Os Romanos em Valongo

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OS ROMANOS EM VALONGO

I

180 anos

1836 · 2016

OS ROMANOS EM

VALONGO VOLUME I Lino Tavares Dias • Cristina Madureira Paula Costa Machado • Pedro Aguiar • Alexandre Lima



OS ROMANOS EM

VALONGO VOLUME I Lino Tavares Dias • Cristina Madureira Paula Costa Machado • Pedro Aguiar • Alexandre Lima

MMXXII


Ficha Técnica Título: Os Romanos em Valongo Coordenação: Lino Tavares Dias Textos de: Lino Tavares Dias, Cristina Madureira, Paula Costa Machado, Pedro Aguiar, Alexandre Lima Revisão: Isabel Santos Moura Edição: Câmara Municipal de Valongo Primeira Edição: Junho de 2022 Tiragem: 500 ex. Produção e Impressão: Tipografia Lessa - www.tipografialessa.pt ISBN: 978-989-54573-5-9 Depósito Legal: 501113/22


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ÍNDICE NOTA INTRODUTÓRIA

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01 - ROMANOS NA REGIÃO DE VALONGO. PORQUÊ? . . . . . . . . . . . . . . . . .

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02 - A REGIÃO AQUANDO DA CHEGADA DOS ROMANOS . . . . . . . . . . . . . . .

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PREFÁCIO

A PAISAGEM CULTURAL QUE ENCONTRARAM . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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A ABORDAGEM DE ESTRABÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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IDENTIDADE E CARÁTER DO TERRITÓRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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O POVOAMENTO INDÍGENA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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03 - A REGIÃO AO RITMO DO IMPÉRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

115

A ESTRATÉGIA DE GOVERNAÇÃO PARA O NOROESTE DA HISPANIA . . . . . . . . .

116

A ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO E A CAPITALIDADE POLÍTICA . . . . . . . . . .

151

A POPULAÇÃO E A ESPERANÇA DE VIDA, AS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO . . .

166

A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS E A ESPECIALIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS . . . . . .

180

A FLORESTA, O TRABALHO AGRÍCOLA E A EXPLORAÇÃO AGRÁRIA . . . . . . .

180

A MINERAÇÃO ROMANA DO OURO EM VALONGO . . . . . . . . . . . . .

217

A CIRCULAÇÃO DAS PESSOAS E DOS PRODUTOS . . . . . . . . . . . . . . . .

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POSFÁCIO

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269

CRONOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

277

BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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NOTA INTRODUTÓRIA

O território de Valongo é sobejamente reconhecido pelo seu relevante património mineiro, resultante da sua singularidade geológica e que propiciou a formação de diversos recursos minerais, tais como o ouro e a lousa. As minas e os fojos presentes na região são testemunhos da atividade de exploração mineira pelo povo romano no nosso território. Os estudos científicos elaborados no âmbito do Plano de Gestão para a área protegida regional Parque das Serras do Porto sustentam, de modo inequívoco, as evidências dessa atividade secular no nosso concelho e da utilização de todas as técnicas de exploração conhecidas à época pelos Romanos. Estas marcas/testemunhos encontram-se distribuídas por cerca de 60 km2, numa extensão linear de 25-30 km, resultando num vasto conjunto de galerias, levando-nos a considerar o facto de estarmos perante o maior complexo subterrâneo mineiro de exploração aurífera, do Império Romano, conhecido até hoje. A realização destes extensos trabalhos mineiros requeria uma imensa mão-de-obra, enquadrada por sistemas estruturantes, tanto do ponto de vista administrativo como militar. Se considerarmos que a mineração romana não se suportava sozinha, este facto levanta-nos inúmeras interrogações: Onde se encontram as diversas infraestruturas indispensáveis à operacionalização deste sistema produtivo? Onde se localizavam as áreas habitacionais e as cemiteriais? Em que áreas se situavam os campos agrícolas? Qual a localização das vias que permitiam a circulação de produtos e gentes? Foi este o desafio que lancei ao Professor Doutor Lino Tavares Dias: procurar as respostas a estas questões e a partir delas fazer uma publicação que reunisse essas descobertas e conclusões. Não menos importante é perceber de que forma este “mundo romano” estabelecido no território que hoje é o concelho de Valongo influenciou o nosso modo de viver ao longo dos séculos.

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Pretende-se que esta obra mostre que os diferentes momentos históricos se sucedem e se complementam de forma sequencial e articulada. Era necessário um olhar treinado e erudito que identificasse e interpretasse a paisagem cultural que herdamos - o nosso legado histórico, materializado na língua, religião, modelos urbanísticos e de produção agrícola, pontes, vias, materiais de construção e comércio, entre tantas outras. À semelhança de muitos outros casos, as respostas encontradas levantaram ainda mais questões. Mas este é, sem dúvida, um ponto de partida para futuros estudos que, certamente, contribuirão para a valorização e promoção do nosso património cultural, permitindo fortalecer a nossa identidade e herança cultural.

José Manuel Ribeiro Presidente da Câmara Municipal de Valongo

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PREFÁCIO

Há certos sítios em que a história aflui e se acumula mais que noutros: ali, se passaram acontecimentos mais numerosos e marcantes. Há em todo o mundo sítios conhecidos pela monumentalidade dos seus templos clássicos, pelas ruínas das cidades antigas ou pelos mosaicos das quintas agrárias romanas que ainda hoje são reconhecíveis. Em Valongo, ainda nenhuma destas marcas monumentais foi registada até hoje. Em contrapartida, Valongo é conhecido pelas “minas do tempo dos romanos”, exemplo de um passado eternizado sem sabermos como foi vivido. Mas a noção de monumento remete-nos para tudo aquilo que é capaz de nos transmitir o passado e envolver a memória. A presença desse povo que irradiou a partir de Roma, e desde o cosmopolita mar Mediterrâneo, é um dos assuntos que tem de ser abordado mais de uma vez, repetidamente investigado no território de Valongo. Propomo-nos fazê-lo neste livro e, para isso, devemos recordar os nomes dos que os trataram antes de nós e as obras que nos legaram. Desde logo, temos de perceber que o Mediterrâneo, com o Adriático, o Jónico e o Tirreno, não são apenas mar e o litoral que os rodeia. Se os gregos, que menosprezaram as vias terrestres, tiveram de pagar o preço dessa omissão, os romanos, graças às suas estradas, estrategicamente traçadas, conquistaram vastos territórios, atingiram mais mares, espalharam por muitos lados a cultura mesclada que imanara de Roma. Nos territórios mais afastados daquele a que chamavam “mar interior”, embora herdeiros de muitas das suas influências, as situações são quase sempre diferentes. Na realidade, a Península Ibérica é mais do que uma península: prolongamento ou extremidade da Europa, ambas as coisas ao mesmo tempo. As suas terras do interior não são mediterrânicas, nem as suas costas

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o são de modo igual1. Os sábios da Antiguidade ensinavam que os confins do Mediterrâneo se situam onde a oliveira se detém. Mas, para além da geografia, a difusão de idiossincrasias pode ter sido ainda maior, com outros confins. Povos e raças uniram-se e desuniram-se durante séculos e séculos, aproximando-se ou enfrentando-se. Em qualquer investigação procura-se ressaltar as semelhanças e as reciprocidades, as dissemelhanças e os conflitos. Neste nosso trabalho também procuramos atender a estes indicadores. Mas, nestas terras de Valongo, aparentemente longe do Mediterrâneo, até parece que só houve trabalho duro e agreste e nada mais aconteceu. De facto, o que, vulgarmente, mais se salienta nesta região são as marcas da exploração mineira, comprovadamente desenvolvida neste território durante a governação dos romanos, entre os séculos I e V depois de Cristo. Mas as influências não se inscrevem nem neste espaço limitável, nem só neste tempo. Procuramos suportar a estrutura deste livro em quatro expressões: Reconhecer, Interpretar, Descrever e Explicar. Procuramos reconhecer as marcas que o homem deixou no território de Valongo, procuramos interpretá-las, descrevendo-as na medida em que conseguimos e procuramos explicar a razão da sua existência e o que elas nos podem transmitir. Este foi o desafio que aceitamos quando o presidente do executivo municipal de Valongo, Dr. José Manuel Ribeiro, nos convidou para refletir sobre a presença dos romanos nesta terra. Ao longo de gerações, tornou-se facto adquirido que os romanos estiveram em Valongo. Mas quais as razões que os motivaram para aqui se instalarem? E, quando aqui chegaram, como estava este território? Qual era a sua população? O que faziam no seu quotidiano? O que mudou com a presença dos romanos? Procuramos dar algumas respostas a estas questões, assim como procuramos reconhecer, interpretar, descrever, e se possível, explicar, algumas das alterações, mais ou menos profundas, mais ou menos duradouras, que se denotaram no território e nas gentes que nele viveram. Procuramos incluir as marcas reconhecidas que se evidenciaram na construção do território em

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MATVEJEVITCH, Predrag (2019). Breviário Mediterrânico. Lisboa: Quetzal, p. 112.


Figura 1 – A escadaria do fojo das Pombas é um dos símbolos de Valongo, replicado inúmeras vezes ao longo do tempo, conjugando e confrontando, subconscientemente, a ideia de trabalho árduo no subsolo com a realidade racionada da luz solar. Observação de oeste para este. Recordamos um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen: “…lá dentro a penumbra é fresca e vagarosa. Nenhum rosto, nenhum vulto. As marcas do homem contando a história do homem.” Foto: António Cabeço, 2020

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Valongo e o seu significado. Propomos a cronologia do conhecido e apontamos a proposta de interpretação. No primeiro volume deste trabalho, sob o título “Os romanos em Valongo”, procuramos abordar os seguintes pontos: 1. Romanos na região de Valongo. Porquê? 2. A região aquando da chegada dos romanos: As características geomorfológicas e a paisagem cultural que os romanos encontraram na região; A abordagem de Estrabão sobre o território; Identidade e o caráter do território; O povoamento indígena. 3. A região ao ritmo do Império: A estratégia de governação para o noroeste da Hispânia; A administração do território e a capitalidade política (as cidades, a cidadania e o novo povoamento); A administração e os poderes regionais; A população e a esperança de vida, as condições de vida e de trabalho; A exploração dos recursos e a especialização dos territórios (a floresta, o trabalho agrícola e a exploração agrária, a mineração do ouro em Valongo); A circulação das pessoas e dos produtos.

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No segundo volume, sob o título “Contributo para Reconhecer os Lugares e os Topónimos de Valongo, dos romanos à atualidade”, valorizamos a persistência dos nomes e dos topónimos ao longo dos séculos, reconhecendo o amadurecimento de muitos deles e a juventude de outros, o que ajuda a reconhecer a terra que pisamos no século XXI. A investigação faz-nos salientar algumas expressões que são usadas ao longo do livro, assumidamente associadas à cronologia fundamental para se compreender os diversos esforços do homem, em diferentes momentos. A intervenção em Valongo ficou associada a três dinastias imperiais, as quais foram determinantes na governação romana. Malgrado as precauções das leis romanas, a governação foi suportada em sucessões familiares, cujas denominações usaremos no texto do livro. A dinastia dos Júlios-Cláudios, ocorreu entre os anos 14 e 68 depois de Cristo, todos ligados à família de Augusto, todos nascidos no seio do poder, apegados a Roma, com idades, valores morais e políticos diferentes, mas todos populares pela sua genealogia. Depois, a dinastia dos Flávios foi iniciada por Vespasiano, tido como “imperador do bom senso”, imposto pelo exército conquistador da parte Oriental do Império. Esta dinastia governou entre os anos 68 e 96 depois de Cristo. Desgostoso da hereditariedade governativa, o Senado incentivou outra dinastia, iniciada com Trajano, robusto militar, caráter equilibrado, espírito rigoroso e aplicado. Com ele, iniciou-se a sensação de que o poder estava nas Províncias e delas deveriam surgir os governantes. Esta dinastia salientou-se entre os anos 96 e 192 depois de Cristo. As políticas de Trajano e do seu parente afastado e sucessor, Adriano, promoveram o poder das Províncias, o que parecia ser natural na medida em que ambos eram oriundos de famílias da Hispânia. Nestes contextos cronológicos e geográficos, em Valongo, as marcas da exploração mineira salientam-se na paisagem cultural e, por isso, evidenciamos todo esse trabalho de luta e diálogo entre o homem e a pedra. Alexandre Lima2 expressa-o no capítulo sob o título “A mineração romana de ouro em Valongo”, na sequência da investigação que tem vindo a realizar ao longo de anos sobre a região3.

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Professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

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Trabalho alargado aos concelhos de Gondomar, Paredes e Valongo foi publicado no Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto, fevereiro de 2018.

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Em ambos os volumes incluímos a lista de bibliografia referida nos livros. Quando recordamos os nomes dos que os trataram antes de nós e as obras que nos legaram, percebemos os desafios críticos que, no século XXI, nos proporciona a monografia sobre Valongo, da autoria do Padre Joaquim Reis, apesar de publicada no início do século XX. Tal acontece pela informação que transmite, mesmo que além da presença romana, mas pelo contributo que nos dá para a localização de muitos sítios na atualidade. Desafiamos Cristina Madureira4 a fazer um trabalho crítico sobre esta monografia e daí resultou, para além de muita colaboração fundamental para este primeiro volume, a proposta de reconhecimento dos lugares, conciliando-os com os atuais topónimos, o que integra o segundo volume. A riqueza toponímica de Valongo, que também nos ajuda a reconhecer estes territórios ao longo dos séculos, é expressiva na região, constatável através da abordagem documental. A riqueza e a especificidade da toponímia de todo o território do atual concelho de Valongo são constatáveis no trabalho que Paula Costa Machado5 desenvolveu e que nos ajuda na interpretação cronológica da construção do território desde os romanos, o que também integra o segundo volume. Será também útil esclarecer o uso de alguns critérios gerais usados nesta edição. Por opção e com o intuito de agilizar a leitura, decidimos reduzir o uso de abreviaturas. Neste sentido, referimos século e não séc., antes de Cristo em vez a.C. e depois de Cristo em vez de d.C. Nas fotografias é apontada a data em que foi realizada, assim como se indica a autoria e, quando existe, a coautoria. Nas transcrições e citações de textos, apresentadas em itálico e entre aspas, mantemos a versão ortográfica apresentada pelo autor. Também com o intuito de facilitar a leitura, remetemos as referências bibliográficas para notas de rodapé. Na primeira referência a um autor, a indicação é completa, reportando o nome, data de edição, título do livro ou do artigo, local de edição e editor. Depois, por simplificação, indicamos o nome do autor, a data de edição e as páginas que salientamos para consulta. A indicação completa a cada autor e obra é repetida na lista bibliográfica apresentada no final do livro.

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Técnica Superior do Município de Valongo

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Técnica Superior do Município de Valongo


No trabalho de investigação, recorremos muito a cartografia e fotografia aérea, cujo trabalho foi realizado por Pedro Aguiar6, de que salientamos as imagens tratadas em que aponta as hipóteses de “parcelário agrícola”, assim como toda a localização e inventário de estruturas hidráulicas, de marcas de estradas e caminhos, de acostagens fluviais, entre outras marcas na paisagem cultural de Valongo. Do mesmo modo, persistente e rigoroso, aplicou a sua experiência como espeleólogo para cartografar o inventário de estruturas mineiras, muitas conhecidas e outras inéditas. Nesse longo e meticuloso trabalho usou: Portugal. Serviço Cartográfico do Exército, 1959-1993 - Valongo. Ed. 3. Escala 1:25 000, projecção de Gauss, elipsóide internacional, datum de Lisboa. [Lisboa]: S.C.E., 1977. 1 mapa topográfico; excerto folhas 110, 111, 122, 123, 133, 134. Modelo Digital do Terreno (Resolução 50 m) - Portugal Continental; Direcção Geral do Território; Lisboa: 2010. [Consul. DATA]. Disponível em http://mapas.dgterritorio.pt /ATOM-download/ mdt50m/mdt50m.zip Fotografias aéreas Voo 1937-1957 (SPLAL), números 638, 642, 644, 646, 655, 666 e 784; Voo 1947 (RAF), números 5160, 5162, 5165, 5182 e 5008 Para o trabalho de inventário devemos evidenciar o contributo da espeleologia em Valongo, como mais valia no estudo da mineração antiga. A espeleologia no concelho de Valongo tem um histórico de atividades de vários clubes, pelo menos desde a década de 90 do século XX. Entre a prática desportiva organizada, formação de espeleólogos, atividades de exploração, eventos espeleológicos, artigos e congressos em torno das minas abandonadas de Valongo têm dado um contributo essencial para o estudo e conhecimento das cavidades artificiais7 do concelho, denominadas localmente por fojos e barrocas. Da história local da espeleologia, ainda não compilada, constam diversos clubes, todos com episódios relevantes: o Espeleoclube de Torres Vedras (1991), a Associação de Estudos Subterrâ6

Espeleólogo

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PARISE, M. ET AL. . (2013). Classification of Artificial cavities: A first contribution by UIS comission. Speleological Research and Activities in Artificial Underground; In Proceedings 16th International Congress of Speleology, Brno (Czech Republic), July 21 –28.

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neos e Defesa do Ambiente (1992-1998), que editou a revista Trogle, nº2 e nº3, sobre as primeiras explorações espeleológicas no complexo mineiro do Fojo das Pombas, onde se destaca o levantamento topográfico do complexo e alguns achados arqueológicos, o Grupo Espeleológico de Valongo (desde 1993), que realizou vários campos de férias com atividades espeleológicas e formação das primeiras gerações de espeleólogos em Valongo, o Alto Relevo Clube de Montanhismo (desde 1998), com formação de espeleólogos, edição de publicações de topografias de cavidades e congressos sobre a temática da mineração, o Grupo de Espeleologia e Montanhismo (desde 2011), com formação de espeleólogos, vários artigos publicados sobre as minas de Valongo e encontros de fotografia em cavidades artificiais. As explorações espeleológicas têm uma metodologia própria que consiste em análise bibliográfica e cartográfica, prospeção, exploração, registo, inventário e publicação dos resultados. Este tipo de trabalho aplicado ao território de Valongo, ao longo de vários anos, e por várias equipas de espeleólogos, tem tornado mensurável e conhecido o que se encontra em subsolo, relativamente à mineração antiga abandonada. Estes resultados, confrontados com registos antigos, em especial do extinto Serviço de Fomento Mineiro, permitem-nos perceber alterações à superfície, mas, devido à modelação dos terrenos para plantações industriais, por vezes, os registos não contemplam zonas mais antigas das minas e não passam de um esquema genérico e apenas das câmaras de exploração ou dos filões, sendo omisso em algumas áreas eventualmente mais antigas. Há ainda evidências de mineração de que não se encontram quaisquer registos, nem mesmo nos planos municipais mais recentes. Da experiência espeleológica e cartográfica ressalta evidente que não existe um mapeamento global que incorpore os ocos em subsolo, sobrepostos à cartografia urbana atual, de forma a mitigar conflitos existentes e outros futuramente possíveis pelo avanço urbanístico. Há também um manancial de informação por investigar, em especialidade, no que diz respeito à datação de trabalhos de mineração, considerando que a mesma cavidade, muitas vezes, tem vários períodos de exploração identificados porque a morfologia é bem distinta. As poucas fontes existentes são, sobretudo, de vertente industrial e geológica, desde meados da década de 40 do século XX até ao presente, e não há fontes arqueológicas sobre esta temática. A área abrangida por estas minas alarga-se a vários concelhos e, à superfície, a quantidade de cavidades georreferenciadas, que ascende às seis centenas, levanta a possibilidade de estarmos perante uma das maiores zonas de mineração do Império Romano, embora não esteja quantificado e datado o que terá sido executado em época de exploração romana. Mas esta é uma

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tarefa que toca a impossibilidade. É um enorme desafio para a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade da arqueologia, da geologia e de outras áreas de conhecimento, assim como é um desafio para o desenvolvimento de práticas da espeleologia para obter esse conhecimento. Terminamos o primeiro volume com um posfácio, justificado porque o conjunto de elementos recolhidos durante a preparação destes livros permite-nos assumir a ousadia de salientar alguns “momentos” que, na nossa opinião, para além da presença romana, evidenciam a estratigrafia da paisagem cultural do território de Valongo ao longo dos séculos. Tentar perceber esta estratigrafia através de marcas que podemos reconhecer ou induzir é o desafio que assumimos, não como expressão de qualquer nostalgia do passado, mas como contributo para conhecer melhor o território e, assim, tentar participar na discussão do futuro.

Lino Tavares Dias 2021

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ROMANOS NA REGIÃO DE VALONGO. PORQUÊ?

“Outros modelarão, bem o creio, bronzes com vida e sem dureza; extrairão do mármore seres animados; defenderão melhor as causas; medirão com o compasso o curso dos céus e anunciarão o nascer dos astros. Tu, Romano, sê atento a governar os povos com o teu poder - estas serão as tuas artes – a impor hábitos de paz, A poupar os vencidos e derrubar os orgulhosos.”8

Virgílio9, no século I antes de Cristo, apontou deste modo a missão dos Romanos, embora o tenha feito sem esquecer as idiossincrasias dos gregos e dos outros povos orientais, pois quando fala de “Outros” referia-se aos gregos, por quem os romanos nutriam sentimentos adversos, por vezes de ódio. Fê-lo no Livro VI da Eneida10. Neste grande poema épico, publicado em doze livros após a sua morte em 19 antes de Cristo, Virgílio narrou a história de Roma, desde a origem. É a epopeia dos homens, mesmo envoltos em lendas muitas vezes fantásticas. Tudo é contado para celebrar o crescimento do Império Romano e o desenvolvimento do poder.

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PEREIRA, Maria Helena da Rocha (1976). RES ROMANAE – Antologia da Cultura Romana. Universidade de Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos.

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Publius Vergilius Maro, autor da Eneida, nasceu em 70 antes de Cristo, filho de romano agricultor e dono de uma oficina de oleiro, na Gália Cisalpina, nome dado pelos romanos ao território entre os Apeninos e os Alpes, no Norte da atual Itália. Morreu em 19 antes de Cristo, em Brundisium, atual Brundísio em Itália.

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Usamos a edição traduzida por M. Correia, em 1977. Lisboa: Amigos do Livro, pp. 150-156

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No livro VII e seguintes, Virgílio salientou a expansão do território e divagou sobre os limites do Império Romano: “Tudo o que o Sol contempla no seu curso, de um a outro Oceano, tudo verão mover-se, submisso a seus pés”. A vontade de poupar os vencidos e derrubar os orgulhosos era conjugada com a expansão do território. Para referir esta conjugação de atitudes e de interesses, num vasto território em torno do mar Mediterrâneo, vamos usar a expressão “Império Romano” que sucedeu à “República Romana”. Ao longo do texto deste livro sobre os romanos em Valongo vai ser muitas vezes usada esta expressão, a qual pode assumir-se segundo diferentes conceções, embora todas nos obriguem a articular várias perspetivas, em simultâneo, para que possamos ter uma abordagem aparentemente global, abrangendo política, cultura, economia e sociedade. Por vezes, também usamos as expressões “República Romana” e “Império Romano”, embora de forma redutora, para designar meros períodos históricos marcados pela governação de césares11 até 27 antes de Cristo e por imperadores12 a partir da data do início da governação de Octávio Augusto13. Mas a expressão “Império Romano” também representou uma forma institucional e territorial de exercício de poder monárquico, ao qual eram associados os valores aristocráticos tradicionais, o direito público como fonte de legitimidade e, ainda, uma dimensão religiosa que correspondia ao ponto de vista ideológico e à forma como raciocinavam as elites romanas e as das suas províncias. A diversidade dos espaços regionais, as distintas “culturas” e “identidades” expressas pelos hábitos e pelas práticas quotidianas, pelas simbologias, pelas crenças e maneiras de pensar mais ou menos frágeis, obrigaram os romanos a ter exercícios de autoridade e intervenções militares para afirmação e apropriação dos territórios. Todas estas atitudes produziam distintos níveis de integração das populações, de onde, muitas vezes, imanavam as

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Cesarismo é sinónimo de governo de um só, levado ao poder pelo povo, mas revestido de poder absoluto. Tornou-se mito com César (do latim Caesare), no século I antes de Cristo e a ele remonta, porque tendo sido soberano sem peias, foi reconhecido como exemplo por não ter abusado do poder.

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Imperator em latim, indica aquele que se encontra revestido de autoridade suprema nas funções de tomar as medidas adequadas, mas também na de fazer os preparativos para enfrentar estrategicamente determinada conjuntura.

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Caio Octávio ou Octavianus, sobrinho-neto de César, passou a usar o título de augusto, com o significado de “consagrado” e implicava a ideia de que o seu portador era favorecido pelos deuses.


elites locais que partilhavam o caráter “federador” que os romanos incentivavam para a aculturação e, principalmente, para a economia.14 A progressiva ampliação dos territórios integrados no Império Romano criou uma miscelânea de tribos, povos e comunidades que, certamente, em muitas situações, teimavam em continuar a manter as suas próprias sociedades locais e as suas tradições, apesar de organizados pelos romanos através de uma administração que procurou criar relacionamentos sociais e económicos que copiassem e replicassem as estruturas formais que tinham usado em Roma. O Império Romano foi também esta mescla de saberes e conhecimentos, idiossincrasias e culturas regionais. É reconhecido que o poderio romano, quer político e militar, quer económico e cultural, expandido ao longo do tempo, não foi aplicado do mesmo modo e da mesma forma em todos os territórios, até porque o tempo ajudou a modelar as atitudes. Há que perceber que, no ano 500 antes de Cristo, Roma administrava cerca de 822 km2. Depois, a luta de conquista dos povos vizinhos samnitas, permitiu-lhes que em 326 antes de Cristo se expandissem para governar cerca de 10.000Km2, já incluindo a região de Nápoles que, entretanto, os romanos tinham conquistado. Em 264 antes de Cristo, já ocupavam todo o território da atual Itália, com exceção da Sicília e da Sardenha, e iniciaram as guerras com Cartago15 para se expandirem para o Norte de África. No ano 200 antes de Cristo, os romanos já administravam 360.000 km2 de terras em torno do Mediterrâneo, que para os gregos era “o nosso mar”, designação que os romanos aceitaram, assim como mar Interior, por contraste com o mar Exterior, o Oceano Atlântico. Perante este crescimento gradual dos territórios, embora rápido, podemos questionarmo-nos sobre a dimensão, a profundidade e a perdurabilidade das influências provocadas pela presença dos romanos no povoamento indígena. Também nos podemos questionar sobre as influências que os romanos tiveram na nova modelação do território e na alteração da paisagem,

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LE ROUX, Patrick (1995). Romains D’Espagne - Cités et Politique dans les Provinces. Paris: Armand Colin, p.65.

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Cidade situada na atual Tunísia, desde o século VIII antes de Cristo foi capital de uma poderosa república marítima, com supremacia comercial em todo o Mediterrâneo, suportada por numerosas frotas marítimas. Nas lutas de defesa de Cartago contra os romanos, em 146 antes de Cristo, a cidade foi destruída. Depois, foi reconstruída por Júlio César e pelo Imperador Augusto, transformando-a na capital da África Romana (Colonia Julia Carthago).

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e podemos, ainda, questionarmo-nos sobre os impactos significativos que a governança dos romanos teve nos modelos de desenvolvimento das regiões. Constatamos que aquando do fim vitorioso das guerras contra Cartago, e consequente conquista do poder marítimo e comercial no Mediterrâneo, em 146 antes de Cristo, Roma já mandava em cerca de 800.000Km2, incluindo as costas mediterrânicas da Ibéria, onde os romanos se tinham instalado em 218 antes de Cristo em Ampúrias, na atual costa da Catalunha, sobrepondo-se à anterior cidade grega de Emporium. Em 206 antes de Cristo, tinham fundado a cidade de Itálica, perto da atual Sevilha e, depois, entre 178 e 138 antes de Cristo lutaram contra os indígenas Lusitanos. As campanhas de conquista do general Décimo Júnio Bruto tinham atingido em 138 antes de Cristo o território a norte do rio Douro. Estas campanhas foram uma enorme empresa tática de “sapadores” que analisaram o território, as suas capacidades, reconheceram os melhores sítios para os seus investimentos, identificaram as melhores capacidades geológicas. Como resultado deste trabalho estratégico e de avaliação, no ano 100 antes de Cristo já governavam cerca de 1200.000 km2 e, cinquenta anos depois, com a conquista da Gália por Júlio César, o território romano atingiu 1950.000 km2 16. A abertura de novos espaços para as atividades e investimentos romanos fez de Roma, a partir do século II antes de Cristo, o principal centro económico do Mediterrâneo. Para se imporem e conservarem no poder, os romanos usaram todos os meios, quer políticos e militares, quer diplomáticos e económicos, intensificaram a importação de produtos provenientes dos territórios conquistados, tais como o trigo, matérias primas e objetos de luxo orientais, bem como a exportação para esses territórios de cerâmica, vinho e azeite. Passou-se de uma economia exclusivamente agrária para uma economia mercantilista, em que também cresceram os empreiteiros de construção civil, os intermediários que abasteciam os exércitos e os arrematadores da exploração de minas. No tempo de Augusto, o Império já se estendia desde o Norte de África ao Médio Oriente, aos vales do Tibre e do Eufrates, aos vales do Danúbio e do Reno, até à costa atlântica. Genericamente, correspondia aos territórios que, atualmente, integram Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Palestina, Israel, Líbano, Síria, Arménia, Turquia, Grécia, Hungria, República Checa, Croácia, Bósnia, Sérvia, Eslovénia, Macedónia, Itália, França, Suíça, Bélgica, Espanha e Portugal.

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Para nos servir de comparação, atualmente, a soma das superfícies de Portugal Continental, Espanha e Itália é de cerca de 900.000 Km2.


Figura 2 – Expansão máxima do Império Romano no século II, depois de Cristo.

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No entanto, a dimensão máxima do Império, com 6500.000Km2, só foi atingida cerca de 150 anos depois, durante a governação do imperador Adriano, entre os anos 117 e 138 depois de Cristo. A reorganização permanente do exercício do poder e da ordenação política, a que os romanos estiveram obrigados pela diversidade da geografia dos territórios, das tradições e literacias das populações, parece ter sido fundamentada sobre uma nova ordem intelectual e uma nova conceção racional. A tenacidade, uma das virtudes capitais dos romanos, fez com que conseguissem congregar diversidades num território imenso, da Ásia ao Atlântico. Mas, apesar desta amplitude geográfica, como salientou Agostinho da Silva, suportado na interpretação de textos clássicos17, o romano, em relação aos gregos, sentia-se inferior na paz, embora se considerasse invencível na guerra. Sentia-se viril e saudável, conquistador do mundo, militar duro à fadiga e tenaz nas suas tarefas. Como salientou Agostinho da Silva, podemos perceber alguns dos sentimentos que o romano nutria pelos “estrangeiros quando visitavam Roma, e formigavam no fórum, vindos das regiões recém-conquistadas e submetidas – os gauleses loiros, altos, de pele muito branca, os africanos tisnados do sol ardente, os gregos delicados e espirituosos, de face pálida como mármores, os orientais de imaginação exuberante, luxuosos no trajar, pervertidos nos costumes”.18 Segundo a sua opinião, os romanos sentiam ódio e fobia pelos gregos, a que chama “helenofobia”, mas pelos outros povos, principalmente pelos homens do Norte e pelos Orientais, só sentiam desprezo. No entanto, acrescenta, fazer uma viagem de estudo a Atenas era complemento indispensável da educação dos jovens romanos. Hoje, quando usamos a expressão “Império Romano” está também associada a noção de cidadania e consequente harmonização de uma civilização organizada, assim como está associada ao florescimento de valores e ideias proclamados por escritores latinos e por filósofos, muito suportados na cultura grega. Um exemplo flagrante é a construção de teatros, que faziam parte obrigatória do urbanismo das cidades romanas, reconhecida como expressão de identidade cultural com manifesto suporte na influência grega. Em contrapartida, ao “Império Romano” também se associa uma sociedade que desprezava o valor da vida humana, gostava das lutas de gladiadores, dos espetáculos sanguinários nos anfiteatros, aceitava a escrava-

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17

Conferência apresentada no Porto, em março de 1927, sob o título “O nativismo romano”.

