Brinquedo Tradicional Português

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Brinquedo Tradicional Português

Brinquedo

Tradicional Português UMA HISTÓRIA A DESCOBRIR NO CONCELHO DE VALONGO


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Brinquedo

Tradicional Português UMA HISTÓRIA A DESCOBRIR NO CONCELHO DE VALONGO


Ficha Técnica Título: Brinquedo Tradicional Português - uma história a descobrir no concelho de Valongo Autor: Sandra Raquel Silva Rodrigues Edição: Município de Valongo Data de edição: setembro 2019 Prefácio: João Amado Revisão de texto: Eugénia Gonçalves Design: Xpto Design, Lda Impressão e acabamentos: Tipografia Lessa, Lda Tiragem: 500 exemplares Depósito legal: 461312/19 ISBN: 978-989-54573-0-4

©Todos os direitos reservados. A reprodução total ou parcial, sob qualquer forma, dos textos e imagens contidos neste livro, carece de aprovação prévia e expressa dos respetivos autores, proprietários e do Município de Valongo.

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Desde 2014 que estamos coletivamente empenhados em promover e dar a conhecer ao mundo o nosso fantástico e invulgar Concelho de Valongo, tendo para esse fim identificado o que nos confere a força do nosso caráter e nos caracteriza e distingue no espaço metropolitano onde existimos, quer ao nível das tradições materiais e imateriais, quer ao nível do património natural e humano.

gia de afirmação e promoção, no país e no estrangeiro, de um território do grande Porto com uma identidade própria muito forte. Entre tantas outras, destacam-se a Feira da Regueifa e do Biscoito e a Festa do Brinquedo Tradicional Português, que, a curto prazo, passarão a ser projetadas todos os dias do ano nas futuras Oficinas da Regueifa e do Biscoito e do Brinquedo Tradicional Português.

Assim, surgiram as seis logomarcas, enquanto marcas identitárias de todo o Concelho: desde as Serras e Rios hoje integradas no Parque das Serras do Porto, com todo o seu património, ambiental e geológico, e o maior complexo mineiro subterrâneo de extração de ouro do Império Romano; passando pela muito antiga e nobre tradição de bem fazer pão, regueifa e biscoitos, entre outros produtos gastronómicos ligados à panificação; pela dimensão e história única da extração de Ardósia, a nossa bonita pedra negra; pela invulgar paixão das Bugiadas e Mouriscadas, uma das maiores festas de máscaras em todo o mundo cristão católico; pela relevância do nosso património religioso, bem simbolizado no santuário de Santa Rita, um dos maiores do país; até à arte do Brinquedo Tradicional Português, um saber fazer tão marcante para o imaginário de tantas gerações.

Neste contexto, de procura de conhecimento e outras experiências, tivemos oportunidade de visitar e conhecer o Museu do Brinquedo Português, em Ponte de Lima, onde mais de metade da coleção é constituída por brinquedos produzidos no concelho de Valongo, mais concretamente nas freguesias de Alfena e Ermesinde. Esta visita foi marcada pela troca de ideias e de opiniões, tendo a sua responsável à época, Dra. Sandra Rodrigues, surgido como uma interlocutora verdadeiramente apaixonada pelo brinquedo, motivo que constituiu, de facto, a razão para o desafio que lhe lançamos para conceber uma publicação dedicada à salvaguarda da memória de tão relevante e importante tradição, como é o brinquedo tradicional português na nossa terra.

Desde então, muitas têm sido as iniciativas desenvolvidas, dentro e fora do concelho, assentes nas nossas logomarcas, para dar corpo a esta estraté-

Dar a conhecer de forma perene, em formato papel e eletrónico, as riquezas do nosso território foi um desafio iniciado em 2016, no contexto das comemorações dos 180 anos da elevação de Valongo a concelho, com a publicação de algumas obras, e

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que terá novo impulso com a publicação de diversos livros sobre as nossas marcas identitárias e a nossa história. Este livro sobre o brinquedo tradicional português, especialmente o fabricado em Ermesinde e Alfena, pretende ser um testemunho para memória futura e uma homenagem às famílias que a ele dedicaram a sua vida, contando já algumas delas com várias gerações intimamente ligadas a este lavor, sem esquecer o fator motivacional para que outros lhe possam dar seguimento, eventualmente, em abordagens inovadoras.

No fundo, tal como em todas as outras logomarcas, pretendemos dar a conhecer um passado que nos orgulha pelo traço identitário que nos legou e abrir portas para que os mais jovens lhe possam dar continuidade, alicerçados num passado rico e inspirador, colocando as suas capacidades ao serviço da criação de novas formas de brincar e aprender, já que estas vertentes são indissociáveis num ser humano completo e feliz.

Parabéns a todos os envolvidos nesta publicação. O município de Valongo fica-lhes reconhecido!

José Manuel Ribeiro Presidente da Câmara Municipal de Valongo

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Agradecimentos

…e porque um livro desta dimensão não se faz sem o apoio de muitas pessoas, deixo o meu profundo agradecimento a todas as que de alguma forma colaboraram nesta edição. Antes de mais, ao Município de Valongo, ao seu Presidente da Câmara Municipal, José Manuel Ribeiro, pela confiança e oportunidade; por acreditar no brinquedo enquanto pilar da identidade concelhia; à Vice-presidente, Ana Maria Rodrigues, pelo incentivo, apoio e firmeza durante toda a obra. À Catarina Magalhães por ter sido incansável para que esta edição fosse um sucesso e aos restantes colaboradores do Município que estiveram sempre disponíveis. À Junta de Freguesia de Ermesinde, por toda a cooperação e à Junta de Freguesia de Alfena por me ter recebido. Ao Dr. David Ferreira da Direção Regional da Cultura do Norte, à Dr.ª Isabel Silva, diretora do Museu dos Biscaínhos e à Dr.ª Teresa d`Almeida d`Eça, responsável da coleção do Museu de Etnografia e História do Porto (MEHP), em depósito no Museu dos Biscaínhos, pela sua prestimosa e imprescindível colaboração.

Ao Luís Pereira do Arquivo Histórico do Município da Torre de Moncorvo, pelo empenho na procura de imagens do arquivo do prof. Santos Júnior. Ao Arquivo Distrital do Porto e à C.P. Comboios de Portugal pela gentil cedência de imagens. À Conservatória do Registo Comercial de Valongo e do Porto. Ao amigo Adélio Macedo Correia pela disponibilização de imagens e por me ter ajudado a conhecer melhor o “mundo do barro”. A todos os produtores, amigos e familiares que deram o seu testemunho, fundamental para não se perder a memória do brinquedo. A todos o meu muito obrigada!... - são eles: António Ascensão Tavares Carneiro, pela amabilidade e informações preciosas. Ao Aurélio Ferreira, à sua filha Joaquina Ferreira, ao genro Manuel Gonçalves e ao neto, César Gonçalves, pelas explicações, carinho e tempo que comigo despenderam. Ao Adérito Ferreira Moura e à sua esposa que gentilmente me acolheram e me ofereceram um pedaço das suas vidas.

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À Cândida Osório Ribeiro e ao seu marido, Emanuel Ribeiro, pela partilha. À Carminda Lopes pela simpatia e informações únicas. Ao Sr. Manuel da Rocha Ferreira e à sua esposa Juliana Martins pela generosidade com que me passaram tanto conhecimento. Ao Sr. Waldemar Penela por ser um homem único, sonhador, empreendedor, o verdadeiro mágico construtor de brinquedos. Ao Júlio Penela que propositadamente deixei para último, porque foi o primeiro a quem bati à porta, e a porta se abriu! Porque a ele lhe cabe ainda a grande responsabilidade de manter vivo o brinquedo tradicional, por saber que ainda o faz com a mesma paixão de há muitos anos, por estar sempre disponível, incansável e prestável, o meu agradecimento sincero!

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Depois existem aqueles que apanhados por um convite a meio desta aventura disseram logo que sim: à Eugénia Gonçalves que teve a grande tarefa de rever todo o texto e ao Professor João Amado que aceitou prefaciar este livro, sem hesitar, reviu-o e deu sugestões muito enriquecedoras. Muito obrigada! Restam os que me acompanham todos os dias, a quem roubei horas enquanto mãe, esposa, filha… a vocês, o agradecimento permanente de quem atura as minhas ausências. Tudo por um bom motivo!


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Prefácio

A obra que temos em mãos – Brinquedo Tradicional Português - uma história a descobrir no concelho de Valongo – e de que tive o privilégio de ser o primeiro leitor, é um grito de alerta para que se não perca a memória de um património cultural tão rico e tão variado, constituído pelos brinquedos tradicionais produzidos em oficinas de artesãos e em pequenas e familiares indústrias. Estes brinquedos foram o regalo das crianças de todos os tempos e lugares, colmatando o vazio existencial que as pecinhas feitas pelas suas próprias mãos, com produtos naturais e desperdícios caseiros, nem sempre preenchiam. Nesse sentido, a sua autora, Sandra Rodrigues, entrou, com grande mestria, no segredo dos arquivos e rastreou, com jeito etnográfico, histórias de vida que dão unidade e sentido a gerações sucessivas de famílias dedicadas, com prazer e criatividade, à produção e comercialização destes materiais lúdicos. De facto, os grandes protagonistas deste livro são mesmo essas famílias de produtores de brinquedos tradicionais, localizadas, desde o século XIX, na região de Valongo, região que, por isso, aqui também merece o destaque de segundo protagonista. Temos pois, de um lado, gente (homens e mulheres) que há mais de cem anos, uma vez descoberto um filão, a que por certo não eram estranhas as

habilidades e criações da própria infância, entregaram como herança o seu interesse, entusiasmo e engenho (que os levava até a inventar ferramentas e máquinas ajustadas a seus fins), aos filhos e sobrinhos, e estes à geração seguinte numa continuidade de envolvimento familiar a que só os novos tempos de brinquedos e de instrumentos musicais eletrónicos vão irremediavelmente pondo cobro, apesar de alguns louváveis resistentes. Por outro lado, deparamos com uma região que fez desta indústria uma espécie de halo a atrair atenções sobre si e se tornou um traço marcante da sua identidade cultural, muito mais do que mera atividade económica. Nessa linha se compreende a solidariedade que se verificava, por vezes, entre pequenas empresas locais, ligadas até a outros ramos… como a da “padaria vizinha” que se dispunha a secar os moldes de pasta de papel quando o Sol não queria colaborar! Só o facto de se tratar de brinquedos explicaria, em grande parte, gestos tão bonitos entre a vizinhança! Para não falar do “nobre exemplo de solidariedade humana” que os “industriais” se empenhavam em dar fazendo doações, quase à porfia, para crianças pobres e órfãs, como forma de alimentar os seus sonhos lindos… O empreendedorismo (como hoje dizemos) de alguns destes industriais, tendo-se iniciado na produção de brinquedos, impulsionou-os para outros rasgos de maior fôlego e risco empresarial.

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Personalidades, famílias e uma localidade emergem, portanto, do texto como uma placa giratória para a qual afluem ideias, recursos, exemplos que até podem vir de muito longe (no tempo e no espaço), como estímulo e fonte de inspiração para novos produtos que nunca deixaram de ter marca própria, local, para além de tudo o que os ventos da história brindassem, numa época em que já se anunciava a inexorável globalização. Mas de uma tal placa difundem-se, também, para todo o país, para a Europa, para as colónias de então, aqueles brinquedinhos de pasta de papel, de madeira, de folha-de-flandres que ainda hoje perduram na memória de tantas pessoas, associados a prendas de uma tia ou de uma madrinha em dia de aniversário, a prémios pelos êxitos escolares, a furtos em dia de feira e romaria. Quem não se emociona com essas recordações, que a documentação fotográfica, numerosa e excelente, tão bem ajuda a reconstituir? Por mim, não pude deixar de recordar a história da minha “Tia Viola”!... Deolinda, de seu nome, solteira, trabalhava em Moura, no Alentejo. Certo Natal veio a casa (Loureiro/Coimbra) com prendinhas destinadas aos sobrinhos mais novos. A mim, talvez com uns 5 anitos, coube uma violinha de madeira, leve e colorida, de encantar! E a tia passou a ser, primeiro, a “tia da Viola”, e depois, a “tia Viola”!. Como ela se ria desta inocente alcunha! É também por isso que este trabalho, no que explicita e subentende, ultrapassa em muito a região de Valongo e proximidades; ele diz respeito à cultura de uma nação (ao seu imaginário e ao pensamento pedagógico, psicológico e sociológico em torno da infância, da educação, do brincar e do brinquedo na vida das crianças) e à sua história (demografia, rede viária, transportes, relações comerciais com o estrangeiro, etc.). Por isso, como é

dito em determinada parte, “A história do brinquedo em Portugal não se pode dissociar da História no seu todo”, porque vai sofrer todas as suas vicissitudes, sejam eles atrasos ou progressos. O texto termina partilhando uma questão e uma angústia: Qual será o futuro deste património, num tempo em que tais brinquedos, por imposição das normas da União Europeia, têm de deixar de o ser para não passarem de meras peças de artesanato?! E não serão de estranhar decisões desta natureza, numa época em que as crianças, contra tudo o que a ciência e o bom senso vão afirmando, são metidas em redomas de vidro, afastadas da terra, da chuva, das ervas e das flores… e de tudo o que estimulava a imaginação dos garotos e garotas de outrora? Enfim, fiquei contagiado por este grito de alerta… contagiado pelo tema (dos brinquedos tradicionais artesanais e industriais… o meu campo tem sido os dos brinquedos tradicionais populares, os tais feitos pelas e não para as criança); contagiado pelo entusiasmo e pela alegria que ressuma do próprio texto; contagiado pelo rigor quer da escrita quer da pesquisa, assente em testemunhos diretos e em documentação variada. Trata-se de uma viagem no tempo, onde se dá conta não só dos novos tipos de brinquedos e das matérias-primas de que eram feitos (da pasta de papel à folha de flandres para terminar no plástico), como se testemunha a evolução das tecnologias, lenta, por vezes improvisada mas sempre eficaz, bem como se acompanham histórias de vida pessoais e trajetórias familiares inter e transgeracionais. A não perder… João Amado*.

*Professor Associado com agregação, aposentado, da Universidade de Coimbra (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação).

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Introdução

Era uma vez: um mundo de brinquedos, construídos por mãos sábias, num vale cheio de histórias, envolto pelas serras do Porto!

da quantidade de informação que não possuo e que, extrapolando o âmbito desta publicação, irei continuar a procurar.

O concelho de Valongo tem o privilégio de se poder orgulhar das suas gentes: daquelas que, com valentia, retiravam o ouro negro das minas - a ardósia; das outras que, de manhã cedo, percorriam quilómetros para abastecer de pão a grande cidade, onde a vida corria com a velocidade própria de uma metrópole; e ainda dos que, mesmo não sabendo, iriam ficar para a história do brinquedo nacional, isto é, os que começaram por fazer “quinquilharias para os miúdos” e acabaram a exportar verdadeiras preciosidades do universo infantil.

A história do brinquedo no território de Valongo é de uma riqueza ímpar e só quem a ela se dedica pode perceber o quanto é relevante para a preservação da identidade cultural deste concelho. Em boa hora, o Município de Valongo quis apostar em proteger o seu património, através de várias ações. Entre elas está esta edição.

Em jeito de introdução, convém apresentar-vos a metodologia e explicar como alguém que, não sendo valonguense, acaba envolvido neste trabalho. Tudo começou há alguns anos, altura em que, por motivos profissionais, parei em Alfena e Ermesinde1. O brinquedo português passou a fazer parte do meu quotidiano e a ele me fui dedicando, entre a investigação do que nada sabia e na filtragem do que, estando publicado, carecia de validação científica. Hoje sei seguramente mais do que há oito anos, mas também tenho consciência

Confesso-vos que o desafio que me foi lançado causou-me um misto de alegria e apreensão. Alegria, porque, sem dúvida, me sinto lisonjeada pela oportunidade de poder partilhar conhecimento e de seguir a investigação numa das áreas mais emblemáticas da infância, como são os brinquedos, em particular num dos concelhos pioneiros na construção do brinquedo industrial português. Apreensão, uma vez que existia um prazo para a realização do trabalho e, considerando o manancial de informação a recolher, seria questionável o sucesso da operação. Afinal, a apreensão foi-se esvanecendo, à medida que percorri arquivos

1 Ao Carlos Anjos o meu agradecimento por me ter levado por este caminho…

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e bibliotecas e me fui aproximando daqueles que produziram ou produzem brinquedos, familiares e amigos. Sem eles esta obra não seria possível! Desenganem-se aqueles que vêm à procura de um livro complexo, com um rol exaustivo de fabricantes. Muito está por estudar, porém há que começar por algum lado! O que fiz foi tentar validar algumas informações dúbias que rodeiam o brinquedo. Se as encontrei, unicamente a história se encarregará de o revelar. Por outro lado, procurei que o testemunho dos que construíram brinquedos fizesse parte da narrativa deste livro. Por agora, partilho o que consegui compilar. Fica a promessa de que prosseguirei na procura de elementos que possam vir a enriquecer esta magnífica história do brinquedo. Durante a obra, o caro leitor vai percorrer vários capítulos, começando no tema da definição do brinquedo. Segue-se um breve enquadramento das produções de Valongo no contexto do fabrico de brinquedos portugueses e na relação da indús-

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tria com a história nacional. O terceiro capítulo é aquele que apresenta mais intervenientes. Somos muitos a escrever aquele texto, até porque, sem as entrevistas aos produtores e familiares, não poderia relatar a história de quem construiu milhares de brinquedos. Seguimos a aventura do comércio e escoamento de mercadorias e terminamos com vários desafios. A mim, resta-me humildemente agradecer a amabilidade com que, sendo forasteira, me acolheram, nas vossas fábricas e nas vossas casas! Eu acolhi-vos no coração. Desejo que este livro contribua para que a história vos eternize e recorde como a indústria do brinquedo no concelho de Valongo fez tantas crianças felizes! A todos aqueles que continuam a acreditar nesta indústria um Bem-Haja!


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Brinquedo Artesanal ou Industrial: definições e enquadramentos

Quando falamos de brinquedos, temos a tendência natural de os associar à criança, lógica mais que evidente no contexto social, pois são as crianças os destinatários destes objetos. Nos últimos anos, muitas abordagens têm sido realizadas em torno da função do brinquedo para o desenvolvimento infantil, para a aprendizagem de saberes lúdicos e pedagógicos. Estas teses, apropriadas à visão contemporânea da procura do conhecimento, não chegaram contudo à perspetiva socioeconómica da produção do objeto. Pretendemos com isto dizer que poucos se dedicaram aos que construíram brinquedos. Àqueles que, quase no anonimato, foram enchendo bazares, feiras e romarias um pouco por todo o país e, mais tarde, se expandiram até às colónias ultramarinas portuguesas. Balizando o início da nossa intervenção neste trabalho, começámos no século XIX, não pelo facto de inexistirem dados, mas visto que a sua fiabilidade só se atinge a partir da centúria de oitocentos, particularmente se considerarmos que o objeto de estudo se baseia em registos comerciais, registos

de nascimentos e casamentos, a partir dos quais, fomos seguindo a genealogia das famílias de fabricantes que chegaram até aos nossos dias. A função do brinquedo2, essa, é discutível e não nos iremos alongar em demasia, já que existem múltiplos estudos, como anteriormente o mencionámos, que a ela se dedicam. Todavia, é pertinente fazermos uma breve alusão para esta temática não parecer inédita, dado que o não é! Além de limitarmos temporalmente a nossa intervenção, importa referir que existem grandes diferenças, quando abordamos a questão portuguesa em relação aos países do centro da Europa, como a Alemanha ou a França, onde o desenvolvimento intelectual e industrial foi anulando a mentalidade do Antigo Regime. No século XVIII, ideais como o de Jean-Jacques Rosseau ou a pedagogia do alemão Freidrich Froebel contribuíram para o estudo da criança enquanto ser distinto do adulto. Visão divergente dos séculos anteriores onde esta era tratada apenas como um “pequeno adulto”. “Tradicionalmente acredita-se que há um vínculo direto e imediato entre a criança, o brinquedo e o brincar.

