua portuguesa do século XIX. ************


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