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SILVA, Agostinho da (2002). O Nativismo Romano. In Estudos sobre Cultura Clássica. Lisboa: Âncora editora, pp.207-22.


tura e dela dependia na vida quotidiana. Também a amplitude de terras e povos conquistados mesclou comportamentos, atitudes e éticas. Patrick Le Roux19 salientou “a grosseria de uma soldadesca socialmente indisciplinada e de mentalidade estreita”, resultado dos muitos recrutamentos regionais exigidos pela conquista, mas que se instalava nos territórios e onde se afirmava como autoridade imperial. Em contrapartida, foi Cícero, no século I antes de Cristo, em A República (I.31.47) que escreveu: A qualidade de cada Estado (Res publica) depende da natureza e da vontade de quem o governa. Eis porque em nenhuma outra cidade, senão naquela em que o soberano poder pertence ao povo, a liberdade (libertas) pode ter o seu domicílio. Não há nada que seja mais doce do que ela, e, se não for igual para todos, já não é liberdade. Maria Helena da Rocha Pereira, em Res Romanae: antologia da cultura romana salientou este texto e atribuiu-lhe o título “elogio da liberdade”20. Com todas as contradições que podemos reconhecer atualmente, a intervenção romana e o exercício da sua autoridade sobre os territórios traduziram-se em mutações afirmadas e sentidas, por consequências e marcas só parcialmente identificadas, mas também por outras menos materializadas, fruto ou castigo de méritos e singularidades indígenas que desconhecemos. Quando temos vontade de refletir sobre a região de Valongo, repetem-se as perguntas que já fizemos, nomeadamente sobre as influências da presença dos romanos no povoamento indígena, sobre as influências que possam ter tido na modelação do território e da paisagem, sobre o impacto que tiveram em novos modelos de desenvolvimento, sobre a dimensão do poderio romano imposto neste território, quer político e militar, quer económico e cultural. Podemos sempre reconhecer que o poder romano deu provas de reconhecer as diferenças locais e regionais, tolerando tradições e identidades, aceitando-se a aculturação, embora sujeita aos interesses estratégicos de um império que, antes de chegar ao noroeste da Ibéria e a Valongo, já lutara muito contra muitas e diversificadas “culturas, crenças e práticas” dos povos e etnias, 19

LE ROUX, P. (2010). L’Empire romain. Paris: Presses Universitaires de France.

20

PEREIRA, 1976: 25.

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sobre os quais impôs a sua autoridade. Depois, é impossível ignorar a apropriação administrativa que faziam sobre os territórios que dominavam, assim como as formas como o faziam e as práticas que usavam. No entanto, os romanos tiveram alguma falta de talento para a originalidade científica mas, em contrapartida, salientaram-se na engenharia e na organização de serviços públicos. Construíram magníficas estradas, pontes e aquedutos, arcos e colunas que se denotavam na arquitetura. Fundaram cidades e organizaram-nas através de modelos. Dotaram as cidades, a exemplo de Roma, de abastecimento regular de água, considerando-a um bem público protegido por leis. O planeamento das urbes era uma preocupação dos romanos, assim como a organização fiscal e tributária do mundo agrário. Em contrapartida, os escritores romanos foram fundamentalmente compiladores de autores, muito suportados nos gregos. Plínio-o-Velho foi um exemplo desta ousadia ao publicar a História Natural21, suportando-a em centenas de autores que antes tinham abordado muitos temas, desde a cosmologia até à economia. Muito se deve ao trabalho de cientistas helenísticos que viveram em Roma, e noutras zonas do Império, impulsionados pelo ambiente de paz que Augusto lhes propiciava. Este ambiente de governação estável assegurou um período de prosperidade económica, estendendo-se o comércio por todas as partes do mundo. A manufatura alcançou proporções apreciáveis, particularmente no que se refere à cerâmica, aos produtos têxteis, aos vidros e aos objetos metálicos. Como resultado dos métodos de organização dos solos e das técnicas de exploração e fertilização, a lavoura floresceu. A despeito disso, a situação económica parece ter estado sempre pouco sólida, quer porque toda a produção dependia da qualificação e da quantidade de mão de obra, quer porque dependia do equilíbrio permanente entre exportação e a importação dos produtos. Assim, é um desafio escrever no século XXI sobre a presença que os romanos tiveram no território de Valongo há cerca de 2000 anos. Podemos ancorar as nossas interpretações exclusivamente nas informações que as escavações arqueológicas cientificamente nos propiciam. Também podemos desenvolver interpretações sobre propostas apresentadas por autores que ao longo dos séculos escreveram as suas versões, mais ou menos suportadas em documentos. 21

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Naturalis Historia, obra de Plínio-o-Velho, organizada em 37 livros, foi publicada no ano 79 depois de Cristo.


Podemos, ainda, apresentar um elenco de acontecimentos que suportem algumas interpretações sobre a maior ou menor influência romana em cada um dos territórios, sabendo que em todo o Império houve adeptos e rebeldes, houve forças rivais, houve os que defendiam a “civilização” romana e os que a não aceitavam. Vamos tentar usar todas estas ferramentas e juntar-lhe muita observação que pudemos fazer sobre documentos cartográficos e fotográficos que permitem perscrutar, através do olhar especializado e treinado, algumas características antigas dos territórios e eventuais intervenções humanas que, apesar do passar dos séculos, ainda podem ser legíveis. Em contrapartida, temos que salvaguardar alguma inconsistência que reconhecemos no ajustamento de distintos levantamentos e inventários locais, assim como a incerteza nas identificações e localizações de referências, para além da diversidade concetual em várias situações que apontam limites cronológicos e geográficos nos períodos mais antigos, para além do risco interpretativo que se corre ao interpretar elementos e documentos produzidos em diferentes épocas e momentos. O título deste livro - Os romanos em Valongo - motiva, desde logo, a noção de que estamos a abordar a presença numa região em que, em princípio, se aplicou o prescrito pelos oradores romanos Cícero e Virgílio, e que tal aconteceu há cerca de 2000 anos. Todos aprendemos na escola que o nosso calendário indica os anos a partir do número um, acrescentado da referência antes de Cristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.) e, por isso, estaremos a tratar a presença do Homem nos anos que antecederam o nascimento de Cristo e nos que decorreram depois. Podemos, assim, concentrar a nossa primeira observação no século I antes de Cristo e no século I depois de Cristo. O Império Romano, então governado por Augusto, cerca de setecentos e cinquenta anos depois da fundação de Roma, estava no auge da sua pujança política administrativa e continuava a crescer e a provocar muito impacto na economia global. É entendido como o período da história de Roma mais glorioso e próspero conhecido pela nação. Ainda que estivessem longe de ser resolvidos os problemas da ordem e da paz, terminara a mortal contenda civil e o povo teve, então, a primeira oportunidade de mostrar o que os seus talentos podiam realizar. Aparentemente, Octávio Augusto não alimentava ambições despóticas e estava decidido a preservar a substância de governo constitucional: procurou novas formas de taxação fiscal em todos os territórios, mudou o sistema de cobrança de impostos, centralizou o

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sistema dos tribunais, alterou o processo de nomeação para cargos administrativos, incentivou e coordenou a autonomia das cidades e províncias que criou, entre outras medidas de reforma política e de âmbito social, que procuravam moderar a vida privada e combater os hábitos sumptuosos em Roma, mas também em todos os territórios conquistados. Nestes territórios, a denominada romanização foi um processo contínuo, muito suportado no poder da guerra até César, depois suportado por Augusto no poder civilizacional e de cidadania que impunha aos distintos povos. É habitual designar-se a romanização como o fenómeno de assimilação das populações submetidas por Roma, que foi concretizada à medida que os territórios iam sendo integrados na República e no Império. Nesta medida, foi uma evolução de acordo com um modelo homologado, progressivamente vigente num mundo que a pouco e pouco se foi “civilizando”, ao contrário dos outros que eram os bárbaros. “Civilizando” através de mutações impostas a partir de modelos e posturas dominantes pela força, sempre com a convicção de que eram e se sentiam superiores22. É comum entender-se que as discussões concetuais sobre a romanização nasceram em meados do século XIX, perspetivando que tinha sido a propagação da civilização e do progresso, permitindo aos povos romanizados que ultrapassassem o seu ancestral estado de atraso, ignorância, pobreza e incultura. Na discussão sobre a romanização predominou a tendência de alguns autores franceses que, no seu caso específico, defenderam-na como resultado de colaboração dos indígenas com os romanos, assumindo o “galo-romano” como fruto do diálogo entre duas culturas e a interpenetração de ambas23. Em Portugal, a mesma tendência adotou a sugestão de luso-romano ou lusitano-romano. Do mesmo modo, autores alemães24 debruçaram-se sobre o assunto e reconheceram fatores de mudança muito semelhantes aos evidenciados pelos autores latinos. Mas, no entanto, assumiram o seu orgulho por terem sido capazes de resistir aos romanos. Durante muitas décadas do século XX, os compêndios de História usados nas nossas escolas evidenciavam as lutas travadas entre povos latinizados do Sul da Europa, romanos e romanizados, e do Norte da mesma Europa, então denominados bárbaros. Estaríamos hoje a falar dos povos que habi-

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22

MARINÉ, María (2001). El final de los Celtas Hispanos: La Romanización, Celtas y Vettones. Ávila: Real Academia de la Historia. pp.369-377.

23

JULLIAN, Camille (1920). Histoire de la Gaule – La civilisation Gallo-Romaine. V. Paris: Librairie Hachette. O tomo I foi publicado em 1908.

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MOMMSEN, Theodor (1854). History of Rome. Leipzig: Reimer & Hirzel.


tavam os atuais territórios da Alemanha, da Escócia, da Dinamarca, entre outros limítrofes do Império. Curiosamente, essas referências desapareceram dos livros no final do século XX e foram politicamente esquecidas no século XXI. Neste livro, procuramos analisar o modo como se desenrolou a romanização, expressando-o em três capítulos. “Romanos na região de Valongo. Porquê?” é o título do primeiro capítulo, no qual tentamos perceber os motivos que induziram os romanos a virem até à região de Valongo, quando e como o fizeram, inserindo-os no mundo global de então. Por vezes, com o decorrer dos séculos, a romanização parece ter minimizado a diferença entre romanos e provincianos através de todas as partes do Império, embora com menos evidência no Oriente, tanto na fala, como na cultura material (cerâmicas de uso e de luxo, vidros, ânforas, vestuário, joias, entre muitas outras coisas), na sensibilidade política e na religião. Quando os provincianos chamavam “romanos” a si próprios, ou quando os outros lhes chamavam “romano”, o objetivo proposto pela política de Roma estava atingido. A arqueologia tem vindo a mostrar que foi no tempo da governação de Augusto que o território de Valongo foi envolvido nos processos de romanização e assumimos estas informações como orientadoras na esquematização do trabalho. O tempo de Augusto foi também salientado por alguma literatura que, escrita à época, nos ajuda a perceber algumas dimensões e consequências da sua governação. No vasto conjunto das obras que de alguma forma descrevem o território documentam-se essencialmente duas tradições, com diferente importância neste domínio: de um lado, a geografia de tradição helenística, com um pendor mais marcadamente geográfico e etnográfico, cujo representante é Estrabão25, na qual as informações relativas à riqueza mineral são menos relevantes; ao invés, este assunto adquire alguma expressão em outras obras e em funções de informação de natureza corográfica, cartográfica, administrativa e fiscal, que em grande parte se perdeu, mas que alimenta a literatura posterior a Estrabão. À recompilação de dados sobre os recursos do território hispânico associa-se inevitavelmente a ação e obra de Marco Agripa, o genro de Augusto. Ainda que não se conheçam em concreto os dados por ele coligidos, algumas referências ocasionais à cartografia e aos “comentários” da 25

Este geógrafo, nascido na Capadócia, viveu entre 58 antes de Cristo e 25 depois de Cristo, trabalhou para o Imperador Augusto e foi incumbido de descrever os territórios do Império Romano, o que concretizou através da publicação de uma Geografia, na qual engloba, no livro III, o território que é hoje Portugal, descrevendo-o de sul para norte. Tem a singularidade de ser uma das raras obras antigas de geografia que nos chegaram quase integralmente.

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sua autoria, a que Plínio-o-Velho alude, constituem um dos exemplos mais conhecidos dessa massa de dados então recolhida.26 No segundo capítulo, sob o título “A região aquando da chegada dos romanos”, procuramos refletir sobre a evolução da paisagem cultural, faz-se a abordagem ao que foi referido por testemunhas que observaram o território, salientando o contributo que Estrabão, enquanto geógrafo grego ao serviço dos romanos, expressou quando escreveu a Geografia27. Sintetiza-se a paisagem cultural da região que os romanos encontraram, segundo a interpretação do texto de Estrabão, reportando às características geomorfológicas, à qualidade dos solos agrícolas e à sua exploração. Procuramos, também, identificar as matrizes do povoamento e as características da arquitetura então dominante. Também Cláudio Ptolomeu, outro geógrafo grego, embora nascido no Egito, escreveu uma Geografia, mas já na primeira metade do século II, cerca de um século depois de Estrabão. Nela descreveu as províncias romanas e os povos que nelas existiam, fazendo também a listagem das cidades. No entanto, a redundância da informação não acrescenta muito ao conhecimento que se tinha sobre a região e que foi expressa por autores anteriores. Com o intuito de perceber a identidade e o caráter do território, procuramos analisar e caracterizar a região a partir do que os “vestígios arqueológicos” nos transmitem, reconhecendo a cronologia das marcas indígenas interpretadas. Sintetizamos os sítios e os vestígios arqueológicos, assim como a sua representatividade histórica. No terceiro capítulo, sob o título “A região ao ritmo do Império” procuramos reconhecer as alterações provocadas pelos romanos no território e na sociedade, assim como na edificação urbana e rural. Em ambas se evidenciam as novas tipologias assumidas como resultado da “revolução romana” na exploração agrária e na vida urbana, reafirmando, por exemplo, a novi-

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CARDOSO, João Luís; GUERRA, Amílcar; FABIÃO, Carlos (2011). Alguns Aspectos da Mineração Romana Na Estremadura e Alto Alentejo. In Lucius Cornelius Bocchus. Lisboa-Madrid: Academia Portuguesa de História/ Real Academia de la Historia, pp.169-188.

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Uso como referência três edições da Geografia escrita por Estrabão: a editada em 1965, no Porto, pelo Centro de Estudos Humanísticos, com traduções e comentários de Francisco José VELOZO e José CARDOSO; a editada em 1989, em Madrid, pela Editorial Gredos, com traduções e comentários de M.ª José MEANA CUBERO e José MILLÁN LEÓN; a editada em 2016, pela Universidade de Coimbra, coordenada por Jorge DESERTO e Susana da Hora Marques PEREIRA.


dade que foram as “cidades”, e também os vici como povoados secundários, estruturas até então inexistentes neste território. Desde o século I, o “viver à romana” terá sido uma busca permanente por parte de muitos indígenas convertidos aos novos modelos sociais, desde o uso do latim ao vestuário, passando pelos novos cultos públicos prestados a diferentes deuses do panteão politeísta romano, até à forma de habitar e ao ritmo da vida quotidiana. Mas muito também mudou com a introdução de novas formas, exigências e tipos de trabalho, novos produtos, novas tarefas, novas “indústrias” e novas economias. Os romanos também proliferaram a ideia de que o espaço estava à medida do corpo. Divulgaram as unidades de comprimento como o digitus, o dedo (1,85 centímetro), o palmus (12 digitus), o pes (16 digitus = 29,6 centímetros), o passus (80 digitus= 1,48 metros), o actus (1920 digitus = 35,52 metros) e o milliarium (80000 digitus = 1400 metros), entre outras medidas com cálculo similar, tornando-as referenciais em todo o território do Império. As elites locais e aqueles que elas controlavam foram certamente os grandes agentes de mudança da sociedade que, duas a três gerações depois, no final do século I e no início do século II, estavam inseridos em todos os domínios do novo mundo que os romanos tinham desenvolvido e gradualmente dominado, em espaços geográficos cada vez maiores e geomorfologicamente diversos. Um magistrado de uma cidade como Bracara Augusta28, Tongobriga29 ou Aquae Flaviae30, certamente que no século II já se sentia representante do Imperador, já vivia numa casa com a tipologia da arquitetura romana e, com certeza, gostaria de vestir túnica e toga, falava latim mais ou menos bem e seguia os preceitos do direito romano. Mas, para se compreender a construção do território antigo, há que salientar, também, as lógicas administrativas que eram usadas na infraestruturação do territorium, desde as cidades aos povoados secundários (vici), das estradas aos seus traçados, desde as travessias dos rios até aos pontos de acostagem fluvial. Procura-se, também, perceber alguns aspetos da economia regional entre o século I e o século V, e interpretar, na medida do possível, as formas como este território foi integrado no mundo romano. 28

Cidade fundada no tempo do Imperador Augusto, por decisão estratégica assumida durante a viagem que fez à Hispânia entre os anos 16 e 13 antes de Cristo, foi edificada no sítio onde hoje é a cidade de Braga (MARTINS, RIBEIRO, 2018: 88).

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As escavações arqueológicas comprovaram que os edifícios públicos de Tongobriga, nomeadamente o fórum e as termas, foram construídos no final do século I depois de Cristo, durante a governação dos imperadores flavianos, no sítio onde hoje é a aldeia do Freixo em Marco de Canaveses (DIAS, 1997).

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Os testemunhos arqueológicos apontam para uma promoção urbana no final do século I depois de Cristo, durante a governação dos imperadores flavianos, no sítio onde hoje é a cidade de Chaves (AMARAL, TEIXEIRA, 1999: 109).

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Em complemento aos capítulos em que se organiza este livro, e servindo como síntese, inclui-se uma tabela cronológica que permite comparar factos e analisar o enquadramento da romanização em todo o espaço que integrava o império em torno do mar Mediterrâneo. Juntamos a lista de bibliografia referida no texto deste livro. Desta bibliografia devemos salientar, pela generalidade de abordagens ao território de Valongo, o trabalho publicado no início do século XX, da autoria do Padre Joaquim Alves Lopes Reis, intitulado A Villa de Vallongo31. Sendo natural da mesma villa, como salienta na capa do livro, escreve sobre as Tradicções e História, Descripção, Costumes e Monumentos de Vallongo. No capítulo de introdução, o autor apresentou o esquema da sua obra: Dividirei a Villa de Vallongo, debaixo do ponto de vista histórico em quatro capítulos, no primeiro dos quaes apontarei alguns dos acontecimentos que se deram desde o principio do mundo até á fundação de Vallongo; no segundo, tratarei da sua fundação e estado atravez dos seculos até á creaçâo da sua freguezia; no terceiro mostrarei o seu crescimento e desenvolvimento até á creação do concelho e villa; e no quarto contarei a, sua historia nos tempos contemporaneos até hoje. Depois passarei a, descrever a villa e tratarei em capitulos separados dos seus monumentos, dos seus costumes, das suas producções, nomes de ruas e logares, homens importantes, etc. O Padre Joaquim Alves Lopes Reis32, neste livro publicado em 1904, várias vezes refere que se suportou nas informações transmitidas por Frei Bernardo de Brito no primeiro livro da obra Monarchia Lusytana, impresso em 1597, no mosteiro de Alcobaça. Frei Bernardo de Brito foi cronista geral e religioso da Ordem de S. Bernardo, Cister, professou votos na Abadia de Alcobaça a 23 de fevereiro de 1585. Antes de professar, ainda jovem, tinha sido mandado pelo pai estudar em Roma, o que pode ajudar a perceber o seu interesse pela antiguidade clássica. Monarchia Lusytana foi o título da obra que este monge projetou para constituir a História de Portugal em 8 volumes, mas só foi o autor dos dois primeiros volumes, o primeiro dedicado aos períodos “antes de Cristo” e o segundo “desde Cristo até ao Conde Henrique”. Em 1597, foi

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REIS, Joaquim Alves Lopes (1904). A Villa de Valongo: Suas Tradições e Historia, Descrição, Costumes e Monumentos. Porto: Typographia Coelho.

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Para simplificação, citaremos como Joaquim Reis.


publicado o primeiro volume, que dedicou a Filipe I de Portugal. Em 1606, foi nomeado cronista da Ordem de Cister e publicou o segundo volume em 1609. A autenticidade dos escritos citados por Frei Bernardo de Brito alimentou, desde então, muita discussão. Na introdução do primeiro livro, referiu que encontrara no arquivo do Mosteiro de Alcobaça um livro antigo, composto por um português, até então desconhecido, Laymundo Ortega, que escrevera sobre as antiguidades da Lusitânia. Este livro, escrito em letra gótica, em pergaminho grosso e mal polido, como descreveu, teria sido escrito em 878, tinha o título De Antiquitatibus Lusitaniae e terá sido a fonte de consulta que suportou as referências que Joaquim Reis fez à antiguidade, nomeadamente nas que salientou sobre a presença romana no território de Valongo. Sobre a credibilidade do trabalho de Bernardo de Brito tem havido distintas opiniões, chegando a ser tido como estilista vernáculo e elegante, mas que se propôs sublimar com fábulas as origens da nacionalidade, assim como acusado de cumplicidade na fabricação de documentos33. Em contrapartida, registamos uma perspetiva que, em 2007, foi publicada por José Sílvio Moreira Fernandes em “Estrutura e função do mito de Hércules na Monarquia Lusitana de Bernardo de Brito”34: Em todo o caso, parece-nos importante realçar que fica a convicção de que Bernardo de Brito laborou na ideia de não só atribuir notoriedade ao passado de Portugal, pela ligação à antiga Lusitânia, como também de expressar o seu profundo apreço pela sua pátria, tendo adaptado as fábulas mitológicas e, particularmente, a de Hércules, como forma de representação de valores que julgava, por certo, existirem na sua época. Se bem que a obra tenha sido dedicada a Filipe II de Espanha, nota-se uma evidente intenção de privilegiar, no contexto da União Ibérica, o legado histórico de Portugal e de contribuir, na esteira de André de Resende e das suas Antiguidades Lusitanas, para a criação de uma verdadeira consciência nacional. Ao longo da investigação sobre os romanos em Valongo, procuramos confrontar permanentemente as indicações escritas no livro A Villa de Vallongo, com as evidências arqueológicas e com os conhecimentos científicos que a investigação tem atualizado. Com esta preocupação

33

Perspetiva apontada, por exemplo, na referência inserida sobre Frei Bernardo de Brito na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, publicada entre 1936 e 1957.

34

FERNANDES, José S.M. (2007). Estrutura e função do mito de Hércules na Monarquia Lusitana de Bernardo de Brito. «Ágora. Estudos Clássicos em Debate». 9. Universidade de Aveiro,119-150.

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de “confronto” procuramos perceber as incoerências que pudessem existir e que nos pudessem induzir em interpretações duvidosas e erradas na obra de Joaquim Reis. Mas as constatações que fizemos ao longo de todo o texto permitem aceitar o rigor da maioria das indicações geográficas e reconhecer, na generalidade, a coerência das cronologias apontadas, ressalvando, no entanto, algumas interpretações. A mesma análise crítica foi feita em toda a bibliografia consultada, a maior parte dela revisitada, e assumimos também as evidências patrimoniais, marcas que o homem deixou no território. Destas marcas evidentes ao longo do tempo foi salientada e reconhecida a existência de exploração de minas em Valongo e o facto de os romanos terem sido sempre associados a elas. Já nas Memórias Paroquiais de 1758, sobre a serra de Santa Justa foi referido que “Na dita serra pella parte do Norte […] se acham fojos porem quazi tapados”. Pouco depois, em 1792, foi Francisco do Nascimento Silveira a referir as minas de ouro. Pela redação descritiva, salientamos o texto publicado em 1816, por José Bonifácio de Andrada e Silva35: […] e tendo mandado pesquisar nas cordas das serras de Santa Justa, que fica pegada a Valongo (…) [darei]algumas noções históricas sobre as antigas minas dos romanos, que existem nesses montes, porque elas me servirão de indício e de estímulo para o descobrimento dos novos veios que mandei pesquisar […]. Só de talho aberto observei mais de 14 pesquisados e lavrados pelos romanos e outros muitos se observam depois na lavra de Santa Iria e suas vizinhanças. […] Em 1801 pela primeira vez visitei as escavações extensas da grande mineração romana do monte de Santa Justa […]. O primeiro sítio que visitei foi o chamado da Carrera, quase a um quarto da altura total do monte de Santa Justa […], subindo o monte ao longo da beta antiga principal no sítio chamado o Cojo Sagrado […] subindo mais até ao sítio chamado o Cojo das Pombas […] é inclinado com os seus degraus talhados na rocha até certa profundidade […] no sítio chamado a Barroca da Viúva que fica quase no cimo do monte há 35

36

SILVA, José Bonifácio de Andrada e (1816). Memória Minerográfica da Serra que decorre de Santa Justa até Santa Comba e as suas vizinhanças na província do Minho. Lisboa: Memórias da Academia Real de Ciências de Lisboa


uma grande escavação descoberta que parece ter procedido do desmoronamento do teto sobre alguma sala subterrânea […] talvez por lavrarem a beta pelo método antigo dos romanos, que Plínio chama ruina montium […] [daqui]corre a beta principal dos romanos através da lombada do monte; e está trabalhada a talho aberto até quase ao sítio chamado o Olho do Corvo […] caminhando para sul e junto à de Santa Justa observei uma nova lavra talho aberto no sítio chamado a Valhada. (p.18) […] há umas ruinas antigas que sempre se chamaram Moinho do Ouro. Para se ver a antiguidade da povoação e cultura deste distrito, direi aqui que no lugar chamado lameiro, ao nascente de Valongo, abrindo-se um poço […] se acharam várias ânforas, vasos de barro e outras antiqualhas romanas. (p.19) A valorização das marcas da mineração e a associação com a presença romana foi referida por vários autores em diversos trabalhos onde se pressente algum envolvimento em Património e Arqueologia36, entre os quais salientamos Neves Cabral em 1883 e 188937, Severiano Monteiro e João Augusto Barata, em 1889 38 , Freire de Andrade, em 189339, Carlos Teixeira, em 194140 e 194541, Cotelo Neiva e Pastora Charot em 194542, Mário Cardozo em 195443, J. da Silva Carvalho e

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Síntese apresentada por Paula Costa Machado, sob o título “Santa Justa e Pias: Referências e Intervenções nos últimos 250 anos”, no 1º Congresso Mineração Romana em Valongo, em 7 e 8 novembro de 2014. (MACHADO, 2014)

37

CABRAL, J.A. César das Neves (1883). Reconhecimento Mineiro da Serra de Santa Justa – Junto a Valongo, Distrito do Porto. «Revista de Obras Públicas e Minas», Ano XIV, Tomo XIV, set/out, 166-7.

38

MONTEIRO, Severiano; BARATA, João Augusto (1889). Exposição Nacional de Indústrias Fabris. Catálogo descritivo da Secção de Minas. Lisboa: Imprensa Nacional, pp.224-290.

39

ANDRADE, A.A. Freire de (1893). A Indústria de Antimónio no Douro. «Revista de Obras Públicas e Minas»,. Tomo XXIV. n.º 285 e 286. set /out, pp.486.

40

TEIXEIRA, Carlos (1941). Notas Arqueológicas sobre as minas de Banjas, na Serra de Valongo. «Revista Prisma». Ano V. N.º 1.

41

TEIXEIRA, Carlos (1945). Minas romanas na Serra da Lousã. «Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia». III-IV. X. Porto, pp.1-4.

42

NEIVA, Cotelo; CHOROT, Pastora (1945). Alguns jazigos de ouro do Alto Minho. «Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro». I. 3-4.

43

CARDOZO, Mário (1954). A propósito da lavra do ouro na Província de Trás-os-Montes durante a época romana. «Revista de Guimarães». LXIV, pp.113-141.

37


Octávio Veiga Ferreira em 195444, Luís de Albuquerque e Castro em 1945, 1960, 1961 e 196345, J.C. Allan em 196546, Fernando de Almeida em 197047, Adalberto Dias de Carvalho em 1969, 1975, 1978 e 1979 48, Carlos Alberto Ferreira de Almeida em 197349, Jorge de Alarcão em 1973, 1988,1990, entre outras abordagens50, Claude Domergue em 1970, 1988, 199051, Teresa Soeiro em 1984 e 198652.

38

44

CARVALHO, J. da Silva; FERREIRA, Octávio da Veiga (1954). Algumas lavras auríferas romanas. «Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro». IX. 1-2, pp.20-46.

45

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Figuras 3, 4 e 5 – OINOCHOÉ Jarro em bronze que tem sido apresentado em muitas publicações sobre Valongo, certamente porque é o mais elaborado tecnicamente e o mais decorado. Jarro em bronze, com altura de 245 milímetros, com asa decorada, também em bronze, com sinais de muito uso. Este jarro pesa 970 gramas. CASTRO, 1962: 436 – 437. Através de análise metalográfica não destrutiva, realizada por Alexandre Lima em 2021, a peça é em latão, constituído por cobre e zinco. Fotos de António Cabeço, 2020.

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Figuras 6 e 7 – OINOCHOÉ Jarro em bronze, com asa cravada, também em bronze, embora mais duro que o resto da peça. Fundo em cobre. Tem a altura de 135 milímetros e 427 gramas de peso. Este jarro tem a particularidade de ter o bocal trilobado, que mostra algum cuidado no fabrico, embora fosse característico do gosto romano, também expresso em peças cerâmicas contemporâneas. CASTRO, 1962: 437-438. Através de análise metalográfica não destrutiva, realizada por Alexandre Lima em 2021, confirma-se que a peça é em bronze, constituído por cobre e estanho. Fotos de António Cabeço, 2020.

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Figuras 8 e 9 – PATINA Albuquerque e Castro publicou o estudo desta taça, salientando que “é uma bonita e bem proporcionada peça”, com 77 milímetros de altura e o peso de 252 gramas. Também apresentou a análise de constituintes, indicando ser feita em latão. Tem sinais de ter tido muito uso. CASTRO, 1962:439-440. Através de análise metalográfica não destrutiva, realizada por Alexandre Lima em 2021, confirma-se que a peça é em latão, constituído por cobre e zinco, com muito pouco estanho. Fotos de António Cabeço, 2020.

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Figuras 10 e 11 – SIMPUVIUM OU SIMPULUM Púcaro ou colher, em cobre. Tinha um cabo comprido que se perdeu, certamente porque teve muito uso. Tem a altura de 80 milímetros e pesa 130 gramas. CASTRO, 1962: 440 – 441. Através de análise metalográfica não destrutiva, realizada por Alexandre Lima em 2021, a peça é em bronze, constituído por cobre e estanho. Fotos de António Cabeço, 2020.