2 João Amado designa “como brinquedo aqueles objetos, mais ou menos estruturados, que servem e serviram de suporte material às brincadeiras e jogos infantis de hoje e de sempre, instigando a imaginação das crianças e permitindo-lhes uma inserção, através da fantasia e do faz de conta, no mundo social e cultural que as envolve.”; AMADO, João – Jogos e Brinquedos Tradicionais na Ilustração das Cartilhas Escolares (séc. XIX & XX). In Egitania Sciencia. Revista Journal 20. Ano 11. Instituto Politécnico da Guarda. 2017, pp. 115-136.

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Parte-se da ideia de que a criança, na história da humanidade, sempre teve brinquedos e brincou”3. Em nossa opinião, sempre existiram brinquedos “industriais”, porém apenas em contexto sociais favorecidos. Aos restantes, à maioria das crianças, restava-lhes o trabalho com a família, assim que a sua estrutura física o permitisse, pois o sustento era garantido quantos mais braços trabalhassem. A brincadeira, essa, deveria estar encoberta entre a responsabilidade das tarefas e a sua meninice, muitas vezes materializada com brinquedos feitos pelas suas próprias mãos, a partir do que a natureza lhes oferecia. Na realidade, esta visão “antiquada” da Europa do século XIX é bem real em Portugal até meados do século XX. Entendemos que seria prematuro recuarmos ao século XVIII, quando o nosso país, iminentemente rural, ainda não tinha despertado para as questões da criança e da sua infância, mesmo cem anos depois4. No seu estudo sobre a produção industrial portuguesa, de 1870 a 19145, Jaime Reis fala-nos de informação deficitária, quando se tenciona abordar a história económica portuguesa dos finais do século XIX e inícios do século XX e, em razão disso,

cinge-se às indústrias com maior expressão, como a dos algodões, lanifícios, linho, cânhamo e juta, tabaco, metalurgia, cortiça, conservas de peixe, extração mineira e papel. Não exclui a existência de outras, todavia foi nestes setores que encontrou dados fiáveis6. Pese embora esta constante ausência de referência aos brinquedos, continuámos à procura de fontes documentais que nos fornecessem alguma informação e, entre outras, deparámo-nos com o relatório da Exposição Industrial Portuguesa de 1891, realizada no Palácio de Cristal no Porto7. O documento corrobora a teoria da pouca relevância do brinquedo e da sua indústria no século XIX português, senão vejamos: “N`este certâmen não podiam ser bem representados os jogos e os brinquedos porque este importantíssimo ramo é em extremo descurado no nosso paíz, já debaixo do ponto de vista pedagógico, já considerado no campo da industria nacional”8. Refere ainda o autor do relatório que países como a França e a Alemanha já perceberam que a indústria dos jogos e brinquedos é fundamental para o desenvolvimento “physico e intelectual da mocidade”, afirmando que Portugal evidencia um grande atraso, motivo pelo qual importa, de ou-

3 KISHIMOTO, Tizuko Morchida- O brincar e as suas teorias. São Paulo. Pioneira. 1998, p.155. 4 Michel Manson, no seu livro História do Brinquedo e de Jogos: brincar através dos tempos, revela a evolução da grande produção de brinquedos: “De facto, a partir de meados do século XVIII, os ateliês dos artesãos produziam anualmente milhões de brinquedos, populares ou luxuosos e, a partir de 1760, as lojas parisienses já atraíam a clientela com publicidade, aquando das festas do Ano Novo.” (p.10) A Europa central do século XVIII era já uma grande produtora de brinquedos, longe da realidade portuguesa. 5 REIS, Jaime- A produção industrial portuguesa, 1870-1914: primeira estimativa de um índice in Análise Social. Vol. XXII, 1986. Pp.903-928. 6 Opinião distinta tem Pedro Lains quando referiu que para “avaliar o crescimento do produto agrícola e industrial em Portugal, no período entre 1851 e 1913, podemos contar com um conjunto razoável de estatísticas oficiais sobre as principais produções da agricultura e os respetivos preços, e ainda com dois recenseamentos de ocupação de selos, três de recenseamento pecuário e três de recenseamentos parciais para a produção da mão-de-obra na indústria” in A Economia Portuguesa no século XIX. Imprensa Nacional Casa da Moeda. 1995. 7 Relatórios da Exposição Industrial Portugueza em 1891 no Palácio de Crystal Portuense, Porto, 1891. Lisboa. Imprensa Nacional. 1893. 8 Idem, p.389.

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tros países, tudo o que necessita. Defendia ainda o relator que “jogos e brinquedos constituem um factor importantíssimo, tanto na mão do educador inteligente e desvelado, como na do professor instruído e abalisado.”9 Veiculava a ideia de que o país precisava de ter mais indústria no campo dos brinquedos e deixava idêntica crítica aos pedagogos que não teriam ainda percebido o papel que esses brinquedos poderiam desempenhar no ensino das crianças. Curiosamente, na década anterior, tinha surgido a Sociedade de Instrução do Porto, “maioritariamente constituída por uma burguesia intelectual marcada pelo racionalismo positivista, bastante ligada ao ensino superior, que ocupava cargos públicos relevantes”10 e com uma consciência clara da necessidade de intervenção na educação/instrução e cultura portuguesas. A Sociedade procurou promover iniciativas que demonstrassem não apenas o que era produzido nas grandes industrias mas igualmente o que se passava em boa parte do país, especialmente nas produções artesanais. As aldeias eram “chamadas” à cidade, com programas bem definidos. Entre outras, no programa enquadrou-se uma grande exposição dedicada aos “trabalhos mecânicos”, modernos e populares, que “decorreu de 14 de Maio a 18 de Junho de 1882 e contou com a participação de inúmeros expositores, sobretudo de estabelecimentos de educação”11. Demonstrava, ao contrário do defendido pelo relator da

Exposição Industrial de 1891, que os professores estavam despertos da necessidade de incentivar as crianças para a importância do “conhecimento científico e do saber técnico”, pois nesta a participação das crianças foi significativa com desenhos, “pintura e lavores”12. De volta à Exposição Industrial de 1891, no Palácio de Cristal, no Porto, encontrámos referência a três indústrias que deixamos como mero apontamento histórico: a fábrica “Cunha Moraes, de Crestuma, em Gaia”, com uma considerável coleção de balões venezianos. Informa-nos o relatório que teria sido fundada nove anos antes da exposição, ou seja, por volta do ano 1882. Outra de fabrico similar, com sede em Celorico, cuja fundação remontaria ao ano anterior ao da exposição. Por último, a J. Deveza - fábrica de produtos “pyrotecnicos, brinquedos para sala e jardim”, anunciada como sendo da cidade do Porto “única n`este género de industria no nosso paíz”.13 Se atendêssemos exclusivamente ao descrito no relatório sobre a Exposição Industrial de 1891, diríamos que não existiriam, na época, outros fabricantes portugueses de brinquedos, todavia o mesmo documento refere que foi insuficiente o tempo para localizarem e convidarem outros fabricantes, o que nos leva a concluir que outras indústrias já se dedicariam ao fabrico de brinquedos, embora talvez com pouca expressão nacional. Contudo, em que consiste a indústria do brinquedo?

9 Ibidem, p.404. 10 CARDOSO, Duarte Nuno Barros- Sociedade de instrução do Porto in Douro, Estudos & Documentos. 16. GEHVID- Grupo de Estudos de História da Viticultura Duriense e do vinho do Porto. FLUP. Porto. 2003, p.128. 11 Idem, p. 137. 12 Ibidem,p.138. 13 Idem nota 3, p. 406.

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Palácio de S. João Novo, Porto, onde foi instalado o Museu de Etnografia e História do Porto.

Durante o século XIX, surgem algumas reflexões sobre os novos ideais pedagógicos e sobre a interpretação da funcionalidade do brinquedo. João Amado14, na sua obra sobre brinquedos populares, dá-lhes enfoque, reconhecendo que alguns autores abordaram esta temática não como primacial, mas enquadrada noutras.

De entre as fontes escritas, com cariz científico, destaca Adolfo Coelho (1883) que “reconhece nos jogos e brinquedos tradicionais, bem como nos contos, fábulas e rimas…um recurso educativo fundamental para a transmissão de valores, de práticas culturais e de atitudes intelectuais face ao mundo, adequadas ao espírito da criança e sólido ponto de partida para ulteriores desenvolvimentos.”15 Também o etnógrafo António Augusto da Rocha Peixoto, no início do século XX, haveria de escrever sobre as indústrias populares, no seu artigo as Olarias de Prado16, onde defendeu que a “fabricação com destinos infantis é, de resto, bem antiga; já verosimilmente nas palafitas da idade do bronze, já nos túmulos das crianças, de todas as regiões helénicas se encontram objectos próprios para elas”. José Leite de Vasconcelos, outro grande vulto da Etnografia Portuguesa, dedicou-se, entre muitos outros, ao estudo de brinquedos e “brincadeiras” de cariz popular. No entanto, será em pleno século XX que as teorias se tornariam mais relevantes e deixariam, para o futuro estudo da história do brinquedo, matéria concreta. Passemos ao exemplo da curiosa história da montagem do Museu de Etnografia e História da Província do Douro Litoral, não pelas motivações e perspetivas políticas, mas pela “construção” da sala dedicada aos Brinquedos. Com as alterações introduzidas pelo Código Administrativo de 1936, que concedia às “Juntas de Província atribuições de fomento e coordenação económica, de cultura e de assistência”17, surge,

14 AMADO, João- Universo dos Brinquedos Populares. 2ª edição (2007). Quarteto, p.21. 15 Idem, p. 21. 16 PEIXOTO, R. (1966 2º ed.). As Olarias de Prado. Cadernos de Etnografia 7, Número Especial e Comemorativo do I Centenário do Nascimento de Rocha Peixoto. Barcelos. Museu Regional de Cerâmica. (1ª ed. 1900) 17 LIMA, Augusto César Pires de- Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos. 1º volume. Junta da Província do Douro-Litoral. Porto. 1947, p.46.

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no Porto, uma Comissão de Etnografia e História, visando dar cumprimento às novas imposições. É nesta Comissão que nasce a ideia da criação de um Museu Etnográfico, tendo a Junta da Província acolhido bem a proposta. “Começaram então a juntar-se materiais, uns adquiridos por oferta ou depósito, outros por compra, multiplicando-se as visitas aos concelhos da Província, realizadas pelos nossos companheiros Dr.s Pedro Vitorino e Armando Matos”.18 À frente da organização do novo museu ficaria o Dr. Pedro Vitorino, ilustre portuense, nascido em 1882, e filho do pintor Joaquim Vitorino Ribeiro. O Dr. Joaquim Pedro Vitorino Ribeiro, assim foi o seu nome completo, era um homem invulgar. Dotado de uma veia artística por natureza, acabaria a formar-se em medicina. Serviu na I Grande Guerra, de onde trouxe louvores e, na tentativa de “salvar as artes”, foi conservador no Museu Municipal Portuense, organizando várias exposições de renome. 19 Muito haveria a reportar sobre a pessoa do Dr. Pedro Vitorino, contudo o essencial, nesta obra, é relembrar a sua ação na montagem da Sala dos Brinquedos do Museu de Etnografia e História do Douro Litoral:

“Desejando criar no Museu uma sala de brinquedos, recorri aos Ex.mos Professores por intermédio do Ex.mo Sr. Director do Distrito Escolar, e a colheita foi riquíssima, como se vê dos exemplares carinhosamente selecionados e dispostos.”20 Solicitou que as crianças, nas respetivas escolas, elaborassem brinquedos que representassem as suas terras e, assim, aconteceu, resultando num mostruário, em miniatura, dos diferentes objetos utilizados nas distintas atividades económicas. Um retrato material da Província do Porto! 21 “Já salientei a importância dos jogos e dos brinquedos sob o ponto de vista histórico, pois alguns recordam armas, costumes e instituições dos nossos antepassados; sobre os meios que eles podem fornecer para a orientação profissional, basta citar o exemplo de Soares dos Reis, altura em que era marçano na mercearia do seu pai em Vila Nova de Gaia: «Fazer bonecos de pau e desenhar era a preocupação do petiz»; as boas donas de casa podem formar-se por meio de bonecas, monecas, bruxas ou nenas…”. 22 Conseguiu desenhar um repositório de objetos do quotidiano da lavoura, da pesca e até “das pás das padeiras de Valongo”23.

18 No Congresso Nacional de Ciências da População foi aprovada a proposta de, e na sequência da Exposição Etnográfica, “se criar no Porto um Museu de Etnologia Provincial, onde se reúnam todos os objectos, cuja dispersão seria lamentável”; referia ainda que se impunha a “protecção do Estado para que não desapareçam a indústrias tradicionais”. Mais de setenta anos passados e o discurso parece atual! 19 LIMA, Augusto César Pires de- Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos. 4º volume. Junta da Província do Douro-Litoral. Porto. 1949, pp. 393-427. 20 LIMA, Augusto César Pires de- Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos. 1º volume. Junta da Província do Douro-Litoral. Porto. 1947, p.51. 21 “O brinquedo é um artefacto que traz em si uma realidade cultural, é rico de significações que permitem compreender determinado lugar, sociedade e cultura.”- REIS, Maria Teresa Pires Teles dos- Brinquedo, Jogo e Educação em Portugal. Um direito da infância (séculos XIX e XX).Mestrado em Ciências da Educação. Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação. Lisboa. 2006, p.60. 22 LIMA, Augusto César Pires de- Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos. 2º volume. Junta da Província do Douro-Litoral. Porto. 1948, p.163. 23 LIMA, Augusto César Pires de- Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos. 4º volume. Junta da Província do Douro-Litoral. Porto. 1949, p. 432.

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Numa reunião com a Direção Regional da Cultura do Norte24, acerca do Museu de Etnografia e História da Província do Douro, não encontrámos as pás de padeiras (destas nenhuma), mas, sim, mobílias: um louceiro de madeira com um lava-loiça em ardósia e um tanque de lavar roupa, todo de ardósia. Embora o segundo não esteja identificado, será seguramente, pela qualidade e cor da ardósia, oriundo do mesmo concelho do louceiro, este bem identificado com uma etiqueta onde se lê: “Escola Feminina da Vila de Valongo”. Pela qualidade das duas peças que ainda restavam do acervo, não nos atreveríamos a afirmar que fossem as crianças a construí-las, antes algum dos fabricantes do concelho, quiçá familiar de alguma das meninas que frequentaria a escola. Curioso é o uso da ardósia nos brinquedos, perdido na produção industrial, embora comum nas casas valonguenses. O Dr. Pedro Vitorino viria a falecer, de forma trágica, um ano antes de o museu abrir portas ao público: a 15 de dezembro de 1945. Nessa data, assumiu as funções de diretor, Augusto César Pires de Lima, que já presidia à Comissão de Etnografia e História, da Junta da Província do Douro Litoral, tendo ainda dirigido a edição do Boletim do Douro Litoral. Lançou vários estudos com particular relevância para os volumes “Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos”, edição da Junta da Província. A partir de 1959, a direção passa para o seu sobrinho Fernando Castro Pires de Lima. Em 1973, haveria de tomar posse o seu último diretor: Fernando Lanhas, arquiteto de formação, ficaria conhecido pela pintura. Foi homem de “sete ofícios”, com interesses tão diversos como a astronomia, a arqueologia ou a etnografia. Ocupou o cargo de diretor do Museu de Etnografia do Porto até ao seu encerramento ao público. Mestre conhecedor e investigador do 24 Um especial agradecimento ao Dr. David Ferreira da DRCN.

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Roteiro do Museu Etnográfico de História da Província do Douro-Litoral de 1952, com a descrição da Sala dos Brinquedos. Propriedade da autora.

Brinquedo Industrial! O mesmo que haveria de elaborar a primeira cronologia do brinquedo em Portugal, desde os finais do século XIX e a inventariar os fabricantes do concelho de Valongo. Deixou-nos um legado importantíssimo para se avançar com o estudo dos brinquedos portugueses. Regressamos à questão do desenvolvimento industrial, tendo em vista procedermos a um melhor en-



Louceiro de madeira com lava-loiça em lousa. Direção Regional da Cultura do Norte.

Pormenor do louceiro. Etiqueta com a legenda “Escola Feminina da Vila de Valongo”.

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quadramento do brinquedo valonguense. Segundo Jeanne Bandet e Réjane Sarazanas25, Roger Pinon dividia a história do brinquedo em três períodos: “o primeiro é aquele em que cada um, desde que fosse medianamente apto, faria os seus próprios brinquedos ou, pelo menos, os receberia do seu próprio meio; o segundo seria aquele em que o brinquedo é o produto de uma indústria artesanal; o terceiro seria o da produção industrial”. No nosso entender, nas palavras de Pinon encontra-se a divisão correta da produção, contudo não à luz da história, como se de uma evolução se tratasse, sobretudo porque uma produção não termina quando a outra começa. É verdade que, desde muito cedo, as crianças foram construindo os seus próprios brinquedos, porém também existiam produtores de brinquedos. O que mudava eram os agentes produtores. Consideremos como variáveis a condição social onde a criança se integrava e a localização geográfica da sua habitação. Estes dois fatores são fundamentais, se os enquadrarmos nos finais do século XIX até meados do século seguinte; senão vejamos: a maioria da população portuguesa trabalhava na agricultura e as crianças eram, desde muito cedo, incluídas nestas tarefas diárias. A elas restava-lhes a criatividade para produzir brinquedos, normalmente a partir do que dispunham na natureza. Brinquedos construídos pelas suas mãos ou pelas dos pais que, sem custos, se destinavam à brincadeira. São os Brinquedos Populares, muito bem retratados por João Amado. 26

Tanque de lavar roupa em lousa. Direção Regional da Cultura do Norte.

Por outro lado, em dia de festa ou romaria, poderia haver um dispêndio excecional, num brinquedo produzido por mãos adultas, aquele que Pinon identifica como oriundo da indústria artesanal. A categoria de brinquedo tradicional assume-se como o resultado da indústria artesanal; o brinquedo que, apesar de construído em pequenas indústrias de cariz familiar, é produzido com a intenção de venda, enquanto produto do qual se espera lucro.

25 BANDET, Jeanne e SARAZANAS, Réjane- A criança e os brinquedos. Editorial Estampa. 1973, p.37. 26 “A tradição dos brinquedos realizados pela própria criança ou por familiares e amigos para que ela se divirta, vem de sempre e observa-se em todos os lugares- é a essa tradição que me refiro quando falo em “ brinquedos populares”, distinguindo-os, desse modo, dos brinquedos, igualmente tradicionais mas realizados por mão “especializada”, artesã, e normalmente comercializados”. AMADO, João- Universo dos Brinquedos Populares. 2ª edição (2007). Quarteto, p.19.

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Ambos terão coexistido, provavelmente até aos nossos dias, logo temos de ser cautelosos a nível das classificações, já que, embora elas existam, não se podem usar como linha temporal. A segunda premissa, além da condição socioeconómica da família da criança, é a localização da sua residência. É mais fácil a uma criança que habita nos subúrbios de uma cidade, onde se produzem/vendem brinquedos, estar desperta para a sua existência e provocar a sua compra, ou a outra que, não tendo tomado contacto e não havendo fabricantes de brinquedos por perto, possa vir a “sonhar” com um? Lógico é que quem conhece, conviva todos os dias com estes brinquedos, produzidos de forma industrial ou artesanal, esteja mais desperto para incluir nas suas brincadeiras estes objetos mágicos. Verdade, porém, é concordarmos que o brinquedo industrial é o último a surgir nesta classificação, por força duma fraca implementação dos processos industriais em Portugal. Todos terão coabitado em universos distintos, mas temporalmente contemporâneos! No concelho de Valongo, produziram-se todos os tipos de brinquedos, dos populares aos industriais. Contudo, neste trabalho, considerando a classificação anterior, vamos dedicar-nos apenas à produção tradicional/ artesanal e à produção industrial.

Todavia, questionámos Pinon. As dúvidas surgiram-nos, quando tentámos definir onde termina a produção tradicional/artesanal e começa a produção industrial. Esta última parece-nos simples de entender, dado que a introdução da maquinaria e a constante adaptação de processos construtivos ajuda a caracterizá-la. Não obstante, o que fazer com a produção tradicional/ artesanal? São os brinquedos feitos à mão, com a ajuda de algumas ferramentas? E quando o método de produção, apesar de ser “à mão com ajuda de ferramentas”, passa a ser em série não tem perfil para se apelidar de industrial? A título de exemplo, no concelho visado, temos Manuel Ferreira que iniciou a sua atividade como funcionário da indústria de José Augusto Júnior. À data, fazia-se nessa empresa, a “A Industrial de Quinquilharias de Ermesinde” de J.A.J., brinquedos de madeira e folha de flandres. Mais tarde, na altura em que o plástico começou a entrar na produção, Manuel Ferreira saiu da empresa de José Augusto Júnior. Este facultou-lhe inclusive alguma maquinaria para Manuel se instalar e encetar o seu próprio negócio. O Sr. Manuel continuou a produzir os brinquedos de madeira, que tinha aprendido na fábrica onde trabalhou, até aos nossos dias!27 Pela quantidade, e pelo método de produção, “A Industrial de Quinquilharias de Ermesinde” produzia brinquedos “industriais”. Porém, quando o funcionário se instalou em sua casa e iniciou a

27 O nosso profundo sentimento pelo recente falecimento do Sr. Manuel da Rocha Ferreira que apesar de ainda ter colaborado neste livro, lamentavelmente não o viu terminado. Fica a certeza que toda a obra que nos deixou perdurará enquanto se falar de brinquedo tradicional em Portugal.

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produção dos mesmos brinquedos, com as mesmas máquinas, passou a produzir brinquedo tradicional/artesanal? Estas e outras questões foram-se apresentando diante da realidade com que nos deparámos, pelo que entendemos categorizar toda a produção do brinquedo como industrial, pese embora umas de cariz familiar, outras já com espírito empresarial. Ou seja, não haverá da nossa parte definição da produção pelo método, até porque os que são utilizados confundem-se, tal como se confundem as definições à luz da nossa realidade. Presentemente, as pombinhas ou os ciclistas produzidos em madeira são de todo artesanais ou artesanato, aliás, proibidos de serem comercializados como brinquedos, pela legislação comunitária. No entanto, em 1920, eram brinquedos produzidos por indústrias, tal como os cavalos de pasta de papel de A. Potier. Uns e outros foram-se reinventando com novos materiais, particularmente a partir da introdução do plástico. Contudo, será a matéria-prima suficiente para definir o que é industrial? Então e os comboios de folha de flandres produzidos na indústria alemã do século XIX?

poderemos apelidar de artesanais. Em contrapartida, uma leitura mais contemporânea leva-nos a separá-los, uma vez que não se ajustaram aos novos métodos de produção, não acompanharam a evolução tecnológica, nem conseguiram reinventar-se de modo a manterem-se na categoria do brinquedo, reconhecido pela Europa atual. Neste enquadramento, temos as três categorias de Pinon: os populares, os tradicionais /artesanais e os industriais. Convém nunca esquecer que os brinquedos em Valongo nasceram em indústrias, umas familiares, outras de vulto, ou seja enquadrados nas duas últimas categorias até agora apresentadas. Quis o tempo que fossem perdendo as outras denominações, abreviando-se ao estatuto de Tradicionais.

Quando tentámos categorizar a produção, deparámo-nos com mais questões do que com respostas. Por esse motivo, apesar de concordarmos com a categorização de R. Pinon, fazemos a ressalva de que a maioria dos produtores do concelho de Valongo, à luz da sua época histórica, ou seja, à data do início da sua atividade, era industrial, produziam com os métodos e as matérias-primas mais avançadas (em Portugal), pelo que não os

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O brinquedo de Valongo no contexto nacional

A marca temporal onde iniciamos o nosso estudo começa no último quartel do século XIX e a ele nos vamos dedicar durante sensivelmente 100 anos. Recuar no tempo é muito ingrato, face há ausência de documentação fiável e ao contexto histórico nacional. Também já referimos anteriormente que o caso português em nada se assemelha aos progressos industriais de países como a França ou a Alemanha, onde, especificamente sobre brinquedo, a produção assumiu, desde o século XVIII, um nível qualitativo ímpar. Essa qualidade, resultado da evolução (revolução) industrial, foi reconhecida por todos os restantes países europeus menos desenvolvidos, como Espanha e Portugal.

alguma estabilidade ao país. Os liberais acabariam por aceitar que o desenvolvimento passava também pela melhoria do comércio, da indústria e na construção de ferrovias. É, neste sentido, que assistimos, nesta centúria, à chegada do caminho de ferro a Ermesinde, aumentando exponencialmente as ligações com as grandes cidades.29

É igualmente pertinente mencionar que, a par do desenvolvimento industrial, temos de considerar os contextos político-sociais. Na realidade, a história do brinquedo em Portugal não se pode dissociar da História no seu todo. O século XIX ficou marcado por inúmeras alterações político-económicas, a começar pelas Invasões Napoleónicas, passando pela independência do Brasil, até ao início da Monarquia Constitucional. Este último período foi bastante conturbado e, só em meados da centúria de oitocentos, a Regeneração28 haveria de trazer

Começamos o século XX com diversos acontecimentos desestabilizadores. Portugal continuava a ser um país com uma economia alicerçada na ruralidade. A população era em larga escala analfabeta e o atraso industrial deveras notório.

O país continuava, contudo, longe da paz, com uma monarquia decrépita, que culminaria no regicídio do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe. Subiu ainda ao trono D. Manuel II, filho do rei assassinado, no entanto a fúria republicana haveria de se impor. Estamos em 1910!

Perante este cenário, e apenas contextualizando os finais do século XIX e a primeira década do século XX, não podemos ter esperança em encontrar grande desenvolvimento na indústria do brinquedo. Havia importação de brinquedos fabricados

28 Regeneração: período da Monarquia Constitucional portuguesa que se seguiu à insurreição militar de 1 de maio de 1851, que levou à queda de Costa Cabral e dos governos de inspiração setembrista. 29 “É ponto assente que foi o comboio o factor que mais contribuiu para o progresso e crescimento de Ermesinde”. DIAS, Manuel Augusto e PEREIRA, Manuel Conceição- Ermesinde, Registos Monográficos.1. Câmara Municipal de Valongo. 200, p.104. A linha do Douro e do Minho foram inauguradas em 1875 e dois anos depois inaugura-se a ponte de ferro D. Maria Pia, no Porto. Com o Douro transponível, já se ligava a cidade do Porto à capital Lisboa.

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na Alemanha ou em França, particularmente para serem vendidos nos bazares das grandes cidades, destinados às crianças das classes sociais mais abastadas. Também não podemos afirmar que nada se produzia em Portugal, porquanto se evidencia uma relação interessante nos produtores que encontrámos e que já refletem alguma qualidade similar aos brinquedos estrangeiros. Convém sublinhar que a pesquisa que realizámos teve como base jornais e revistas da época e a estas acediam aqueles que, por inerência, já teriam alguns recursos. Pretendemos com isto estabelecer a seguinte relação: os poucos produtores de brinquedos que encontrámos nos anúncios da Illustração Portugueza tinham, na sua origem, famílias com recursos económicos, sendo exemplo disso Victor C. Cordier, à frente da Fábrica Nacional de Borracha, fundada em 1895. No anúncio, onde se vê uma fotografia do stand da sua fábrica, na Exposição Internacional do Rio de Janeiro, encontrámos no texto promocional a indicação de que produziam “bolas e bonecos em borracha para brinquedos”. Atente-se à data, dado que a publicação é de 1923.30 Um segundo exemplo é Alberto Potier, engenheiro de profissão, que foi proprietário de uma fábrica de brinquedos de pasta de papel, na Rua da Quintinha, em Lisboa. Num dos seus anúncios, referia que tinha sido medalha de ouro do mostruário Industrial Portuguez de 1915, na Sociedade de Geografia de Lisboa. Efetivamente, na notícia da Illustração Portugueza31 sobre o mostruário industrial, organizado pela referida Sociedade de Geografia, num dos clichés do Joshua Benoliel, parecem estar representados os cavalos de pasta de papel de Alberto Potier.

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Atendendo a que o estudo do brinquedo em Portugal é bastante escasso, toda esta informação carece de investigações mais aprofundadas. A propósito, podemos observar o exemplo da empresa de Joaquim Macedo Correia, que se dedicou à produção de louças de barro. Embora tenha arrecadado um prémio na Exposição de Louças no Palácio de Cristal, no Porto, em 1901, não lhe era dado grande destaque na imprensa da época. Além disso, produziam, há muito, loicinhas em miniatura, com grandes acabamentos. É pertinente, na nossa perspetiva, afirmar que quem tinha a porta aberta para grandes eventos promocionais ao nível da indústria eram os que, por algum motivo, tinham um estatuto socialmente reconhecido entre os que dominavam não apenas a economia, mas similarmente as letras e a cultura. Nesta conformidade, não podemos limitar a existência de brinquedos em Portugal, exclusivamente pelos produtores já referidos ou pelas importações que acabavam nos bazares. Existe um outro lado da produção do brinquedo, bem como um público distinto que o consumia, com menores recursos financeiros. O brinquedo, por sua vez, também era mais rudimentar que o estrangeiro, feito a partir de matérias-primas que se usam há centenas, se não milhares de anos: o barro, a madeira e a pasta de papel. Mais tarde, a folha de flandres assume destaque, tal como virá a suceder com as matérias plásticas.

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Illustração Portugueza. Lisboa. Edição Semanal do jornal «o Século». 1 de dezembro de 1923, 2ª série, n.º928

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Illustração Portugueza. Lisboa. Edição Semanal do jornal «o Século». 15 de agosto de 1915, 2ª série, n.º 497.


Folha do catálogo da empresa de Joaquim Macedo Correia, com a informação da menção honrosa recebida na Exposição de Cerâmica, no Palácio de Cristal no Porto, em 1901. “Brinquedos polidos encarnados”. Propriedade Adélio Macedo Correia a quem agradecemos a gentileza.32

32 CORREIA, Adélio Marinho Macedo- João Macedo Correia, 1908-1987. O Legado de um Ceramista. Ed. Município de Barcelos e Seda Publicações. 2017, p.23.

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Página da Illustração Portugueza de 15 de agosto de 1915. Destaque para os cavalos de pasta de papel.


Página da Illustração Portugueza de 1 de dezembro de 1923 onde se vê o anúncio à Fábrica Nacional de Borracha.


Pese embora os produtores deste período, ressalvando-se Lisboa e Porto, não se encontrassem todos dentro das grandes cidades, também não se instalavam muito longe dos espaços onde iam comercializar os seus brinquedos. Por questões óbvias, de rentabilidade e facilidade de escoamento de mercadoria, vamos encontrá-los nos principais eixos de comunicação com feiras, romarias de grandes dimensões e, inclusive, com alguns bazares das cidades. Já aludimos à importância do caminho de ferro, contudo não esqueçamos a rede viária, que mereceu novos investimentos nos finais do século XIX. O concelho de Valongo apresentava esta localização privilegiada, à porta da grande cidade do Porto e próximo de locais de culto, afamados, onde se promoviam grandes romarias. No início do século XX, podemos dizer que a carência de investigação revela-nos unicamente alguns fabricantes de brinquedos em todo o país. Contudo, à semelhança do que aconteceu nos centros oleiros nacionais, acreditamos que o mesmo sucedeu com alguns carpinteiros. Passamos a explanar: na maioria dos centros oleiros, o barrista, que produzia grandes peças na sua roda, acabava a aproveitar restos de barro para fazer pequenas miniaturas de loiças, que iriam ser vendidas nas feiras da sua área de influência (destinadas às meninas a fim de aprenderem a arte da cozinha). Crê-se que quem terá começado com a produção de pequenos bonequinhos de barro foram as mulheres dos barristas. Embora a estas, como às mulheres em geral, coubesse um conjunto de tarefas, algumas árduas, ainda faziam, no fim do dia, pequenas delícias para agradar aos filhos. Daqui, terá este brinquedo popular passado a um novo estágio, o da produção para venda. À semelhança das loicinhas de barro, as relas, os rapas, os piões, as camionetas e as mobílias de madeira terão tido um percurso semelhante, ou

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seja, a partir da arte da madeira, os carpinteiros passaram às miniaturas e, a partir do momento em que estas se tornaram rentáveis, assumiram o papel exclusivo na produção. Assim terá ocorrido no concelho de Valongo! Aqui se instalaram alguns destes produtores de brinquedos de madeira, os quais terão sido dos primeiros a abastecer os mercados alternativos, para as crianças cujo nascimento não as tinha abonado de recursos financeiros. É necessário distinguir o que de facto se passava na sociedade portuguesa dos finais do século XIX até, sensivelmente, meados do século XX. A contrapor às famílias com posses económicas encontrava-se uma grande percentagem da população, analfabeta, que sobrevivia do que a agricultura lhe oferecia, ou de um outro ofício, normalmente sem compensações financeiras consideráveis. Já o padre Joaquim Alves Lopes Reis, em 1904, afirmava que “Valllongo está n`uma posição muito central com relação a todo o território entre o Porto e Penafiel, rios Douro e Sousa, Rio Tinto e Leça; e tudo isto concorria para fazer d`esta villa o centro, aonde afluíam os povos de todas as terras circunvizinhas”. Presentemente, que nos dedicámos a percorrer o concelho, percebemos nitidamente que todos os negócios de brinquedos que se abrissem beneficiavam de vários fatores favoráveis ao sucesso. Àqueles que possuíam a ambição de chegar a mercados mais distantes, bastava-lhes aproximarem-se da linha de caminho de ferro. Aos restantes, cujo objetivo não ultrapassasse a área do Porto, bastaria a contratação de carrejões ou carreteiras. É neste quadro de início de século que produzem brinquedos Agostinho da Costa Carneiro, Augusto de Sousa Martins, José Augusto Júnior e Luciano Moura, no concelho de Valongo.


Carta do Distrito do Porto de 1885, com a indicação das estradas. Arquivo Histórico Municipal do Porto. Município do Porto.

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Bonecas miniaturas em celulóide. Anos 30. Com a marca Minerva da empresa alemã Buschow & Beck. Propriedade da autora.

Em Portugal, a política de António Oliveira Salazar não facilitou a recuperação no atraso industrial, face às grandes potências. A Europa recuperava da depressão económica, de 1929, provocada pela recessão americana e a “vizinha” Espanha entrava numa Guerra Civil (1936-1939). A todos estes episódios viria a juntar-se a II Grande Guerra, que “veio perturbar a execução da política preconizada na Lei da Reconstituição Económica, devido às dificuldades de importação de combustíveis, produtos, matérias-primas e bens de equipamento de importância estratégica”33. Surgem, nesta altura, algumas adaptações nos brinquedos portugueses, precisamente pela escassez de alguns materiais, entre eles a folha de flandres. A alternativa consistiu na reciclagem de embalagens da indústria conserveira ou de óleos. A solução era usar a parte litografada no interior do brinquedo, daí que ainda atualmente se encontrem, em muitos brinquedos de folha, vestígios desse reaproveitamento.

Curiosamente, o número de indústrias de brinquedos aumentou, provavelmente porquanto a queda da produção alemã, francesa, inglesa e inclusive espanhola permitiu uma maior procura de brinquedos em Portugal, paralelamente ao emergente consumo nas colónias portuguesas. Um pouco por todo o país, cresceram indústrias: a Luso Celuloide34, em Espinho, é uma das primeiras a usar esta matéria termoplástica no fabrico de brinquedos; a Fabrinca, com sede em Cucujães, S. João da Madeira, dedicou-se a todo o tipo de brinquedos em madeira, folha de flandres, malha, oleado e pelúcia; a ARLO de Arnaldo Rocha-Brito tinha sede no Porto e foi especial por se dedicar a brinquedos por montar, designadamente maquetes de comboios, barcos... As suas caixas eram excelentes imitações das produções alemãs. Na mesma data, haveria de ser fundada a MAJORA, ainda hoje reconhecida unanimemente como uma das maiores empresas de jogos do país. Não resistiu ao século XXI!

33 RODRIGUES, Manuel Ferreira e MENDES, José M. Amado- História da Indústria Portuguesa, da Idade Média aos Nossos Dias. Associação Industrial Portuense. Publicações Europa América. 1999, p. 314. 34 Fábrica Luso Celuloide de Henriques & Irmão, Lda. Mais tarde os irmãos separam-se, dando origem a duas grandes empresas, a Hércules e a OSUL.

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Jogo “Corrida de patos”, da marca MAJORA. Anos 80. Propriedade da autora.

Nos anos 50 e 60, as matérias plásticas generalizam-se e assiste-se a uma grande concentração de indústrias de brinquedos de plástico no distrito de Leiria. A RUANO, a Fábrica de Plásticos Santo António, a Baquelite Liz ou a UPLA são apenas alguns dos exemplos deste período. No sul do país, em Faro, a IPAF, Indústria de Plásticos Aliança Farense, seria uma das que atingiria maior relevância. Contudo, nem só de plástico viveu a indústria de brinquedos. É errada qualquer tentativa de elaborar uma cronologia de produção do brinquedo português, usando como vetor a matéria-prima. Se a indústria do plástico teve grande expansão, pois permitia uma maior produção com menores custos, também não é menos verdade que a construção de brinquedos de madeira, de folha de flandres e até de pasta de papel se mantiveram no ativo e aumentavam as suas produções.

E que papel tinham, neste contexto, as indústrias de Valongo? Não se limitaram a sobreviver, expandiram-se e adaptaram-se, como vamos poder ver no próximo capítulo. Pese embora a concorrência fosse muita, a tradição e o conhecimento dos produtores do concelho vencia as contrariedades e haveria dos conduzir até finais do século XX. A título de exemplo, numa das exposições organizadas pelo Grupo Cultural do Mosteiro da Serra do Pilar, em 1978, com o apoio do Museu de Etnografia do Porto, vêm referidos como fabricantes no distrito do Porto: “A. Coelho de Sousa, Armindo Moreira Lopes, Manuel Monteiro de Carvalho, Miguel da Conceição Osório, Manuela Martins dos Santos Júnior (fabricante de bonecos de pasta), António Vieira «O Caretas» (fabricante de máscaras de carnaval, já falecido), António Fernandes Moura (brinquedos de chapa), Luciano Moura (brinquedos de chapa), José Augusto Júnior (brin-

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O meu Tricot”. Marca MAJORA. Anos 80. Propriedade da autora.

quedos de chapa), Alberto Carneiro (brinquedos de madeira), César Duarte Ferreira (brinquedos de madeira) e Carneiro fabricante de tambores”35. A analisar a lista, obviamente incompleta, quase se afigura que o distrito do Porto se restringia ao território de Valongo. Ao longo deste caminho, na história, faltam dois acontecimentos que influenciariam a indústria do brinquedo português: um é a Revolução de 25 de Abril de 1974; o segundo, a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia (C.E.E.), em 1986. A independência das colónias ultramarinas portuguesas, resultante do 25 de abril, desencadeou o encerramento de muitas indústrias e a mudança de produto por parte de outras. Perdeu-se um

grande mercado, particularmente para aqueles que apostaram na distribuição pelas colónias. Os que resistiram, além de enfrentarem diferentes crises económicas em que o país se viu envolvido, reduzindo o poder de compra, ainda tiveram de lidar com os normativos estabelecidos após a entrada de Portugal na C.E.E., atual União Europeia. O estabelecimento de regras rigorosas para a elaboração de brinquedos, visando a segurança da criança, acabaria por quase anular a indústria de brinquedos no nosso país. Não obstante, no concelho de Valongo a resiliência parecia a palavra de ordem. Após 1986, ainda se produziam brinquedos!