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Figura 12 – SIMPUVIUM OU SIMPULUM Paredes pouco espessas, com evidentes sinais de uso intenso e prolongado. CASTRO, 1962: 440 – 441. Desenho de Henrique Soares, 2021.

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Figura 13 – LAGOENA Bilha em cobre, com gargalo estreito, com 240 milímetros de altura e o peso de 565 gramas. Esta bilha tem sinais de muito uso. CASTRO, 1962: 441-442. Através de análise metalográfica não destrutiva, realizada por Alexandre Lima em 2021, a peça é em bronze, constituído por cobre e estanho. Foto de António Cabeço, 2020.

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Figura 14 – SÍTULA Balde de cobre, com sinais de ter sido muito usado, com altura de 160 milímetros e o peso de 1100 gramas. CASTRO, 1962: 442. Através de análise metalográfica não destrutiva, realizada por Alexandre Lima em 2021, a peça é exclusivamente feita de cobre, sem quaisquer vestígios de zinco, estanho ou prata. Foto de António Cabeço, 2020.

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Figuras 15 e 16 – SÍTULA com armela Balde de cobre, que o autor diz ser a mais imperfeita, com 160 milímetros de altura e o peso de 1100 gramas. É um tipo de balde “usado para retirar água de um poço ou transportá-la”. Apresenta sinais de ter sido muito usado. A armela com decoração simples era a zona de suporte da asa. CASTRO, 1962: 442 e 446. Através de análise metalográfica não destrutiva, realizada por Alexandre Lima em 2021, a peça é em bronze, constituído por cobre e estanho. Fotos de António Cabeço, 2020.

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Figura 17 – SÍTULA Balde de cobre com altura de 235 milímetros e o peso de 885 gramas, com duas armelas. Albuquerque e Castro apontou que esta sítula tinha três pés soldados a estanho. Este balde foi muito usado. CASTRO, 1962: 444 e 446. Através de análise metalográfica não destrutiva, realizada por Alexandre Lima em 2021, a peça é em bronze, constituído por cobre e estanho. Foto de António Cabeço, 2020.

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Figura 18 – SÍTULA Balde de cobre, com sinais de muito uso e de dimensões assinaláveis: altura de 290 milímetros e 2250 gramas de peso. CASTRO, 1962: 445-446. Através de análise metalográfica não destrutiva, realizada por Alexandre Lima em 2021, a peça é em bronze, constituído por cobre e estanho. Foto de António Cabeço, 2020.

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Apesar deste conhecimento, quase sempre concentrado nas marcas da exploração mineira, só em 1992 foi publicado por José Marcelo Mendes Pinto um trabalho que, na sequência do seu empenho no levantamento e inventário arqueológico iniciado em 1989 para o Plano Diretor Municipal, amplia a observação ao povoamento do território de Valongo na antiguidade, para além da administração específica das minas. Embora o título A Mineração do Ouro em Época Romana nas Serras de Santa Justa e Pias – Valongo pareça desajustado a esta visão, o autor faz abordagem ao povoamento e à sociedade, recuperando o que tinha sido por si publicado no ano anterior sobre a necrópole identificada em Corredoura53. Mas, apesar da abordagem mais abrangente que José Marcelo Mendes Pinto teve neste trabalho, a concentração das atenções nas marcas da mineração continuou a ser evidenciada quando escreveu pudemos verificar que, pelo menos a partir da época de Augusto, as minas de ouro constituíram o principal fator de estruturação do território envolvente, delas decorrendo todo o sistema de povoamento e ocupação, sendo a própria rede viária articulada em função do escoamento do minério.54 Embora aponte a hipótese de populações indígenas já conhecerem técnicas usadas na exploração, e apesar de não se saber com rigor quando é que os romanos começaram a explorar o ouro na região, propõe, suportado na observação do material arqueológico conhecido, uma “plena laboração nos finais do século I, e durante o século II, tendo continuado possivelmente até meados do século III”.55 Sobre a organização e administração das minas, apontou: Não sabemos exactamente em que distrito ou região mineira estavam enquadradas as explorações das Serras de Santa Justa e Pias, mas pensamos que deveriam formar uma unidade mineira autóctone conjuntamente com as explorações de Covêlo, Medas (Gondomar) e Banjas (Paredes), a justificar a existência, pelo menos nos 53

PINTO, J. M. M. (1990-1991). A Necrópole Galaico-Romana de Corredoura (Campo-Valongo). «Portugália». XI-XII, pp. 149-153.

54

PINTO, J.M.M. (1992). A mineração do ouro em época romana nas serras de Santa Justa e Pias (Valongo). In Galicia: da Romaniadade à Xermanización: Actas do Encontro Científico en Homenaxe a Fermin Bouza Brey. Santiago de Compostela: Museo do Pobo Galego, pp.287-311.

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PINTO, 1992:304

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inícios do século II, de um procurator metalli dependente ou adjunto do Procurator Augusti per Asturiam et Gallaeciam. Vejamos porquê. Armando Coelho Ferreira da Silva deu a conhecer uma ara votiva, integrada numa parede da capela de S. Bartolomeu, em Valongo, dedicada a uma divindade cujo teónimo – Alboco- apontaria para um deus protetor de uma montanha de onde se extraísse ouro, relacionando este teónimo com parte da designação de uma região mencionada numa outra ara votiva dedicada a Júpiter (com os epítetos de Optimo Maximo Anderon), aparecida em lugar indeterminado na Galiza e cujo dedicante é um tal M.Ulpius Euthyches, liberto imperial no tempo de Trajano, Proc(urator) Metall(orum) Alboco(olensium). A coincidência faz pensar que estaremos em presença de um procurador adjunto a quem caberia a administração de minas localizadas numa região dominada por uma montanha tutelada por Alboco e que, numa deslocação a Lucus Augusti – sede do Procurator Augusti- teria dedicado a Júpiter Anderon, talvez um santuário local, algures na Galiza, Teríamos assim que as minas de Santa Justa e Pias estariam integradas num distrito ou numa região mineira que seria conhecida na época por Albocolensium, com adimistração própria – ainda que temporária – subordinada, evidentemente, à procuradoria financeira imperial.56 Claude Domergue57 defendera a existência de quatro regiões mineiras: o Noroeste, a Serra Morena, o Sudeste e o Sudoeste. O Noroeste compreenderia, além do atual Norte de Portugal, as atuais províncias espanholas da Corunha, Pontevedra, Ourense, Lugo e Oviedo e ainda a parte ocidental das províncias de Palência, Leão, Zamora, Salamanca e uma pequena parte de Cáceres. Dentro do Noroeste, distingue vários distritos mineiros como o da Galiza, Trás-os-Montes, Beiras, Astúrias, incluindo as minas de Valongo-Gondomar-Banjas, no distrito de Trás-os-Montes. José Marcelo Mendes Pinto fez uma leitura diferente desta, na medida em que Domergue não tivera em conta a distância entre a zona de Valongo e a zona de Jales-Três Minas, o que dificultava a administração e o controle dos dois conjuntos em exploração simultânea.

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PINTO, 1992:305

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DOMERGUE, 1990:39-41


Apesar do interesse nas marcas da mineração, foi José Marcelo Mendes Pinto quem abordou a curiosidade pelos novos modelos de povoamento introduzidos pelos romanos e fá-lo na sequência de escavações arqueológicas realizadas numa necrópole de cremação, reconhecida como habitual nos ritos de influência romana. Como já apontamos, em 1991, na revista «Portugália», publicou o resultado da escavação, onde datou os enterramentos dos finais do século III e do início do século IV e apontou a hipótese de esses enterramentos terem sido feitos numa quinta agrícola (villae), onde era vulgar criar espaços para sepultamento dos proprietários e dos trabalhadores58. Entretanto, em 1994, numa obra sobre a história do Porto, Armando Coelho Ferreira da Silva publicou um texto sob o título “As Origens do Porto”, no qual aponta algumas problemáticas que relaciona com o território em que se insere Valongo. Aí refere que a escassez dos dados referentes ao desenvolvimento das atividades económicas principais, visando componentes diversas da exploração da terra, do rio e do mar, documentadas no perímetro da cidade na época romana, assume particular relevância a importante exploração dos recursos do subsolo da região do Porto que consistiu na intensiva mineração do ouro numa longa faixa, que se estende pelos atuais concelhos de Valongo, Gondomar e Paredes, em que os filões aparecem encaixados em quartzitos e xistos em complexos do Ordovícico e Silúrico. Neste texto que transcrevo, salientou que certamente conhecida já de longa data, porventura desde o Bronze Final, a extração do ouro destes jazigos pelos povos indígenas, que poderiam até por isso gozar de particular renome no contexto étnico regional, o seu desenvolvimento sistemático, em larga escala e com nova tecnologia, ocorreu sob o domínio alto-imperial, estando documentado por numerosos materiais romanos bem conhecidos, tais como cerâmicas e objetos metálicos.”59

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PINTO, 1990-1991: 149-153

59

SILVA, A. C. F. (1994). Origens do Porto. In História do Porto. Porto: Porto Editora, pp. 44-117.

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Neste texto é salientado o papel da mineração, muito suportada em técnicas cuja aplicação no século I foi apontada por Caio Plínio, o Velho60, na História Natural de que foi autor. A saliência que Plínio fez ao papel da mineração é relevante porquanto foi procurador do Imperador para as Astúrias e a Galécia. Os materiais encontrados e identificados, nomeadamente as cerâmicas sigillatas com fabricos do tipo itálico, assim como uma lucerna encontrada ainda no lugar em que o mineiro a deixara, permitem que seja apontada uma cronologia de trabalho nas minas logo no século I, embora se possa perceber que a exploração do complexo mineiro foi prolongada pelos séculos seguintes. Recolhidas nas minas de Valongo conhecem-se, até ao momento, três lucernas, exemplares de produção local ou regional, apresentadas por Andreia Esteves num estudo desenvolvido na Faculdade de Letras da Universidade do Porto sobre lucernas identificadas no Norte de Portugal: Um exemplar foi recolhido em 1961, num nicho a 42 metros de profundidade, por Adalberto Dias de Carvalho61. É uma lucerna de volutas, tipologia Loeschcke V, com cronologia dos finais do reinado de Cláudio a inícios do século II. O auge deste tipo de fabrico foi entre os anos 75 e 80, prolongando-se até ao reinado de Adriano. Está depositada no Museu dos Jazigos Minerais Portugueses, em S. Mamede de Infesta62. O segundo exemplar é uma lucerna de volutas, tipologia Loeschcke V, com marca da oficina de oleiro MVNTREPT incisa, pouco demarcada e quase ilegível. A cronologia desta lucerna é apontada como sendo dos finais do reinado de Cláudio a inícios do século II, embora o auge de fabrico tenha sido entre os anos 75 e 80, prolongando-se até ao reinado de Adriano. Foi oferecida e incorporada em 1935 e está depositada na sala Mendes Correia no Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto63.

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Plínio-o-Velho viveu entre os anos 23 e 79 do século I. Terá estado na Tarraconense no ano 73. A notícia da morte está ligada a asfixia ou ataque cardíaco, depois de ajudar a salvar pessoas dos efeitos do Vesúvio em Pompeia. Por vezes é confundido com Plínio-o-Moço, sobrinho de Plínio-o-Velho, que viveu entre 61/62 e 112/113, no tempo de Trajano e Adriano, muito ajudado pelos amigos de seu tio.

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CASTRO, 1961: 432

62

ESTEVES, Andreia (2016). Contributo para o estudo das lucernas de produção local/regional no Norte de Portugal. Porto: FLUP. Dissertação de mestrado.

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ALMEIDA, 1953: 158 estampa XXXIV, nº 66; ESTEVES, 2016: 761 Estampa 139, nº311


O terceiro exemplar é uma lucerna de volutas, tipologia Loeschcke V, também com marca da oficina do oleiro MVNTREPT. A cronologia é de finais do reinado de Cláudio a inícios do século II, embora com auge desde os anos 75/80 até ao reinado de Adriano64. Desconhece-se o paradeiro desta lucerna depois da notícia do achado ter sido apresentada em 200165. Terá sido exumada in situ pelo grupo de espeleologia AESDA de Torres Vedras. Andreia Esteves66 descreve esta lucerna cerâmica, feita com molde bivalve. Forma fragmentada no infundibulum e rostrum. Corpo circular. Orla lisa, inclinada para o exterior. A transição para o disco faz-se por duas molduras que definem duas caneluras concêntricas. O disco côncavo está ornamentado com a Vitória Alada segurando o clipeus. O orifício de alimentação encontra-se descentrado para a esquerda. Rostrum destruído, apesar de ainda ser percetível uma das duas protuberâncias circulares na extremidade que se desenvolvia para volutas. Asa perfurada e fundo plano, delimitado exteriormente por uma fina canelura e com a marca de oleiro MV[NTREPT] incisa. É curioso que entre tão poucos exemplares de lucernas recolhidas em Valongo, apesar de ser um objeto que deveria ter existido em grande quantidade para iluminar as galerias das minas, identificam-se duas com marcas do mesmo fabricante, LUCIUS MVNATIVS THREPTVS, um conhecido oleiro oriundo da Itália. A sua produção abarcou os períodos finais da dinastia flávia até à dinastia antonina, o que corresponde ao final do século I e ao século II depois de Cristo. As produções deste oleiro encontravam-se espalhadas pelo mediterrâneo ocidental. Tem sido apontada a existência de uma sucursal no Norte de África, a qual foi atestada por alguns investigadores67. Esta marca de oleiro tornou-se abundante em cerâmicas recolhidas no Noroeste, o que poderia justificar-se por ter existido uma sucursal deste oleiro em Bracara Augusta. Mas, segundo alguns

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ESTEVES, 2016: 763 Estampa 140, nº313

65

MARICATO, Carla; Pacheco, Paulo (2001). Romam Mining in the Valongo System (Portugal). Atas 13th International Congresso of Speleology. Brasília, pp. 291-296.

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ESTEVES, 2016: 763 Estampa 140, nº313

67

GENOVER, J. e FUSTÉ, V. (2006). Llànties Romanes d’Empúries. Girona. Museu d’Arqueologia de Catalunya-Empúries.

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Figura 19 – Esta lucerna em cerâmica foi feita com técnica de molde bivalve. Está fragmentada no disco e rostrum, tem orla larga, perfil inclinado para o exterior, sem decoração. A transição para o disco é feita mediante duas molduras e uma canelura concêntricas. O disco encontra-se rebaixado e côncavo, de dimensões reduzidas, com a representação em relevo da Vitória Alada segurando o clipeus. O orifício de alimentação é descentrado e percetível pelo facto de existir na fratura uma forma bastante trabalhada e circular, interrompendo o clipteus. A asa é perfurada e aplicada sobre a orla e parte do reservatório. Tem fundo circular e convexo, sem presença de marca de oleiro. Lucerna com pasta compacta, bastante depurada e de coloração esbranquiçada, com alguns elementos de quartzo com pequeno calibre. A superfície é alisada e medianamente polida, coberta por um engobe fino e mal conservado de cor rosa-avermelhado.” Está depositada no Museu dos Jazigos Minerais Portugueses, em S. Mamede de Infesta. Foto de António Cabeço, 2020.

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Figura 20 - Esta lucerna em cerâmica foi fabricada com a técnica de molde bivalve. Está fragmentada na asa, tem orla larga, perfil inclinado para o exterior, sem decoração. A transição para o disco faz-se por duas molduras definidas por uma canelura concêntrica. O disco é côncavo e de dimensões reduzidas, decorado com um cervo a correr e, atrás de si, uma espécie de árvore/folha de palma. O solo encontra-se delineado como uma espécie de relva, estando subjacente em toda esta iconografia a ideia do movimento, retratada por um conjunto de pérolas cercando o animal e a árvore. O rostrum é arredondado e possui orifício de arejamento e volutas simples. Tem marca «MVNTREPT» incisa, pouco demarcada e quase ilegível. Está depositada na sala Mendes Correia no Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto. Foto de António Cabeço, 2020.

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investigadores, essa oficina não seria uma sucursal da produção de Lucius Munatius, mas sim um local onde eram feitas cópias fraudulentas de lucernas importadas68. Também a análise das poucas inscrições latinas identificadas com a região, ligadas a um liberto imperial, a um peregrino local e a dois indígenas de condição servil, salientam uma cronologia concentrada no final do século I e, principalmente, na primeira metade do século II depois de Cristo. Foi também Armando Coelho Ferreira da Silva quem adiantou a hipótese deste conjunto de explorações mineiras, juntando as minas situadas em Valongo, em Paredes e em Gondomar, constituir uma circunscrição autónoma, chegando mesmo a apontar a hipótese de se denominar Albocolensis, na medida em que uma inscrição identificada por José Marcelo Mendes Pinto, e publicada em 1992, poderia induzir a existência de um território com autonomia, dirigido localmente por um procurator metalli, capaz de administrar sob as ordens imperiais. Esta perspetiva reafirma a contradição com a tese do investigador Claude Domergue que defendera, em 1990, a existência de administração conjunta das explorações de Valongo, Paredes e Gondomar com as de Trás os Montes, Jales, Três Minas. De facto, a dimensão dos empreendimentos e quantidade de mão de obra envolvida não facilitariam uma gestão conjunta. Sobre isto, Jurgen Wahl 69 escreveu que a exploração sistemática de Três Minas e Campo de Jales teria sido iniciada no primeiro ou no segundo decénio depois de Cristo, e que no terceiro quartel do século I depois de Cristo os trabalhos já tinham atingido uma profundidade de 100 metros, obra realizada num período de 50 a 60 anos, o que implicou imenso trabalho humano. Em Valongo, também se coloca a dúvida sobre a quantidade de trabalhadores envolvidos. Também aqui foram apontadas as hipóteses de habitação dos trabalhadores mineiros nas zonas de Couce e Pias, em Valongo. Quanto à circulação de pessoas e bens, Armando Coelho apontou a possibilidade de ligações por estradas com Bracara Augusta e com Tongobriga, para além de ligações ao rio Douro através de Gondomar.

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68

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69

WAHL, Jurgen (1998). Aspectos Tecnológicos da Indústria Mineira e Metalúrgica Romana de Três Minas e Campo de Jale. In Actas do Seminário Museologia e Arqueologia Mineiras. Lisboa: IGM. pp. 57-68.


Perspetiva semelhante foi defendida por Jorge de Alarcão (1993), valorizando a possibilidade da navegabilidade dos rios Tâmega e Douro ser usada para escoamento do minério extraído em Jales e Três Minas. Em todas as abordagens dos diversos autores é manifesta a concentração do interesse nas marcas da exploração mineira, certamente pela sua evidência na paisagem. Estas minas, denominadas como romanas, foram especialmente salientadas a partir do momento em que Neves Cabral, em 1883, no tomo XIV da Revista de Obras Públicas e Minas70, publicou o reconhecimento mineiro da serra de Santa Justa, podendo ser assumido como trabalho de inventariação e de registo, centrado nas serras de Santa Justa e Pias, em Valongo, embora também tenha desenvolvido trabalhos similares nos concelhos de Paredes e de Gondomar. Como já apontamos, foram vários os autores que, na área da arqueologia, refletiram sobre as marcas das explorações mineiras, de que salientamos, mais recentemente, os textos de José Marcelo Mendes Pinto em 200071, de Rui Morais em 200772 e a dissertação de doutoramento de Carla Maria Braz Martins, em 200873. Rui Morais aponta novas perspetivas a propósito do estudo de ânforas recolhidas na escavação arqueológica, na Ivanta, Valongo, que tinha sido feita por Lídia Baptista e Liliana Barbosa, arqueólogas da empresa de arqueologia Ricardo Teixeira & Vítor Fonseca. Concentrou o estudo num conjunto de mais de seis dezenas de exemplares, “exclusivamente representado por ânforas de proveniência bética e lusitana”. Enquadrou as produções lusitanas no século I e no século II. Nas produções béticas salientou as Haltern 70 e as Dressel 20, produzidas na região do Guadalquivir. Com base na data de fabrico destes materiais cerâmicos, admitiu uma “diacronia de ocupação do sítio do período de Augusto a inícios do século II, com especial incidência na primeira metade do século I.”

70

CABRAL, Neves (1883). Reconhecimento Mineiro da Serra de Santa Justa. «Revista de Obras Públicas e Minas». XIV. (maio-junho). 161- 162.

71

PINTO, J. M. M. (2000). Instalações Mineiras Romanas no Fojo das Pombas. In Actas do 3º Congresso de Arqueologia Peninsular. VI. Porto: ADECAP, pp. 401- 413.

72

MORAIS, Rui (2007). Ânforas da Quinta da Ivanta – Um Pequeno “Habitat” Mineiro em Valongo. «Conímbriga», XLVI, pp. 267-280.

73

MARTINS, Carla Maria Braz (2008). Exploração Mineira Romana E A Metalurgia do Ouro em Portugal. «Cadernos de Arqueologia- Monografias». Braga: Universidade do Minho.

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Reafirma esta proposta de cronologia em fragmentos recolhidos na mesma escavação, em contexto estratigráfico, tais como terra sigillata de tipo itálico, do sul da Gália e hispânica, com cronologias do século I, salientando “um fragmento de prato com uma marca do oleiro Albinus(i), que laborou em La Graufesenque entre 40 a 80 d.C., pormenorizando que “de acordo com o punção [OFALBINI] trata-se de um prato, provavelmente Dragendorf 15/17 ou 18, datável do período de Nero, o período de maior produção deste oleiro”.74 As propostas de Rui Morais tornam-se mais desafiadoras na leitura do território, na medida em que privilegia a opinião de que este conjunto significativo de ânforas, enquanto contentores, estava associado a boas comunicações marítimas e fluviais, indispensáveis para o abastecimento de produtos, especialmente o azeite, fundamental na dieta alimentar e para iluminação. Neste contexto de transporte fluvial e marítimo, quer o rio Sousa quer o Douro, com ancoradouro em Cale, no morro da Penaventosa, no Porto, terão sido influentes, embora isso não diminua a importância da ligação por estrada a Bracara Augusta.75 Entretanto, sob o título Mineração: uma história milenar, uma equipa coordenada por Alexandre Lima, publicou, em 2018 e 2019, estudos para o Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto, constituindo atualmente a melhor abordagem e síntese sobre o tema e a região. Tal surge na sequência do que já acontecera em setembro de 2014, no 1º Congresso sobre a Mineração Romana em Valongo, onde os mesmos autores tinham apresentado trabalhos que intitularam A Exploração de Depósitos Secundários de Ouro nas Serras de Pias e Santa Justa76 e La minería del oro en el Imperio Romano y su puesta en valor: contextualización e importância de la mineria aurífera romana en el área Valongo-Paredes77, nos quais se denota a preocupação em aliar os seculares trabalhos das minas com a antropização do território. Roberto Matías78 salientou o uso em Valongo de tecnologia usual, constatando a experiência que os romanos tinham recolhido em trabalhos anteriores noutras zonas do Império, salientando a precisão na localização e identificação dos sítios explorados, na planificação das indispensáveis

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MORAIS, 2007: 276

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LIMA, A.; MATÍAS, R.; FONTE, J.; (2014). A Exploração de Depósitos Secundários de Ouro nas Serras de Pias e Santa Justa (Município de Valongo). In Actas del 1º Congresso Mineração Romana en Valongo. pp.40-47.

77

MATÍAS, Roberto (2014). La mineria del oro en el Império Romano y su puesta en valor: Contextualización e importância de la mineria aurífera romana en el área Valongo-Paredes. In Atas do 1º Congresso Mineração Romana em Valongo. pp. 3-39.

78

MATÍAS, 2014: 3-4


prospeções que antecederam as explorações, na uniformidade das técnicas e dos métodos aplicados às explorações e, ainda, o facto da exploração ter sido feita até ao limite do que as condições de então permitiam. Em 2014 foi salientada a dimensão dos trabalhos mineiros subterrâneos, o que motivou nos arqueólogos a necessidade de perceber como, e onde, existiu e se instalou a mão de obra especializada, mas, também, toda a outra, indiferenciada, indispensável para trabalhos tão intensos e prolongados nesta região de Valongo. No entanto, e apesar da saliência que tem vindo a ser dada às marcas da exploração mineira, uma simples análise aos tipos de atividade da população de Valongo permite-nos perceber que a agricultura foi predominante, porque duradoura, ao longo dos séculos. Procuramos observar o território, desde a bacia do rio Leça, reconhecendo a qualidade dos solos da Maia e de Alfena, até aos terrenos drenados pelo rio Ferreira. A riqueza toponímica, que também nos ajuda a reconhecer estes territórios ao longo dos séculos, é expressiva na região, constatável através da abordagem documental79. Pelas marcas deixadas no território de Valongo, fruto do trabalho de indígenas e de romanos, pode dizer-se que estas duas áreas de atividade económica, a agricultura e a exploração mineira, também foram predominantes há cerca de 2000 anos, prosseguindo ao longo dos séculos. Em documentação da charneira do século XIX para o XX, constata-se que o concelho de Valongo tinha atividades partilhadas. Tal é transmitido, por exemplo, pela obra monográfica publicada sobre a região de Valongo, da autoria de Joaquim Reis, editada em 1904. Por ser obra quase exclusiva, mereceu a leitura crítica, como já salientamos, não só pela época em que foi escrita, mas também pela informação toponímica que proporciona.

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A riqueza e a especificidade da toponímia de todo o território do atual concelho de Valongo são constatáveis no trabalho que Paula Costa Machado desenvolveu e que nos permite uma leitura cronológica da construção do território que é apresentada no volume II.

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02

A REGIÃO AQUANDO DA CHEGADA DOS ROMANOS

A montanha foi muito tempo o solar do homem primitivo, vagabundo relapso sem outra telha que o céu estrelado. Ali viveu séculos e séculos entre robles frondosos, castanheiros que lhe davam boa sombra e castanhas, esfomeado crónico, mas livre. Um dia empurraram-no para o vale, onde era menos perigoso e onde podia prestar serviços, extraindo a cassiterite das minas, e o castelo dos altos ficou ao desamparo. O penedal é a ruína palacega da montanha. (RIBEIRO, 2017: 19)

Aquilino Ribeiro, no livro com o título O Homem da Nave80, expressa e simplifica o que seria o homem indígena, vulgo castrejo, que habitava esta região do Noroeste da Ibéria há cerca de dois mil anos. Aqui, além, resistindo ao desfeiteamento geológico, subsistem nos picotos a orca, ou aposentadoria do clã, o castro que era a aldeia fortificada, e a citânia, rudimento da urbe. Neste breve texto salientam-se alguns atributos característicos da região: a montanha, o vale e a floresta frondosa.

80

O Homem da Nave, de 1954, foi editado em 1968 pela Livraria Bertrand e reeditado em abril de 2017.

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AS CARACTERÍSTICAS GEOMORFOLÓGICAS E A PAISAGEM CULTURAL QUE OS ROMANOS ENCONTRARAM NA REGIÃO

A observação do território confronta-nos facilmente com as suas características geomorfológicas. Se o topónimo Valongo, entendido como vallis longus, nos coloca perante uma constatação suportada na noção de vale, tanto mais afirmado como longo, as serras de Santa Justa, de Pias, do Castiçal, de Santo Antoninho colocam-nos perante uma outra realidade. Percebemos que a identidade milenar destas terras foi afirmada, sempre, por esta conjugação de vales e serras. Ainda hoje os topónimos dominantes são “serra” e “campo”, marcas evidentes neste território. A cartografia81 de 1934, permite perceber, muito claramente, a diferença entre a zona de montanha e a mais aplanada. A montanhosa desenvolve-se desde cotas em torno dos 100 metros de altitude e atinge 333 metros no curiosamente denominado lugar do “sanatório do Monte Alto”, chegando aos 376 metros em Santa Justa. Mas qual seria a paisagem natural dominante de Valongo há cerca de 2000 anos? E como terá sido transformada essa paisagem natural pela intervenção do homem, construindo-a ao longo dos séculos, para aproveitar as potencialidades aqui existentes? São perguntas que se colocam para toda a vasta região em que se integrava o território de Valongo e à qual tentaremos responder com recurso a alguns resultados que a investigação nos tem propiciado, permitindo reconhecer as marcas que o homem construiu e deixou nos territórios. Como observador, realço que o arqueólogo só pode trabalhar com o que se tornou evidente, por escavação ou por reconhecimento e com o que não foi destruído ou que, tendo perecido, deixou vestígio. Sabemos que a “paisagem” é uma construção, uma elaboração mental que os homens concretizam através de “fenómenos” da cultura ou, dito de outra forma, “a Paisagem é resultado do casamento do trabalho do Homem com a Natureza”82.

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81

Edição dos Serviços Cartográficos do Exército. Desenhada em 1934, como resultado de levantamentos realizados entre 1929 e 1933.

82

DOWER, Michael (1999). Le Paysage: Mariage de la Nature et de la Culture. «Patrimoine Européen», 19. p. 19-20.


Figura 21 – Mapa das principais urbes

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Figura 22 – Mapa geomorfológico

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Estamos, assim, desafiados a perceber, através dos vestígios que ainda existem, o que o homem fez neste território ao longo dos séculos. A paisagem que hoje observamos foi construída, com enorme esforço, geração após geração. Gonçalo Ribeiro Telles sintetizou e apontou as características principais da intervenção do homem que contribuíram, decisivamente, para a construção milenar da paisagem. A partir de uma imensa mata de carvalhos onde apenas se caçava, colhia-se o mel e alguns frutos comestíveis, retirava-se lenha e madeira. A árvore dominante nesta mata era o carvalho negral (Quercus Robur) e ao longo dos vales, acompanhando os cursos de água, destacavam-se os freixos, salgueiros, choupos, amieiros e restantes espécies que constituem a mata ribeirinha.83 Esta poderia ser a paisagem contemporânea dos habitantes do castro de Santa Justa, onde terá havido a ocupação mais antiga84, em torno dos 376 metros de altitude. Os homens que aqui viveram certamente lançaram fogo à mata, onde ela ardia mais facilmente, ou seja, nas cumeadas e nos planaltos. Aí, abriram extensas clareiras onde passaram a brotar as pastagens e onde fizeram as primeiras culturas cerealíferas. 85 A construção gradual desta paisagem, ao longo de séculos, foi feita com o esforço dos homens que usavam as terras em torno do que nós denominamos “castros”. Embora a designação de “castro” possa ser adotada para povoados com ocupação de distintas cronologias, em Portugal generalizou-se para os da Idade do Ferro. Os arqueólogos ingleses e franceses usam os nomes hill-fort e oppidum, respetivamente. São lugares habitados nos pontos altos, geralmente reconhecidos pelas construções circulares, em pedra, com cobertura em colmo. Eram núcleos de casas geralmente cercados por muralhas que defendiam as pessoas das remetidas dos animais e da invasão de outras tribos, tal como

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83

TELLES, Gonçalo Ribeiro (1995). Conhecer Portugal: A paisagem dos socalcos. Lisboa: Meribérica. pp. 148-150.

84

Os machados identificados por Rui de Serpa Pinto (PINTO, 1929) foram considerados do Bronze final e José Marcelo Mendes Pinto (PINTO, 1990-1991: 151) integrou-os na fase castreja mais antiga que, genericamente, durou entre 700 e 500 antes de Cristo.

85

ARAÚJO, Ilídio (2003). A Protecção da Natureza e das Paisagens no Planeamento da sua Gestão. In A Utopia e os Pés na Terra – Gonçalo Ribeiro Telles. Lisboa: Ministério da Cultura. pp. 73-95.