35 Brinquedos do concelho de Vila Nova de Gaia. Folheto. Mosteiro da Serra do Pilar. 1978.

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Balança da marca OSUL. Anos 80. Propriedade da autora.

Boneca de celuloide da marca LUSO. Anos 40. Propriedade da autora.

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Produtores de brinquedos no concelho de Valongo

Neste capítulo, dedicado aos produtores de brinquedos no concelho de Valongo, decidimos seguir gerações de famílias, relações entre elas e não estabelecer qualquer ordem cronológica ou referência por matéria-prima. Primeiramente, visto que para se seguir uma ordem cronológica teríamos de separar algumas ramificações que surgem de alguns produtores mais antigos, como é o caso de César Duarte, sobrinho de António da Costa Carneiro, ou de Carlos Moutinho, entre outros. Se continuássemos na linha do tempo, teríamos de voltar ao início de cada uma das suas histórias de vida e originaríamos uma repetição ou a relação direta perder-se-ia. A segunda lógica poderia ser a da matéria-prima; contudo essa também deixou de fazer sentido ao verificarmos que alguns dos produtores vão utilizando, ao longo da sua vida, várias matérias-primas, levando-nos a um emaranhado de “idas e voltas”, entre a madeira, a folha de flandres e as matérias plásticas. Inicialmente, ainda ponderámos a abordagem por territórios administrativos, isto é, por freguesias, porém atrevemo-nos a pensar que seria o descalabro, já que, se alguns nunca mudaram de morada, outros foram-se adaptando a diferentes circunstâncias e alteraram a sede das suas empresas.

Em face deste cenário, optámos por, sempre que possível, aproximar famílias de produtores, relações de parentesco ou profissionais. Principiar nos mais antigos e apresentar as ligações aos demais. Afinal, os produtores são os grandes protagonistas deste livro! Do concelho vizinho da Maia, nomeadamente da freguesia de Silva Escura, terá vindo o homem que deu início a uma geração de produtores de instrumentos musicais e brinquedos de madeira - Agostinho da Costa Carneiro. Refere a sua certidão que nasceu em 1859, tendo por filiação Fortunato da Costa Carneiro e Maria da Silva Moreira. Trata-se do mais antigo produtor do concelho de Valongo que conseguimos registar, embora não signifique que outros não houvesse! A vinda para Ermesinde estará associada ao seu casamento com Maria Moreira, ela “natural e baptizada nesta freguesia de São Lourenço D`Asmes” (antiga designação de Ermesinde), e de profissão costureira. No registo de casamento, número 10, datado de 8 de julho de 1883, Agostinho da Costa Carneiro é denominado como carpinteiro.

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Registo de Casamento de Agostinho da Costa Carneiro. Livro de registos de casamentos. 1883. PT-ADPRT-PVLG03-02-0087_m0013. Imagem gentilmente cedida pelo Arquivo Distrital do Porto.

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À semelhança do que se vai passar com a maioria dos fabricantes de brinquedos, também Agostinho assume uma profissão comum ou, melhor dizendo, fácil de identificar por todos. Na realidade, seria na arte de trabalhar a madeira que a sua vida e a dos seus descendentes haveria de ter futuro. Deste casamento nasceram vários filhos, dos quais destacamos apenas os que seguiram a profissão “anónima” de produtores de brinquedos. Foram eles: António da Costa Carneiro e Augusto da Costa Carneiro, no concelho de Valongo, Cipriano da Costa Carneiro, em Vermoim, e Alberto da Costa Carneiro, na Silva Escura. Sobre Augusto da Costa Carneiro, sabemos que se instalou na Rua Miguel Bombarda, em Ermesinde, próximo da estação de comboios, como o referia um anúncio de 193636, e que fabricava brinquedos em madeira. A acreditarmos no anúncio, já distribuiria a sua produção por todo o país.

Anúncio de 1936 no Comércio e Indústria do Norte. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

António da Costa Carneiro, primeiro filho de Agostinho, nasceu a 3 de junho de 1890, no lugar de

“São Paio”, em São Lourenço D`Asmes (Ermesinde), onde os seus pais viviam e davam vida aos brinquedos. António terá seguido os ensinamentos do pai, na construção dos bombos e afins. No Registo de Licenças para Comércio e Indústria37, de 1929, António da Costa Carneiro aparece licenciado para a “Indústria de Boguetes”, assim como o seu irmão Augusto, no ano seguinte. Esta designação de “Boguete”, por vezes aparentemente escrita “Baguete”, suscitou-nos dúvidas, uma vez que os livros são manuscritos e nem sempre a caligrafia contribuiu para o entendimento. Rodopiando sobre o assunto, chegámos a fazer a leitura de “baquete”, peça essencial para bater nos instrumentos de percussão, contudo, depois de observarmos as palavras escritas de várias formas, deduzimos que poderá ser uma corruptela da palavra Juguete. No dicionário da Língua Portuguesa38 de 1981, a definição de Joguete é: “Brinco, divertimento, graça; Pessoa que serve de brinquedo”. Se tal for verdade, teremos de questionar quem foi Adriano Mendonça, já que, no mencionado Registo de Licenças para Comércio e Indústria, datado de 1931, aparece tal como os anteriores a produzir “Baquettes”. Nos livros de registo de licenças, dos anos 30, os “Boguetes” desapareceram e os nossos produtores regressaram às profissões reconhecidas por todos, independentemente de se dedicarem apenas a brinquedos ou não. É esta informação que encontrámos nos Registos de Licenças dos irmãos Carneiro no ano de 1931: passaram os dois a serem designados como carpinteiros!

36 Biblioteca Pública Municipal do Porto (C.M.P.). Comércio e Indústria do Norte. Diretor Fernando Guimarães. Porto. Junho de 1936. 37 Arquivo Histórico Municipal de Valongo. Registo de Licenças para Comércio e Indústria- 1923-1929. Agradecemos à Dr.ª Manuela Ribeiro toda a disponibilidade. 38 Grande Dicionário da Língua Portuguesa. Coordenação de José Pedro Machado. Vol. VI. 1981, p. 294.

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Carro de Bois. Produção provável família Carneiro. Madeira e verga. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS| Direção Regional de Cultura do Norte . Nº de inventário 7114 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Cavalo com Carroça. Produção provável família Carneiro. Madeira e folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS| Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7185 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

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Cavalo com Carroça. Produção provável de Alberto Carneiro. Silva Escura. Maia. Madeira e folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS| Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7184 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

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Livro de Registo de Licenças para Comércio e Indústria. 1931. Arquivo Histórico Municipal de Valongo.


em 1939, todavia só nos finais dos anos 60 terá mudado o negócio para o novo espaço. À data da compra, o negócio terá custado 180 contos. Assegura-nos que o avô fazia prosperar o negócio, não meramente com a venda de bombos e tambores, mas em particular com as peles de cabras e cabritos, aquelas que eram usadas para revestir os instrumentos. Relativamente às pandeiretas, a fim de vestir a peça, usavam-se papéis impressos, com motivos regionais e infantis.

Últimas instalações da oficina de António Tavares Carneiro e do filho António Ascensão Carneiro, na rua Simões Lopes, em Ermesinde.

Decorre o ano de 1939, quando o patriarca Agostinho falece; porém a continuidade do fabrico de bombos e de brinquedos em madeira estava assegurada pelos filhos, que até agora demos a conhecer. António da Costa Carneiro continuaria em Sampaio, Ermesinde, contudo temos algumas notas para acrescentar, resultado da conversa com o seu neto, António Ascensão Tavares Carneiro39. O avô terá comprado uma quinta ao afamado médico Dr. Joaquim Maia Aguiar40, na rua Simões Lopes,

Anúncio de 1936 no Comércio e Indústria do Norte. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

Outro pormenor significativo que nos contou António Ascensão Tavares Carneiro prende-se com o facto de terem abandonado a produção de brinquedos e de se terem dedicado exclusivamente ao fabrico de bombos, tambores e pandeiretas. Esta situação terá ocorrido nos anos 60, data coincidente com a mudança de instalações do negócio e com o surgimento de um novo produtor em Alfena, de seu nome Manuel Ferreira. Este construtor de brinquedos foi empregado de José Augusto Júnior.

39 Agradecemos ao Sr. António Ascensão Tavares Carneiro a disponibilidade e amabilidade com que nos falou da sua família e do negócio e nos ajudou com informações preciosas para a elaboração deste trabalho. 40 “Este importante republicano ermesindense foi uma das mais ilustres figuras do concelho de Valongo no período da Primeira República, acumulando as funções de 1º Administrador Republicano do Concelho e também de 1º Presidente da Câmara, na vigência do novo regime.” In A Voz de Ermesinde.

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Sobre ambos, já nos dedicaremos mais adiante. Contudo, fica o registo de que a família Carneiro passou a comprar brinquedos a Manuel Ferreira e a vendê-los nos seus mercados, porventura, devido ao facto de os brinquedos obrigarem a recorrer a muita mão de obra e porque, efetivamente, a rentabilidade residia na venda dos instrumentos de percussão e das peles. Não obstante, consideramos que se tratou de uma alternativa inteligente de todos sobreviverem sem competição.

Foi à conversa com, provavelmente, o último produtor desta linhagem que percebemos o carinho com que ainda se vai “entretendo” a produzir bombos. A oficina mantém-se com a mesma disposição de quando muito se produzia. Os moldes, com oito tamanhos diferentes, a serra de fita, onde ainda hoje trabalha, e a máquina de abrir as ranhuras das pandeiretas, “inventada” pelo avô António da Costa Carneiro, parecem simplesmente aguardar quem lhes dê vida.

António da Costa Carneiro faleceu em 1979, porém o filho, António Tavares Carneiro daria continuidade aos bombos, caixas, tambores e pandeiretas e haveria de passar este saber para o seu filho António Ascensão Tavares Carneiro.

António Ascensão Carneiro tem três filhos: duas raparigas e um rapaz. Todavia, nenhum lhe irá seguir o ofício. Os quatro netos, ainda pequeninos, também deverão seguir outro destino. Neste sentido, acreditamos que findará com ele esta fantástica produção, de sucessivas gerações ao longo de mais de cem anos.

Peles de cabra e cabrito a partir tratadas pela família Carneiro para serem usadas nos bombos e tambores. Propriedade de António Carneiro.

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Papel decorado para as pandeiretas. Propriedade de António Carneiro.

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Prosseguimos com César Duarte Ferreira, especialmente por existir uma relação de parentesco com a família Carneiro. A mãe de César era irmã de António da Costa Carneiro e foi com este tio que ele aprendeu a arte de produzir brinquedos de madeira.

César Duarte Ferreira nasceu em 1910, do casamento de Maria da Costa Carneiro com António Duarte Ferreira. Com o tio materno aprendeu a fazer pombinhas, ciclistas, relas, carros de bois, carros e camionetas, tudo em madeira, geralmente de pinho, dado que era a matéria prima que estava mais disponível. Terá aprendido, igualmente com o tio, o curtimento das peles, para “vestir” os bombos e os tambores.

Oficina da família Carneiro. Aros para bombos, tintas e moldes com as medidas usadas.

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Máquina para fazer os cortes nos aros das pandeiretas. Oficina de António Carneiro.

Serra de fita para o corte da madeira. Oficina de António Carneiro.

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Eis alguns modelos já produzidos por César Duarte Ferreira:

Camioneta grande. Oficina do César.

Camioneta pequena. Oficina do César.

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Carro de bois com pipo. Oficina do César.

Cavalo com carroça. Oficina do César.

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Carrinho de mão. Oficina do César.

Carro de bebé. Oficina do César. Equilibrista. Oficina do César


Andarilho. Oficina do César.

Rela. Oficina do César.

Pá e vassoura. Oficina do César.


Após a aprendizagem do ofício, criou o seu próprio negócio, corria o ano de 1943. César, à semelhança do tio e dos primos, dedicou-se aos brinquedos de madeira, aos membranofones (bombos, tambores, pandeiretas…), bem como à preparação de

peles, conforme mencionado no seu Alvará, datado de maio de 1959, onde se lê: “licença para explorar uma oficina de fabrico de brinquedos em madeira, com preparação de peles (de cabra e carneiro) em branco”.

Alvará de 1959 para César Duarte Ferreira produzir brinquedos em madeira e preparar peles.

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Violas e guitarras em madeira. Oficina do César.

Pandeireta. Oficina do César.

Pandeireta com cabo. Oficina do César. Tambores para crianças. Oficina do César.

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Tabela de preços com a listagem do que produziam. Oficina do César.

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No jornal “Sopa dos Pobres”, de janeiro de 1959, num agradecimento aos “subscritores e amigos da nossa obra”, encontrámos uma doação de 35 brinquedos para as crianças pobres e órfãs, efetuada por César. O negócio de César Duarte Ferreira foi-se intensificando, pelo que os filhos tiveram de ajudar, desde cedo, na produção. Em 1956, mudaram-se para novas instalações, as mesmas onde presentemente permanecem. Face ao volume da procura, chegaram a empregar mais de três dezenas de trabalhadores. Aurélio Ferreira foi quem deu continuidade à obra do pai, a partir de 1975, data em que o pai se afastou do trabalho. César faleceu em 1981, porém a sua arte haveria de prosseguir.

Os descendentes de César Duarte Ferreira. Da esquerda para a direita Joaquina Ferreira (neta de César), o marido Manuel Gonçalves, Aurélio Ferreira (filho de César) e a esposa.

onde se envolve toda a família. De realçar que a empresa é de todo familiar. Com ele trabalhava a esposa, D.ª Lucinda, a filha, o genro e um neto.

Anúncio no jornal A Voz de Ermesinde de julho de 1973. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

Aurélio Ferreira nasceu em janeiro de 1935. Conta o próprio que, com oito anos, já ajudava o pai, tomando assim “gosto” pelos brinquedos. Alude a todo o processo produtivo com grande mestria,

Aurélio, atualmente, está com 84 anos. A filha Maria Joaquina Ferreira Gonçalves e o genro, Manuel Gonçalves, tomaram conta do negócio em 2000. Em 2010, Manuel Gonçalves constituiu nova sociedade com o seu filho, César Joel Ferreira Gonçalves, e a designação atual passou a MCG, Lda, as iniciais dos seus nomes próprios e do sobrenome: Manuel, César e Gonçalves. Continua a ser uma empresa familiar. Aurélio ainda “vai andando entre os bombos”, no entanto quem assume a produção é agora a sua filha, o genro e o neto. Manuel Gonçalves41 conduziu-nos numa simpática viagem pelo mundo da construção dos bombos, tambores e pandeiretas. Neste momento, os

41 Um agradecimento especial à Joaquina e ao Manuel Gonçalves pela amabilidade e disponibilidade para nos ajudarem neste trabalho, fornecendo informações preciosas.

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Nos bombos, a pele é “artilhada”, ou seja, encaixada num “artilho” e fica solta; o que a vai esticar é a pressão da corda em redor da caixa. A corda, por sua vez, leva uns esticadores, também designados abraçadeiras, que permitem “afinar” a pele. Nas pandeiretas e nos bombos destinados aos mais pequeninos, utilizam o papel decorado, normalmente com motivos tradicionais, bonecos ou monumentos. Referia-nos o Sr. Aurélio que o papel vinha de Esmoriz, mas era impresso na Litografia do Minho, em Braga.

Adufes. Oficina do César.

brinquedos em madeira já não são prioritários, porquanto já nem podem ser vendidos como tal, apenas como artesanato. Começou por nos esclarecer a diferença entre um bombo e um tambor. Neste último, a pele ou a cartolina são fixos, colam-se na caixa antes de se encaixar o arco. Encaixado o arco, prega-se, fixando-se a pele. Quando a pele é fixa, deixa de se poder afinar (esticar). O mesmo sucede nas pandeiretas e nos adufes, explicando-nos Manuel Gonçalves que existe uma técnica para tentar voltar a esticar a pele e que consiste em molhá-la; quando a pele seca, retrai e fica novamente esticada, embora não funcione tão bem como nos bombos.

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Vista geral da antiga Oficina de César Duarte Ferreira.


Bombos de Romaria com várias dimensões

Produção atual. Colocação da pele num bombo.

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Relógio de parede na Oficina do César feito com tambores para crianças.

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Papéis decorados para as pandeiretas. Alguns deles com motivos infantis outros com motivos regionais.

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A família de César Duarte Ferreira da direita para a esquerda, o próprio, o filho Aurélio, o genro deste, Manuel Gonçalves e o bisneto com o mesmo nome do bisavô: César.

É evidente que para fazer as caixas e os arcos têm de se cortar e enrolar as tábuas de madeira. Atualmente, ainda o executam numa das primeiras máquinas com que César abriu o negócio. A enroladeira, apesar de algumas adaptações, ainda se mantém em funcionamento. No que concerne ao curtimento das peles, Manuel Gonçalves elucidou-nos sobre os dois processos: aquele que encontrou há 33 anos, quando aqui começou a trabalhar, usado desde os tempos de César Duarte; e o mais recente, ainda hoje utilizado e que já envolve alguma maquinaria. Outrora, as peles chegavam secas e eram colocadas nos tanques, pelo menos durante quinze dias. Diariamente, tinham de ser mexidas e, findo esse período, eram lavadas. Colocavam-se uma a uma sobre um cavalete e, com um ferro (lâmina), retiravam o pelo; realizando o movimento inverso, do lado interno da pele, escarnavam, ou seja, tiravam o carnaz (gordura). De seguida, lavavam-se novamente. Só desse modo estariam prontas a fim de serem pregadas em grandes tábuas e colocadas ao sol a secar.

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O procedimento atual é bastante mais célere. Compram as peles com sal e assim permanecem até serem curtidas, pois o sal conserva-as. Quando passam ao processo de curtimenta, lavam-se as peles, antes de se colocarem no fulão. O fulão é como uma grande máquina de lavar roupa em madeira. Aquele de que Manuel Gonçalves dispõe permite tratar, num dia, cento e vinte peles de cabra. O pelo é desfeito com um líquido próprio colocado dentro do fulão. A fase seguinte é passar com as peles na máquina de descarnar. Embora ainda seja um processo manual, é muito mais rápido. Segue-se mais uma breve lavagem e são pregadas como antigamente, apesar de, na antiga Oficina do César, se estar a construir uma estufa de modo a evitar a dependência das condições climatéricas. Contou-nos Manuel Gonçalves que, no início, já no tempo do sogro, chegaram a gastar quarenta a cinquenta mil peles de coelho num ano. Usaram-nas com vista a fazer uns bombos que exportavam para a Alemanha. A empresa que César Duarte criou, nos anos quarenta do século XX, já passou quatro gerações e parece ter futuro assegurado pelo bisneto do fundador.


Tanques onde se curtiam as peles de cabra e cabrito.

Enroladeira. Máquina utilizada para dar a forma curvilínea às tábuas de madeira. Data do início da laboração em 1943.

Cavalete onde se colocavam as peles para retirar o pelo e o carnaz.

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Máquina de limpar o carnaz das peles.

Ferro para cortar o pelo e o carnaz.

Peles em sal.

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Fulão. Máquina atual utilizada para tirar o pelo das peles.


Depois da família Carneiro, é tempo de nos debruçarmos sobre outro nome, antigo e com referências muito interessantes. Trata-se de Augusto de Sousa Martins, que, supostamente, terá fundado “A Infantil”. Augusto nasceu em 1875, na freguesia da Silva Escura, concelho da Maia, tal como Agostinho da Costa Carneiro, e terá feito um percurso similar, vindo da freguesia de onde nasceu para casar em São Lourenço D`Asmes (Ermesinde). Foi através da sua certidão de casamento que viemos a conhecer Augusto de Sousa Martins. O pai, António Lopes Martins era de Paços de Ferreira e a mãe, Joaquina de Souza é que era natural de Silva Escura, local onde passaram a viver. Augusto de Sousa Martins casou-se a 2 de junho de 1894 com Deolinda Ferreira, natural de Ermesinde e onde ela vivia com a mãe, Justa da Silva. O pai, Domingos Ferreira, já teria falecido à data do casamento da filha.

Registo de casamento de Augusto de Sousa Martins. Livro de registos de casamentos. 1894. PT-ADPRT-PVLG03-02-0098_ m00013. Imagem gentilmente cedida pelo Arquivo Distrital do Porto.

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Com o casamento, Augusto de Sousa Martins vai viver para São Paio, Ermesinde, morada dos pais da esposa e futura morada da empresa “A Infantil” que, de acordo com um documento publicado na obra “O Brinquedo em Portugal”42, terá sido fundada em 1892. Analisando a documentação disponível, diríamos que a localização inicial da empresa é na Silva Escura, dado que Augusto de Sousa Martins só se casou em 1894 e “A Infantil” foi fundada em 1892. Obviamente que o documento onde é mencionada a fundação é posterior, pois a morada da sede é já em Ermesinde. Na certidão de casamento, aparece como carpinteiro de profissão, o que facilitaria a sua adaptação na construção de brinquedos de madeira. A madeira foi, de facto, a primeira matéria-prima a ser usada nos brinquedos industriais do concelho de Valongo. Curiosamente, no periódico “Comércio e Indústria do Norte”, datado de 1936, surge igualmente um anúncio de Augusto Sousa Martins, pese embora sem qualquer referência ao nome “A Infantil”.

Anúncio de 1936 no Comércio e Indústria do Norte. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

O anúncio, aparentemente simples, contém informação preciosa, indicando-nos que a “Fábrica de Brinquedos de Madeira de Augusto Sousa Martins”, além de brinquedos, produzia aeroplanos “Santos Dumont”43 . Não conhecemos nenhum destes modelos, todavia a avaliar pelo que encontramos atualmente, não andaria muito longe da imagem que foi divulgada nos jornais internacionais do início do século XX. Augusto de Sousa Martins demonstrava ser um homem atento às novidades do mundo!

42 ANJOS, Carlos, MOREIRA, João Arbués e SOLANO, João- O Brinquedo em Portugal. Colecções de Carlos Anjos e João Arbués Moreira. 100 anos do brinquedo português. Ed. Autor. (1ª edição Civilização 1997) 2010, p.11. 43 Alberto Santos Dumont foi um dos brasileiros mais reconhecidos no campo da aviação; “projetou, construiu e voou os primeiros balões dirigíveis com motor a gasolina”, decorria o ano de 1901. Foi inventando e testando várias máquinas e o aeroplano acabaria por ficar na história.

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Do excerto promocional podemos retirar ainda os locais onde se podiam comprar os seus brinquedos, que eram nada mais, nada menos do que “em todas as feiras do país”! A morada permanecia a mesma.

Le Petit Journal. 25 de novembro de 1906. Maquete de um modelo Santos Dumont.

O negócio dos brinquedos de madeira prosseguiu com um sobrinho de Augusto, de seu nome Carlos da Costa Moutinho, posteriormente conhecido como Carlos Lopes44. Na documentação que fomos recolhendo, encontrámos os dois nomes. No jornal “Sopa dos Pobres”, de janeiro de 1959, Carlos Lopes surge na lista dos fabricantes que doou brinquedos às crianças; por outro lado, no livro de Impostos sobre Prestação de Trabalho45, Carlos da Costa Moutinho aparece registado como Industrial, no lugar de Sampaio, Ermesinde. O mesmo lugar onde Augusto de Sousa Martins trabalharia.

44 Segundo informação do Sr. António Ascensão Tavares Carneiro, o Carlos Lopes terá sido empregado de Agostinho da Costa Carneiro e só depois terá vindo trabalhar para o tio, Augusto de Sousa Martins. 45 Arquivo Histórico Municipal de Valongo. Impostos sobre Prestação de Trabalho, 1968.

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Não é invulgar esta alteração de nomes na mesma pessoa, como vamos ter oportunidade de verificar mais adiante noutros produtores. Esta produção de carros, cavalinhos, carros de bois em madeira continuaria com Alcino Moutinho, filho de Carlos Moutinho e com a neta deste, Irene Moutinho.46

Antiga oficina de Alcino Moutinho na rua de Trás da Bouça, Sampaio, Ermesinde.

Situa-se na rua de Trás da Bouça, em Sampaio, Ermesinde, a casa onde Alcino, a sua esposa e a filha Irene continuaram a produção de brinquedos.

46 Jacinto Soares, na sua obra Ermesinde: Memórias da Nossa Gente, refere que a produção perdurou com Irene Moutinho e Jorge Quintas, especialmente na construção de cavalinhos de madeira.

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Camioneta com caixa. Madeira. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7428 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Cavalinho baloiço da família Moutinho. Coleção Júlio Penela.


Permanecemos em Ermesinde, porém mudamos de matéria-prima! A folha de flandres, vulgarmente conhecida como chapa, ou folha de ferro estanhado, foi desde cedo usada no fabrico de brinquedos. Um dos maiores impulsionadores do brinquedo de folha de flandres, no concelho de Valongo, foi Luciano Moura.

Imagem do Arquivo de Fernando Correia de Oliveira.

Luciano nasceu no dia 10 de agosto de 1882, na freguesia de S. Pedro Fins, concelho da Maia47. O pai, António Francisco de Moura era professor de instrução primária e a mãe, Rosa Martins de Moura, estava “ocupada no governo de suas casas”. Insolitamente, Luciano Martins de Moura, já adulto, pediu oficialmente alteração do nome para Luciano Moura, omitindo, deste modo, o sobrenome da mãe.

Luciano Moura. Propriedade de Adérito Moura.

Ainda no registo de batismo, vem mencionado como padrinho, Ventura Barrote, “solteiro, relojoeiro”. A relojoaria terá feito parte da família, como nos contou Adérito Ferreira Moura, neto de Luciano.48 Na nossa conversa, Adérito referiu que o avô exerceu a profissão de relojoeiro, na famosa relojoaria Andrade Melo, no Porto49 e que, na torre do Santuário do Bom Jesus, em Braga, encontra-se um relógio produzido por Alberto Moura, primo de Luciano.

47 Arquivo Distrital do Porto. Livro de registos de baptismos, 1892-01-10 a 1892-11-27. 48 Agradecemos a preciosa ajuda de Adérito Ferreira Moura, neto de Luciano Moura e filho de Aníbal Moura, que nos recebeu e facultou informações fundamentais para complementar este trabalho. 49 Imagem do arquivo Fernando Correia de Oliveira. Estacaocronographica.blogspot.com. (original Anuário Comercial Português).

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Camião com caixa. Produção provável de Luciano Moura. Ermesinde. Folha de flandres e madeira. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7184 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Camião com caixa. Produção provável de Luciano Moura. Ermesinde. Folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 8087 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Camião com caixa. Folha de flandres, madeira e tecido. Produção provável de Luciano Moura. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7052 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

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des de uma mesma peça era, precisamente, soldando-as. A presença de Firmino Soares dos Reis e a irreverência de Luciano Moura deram origem a uma nova fase na produção, onde as soldas foram substituídas por engates, que facilitaram a união dos vários componentes dos brinquedos. Inovava-se e reduzia-se a mão de obra, por outras palavras, baixavam-se os custos de produção e tentava-se imitar o processo construtivo alemão. Os brinquedos alemães, mormente os de Nuremberga, foram cedo cobiçados para copiar. A Alemanha há muito que tinha uma grande produção industrial e o seu desenvolvimento permitiu ser Pormenor de um dos documentos da empresa de Luciano pioneira na elaboração de brinquedos. O processo Moura. Agradecemos a gentileza de Adérito Moura, seu neto. de fabrico já era complexo e rigoroso, o que dificultava a cópia de produtores de outros países, como foi o caso português. Luciano Moura terá iniciado a produção de brinquedos nos anos 20 do século XX. De permeio, an- Luciano Moura e Firmino Soares dos Reis imitaram tes da folha teve uma carpintaria. muitos modelos alemães, ao ponto de a fábrica ter como publicidade: “Fábrica de Brinquedos GéneHá quem defenda que o facto de viver próximo de ro de Nüremberg”. Adérito Moura refere que o avô Firmino Soares dos Reis, primo do famoso escultor não usou a litografia, apenas pintava os brinqueAntónio Soares dos Reis50, terá facilitado a relação dos, visto que a técnica da litografia é muito comde Luciano com a execução de moldes. Firmino plexa e, além das empresas que trabalhavam para terá tido um papel preponderante para o avanço a indústria conserveira, não existiam muitas mais da fábrica de Luciano Moura, considerando a sua onde se mandasse litografar. experiência no arranjo e montagem de brinquedos, no Bazar dos Três Vinténs, no Porto.51 Os seus brinquedos têm características muito interessantes. Entre outras, além da marca relevada, Adérito Moura corrobora esta ideia, até porque nos com as siglas do seu nome: LM, também é comum falou de Firmino como um artista nato, apesar das aparecerem máquinas de costura, baús, fogões, intermitências nas idas à fábrica, ausências que entre outros com elementos decorativos próprios iam provocando alguns problemas: “- …artistas”! da época. A folha de flandres foi inicialmente trabalhada de forma artesanal. Os brinquedos eram terminados com soldas, ou seja, a forma de unir duas meta-

Embora a profissão e os filhos não se possam dissociar dos brinquedos, abrimos um pequeno parêntesis para regressar à vida pessoal de Luciano

50 Falecido a 17 de fevereiro de 1889. 51 SOARES; Jacinto- Ermesinde: Memórias da Nossa Gente. Junta de Freguesia de Ermesinde. Ermesinde. 2008.

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Moura. Luciano teve uma primeira relação com Felicidade da Glória e desta união nasceram dois filhos: Aníbal Glória Moura, pai de Adérito Ferreira Moura, e Maria Augusta Glória Moura. Da segunda relação, com Felisbela da Purificação teve oito filhos. Destes, António Fernando Moura foi quem deu continuidade ao negócio do pai, na mesma fábrica, localizada na rua Fernando de Matos. Luciano faleceu em 1948, todavia os filhos manteriam a designação da empresa até terminarem a produção, em meados dos anos setenta do século passado. Em 1958, no anúncio no jornal “Sopa dos Pobres”52, surge como “Fábrica de Brinquedos de Ermesinde”, Luciano Moura, Sucessores. Nessa altura, a folha e as matérias plásticas já eram conjugadas nos seus brinquedos. A título de exemplo, vejam-se as máquinas de costura com corpo em folha e pés em plástico ou as camionetas ou, ainda, os telefones. Voltemos um pouco atrás. Dos dez filhos, das duas relações de Luciano Moura, poucos viriam a trabalhar com brinquedos. Além de António Fernando Moura, que continuaria com a produção de folha de flandres, Aníbal Moura, o mais velho, acabaria a constituir uma nova empresa. As instalações surgiram na rua Miguel Bombarda, muito próximas das do pai. Corria o ano de 1949, um ano depois do falecimento de Luciano Moura.

Vista atual do edifício onde funcionou a empresa de Luciano Moura e descendentes.

Aníbal nasceu em 1912 e faleceu cedo. Teve seis filhos do seu casamento com Vitalina Ferreira e foram eles que deram prosseguimento à produção de brinquedos.

52 Biblioteca Pública Municipal do Porto. Jornal Sopa dos Pobres de Ermesinde. Dezembro de 1958, n.º12, p.2 do suplemento de Natal.

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Anúncio do jornal Sopa dos Pobres de Ermesinde, de dezembro de 1958. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

Anúncio do jornal Sopa dos Pobres de Ermesinde, de dezembro de 1958. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

Vista atual da empresa de Aníbal Moura na rua Miguel Bombarda em Ermesinde.

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De acordo com Adérito Moura, o pai terá começado por produzir “bonecos” de pasta de papel, uma vez que não queria fazer concorrência ao irmão, que continuava com a fábrica do pai. A pasta era feita a partir de papel costaneiro, que se “cortava aos bocadinhos” para cima de uma mesa de ardósia. A estes pedacinhos juntava-se uma goma preparada com farinha de trigo e fécula de mandioca cozida. Pronta a pasta, moldavam-se as formas à mão. As metades eram secas ao sol, quando o havia, ou, em alternativa, numa “padaria vizinha”, onde havia sempre calor. Os processos de moldagem e secagem repetiam-se previamente à fase dos acabamentos. Antes de unirem as duas metades, deixavam um pequeno gancho de arame, ao qual iriam ligar todos os elementos do “boneco”, com elásticos. A colagem das meias partes era feita com cola de carpinteiro. Montado, lixava-se para retirar os excedentes e aplicava-se uma base de gesso cré antes da pintura, que só se realizava quando a superfície fosse novamente lixada e ficasse o mais lisa possível. A técnica de pintura era, na maioria, “à pistola”, à exceção dos olhos, das sobrancelhas, lábios e dos riscos para marcar os dedos, que eram desenhados a pincel. À produção de pasta de papel acabariam por acrescentar brinquedos de folha de flandres e, tal como o pai, marcaram as peças com as iniciais do seu nome: AM (Aníbal Moura). Há ainda outra sigla, usada nos brinquedos de Aníbal Moura, e que se relaciona com uma fase da sua vida menos feliz. Contou-nos Adérito Ferreira Moura, filho de Aníbal, que tinha uma irmã, com o nome de Arlinda Augusta, a quem todos chamavam Laita e que terá falecido com sete anos, vítima de meningite. Após a morte da irmã, o pai usou a sigla ITA, em sua homenagem.

Boneco. Aníbal Moura. Ermesinde. Pasta de papel. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 9115 MEP.MB. Ressalve-se que erroneamente identificámos no catálogo Mães Pequeninas (2014,p.19) duas bonecas de Armindo Moreira Lopes como Aníbal Moura. Este sim é o seu modelo. Fotografia Nuno Soares.

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Luciano Moura com os netos, Adérito e a sua irmã “Ita”, há 78 anos. Propriedade Adérito Moura.


Mealheiro. Aníbal Moura. Ermesinde. Folha de flandres.COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 3104 MB. Fotografia Nuno Soares.

Conjunto de praia com crivo, pá e forma de peixe. Aníbal Moura. Ermesinde. Folha de flan flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 9937 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

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Nos anos 50, Aníbal Moura chegou a empregar mais de noventa pessoas, demonstrando este número o volume da produção que teria. De salientar que, no já referido artigo de agradecimento de doações, no jornal “Sopa dos Pobres”, datado de janeiro de 195953, Aníbal Moura, com sede na Rua Miguel Bombarda, encabeça a lista com a oferta de duzentos e dez brinquedos, seguido dos sucessores de Luciano Moura (irmãos pela via paternal) com quarenta e oito brinquedos. Adérito Moura refere-se ao pai como um homem bondoso e arguto. Um dia, comprou uma revista para adolescentes, “O Cavaleiro Andante”, somente porque tinha um modelo de um carro de corrida, o qual ele acabaria a copiar e a fazer o molde para produzir. “Tinha muita paciência” e capacidade para a moldagem, afirmou. Só a partir de 1958 introduziram as matérias plásticas na produção, embora começando, não pelos brinquedos, mas pelo fabrico de algumas peças para a indústria. Em paralelo, seguiam os brinquedos que acabariam por ser montados com os dois elementos, folha e plástico. O mercado era essencialmente nacional, incluindo as províncias ultramarinas como Angola e Cabo Verde. Os filhos de Aníbal Moura: Adérito, Jorge, Amadeu, Maria Hermínia e Maria Augusta continuaram o legado do pai. Entre 1972 e 1973, terminaram com o fabrico de brinquedos e dedicaram-se exclusivamente aos elementos industriais. Sublinha Adérito que foi a salvação da empresa, uma vez que o mercado dos brinquedos estava cada vez mais difícil.

Agradecimento do jornal Sopa dos Pobres de Ermesinde, de janeiro de 1959. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

53 Biblioteca Pública Municipal do Porto. Jornal Sopa dos Pobres de Ermesinde. Janeiro de 1959, n.º13.

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Livro de Registo de Licenças para Comércio e Indústria. 1929. Arquivo Histórico Municipal de Valongo.

Manuel Moreira da Silva, conhecido como Nicró, é um caso singular no concelho de Valongo. A tradição familiar, embora associada à folha de flandres, andava longe dos brinquedos. No Registo de Licenças para Comércio e Indústria, de 192954, Manuel Moreira da Silva, morador na Rua 5 de Outubro, em Ermesinde, (junto à Es-

Anúncio de 1936 no Comércio e Indústria do Norte. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

tação), pedia licença para “Comércio e Indústria de Fabrico de Graxa”. Os pedidos de licença mantêm-se até 1932. O negócio da família era a graxa, como o corrobora o anúncio no já aqui referido “Comércio e Indústria do Norte”, de 1936.55 Manuel Moreira da Silva ter-se-á dedicado ao fabrico de carros, camionetas, elétricos, autocarros, entre outros, tudo veículos, especialmente dedicados aos meninos, pura diferenciação do género. O que o distinguiu dos demais terá sido a vulgarização da aplicação da corda de arame nos seus brinquedos. Segundo Jacinto Soares, teria “apenas um cliente, um armazenista, antigo empregado da «Casa dos Três Vinténs», chamado Coelho de Sousa”.56

54 Arquivo Histórico Municipal de Valongo. Registo de Licenças para Comércio e Indústria- 1923-1929. 55 Biblioteca Pública Municipal do Porto (C.M.P.). Comércio e Indústria do Norte. Diretor Fernando Guimarães. Porto. Junho de 1936. 56 Op. Cit. p. 123.

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Elétrico. Produção provável Manuel Moreira da Silva, o “Nicró”. Marca “M M”. Ermesinde. Folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7886 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Carruagem da CP, com corda. Produção provável Manuel Moreira da Silva, o “Nicró”. Ermesinde. Folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7897 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

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Camião com caixa basculante. Produção provável Manuel Moreira da Silva, o “Nicró”. Ermesinde. Folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7231 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Camião cisterna “Mobilgás”. Produção provável Manuel Moreira da Silva, o “Nicró”. Ermesinde. Folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 8053 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Carro. Produção provável Manuel Moreira da Silva, o “Nicró”. Ermesinde. Folha de ferro estanhado. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7935 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

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Brinquedos de madeira atribuídos ao médico Moutinho.

Adriano Lopes Coelho de Sousa acabaria por man mandar litografar os brinquedos de “chapa”, elaborados por “Nicró”, colocando-lhes a sua marca e vendendo-os como se fossem integralmente produzidos por si. Em 1959, Manuel Moreira da Silva é também um dos doadores na angariação de brinquedos, realizada pela “Sopa dos Pobres”. Anúncio de 1967 no jornal A Voz de Ermesinde . Biblioteca Pública Municipal do Porto.

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Mais uma vez em Ermesinde, surgiram outras referências a produtores de brinquedos. À conversa com António de Ascensão Tavares Carneiro, veio o nome de Moutinho, um médico dentista que terá produzido essencialmente animais de madeira. Relatou-nos António que chegou a fornecer ao seu pai, António Tavares Carneiro, com o intuito de que ele os vendesse. Mais recente é a Bripe58, Brinquedos Pedagógicos e Utilidades Domésticas, Lda., fundada por Cândida Osório Ribeiro59, na segunda metade dos anos 80.

Miguel da Conceição Osório. Agradecemos a gentileza da filha Cândida Ribeiro.