A,B – Paisagem primitiva 1. Mata (Carvalhal) 2. Mata ribeirinha 3. Pastagem e seara 4. Lugar fortificado (castros)

TELLES (1995)

Figura 23 – Paisagem primitiva

Figura 24

“A partir de uma imensa mata de carvalhos onde apenas se caçava, colhia-se o mel e alguns frutos comestíveis, retirava-se lenha e madeira. A árvore dominante nesta mata era o carvalho negral (Quercus Robur) e ao longo dos vales, acompanhando os cursos de água, destacavam-se os freixos, salgueiros, choupos, amieiros e restantes espécies que constituem a mata ribeirinha”.

Os homens que viveram nos castros lançaram fogo à mata, onde ela ardia mais facilmente, ou seja, nas cumeadas e nos planaltos. Aí, abriram extensas clareiras onde passaram a brotar as pastagens e onde fizeram as primeiras culturas cerealíferas.

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apontou Estrabão para esta região de “montanheses”. Fora dessas muralhas que envolviam o espaço de habitação da população, estavam as clareiras usadas para as pastagens e para cultura do cereal. Embora não tenhamos um estudo sedimentológico dos solos, a rede de rios, ribeiros e de outras abundantes linhas de água, mesmo que temporárias, poderiam originar alagamentos de solos nas planícies desta região, terras em cotas mais baixas, eventualmente transformadas em sapais que as tornavam pouco atrativas para habitação. José Mattoso, Suzanne Daveau e Duarte Belo86 salientaram o alinhamento de montanhas agrestes que separava nitidamente a região litoral, marítima, da região dos territórios de Valongo e Paredes e estes das bacias que acompanhavam os vales terminais do Tâmega e Paiva e, sobretudo, da região duriense encabeçada por Lamego: a poucos quilómetros do mar estende-se um rebordo de colinas de altitude não muito elevada, mas entre a planura que acompanha a costa e os vales e bacias do interior intercalam-se algumas terras pobres e de difícil percurso. No seu conjunto formam a “Terra Negra”, caracterizada pelos seus pobres terrenos de xisto e de quartzito e pelos vales encaixados que a recortam. Esta região foi sempre muito pouco povoada e escassamente cultivada. A paisagem das suas colinas contrasta fortemente com a do rico “campo” típico do Noroeste, que se estende através dos largos vales abertos num terreno granítico profundamente alterado e impregnado de água, onde se pode instalar uma cultura regada intensamente. Esse alinhamento de montanhas, que dificilmente se podia atravessar, fazia com que fosse mais fácil percorrer o litoral marítimo, hoje a região do Porto, estendendo-se facilmente qualquer influência para norte e para sul, ao longo de eventuais percursos terrestres paralelos à costa do Atlântico. O homem de então também poderia viajar de oeste para este, do litoral para nascente, ao longo do rio Douro e dos seus afluentes mas não temos provas evidentes que o fizesse antes da presença dos romanos neste território. Na investigação, procuramos não só atualizar o inventário das marcas humanas deixadas neste território ao longo dos séculos, mas também observá-las repetidamente. Um dos nossos objetivos foi perceber a “antropização” deste território antes, durante e depois da presença da administração romana.

86

68

MATTOSO, José; DAVEAU, Suzanne; BELO, Duarte (2010). Portugal – O Sabor da Terra. Lisboa: Círculo de Leitores.


Figura 25 – Aspeto atual do sítio onde foi identificada a ocupação mais antiga na serra de Santa Justa – Valongo e onde foram recolhidos os machados que Rui de Serpa Pinto deu a conhecer. Observação de este para oeste. Foto de António Cabeço, 2020.

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c

d a

b

Figura 26 – Campo visual, de noroeste para sudoeste, a partir do castro mais antigo em Santa Justa – Valongo. Podemos observar o castro de Couce (a), o vale do rio Ferreira (b), a serra de Pias (c), a serra do Castiçal (d) e, ainda, as serranias até Arouca e o Marão. Foto de António Cabeço, 2020.

70


d

a b

c

Figura 27 – Perspetiva, com orientação sudeste-noroeste, a partir da serra de Pias – Campo e Sobrado. Avista-se a costa atlântica e a linha de horizonte (a), a aldeia de Couce (b), o castro de Couce (c) e o castro primitivo de Santa Justa (d). Foto de Cristina Madureira, 2020.

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Hoje, com a perspetiva de quem analisa a partir do mar Atlântico, podia dizer-se que a faixa ao longo do mar é, em certos locais, tão estreita que mal se transpõe a primeira montanha interrompe-se a ligação ao mar. A uma curta distância da costa, a região transfigura-se, de repente, em terra do interior, habitualmente menos acessível ou mais rude. Mas foi nesse território que os romanos se instalaram em primeiro lugar porque estrategicamente lhes interessou. Para este estudo sobre Valongo usamos fotografia aérea que foi realizada pela Royal Air Force em 1947, pouco depois de terminada a Segunda Guerra Mundial e num momento em que os solos tinham sido pouco revolvidos pela construção moderna. Tal estudo permitiu-nos concluir e afirmar que, ainda em meados do século XX, estávamos perante vastos espaços, com características predominantemente agrárias, encerrados entre serras. Na perspetiva comparativa que usamos em todas a análises do território, observamos as cartografias mais antigas, salientando as desenhadas entre 1929 e 1933 pelos Serviços Cartográficos do Exército. No entanto, há um expressivo mapa, representativo das estradas municipais e caminhos vicinais do concelho de Valongo, desenhado em maio de 1933 por António Machado, engenheiro civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Nesta cartografia são salientados os caminhos vicinais, traçados de nordeste para sudoeste, ligando as terras em cota baixa, com características agrícolas, aos pontos altos da serra de Santa Justa, atravessando-a para a encosta poente, ligando a Vale de Ferreiro e Fânzeres, em Gondomar. Outros caminhos foram traçados para ligar a Alfena, a Ermesinde e ao vale do rio Leça, confirmando as constatações que o território era predominantemente usado entre as serras, parecendo ser secundária a ligação ao litoral. São caminhos que reúnem todas as características para que possamos reconhecê-los como caminhos antigos, embora não seja possível apontar cronologia específica. Este mapa tem a particularidade de nos indicar as necessidades dominantes de circulação que existiam nas primeiras décadas do século XX, antes da Segunda Guerra Mundial, num tempo em que, predominantemente, ainda se andava a pé e a cavalo ou era usado o carro de tração animal para transporte de mercadorias. Em contrapartida, observa-se a pujança das marcas impostas ao território, na primeira metade do século XIX, pelas estradas nacionais nº 32 e nº 33, tal como aconteceu com a construção das linhas de caminho de ferro do Minho e do Douro, construídas no século XIX, entre 1875 e 1887, ao

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Figura 28 – Mapa desenhado em maio de 1933, salientando as estradas municipais e caminhos vicinais do concelho de Valongo.

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criarem corredores “intransponíveis” que cortaram as parcelas agrárias que, até então, organizavam o território. Não deixa de ser curioso o facto do primeiro viaduto construído na linha do Douro, a seguir a Ermesinde, ter sido designado por “viaduto de Jugueiros”, topónimo marcante de uma área agrícola organizada, com manifesta tradição latina. Se nos abstrairmos destas obras do século XIX, que foram construídas para ligar o litoral ao interior, ainda vemos a estrutura agrária antiga predominante no território de Valongo. Nesta região também se salienta o alinhamento serrano da Terra Negra sai, como um braço estendido, da serra beiroa da Freita. Separa a Terra de Santa Maria da Feira da bacia de Arouca. Prolonga-se para além do Douro através das selvagens gargantas recortadas de Melres e de Meda, onde se situa a pequena mina de antracite de São Pedro da Cova, que, com o seu casario humaniza a paisagem. É nesta área quase deserta que se situa a passagem do rio Douro, até onde chega a penetração da maré. Aí, longe de atrair uma aglomeração ribeirinha importante, como seria provavelmente o caso se o vale fosse largo e fértil, a margem só foi ocupada pelo antigo desembarcadouro de Pé de Mouro, donde outrora partiam os difíceis caminhos que serviam pequenas aldeias distantes e as punham em contacto, através do rio, com o comércio urbano. As serras quartzíticas desabitadas prolongavam-se, a norte do rio, pelas cristas paralelas de Valongo, recortadas pelas gargantas epigénicas do rio Sousa e dos seus afluentes.87 De facto, há cerca de 2000 anos seriam poucos os contactos do litoral atlântico com as terras “interiores” de Valongo, separados como estavam por espaços pouco favoráveis à implantação humana como eram essas colinas agrestes. Na região de Valongo, algumas destas características agrestes são bem evidentes, entre as quais, por exemplo, salientamos os lugares chamados Salto, saltus em latim, com o significado de “passagem estreita, desfiladeiro, garganta num rio, com floresta e bosque”. O topónimo Salto aparece, normalmente, associado a locais montanhosos, penhascos, escarpados e com precipícios. Este surge na literatura alusiva a Valongo, cujo estudo permitiu aferir a sua localização. 87

74

MATTOSO, DAVEAU, BELO, 2010: 240


Nas Memórias Paroquiais de 1758, referentes ao segundo interrogatório à freguesia de Sam Mamede de Vallongo, é feita a seguinte referência: Nam tem rio, só sim hum regato que começa à dita aldeia do [Suzara] e paça no meio do lugar, no sitio chamado a Ponte Carvalha. Outro Regato que começa no sitio chamado [Vilar-mofrisco], e paça no fim do lugar, no sítio chamado a Ponte da Preta, cujas pontes se andam fazendo. Só correm com violência em tempos de Inverno e se vão juntar com o rio da Ponte Ferreira, no sítio que chamam o Salta. Com estas agoas dos ditos regatos moem alguns muinhos Este excerto descreve o ribeiro Simão, que passa no centro da cidade de Valongo, na Ponte da Carvalha, e o ribeiro da Presa, que se juntam na Ilha formando o rio Simão que desagua no rio Ferreira, junto ao Alto do Castelo. Nas Memórias Paroquiais de 1758, referente à freguesia de Sam Martinho do Campo, o rio Ferreira é designado por rio da Ponte Ferreira “[…] no dito sitio a que chamam o Salto, e dahi vai discorrendo pella freguezia de São Pedro da Cova, este se chama o rio de Ponte Ferreira (...)” No mesmo documento, o topónimo Salto surge noutro trecho: Chama-se athé o sitio chamado o Salto adonde o rio chamado Ferreira corta a dita serra, a Serra de Valongo, e dahi logo do mesmo rio continua em grande altura a dita serra e se chama a Serra de São Martinho, pelo cume da qual, à banda do Sul, parte esta freguezia com a de São Romão de Aguiar de Souza e São Pedro de Sobreira. Salto também surge referenciado pelo Padre Lopes Reis, na obra A Villa de Vallongo: Nos montes de S. Justa que dão para o Salto e no alto que se chama Castro ou Crasto foram encontrados, alem de restos de telha de rebordo, um machado de silex e mós de pedra grosseiras com que os Luzitanos trituravam o seixo (quartzo).88 A povoação Romana, que haveria mesmo já depois de Augusto, estendia-se desde o Castro para Couço, que os latinos chamavam Kauso, de Cauçon (palavra Árabe que significa arco de flecha) e para o Salto (nome que os romanos chamavam aos bosques) e pela Agra de Galegos que se estendia pela Chão onde no ano de 40 88

REIS, 1904: 57

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pouco mais ou menos foi levantada pelos povos de toda a Gallecia uma memória em honra de um governador que os tratara humanamente.89 Na descrição dos confrontos entre as tropas de D. Miguel e D. Pedro, Reis faz este relato: …em quanto procurava avançar pela esquerda do exercito miguelista com a sua companhia para tomar posição no logar d’ Azenha, adeante da Chão, no caminho do Salto, viu-se cercado por grande numero de inimigos. Dava-se este facto na quinta, do snr. Francisco Seara pouco mais ou menos.90 Serra do Raio, os montes que se elevam a leste do Salto. 91 Nos apontamentos monográficos, referentes ao concelho de Gondomar, é também referenciado o lugar do Salto: “E mais distantes, ao fundo, uns seis almofarizes, de pequenas dimensões, à beira do rio Ferreira, logo abaixo da ponte da Milhária, no lugar do Salto.” 92 O topónimo “Salto” também aparece associado a outros locais de montanha com precipícios e penhascos, como na Senhora do Salto, em Paredes. As caraterísticas morfológicas de todos os sítios designados por Salto enquadram-se na descrição de locais com “passagem estreita, desfiladeiro, garganta num rio, floresta e bosque”. No caso de Valongo, inferimos que o Salto corresponde ao Alto do Castelo, sito na margem esquerda do rio Ferreira. Também é esta a localização apontada na cartografia das estradas municipais e caminhos vicinais do concelho de Valongo, desenhado em maio de 1933 por António Machado. Em contrapartida, já Joaquim Reis93 apontara que o aperto do rio Ferreira em Chão do Guizo, transbordava-o para Recarei e para o rio Souza, criando uma “albufeira” que existiu muito antes do tempo que abordamos neste trabalho e que terá deixado detritos minerais que enriqueceram os solos durante muitos séculos. Foram esses solos que os romanos encontraram neste território, com a configuração geomorfológica e orológica semelhante à que hoje identificamos, já que pouco se terá alterado nos últimos 2000 anos.

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89

REIS, 1904: 69

90

idem: 172

91

idem: 379

92

OLIVEIRA,1983: 25

93

REIS, 1904: 58


Mas, para se tentar perceber as perceções que os romanos tinham deste território do noroeste, é indispensável conhecer o que, na época, há cerca de dois mil anos, foi escrito, suportando-nos no texto de Estrabão.

A ABORDAGEM DE ESTRABÃO SOBRE O TERRITÓRIO Estrabão, enquanto geógrafo grego ao serviço dos romanos, escreveu 17 livros, assumidos como uma Geografia. Nesses livros, dos quais só o livro VII se perdeu parcialmente, fez referências aos territórios e às populações que integravam o Império. Os livros I e II constituem uma longa introdução à obra. Os livros III a X descrevem a Europa, particularmente a Grécia que ocupou os livros VIII, IX e X. Os livros XI a XVII descrevem a Ásia Menor. O livro XVII descreve a África, onde se salientava o Egito e a Líbia. O Livro III foi dedicado à Ibéria e é o que nos interessa especialmente. Mas pouco tempo durou o conceito de Ibéria, usado pelos gregos e por Estrabão, porque os romanos substituíram-no pelo conceito de Hispânia. Como apontou Helena Carvalho94, …não se tratou de uma mera mudança de designação por vontade política. A designação Ibéria, de matriz grega, indicava um espaço geográfico com tribos e povos com usos e contextos muito variados. Os romanos reconheceram que lhes era impossível dominar essa geografia política e cultural, muito dispersa, complexa e mal conhecida. A emergência da designação Hispania, usada antes da hegemonia romana na Península Ibérica, foi adotada por Augusto e aplicado por Roma para evidenciar um patamar político de progressiva adequação da península a um novo poder, dotado de uma forte capacidade de dissuasão e negociação militares no quadro de zonas de guerra. A aplicação escrupulosa da lei e do direito romano foram instrumentos suscetíveis de suportar as mudanças com que, ao longo do tempo, os romanos modificaram as formas de entender as relações humanas e sociais, as formas de poder, a sociedade global. Como muito bem sintetizou Helena Carvalho, 94

CARVALHO, Helena Paula Abreu (2010). A Construção do Espaço Ibérico em Época Romana. Conceitos, Escalas e Modelos de Desenvolvimento. «Revista de História das Ideias», 31, pp. 9-25.

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este horizonte político da Hispânia em detrimento da Iberia constituirá um garante de longa duração das elites locais criadas e recriadas no quadro da hegemonia romana. O que estava em jogo era a vinculação de um vasto espaço geográfico a uma unidade de poder, o imperium de Roma, suportada na construção de uma massa cívica com um conjunto de direitos e deveres cívicos que enquadrava a evolução local das comunidades. Embora a Hispânia fosse o mesmo espaço geográfico da Ibéria, passou a ser um espaço onde foram aplicados processos políticos motivados por interesses estratégicos e jogo de forças sociais que, embora por vezes saídos de lutas e guerras, procuravam a sedimentação simbólica de uma pax romana. Estrabão, descendente de uma família ilustre grega da Ásia, nasceu em Amásia, na Capadócia, já então uma província integrada no Império Romano, viveu entre 63 e 25 depois de Cristo, trabalhou para o Imperador Augusto no final do século I antes de Cristo e no início do século I depois de Cristo, no momento em que o Império estava praticamente no seu apogeu político, apesar de o apogeu territorial ter sido atingido com o Imperador Adriano, no século II, mais de cem anos depois da afirmação política de Augusto. Estrabão terá viajado muito. Ainda jovem, terá estado em Roma muito tempo, assim como também terá estado muito tempo na Ásia Menor, em Alexandria do Egito e na Etiópia. Mas, em contrapartida, para ocidente, não terá passado de Roma. Apesar de não ter viajado para o ocidente, foi incumbido de descrever todos os territórios do Império Romano. Como já apontamos, concretizou a publicação de uma Geografia95, na qual englobou, no livro III, o território que é hoje Portugal. Sabe-se que Estrabão não percorreu este território, tendo descrito o Noroeste da Ibéria através de testemunhos e, também, através de compilação de informações recolhidas de autores antigos. A Geografia de Estrabão tem a singularidade de ser uma das raras obras antigas de geografia que nos chegaram quase integralmente e tem, entre outros, o interesse de ter sido escrita na 95

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Ao longo deste livro, usam-se como referência três edições da Geografia escrita por Estrabão: uma versão portuguesa, com traduções e comentários de Francisco José Velozo e José Cardoso, editada em 1965, no Porto, pelo Centro de Estudos Humanísticos, uma edição espanhola, com traduções e comentários de M.ª José Meana Cubero e José Millán León, editada em 1989, em Madrid, pela Editorial Gredos, e ainda a edição da Universidade de Coimbra, em 2016, da responsabilidade de Jorge Deserto e Susana da Hora Marques Pereira.


época do Imperador Augusto, período de profundas mutações para todas as regiões do Império Romano e especialmente para a Hispânia. Na edição da Geografia, publicada em 2016 pela Universidade de Coimbra96, é salientado que Estrabão decidiu dedicar-se em primeiro lugar à Península Ibérica, porquanto região limítrofe do ocidente europeu, adequada para principiar uma descrição que, na senda da tradição expositiva de Hecateu (séculos VI-V a. C.), inicia a sua rota no ocaso e se dirige para levante. Parte do menos familiar e mais distante, tendo em conta a situação geográfica de Roma, para o mais próximo. Desse confim longínquo da terra habitada, e por isso mesmo outrora inspirador de diversas lendas (cf. e. g. o mito das Hespérides), Estrabão vai tomando um conhecimento mais informado e preciso, que não resulta da observação direta, uma vez que o autor não chegou a visitar essas paragens, mas de testemunhos orais, nem sempre fiáveis e coerentes, e, sobretudo, da leitura de diversas fontes escritas, referidas e citadas de modo reiterado ao longo do tomo III. O geógrafo reúne esses testemunhos, confronta-os e apresenta-os criticamente, discutindo-os e evidenciando a sua opinião pessoal, para a qual não deixa de ter em consideração elementos de uma época que ele próprio vivenciou e que marcou a sua Geografia – a da expansão do império romano, com particular destaque, neste volume III, para a romanização de toda a Península Ibérica, favorecedora da desejável pax augusta (cf. nomeadamente 3. 3. 8, momento em que Estrabão se refere às campanhas romanas nas Astúrias e na Cantábria, acontecimentos da história do seu tempo dos quais era imprescindível dar notícia, sublinhado uma relação estreita entre a sua geografia e as transformações históricas contemporâneas). Entre as suas fontes para o tomo III, cujo conhecimento de alguns fragmentos textuais devemos precisamente à obra estraboniana, conta-se, pois, a épica homérica, que decerto teve um papel de relevo na educação do geógrafo de Amásia, porquanto lhe reconhece autoridade manifesta na sua obra.

96

DESERTO, Jorge; PEREIRA, Susana H. M. (2016). Geografia Livro III – Introdução, Tradução e Notas. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

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A dimensão geográfica do Império tornou-o multiétnico, multicultural e multirracial, tal a diversidade de tribos e de povos. Sobre a pluralidade dos povos e das línguas que integravam o império, quando se referiu à Hispânia, Estrabão escreveu que Os Turdetanos são tidos como os mais cultos de entre os habitantes da Hispânia. Conhecem a escrita e possuem como memória do seu velho passado, crónicas históricas, poemas e leis, segundo dizem, de seis mil anos de antiguidade. Os outros povos da Hispânia também têm escrita, mas não uniformizaram os símbolos; pois tão pouco falam uma só língua senão que cada povo tem a sua própria.97 Tal como neste exemplo, em que comenta características do povo que habitava a Turdetânia, que era a região que abrangia o vale do rio Guadalquivir, do Algarve até Serra Morena, ocupando a maior parte da atual Andaluzia, Estrabão também nos indica identidades de outros povos indígenas. Por transmitir informações deste tipo sobre os distintos povos, compreende-se a importância que os arqueólogos atribuem à Geografia de Estrabão, tornando-se uma obra incontornável para todos os trabalhos de arqueologia e de história antiga desenvolvidos sobre o território do Império Romano. Mas, para reconhecer a dimensão que a obra transmite, torna-se necessário compreender e salientar o contexto histórico, político e cultural em que a Geografia foi escrita. Contemporâneo do fim da República romana e do início da governação do Imperador Augusto, Estrabão era um homem de cultura partilhada, a grega e a romana. Nasceu na Grécia, em 63, no mesmo ano em que nasceu Augusto, em Roma. Nesta Geografia, o território foi descrito de sul para norte, condizente com a lógica mediterrânica do poder político e económico que irradiava de Roma, de onde foi conformando gradualmente o Império ao longo dos séculos. Apesar de alguns investigadores questionarem a leitura acrítica de Estrabão, é muito interessante interpretar as referências explícitas que nos deixou sobre o Noroeste da Ibéria.

97

80

VELOSO, CARDOSO, 1965: 1-6


Assumindo a sua formação de geógrafo, salientou os rios, descrevendo as condições de navegabilidade do Sado, do Tejo, do Mondego, do Vouga, do Douro e do Minho. Do realce que foi feito, pode-se inferir que estes rios já então assumiriam papel estratégico na lógica do ordenamento e do aproveitamento económico que o romano projetava nas regiões para que se expandia. A região de que falamos é próspera, e grandes e pequenos rios a atravessam, todos vindos das bandas de nascente e paralelos ao Tejo. A maior parte deles são navegáveis e têm pepitas de ouro. Depois do Tejo os rios mais conhecidos são o Mundas (Mondego), navegável em pequenos trechos, e o Vácua (Vouga) em idênticas circunstâncias. Depois destes, o Douro, que, vindo de longe, corre perto de Numância e de muitas outras cidades dos Celtiberos e Vaceus, e é navegável por barcos de grande porte num curso de cerca de oitocentos estádios.98 Na perspetiva romana, o comprimento do rio Douro era de cerca de 5000 estádios, dos quais 800 navegáveis. O stadium, em latim, expressava uma medida de comprimento usada na Grécia, cujo padrão era a pista de corrida de Olímpia, com 625 pés, nas medidas romanas, correspondendo a cerca de 185 metros de comprimento. Neste sentido, a informação que nos é dada apontaria a navegabilidade da foz do rio Douro até ao “Cachão da Valeira”, o que era verdadeiro, na medida em que esse obstáculo só foi destruído em 1792. Sobre os povos que habitavam este território, Estrabão99 apontou: É à volta de 30 o número de povos que habitam a região que se situa entre o Tejo e os Ártabros. Apesar de ser rica em frutos, em gados, em ouro, em prata e em muitos outros metais, a maior parte desses povos, negligenciando os meios de subsistência que a terra produzia, passam a vida na pilhagem e numa guerra contínua de uns com 98

VELOSO, CARDOSO, 1965: 38

99

idem: 40

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os outros, ou, atravessando o Tejo, com os seus vizinhos, até que os romanos lhes acabaram com este viver, subjugando-os, reunindo-os nas suas “simples aldeias”, reagrupando algumas, tornando-se melhores. Estrabão usa a palavra subjugar com o significado que lhe era dado em latim, sinónimo de submeter pela força das armas e conquistar. Também foi usada a palavra “reagrupar”. Os romanos aplicaram em vários pontos do Império a técnica do reagrupamento, consistindo na deslocação de populações do seu ponto original de habitação, um castro, para outros locais, distantes ou próximos, onde eram reinstalados. Referindo-se ao modo de estar destes povos indígenas do noroeste nos tempos ainda antes da “subjugação e do reagrupamento” feito pelos romanos, Estrabão também apontou: Estavam os montanheses nesta anarquia, como é natural, visto que vivendo miseravelmente e possuindo poucos haveres, apeteciam o dos outros. E como estes, para se defenderem deles, fatalmente descuravam as suas próprias tarefas, de tal modo que, em vez de agricultarem a terra, também andavam continuamente em guerras. Apesar dos exageros de análise que este autor grego, ao serviço dos romanos, possa ter escrito, as informações que nos transmite são de extraordinária importância e permitem-nos a confrontação com os resultados que a investigação arqueológica foi reunindo nos últimos anos. Permite denotar as principais etapas da conquista da Hispânia pelos romanos, reconhecer que o avanço estratégico teve fases cronologicamente identificadas e mostra, sobretudo, as dificuldades que tiveram os romanos em concretizá-la, pois de contrário não teriam demorado tantos anos a fazê-lo. Como apontou Tito Lívio, “a Hispânia foi a primeira região a ser invadida, na costa mediterrânica, e a última a ser dominada, na costa atlântica”. De acordo com Estrabão, próximo da nascente do Douro localizava-se Numância, uma estratégica cidade celtibérica que marcava, não só o vale do rio, mas assinalava o pleno acesso aos territórios ao norte da Meseta. Até ao ano 133 antes de Cristo , Numância sofreu vários ataques e prolongado cerco por tropas romanas comandadas por Cipião Emiliano. A conquista desta cidade ficou assinalada pelo heroísmo dos seus habitantes que se suicidaram em massa para não se sujeitarem aos romanos. Depois de longa luta e cerco, os romanos puseram termo ao obstáculo numantino, sentindo com isso que estava aberto caminho à conquista de toda a bacia do Douro, de que o rio era a coluna vertebral.

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No Noroeste da Hispânia há que reconhecer, por exemplo, que a comprovada implantação dos oppida nos pontos elevados, nas montanhas, incentivava o isolamento e facilitava a afirmação de lógicas tribais. O oppidum (os oppida) é sinónimo de “castro” no Noroeste da Hispânia, com o significado de aglomerado urbano situado num ponto alto, delimitado por muralhas, constituído por casas de planta circular e com cobertura em colmo. Cronologicamente, os oppida, identificados genericamente com o último milénio, são associados à Idade do Ferro. A investigação sobre a cultura castreja foi alvo de vários trabalhos, de que se salientam os de Armando Coelho Ferreira da Silva100 e de Manuela Martins101, nos quais os autores propuseram quadros cronológicos com diferentes perspetivas, fases de desenvolvimento e balizas cronológicas para o período entre 900 antes de Cristo e meados do século I, sendo evidenciado por ambos os investigadores o período de charneira entre o final do século I antes de Cristo e o início do século seguinte. O mesmo foi reafirmado por Jorge de Alarcão quando escreveu sobre a evolução da cultura castreja102. É precisamente neste período do final do século I antes de Cristo que Estrabão faz a descrição do território de sul para norte, evidenciando que “os últimos eram os calaicos, que ocupavam em grande parte as montanhas...” Na região de Valongo, os castros foram construídos em torno dos 200 metros de altitude, com exemplo evidente em Couce. Décimo Júnio Bruto, quando comandou o exército romano no avanço para norte e atravessou o rio Douro pela primeira vez em 137 antes de Cristo, foi confrontado com um povo, os Callaeci (Calaicos). Este nome terá sido adotado e usado pelos romanos para designar o conjunto de todos os povos no Noroeste, apesar de serem diversos e distintos. Como afirmou Jorge de Alarcão, “a parte terá sido tomada pelo todo”103.

100

SILVA, A. C.F. (1986). A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal. Paços de Ferreira: Museu Arqueológico da Citânia de Sanfins.

101

MARTINS, M. (1990). O Povoamento Proto-Histórico e a Romanização da Bacia do Curso Médio do Cávado. Braga: Universidade do Minho.

102

ALARCÃO, J. (1992). A Evolução da Cultura Castreja. «Conímbriga», XXXI, pp. 39-71.

103

ALARCÃO, J. (1999). O Domínio Romano em Portugal. In Nova História de Portugal das origens à romanização. Lisboa: Editorial Presença. p. 353.

83


Figura 29 – Aspeto atual da zona superior do castro de Couce – Valongo. Observação de sudoeste para nordeste. Foto de António Cabeço, 2020.

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Embora os Callaeci pudessem circunscrever-se a território mais limitado, que Alain Tranoy104 situou imediatamente a norte do rio Douro, os romanos entenderam-nos como representantes do Douro ao Minho, ao Gerês e da Cabreira ao Marão. Num ponto do seu texto, Estrabão faz referência específica aos castrejos que viviam na região do rio Douro: Dos que habitam junto do rio Douro, diz-se que vivem à maneira dos Lacedemónios, untam-se duas vezes ao dia e tomam banho de vapor que fazem com pedras ao rubro; tomam banho de água fria e se alimentam uma só vez ao dia, sendo a refeição limpa e frugal.105 Faz aqui comparação com os Lacedemónios, tribos gregas de Esparta que ele bem conhecia, demonstrando uma perspetiva etnológica geograficamente alargada. Certamente que Estrabão acolhia o mesmo conceito de tribo, entendida como população humana com um nome, com um mito de ancestralidade comum, memórias e elementos culturais partilhados, um sentido de solidariedade e um laço com um território histórico reconhecido como terra de antepassados. Sobre a descrição dos indígenas Calaicos também apontou: Todos estes montanheses são frugais: bebem água, dormem no chão... Comem principalmente caprinos. Os montanheses durante dois terços do ano alimentam-se de lande de carvalho. Secam-nas, trituram-nas, moem-nas e fazem com elas pão, que pode guardar-se durante muito tempo. Bebem também cerveja. Vinho, têm falta dele, e o pouco que logram, rapidamente o consomem nos banquetes familiares. 106

104

TRANOY, A. (1981). La Galice romaine. Recherches sur le Nord-Ouest de la péninsule Ibérique dans l’Antiquité. Paris: Centre Pierre Paris. p. 65.

105

VELOSO, CARDOSO, 1965: 41

106

idem: 36-40

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Noutro ponto do texto, Estrabão salientou que “em vez de azeite, usam manteiga” e que o “seu sal é vermelho púrpura, mas, triturando-o, torna-se branco”. Esta descrição dos produtos usados na alimentação, principalmente sobre o fabrico do pão a partir da farinha da lande do carvalho, demonstra a pouca importância que era dada à agricultura, o que podia explicar-se pelas difíceis condições naturais dos espaços que exploravam, situados em torno dos castros implantados em pontos elevados. Neste território do Noroeste, as produções agrícolas seriam de subsistência, de acordo com os textos de Estrabão. Em contrapartida, a criação de gado seria dominante, usando pastos nos solos envolventes dos oppida. Mas Estrabão só referiu a abundância de cabras e bodes, que os indígenas usavam na alimentação e como oferendas religiosas. Pode ter havido uma perceção limitada por parte dos observadores, certamente confrontados com o que estavam habituados a ver nas terras do sul mediterrânico, onde os recursos de montanha tinham a vantagem de serem diversificados, indo desde os olivais, laranjais e vinhas das encostas baixas às grandes florestas e pastagens das zonas altas. Em contrapartida, a atividade pecuária já estava diversificada por carneiros, ovelhas, cabras e também bovinos. Estrabão fez também algumas interpretações sobre o caráter e o comportamento das populações que encontrou e sobre as quais escreveu: Andam todos vestidos de preto, e no geral, com os sagos com que dormem nos seus leitos de palha, servem-se de vasos de madeira, como os Celtas. As mulheres usam saias e vestidos com adornos florais. Em vez de moedas, utilizam a troca de mercancias. Tomam as refeições sentados em bancos construídos em redor das paredes, onde os convivas tomam os primeiros lugares segundo a idade e a categoria social. A comida circula de mão em mão. Casam-se com uma só mulher como os Gregos. Praticam ainda exercícios físicos ou com armas ou a cavalo, exercitando-se para o pugilato, e a corrida, e as escaramuças, e os combates campais.

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Estrabão também escreveu sobre o que poderiam ser ambientes de festa: Enquanto bebem, bailam e fazem coros ao som de flauta e da trombeta, dando saltos no ar e caindo de joelhos. As mulheres dançam também misturadas com os homens, dando-se mutuamente as mãos. Tal é a vida dos povos montanheses que habitam o lado norte da Ibéria: os Calaicos, os Astures e os Cântabros. Entre os Calaicos estavam as tribos que habitavam a região de Valongo, genericamente os Bracari. Os povos montanheses que habitam o lado setentrional da Ibéria, como os Calaicos, os Astures e os Cântabros, têm rudeza e selvagismo, que resulta não só dos seus costumes guerreiros, mas também do seu afastamento. Sendo longos os caminhos por terra e por mar para chegar até eles, não tendo relações com outros, não têm sensibilidade e humanidade. Esta é uma noção de periferia que é apontada ou interpretada a partir do centro de então, a partir da cidade de Roma. Numa interpretação atual, perante o que conhecemos da região, reconhecemos que esta noção de periferia no século I foi certamente assumida como um desafio. Na periferia, aparentemente tudo está mais longe, tudo é mais difícil de atingir. Estrabão termina esta análise afirmando que “porém, hoje sofrem menos deste mal, em virtude da paz e presença dos romanos.”107 Neste texto, é evidenciada uma noção de periferia do território do Noroeste da Hispânia perante o resto do território do Império. Esta evidência é especialmente importante porque no século I antes de Cristo os romanos já estavam numa fase avançada da expansão da política sobre o território da Hispânia, na medida em que a costa mediterrânica já estava “romanizada” há cerca de 200 anos, pois desde o século II antes de Cristo tinha sido organizada, urbanizada e integrada na economia romana. Podemos analisar, por exemplo, o caso da cidade hoje 107

VELOSO, CARDOSO, 1965: 43-45

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chamada Ampúrias, na atual Catalunha, construída por colonos comerciantes gregos em 575, considerada como porto de comércio e de mercado, por isso chamada Emporion. Os romanos chamaram-lhe Emporiae, em latim, remodelando-a profundamente em torno do ano 100 antes de Cristo, momento em que também ocuparam muito do território litoral onde implantaram uma organização agrária modelar, de que pode servir de exemplo o parcelário em actus quadratus na região de Valência. Em contrapartida, o homem do Noroeste Atlântico, segundo Estrabão, dois séculos depois da romanização da zona mediterrânica, ainda habitava a montanha e dispersava-se por dezenas de tribos que pulverizavam qualquer sistema económico e político que os romanos quisessem implantar, contrariando todos os esforços de “romanização”. Não sabemos com rigor qual o conceito que Estrabão estava a transmitir quando escrevia que “agora sofrem menos o efeito deste afastamento em virtude da paz e presença dos romanos”108, na medida em que podia ser entendido como defesa da submissão de identidades indígenas, mas também podia ser entendido como defesa orgulhosa do processo de aculturação e até como busca de “globalização” da cultura romana, com predomínio económico, cujo controle tudo justificaria. Apesar de periférico, há que reconhecer que o território do Noroeste sofreu profundas alterações que o integraram no “mercado comum” de então, vulgarmente conhecido por “Império Romano”. Foram alterações que perspetivaram novas políticas económicas, agrícolas e florestais, mas também sociais e culturais. Apesar das políticas de reagrupamento que possam ter existido, certamente que os vários povos que habitavam nos oppida situados em pontos altos continuaram a viver sobre o território, persistindo com as suas idiossincrasias. Nós, hoje, para separar estes povos dos romanos limitamo-nos ao prefixo pré- e dizemos romanos e pré-romanos. Parece demasiado simples. Sobre a região de Valongo, Joaquim Reis109 escreveu que “nos montes de Santa Justa que dão para o Salto e no alto que se chama Castro, foram encontrados vestígios arqueológicos”. Apesar de muito sumária, esta informação é relevante para compreendermos a construção deste território.

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108

VELOSO, CARDOSO, 1965: 45

109

REIS, 1904: 57


Mas o que conhecemos da região não permite conclusões sobre o ordenamento que os romanos impuseram, principalmente no reconhecimento que possam ter tido das comunidades indígenas que habitavam a região, assim como a sua integração e definição dos seus estatutos jurídicos, os quais tinham implicação direta na produtividade do território e na gestão dos agri, solos com qualidades agrícolas, assim como nos demais recursos naturais, como o minério. Também nada sabemos sobre a adesão dos indígenas a eventuais propostas romanas de integração em políticas por si definidas. A coesão territorial que os romanos queriam, para seu bem político e económico, estava muito dependente do comportamento das comunidades indígenas, das situações de conflito ou situações de fidelidade. Mas todas estas situações estavam também muito dependentes do caráter, das formas e métodos usados pelos militares e políticos interlocutores. Se, aparentemente, a Callaecia foi conquistada sem lutas sangrentas e duradouras, não podemos esquecer a luta que os romanos tiveram durante cerca de dez anos contra os Cântabros e os Astures, entre 29 e 19 antes de Cristo, as quais procuravam controlar a zona mais distante da Hispânia e, com isso, confirmar o desejo de Augusto ter fronteiras naturais para todo o Império, levando-o até aos Mares Atlântico e Cantábrico e, em simultâneo, acabar com as lutas entre tribos locais e destas contra os romanos. Estava também em causa a riqueza do subsolo e a sua exploração não podia, na ótica romana, estar dependente do ambiente de guerrilha. Estrabão, na Geografia (III,7-8) salienta mas hoje acabaram todas estas guerras. Os próprios Cântabros, que ainda no nosso tempo se dedicam ao bandoleirismo, foram submetidos por Augusto; e assim, em vez de devastarem as terras dos aliados do povo romano, hoje em dia [...] pegam em armas ao lado dos Romanos. Acabada esta guerrilha, o ambiente económico foi claramente melhorado. O mesmo acontecia com a exploração agrária, a criação ovina e caprina, a exploração florestal e os produtos que o mar Atlântico até ao golfo da Biscaia podia propiciar. Tal “globalização”, com fronteiras naturais era desígnio dos romanos, como escreveu Virgílio (Publius Vergilius Maro), autor do século I antes de Cristo, na Eneida, quando, no capítulo VII,

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apontou os limites do Império romano e expressou “Tudo o que o Sol contempla no seu curso, de um a outro Oceano, tudo verão mover-se a seus pés”.110 Foi também Virgílio que, no capítulo VI, apontou a “missão dos romanos” expressando que “outros modelarão, bem o creio, bronzes com vida e sem dureza; extrairão do mármore seres animados; defenderão melhor as causas, medirão com o compasso o curso dos céus e anunciarão o nascer dos astros”. Certamente que se referia aos Gregos e aos povos do médio oriente. Em contrapartida, apelava a que “tu, romano, sê atento a governar os povos com o teu poder – estas serão as tuas artes – a impor hábitos de paz, a poupar os vencidos e derrubar os orgulhosos”. Atentemos ao que foi feito na região de Valongo, neste território atlântico e “periférico” onde os romanos promoveram reformas profundas ao longo do século I, as quais estão bem identificadas na bacia do Douro. De facto, a arqueologia e os seus métodos de investigação têm-nos ajudado a compreender a descrição que Estrabão fez da paisagem dos castros, situados nos pontos altos das montanhas, cujas encostas estavam dominadas por carvalhais. A romanização manifestou-se em todo o território por uma profunda transformação das paisagens e modos de viver. Persistiram alguns castros, insinuando-se no seu arcaísmo influências da nova civilização; mas a maior parte foi abandonada depois da conquista da sua população porque os romanos preferiram atrair às terras baixas, afastando das suas vias o perigo que constituíam estes lugares muralhados, tão propícios ao ataque como fáceis de defender. Como apontou Orlando Ribeiro111, a economia de montanha, com episódicas culturas de cereais nas encostas e larga utilização de produtos dos bosques, cedeu lugar ao aproveitamento intensivo dos melhores solos da planura e do vale, com emprego regular do arado de madeira, de tipo mediterrâneo. Se não introduziram plantas novas, desenvolveram o cultivo do trigo, da vinha, da oliveira e das árvores de fruto. É reconhecido que, em todos os territórios sob gestão do Império, a estratégia impunha o uso de muita mão-de-obra para cultivar a terra, assumindo a agricultura como um forte contributo para a “nova economia” que foi gradualmente “construída” com a expansão romana. Esta era a perspetiva defendida por aqueles que, ao contrário dos que optavam pela opressão militar, propunham uma romanização que consistia no equilíbrio entre medidas de força e incentivos

90

110

PEREIRA, 1976: 91

111

RIBEIRO, Orlando (1989). Geografia de Portugal: O Povo Português. Lisboa: Sá da Costa. p. 653.


através da repartição de terras. Daqui se pode entender parte da afirmação de Estrabão quando escrevia “… hoje sofrem menos deste mal, em virtude da paz e da presença dos romanos”. Com esta afirmação queria expressar a diferença, a melhoria de produtividade dos povos do Noroeste da Hispânia, os mesmos que antes tinham sido muito criticados pela “renúncia a viver da terra.”112. No livro III da Geografia é evidenciada a existência de florestas, bouças de carvalhos, mas, em contrapartida, o autor não referiu os castanheiros, os soutos. Autores recentes confirmam essa mesma perspetiva, nomeadamente Carlos Aguiar e Bruno Pinto no texto Paleo-história e história antiga das florestas de Portugal continental 113. Eventualmente, o castanheiro não foi identificado pelos informadores de Estrabão porque não conheciam a espécie, na medida em que não seria abundante na zona mediterrânica. Em Valongo, a floresta era certamente dominante, tanto mais quanto as serras acolhiam condições favoráveis. Apesar da escassez de escavações, a arqueologia permite reconhecer alguns indicadores materiais, quer pelos denominados achados que essas escavações identificam, quer pelas consequentes estratigrafias. Nesta perspetiva, o texto de Estrabão é conciliável com o que a arqueologia tem vindo a comprovar. Assim, se o texto é credível neste setor do conhecimento material, vulgarmente reconhecido pelas ruínas ou restos, também podemos inferir que o é para a componente imaterial. Mas, quando falamos de restos pré-romanos, e porque nesta característica sente-se, ou pressente-se, o caráter dolente e melancólico daquele prefixo pré-, salienta-se que sendo romana a decisão e condição de subsistência, na perspetiva da nova economia da época, o resto tornou-se apenas no rasto de substratos. A cultura autóctone parece ter cedido a uma outra, contaminante, dominante e, frequentemente e por definição, quase sempre eliminadora. Como apontou Patrick Le Roux114, são ainda desconhecidas muitas das relações entre governados e governantes nos territórios conquistados. Seria essencial conhecer mais sobre as noções de passagem, de progressão, de mutação, de metamorfose das relações entre uns e outros, de testemunhos de transição para uma “nova identidade”. 112

VELOSO, CARDOSO, 1965: 40.

113

AGUIAR, Carlos; PINTO, Bruno (2007). Paleo-história e história antiga das florestas de Portugal continental até à Idade Média. In Floresta e Sociedade, Uma história em comum. Lisboa: Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. pp. 15-53.

114

LE ROUX, Patrick (1995). Romains D’Espagne, Cités et Politique dans les provinces. Paris: Armand Colin. p.17.

91


Quando as populações indígenas de um território eram vencidas pelas armas, ou espontaneamente se entregavam a um general romano (dedicio), este fazia a comunicação ao senado, o qual determinava, por um senatus-consultum, a organização a aplicar a esse novo território, mandando uma comissão de senadores, geralmente dez, decem legati senatores. Dos senadores que vieram à Hispânia, depois da conquista de Numância, em 133, falou Apiano, historiador romano115, os quais trataram de dar execução, como era costume, ao decreto orgânico que constituía a lei da província, in proviciam formam redigere. Mas nada sabemos sobre presenças no território de Valongo.

IDENTIDADE E CARÁTER DO TERRITÓRIO A observação da atual paisagem da região de Valongo, tal como acontece em muitos outros sítios, aconselha a que se desenvolvam distintos planos de contemplação que, apesar da subjetividade dos investigadores que a fazem, persegue etapas metodológicas que buscam a leitura compreensiva da diversidade de configurações do território. A observação parte sempre de uma vista geral, global, a que se sucede a redução a um plano médio, em que salientamos e selecionamos “todas” as distintas marcas nele construídas pelo homem, para concluirmos com a vista seletiva, salientando a especificidade, o detalhe representativo ou significativo, de cada uma das marcas. Ao uso destes três planos de contemplação acrescentamos a cronologia de cada uma das marcas e, assim, percebermos a dinâmica da paisagem ao longo do tempo, que geralmente é reconhecida e evidenciada pelas transformações evidentes. Numa primeira identificação e caracterização da paisagem, que se ocupa tanto do significado dos seus elementos constitutivos ou estruturantes, como também da sua expressão em fisionomias diferenciadas, reconhecemos que na região de Valongo predominou, ao longo dos séculos, um caráter manifestamente rural.

115

92

Rodrigo Jiménez da Rada refere esta presença no manuscrito, em latim, De rebus hispanie, cap.99, na primeira metade do século XIII. JIMÉNEZ DE RADA, Rodrigo (1989). Historia de los hechos de España. Introducción, traducción, notas e índices de Juan Fernández Valverde. Madrid: Alianza Editorial.


Tal constata-se também pela concentração dos topónimos de origem mais antiga nas áreas identificadas como rurais com parcelário de características romanas, como constatamos no trabalho de Paula Costa Machado116. Parece-nos evidente a influência e decisão de organizar as terras agrícolas com a chegada dos romanos, tanto mais que não temos evidências que nos mostrem que os solos no vale, apesar de ricos, fossem usados pelas populações indígenas pré-romanas. Julgamos que estes indígenas estavam mais vocacionados, até condicionados, para trabalharem os terrenos que envolviam os castros. O uso destes solos enriquecidos do vale parece ter sido muito intenso com a reforma que os romanos promoveram para aumentar a produção agrícola, assumida em todo o território do Império como suporte fundamental para a economia. Também aqui, a montanha foi, certamente, uma fábrica de homens para serviço de terceiros, como apontou Braudel para o mediterrâneo117. Foi lenta e progressivamente que a ocupação humana se expandiu das zonas altas para os baixios febris, domínio de águas, doces e salobras, difíceis de controlar. A maioria das planícies habitadas são o culminar tardio de penoso trabalho de séculos de esforços coletivos. No entanto, o que vulgarmente mais se salienta é a exploração mineira, desenvolvida no território de Valongo durante a governação dos romanos, entre os séculos I e V depois de Cristo. De facto, reconhece-se que há cerca de 2000 anos o território de Valongo era habitado, fruído e trabalhado por populações indígenas, aos quais se juntaram os romanos que estavam empenhados em governar o mundo então conhecido, neste caso o finisterra atlântico. Ao processo muito complexo de influências mútuas, que então se desenvolveram, modernamente começou a chamar-se “romanização”. É um fenómeno com implicações, por exemplo, nas situações jurídicas dos indígenas conquistados e dos colonizadores, nas estruturas sociais e económicas, e também nas relações dos indígenas e das elites locais com o poder romano. Também podemos falar de romanização linguística e da penetração do latim, da romanização material com a introdução de novos gostos nos utensílios e no vestuário, na romanização das crenças religiosas e dos ritos funerários, na romanização da arquitetura e do urbanismo, na romanização do comércio e da moeda, na romanização da vida quotidiana, quer rural quer urbana, na romanização da administração em virtude da organização das terras, da criação do ager publicus e da organização das gentes, do reagrupamento e da criação de novos povoamentos, para além de muitas outras influências culturais. 116

volume 2.

117

BRAUDEL, Fernand (1983). O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico. I. Lisboa: D. Quixote. pp. 42-43.

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O POVOAMENTO INDÍGENA Para abordar o povoamento indígena, é fundamental reconhecer as marcas que existem, e persistem, no território de Valongo e interpretar o seu significado. Mas o território de Valongo não tem sido alvo de estudos sistemáticos sobre a ocupação antiga, embora tenha havido escavações arqueológicas em sítios específicos, como na Corredoura e na Ivanta. No entanto, no âmbito dos planos diretores municipais, foram realizados trabalhos de inventário sob a coordenação de Marcelo Mendes Pinto, em torno de 1990, e sob a coordenação de Ricardo Teixeira, em torno de 2010. Os autores foram unânimes em identificar dois castros com características que permitem reconhecê-los como marcas de povoamento indígena. São os castros localizados na serra de Santa Justa. Um foi construído numa plataforma da serra virada a leste e outro implantado na vertente virada a sul. O primeiro é denominado “Alto do Castro” ou “Cavadas dos Castros”, o outro, denominado castro de Couce, terá assumido a designação do sítio conhecido pela população. Para além das informações de Ricardo Teixeira, em 2010, e das publicadas por Marcelo Mendes Pinto cerca de 20 anos antes, juntamos referências anteriores de outros autores118sobre cada um dos castros. O castro denominado “Alto do Castro”, ou “Cavadas dos Castros”, também por vezes citado por Santa Justa, existe num “esporão localizado na vertente da Serra de Santa Justa, formando uma plataforma virada a Leste”.119 No relatório do PDM de 1995 é referido o aparecimento de “espólio escasso” que parece apontar uma “cronologia atribuível ao Bronze Final”. Rui de Serpa Pinto, em 1929, reconheceu “o aparecimento de 2 machados de talão com dois anéis, em bronze, do tipo Monteagudo 35, atribuídos ao Bronze Final, provenientes do Alto de Santa Justa”120.

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118

REIS, 1904: 57; SILVA, 1986: 85

119

PINTO, 1992

120

PINTO, Rui de Serpa (1929). Machados de Bronze do Museu Municipal do Porto. «Portucale». II, p. 421.


Figuras 30 e 31 – Machados identificados por Rui de Serpa Pinto, em 1929. Integram o acervo do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa. Fotos de António Cabeço, 2020.

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Figura 32 – Aspeto geral da quinta da Ivanta – Valongo, intervencionada por escavação arqueológica, sob a responsabilidade de arqueólogos da empresa Arqueologia e Património. Observação aérea de nordeste para sudoeste. Foto de Arqueologia e Património - Ricardo Teixeira & Vítor Fonseca, Lda, 2004.

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Figura 33 – Marcelo Mendes Pinto iniciou escavações na quinta da Ivanta - Valongo em janeiro de 1999, cujos resultados apontaram uma cronologia de uso desde inícios do século I depois de Cristo. Semelhante cronologia foi apontada pelos trabalhos mais tarde realizados sob coordenação de Ricardo Teixeira. Observação de sudeste para noroeste. Foto de Arqueologia e Património - Ricardo Teixeira & Vítor Fonseca, Lda, 2004.

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Marcelo Mendes Pinto integrou-os na fase mais antiga da cultura castreja, de acordo com o faseamento proposto por Armando Coelho F. Silva121 ou por Manuela Martins.122 Já na obra de Joaquim Reis123 este sítio, que o autor denomina “Castro ou Crasto”, tinha sido referido: Nos montes de S. Justa que dão para o Salto e no alto que se chama Castro ou Crasto foram encontrados, alem de restos de telha de rebordo, um machado de silex e mós de pedra grosseiras com que os Luzitanos trituravam o seixo (quartzo). São de 0,66m de deametro e 0,10m de grossura, tendo as inferiores no centro um veio feito da mesma pedra que embutia em um buraco das inferiores e eram tocadas á mão. A análise de todas estas referências induz-nos a afirmar que estamos perante um sítio que foi habitado e usado ao longo de muitos séculos, embora certamente evidenciado aquando da chegada dos romanos. Poderia pensar-se que a serra já estava a ter exploração mineira feita pelos indígenas durante o século I antes de Cristo e, por isso, este castro continuaria a ser sítio estratégico durante os séculos seguintes, não só porque estava localizado no seio do espaço propício a exploração mineira, mas também pelo possível acolhimento de populações que ali habitavam e garantiam mão de obra. Mas tal situação não é facilmente reconhecida tendo em conta as condições do sítio e das condições difíceis de exploração. Mário Leite, na comunicação apresentada no 1º Congresso de Mineração Romana em Valongo, em novembro de 2014, levantou a hipótese de os romanos, porque já tinham reunido conhecimentos práticos através das suas experiências noutras zonas do Império, aqui terem feito prospeção com base num “catálogo de pedras” que as populações indígenas identificavam, facilitando-lhes depois o reconhecimento e a avaliação, com vista a intervenção de exploração direta. Não é difícil de aceitar esta perspetiva de prospeção organizada por equipas de técnicos romanos, ou ao serviço deles, que estavam experimentados neste tipo de tarefa e dela retiravam os necessários proveitos. Depois desta avaliação, dos estudos prévios e preliminares, a exploração podia ser feita com a mão de obra indígena, desde que bem orientada pelos técnicos romanos, ou romanizados, eventualmente deslocados de outras

98

121

Fase I. A. SILVA, 1986: 33-37.

122

Fase I. MARTINS, 1990: 113-116

123

REIS, 1904: 57


regiões porque já tinham experiência deste tipo de trabalho noutras zonas do Império. Mas a mão de obra que garantia as duras tarefas de desmontar a pedra dura de Valongo era, certamente, garantida pelos indígenas locais que viviam nos castros, nas serras das redondezas. A observação dos espaços mais altos da serra, de onde há ampla vista sobre os territórios vizinhos e o vale do rio Ferreira, induz-nos a apontar a possibilidade do denominado castro de Santa Justa, implantado inicialmente em terrenos em torno dos 370 e 350 metros de altitude, ter sido ampliado para noroeste. Outra hipótese é a de ter sido construído outro castro que ocupou espaços da serra situados entre os 317 e os 300 metros de altitude, cuja localização poderá estar relacionada com os trabalhos mineiros que se desenvolveriam a norte, no fojo da Valéria e no fojo das Pombas. Embora sem contacto visual com o vale do rio Ferreira, situava-se numa elevação protegida a norte e a sul por vales encaixados, onde correm linhas de água sazonais. Esta descida das cotas de implantação e construção de castros é uma característica reconhecida do povoamento no final do século I antes de Cristo em muitos outros territórios do Noroeste da Hispânia. Mas, quer com a ampliação do castro que ali existia há séculos, quer com a construção de um novo castro perto do anterior, comprova-se que a serra de Santa Justa foi um espaço intensamente habitado. A existência de dois castros poderia justificar a toponímia do sítio nos surgir no plural, referida como “cavada dos castros”.

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B

A

Figura 34 – Enquadramento no excerto da carta militar de 1945, folha 123, dos castros identificados na serra de Santa Justa, assinalados com A e B. Os solos da plataforma já foram muito alterados, existindo atualmente uma torre de vigilância de incêndios.

100


Os trabalhos realizados na década de 90 do século XX também salientaram a perspetiva de uma ocupação significativa: A maior concentração de vestígios foi detetada na encosta nordeste da serra de Santa Justa, num conjunto de plataformas que se desenvolviam abaixo da entrada da corta do Fojo das Pombas, praticamente até às primeiras casas da atual cidade de Valongo, na Rua da Ivanta. Já Albuquerque e Castro referia, em 1962, o achado de fragmentos de cerâmicas sigillatas sudgálicas e hispânicas nesta área124 . Estas informações foram complementadas por Claude Domergue125 que em 1970 apontava na mesma zona o aparecimento de fragmentos de sigillata itálica. Marcelo Mendes Pinto126 também salientou que “todas estas cerâmicas apontam para cronologias de fabrico entre os finais do século I antes de Cristo e a segunda metade do século I depois de Cristo”. Cronologias semelhantes, do século I depois de Cristo, são apontadas pelos fragmentos de ânfora dos tipos Haltern 70 e Dressel 14b identificadas nas escavações realizadas na Quinta da Ivanta127. Em 2007, Rui Morais estudou um conjunto com mais de seis dezenas de exemplares, que foram recolhidos em escavações posteriores128, exclusivamente representado por ânforas de proveniência bética e lusitana, com cronologia do século I e do século II. Estas perspetivas e cronologias são consentâneas com as motivações e os interesses da política romana aplicada ao território do Noroeste da Hispânia, o que nos permite afirmar que Valongo foi, manifestamente, um alvo de empreendimento romano dirigido à exploração mineira. 124

CASTRO, L.de Albuquerque (1962). Achados romanos na mina do Fojo das Pombas (Valongo). «Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro». XV, pp. 431-447.

125

DOMERGUE, Claude (1970). Les exploitations aurifères do Nord-Ouest de la Péninsule Ibérique sou l’occupation romaine. «La mineria hispana e ibero-americana. Contribución a su investigación histórica.Estudios».I, pp. 151-193.

126

PINTO, 2000: 402

127

idem: 411

128

BAPTISTA, L.; FONSECA, V.; RODRIGUES, L.; TEIXEIRA, R. (2006) Resultados Preliminares da Intervenção Arqueológica na Quinta da Ivanta, Valongo. In Actas 3º Simpósio sobre Mineração e Metalurgia Históricas no Sudoeste Europeu. Porto: SEDPGYM – IPPAR - FCT. pp. 187-198.

101


Sobre o designado castro de Couce, implantado na vertente virada a sul da serra de Santa Justa, também o trabalho de campo realizado no âmbito da revisão do Plano Diretor Municipal de Valongo 2009/2010 refere as informações antes desenvolvidas e publicadas, nomeadamente Reis(1904: 69); Silva (1986: 85) e Pinto (1992). É apontado que o castro de Couce ocupa um outeiro de configuração arredondada, situado a meia encosta…, sobranceiro ao Rio Ferreira e à aldeia do mesmo nome. No perímetro do sítio arqueológico identificam-se amontoados de pedra de construção e alguns taludes reveladores de muralhas ou plataformas de construção. No flanco Norte e Nordeste parece identificar-se um provável fosso que reforçava a defesa do lado mais vulnerável. Ao longo da encosta identificam-se inúmeros vestígios cerâmicos de época romana - tégula, cerâmica comum e “terra sigillata”. Na publicação dos estudos prévios do plano de gestão do Parque das Serras do Porto129, o castro de Couce foi referido como sobranceiro ao Rio Ferreira e à aldeia do mesmo nome, identificando-se amontoados de pedra de construção, alguns taludes reveladores de muralhas ou plataformas de construção bem como um provável fosso. À superfície, para além de fragmentos de mós, foram encontrados inúmeros vestígios cerâmicos de época romana – tégula, cerâmica comum e terra sigillata A observação deste sítio em 2021, influenciada por todas as informações existentes, permite confirmar que estes castros continuam a salientar-se na paisagem, reconhecidos pelas suas características estratégicas.

129

102

ASSOCIAÇÃO MUNICÍPIOS PARQUE DAS SERRAS DO PORTO (2018). Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto-Estudos Prévios. Porto: AMPSP. p. 59.


Figura 35 – Vale de Couce – Valongo. Observação de noroeste para sudeste. Foto de António Cabeço, 2020.

103


Figura 36 – Observação da zona superior, arborizada, do castro de Couce – Valongo. Observação de este para oeste. Foto de António Cabeço, 2020.

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Figura 37 – Numa localização muito bem escolhida para este tipo de povoado, este castro estendia-se por toda a encosta, até à margem direita do rio Ferreira. A observação em fotografia aérea parece evidenciar três muralhas concêntricas nos terrenos em torno do castro.

105


O castro de Couce, localizado na encosta nascente da serra de Santa Justa, foi construído sobre um espaldão em torno dos 160 metros de altitude, num espaço naturalmente protegido pelos cumes mais altos da mesma serra, que se eleva, a poente, quase até aos 300 metros, protegendo-o dos ventos marítimos. Embora com a incerteza de cálculo perante uma projeção a partir de fotografia, e usando alguns paralelos com outros sítios apresentados por Jorge de Alarcão130, apontamos que a muralha interna, com um perímetro de cerca de 526 metros, envolvia cerca de 2,1 hectares, onde terão existido os primeiros conjuntos de habitações, o que permitiria acolher uma população de cerca de 600 pessoas. A projeção da segunda muralha, com um perímetro de cerca de 675 metros, envolvia cerca de 3,2 hectares, espaço que podia acolher cerca de 900 pessoas. Tal como acontecia noutros castros, a eventual terceira muralha não envolveria espaços para habitação, mas, tão só, espaços de uso. Esta é uma projeção que só a escavação arqueológica poderá confirmar, assim como a cronologia das diferentes construções, quer muralhas quer habitações, na medida em que podem indiciar ritmos de uso e índices de população. Estes são fatores prometedores de vitalidade de um sítio que podia ter atividade diversificada, para além da tradicional criação de gado e agricultura de proximidade. Aqui, também as terras das margens do rio, garantiam a produção agrícola e também tinham boas condições para a pastagem de caprinos, ovinos e bovinos. No sopé do castro, a nascente, existia um caminho que o ligava, a norte e a sul, ao território envolvente. Este caminho, cujo traçado salientamos, atravessava o rio Ferreira muito perto e à vista do castro. Mas, para além destes castros como sítios de habitação, em toda a serra evidenciam-se as numerosas marcas da exploração mineira. A quantidade de trabalhadores que seria necessária para assegurar as tarefas ligadas a esta enorme exploração indicia que tal só foi possível com um empenhamento prolongado no tempo e, simultaneamente, com numerosa mão-de-obra envolvida. Esta perspetiva de trabalho desenvolvido ao longo de muito tempo e por muita gente, pode ajudar a perceber a dimensão dos castros na serra de Santa Justa, salientando o de Couce. No seu texto, Joaquim Reis131 defende que “as minas já tinham sido exploradas muito antes dos romanos”, embora esta seja uma perspetiva difícil de acolher, tendo em consideração as condições geológicas.