O periódico local “A Voz de Ermesinde”57 levou-nos ainda às Oficinas Salvador, de Serafim da Silva Sousa & Matos, Lda., que fazia “triciclos, biciclos móveis, em tubo ou chapa”.

Antigas instalações da Fabrima na rua 5 de Outubro, em Ermesinde.

57 Biblioteca Pública Municipal do Porto (C.M.P.). A Voz de Ermesinde. Diretor Manuel Ferreira Ribeiro. Dezembro de 1967. Os anúncios repetem-se nos anos 70. 58 Agradecemos ao Sr. António Ascensão Tavares Carneiro a informação e o contato. 59 Um especial agradecimento à D.ª Cândida Osório Ribeiro e ao seu marido Emanuel Ribeiro por todas as informações prestadas e pela disponibilidade e amabilidade na colaboração deste trabalho.

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Cândida é uma dos quatro filhos de Miguel Osório. À semelhança do pai, apaixonou-se pelo fabrico de brinquedos de madeira. Foi com ele que aprendeu a arte de produzir, pese embora o negócio da família tenha estado sempre associado à pichelaria.

de um relógio. Reporta-se, também com muita ternura, às famílias de patos e aos comboios, todos com cores muito vivas e bonitas. Os seus brinquedos eram essencialmente vendidos a grandes distribuidores.

Era Cândida criança, quando o pai, Miguel Osório, terá comprado a Fabrima, empresa de brinquedos de madeira, a um senhor de nome Lacerda. A fábrica de brinquedos de madeira localizar-se-ia próximo da pichelaria e Cândida recorda-se do pai trabalhar nos dois locais. Foi deste modo que Cândida também começou a trabalhar, ora no negócio da pichelaria, ora na fábrica de brinquedos de madeira, na rua 5 de outubro, em Ermesinde. Miguel Osório produziu quadros escolares, cavalinhos de baloiço e outros brinquedos de madeira, que Cândida Osório Ribeiro descreve como de uma beleza rara. Referiu-nos que inseriram, nos quadros, imagens do Mickey e do Pato Donald, além

Vista atual da fachada da empresa Bripe na rua da Cancela, em Ermesinde.

A morte prematura do pai levou-os a fazerem uma paragem e os brinquedos de madeira só renasceram alguns anos mais tarde, pelas mãos de Cândida, na empresa BRIPE. Fez xilofones, equilibristas, comboios. A produção terminaria na segunda metade dos anos 90. Reclame da antiga fábrica de brinquedos de madeira, Bripe.

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Recuamos novamente na linha do tempo, até ao início do século XX, tendo em vista tratarmos de uma das mais emblemáticas famílias do concelho de Valongo. O patriarca foi conhecido por três nomes distintos: José Augusto, José Augusto Júnior e José Augusto Penela, um homem singular e convicto. Filho de António Augusto e de Maria da Soledade nasceu em Ervedosa do Douro, a 11 de fevereiro de 1908. Com o pai, aprendeu a fazer gaitinhas60 e é a partir desta produção que virá a aprender mais sobre o brinquedo de folha de flandres. José Augusto casa-se com Clarinda Moreira dos Santos. Na rua do Outeirinho, em Alfena, tinha uma mercearia e no primeiro andar a habitação. Ao lado desta, funcionava a oficina onde começou a produzir brinquedos em madeira e folha de flandres.

À semelhança do sucedido com a família Carneiro, no “Registo de Licenças para o Comércio e Indústria”61, surge a autorização para Comércio e Baquetes, datada de 9 de outubro de 1929, para José Augusto, residente em Aldeia Nova, Alfena. Curiosamente, na licença de 1931, José Augusto já aparece como carpinteiro. Em todos os registos que pesquisámos, licenças e impostos ou nos registos de casamento onde referem a profissão, nunca aparece “produtor de brinquedos”, antes uma designação que, cremos nós, seria melhor reconhecida pela sociedade, um ofício condigno… São alguns os exemplos, todavia o mais usual era o de carpinteiro. Esta indefinição dificulta a pesquisa, pois a designação da profissão não nos remete para o efetivamente produzido.

60 Waldemar, filho de José Augusto Júnior explicou-nos como fazia as gaitinhas: “Cortava-se a chapa e depois enrolava-se numa máquina que tinha o feitio; cortava-se, pintava-se e encaixava-se e no fim soldava-se”. Mais tarde, a solda foi substituída por engates. O pai de José Augusto “fazia-as sem boquilha”. Ao Sr. Waldemar Penela o nosso sentido agradecimento pela partilha da sua história de vida, enriquecendo generosamente esta obra. 61 Arquivo Histórico Municipal de Valongo. Registo de Licenças para Comércio e Indústria- 1929.

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Gaitinha com galo. Folha de flandres. José Augusto Júnior. Coleção Júlio Penela.

Rocas e guizo. Folha de flandres. José Augusto Júnior. Coleção Júlio Penela.

Gaitinhas com asa. Folha de flandres. José Augusto Júnior. Coleção Júlio Penela.

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Desenhos “modelo” para a construção de brinquedos em madeira. Anos 40. José Augusto Júnior. Coleção Júlio Penela.


Anúncio de 1936 no Comércio e Indústria do Norte. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

José Augusto, segundo a licença de 1931, seria carpinteiro, isto é, já construía brinquedos de madeira, embora continuasse a fazer publicidade aos brinquedos de folha como sua principal produção. Esse exemplo está patente no Jornal “Comércio e Indústria do Norte”62, datado de junho de 1936, onde encontrámos um anúncio à empresa como “Fábrica de Brinquedos em Folha de José Augusto Júnior” e a marca lateral J.A.J., lugar do Outeiro- Alfena. Nesta data, já tinham nascido os seus dois primeiros filhos, Joaquim e Waldemar, os futuros seguidores na empresa. O destino haveria de tirar a José Augusto a primeira esposa e uma filha, durante o trabalho de parto. Joaquim tinha oito anos e Waldemar três. Em 1946, José Augusto Júnior constrói, em Ermesinde, aquela que viria a ser a sua grande empresa: “A Industrial de Quinquilharias de Ermesinde”.

A proximidade com os caminhos de ferro deve ter sido o grande mote para a mudança, uma vez que, em Alfena, o custo do transporte da mercadoria seria bastante mais dispendioso. Considerando que José Augusto era um homem com vontade de prosperar no negócio, terá perspetivado que aliado à redução nos custos de transporte estaria também um melhor acesso a mercados distantes. O número de funcionários aumentava exponencialmente, assim como a produção de brinquedos de folha de flandres e madeira. A casa de habitação construiu-a ao lado da fábrica, que também ia crescendo em número de armazéns. Do segundo casamento nasceram mais duas filhas. Não obstante, a estas não lhes coube como destino a fábrica, ao contrário dos seus irmãos que, desde cedo, partilhavam o tempo entre a escola e o fabrico de brinquedos.

62 Biblioteca Pública Municipal do Porto (C.M.P.). Comércio e Indústria do Norte. Diretor Fernando Guimarães. Porto. Junho de 1936.

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José Augusto Júnior com os dois filhos, Joaquim, o mais velho e Waldemar.


Vista atual da casa e empresa de José Augusto Júnior na rua 5 de Outubro em Ermesinde.

Na conversa com Waldemar, este recorda como o pai controlava a empresa, define-o como um homem de muita personalidade, por vezes de trato difícil, embora com uma grande visão no negócio

Pormenor na fachada das antigas instalações da “A Industrial de Quinquilharias de Ermesinde”, onde se lê: JAJ /1946.

Corda de fita aplicada no chassi do jipe.

do brinquedo. Deslocou-se à Alemanha com vista a adquirir conhecimento sobre o processo de fabrico dos brinquedos, copiou modelos que produziu na sua fábrica em Ermesinde, adaptou-os e criou dezenas de peças diferentes63. Foi ele o pioneiro da corda de fita em Portugal, criou o mecanismo, apesar de ter de importar a fita para poder produzir a nova peça.64 Posteriormente foi alargando a sua aplicação até à fricção.

63 Alguns dos modelos ainda hoje existentes na fábrica foram copiados da empresa alemã GAMA. Fundada em 1882 em Nuremberga, por Gerg Adam MAngold, era uma das grandes referências na produção de brinquedos de folha litografada, nomeadamente em carros, motociclos, camiões e tanques. 64 Waldemar explicou que a aplicação da corda de fita exigia que a ponta se queimasse, para não partir, um processo engenhoso.

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Vista de A Industrial de Quinquilharias de Ermesinde nos anos 40.



Desenhos impressos, usando a zincogravura (elaboradas na empresa) que se colavam nas caixas para identificação dos produtos; “automóvel de luxo e camionete de carga”. Coleção Júlio Penela.


Jipe com corda em folha de flandres. Um dos modelos mais emblemáticos de J.A.J., com a caixa original. Anos 50. Coleção Júlio Penela.

Pormenor da matrícula do jipe onde se lê: J.A.J. 1950.

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Desenho impresso que se colava nas caixas para identificação dos produtos. Atente-se ao pormenor da marca J.A.J.. Coleção Júlio Penela.


Ambulância em folha de flandres. É um dos modelos mais antigos da empresa. Modelo Chevrolet, anos 30. Coleção Júlio Penela.

Pormenor da marca na ambulância. J.A.J./ FEITO EM PORTUGAL.

Carro em folha de flandres com corda. J.A.J.. Coleção Júlio Penela.

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Camionetas em folha de flandres (Carro de bombeiros e Camião Grua). J.A.J.. Coleção Júlio Penela.

Cavalo com carroça em folha de flandres. J.A.J.. Coleção Júlio Penela.

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Fogão com forno, em folha de flandres. J.A.J.. Coleção Júlio Penela.

Tábua e ferro de engomar em folha de flandres, à exceção da pega do ferro que é de madeira. J.A.J.. Coleção Júlio Penela.

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O processo de fabrico dos brinquedos de folha de flandres é exigente, obriga à sabedoria do uso de muitos moldes até se conseguir uma só peça. De forma resumida, e excelentemente explicada pelo neto de José Augusto, Júlio Penela, este mostrou-nos com destreza como se usam os balancés, para

cortar as chapas, moldar os elementos para depois se unirem e resultarem num brinquedo. Os moldes produzidos pelos próprios são ainda às centenas, bem identificados por brinquedos, adaptados ao longo do tempo, conforme a matéria-prima usada.

Vista do interior da fábrica de J.A.J., na rua 5 de Outubro, em Ermesinde. Anos 40. Atente-se ao pormenor da maioria dos funcionários serem mulheres.

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Estampadores e cortantes de brinquedos, hoje na BruPlast.

Moldes de injeção para brinquedos de plástico, na BruPlast.

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Vazador, cortante e estampador do Ford GT. Coleção Júlio Penela.


Molde em bronze, de boneco (macho e fêmea).

Cortante dos para- choques do táxi, em folha de flandres.

É no balancé, depois do cortante, que se estampa (ou seja se moldam) os para-choques e todos os elementos de um brinquedo em folha.

Caixa com rodas das carrinhas Volkswagen “pão de forma”, prontas a serem usadas.

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Aparelho para montagem das rodas nos eixos do chassi em folha de flandres. Coloca-se o eixo e encaixam-se as rodas.

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A J.A.J. resistiu à crise provocada pela II Guerra Mundial e refere-nos Waldemar que, ao contrário do que alguns afirmam, nunca usaram cartão para substituir a escassez da folha de flandres65. Houve, efetivamente, reaproveitamento da chapa, das latas de óleos às conservas, sempre habilmente escondidos no interior das peças. Nessa altura, José Augusto teria pensado em introduzir o plástico. Chega, assim, à empresa a primeira máquina de injeção, mais rudimentar do que aquelas que já há muito produziam na Europa, mas funcional!

Cabeça de máquina de costura, em folha de flandres. A folha é reaproveitada de uma lata de atum que vulgarmente se usava com a decoração virada para o interior.

A produção continuava a exigir numerosa mão de obra, o que implicava um custo acrescido. A tentativa de reduzir despesas passou pela construção das próprias embalagens à elaboração das máscaras para a pintura dos brinquedos. As “cartonageiras” montavam as caixas de cartão e forravam-nas com papel impresso com o nome da empresa. Desta forma, eram gentilmente embalados os brinquedos da J.A.J.. Uma das mais antigas funcionárias com esta função foi a D.ª Maria de Lourdes, admitida na empresa a 26 de junho de 1949.

Máquina que servia para abrir latas para serem reaproveitadas na produção dos brinquedos.

65 A escassez de folha de flandres adveio do seu uso no fabrico de armas, durante a II Guerra Mundial.

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Ficha de uma das mais antigas funcionárias da empresa de José Augusto. A senhora Maria de Lourdes começou a trabalhar em 1949 e estava na categoria de “Cartonageira”, ou seja elaborava as caixas de cartão onde eram embalados os brinquedos.

No que concerne às máscaras para a pintura, o procedimento foi diferente. José Augusto comprava-as fora até o filho Waldemar se voluntariar para as fazer na fábrica. A conversa com o filho de José Augusto Júnior levou-nos a viajar no tempo, naquele onde era preciso importar de Inglaterra aos 20 000 parafusos, já que, em Portugal, não se comercializavam, ou onde os balancés66 eram manuais. Tudo se foi mecanizando, embora se mantivessem os custos com os moldes. Foi sendo cada vez mais usado o plástico, em detrimento da madeira. Os brinquedos foram sendo compostos entre um misto de folha de flandres e plástico.

Citroên DS19 com caixa original. Coleção Júlio Penela.

66 Máquina onde se colocam os cortantes da chapa e os estampadores para a moldagem dos elementos já cortados. Inicialmente não tinham motor, eram balancés manuais.

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José Augusto Júnior regista nova marca, corria o ano de 1955: a Fábrica de Artigos em Plástico JATO tem como logótipo um avião. Encontrámo-la em alto-relevo nos brinquedos e, depois, em etiquetas coladas nas peças. Os brinquedos da JATO percorreram todo o país. Eram vendidos de norte a sul e também nas províncias ultramarinas. Entraram nas vidas de milhares de crianças, pois também eram aos milhares produzidos. Os preços eram inferiores aos brinquedos importados, o que permitia, mesmo às famílias menos abastadas, terem acesso à sua compra.

Logomarca da JATO, com o avião a servir de imagem principal.

Modelo de camioneta de carga com toldo. Imagem do catálogo da JATO.

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Porsche descapotável feito de um misto de folha de flandres e matérias plásticas. Os bonecos não fazem parte da peça original. Coleção Júlio Penela.

Pormenor da matrícula do carro onde se lê: JATO 67. (provavelmente elaborado em 1967).

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Carrinha Volkswagen, “Pão de forma”. JATO. Plástico e fundo em folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 8453 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Pormenor do chassi da carrinha wolkswagen com a marca em alto relevo “JATO”. Chassi em folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 8453 MEP.MB Fotografia Nuno Soares.

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Ferro de engomar, com patinho. É o mesmo modelo que se fazia em folha de flandres. Este já tem alguns elementos em plástico. Coleção Júlio Penela.

Ambulância. JATO. Alfena-Ermesinde. Carroçaria em plástico e chassi em folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 8456 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

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Carrinha. JATO. Alfena-Ermesinde. Carroçaria em plástico e chassi em folha de flandres.COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional da Cultura Norte. Nº de inventário 8457 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Carro. JATO. Alfena-Ermesinde. Carroçaria em plástico e chassi em folha de flandres.COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS | Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 8501 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

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Montagem dos Volkswagen “carochas”. Imagem do catálogo da JATO. Anos 40. Coleção Júlio Penela.


Vista interior da linha de montagem da JATO. No canto superior direito Waldemar Penela na cabine de pintura. Anos 40. Coleção Júlio Penela.


Máscaras para pintar as carrinhas Volkswagen “Pão de forma”.

Máscaras para pintar as cabeças das máquinas de costura. Atenção ao pormenor de haver uma máscara para cada motivo decorativo, neste caso, um para os ramos e outro para as flores.

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Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Fábrica de Plásticos JATO, Lda, datada de 31 de agosto de 1983, onde foi decidida a mudança de instalações para a nova unidade no “lugar de Lombelho, freguesia de Alfena”.

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Em 1977, os filhos de José Augusto Júnior propõem-lhe que os deixe ficar na dianteira do negócio. José Augusto consente, provavelmente receoso com o que adviria da revolução de 1974. Os filhos, Joaquim dos Santos Penela e Waldemar dos Santos Penela, acreditaram que poderiam continuar os desígnios da empresa. Na verdade, o maior volume dos seus negócios desenvolvia-se em Portugal e não nas ex-colónias, o que não resultaria na quebra das vendas, à semelhança do que acabaria por suceder com outras empresas de brinquedos de plástico, sediadas no distrito de Leiria. Em 1983, os irmãos Penela, já com a nova marca PEPE, de Penela e Penela, deslocalizam a empresa para Alfena.67 José Augusto Júnior não terá apreciado a mudança. Efetivamente, só passados alguns anos, os irmãos puderam usar a marca JATO, registada pelo seu pai, que faleceu no ano seguinte à criação da PEPE. Nos anos oitenta do século XX, inicia-se uma nova etapa em Alfena. Joaquim e Waldemar empregavam um número considerável de pessoas; umas acompanharam a empresa de Ermesinde para Alfena, outras integraram a produção quando houve a mudança de instalações. Para a freguesia que recebeu a PEPE foi, seguramente, muito relevante a existência de tal empregador. Atingiram aproximadamente uma centena de trabalhadores. Circular a informar que os novos proprietários são os filhos do antigo dono, Joaquim e Waldemar Penela. Data de 1977.

Os irmãos Joaquim e Waldemar foram os grandes precursores dos brinquedos com as marcas JATO e PEPE. A crise do “pós 25 de abril” não os assustou, nem os desestabilizou. A empresa prosseguiu com sucesso.

67 Contou-nos um dos filhos de Waldemar, o Júlio Penela, como o pai comprou o terreno onde atualmente ainda se encontra a empresa. Pensava o pai que estava a comprar uma parcela de terreno, mas teve a surpresa da área ser mais do dobro do que inicialmente previa. Alguns hectares, que o pai rapidamente transformou em terreno de cultivo e tudo dava para abastecer a casa. Júlio recorda a delícia das árvores de fruto e do tanque, onde davam uns mergulhos. O pai Waldemar fala ainda hoje das magníficas pencas e abóboras que ali produziam.

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Joaquim, o irmão mais velho, teve um filho, Victor. Waldemar, dois casamentos, do primeiro, sete filhos: Carminda, Joaquim, Maria José, Ana Maria, Júlio, Paulo e Emanuel; e do segundo: Benjamim e Pedro. O futuro da empresa voltaria a passar pelas mãos dos rapazes– já lá iremos. O plástico foi-se assumindo como a matéria-prima mais usada. Os catálogos da fábrica, dos anos 80 e 90 do século XX, são disso reflexo, embora fossem perdurando alguns modelos cujos pormenores eram em folha de flandres.

Marca PEPE, gravada e pintada em lousa, por Júlio Penela.

Instalações da PEPE em Alfena. Anos 80.

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No lado esquerdo: torno antigo onde se faziam as gaitas de asinha. Anos 20. Do lado direito o primeiro ralador de plástico, hoje em exposição na Bruplast.

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Capa do catálogo da PEPE, constituída por vários membros da família. Anos 70.

Fogão de um forno, com fervedor e cafeteira. A caixa original da marca PEPE. Os modelos são em tudo similares aos produzidos em folha de flandres. Coleção Júlio Penela.

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Carrinha Volkswagen “Pão de forma”, com caixa, onde se anuncia “com sirene e fricção”. Tem os dois tipos de elementos, folha de flandres e matérias plásticas. Coleção Júlio Penela.

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Jipe de plástico, com corda. Marca PEPE. O modelo é igual ao produzido anteriormente em folha.