106

130

ALARCÃO, J. (2003). A organização social dos povos do Noroeste e Norte da Península Ibérica nas épocas pré-romana e romana. «Conímbriga», 42, 15. Coimbra: Universidade de Coimbra. p. 25

131

REIS, 1904: 56


No entanto, a possibilidade de exploração das minas já estar em curso quando os romanos chegaram ao noroeste da Hispânia tem sido constatado em investigações recentes noutras zonas mineiras, como aconteceu na região de Astorga. José Maria Solana Sáinz (2004,150) apontou que no hay duda de la elecctión de la región de Astorga como zona militar y geopolítica, pero había otra poderosa razón, la proximidad de las minas de oro del Bierzo, explotadas posiblemente primero por los indígenas y posteriormente por los romanos. Num trabalho de John Allan132, publicado em 1970, em Londres, pelo Royal Anthropological Institute, sobre as minas da Península Ibérica, é salientado o facto de Plínio-o-Velho133 descrever, logo no século I, a existência de canais e condutores de água, assim como referir-se à natureza do solos e ao tratamento do minério. Na interpretação de John Allan, o facto de Plínio poder fazer esta descrição “apenas 50 anos depois de pacificado o Noroeste, mostra que os romanos organizaram, sem perda de tempo, a produção nesta área”. Esta concentração de interesses poderá justificar-se e estar relacionada com o facto de as minas dos territórios do mar Egeu, do Egito e da Ásia Menor, já estarem quase exauridas pelas anteriores explorações. Apesar da necessidade aurífera do Império, e mesmo aceitando que os autóctones já trabalhavam anteriormente em alguns depósitos conhecidos em Valongo, o que facilitou o reconhecimento da riqueza ali existente, a organização de uma região mineira num espaço indígena deve ter constituído sempre um problema e obrigado à concentração de especiais esforços organizativos por parte dos romanos. O mesmo autor, John Allan134, noutro trabalho em 1965, levanta outras questões muito oportunas sobre a exploração mineira, tais como a necessidade de estradas pavimentadas para circulação de pessoas e de produtos, assim como a habitação dos trabalhadores capazes de garantir a mão de obra. Aponta a necessidade de rede de estradas, numa difícil região, cortada por torrentes e rios, exigindo numerosas pontes. Também para estas obras era necessária mão de obra capaz. Por outro lado, é de salientar a necessidade de construir os centros populacionais que acolhessem os trabalhadores. Em simultâneo levanta também a questão do abastecimento: “Uma população mineira numerosa exigia, forçosamente, que se garantisse o seu abastecimento, visto que, mesmo tratando-se de escravos, tinham de alimentá-los”. 132

ALLAN, John C. (1970). Considerations on the Antiquity of mining in the Iberian Peninsula. Londres: Royal Antrhopological Institute of Great Britain and Ireland.

133

John Allan usou a edição do Livro XXXIII de Natural History, traduzida por H. Racham, publicada em Londres, em 1952.

134

ALLAN, John C. (1965). A Mineração em Portugal na Antiguidade. «Separata do Boletim de Minas». 2(3), pp. 139-175.

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Outros autores135 defenderam a perspetiva de que só o Estado podia suportar os encargos e os meios necessários ao arranque da exploração mineira da forma intensiva como os romanos a realizaram. Nenhuma sociedade de empreendedores, coloni, tinha condições para fazer frente a tanto investimento concentrado em infraestruturas, em redes de condução e controle de águas, na organização do trabalho e na legislação que regulou a atividade. Sobre Valongo, numa plena articulação cronológica, Joaquim Reis136 escreveu que a povoação Romana, que haveria, mesmo já depois de Augusto, estendia-se desde o Castro para Couço e para o Salto e pela Agra de Gallegos que se estendia pela Chão onde no anno 40 foi levantada pelos povos de toda a Gallecia uma memória em honra de um governador que os tratara humanamente. Aparentemente, esta terá sido uma época em que as populações “agradeceram” aos governantes. Se aqui foi em torno do ano 40, também em Alpendurada, no territorium de Tongobriga foi reconhecida uma inscrição imperial, provável lintel de templo, em granito, dedicada a um imperador julio-claudiano, durante a primeira metade do século I, podendo mesmo ser dedicada a Augusto137. Os testemunhos apontam para o período de governação dos Imperadores Augusto e Tibério que terão promovido a política de organização dos territórios, aparentemente com harmonização de interesses entre indígenas e romanos, melhorando as condições de vida e, com isso, aumentando as capacidades de produção. Esta perspetiva também foi apontada por John Allan138 quando defendeu, no caso das explorações mineiras, que os romanos eram, acima de tudo, um povo prático e a preocupação estaria mais com os resultados da mineração, garantindo sucesso de exploração, o que não era possível com hordas de escravos levados por crueldade incalculável a trabalhar nas minas. Embora sem suportes cronológicos assegurados por escavações em Valongo, julgo que estamos perante situações similares a outros sítios, o que nos permitirá apontar que uma primeira fase

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135

SÁNCHEZ-PALENCIA, F. Javier et al (2007). Mineria Romana de Oro del Noroeste de Hispania: El Ejército Romano de Hispania. Léon: Universid de León. pp.135-156.

136

REIS, 1904: 69

137

SILVA, 1983-1984: 47; GARCIA, José Manuel (1991). Religiões Antigas de Portugal. Lisboa: INCM. p. 498.

138

ALLAN, 1965: 139-175; 1970: 15


de exploração foi realizada por populações indígenas e, depois, uma outra já coeva da administração romana, que organizou a exploração. Neste caso, para melhor entender a estratégia romana, defende-se o regresso aos quadros políticos administrativos coevos, ou seja, aos territórios conventuais, neste caso, Bracara Augusta.139 Um dos pilares da consolidação do domínio de Roma sobre os territórios do Império foi a sua capacidade de controle dos recursos das terras submetidas e, entretanto, organizadas como províncias. Este processo foi sendo desenvolvido ainda durante a República, mas foi claramente afirmado durante a governação de Augusto, apoiando-se na aplicação e desenvolvimento de processos que tornaram possível o controle, nomeadamente através da imposição de procedimentos administrativos e burocráticos, quer através da realização de censos para conhecer a população e, assim, controlá-la, quer através de cadastros para conhecimento das bases de cada território. Certamente que nestas ações participaram muitos dos indígenas e comunidades reconhecidas pelo novo poder romano, dando-lhes concessões e benefícios fiscais, estatutos privilegiados com acesso a certos recursos, como, por exemplo, a exploração da terra e a produção pecuária. No caso das explorações mineiras, durante a República, em algumas zonas do noroeste, como foi o caso de Cartagena, poderá ter existido um sistema de exploração por concessão140. Com a governação de Augusto, foi assumida a administração por parte do fisco estatal, centralizando recursos e processos, muito suportado em estruturas imperiais, convertendo os procuratores em delegados do poder, suportados em funcionários que garantiam o controle direto dos recursos, a sua exploração e comercialização. O incremento das explorações reconhecidas nos territórios do noroeste no final do século I, evidenciado no Édito de El Bierzo141, também justifica o aumento da construção de povoados e estruturas de apoio à exploração mineira.

139

LEMOS, F.S.; MEIRELES, C.A.P. (2006). Mineração Aurífera no Conventus de Bracara Augusta. In Actas 3º Simpósio sobre Mineração e Metalurgia Históricas no Sudoeste Europeu. Porto: SEDPGYM-IPPAR-FCT, pp 169-184.

140

SÁNCHEZ-PALENCIA, J. J.; OREJAS, A.; SASTRE, I. (2006). Las zonas mineras romanas del noroeste peninsular. Infraestructura y organización del território. Valladolid: Junta de Castilla y León. p. 267.

141

O Imperador Augusto esteve na Hispânia, a viver em Tarraco, durante os anos 26 a 24 antes de Cristo, para preparar uma estratégia para o Noroeste da Hispânia. Depois preparou uma estratégia para o território da bacia do rio Douro, publicando um documento édito imperial, no ano 15 antes de Cristo.

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Neste sentido, um outro sítio, denominado “castro de Pias”, poderia ser enquadrado nesta perspetiva de proximidade aos filões, com condições para servir de habitação das famílias em que muitos dos seus homens eram mineiros, para além de garantir muita da mão de obra necessária para os trabalhos fora das minas, mas delas dependendo. O relatório do trabalho de campo realizado no âmbito da Revisão do PDM de Valongo 2009/2010, aponta que o local, tradicionalmente designado na bibliografia como Castro de Pias, corresponde topograficamente a uma plataforma e remate de esporão localizado na vertente Norte da Serra de Pias, sobranceiro ao Rio Ferreira. O sítio foi muito afetado pela implantação de postes elétricos e pela abertura de um largo estradão que rasgou e aplanou o local. Apesar das transformações que mudaram muito a morfologia dos solos, devem ser colocadas muitas reservas ao reconhecimento deste sítio na serra de Pias como castro indígena. Não foram identificados vestígios de muralhas, nem a topografia parece ser a mais adequada para este tipo de estabelecimento. O espólio arqueológico que se identifica à superfície – tegulae e imbrices em grande quantidade – é manifestamente romano e, em contrapartida, não revela vestígios inequívocos que possam ser atribuídos a um povoado castrejo pré-romano. Marcelo Mendes Pinto, já no trabalho realizado em 1992, escrevera: Tudo aponta para que se esteja em presença de um sítio romano - povoado de altitude que poderia não ser fortificado - certamente relacionado com as explorações mineiras registadas nas imediações. Os trabalhos coordenados por Alexandre Lima142, com resultados reafirmados no Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto143, apontam que, em Valongo, as

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142

LIMA, A.; MATÍAS, R.; FONTE, J.; y Arcm (2014). A Exploração de Depósitos Secundários de Ouro nas Serras de Pias e Santa Justa (Município de Valongo). In Actas del 1º Congresso Mineração Romana en Vallongo, pp.40-47.

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ASSOCIAÇÃO MUNICÍPIOS PARQUE DAS SERRAS DO PORTO (2019). Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto-Estudos Prévios. Porto: AMPSP.


principais áreas de mineração romana são o Complexo Mineiro Norte de Santa Justa e o Complexo Mineiro da Serra de Pias. Estas constatações podem justificar o aparecimento abundante de tegulae, material de construção introduzido pelos romanos, eventualmente usado na Serra de Pias para cobertura das construções que serviam de estaleiros de apoio à mineração. Geralmente, os espaços de exploração mineira não são os mais adequados para habitação daqueles que não têm na mineração a sua atividade quotidiana e isso parece evidenciar-se na toponímia dos sítios. Na carta militar publicada em 1931, a serra de Pias não é indicada, antes sendo aquele espaço referido como “Monte das Póvoas”. Este topónimo surge normalmente associado à indicação de pequena povoação ou, como apontou o conhecido “Elucidário de Viterbo”144, seria o mesmo que “poblas”, povoação, casas em que alguns moram e residem, com semelhança de povo, como foi usado em documentos de D. Dinis no século XIII. Certamente que esta toponímia valorizou os sopés da serra, sítios em que a atividade agrícola garantia a subsistência da população, ultrapassada ou inativada, como estava a exploração mineira. Regressaremos a estas questões no volume 2 com a abordagem à toponímia. Em 2020, foram identificados nas encostas de Pias novos vestígios por Cristina Madureira, confirmando-se a existência de muros de casas, com vários compartimentos retangulares, situados em terrenos envolventes da via que ligava Couce a Aguiar, num sítio conhecido por “Vale dos Castores”. Embora não tenham sido feitas escavações arqueológicas, nem recolhidos quaisquer materiais à superfície, as técnicas construtivas, a espessura dos muros e a modulação das salas poderia induzir a possibilidade de ter sido um sítio antigo, embora não seja possível qualificar o tipo de uso dominante, quer fosse habitacional ou de apoio a atividades artesanais, eventualmente ligadas, pela evidente proximidade, à exploração mineira. Mas não passa de mera hipótese apenas suportada pelo aparecimento de telhas nas terras revolvidas. Sabemos, no entanto, que estas ruínas eram usadas pela população local, para guardar gado, ainda no século XX. Quando observamos o território e queremos tentar perceber o povoamento e o uso inteligente que o homem dele fez na antiguidade, não podemos deixar de enquadrar Valongo em espaço 144

VITERBO, Joaquim de Santa Rosa (1983). Elucidário das Palavras, Termos e Frase. Edição crítica por Mário Fiúza. Porto: Livraria Civilização. p. 479.

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Figuras 38 e 39 – As técnicas construtivas, assim como a espessura dos muros e a modulação das salas, poderiam induzir a possibilidade de Vale dos Castores ter sido um sítio de uso antigo – Campo e Sobrado. Observação de este para oeste. Fotos de Cristina Madureira, 2020.

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mais amplo, do qual dependia. Nele, salienta-se, por exemplo, o castro de Muro de Vandoma, localizado no vizinho concelho de Paredes, apontado por Armando Coelho145 como importante lugar dos Calaicos. Sobre este sítio, Maria Antónia Silva e Natália Félix146, salientaram que A sua centralidade, mais interior, estaria melhor adequada ao controlo de uma vasta área mineira pertencente ao seu domínio, que de imediato foi intensamente explorada pelos romanos. A sustentabilidade desta hipótese assenta, também, num valioso argumento epigráfico, subsidiário, baseado no achado de uma ara votiva, no lugar de Santa Comba, freguesia de Sobreira, justamente dedicada a uma divindade identificada como a entidade étnica correspondente(…), o que poderá denunciar a existência de um santuário dedicado a Callaecia localizado na sua metrópole147. Aparentemente, o número de castros na região de Valongo não era elevado e, por isso, aquando da chegada dos romanos, a população não seria muito numerosa. Tal situação parece ser contraditória porque uma população exígua não responderia à necessidade de mão-de-obra indispensável para tanto trabalho exigido, em simultâneo, nas minas e na agricultura. Mas a chegada dos romanos, e com eles o incremento da exploração mineira e da revolução agrária, pode ter justificado que os castros tivessem sido ampliados para acolher mais população. A dimensão dos castros que hoje identificamos, poderia acolher população concentrada, em número superior ao habitualmente conhecido no século I noutras regiões no noroeste. Certamente que a concentração de população nos castros pode ter resolvido temporariamente a situação, mas a ampliação habitacional para terras mais baixas pode ter acontecido, tal como foi apontado por Joaquim Reis148 quando escreveu que foram construídas casas à beira da estrada do Susão para Valongo, por princípios e meados do século II, devido à grande quantidade de habitantes, porque tal oferecia melhores garantias de vida. No entanto, Joaquim Reis não esclareceu onde recolheu estas informações e, em 2021, ainda nada podemos confirmar com rigor, embora possamos apontar hipóteses no capítulo seguinte. 145

SILVA, 1994: 77

146

SILVA, Maria Antónia; FÉLIX, Natália (2008). Mineração Romana no concelho de Paredes. «Oppidum», pp. 67-81.

147

SILVA; FÉLIX, 2008: 70

148

REIS, 1904: 74-75

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03

A REGIÃO AO RITMO DO IMPÉRIO

Sobre a estratégia romana, Natália Correia149 escreveu: Novos prodígios chegam da cidade que, nascida na orla da planície do Lácio, numa bebedeira de quadrigas alastra em estátuas e mosaicos pela Europa, pela África e pela Ásia. Dos Pirinéus à faixa atlântica ocidental, do Cantábrico ao Mediterrâneo, apagando fogueiras de brio indígena, das quais a mais acesa pelo pastor lusitano pôs em risco o domínio romano na Península, teve a romanização como efeito unir os povos autóctones pelas leis, pelas crenças, pelos hábitos e pela língua que eles tomavam dos invasores. Dos ninhos serranos do isolamento tribal baixaram os povoados às terras planas colocadas dentro do alfoz da urbanidade que falava latim e se regia pelo direito de Roma. Lajeando as estradas que atravessavam os séculos puseram os povos em comunicação e dividindo a Hispânia em províncias e estas em conventos jurídicos, forjaram esses pontífices da centralização, o concerto civil político, militar e cultural das populações, prefiguração da unidade nacional. Salvé Roma! Que envolvendo os hispânicos na tua determinante grandeza, mais encorpando o seu caule mediterrâneo expuseste-os à luz da Europa que começavas com as tuas mãos patrícias. Contigo acordou o homem ibérico na civitas de mármore, com foruns estuantes de palavras exigidas pelos deuses urbanos e lânguidos refrigérios de piscinas e jardins. Aos hispanos deste o município que os fez cidadãos. O sabor precioso do vinho bebido por cristais e cálices de mirra em banquetes de manjares exóticos acompanhados da flauta e da lira. A reiteração das divindades gregas traduzidas no esplendor litúrgico da latinidade que irá ressurgir na pompa católica. Na esmerilada eloquência dos teus claros oradores. Encantando os fonêmas guturais das línguas bárbaras com as silabantes siringes do Lácio, na boca da Ibéria introduziste a hóstia do latim. Eucaristia da língua tornada indivisa pela unidade do 149

CORREIA, Natália (1988). Somos Todos Hispanos. Lisboa: O Jornal.

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Império que, no óvulo do génio hispânico, sementou a linhagem dos Silvios Itálicos, dos Trajanos e Sénecas. Nomes com que a Espanha enramou o panteão romano. Natália Correia não era especialista em “romanização”, mas esta descrição é uma síntese perfeita do que aconteceu há cerca de 2000 anos.

A ESTRATÉGIA DE GOVERNAÇÃO PARA O NOROESTE DA HISPANIA Neste território reconhecemos a estratégia desenvolvida pelos romanos, entendida como a arte e a ciência de desenvolver e usar as forças política, económica, psicológica e militar, quando necessário, em tempo de paz ou de guerra, para conseguir o máximo apoio às políticas, de modo a aumentar as probabilidades favoráveis de vitória, atingindo objetivos, e diminuir as probabilidades de insucesso. A expansão romana, gradualmente concretizada em torno do mediterrâneo, só se manifestou no Noroeste da Ibéria depois do exército ter conquistado a cidade de Numância em 133 antes de Cristo, pois, antes, o território deste extremo Noroeste da Hispânia, o finis terrae, o finisterra, estava fora do seu domínio. As dificuldades sentidas pelos romanos para conquistarem Numância foram tema muito salientado nos textos históricos no século XIX. O ardor da revolta foi muito vivo na raça espanhola dos Celtiberos, que tinha por capital Numância, edificada sobre uma escarpada eminência, nas margens do Douro. Indignados com a opressão e crueldade inaudita dos governadores romanos, que roubavam as cidades, matavam ou escravizavam os habitantes, os Arevacos, tribos das vizinhanças de Numância pegaram em armas e repeliram, durante anos, os ataques dos romanos, impondo um tratado de paz em que lhes era reconhecida a sua independência. Mas Roma não aceitou a administração destes povos indígenas e, em 133 antes de Cristo, com recurso a poderoso equipamento militar, deixou que o general Públio Cipião, chamado também, desde então, o “numantino”, destruísse a cidade, apesar de ter sido encontrada quase deserta porque os habitantes se suicidaram, atitude modernamente interpretada como um grandioso combate pela liberdade. Numância, situada perto da atual cidade de Sória, tem sido escavada e estudada desde meados do século XX150 e, agora, para além das interpretações como a que 150

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BAQUEDANO, Enrique; ARGUELI, Marian (2017). Schulten y el Descubrimiento de Numantia. Madrid: Museo Arqueologico Nacional.


Weber apontou nos seus textos, a recente investigação coordenada por Alfredo Jimeno151 tem tornado possível reconhecer a riqueza do território, a identidade dos povos antigos, do numantino em particular, dos seus materiais, ritos e subsistências. Depois de derrubada a oposição do povo numantino, cuja cidade capital era estratégica, não só assim considerada pela sua localização, mas também pela idiossincrasia dos seus habitantes, os romanos empreenderam o controle do Norte da Meseta. Não conheciam classes dirigentes definidas a quem pudessem propor negociação, tal a dispersão de povos e tribos. Também não havia uma “capital” a abater como cabeça do território; tão só podemos supor a existência de alguns chefes com alguma influência em territórios restritos, mas que não conseguiam assumir-se como representantes agregadores de vontades indígenas perante a pressão bélica dos romanos.152 Entretanto, com a conquista do território entre o Tejo e o Douro, em torno do ano 40 antes de Cristo, os romanos também atingiram toda esta costa atlântica cujo controle foi muito suportado em pontos de acostagem marítimos, salientando o porto de Cádiz, a partir do qual percorreram o litoral atlântico até à foz do Douro, o que ocorreu entre o terceiro quartel do século II antes de Cristo e os meados do século I antes de Cristo, como apontou Rui Morais153. Foi um período em que se afirmaram movimentos romanos que conjugavam movimentos militares por terra, de este para oeste, e navegação ao longo da costa atlântica e dos rios que nela desaguam. Foram também movimentos com intuitos comerciais e, em simultâneo, para abastecimento das estruturas militares e administrativas que foram sendo instaladas no território conquistado. Os ataques no Noroeste da Ibéria desenvolveram-se durante os anos 26 e 25 antes de Cristo, prolongando-se até 19 antes de Cristo, data em que formalmente atingiram a Cantábria e as Astúrias, já depois da Callaecia ter sido controlada. Para Roma atingir este objetivo estratégico, 151

JIMENO, Alfredo (2018). Superposición de Numancias. In Construir, Navegar, (Re)usar o Douro da Antiguidade. Porto: CITCEM, pp. 69-84; (2017). Numancia Eterna – La Memoria de un Símbolo. Junta de Castilla y León, Consejaria de Cultura y Turismo; (2010). La Numancia Celtibero-Romana en el marco territorial del Alto Duero. In Actas Colóquio Internacional “Património Cultural y Território en el Valle del Duero”. Zamora: Universidade Complutense de Madrid, pp. 13-32; (2004). Numancia y los campamentos romanos: investigación y recuperación del passado. In Atas Arqueologia Militar Romana en Europa. Valladolid: Junta de Castilla y León, pp. 237-249.

152

OREJAS, Almudena; SANCHEZ-PALENCIA, F.J. (1999). Arqueología de la conquista del noroeste de la Península Ibérica. In II Congresso de Arqueología Peninsular, IV. Alcalá: Universid de Alcalá, pp. 23- 37.

153

MORAIS, Rui (2007). A Via Atlântica e o Contributo de Gádir nas Campanhas Romanas na Fachada Noroeste da Península. «Humanitas», 59, p. 120.

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Augusto chegou a estar presente na Hispânia e, para esta frente de conquista, o Imperador enviou o general Agripa, homem da sua confiança e amizade pessoal, o que demonstra o interesse estratégico que tinha em controlar este território. Com a conquista gradual do Noroeste da Ibéria, os romanos passaram a chamar Hispânia a toda esta península e chegavam ao confim do mundo, limite da terra cartografada pelos geógrafos da época. Era o limite ocidental do mundo então conhecido. Podemos entender que esta era uma estratégia decidida por Roma, procurando impor a sua política num território amplo e com fronteiras bem definidas, assim delimitando o Império no tempo da governação de Augusto. O Egito, no limite oriental do mediterrâneo, tinha sido conquistado em 30 antes de Cristo e a subida ao poder em Roma de Augusto, em 27 antes de Cristo, continuou e reforçou a estratégia de expansão empreendida ao longo de décadas. A conquista da Hispânia foi um objetivo perseguido pelos romanos durante dois séculos, desde 218 a 19 antes de Cristo, data em que deram por terminadas as guerras entre os romanos e as tribos indígenas e, finalmente, puderam afirmar o limite atlântico do estado romano. Este período, entre meados do século I antes de Cristo e a governação de Augusto, que Rui Morais154 denominou como “segunda fase de conquista”, manifestou-se com a intensificação do tráfego marítimo atlântico, em conjunto com a evolução da afirmação da administração romana, e teve manifestas repercussões na forma de vida do Noroeste, inserindo-o na nova economia que Roma defendia, suportada na tipologia de administração imposta aos territórios, incluindo aquele em que se integrava Valongo. Esta expansão era conjugada com a perspetiva dos romanos que privilegiavam o enraizamento à terra e a sedentarização das populações. Em contrapartida, as necessidades diplomáticas e militares aumentavam com a expansão do Império, o que promoveu a viagem e a circulação de funcionários, comerciantes, técnicos e militares. Resultado destas estratégias desenvolvidas em simultâneo, denotaram-se alterações administrativas e económicas, sentidas mais profundamente no final do século I antes de Cristo e no século I depois de Cristo, período que é denominado por muitos historiadores como “século de Augusto”.

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MORAIS, 2007: 121


Figura 40 – Este mapa reflete o avanço estratégico e cronológico da conquista, uma tarefa de dificuldade assombrosa para gerações de romanos entre o desembarque em Ampúrias, em 210 antes de Cristo, e a vitória de Agripa sobre os Cântabros, em 19 antes de Cristo. “A Hispânia, a primeira província invadida e a última a ser dominada”, como disse Tito Lívio.

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Podemos, assim, sintetizar o avanço dos romanos no Noroeste da Hispânia em três momentos decisivos: na Meseta, após a conquista de Numância, em 133 antes de Cristo; na Lusitânia, após as intervenções do general Decimo Junius Brutus, em 138 antes de Cristo e as ações de César em 61 antes de Cristo; na Callaecia, na Cantábria e nas Astúrias, em 19 antes de Cristo, com a intervenção de Agripa como legado do Imperador Augusto. Também tinha sido atingida a pacificação dos Alpes e dos Pirenéus, zonas estratégicas também para a Gália, e que tinham sido objetivos políticos de César e de Augusto.155 Na Hispânia e na Gália, como em qualquer outro lugar, a romanização foi feita mediante intervenções autoritárias impostas por Roma: concessão de estatuto jurídico, urbanização, integração mais ou menos rápida das elites locais, imposição de sistema fiscal principalmente aplicado aos espaços rurais, regulação de atitudes, desmotivação do druidismo. Roma incentivou comportamentos sociais de imitação, facilitadores da assimilação, aconselhando a “viver à romana”, embora reconhecesse que muitas idiossincrasias permaneciam na memória dos povos. A solidificação de poder sobre as regiões conquistadas era reforçada pela presença política e, por isso, Augusto viajou três vezes para a Hispânia, demonstrando a preocupação pela governação deste território. A primeira foi feita no ano 45 antes de Cristo, ainda não era Imperador, a segunda entre os anos 27 e 24 antes de Cristo para assumir a direção da guerra contra os Cântabros e os Astures, a terceira entre 16 e 13 antes de Cristo156. Esta terceira viagem teve como destino a Gália e a Hispânia, durou cerca de três anos e concluiu com o regresso a Roma, influenciando a vontade do Senado para construir um altar à paz, Ara Pacis Augustae, no Campo de Marte. Ainda hoje pode ser observada em Roma, em espaço musealizado, junto do rio Tibre. Esta viagem deve ter sido um momento fundamental para a integração jurídica desta região no Império. Um documento assinado por Augusto, em 15 antes de Cristo, durante a estadia na Hispânia, reconhecido como edital de El Bierzo, permite salientar que os vários momentos sentidos na ocupação por via militar do território do Noroeste ocasionavam distintas conse-

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155

GOUDINEAU, Christian (1991). La romanizzazione della Gallia. In I CELTI. Milano: Bompiani, pp. 509-514.

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ABBASCAL PALAZÓN, 2006: 64


quências, algumas das quais são identificadas pelas transformações que promoveram na organização administrativa do território.157 Logo que terminadas as guerras de conquista no Noroeste, Roma considerou prioritária a defesa destes “novos” territórios integrados no Império, consolidando a sua administração, a qual estava confrontada com unidades políticas anteriores, como apontou Plínio quando elencou os povos que aqui existiam, todos eles com identidades sociais, culturais e territoriais. Os romanos, ao implantarem uma nova administração sobre os territórios, confrontados com identidades e idiossincrasias indígenas, podiam ter procurado criar e impor novas identidades culturais ou podiam ter-se adequado às pré-existências, compatibilizando-as tanto quanto o possível com as novas exigências. Neste sentido, Jorge de Alarcão158 defendeu que na nova definição territorial, muito suportada na criação de civitates, os romanos atenderam, não apenas aos limites geográficos naturais, mas também às divisões étnico-culturais e, muitas vezes, fizeram coincidir os limites de uma civitas com os de uma anterior unidade étnica ou política. Nesta medida, é de reconhecer que os romanos foram confrontados com a existência de unidades políticas indígenas, eventualmente até foram condicionados por elas, mas com elas conviveram ao longo dos séculos, de forma mais ou menos harmonizada, com maior ou menor osmose cultural e cívica, garantindo a sua afirmação, sobrevivência ou definhamento. Depois de conquistada a Callaecia, e mesmo sem conseguir conquistar totalmente a Cantábria e as Astúrias, e apesar de continuarem algumas rebeliões locais, Augusto assumiu simbolicamente o fim da guerra no ano 19 antes de Cristo, traduzindo-o em cerimónias festivas em Roma. A ideia de manter a ordem estabelecida e estabilizar os povos, foi entendida como preocupação de garantir a pax romana, da qual beneficiariam os povos conquistados e dos quais usufruíam as diferentes tribos que passaram a suportar os interesses locais e contribuir para a economia do Império. Deste modo, a busca e solidificação de ambiente de paz garantia a integridade do espaço do Império e assegurava a estabilidade social. Nesta perspetiva, o Imperador Augusto surge como garante da paz, procurando garantir a ordem, publicitando o benefício de todos, estendendo aos submetidos o benefício da sua cultura. Mas, para garantir tal situação, Augusto só o poderia fazer com ajuda das legiões e, desta forma, o exército tornou-se integrante da sociedade no Noroeste. 157

SAINZS, 2005: 145

158

ALARCÃO,1999: 360

121


Neste sentido, até ao ano 26 antes de Cristo, a Hispânia foi administrada por um único procônsul. Durante este longo período, salientaram-se as intervenções militares e diplomáticas junto dos povos Astures, Cântabros e Váceos, que habitavam as Astúrias, a zona Cantábrica e os planaltos da meseta em que hoje situamos Zamora, Salamanca, Valladolid, Palência e Burgos. A administração que suportava o desejo político de conseguir fronteiras naturais para o Império, atingindo o mar Atlântico, também perseguia a vontade de controlar as vantagens que a exploração do subsolo rico podia proporcionar, assim como a vastidão dos solos de boa qualidade permitia o cultivo de novos produtos agrícolas e a consequente criação de novos mercados. Os desejos políticos e económicos eram suportados, na prática, numa organização militar que procurava conquistar e controlar os territórios e os povos que os habitavam. Assim, entre 26 antes de Cristo e 15 antes de Cristo, com o intuito de conquistar definitivamente o Noroeste da Hispânia, o Imperador Augusto organizou o exército e investiu na criação de três unidades: as legiões VI Victrix, a X Gemina e a IV Macedónica. Duas instalaram-se nos territórios das tribos Astures, enquanto que a terceira foi instalada na Cantábria. Os comandantes militares destas legiões, pelas competências que lhes foram atribuídas, passaram a atuar, na prática, como governadores provinciais. Esta foi a perspetiva defendida por G. Alfoldy159, investigador a quem se devem contributos determinantes para o conhecimento da região. A estratégia desenvolvida para organizar a administração e preparar o desenvolvimento económico obrigou o Imperador a tomar várias decisões, não só militares, mas também políticas e administrativas. Terá sido entre 22 e 19 antes de Cristo que foi decidido criar a Província Transduriana, referida no edital de El Bierzo, a qual seria um espaço geográfico habitado por uma pluralidade de comunidades a viver em castros e que teria a bacia do rio Douro como espinha dorsal. Mas esta província Transduriana, como estrutura administrativa, nunca foi criada, afirmando-se, em contrapartida, a administração concentrada na cidade de Tarragona, assumida como capital da nova província, integrando os territórios dos Astures, Callaeci, Cantabri e Lucenses. Esta província, denominada Tarraconense, tinha como limite sudoeste o rio Douro e a demarcação obrigou a que, genericamente, a margem direita do rio Douro estivesse na Tarraconense, com capital em Tarragona (cidade situada junto do mar mediterrâneo) e a margem

159

122

ALFOLDY, G. (2000). Provincia Hispania Superior. Heidelberg: Universitatsverlag C. Winter.


esquerda estivesse na Lusitânia, com capital em Emérita Augusta, cidade criada por Augusto em 25 antes de Cristo, atual cidade de Mérida na Estremadura espanhola. Apesar de todas as estratégias políticas e económicas, a pacificação dos povos, principalmente os das Astúrias e os Cantábricos, nunca terá acontecido na plenitude, mas terá atingido um nível suficiente para ser considerado politicamente como território pacificado, permitindo que Augusto tenha procedido a reformas que consolidaram as administrações das regiões entre 15 e 13 antes de Cristo, perdurando o sistema durante os séculos seguintes. A experiência militar e política de Augusto, certamente muito influenciada pela proximidade que tinha tido com Júlio César, ajudou a que as decisões fossem tomadas logo que assumiu o poder, apesar das diferenças étnicas, culturais e económicas dos distintos povos não facilitarem decisões genéricas e globais. Sobre a pacificação podemos saber a opinião de Estrabão, geógrafo que escreveu no livro III da sua Geografia160, no tempo dos Imperadores Augusto e Tibério: A rudeza e selvagismo destes povos resulta não só dos seus costumes guerreiros, mas também do seu afastamento. Sendo longos os caminhos por terra e por mar, para chegar até eles, não tendo relações com os outros, não ganharam sociabilidade e sentimentos humanitários. Porém, hoje sofrem menos deste mal, em virtude da paz e da presença dos Romanos. Aqueles que gozam menos destes benefícios, conservam um carácter mais feroz e brutal. Possuindo alguns povos semelhante índole não só por causa da pobreza do solo, senão que da existência de serras, é natural que tal estado de inculturas se acentuasse mais. Mas, como disse, hoje acabaram todas estas guerras. Sem dúvida os próprios Cântabros, que ainda no nosso tempo se dedicam sobremaneira ao bandoleirismo, e os vizinhos destes, César Augusto submeteu-os; e, assim, em vez de devastarem as terras dos aliados do povo romano, hoje em dia……pegam em armas ao lado dos Romanos. E Tibério, por vontade de César Augusto, a quem sucedeu, mandando para esses lugares um exército de três legiões, a alguns deles logrou já torná-los não só pacíficos, como também civilizados.

160

ESTRABÃO: 3,8

123


Pelo testemunho de Estrabão poderá induzir-se que o exército foi o elemento romanizador que influenciou as populações indígenas durante muito tempo e que tal poder militar poderá ter provocado diferentes alterações em distintos lugares, dependendo do caráter dos diferentes povos e das durezas da conquista, podendo ter provocado acordos de paz com as tribos e povos, mas também matanças, transferências forçadas de lugares de habitação e até subjugação à escravatura. A presença de militares marcou os territórios de vários modos, sendo a forma mais visível a que resultou da construção de acampamentos que eram implantados segundo regras definidas, as quais foram gradualmente apreendidas, não só pela transformação dos acampamentos militares em povoados civis, mas, também, porque os princípios de ordenamento perduraram no urbanismo romano dos espaços organizados. A influência do desenho dos acampamentos foi sentida em cidades, mas mais frequentemente em povoados secundários, os vici. Mas se os vici eram povoações secundárias quando comparadas com as cidades, não deixaram de assumir um papel importante na organização administrativa em todo o Império. No Noroeste da Hispânia foram identificados inúmeros vici, embora, aparentemente, só cinco tenham sido fundados a partir de acampamentos militares. Estão reconhecidos161 em Rosinos de Vidriales162, em Herrera de Pisuerga163, em Léon164, em Banos de Bande165 e em Cidadela166. A aplicação de normas reguladoras foi sentida em todos os sítios em que se manifestou a presença romana e foi evidente a marca da intervenção de um poder central que guiou todo o processo de conquista, com implicações em todo o sistema administrativo, quer do âmbito do fisco imperial, quer do âmbito da administração pública. Mas não são de desprezar as intervenções ao nível local e ao nível regional, que se reconhecem em muitas marcas toponímicas, religiosas, sociais, entre muitas outras.

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161

MORILLO, Ángel; DOMINGUEZ, Javier Salido (2012). Military Vici in Roman Spain. In Proceedings of the 22nd International Congress of Romain Studies. Bulgaria: National Archaeological Institute, p. 520.

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O acampamento deu lugar ao vicus Petavonium, em Zamora.

163

O vicus foi construído a cerca de 500 metros do acampamento militar, Palência.

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Vicus em Puente Castro, Léon.

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Acampamento de Aquis Querquennis, Ourense.

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Cidadela: acampamento da Cohors I Celtiberorum de Sobrado dos Monxes, situava-se no Conventus Lucensis, na atual comarca de Alto Tambre, Corunha.


O programa de urbanização empreendido por Augusto no Noroeste da Hispânia contemplou a fundação de três cidades (Bracara Augusta, Lucus Augusti e Asturica Augusta) destinadas a funcionar como capitais de conventos jurídicos, o que representou um poderoso mecanismo de transformação dos modelos de ocupação, para além de um importante contexto de aculturação das populações indígenas. Bracara Augusta, cidade epónima dos Bracari, terá sido fundada entre 16 e 13 antes de Cristo, de acordo com a investigação167 desenvolvida nas últimas décadas e de acordo com a conciliação dos dados epigráficos168. A estrutura provincial e cívica visava introduzir regras de organização e de gestão suscetível de facilitar a integração jurídica e política de todos aqueles que o queriam ou podiam. Os processos de integração eram certamente muito complexos, na medida em que os romanos eram cidadãos e consideravam os indígenas como estrangeiros, mesmo que continuassem instalados nas suas terras de origem169. Os eventuais processos de aculturação, também eles complexos, mesclavam identidades culturais, diferenciavam processos de integração, eventualmente com vista à obtenção de cidadania e de naturalização. Sabemos que o poder romano introduziu um novo padrão na localização e na implantação do povoamento estrategicamente construído para servir os seus interesses, assim como introduziu novos sistemas de exploração de recursos, nem sempre coincidentes com os tradicionais interesses das populações locais, e que provocaram alterações radicais que, apesar de evidentes, são difíceis de quantificar170. No caso de Valongo, Joaquim Reis171 escreveu que a povoação Romana, que haveria, mesmo já depois de Augusto estendia-se desde o Castro para Couço e para o Salto e pela Agra de Gallegos que se estendia pela Chão 167

A hipótese de ter sido entre 15 e 13 antes de Cristo, na sequência da viagem que Augusto fez à Hispânia, durante a qual tomou decisões estratégicas, foi também apontada (MORAIS; MORILLO; SOUSA, 2015: 115).

168

MARTINS, M.; RIBEIRO, Jorge (2018). O urbanismo de Bracara Augusta: modelos e especificidades no contexto do Noroeste peninsular. In Construir, Navegar, (Re) usar o Douro da Antiguidade. Porto: CITCEM, p. 88.

169

LE ROUX, Patrick (1995). Romains D’Espagne, Cités et Politique dans les provinces. Paris: Armand Colin, p. 87.

170

SOLANA-SAINZ, J.M. (2005). La pacificación de los pueblos del norte de Hispani. In Atas Arqueologia Militar Romana en Europa. Segóvia: Junta de Castilla y León/Universidad SEK. pp. 145-165.

171

REIS, 1904: 69

125


onde no anno 40 foi levantada pelos povos de toda a Gallecia uma memória em honra de um governador que os tratara humanamente. Aparentemente, esta terá sido uma época em que as populações “agradeceram” aos novos governantes. Se em Valongo foi em torno do ano 40, também em Alpendurada (territorium de Tongobriga) foi reconhecida uma inscrição imperial, provável lintel de templo, em granito, dedicada a um Imperador da dinastia julio-claudiana, durante a primeira metade do século I, podendo mesmo ter sido dedicada a Augusto172. Os testemunhos apontam para que no período de governação dos Imperadores Augusto e Tibério (27 antes de Cristo a 37 depois de Cristo) tenha sido promovida uma ampla política de organização, incluindo a exploração mineira, aparentemente com harmonização de interesses entre indígenas e romanos, melhorando as condições de vida, mas também com o intuito de aumentar as capacidades de produção. Esta foi uma época em que o ouro se tornou fundamental na economia e na vida romana, ao contrário do que acontecera durante os tempos da longa época de conquista, pouco dada a luxos. O uso do ouro, a exteriorização em joias, era feita com recato durante o período republicano, até Augusto. Depois, a economia ajudou a criar novos ricos, o que incentivou o uso do ouro e a sua exteriorização orgulhosa. Embora sem indicar a fonte onde recolheu a informação, Joaquim Reis (1904, 72) salienta que houve desenvolvimento de prosperidade no tempo dos Imperadores Vespasiano, Tito e Trajano. De facto, investigação recente reafirma que no final do século I a situação política estava estabilizada na Hispânia, a dimensão do Império e a sua unidade económica já estariam assumidas, suportadas numa administração e numa justiça que alicerçavam as relações com os diferentes povos e tribos. Foi em 73-74 depois de Cristo que o Imperador Vespasiano concedeu o IUS LATTI173 a todos os que habitavam na Hispânia, o que implicou outras reformas no final do século I, com consequentes investimentos em obras públicas que procuravam afirmar o desenvolvimento das regiões. Tal tem sido confirmado pela arqueologia, que tem vindo a salientar que, depois da estabilização ao longo do século I, durante o século II foram feitos investimentos que ajudaram a construir um território romanizado, transformando-o profundamente.

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172

SILVA, 1983-1984: 47; GARCIA, 1991: 498

173

Direitos legais originalmente concedidos por nascimento ou por naturalização aos que integravam uma das 35 tribos reconhecidas na cidade de Roma. Acolhia disposições legais, por exemplo, sobre casamento, sucessão de bens e naturalização para exercer magistraturas. Com a expansão romana era tido como regulador entre cidadãos romanos e indígenas nas comunidades a quem era atribuído formalmente esse benefício. Na Hispânia, o ius Latii foi outorgado por decreto do Imperador Vespasiano no ano 74.


Agostinho da Silva174 num texto sobre a relação dos romanos com os povos e tribos, dizia não excitavam ódios os homens do Norte, terríveis na guerra, mas incapazes de qualquer proeminência nas artes da paz, tão destituídos de engenhos e tão dispostos a admirar-se com as invenções dos povos mais adiantados, que as cidades, como se conta na “Campanha das Gálias”, de César, se rendiam de puro medo quando viam avançar contra as muralhas as grandes máquinas de guerra dos romanos, friamente acreditando que só com o auxílio das potências sobrenaturais o inimigo podia fazer deslocar tão pesadas construções; também os habitantes da Marmárica (costa do norte de África junto do Egito), da Cirenaica (costa oriental da moderna Líbia) ou da Numídia (Argélia e parte da costa da Tunísia) não provocavam da parte dos romanos os sentimentos de antagonismo que vemos desenharem-se com os gregos. E quanto aos orientais, aos egípcios mesmo, só lhe votavam ódio e severos moralistas. Mas com os gregos o caso mudava de aspeto. Os romanos olhavam os gregos com hostilidade. Os romanos, independentemente do que pensavam dos diferentes povos e tribos, tinham como objetivo a exploração e valorização comercial dos recursos diferenciados das regiões conquistadas e organizadas de acordo com os seus padrões. Os resultados de investigações apontam para que, na segunda metade do século I, o exército romano tenha sido implicado, sistematicamente, no setor da mineração do ouro no Noroeste da Hispânia, território em que se integra Valongo, embora as evidências arqueológicas salientem, tradicionalmente, a região de Leon como prioritária. Mas esta presença militar parece dirigida para a garantia da produção e segurança do transporte, assegurando a salvaguarda do Aerarium populi Romani, tesouro do estado romano, e não garantiria mão de obra para a exploração das minas. Podemos pensar que mesmo os apoios técnicos de engenharia, de topografia e de maquinaria indispensáveis para os trabalhos de adução de águas e de exploração dos minerais, poderiam ser realizados por especialistas civis. A região de Valongo tem muitos indícios de aplicação de engenharia.

174

SILVA, 2002:208

127


A água, bem essencial à vida, desde sempre foi tema de demarcação de territórios, de leis e de conflitos. De entre o vasto património do concelho de Valongo, também a água deve ser encarada como fator determinante para a modelação do território e a fixação de populações ao longo da história. Durante as saídas de campo para estudo e fundamentação deste livro, pudemos aferir várias evidências de engenharia hidráulica, associadas tanto aos principais rios Leça, Ferreira e Sousa, como aos seus afluentes e ribeiros sazonais. É evidente, por todo o território, a articulação dos trabalhos de engenharia hidráulica com trabalhos de mineração metalífera e ardosífera, bem como trabalhos de rega agrícola estendidos à moagem de cereais e diretamente ao consumo humano. Alguns destes trabalhos de engenharia encontram-se inutilizados e muitos passam despercebidos porque sempre nos habituamos a vê-los daquela forma sem nos questionarmos do seu propósito.

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Figura 41 – Mapa com indicação de sítios onde se registam exemplos evidentes de engenharia hidráulica.

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Figura 42 – Canais hidrológicos esculpidos. Campo – Sobrado.

Figura 43 – Canais hidrológicos esculpidos. Campo – Sobrado.

Observação de oeste para este.

Observação de norte para sul.

Fotos de Pedro Aguiar, 2020.

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Figura 44 – Ribeiro de Bustelo – Paredes.

Figura 45 – Ribeira de Silveirinhos – Gondomar.

Observação de norte para sul.

Observação de norte para sul.

Foto de Paula Costa Machado, 2020.

Foto de Pedro Aguiar, 2020.

131


Figura 46 – Rio Simão – Valongo.

Figura 47 – Canal para rega – Valongo.

Observação de este para oeste.

Observação de norte para sul.

Fotos de Pedro Aguiar, 2020.

132


Um dos canais de apoio à mineração para lavagem das encostas da serra de Pias já foi sumariamente estudado175 e indicia uma cronologia do período de ocupação romana. A sua extensão não foi aferida na totalidade devido, por um lado, a demolições feitas à época para encetar outros trabalhos de mineração e, ao longo dos tempos, por diversas alterações urbanas e da paisagem que eliminaram tramos deste canal. Eventualmente associado a trabalhos de mineração ou moagem de cereal, há um desvio do leito do rio Ferreira, bastante curioso. Deixa-nos curiosos sobre o que terá originado tal esforço humano. Considerando que terá sido aberto a pulso, quantas pessoas terão ali trabalhado, durante quanto tempo e, não menos importante, quem terá gerido tal obra? Estas mesmas curiosidades colocam-se pontualmente noutras obras, por exemplo: uma cisterna subterrânea totalmente esculpida em rocha, várias minas de água que abastecem sistemas de rega, tanques e fontanários, o talhe do afloramento rochoso do leito de rios e a construção de muros de pedra sobreposta nas respetivas margens, fazendo elevar e aumentar as zonas agrárias e microcanais de desvio de água para fins diversos, eventualmente para apoio à moagem de minerais e cereais. Alguns dos trabalhos de engenharia referidos, por se encontrarem em subsolo, têm vindo a ser estudados com apoio da espeleologia. Destes trabalhos de prospeção, inventariação e exploração espeleológica, resultaram dados que não surgem em nenhuma das fontes consultadas, nomeadamente as Concessões Minerais Metalíferas Históricas de Portugal entre 1936-1992, do LNEG - Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia, Plano Diretor Municipal de Valongo (Revisão 2014) e mapas do acervo do Município de Valongo, executados pela Companhia das Lousas, relativo ao Limite de Propriedade e Arrendamento (mapa não datado). Provavelmente, constarão de algum registo, mas no decurso dos trabalhos e com os meios disponíveis, não foi possível encontrar tal informação. Do ponto de vista espeleológico, as cavidades artificiais176 referenciadas sobretudo na vertente Sudoeste da serra de Quintarei, enquadram-se todas na classe A-Construções Hidráulicas Subterrâneas, e subclasses A2-Captações de Água e A4-Cisternas. 175

MARICATO, 2001; MATIAS et al., 2014

176

Cavidades Artificiais (Parise et al.,2013) são definidas como resultantes de trabalhos subterrâneos de interesse histórico e antropológico realizados pelo homem ou por ele reajustados positivamente de acordo com as suas necessidades. Incluem quer os trabalhos feitos pelo homem (escavações, construções subterrâneas ou transformadas em estruturas subterrâneas em resultado de sobreposição estratigráfica) quer as grutas naturais quando estas foram ajustadas às necessidades humanas em partes significativas.

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134

Figura 48 – Captação de água e cisterna – Valongo.

Figura 49 – Captação de água e cisterna – Valongo.

Observação de sudoeste para nordeste.

Observação de sudoeste para nordeste.

Foto de Pedro Aguiar, 2014.

Foto de Vítor Rebelo, 2014.


Figura 50 – Captação de água e cisterna – Valongo.

Figura 51 – Captação de água e cisterna - Valongo.

Observação de sudoeste para nordeste.

Observação de sudoeste para nordeste.

Foto de Vítor Rebelo, 2014.

Foto de Pedro Aguiar, 2014.

135


Figura 52 – Captação de água e cisterna – Valongo. Observação de sudoeste para nordeste. Foto de Pedro Aguiar, 2014.

136


Em Valongo, foram identificados dois depósitos para acumulação de água, tendo sido construídos com grandes taludes em terra compactada, em pontos altos da serra de Pias. Ainda são evidentes, embora estejam em degradação. PLÍNIO, no livro XXXIII, Tratado dos Metais e sua natureza, no ponto 75, sobre as técnicas de exploração mineira, salientou que: Nas partes altas das montanhas escavam-se tanques de duzentos pés de largura e comprimento, e dez de profundidade. Têm cinco aliviadores (comportas) quadrados de três pés. O tanque estando cheio, pleno, abrem-se os tampões das comportas, e a corrente da água lança-se com tanta força, que arrasta as pedras das encostas. As medidas apontadas por Plínio, correspondiam a tanques quadrangulares, em que cada um dos quatro taludes tinham cerca de 59 metros de comprimento. Tanques com cerca de três metros de profundidade e cinco comportas com cerca de 90 centímetros. Estes dois depósitos para acumulação e retenção de água, com manifestas características romanas, ainda podem ser reconhecidos na serra de Pias, em Campo, Sobrado. Depósito 1 está identificado em 41º08´50.76’’N - 8º28’07.47’’O, altitude de 351 metros Depósito 2 está identificado em 41º09’45.26’’N – 8º28’32.63’’O, altitude de 289 metros

137


Figura 53 – Fragas do Castelo no rio Ferreira – Valongo. Observação de sudeste para noroeste. Foto de Pedro Aguiar, 2014.

138


Figura 54 – Depósito de água com características romanas – Campo e Sobrado. Observação de sudoeste para nordeste. Foto de António Cabeço, 2020.

139


Figura 55 – Depósito de água com características romanas – Campo e Sobrado. Observação de oeste para este. Foto de António Cabeço, 2020.

140


Figura 56 – Tanque na serra de Pias - Campo e Sobrado. Observação de nordeste para sudoeste. Foto de José João Roseira, 2016.

141


OBJETIVO DESTAS CONSTRUÇÕES PARA USO DA ÁGUA Face a todos estes exemplos de construções para uso da água identificados e cartografados, aparentemente somos levados a pensar que a presença militar pode ter feito mais do que segurança do transporte do ouro para o Império, apesar de parecer evidente que a partir do momento em que a região estava pacificada, o exército deixava a estratégia de conquista e assumia o papel de garante da ocupação, instrumento ao serviço da administração romana, com funções de policiamento, controle e garante da reorganização sociopolítica. A gestão de projetos e obras de grande envergadura e com muito impacto no território teria necessariamente equipas a programar e dirigir os trabalhos, o que parece ser próprio de quem tinha experiência militar. Talvez os povos indígenas tivessem conhecimentos suficientes para fazer algumas das intervenções, mas não teriam uma visão estratégica alargada a todo o território. Neste sentido, poderia haver uma conciliação de interesses, mesmo que involuntária, em que os romanos cediam conhecimento e estratégia, muito própria dos militares, e os indígenas viam a sua exploração progredir mais rapidamente, tanto em termos de mineração como agrícola e, eventualmente, até noutros recursos, de que se salienta a lousa comprovadamente usada na construção. Em Valongo, identificam-se canais hidráulicos construídos com elevado rigor topográfico, minas também com precisão topográfica na intersecção de galerias, poços e câmaras de exploração, a quadrícula actus quadratus aplicada amplamente ao longo dos rios Ferreira e Leça, e até marcas prováveis de gestão das águas em pequenos ribeiros e afluentes, servindo como recarga controlada dos rios principais em pontos estratégicos. Um dos canais hidráulicos de Valongo é semelhante a alguns identificados em Espanha, amplamente estudados por Roberto Matías177, o que denota uma transferência de conhecimento para ser usado em Valongo, o que seria natural pela cronologia mais tardia das intervenções, permitindo que aqui fossem usados os saberes acumulados, ao longo de décadas, nas anteriores explorações noutras zonas do Império. Sabemos que a administração romana adaptava os meios de que dispunha em função dos riscos e das circunstâncias e, por isso, certamente, a dureza da exploração das minas foi deixada a privados, deixando a salvaguarda dos resultados dessa exploração ao exército.

177

142

MATÍAS, Roberto (2014). La mineria del oro en el Império Romano y su puesta en valor: Contextualización e importância de la mineria aurífera romana en el área Valongo-Paredes. In Atas do 1º Congresso Mineração Romana em Valongo, pp. 3-39.


A exploração indireta das minas imperiais poderá ter criado um grupo de coloni que partilhavam com o fisco alguns benefícios da exploração, sem ser posta em causa a posse das minas por parte do Estado. Esta situação pode ser identificada na exploração das minas de Vipasca, Aljustrel, onde estes coloni contratavam mão de obra assalariada, os mercenari. Estes coloni eram homens de origem indígena a quem os romanos atribuíam, de acordo com o Ius Latii, estatuto especial na sociedade romana das províncias, embora sem lhes dar o direito de cidadania romana plena, na medida em que esta cidadania era limitada a famílias com origem em Roma e dela oriundas. Na exploração mineira em Vipasca, foram identificados documentos que comprovam o recurso ao arrendamento da exploração de algumas tarefas indispensáveis no quotidiano da aldeia mineira, tais como a atividade dos barbeiros, dos professores, dos negociantes de escórias e de outras profissões178. As regras apontadas certamente que eram inspiradas na legislação geral do Império e, por isso, de uso noutras explorações, como em Valongo. A afirmação do poder dos Imperadores no século I, sentida no Noroeste da Hispânia pela busca de segurança que o exército, em seu nome, podia garantir, foi também sentida na preocupação com a afirmação da autoridade do Império através da construção de cidades com urbanismo identitário, como provam as construídas no tempo da governação da dinastia dos Flávios, nas últimas décadas do século I. São exemplos, Tongobriga, Aquae Flaviae, Clunia, Tiermes, Uxama, entre outras. Isto foi muito marcante na segunda metade do século I, na sequência do que acontecera algumas décadas antes com as primeiras cidades capitais (Bracara, Astorga, Lugo) no tempo de Augusto. Podemos encontrar algumas semelhanças com o que ocorreu noutras regiões. Por exemplo, a publicação dos resultados das escavações arqueológicas de Conímbriga, na década de 70 do século XX, mostrou o impacto que as políticas dos Imperadores, no final do século I, tiveram na construção desta cidade da província da Lusitânia. A afirmação desta cidade foi evidenciada pelos edifícios públicos de envergadura que constituíram o forum, as termas, o teatro, para além da intensa construção de habitações. Entretanto, as escavações realizadas em Bracara Augusta e em Tongobriga, no final do século XX e já no século XXI, confirmaram que também nestas urbes da Tarraconense o período de governação do final do século I, especialmente a

178

ENCARNAÇÃO, José d’ (2013). O quotidiano numa aldeia mineira romana: o caso de Vipasca Arqueologia e História. Aljustrel: Câmara Municipal. pp. 33-37.

143


partir de Vespasiano, foi de intensa atividade construtiva que as estruturou e afirmou como urbes com edifícios públicos e privados de grande impacto. Mas estas conclusões sobre Conímbriga, Bracara e Tongobriga resultaram de estratigrafias recolhidas por metodologia científica em escavações arqueológicas recentes, ao contrário da informação sobre Valongo apontada por Joaquim Reis, que não tinha estas informações no início do século XX. Estamos, assim, perante uma mera coincidência de argumentos ou, de facto, Joaquim Reis teve acesso a documentação antiga de que se serviu, nomeadamente a Monarchia Lusytana de Bernardo de Brito? E qual o suporte científico destas informações? Julgo que é uma dúvida para a qual dificilmente teremos resposta. É reconhecido que, no início do século I, consequência da política expansionista afirmada no tempo de Augusto, a administração romana nos “novos territórios“ induziu nas populações a generalização de novos conhecimentos geográficos e etnográficos, assim como se evidenciou a criação de civitates, a criação de cidades organizadas segundo “novo urbanismo” em que predominava a ortogonalidade, assim como a criação de unidades de exploração agrícola orientadas para abastecer as novas cidades, cujas populações passaram a ter novas necessidades quotidianas. Também a presença dos exércitos exigia que fossem produzidos alimentos que os suportassem nas regiões, o que devia ser garantido pelas novas estruturas agrárias. Esta nova organização dos territórios poderá ter sido condicionada, inicialmente, pela redução demográfica motivada pela guerrilha contra os romanos, embora só nas zonas em que tal existiu. Onde isto não aconteceu, deu-se a movimentação das populações que habitavam os castros para as terras mais baixas, onde a produtividade agrícola passou a ser diferente e maior, em virtude dos processos técnicos romanizados. Na economia romana, assim como em todo o mundo antigo, a base da riqueza e do poder social estava no controle da terra. Gradualmente, a estrutura social introduzida pelos romanos favoreceu a evolução da aristocracia local que, convertida ao desenvolvimento e mudança que lhes era proposto pela nova governança, tornaram-se fiéis e garantes do sistema imperial. Na região de Valongo não temos evidências arqueológicas que nos mostrem que foi diferente.

144


O reconhecimento das diferentes comunidades indígenas pelos romanos estava dependente dos seus comportamentos, das situações de conflito e das situações de fidelidade, assumindo-se que os romanos pretendiam coesão em todo o Império. Na região de Valongo, não foram realizados trabalhos arqueológicos nos castros identificados e, por isso, não podemos fazer propostas e apontar conclusões sobre a forma como os indígenas se confrontaram com os romanos. Noutras zonas do Noroeste foram identificadas destruições violentas de povoados castrejos que eventualmente confrontaram os romanos, mas também foram identificados castros que ampliaram as áreas de habitações e, certamente, aumentaram a população. Há ainda registo de castros que foram abandonados pelas populações, mas que o fizeram de modo programado, levando consigo todos os bens para os novos povoados. Geralmente, estes castros nunca mais foram reocupados. No entanto, em todos os casos, as reformas e as exigências romanas provocavam, certamente, instabilidade nas populações indígenas. No final da conquista do Noroeste, os romanos iniciaram rapidamente as reformas administrativas para integrar os novos territórios no Império, de acordo com as normas apontadas por Augusto, com incidência na reforma das terras com capacidade para exploração agrícola, incidência nos recursos naturais, nomeadamente mineiros, e incidência nas populações. Tal como foi reconhecido em muitos pontos da Callaecia 179, no território de Valongo podem identificar-se algumas etapas no processo de “romanização”. Certamente que a presença romana que gradualmente foi sendo feita no Noroeste da Ibéria começou por comercializar produtos romanos, tais como as cerâmicas de qualidade, introduzindo gostos e hábitos diferentes dos que os povos indígenas tinham. Depois, com a conquista até finais do século I antes de Cristo, as denominadas reformas de Augusto, apontando para a identificação de um vasto território transduriano, promoveram a organização sociopolítica das comunidades humanas e as alterações no ordenamento, quer com a organização de castros que se mantiveram, quer com a construção de novos povoamentos, geralmente maiores que os anteriores porque houve política de concentração de populações. Muitos destes novos povoados foram também construídos para responder à especialização geoestratégica que a nova economia exigia pela necessidade de proximidade às fontes de exploração, fossem agrárias, pastorícias, florestais, fossem mineiras. No caso de Valongo parece evidente que todas estas explorações existiram, embora se tenha evidenciado a especialização da mineira. 179

PEREIRA-MENAUT, Gerardo (2010). El moderno Debate sobre la Romanización. «Veleia», 27, 239-253.

145


Joaquim Reis também escreveu que foi à beira da estrada que vinha do Susão, que foram construídas as primeiras casas, nos princípios ou meados do século II, indiciando que eram casas de características romanas e não as castrejas de planta circular. Embora não tenham sido realizadas escavações arqueológicas que o possam comprovar, a observação conjugada do traçado das estradas com a geomorfologia, parece-nos evidente que o primeiro objetivo dos romanos foi chegar aos povoados onde habitavam os indígenas, nos castros em Santa Justa e em Couce, pois era com eles que tinham de negociar ou a eles se impor. Terá sido o caminho que, do Susão a Santa Justa, ao longo da encosta, serviu como acesso e também como suporte à primeira construção romana. Tornaremos ao assunto quando fizermos a reconstituição de traçados dos caminhos e das estradas antigas, mas podemos especular, desde já, sobre os sítios onde estão as ruas de “Valle de Acha” e “Oliveira Zina”, apontando-os como aqueles em que se cruzariam estradas e caminhos. Os sítios em torno de “Contensas” e em torno dos terrenos com altimetria de 150 e 160 metros, que atualmente identificamos genericamente como rua de Sousa Pinto (rua Velha) e como tardoz da rua Oliveira Dias (rua Escorial /Escoural), podem ter sido os que acolheram as primeiras construções romanas em Valongo, marginando as estradas que se tornaram importantes para o povoamento e fundamentais na vida quotidiana no século I, primórdios da sociedade imposta pelos interesses da sociedade romanizada. Mais complexa é a localização de Agra dos Galegos, na medida em que o sítio apontado por Cristina Madureira180, interpretando o texto de Joaquim Reis, já estaria em terrenos alagados, eventuais sapais, normalmente evitados para construção e habitação. No entanto, podemos considerar que uma relocalização para terrenos ligeiramente mais elevados, em sopé do monte, poderia viabilizar construções e habitação, justificando a travessia pela estrada romana que adiante referenciamos com o número cinco. Joaquim Reis também salientou que no século II houve aumento da atividade de exploração dos solos, salientando a importância dos “cultivadores de terras”, apontando que o Susão foi em época romana uma zona de villa. Provavelmente, queria apontar zona de villae, plural de villa. Era certamente uma zona onde existiriam estruturas agrárias do tipo villa, propriedades privadas, com organização típica para exploração agrícola e de gado, normais em topo o Império. A villa, assumida como propriedade agrícola, simbolizada pela casa do proprietário e pelas casas dos trabalhadores, além das 180

146

Volume II, “Reconhecer os lugares”.


casas para apoio dos trabalhos, era associada ao fundi, entendido como área total da propriedade, contínua ou descontínua, soma de terrenos agrícolas, florestais, para pastoreio, além de infraestruturas hidráulicas. Joaquim Reis181 também salienta os trabalhos mineiros na região e indicia que “as minas já tinham sido exploradas muito antes dos romanos”. Sobre a atividade mineira já em tempo de administração romana, salienta que começaram os mineiros a estender a exploração do ouro até ao fim do monte de Santa Justa, começando a fazer na parte alta do valle o centro de toda a sua actividade mineira, trazendo para o logar, que ainda hoje tem o nome de Moinho do Ouro, o apparelho ou machinismo que tinham no Salto para triturar o quartzo aurífero e montando as suas oficinas de ferrreiro para fazer e preparar as ferramentas, de que se serviam, no Escoural, chamado assim por causa de grande quantidade de escorias que nos tempos vindouros alli appareceram. Embora não tenhamos provas obtidas por escavação arqueológica, esta afirmação de Joaquim Reis aponta para o facto de ter havido mudança de equipamento de moagem de minério da zona do Castelo, onde se pode identificar um lugar com topónimo Salto, para uma zona mais a norte, ainda em Valongo. Sabemos que o funcionamento deste tipo de equipamento está dependente da força motriz da água e, por isso, ambos os locais podiam garantir o regular uso das máquinas. No entanto, esta nova localização do equipamento amplia muito o espaço industrial, absorvendo todo o eventual espaço urbanizado. Ter-se-á assistido à transformação de um espaço habitacional de apoio à exploração mineira num espaço industrial com habitação no seu interior. Sobre a organização do sistema de exploração das minas em Valongo, Armando Coelho Silva aponta que é possível que o conjunto destas explorações constituísse uma circunscrição autónoma denominada, segundo hipotéticas deduções epigráficas, por Albocolensis 182 , que seria distinta do distrito mineiro de Trás-os-Montes, onde são incluídas por 181

REIS, 1904: 74-75

182

SILVA, 1986; PINTO, J.M.M. (1992). A mineração do ouro em época romana nas serras de Santa Justa e Pias (Valongo). Galicia: da Romanidade à Xermanización. In Actas do Encontro Científico en Homenaxe a Fermin Bouza Bre. Santiago de Compostela: Museo do Pobo Galego, pp. 287-311.