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Carros Volkswagen “carochas”, com fricção. Feito com dois elementos (matérias plásticas e folha).

Camionetas similares às produzidas por José Augusto Júnior. Alguns moldes são os mesmos só alteram alguns elementos em plástico.

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Táxi “Mercedes”, com fricção, da marca PEPE.

Máquina de costura com a cabeça em folha e o restante em plástico. Marca PEPE.

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Balança PEPE, modelo igual ao produzido em folha de flandres.

Ferro com patinho e caldeira para as brasas. Marca PEPE. Modelo igual ao produzido desde os anos 30.

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Tábua de engomar e ferro, em plástico. O fundo do ferro é de folha. Marca PEPE.

Guizo de cão. Marca PEPE.

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Porquinho e cão guizos e cão com laço. Marca PEPE.

Fogão de campismo, com fervedor e cafeteira. Todo plástico. Marca PEPE.


Boneca. PEPE. Plástico. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS| Direção Regional de Cultura do Norte: Depósito da Senhora Doutora Ivone Soares. Nº inventário DEP.310.95 IS

Marca “PEPE” relevada no plástico das costas. Nº inventário DEP.310.95 IS


A tradição na família mantém-se. Passaram os rapazes pela empresa, uns nas férias do verão, outros saíram para mais tarde regressar68 e terminarem à frente do negócio. Em 2012, Bruno Penela e Júlio Penela, respetivamente neto e filho de Waldemar, assumem a continuidade da empresa de brinquedos. As crises económicas sucessivas, o controle e imposições legais da União Europeia sobre a produção de brinquedos viriam a reduzir as vendas da PEPE/JATO. Júlio e Bruno Penela reinventaram-na, apostaram na comercialização e fabrico de produtos plásticos para outras indústrias. O brinquedo, esse, que pela legislação europeia teve de descer à categoria de artesanato, passou para segundo plano.

Carroçarias dos jipes em plástico. BruPlast.

68 À conversa com Júlio Penela descobrimos que herdou do pai o espírito empreendedor. Desde cedo, começou a trabalhar na fábrica, porque queria ter algum “dinheiro para as suas coisas”. Estudava à noite e trabalha na PEPE durante o dia, “na serralharia”. Aprendeu a fazer moldes e tentava sempre inventar além do que tinha. Depois de uma passagem pela Força Aérea, largou tudo e voltou para a sua paixão: o fabrico de brinquedos! Um agradecimento especial ao Júlio Penela pela disponibilidade, simpatia, colaboração nesta publicação e por acreditar no futuro do brinquedo português!

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Molde para produzir cavalos em plástico. Bruplast.

Caixas com vários elementos para construir brinquedos. Bruplast.

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Avião. Marca PEPE.

Cornetas da marca PEPE.

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Corneta com o pormenor da boquilha e da palheta em metal. A palheta era encaixada na boquilha e ao soprar emitia um som similar a um chilrear.

Corneta com uma boquilha e palheta de plástico. O som não é igual à anterior mas facilita a produção.

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Produção de martelos de S. João na BruPlast. 2019.

Produção de martelos de S. João na BruPlast. 2019.

Vista geral da empresa BruPlast, na atualidade.

Vista geral da produção de martelos para o S. João do Porto. BruPlast. 2019.

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Bruno Penela, filho de Júlio cria a BRUPLAST. A tradição dos rapazes da família Penela perdura e, presentemente, os brinquedos /artesanato vão andando por aí, algures entre as lojas vintage e os colecionadores. A folha de flandres volta a ser a grande aposta, o plástico remetem-no para os “outros artigos”. Júlio Penela acredita neste novo projeto, onde a produção de brinquedos /artesanato, embora ténue, vai sobrevivendo e promovendo o legado deixado pelo avô.

Júlio Penela e o filho Bruno Penela

A empresa, quase centenária, que iniciou José Augusto, “que também assinou” José Augusto Júnior e José Augusto Penela, passou por várias marcas: J.A.J, JATO, PEPE e BRUPLAST. As designações podem ser muitas, contudo o fabrico, esse, tem um gene comum, com sucessos e recuos, sem nunca abandonar o que a haveria de a eternizar como uma das maiores indústrias nacionais: os Brinquedos!

Sr. Waldemar Penela

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Conforme regularmente acontece, desde a produção artesanal à industrial, particularmente naquela onde é preciso aprender-se uma arte, depois de se dominar o saber, alguns trabalhadores instalam-se por sua conta. Os próximos dois casos são exemplos desta situação: um é Armindo Moreira Lopes, que se vai dedicar aos brinquedos de folha de flandres e o segundo, Manuel da Rocha Ferreira cuja produção será toda de madeira. Com efeito, os dois saíram da empresa de José Augusto, em Ermesinde, e instalaram-se na freguesia de Alfena.

No já anteriormente referido jornal “Sopa dos Pobres”, de janeiro de 1959, encontrámos um anúncio à fábrica de brinquedos de Armindo Moreira Lopes.

Armindo Moreira Lopes nasceu em agosto de 1920 e cedo começou a trabalhar na fábrica de José Augusto Júnior. Foi nela que aprendeu a construir brinquedos de folha de flandres, tendo criado o seu próprio negócio nos anos 40 do século XX, no Outeirinho, em Alfena. Anúncio no jornal Sopa dos Pobres, datado de janeiro de 1959. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

Elaborou muitos modelos diferentes, havendo quem refira que terá feito um para cada dia do ano. Marcava os seus brinquedos com as iniciais A.M.L., de Armindo Moreira Lopes69. Comboios, camionetas, carros, carrinhas, lambretas e carroças eram brinquedos destinados a meninos, mais do que às meninas. Para estas, apenas algumas peças, como lavatórios, fogões e tábuas de passar a ferro. Tudo em folha de flandres!

Vista geral do espaço onde funcionou a oficina de Armindo Moreira Lopes

69 O nosso agradecimento à D.ª Carminda Lopes, nora de Armindo Moreira Lopes, pela prestimosa colaboração.

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Rapa “Pai Natal”, produzido por Armindo Moreira Lopes, em folha de flandres.

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Cavalo com cavaleiro. Armindo Moreira Lopes. Folha de flandres.

Camioneta de carga. Armindo Moreira Lopes. Folha de flandres.


Dois fogões, o da esquerda é fabrico de Armindo Moreira Lopes que curiosamente é igual ao produzido por J.A.J., à direita. Os modelos são iguais não sendo de estranhar uma vez que o Armindo Moreira Lopes fez a sua aprendizagem na empresa de José Augusto.


Tábua e ferro de engomar. Armindo Moreira Lopes. Modelo similar ao de J.A.J.

Lavatório em folha de flandres. Armindo Moreira Lopes.

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Telefone. Armindo Moreira Lopes. Folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS| Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 10495 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

Navio sobre rodas. Armindo Moreira Lopes. Folha de flandres. COLEÇÃO DE BRINQUEDO DO MUSEU DOS BISCAINHOS| Direção Regional de Cultura do Norte. Nº de inventário 7872 MEP.MB. Fotografia Nuno Soares.

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Teve dois filhos gémeos que haveriam de trabalhar no negócio do pai. A empresa ganhou alguma dimensão e chegaram a exportar alguns modelos para França. Armindo Moreira Lopes veio a falecer em 2006 e, prematuramente, aconteceu o mesmo aos dois filhos. A produção terminou, ficaram muitos modelos, de cores garridas que alegraram a pequenada.

Os brinquedos de madeira continuaram a ter vida pelas mãos de Manuel da Rocha Ferreira, que produziu relas, carros de bebés, carros de bois, ciclistas, pombinhas, camionetas, sempre com o processo tradicional, até ao século XXI. A laboração, sobretudo manual, teve posteriormente a ajuda das suas três irmãs, Cândida, Florinda e Maria. Por último, Manuel contava com o apoio da esposa, Juliana Moreira Martins.

Também em Alfena se instalou Manuel da Rocha Ferreira, nascido em setembro de 193270. Começou a trabalhar na empresa de José Augusto Júnior tinha apenas 9 anos. Quando o seu patrão quis dar por finda a produção de brinquedos em madeira, Manuel Ferreira transmitiu-lhe que gostaria de continuar, pelo que, deste modo, montou o seu negócio nas madeiras. De Ermesinde, da fábrica do patrão, vieram com ele algumas máquinas, bem como alguns moldes.

Vista geral da oficina de Manuel Ferreira.

Manuel Ferreira e a esposa Juliana Martins.

70 Já o referimos no início desta edição que o Sr. Manuel da Rocha Ferreira, lamentavelmente, faleceu em agosto de 2019. Não queremos contudo deixar de agradecer-lhe e à sua esposa Juliana Martins a disponibilidade e amabilidade com que colaboraram nesta publicação. Bem hajam!

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À conversa com Manuel da Rocha Ferreira, compreendemos que a paixão pela construção de brinquedos dura há uma vida. Atualmente, por questões de saúde, a produção está parada, mas não a vontade de continuar. Com os seus 86 anos, reporta-se ao processo com grande agilidade. A serra para cortar a madeira é antiga, pelo que o manuseio não é para qualquer um. A enroladeira, onde fez milhares de arcos para a construção de ciclistas, é igualmente antiga, assim como o processo.

Depois de preparada a madeira, cortam-se os elementos das peças com a ajuda dos moldes. Prontos os elementos tomam um banho de tinta (água e anilina) para ficarem com o fundo uniforme. Os últimos pormenores são pintados a pincel, à exceção das caras dos ciclistas que são pintados à pistola sobre uma máscara. Manuel da Rocha Ferreira tem uma filha e um filho, porém nenhum no negócio do pai. Os ciclistas vão ter de aguardar mais algum tempo, na esperança que voltem a pedalar!

Ferramentas. Oficina de Manuel Ferreira. Serra de fita. Oficina de Manuel Ferreira.

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Camioneta pequena e carroçaria em construção. Manuel Ferreira.

Camioneta pequena. Manuel Ferreira.

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Pombinha. Manuel Ferreira.

Rela. Manuel Ferreira.

Carro de bebé. Manuel Ferreira.

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Carro de bois com pipo. Manuel Ferreira.

Carrinho de mão. Manuel Ferreira.


Camioneta grande. Manuel Ferreira.

Andarilho. Manuel Ferreira.


Ciclista. Manuel Ferreira.

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Após um breve périplo por alguns dos mais emblemáticos produtores71 do concelho de Valongo, verificámos que os modelos dos brinquedos de madeira diferem de produtor para produtor em pequenas nuances e, em particular, nos acabamentos. Os que foram construídos com folha de flandres seguem não apenas algumas variantes do que se produzia em madeira, mas também os exemplares estrangeiros que acabavam por ser copiados, embora sem a finalização aprumada das empresas dos países industrialmente desenvolvidos. Se observarmos em pormenor, todos refletem objetos do quotidiano, em sintonia com a educação do género, própria da época histórica em que eram produzidos. Para os meninos todo o género de meio de transporte, jipes, ambulâncias, carochas, táxis, aviões, comboios, camionetas, carros de corrida e antes destes todos, carros de bois. Às meninas destinava-se todo o tipo de brinquedos que as “educasse” a serem boas futuras mães e “donas de casa”, daí que, maioritariamente, encontremos nestas produções, fogões, balanças, tábuas e ferros de engomar, máquinas de costura e bonecas! Estas últimas tão antigas quanto a própria humanidade, indissociáveis da maternidade!

Para todos, independentemente do género, seriam os guizos, as gaitinhas, os tambores e as pandeiretas, sempre atuais, embora igualmente ancestrais, se considerarmos que qualquer criança já os produzia a partir de canas, giestas ou cascas de noz72. Mais do que a “educação” ou brincadeira distintamente direcionada para meninos ou meninas, é interessante analisar a relação da evolução social com os brinquedos, por exemplo, quando é que se começam a produzir fogões elétricos ou carros de luxo, modelos “pão de forma” ou “carochas”. É, pois, conveniente salientar que o brinquedo do concelho de Valongo, além de centenário, possuía a particularidade de ser inovador. Acresce que, mesmo que no concelho não existisse um carro de corrida, houve mentes astutas que os foram copiar de um qualquer escaparate de bazar ou puseram pés ao caminho e seguiram até à Alemanha para ver o que por lá se fazia. Não é sorte, é empreendedorismo!

71 Outros houve, mas sem a expressão dos já mencionados. A título de exemplo, ainda na freguesia de Alfena, pelas décadas de 50/60 estão registados dois nomes que se dedicavam ao fabrico de brinquedos de madeira, são eles: “Daniel Carneiro Malheirosque deu especial relevo aos que se destinavam às meninas- e de Salvador Pereira da Cunha Estrela”, in Boletim Autárquico. Junta de Freguesia de Alfena, n.º 2. Julho de 2016, p.3. 72 João Amado no seu livro “Universo dos Brinquedos Populares” descreve vários brinquedos feitos a partir de elementos da natureza e cuja forma se assemelha em muito aos que vamos encontrar nestas indústrias. O guizo e a rela são dois bons exemplos. Op. Cit. pp.54-57.

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Rotas de comércio do brinquedo

O brinquedo produzido no concelho de Valongo chegou a todo o país: às feiras e mercados, às romarias, aos bazares e, mais tarde, aos distribuidores da especialidade. Hoje, como sabemos, tem de ser tratado como artesanato para continuar a ser vendido, resultado das normativas europeias que, lamentavelmente, não fazem as mesmas exigên-

cias aos brinquedos importados, diretamente da China ou da Tailândia, e que chegam às nossas crianças sem o mesmo tipo de vigilância. São estes brinquedos que encontrámos em algumas grandes festas e romarias, como é o caso do Senhor de Matosinhos, ou o São João, no Porto.

Tenda de brinquedos. Festa de Nosso Senhor de Matosinhos.

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Igreja de Nosso Senhor de Matosinhos.

Outrora, eram os brinquedos portugueses que faziam as delícias da pequenada; vejamos, por exemplo, o registo de despesas dos Festejos do São João das Fontaínhas, no Porto, entre 1927 e 1929, onde, além do custo com bonecos, era mencionado um conjunto de despesas que ainda não estavam pagas, designadamente: “1929- em Março, deve: quinquelherial em madeira- 62.00”; em maio “importe de vários brinquedos- 76.50”; em junho deviam “carros, bicicletas e pombas”73. Não sabe-

mos quem foram os fornecedores destas edições, contudo a avaliar pelas descrições dos produtores do concelho, já nesta altura as pombas deveriam ter saído de Ermesinde. Curiosa é igualmente a definição de “quinquelherial em madeira”, pois vulgarmente se associa a quinquilharia a “miudezas”, brinquedos pequenos feitos com folha de flandres. Aqui há inequívoca referência que a quinquilharia era de madeira.

73 Arquivo Distrital do Porto. Festejos ao S. João das Fontaínhas. 1927-1929.

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Ao longo da pesquisa pelas várias romarias em redor do Porto, com alguma expressão, sentimos uma grande dificuldade em perceber a data de início da comercialização dos brinquedos do concelho em feiras ou mercados. Todavia, se atendermos às suas definições, cremos que, desde que se iniciou a produção, estes deveriam ser os locais de escoamento. Decorria o ano de 1856, quando foi editado o Dicionário Jurídico Comercial. Era seu autor Ferreira Borges e nele escreveu74: “As feiras são de mui remota idade: para as animar, antigamente uniam-nas a um orago, e era junto dos adros e igrejas que se estabeleciam. Os mercados, isto é, as feiras menores e mais amiudadas removeram ou pelo menos diminuíram muito as feiras antigas. Entretanto, a sua utilidade é inquestionável: por meio delas reúnem-se produtos, facilitam-se as trocas, dá-se a competência, e tenta-se e alcança-se um maior consumo e circulação”. Estamos em pleno século XIX, quando se reconhecem as feiras e os mercados como espaços essenciais para o desenvolvimento do comércio e indústria. Considerando a definição de mercado, que mais não era do que uma feira mais pequena e que se realizava com uma periodicidade mais regular, acreditamos que os produtores de brinquedos escoariam os seus produtos sobretudo nas feiras, nas de maior dimensão, aquelas onde, conforme afirmou Jorge Alves, “o potencial consumidor sinta a compra como um acto de participação e inte-

gração social, descurando, porventura, o seu sentido pessoal de economia”75. Outra grande diferença é que no mercado vendiam os comerciantes locais, normalmente produtos de consumo essencial, designadamente hortícolas, carne, peixe ou pão. Nas feiras, apareciam vendedores de várias partes do país, provavelmente na esperança do gasto extraordinário dos poucos dias de ócio que os visitantes tinham. Nos finais do século XIX e até aos nossos dias, as feiras ou romarias mantêm este papel social, onde se vai para o convívio, para algum excesso que o trabalho quotidiano não permite. A proximidade ao Porto facilitou o escoamento de brinquedos nas feiras e festas que se organizavam na cidade. Eram em número elevado, desde a Idade Média: umas onde só se vendia determinado tipo de produtos, outras onde todos concorriam. “Pela leitura da «Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Pôrto», escrita em 1787 pelo padre Rebêlo da Costa, se sabe que o pão procedente de Valongo, todos os dias era vendido nas Praças de S. Bento, S. Domingos e Rua das Flores, afluindo diariamente grande concorrência de povo às Praças de S. Bento, S. Roque, Praça Nova e Ribeira, onde se vendiam leitões, aves e coelhos”76. Estamos no século XVIII e nada há sobre as “quinquilharias”. Não nos podemos esquecer que as alterações administrativas e os investimentos nas vias de comunicação resultariam num grande desenvolvimento

74 Transcrição do artigo feiras e mercado interno na História Contemporânea: algumas notas avulsas. Da autoria de Jorge Alves in Actas do 3º Encontro de História- Vectores de Desenvolvimento Económico: as Feiras da Idade Média à Época Contemporânea. Câmara Municipal de Vila do Conde. 75 Idem, p. 165. 76 OLIVEIRA, A. Coelho de- Sumário das Feiras & Mercados Antigos do Pôrto. Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto. Vol. 6. 1938, p.333.

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do espaço territorial que temos vindo a referir. Já o afirmava Francisco José Ribeiro Seara77, em 1896, sobre Valongo, que esta “povoação fazia antigamente parte do concelho da Maia, e por decreto de 29 de Novembro de 183678, ficou constituído a sede dum novo concelho, sendo-lhe agregadas as importantes freguesias de S. Martinho de Campo

e Sobrado, do extinto concelho de Aguiar de Souza e Alfena e S. Lourenço de Asmes, do concelho da Maia”, adiantando que “este novo concelho é muito notável pela sua riqueza, grangeada n`uma labutação agrícola, industrial e fabril. Os seus principaes ramos de commercio são os seguintes: cereaes, vinho, pão, moagem, lousa, antimónio,

Estação de Ermesinde. Autoria Emílio Biel (1838-1915). CP- Comboios de Portugal /Arquivo.

77 SEARA, Francisco José Ribeiro- Bosquejo Histórico da Villa de Vallongo e suas tradições. Santo Tyrso. Typ. do Jornal de Santo Tyrso. Praça do Conde de S. Bento. 1896, p.14. 78 Código Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27-424 de 31 de Dezembro de 1836, impresso em 1837.

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telha, madeiras, etc…”79. Ainda não há destaque para o fabrico de brinquedos, como aconteceria em 1904, altura em que o Padre Joaquim Alves Lopes Reis, na sua monografia80, abordando a tentativa de se restabelecer a feira “que algum tempo se tinha feito no Calvário, mandando n`esse sentido afixar editaes pelas freguesias e participando aos regedores das parochias que avisassem os povos das suas freguesias para que concorressem à mencionada feira com os seus gados e géneros de toda a espécie”. Mantinham-se omissos os produtores de brinquedos… Todavia, em 1936, no âmbito das comemorações do centenário do concelho de Valongo, Santos faz a seguinte abordagem ao desenvolvimento de Ermesinde: “são fábricas de tecidos e cerâmicas, de produtos resineiros, de brinquedos e de moagem, a progredir e a crescer dia-a-dia”81. É indiscutível que, na década de 30, os fabricantes de brinquedos eram suficientes em número e em qualidade para granjear lugar entre as restantes indústrias. Dizíamos nós que o investimento na estrutura viária em muito contribuiu para o desenvolvimento económico dos territórios, iminentemente rurais, que existiam em redor da malha urbana do Porto. Além da abertura de novos arruamentos, como foi o caso da Rua de Costa Cabral, “inicialmente conhecida como da Cruz das Regateiras”82, é igualmente relevante compreender a oposição à construção das linhas de caminho de ferro. Na segunda

“Verbete de Liquidação do Imposto de Prestação de Trabalho”.1968. Arquivo Histórico Municipal de Valongo.

metade do século XVIII, para transportar pessoas e bens existiam os “veículos da Mala-Posta, o Americano, sociedade de viação por tracção animal tais como as Reais Diligências, a Companhia das Carruagens Omnibus ou a Companhia de Viação Portuense”83. Para quê apoiar a construção das linhas de caminho-de-ferro que iriam pôr em causa a manutenção das outras empresas? Manifestamente insuficientes e a pedido de muitos empresários do Douro, os trabalhos começaram em 1872. Três anos mais tarde, teria início a construção da ponte D. Maria Pia, inaugurada em 1877, e que veio permitir a viagem Lisboa ao Porto de comboio.

79 Idem, p.15. 80 REIS, P.e Joaquim Alves Lopes- A Villa de Vallongo, suas tradições e história. Descripção, Costumes e Monumentos. Porto. 1904, p.206. 81 Citação da monografia de S. F. Santos, Centenário do Concelho de Valongo. Câmara Municipal de Valongo. 1936 in COSTA, Estela Mariana Marques da- O futuro no passado de Ermesinde- o património na construção de uma identidade. Dissertação de mestrado em História e Património. Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 2015, p.39. 82 PACHECO, Hélder- Porto. Novos Guias de Portugal. Editorial Presença. Lisboa. 3ª edição. 1988, p.138. 83 SILVA, José Ribeiro da- Os Comboios em Portugal, do vapora electricidade. Mensagem. 2004, p.24.

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Esboço do Mappa dos Caminhos de Ferro. 1905. Arquivo Histórico Municipal do Porto. Município do Porto.

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Comboio com carga. Estação de Ermesinde. Autor desconhecido (1937-1966). CP- Comboios de Portugal /Arquivo.


Do Porto haveriam de ser traçadas as linhas do Douro e do Minho que só a partir de Ermesinde corriam separadas. Com este passo, Ermesinde passa a ser um ponto fulcral nas ligações ferroviárias ao Porto e daqui para o resto do país. Estamos no início do século, quando se sente o desenvolvimento social e económico do território. As indústrias aproximavam-se da estação, visto que daqui escoariam os seus produtos. Fixavam-se os investidores, bem como toda a mão de obra que para as novas indústrias vinha trabalhar. De forma breve, podemos dizer que foi o que se passou na indústria do brinquedo, primeiro em Ermesinde, depois em Alfena, embora sempre próximo das estradas mais fáceis de calcorrear, das linhas dos tróleis ou dos comboios. Os testemunhos recolhidos ao longo do concelho revelaram-nos como se escoaram os brinquedos ao longo dos tempos; das carreteiras ou carreteiros, com a mercadoria à cabeça ou às costas; dos carros de bois às carrinhas, até ao comboio ou aos grandes distribuidores.

as carreteiras que levavam os seus produtos à cabeça, até ao Porto, Póvoa de Varzim, para o Bom Jesus, em Braga, e para as grandes romarias do Senhor de Matosinhos, da Santa Rita de Ermesinde ou do S. João, no Porto. À época, os comboios eram a melhor forma de distribuir as encomendas, especialmente para Lisboa e para Faro, onde tudo chegava em apenas um dia. Então para que serviam os dois bois e os dois carros? Para transportar tudo desde Sampaio, e mais tarde, desde a rua Simões Lopes até à estação de comboios de Ermesinde. Presentemente, já não resta nenhum dos carros de bois! Ao contrário do que inicialmente deduzimos, por existir uma avença no mercado local em nome de António da Costa Carneiro85, o lugar não era destinado à venda de brinquedos, mas, sim, para escoamento dos produtos hortícolas da quinta em Vilar de Matos. O mesmo nos testemunhou Júlio Penela, falando-nos em tarifas, carregamentos que se faziam com um carro de bois que, insolitamente, não era puxado por animais, mas levado por pessoas. Seguiam até Ermesinde ou Campanhã.

Ao percorrermos o livro de registos dos “Impostos sobre Prestação de Trabalho”84, de 1968, António da Costa Carneiro surge agora como Quinquilheiro, residente em Vilar de Matos, Ermesinde. Surpreendentemente, declarou um empregado, dois bois e dois carros!

César Duarte, quando abriu a Oficina nos anos 40, transportava os seus bombos e tambores numa carrinha, bem identificada: “Fábrica de Brinquedos César”!

Contou-nos o neto, António Ascensão Tavares Carneiro, que o avô enviava bombos e tambores para todo o país, despachando as encomendas por comboio. Para os lugares mais próximos eram

Já percebemos que inicialmente os destinos eram as feiras e romarias, aos quais se associaram os bazares. Por proximidade óbvia, foram os do Porto a absorver os produtos de Valongo.

84 Arquivo Histórico Municipal de Valongo. Impostos sobre Prestação de Trabalho, 1968. 85 Arquivo da Junta de Freguesia de Ermesinde. Livro de Avenças, 1966. Agradecemos ao Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Ermesinde toda a disponibilidade e simpatia com que nos ajudou.

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Primeira carrinha da “Fábrica de Brinquedos César”, usada para o transporte de brinquedos para os fornecedores e romarias. Data provável, meados dos anos 50.


Hélder Pacheco86, numa das suas obras sobre o Porto, percorre alguns deles, clientes seguros dos produtores de brinquedos de Ermesinde e de Alfena. São alguns exemplos o Bazar do “João Badalhoco”, o “Bazar Esmeriz, na rua dos Clérigos, “o Grande Bazar do Porto”, na rua de Santa Catarina ou o Bazar dos Três Vinténs em Cedofeita87. Outros houve nos finais do século XIX, inícios do século XX, como o Bazar do Norte, o Bazar Paris, o Bazar Mattos, o Bazar Brochado ou o Bazar Londres. Contudo, os fabricantes do concelho de Valongo expandiram a sua distribuição às ex-colónias e a outros países da Europa. Inicialmente pelas diligências e embarque, posteriormente pelos CTT, conforme nos contou Manuel Ferreira. As feiras e as romarias continuaram, em simultâneo, a absorver estes brinquedos, sempre apelidados de “rudimentares”, desiguais aos que se importavam e, consequentemente, vendidos a mais baixo preço. Independentemente da qualidade,

até porque o caso da JATO e da PEPE demonstram que nem todos tinham apenas como objetivo chegar às romarias, os brinquedos do concelho de Valongo foram sobrevivendo nas festas: nas Nicolinas, em Guimarães, no S. João do Porto, na Santa Rita de Ermesinde, no S. Lázaro de Alfena ou no Senhor de Matosinhos.88 Hélder Pacheco89 transcreve Guilherme Felgueiras, precisamente sobre esta última, onde mencionava o seguinte: “Não faltam os carrosséis, o tiro-ao-alvo, os circos, as barracas das farturas e de outras petisqueiras, as quinquilharias, os algibebes, os vendilhões de pechisbeques e de calçado, os pavilhões dos artesanatos e pequenas indústrias e os bazares de brinquedos e bugigangas”. Muitos destes, sem dúvida, partiram das oficinas valonguenses, conforme nos confirmaram as nossas conversas com produtores e familiares. É caso para se dizer, se “comprar é um acto de necessidade, vender é uma arte…”90

86 Op. Cit. Pp.110-148. 87 Nos finais do século XVIII, os brinquedos portugueses não andavam pelos bazares, apenas pelas feiras e romarias. Por aqui, vendiam-se produtos europeus para um nível social distinto. Em meados do século XX, a situação era completamente distinta e os bazares já vendiam todo o tipo de brinquedos. 88 Há outros eventos que se foram realizando em Ermesinde, e que deixamos como apontamento, pois neles também ocorreram os brinquedos locais: a Feira Popular de Ermesinde (anos 60) e a 1ª Feira de Trocas de Ermesinde que decorreu “no dia 16 de Maio de 1998” e onde, entre outros, estiveram colecionadores de brinquedos antigos. DIAS, Manuel Augusto e PEREIRA, Manuel ConceiçãoErmesinde Registos Monográficos 2. Câmara Municipal de Valongo. 2001, pp.90-91. 89 PACHECO, Hélder- O Grande Porto, Gondomar, Maia, Matosinhos, Valongo, Vila Nova de Gaia. Novos Guias de Portugal 4. Editorial Presença. Lisboa. 1986, p.125. 90 Transcrição do artigo feiras e mercado interno na História Contemporânea: algumas notas avulsas. Da autoria de Jorge Alves in Actas do 3º Encontro de História- Vectores de Desenvolvimento Económico: as Feiras da Idade Média à Época Contemporânea. Câmara Municipal de Vila do Conde.

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Painel de azulejos do extinto Bazar dos Três Vinténs, na rua de Cedofeita, no Porto. O painel continua no local original.


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Que futuro para o brinquedo?

Ao longo dos últimos capítulos, fomos caminhando pela história do brinquedo tradicional, produzido no concelho de Valongo. Percorremos mais de cem anos, enquadrámo-lo com a história nacional e com as formas de escoamento, enquanto produto económico. Ouvimos pessoalmente quem produziu, percebemos as dificuldades, mas também a criatividade e iniciativa com que se aventuraram a construir brinquedos.

Atualmente, temos de parar e refletir sobre o futuro do brinquedo… Como é que este se pode enquadrar legalmente no nosso continente, se atendermos à condicionante que a União Europeia introduziu na produção de brinquedos? Eventualmente poderemos não querer designá-lo como brinquedo, mas antes como artesanato. Se assim for, não haverá qualquer

Festa do Brinquedo, freguesia de Alfena. Fotografia Município de Valongo.

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Festa do Brinquedo, freguesia de Alfena. Fotografia Município de Valongo.

necessidade de ajustar processos de fabrico ou matérias-primas ao estipulado nos normativos europeus, contudo corremos o risco de perder a memória do brinquedo ao longo do tempo.

e que já não produz brinquedos de madeira, mas que, apesar do grande volume de negócios estar associado aos bombos de romaria, ainda faz pandeiretas, tambores e bombos para crianças91.

Para melhor analisarmos o que existe hoje no concelho de Valongo, damos como exemplo os únicos produtores: a BruPlast, Lda, descendente de J.A.J, JATO e PEPE, que vai produzindo brinquedos em folha de flandres com a etiqueta de artesanato e algumas peças em matéria plástica; a MCG, Lda, descendente da oficina de César Duarte Ferreira

Resumidamente, o que se produz em Valongo é mais enquadrável no artesanato do que no brinquedo contemporâneo. Talvez por esse motivo, haja o cuidado de, frequentemente, se designar por brinquedo tradicional o que, na nossa perspetiva, é o mais correto.

91 Aquando da elaboração deste livro considerámos ainda o Sr. Manuel Ferreira que vendia os seus brinquedos sobre a forma de artesanato.

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Cartaz promocional da atividade “Brincar em Alfena”. Município de Valongo.

Os brinquedos tradicionais, todavia, possuem um peso patrimonial muito relevante para o concelho, para a sua memória histórica e imaterial, pelo que não podem ser simplesmente deixados ao acaso. Os produtores que resistem vão dando algum alento à sua continuidade. Não obstante, chegará a sua intervenção para não se perder essa centena de anos e acontecimentos em torno do brinquedo?

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O Município de Valongo tem insistido, nos últimos anos, na promoção do brinquedo tradicional. Introduziu-o na nova imagem institucional da autarquia, apostou num conjunto de atividades para a sua dinamização e foi mais longe, com o empenho no projeto de uma Oficina do Brinquedo, antevendo a necessidade de não se perder tão precioso património.


Antiga “Escola Primária de Cabeda”, em Alfena, onde se instalará o projecto de Oficina do Brinquedo Tradicional Português.

Das muitas atividades destacamos A Festa do Brinquedo, que se realiza na freguesia de Alfena, desde 2015, numa organização conjunta entre o Município de Valongo, a Junta de Freguesia de Alfena e os produtores. Anualmente, no fim de setembro, o certame envolve escolas, associações locais, colecionadores e museus com coleções da temática. A animação visa atingir todo o tipo de públicos: uns que correm atrás da meninice, já passada; outros que a vivem

intensamente, através das muitas brincadeiras disponíveis. Apesar da intensa diversão, o grande objetivo da festa tem consistido em divulgar o brinquedo tradicional e para esse efeito tem havido, durante o evento, venda de brinquedos, exposições e produtores que trabalham ao vivo. Gradualmente, vão surgindo mais iniciativas em redor do brinquedo. A mais recente intitula-se “Brincar em Alfena” e é promovida pelo Município de Valongo em conjunto com a Associação Viver

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Alfena e o Agrupamento de Escolas de Alfena. Visa essencialmente sensibilizar as crianças para os brinquedos tradicionais, através da sua construção. As turmas envolvidas escolheram o que pretendiam elaborar e, até ao fim do ano letivo, construíram esse brinquedo. Dotar este público-alvo de conhecimentos e despertá-lo para esta temática é fundamental para “colher frutos” no futuro. O público escolar vai sendo o que mais visita os fabricantes locais. A empresa BruPlast, Lda, por exemplo, organiza ateliers não apenas para estes, mas também para as famílias, ao fim de semana. É também o mundo empresarial a dar o seu contributo! O projeto da Oficina de Promoção do Brinquedo Tradicional Português trata-se da grande aposta da autarquia com a finalidade de perpetuar a memória de produtos e processos construtivos. Tem por base a revitalização da antiga Escola de Cabeda, edifício do Plano de Centenários, que irá acoplar novas estruturas, construídas para albergar as várias funções museológicas associadas à narrativa do espaço. O desenho arquitetónico foi inspirado em sólidos geométricos, encontrando-se em sintonia com a função principal desempenhada pelo edifício existente. A autoria dos traços é dos arquitetos João Paulo Barbosa e António Lencastre Pinto, sendo o programa museológico da responsabilidade de Paula Costa Machado. Alvo de uma candidatura a fundos comunitários, terá início em breve, uma vez que já estão aprovados os 2,5 milhões de euros necessários para a sua execução.

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Imagens 3D do projeto da Oficina do Brinquedo Tradicional Português. Município de Valongo.


O que distingue a Oficina do Brinquedo de um museu é o programa já definido e que assenta, particularmente, no trabalho ao vivo, na criação de um núcleo de indústrias criativas relacionadas com o brinquedo e num conjunto de espaços e atividades dedicadas à promoção do saber-fazer. Os programas museológicos, as atividades culturais e as orientações institucionais assumem-se como fundamentais para definir estratégias para o futuro. Contudo, podem não ser suficientes para incentivarem os investidores privados, aqueles que podem continuar a produção do brinquedo. Não queremos com isto dizer que o mais importante seja tentar captar novas formas de produção, em detrimento das antigas; todavia também não excluímos a abertura a novas interpretações. Afinal, não foi isso que se passou com os precursores dos brinquedos plásticos? Não introduziram novas ideias? Novos processos de fabrico? Sempre, obviamente, envolvendo a materialização do passado.

reconhecida como de “importante valor cultural e social”92. Cabe a toda a comunidade valonguense e aos demais envolvidos, direta ou indiretamente no tema, proteger um bem cuja riqueza ultrapassa os limites administrativos de Valongo. Os brinquedos e os produtores deste concelho são tão singulares e relevantes para a história do Brinquedo Nacional, que, pese embora ainda ninguém a tenha escrito, teria impreterivelmente de começar por aqui! Parafraseando o poeta castelhano Antonio Machado: “caminante, no hay camino, se hace camino al andar”, ou seja, “o caminho faz-se caminhando” e os trilhos já estão bem traçados!

Sem querer limitar os intervenientes nesta proteção do conhecimento da construção de brinquedos, será fulcral o papel da Oficina do Brinquedo, não apenas enquanto espaço de registo de memória, mas, acima de tudo, como área de intervenção no ensino e transmissão de saberes. Além destes projetos, promotores do envolvimento da comunidade, existem, sem dúvida, “peças-chave”, aqueles que ainda possuem o conhecimento e que terão uma grande responsabilidade na preservação do brinquedo tradicional. Salvaguardar a produção do brinquedo tradicional com vista a este ser vendido como artesanato não é de todo descabido, já que, economicamente, a atividade artesanal está bem sustentada e 92 Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural¸ www.dgadr.gov.pt /diversificacao/of-microemp-artesanais

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Ciclista. Brinquedo tradicional construído por Manuel Ferreira. O modelo inicial terá sido produzido na empresa de José Augusto Júnior. Hoje é uma das imagens de marca do concelho.

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Bibliografia geral

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Arquivo Histórico Municipal do Porto. Município do Porto: - Carta do Distrito do Porto de 1885. (com a indicação das estradas). - Esboço do Mappa dos Caminhos de Ferro. 1905.

Arquivo Histórico Municipal de Valongo: - Alvarás de licença industrial. 1931-1932. - Impostos sobre Prestação de Trabalho, 1960-1968. - Registo de licenças para adelos e vendilhões ambulantes, quinquilherias e taboletas. 1923. - Registo de Licenças para Comércio e Indústria1923-1929.

171


Arquivo da Junta de Freguesia de Ermesinde: - Livro de Avenças. 1966. - Feira Mercado/ Mercado Diário/ Correspondência. 1973-1979. - Registo de lugares na festa de Santa Rita. 1977.

Código Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27-424 de 31 de Dezembro de 1836, impresso em 1837

Biblioteca Pública Municipal do Porto (C.M.P.)Periódicos: - A Voz de Ermesinde. Diretor Manuel Ferreira Ribeiro. Dezembro de 1967 - Comércio e Indústria do Norte. Diretor Fernando Guimarães. Porto. Junho de 1936. - Jornal Sopa dos Pobres de Ermesinde. Dezembro de 1958, n.º12, p.2 do suplemento de Natal. - Jornal Sopa dos Pobres de Ermesinde. Janeiro de 1959, n.º13.

172

- O Valonguense. Diretor Fernando de Queirós. 8 de outubro de 1956. - Indicador Comercial e Industrial da Cidade do Porto. Direção M. Osório. Porto. 1938. - Inquérito industrial de 1881 : inquérito directo. Comissão Central Directora do Inquérito Industrial. Imprensa Nacional. 1881.

. Boletim Autárquico. Junta de Freguesia de Alfena, n.º 2. Julho de 2016 . Boletim Municipal de Valongo, n.º 3. Setembro de 2014. . Illustração Portugueza. Lisboa. Edição Semanal do jornal «o Século». 15 de agosto de 1915, 2ª série, n.º 497. . Illustração Portugueza. Lisboa. Edição Semanal do jornal «o Século». 1 de dezembro de 1923, 2ª série, n.º928


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Índice

Prefácio do Professor Doutor João Amado

11

Introdução

13

1. Brinquedo Artesanal ou Industrial: definições e enquadramentos

15

2. O brinquedo de Valongo no contexto nacional

27

3. Produtores de brinquedos no concelho de Valongo

39

4. Rotas de comércio do brinquedo

147

5. Que futuro para o brinquedo

159

Bibliografia geral

167

Fontes Manuscritas e periódicos

171

175


176



Brinquedo Tradicional Português

Brinquedo

Tradicional Português UMA HISTÓRIA A DESCOBRIR NO CONCELHO DE VALONGO


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