147


Figura 57 – Ara votiva em granito patente na parede sul da Capela de S. Bartolomeu – Valongo. Foto e reprodução 3D de Hugo Pires, 2018.

148


Claude Domergue183, devendo, assim, justificar a existência, pelo menos a partir dos finais do século I/inícios do II depois de Cristo, de um procurador local, procurator metalli,dependente ou adjunto do procurador de Augusto para as Astúrias e Galécia, gozando, ainda, que de forma temporária, de certa autonomia administrativa em subordinação à procuradoria financeira imperial184. Esta perspetiva foi apontada a partir da identificação, em 1985, de uma ara em granito encontrada no Susão, com cinco linhas, que permitiu a leitura: Alboco/e(x) u(oto) d(e) p(ecunia)/[s(va)] Rufus/Apilus/Fecit. Reconhecendo a proposta de Alain Tranoy185 que afastou a hipótese, até então defendida, de que era uma divindade protetora dos rebanhos, Armando Coelho Silva aponta “para um deus protetor de uma montanha donde se extraísse ouro, precisamente a ideia que consideramos contida no teónimo Alboco que descobrimos na região aurífera de Valongo”186. Sobre esta epígrafe, Armando Redentor187 salientou, entretanto, que a ara que se encontra reaproveitada como material de construção na capela de São Bartolomeu de Susão, com a dedicação Alboco, nume indígena que Silva188 entende identificar-se com a serra de Valongo, porventura em virtude do metal aurífero das suas jazidas, ou, conferindo-lhe personificação, com divindade que a protegia… Os dois antropónimos que se registam na inscrição, ambos em nominativo, equivalerão a idiónimos distintos. Embora, do ponto de vista linguístico, os antropónimos Rufus e Apilus tenham origens diferenciadas, a sua correlação não conforma qualquer estrutura onomástica. Preferimos, apesar da aparente simplicidade do texto, identificar dois indivíduos, como já se comentou: um dedicante, que suporta a 183

DOMERGUE, Claude (1990). Les mines de la Péninsule Ibérique dans l’Antiquité Romaine. Roma: École Française de Rome, pp. 222-223.

184

SILVA, A. C. F. (1994). Origens do Porto. In História do Porto. Porto: Porto Editora. p. 95.

185

TRANOY, 1981: 186 e 305

186

SILVA, 1986: 287

187

REDENTOR, A. (2011). A Cultura Epigráfica no Conventus Bracaraugustanus (Pars Occidentalis): Percursos pela Sociedade Brácara da Época Romana. Coimbra: Faculdade de Letras. Tese de doutoramento. pp.274-275.

188

SILVA, 1986: 232 e 287

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suas expensas o cumprimento do voto; o outro, o executante, intervindo ao lado do primeiro. A sua identificação com apenas um nome indicia que se trata de indivíduos de condição servil. Mesmo valorizando que o nome Apilus é de origem indígena, com incidência regional, e que Rufus é bastante frequente, inclusive em meios peregrinos, parece-nos demasiado aventuroso pensar numa relação familiar, de pai e filho, que deste modo, fugiria aos habituais esquemas de identificação pessoal. Também, neste caso, nos falta conhecimento relativamente ao contexto arqueológico original da peça, o qual poderá não estar exatamente relacionado com a área submetida à exploração mineira, embora a divindade invocada possa remeter para o ambiente orográfico que lhe esteve afeto.189 Com cronologia que aponta para o século II, não sabemos o lugar de origem desta ara, mas pensando que não foi muito deslocada, constata-se que estava em pleno espaço agrário que se estendia do Susão ao rio Leça, território que terá sido profundamente alterado pela influência romana, eventualmente com a instalação de villae, quintas para exploração agrícola. Estaria também próximo do caminho romano que ligava Alfena a Susão, para além de que na envolvente da capela de S. Bartolomeu também estão documentadas minas de exploração aurífera romana. Mas, ao longo dos séculos I e II, a influência romana tornou-se evidente no uso de novos processos construtivos, por vezes conjugados com os usados pelos indígenas. Na maior parte das provas recolhidas em escavações arqueológicas foi confirmado que foram usados os processos e as técnicas inovadoras romanas, assim como alguns materiais de construção que eram aqui, até então, desconhecidos, de que se salientaram as telhas cerâmicas, os tijolos e o cimento. As novas urbes, evidenciadas no início e no fim do século I, tal como Bracara Augusta, e depois Tongobriga e Aquae Flaviae, entre outros novos povoados, tiveram certamente diferentes influências sobre a região, onde a moeda romana passou a circular e onde o latim passou a ser usado, certamente em linguagem popular e com aprendizagem rudimentar. Em Valongo, como na generalidade das regiões conquistadas, a romanização provocou a aculturação religiosa politeísta, como se denota nas poucas epígrafes conhecidas na região. Também foram adotados novos ritos funerários e a cremação passou a ser dominante no enterramento de mortos. 189

150

REDENTOR, 2011: 274


A ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO E A CAPITALIDADE POLÍTICA A evolução da conquista do Noroeste da Hispânia, tornando-se definitiva no final do século I antes de Cristo, permitiu que os romanos aplicassem nesta região as mesmas normas políticas e administrativas que já tinham usado noutros sítios. Com a conquista, os romanos aplicaram no Noroeste os tipos de urbanismo e de arquitetura que, a partir de Roma e do Lácio, tinham desenvolvido em torno do mediterrâneo. Começaram a usar os materiais e as técnicas a que estavam habituados, mas também tiveram acesso, com abundância, a coisas que não conheciam ou não lhes era habitual. Entre elas, salientava-se a predominância do granito que lhes permitiu transformar a qualidade e a solidez construtiva dos edifícios, apesar de continuarem a usar os mesmos métodos e técnicas de construção, as mesmas regras de uso e as mesmas escalas dos edifícios normalizados. O granito era a pedra em que os indígenas tinham construído as casas, os muros, as muralhas dos castros e os outros elementos que procuravam salientar, tais como os “balneários pedra-formosa”, os santuários e a escultura dos guerreiros. Os arquitetos e engenheiros romanos limitaram-se a adequar os granitos e as várias formas de os trabalhar aos projetos modelo que já usavam. Os prodígios dos opus vittatum, opus caementicium e do opus quadratum foram acrescentados e tornaram os edifícios romanos como marcas de modernidade perante os indígenas. O xisto, apesar de também existir em quantidade assinalável, teve um uso menos marcante na construção romana, embora seja assinalável em sítios onde ele domina, como é o caso de Valongo. Apesar de ser igualmente duradouro como o granito, o xisto não se adequava com facilidade às técnicas construtivas romanas que preferiam a conjugação do granito talhado com o cimento. Esta marca do granito foi notória, por exemplo, na construção da cidade de Bracara Augusta, edificada para ser capital da Callaecia, assim como em Tongobriga, construída como civitas de um territorium190 em que predominava um povo, Tongobrigense, e que servia estrategicamente a estrada que ligava as capitais da Callaecia e da Lusitânia, Bracara Augusta a Emerita Augusta, ambas construídas por decisão política e estratégica de Augusto. As escavações arqueológicas realizadas na região de Valongo não nos permitem apresentar propostas muito rigorosas sobre a dimensão do povoamento e do seu urbanismo mas, em 190

Capital administrativa à qual estava atribuído um território sobre o qual tinha direitos e responsabilidades de administração.

151


contrapartida, o trabalho de vários investigadores sobre o Noroeste, de que saliento Patrick Le Roux191 pela amplitude da sua abordagem, o que permite afirmar que, desde a administração de César até ao fim do século II, os territórios do noroeste conheceram uma fase de expansão urbana generalizada, até então inexistente e que foi, por esse motivo, novidade para as populações. Os Romanos aplicaram a estratégia de construção de cidades, delas irradiando o novo conceito de cidadania que procurava suportar a implementação de um novo povoamento. Sabemos que o Noroeste foi organizado em conventos jurídicos, enquanto organizações administrativas, e Valongo integrava o conventus iuridicus bracarus192. O conceito de convento jurídico implica a existência de um território cujos povos reportam a uma cidade capital para todos os efeitos administrativos e jurídicos, neste caso Bracara Augusta. A administração do conventus estava subordinada ao governador da província, neste caso a Tarraconense, pelo que o legatus Augusti propraetore estava em Tarraco, atual Tarragona. Mas as estruturas administrativas mais presentes perante as populações locais, embora na dependência formal da capital do conventus, eram as várias civitates, cujo número variava em cada um deles, dependendo da estratégia aplicada a cada território. Cada civitas, formava uma unidade de território que poderia ter diferentes dimensões, mas de tal modo organizado que fosse possível a sua administração a partir de um lugar urbanizado. A modernidade administrativa aplicada pelos romanos aos territórios conquistados foi, com certeza, aplicada ao território de Valongo, mas não sabemos em que civitas se integraria, apesar das ligações viárias privilegiadas que no século II teria com Tongobriga e com Bracara Augusta. A instituição da civitas, como entidade política, procurava também reduzir as flutuações que as diferentes identidades locais, por vezes através das famílias, procuravam impor nas sociedades locais. Como apontou Le Roux193, não podemos esquecer que os romanos impunham uma forma de vida aparentemente ideal e organizada, em confronto com a anterior forma de vida dos indígenas, uma realidade pré-romana diferente entre os diferentes povos e com uma organização diferente da que os romanos pretendiam.

152

191

LE ROUX,1995: 79

192

Circunscrição em que se dividia e organizava uma província, neste caso o Conventus com sede em Bracara Augusta.

193

LE ROUX, Patrick (2010). La Péninsule Ibérique aux Époques Romaines. Paris: Armand Colin, p. 202.


A organização pré-romana era provavelmente complexa e assumia âmbitos territoriais, assim como relações de parentesco e de vizinhança sem delimitações rigorosas. Não sabemos, por exemplo, a dimensão do papel desempenhado pelo castro do Muro de Vandoma com a governação romana, na medida em que podia ter sido metrópole dos Calaicos, como defendeu Armando Coelho Silva194. A localização deste castro, enquadrando a sua centralidade no território, podia adequá-lo ao controle de uma vasta área, também mineira, e que, depois, foi intensamente explorada pelos romanos.195 A criação das civitates pelos romanos procurava definir os novos territórios e organizar as hierarquias da sua governação. A governação de Augusto terá sido para os indígenas da Hispânia o momento de partida de uma formação que induzia um espírito cívico novo, notado no desenvolvimento da municipalização do território, afirmado com profundidade e durabilidade, entendido como suporte para uma boa administração e garantia de autonomia das populações. As estruturas administrativas e cívicas procuravam introduzir as regras de organização e de gestão suscetíveis de facilitar a integração jurídica e política de todos aqueles que o queriam ou podiam fazer, embora fossem mantidas leis suportadas em costumes tradicionais, desde que não ofendessem as normas do direito romano de que o território beneficiava. Apesar das resistências que existiram, os romanos introduziram e implantaram uma governação suportada em cidades que serviam de capitais dos territórios, integrando as diversidades das culturas indígenas, impondo o sistema administrativo independentemente das resistências. A cidade, assumida como capital político e administrativo do território, foi o cimento do Império e de cada uma das províncias, em simultâneo com a noção de viagem. Cada nova urbe, num percurso de viagem, era sítio de passagem para outra cidade, prova de travessia segura do território, de progresso, de mutação, de metamorfose da paisagem. O território de Valongo esteve ligado por estrada a Bracara Augusta e a Tongobriga, embora esta ligação não tenha sido concretizada ao mesmo tempo. Se a ligação a Bracara Augusta foi feita durante o século I depois de Cristo, a estrada que ligava a Tongobriga só terá sido efetiva com a construção, no início do século II, da ponte sobre o rio Tâmega, em Canaveses. Estas estradas foram sendo construídas ao longo dos anos, certamente em diversas e sucessivas empreitadas que 194

SILVA, A. C. F. (1994). Origens do Porto. In História do Porto. Porto: Porto Editora, pp. 44-117.

195

SILVA, Maria António; FÉLIX, Natália (2008). Mineração Romana no concelho de Paredes. «Oppidum», Nº especial, 67-81.

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acompanharam o desenvolvimento dos territórios e a necessidade de movimentar pessoas e mercadorias. Estas foram as bases, as infraestruturas essenciais na governação dos romanos, pelo menos entre os séculos I e II depois de Cristo, correspondendo aos períodos de afirmação e, também, época de difícil coexistência motivada pela diversidade de ritmos de aculturação e de complicada mediação política.

A ADMINISTRAÇÃO E OS PODERES REGIONAIS Nas suas Res gestae196, Augusto vangloriava-se de ter dado ao Império limites geográficos definitivos e aconselhou Tibério, que lhe sucederia, a não se envolver em operações de conquista. De facto, a partir do reinado de Augusto, as conquistas, assim como a criação de novas províncias, foram raras, limitando-se, já no século I, à expansão para a Bretanha com Cláudio e às duas Germanias com Domiciano, para além da Dácia com Trajano, já no início do século II. Durante os dois primeiros séculos o objetivo foi organizar a administração das províncias e um sistema de “estados vassalos” ou de “protetorado”. Entre o período de governação de Augusto e o fim do século II, o Império possuía cerca de meia centena de províncias, com os seus estatutos conferidos por legislação e sujeitas ao imposto direto, o tributum. A administração que os romanos aplicavam sobre os territórios por si dominados tinha distintas dimensões, diretamente ligadas com as riquezas produzidas por cada uma das regiões. A forma de ser e de estar de cada comunidade refletia-se nas instituições e nas nomenclaturas de magistratura e noutros cargos locais com intervenção social que os romanos preparavam para cada uma delas, podendo ser eletivas e anuais como era norma em Roma. A governação do Império tinha necessidade de ter as comunidades estabilizadas, salvaguardando que as iniciativas locais fossem dirigidas para a paz no seio das populações. Embora com uma economia muito suportada na exploração agrária, em cada região preocuparam-se, também, com todas as outras atividades produtivas e resultantes da exploração das matérias primas, desde a madeira ao minério. 196

154

A Res Gestae Divi Augusti é o conjunto de narrativas escritas pelo próprio Imperador Augusto, antes da sua morte, referindo as obras realizadas durante sua longa carreira política.


Na região de Valongo são evidentes as marcas da exploração do ouro, predominantemente nos espaços montanhosos, e a atividade agrícola nas terras de planície, podendo ter existido a exploração florestal em encostas não usadas para a extração mineira. Era prática que as terras dominadas pelos romanos fossem por eles assumidas por posse da res publica, o que implicava o pagamento de uma taxa ao Estado pelo direito de ocupar a terra e trabalhá-la, não havendo propriedade privada. Este era um princípio usado em todo o Império, com os proveitos politicamente distribuídos pelo Imperador e pelo senado, embora em nome do povo. Estes princípios procuravam o equilíbrio entre a autoridade de uma magistratura temporária (imperium) e a autoridade do senado (auctoritas), ambas afirmadas na res publica, expresso na sigla SPQR, Senatus Populusque Romanus (O Senado e o Povo de Roma). Na divisão dos territórios na Hispânia entre os dois poderes, a província da Bética foi atribuída ao senado, enquanto que a Tarraconense e a Lusitânia ficaram sob governação imperial. A região de Valongo integrava a Tarraconense, com capital em Tarraco, na costa do Mediterrâneo, mas cujos limites próximos eram o rio Douro e o mar Atlântico. Os territórios em fase de conquista eram “provincializados” e governados pelo comandante dos exércitos de conquista, como que “prefeito”, acumulando funções militares e civis. Uma vez terminada esta fase, os militares permaneciam acantonados na região, mas o desempenho de “prefeito” era cedido a governadores nomeados pelo Imperador, no caso de Augusto, os legati Augusti propraetore. Estes representantes do Imperador, por si enviados para as províncias, geralmente permaneciam entre três a cinco anos. Eram escolhidos pelo Imperador, a ele prestavam contas e também por ele eram exonerados. Eram-lhes conferidos poderes militares, mas também responsabilidades civis e judiciárias e militares. As províncias imperiais eram diferentes das que dependiam do senado, na medida em que todas elas possuíam guarnições militares de legionários, o que não acontecia nas senatoriais. A administração dos territórios onde havia exploração mineira era suportada em legislação específica, na qual eram definidas as diferenças entre a exploração direta e indireta, desenvolvida sob a responsabilidade do Estado e a desenvolvida por privados autorizados a fazê-lo, embora com compromissos rígidos com a administração de Roma. Em Valongo, estamos num território que respondia ao poder do Imperador, pelo que todas as minas estavam sujeitas à administração imperial e a importância da exploração mineira, quer feita pelo Estado, quer por privados, justificava a presença da autoridade imperial.

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Neste sentido, todas as minas estavam sujeitas à sua administração direta, exercida através de um procurador por si nomeado, sem intervenção de qualquer outro poder administrativo ou político, como salientou Claude Domergue197. Um procurador tinha a seu cargo a gestão de todos os interesses financeiros com vista a garantir o cumprimento dos objetivos apontados pelo Imperador. Estes procuradores eram personalidades especializadas na gestão dos serviços imperiais, com carreiras pessoais e políticas que os salientavam. Se inicialmente esta função foi atribuída e desempenhada só por um procurator em toda a Hispania Citerior Tarraconensis, em que se integrava o território de Valongo, como sabemos ter sido Plínio-o-Velho, em torno de 73 depois de Cristo, o desenvolvimento da exploração mineira no Noroeste terá provocado o desdobramento de responsabilidades em torno do ano 79 depois de Cristo, com a consequente nomeação de um procurator só para as Astúrias e a Callaecia198. Na estrutura administrativa romana, este procurator que assumia a representação imperial, tinha que ser apoiado por outros funcionários com estatuto de libertos imperiais199. Desta estrutura administrativa conhecem-se situações em que estes procuradores assumiram responsabilidades nos territórios mineiros, os metalla, assumindo-se como representantes do poder central e do Imperador. Estes funcionários eram quem se deslocava regularmente e conhecia os territórios. Conheciam as potencialidades e características dos sítios e das populações e acompanhavam a exploração mineira. Eram homens com poder, como que procuradores locais, que tinham estatuto social e político, riqueza, exercendo funções por períodos de cinco anos200. Claude Domergue201 identificou e existência de um liberto, de nome M. Ulpius Eutyches, como procurador mettalorum de um distrito mineiro de Alboc (racensis) na Callecia.

156

197

DOMERGUE, 1990: 280

198

MARTINS, 2008: 90

199

O “liberto”, no estatuto romano, era uma figura social complexa e frágil. A não ser o facto de formalmente ter sido escravo que foi libertado, era um homem livre, suscetível de se integrar na população livre do Império. Muitos dos “libertos” desempenhavam funções intelectuais e artísticas, atualmente definidas como liberais, como professores, escritores, médicos, arquitetos, pintores, escultores, filósofos, embora também fossem operários que constituíam a plebe.

200

DOMERGUE, 1990: 299

201

idem: 293


A inscrição na ara de procedência indeterminada, embora oriunda da Callaecia, que serviu de suporte à proposta de Claude Domergue, foi interpretada por Julián Rubén Jimenez202 como dedicada por Eutyches, militar de origem grega, relacionado com a produção mineira, que teve funções de procurator metallorum Albocolensium. Embora não se conheçam documentos sobre a região de Valongo, Armando Redentor203 subscreve a hipótese apontada por Armando Coelho Ferreira da Silva204, segundo a qual o conjunto das explorações na região de Valongo poderia ter constituído uma circunscrição autónoma, que designa por Albocolensis, aceitando a existência de um procurador local para a sua superintendência, apesar da ausência de qualquer notícia de presença de militares, de técnicos e de pessoal administrativo, o que Teresa Soeiro205 considerou indispensável à programação dos trabalhos de envergadura que se reconhece neste território. Apesar da fragilidade documental, a conjugação destas interpretações aponta para que no final do século I, em torno da governação do Imperador Trajano, a relação entre o território de Valongo e a exploração mineira que aqui se fazia articulava-se com a tutela de uma entidade divina apelidada de Alboco (…), de origem pré-céltica, que ajudou à designação da região e à identificação do distrito mineiro Albocolensium em que se integrava206. Apesar da aparente ausência de marcas que nos permitam apontar com evidência os sítios onde pudessem estar instalados as estruturas e as pessoas, técnicos, militares e administradores que governavam o território e garantiam atividades produtivas, somos tentados a analisar sítios que nos propiciam alguma ousadia nas propostas de localização. Fazemos as propostas a partir de observações em fotografia aérea e visitas ao território. Na região que analisamos, mais ampla que a do concelho de Valongo, mas fundamental para se perceber o povoamento há cerca de 2000 anos, registamos três sítios com o topónimo “castelo” e em ambos salientamos a importância estratégica que assumiram.

202

JIMENEZ, 2020: 24

203

REDENTOR, 2011: 271 e 277

204

SILVA, 1986:232; 1994: 95

205

SOEIRO, Teresa (1984). A arqueologia da Mineração do ouro no Noroeste Peninsular. Porto: Faculdade de Letras; (1986). Contribuição para o inventário arqueológico do concelho de Paredes. «Portugália», VI/ VII, p. 111.

206

SILVA, 1986: 232

157


Figura 58 – Alto do Castelo – Valongo. Observação de sul para norte. Foto de António Cabeço, 2020.

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Concentraram-se as observações sobre o sítio com o topónimo Alto do Castelo, em Valongo. É uma plataforma em torno dos 120 metros de altitude, envolvida pelos rios Ferreira e Simão, que ali confluem. Esta localização na margem direita do rio Ferreira e na margem esquerda do rio Simão salienta o Alto do Castelo na paisagem. Este sítio poderá ter assumido um papel estratégico pela proximidade ao complexo mineiro de Santa Justa. Do Alto do Castelo são visíveis a encosta da serra de Santa Justa e o castro de Couce, enquanto do lado nascente a visibilidade se expande pelos terrenos agrícolas de Campo e Vandoma até à serra de Baltar. Não é difícil perspetivar que quaisquer construções destinadas a administração e ao controle militar tivessem sido ali construídas. A importância do Alto do Castelo foi salientada por Marcelo Mendes Pinto 207 que, sobre este sítio, apontou: Num esporão de encostas abruptas, definido e naturalmente defendido pela Ribeira de Valongo e pelo Rio Ferreira, chamado Alto do Castelo e virado à serra de Pias, o aparecimento de tégula e cerâmica comum romana faz pensar na probabilidade de aí se poder ter situado a sede da administração208 e, talvez, o acampamento do destacamento militar que fiscalizava os trabalhos mineiros, provavelmente soldados da Legio VII Gemina ou da Cohors Gallica, a exemplo do que acontecia em Três Minas, apesar de ainda não terem surgido os comprovativos epigráficos. Atualmente, ainda observamos alinhamentos das construções recentes que podemos entender como condicionadas por eventuais indícios de alicerces antigos. A implantação de construções administrativas neste sítio escarpado sobre os rios Ferreira e Simão permitiria também o controle das eventuais obras de hidráulica certamente implemen207

PINTO, 2000: 404

208

O mesmo autor aponta: “sobre este assunto, estabelecemos em trabalho anterior a hipótese da região mineira constituída por toda a faixa quartzítica aurífera das serras de Santa Justa e Pias (Valongo), Covêlo, Medas (Gondomar) e Banjas (Paredes), integrarem uma unidade mineira autónoma sob o governo de um procurator metalli dependente ou adjunto do Procurator Augusti per Asturiam et Galleciam. Esta região mineira seria conhecida na época por Albocolensis, designação comprovada epigraficamente em Valongo”. PINTO, J. M. M. (1992). A mineração do ouro em época romana nas serras de Santa Justa e Pias (Valongo). Galicia: da Romanidade á Xermanización. In Actas do Encontro Científico en Homenaxe a Fermín Bouza Brey. Santiago de Compostela: Museo do Pobo Galego, pp. 304-305; SILVA, A. C. Ferreira (1996). A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal. Paços de Ferreira: Museu Arqueológico da Citânia de Sanfins, p. 286; SILVA, A. C. Ferreira (1994). Origens do Porto. In História do Porto. Porto: Porto Editora, p. 95.

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tadas para melhorar os afluxos de água dos ribeiros afluentes e controlar o uso dos canais propositadamente construídos para gestão da água. Mas, na região que analisamos, mais ampla que a do concelho de Valongo, porque fundamental para se perceber o povoamento há cerca de 2000 anos, registamos outro sítio com o topónimo “castelo”, em Aguiar de Sousa. Este era certamente um sítio que controlava as zonas de acostagem, nas duas margens do troço navegável do rio Sousa. Situado sobre uma pequena elevação usada em torno dos 90 metros de altitude, na margem direita do rio Sousa, poderia exercer controle visual sobre o rio e as margens usadas como cais acostável, situadas em torno dos 30 metros de altitude. Este conjunto de estruturas permitiam que as cargas levadas por terra até aquelas acostagens fossem transportadas de barco pelos rios Sousa e Douro, com manifestas vantagens na duração das viagens e nos encargos de transporte. Os reduzidos vestígios arqueológicos recolhidos no castelo, em Aguiar de Sousa, não nos permitem apontar nenhuma hipótese concreta sobre o tipo de uso daquele sítio, mas não seria estranho que ali estivesse instalado um controle militar destinado a garantir o normal funcionamento das acostagens e o regular fluxo de navegabilidade. Também no Susão é identificado um lugar conhecido por Monte do Castelo, com vistas privilegiadas sobre o vale de Valongo que se estende entre Alfena e Susão, tendo enquadramento visual com a serra de Santa Justa, deslumbrando-se ainda a linha de costa. Em todos estes sítios salientamos a importância estratégica que certamente assumiram, embora de diferente modo. Se no Alto do Castelo, em Valongo, poderia estar sediada a sede administrativa do território, a estrutura funcional e de controle da economia, quer da exploração mineira quer da agrária, o Castelo sobre o rio Sousa seria um posto estratégico sobre a navegabilidade do rio e das cargas que por ali circulavam. A amplitude visual sobre o vale torna o Monte do Castelo um sítio privilegiado.

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Figura 59 – Nesta cartografia são assinalados os três sítios identificados com os topónimos “castelo”. Salientam-se na paisagem e deles tem-se uma amplitude visual que permite apontar-lhes perspetivas estratégicas. Apontam-se em pormenor nas figuras 59.1, 59.2 e 59.3.

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Figura 59.1

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Figura 59.2

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Figura 59.3

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Torre das Antas, Porto

Torre Lidador, Maia

Figura 60 – Monte do Castelo, Susão. Assinala-se a linha de horizonte do Atlântico, a torre das Antas, Porto, e a torre do Lidador, Maia. Observação de este para oeste. Foto de Cristina Madureira, 2021.

Figura 61 – Serra Quintarei, Susão. Zona agrícola do Susão, em continuidade do vale de Valongo, entre Alfena e Susão com as serras de Santa Justa e Pias de fundo. Observação de norte para sul. Foto de Pedro Aguiar, 2022.

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A POPULAÇÃO E A ESPERANÇA DE VIDA, AS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO As condições do quotidiano e de trabalho influenciam sempre a esperança média de vida e isso seria muito sentido há cerca de 2000 anos. Recordo, de novo, o que Aquilino Ribeiro, de forma romanceada, salientou A montanha foi muito tempo o solar do homem primitivo, vagabundo relapso sem outra telha que o céu estrelado. Ali viveu séculos e séculos entre robles frondosos, castanheiros que lhe davam boa sombra e castanhas, esfomeado crónico, mas livre. Um dia empurraram-no para o vale, onde era menos perigoso e onde podia prestar serviços, extraindo a cassiterite das minas, e o castelo dos altos ficou ao desamparo. Os castros indígenas, eram, afinal, os povoados onde vivia a população indígena antes da influência que os romanos trouxeram e impuseram. O homem quando desceu para os plainos não o fez voluntariamente, repetimos, nem duma vez por todas. Nunca o abutre trocará os cumes desertos e nevados pelos vales ainda que ubérrimos. Para aqueles vai todo o seu apego. São as mil vozes aliciantes da liberdade que o chamam. A charneca, quando muito, ficará a sua coutada de caçador. Assim deve ter acontecido com o nosso pai lusitano, que era um impávido e digno bandoleiro. O romano, que explorava a Ibéria, por nada deste mundo consentiria em deixá-lo nos montes donde lançava os seus assaltos irresistíveis. Precisava dele para lhe fazer os fretes de colonialista.209 Na região de Valongo, identificam-se destes tipos de povoados, caracterizados pelos sítios em que foram implantados. A organização administrativa e económica impulsionada pelos romanos motivou, certamente, como aconteceu em todo o Império, a construção de “novos povoados”, escolhendo para isso os sítios onde podiam controlar a circulação da água, especialmente nos canais construídos com intuitos de servirem a exploração mineira e nos outros que serviam as explorações agrárias. Os povoados mineiros foram criados de propósito para servirem a exploração mineira, com cuidado na implantação, mostrando verdadeiro conhecimento de causa pelos romanos, certamente para que estivessem suficientemente próximos dos sítios de exploração e para que 209

166

RIBEIRO, 2017: 19-20


a organização social que criavam e proporcionavam pudesse corresponder às exigências dos trabalhos mineiros. Somos tentados a analisar as relações entre a atividade mineira e a estrutura social das comunidades depois da conquista romana. Parece evidente que a atividade mineira, com todas as implicações que teve nas economias locais, foi um elemento ativo na hora de definir novas formas de dependência. Afastadas as perspetivas de escravização em grande escala, como salientou Claude Domergue210, certamente que a exploração das minas foi feita por populações indígenas que viviam em povoados próximos das explorações. A atratividade que a proximidade propiciava, era uma forma de garantir a rentabilização do trabalho tributário, assegurada que estava a apropriação dos terrenos, a sua gestão estatal e a garantia de controle dos proventos pela autoridade fiscal. Estariam em alguns destes povoados as oficinas e os artesãos responsáveis pela produção das ferramentas exigidas nos trabalhos mineiros. Eram povoados com especiais condições de vida e de trabalho porque adequados, pela localização, para responder às necessidades específicas da exploração das minas de ouro. Neste território reconhecem-se também as villa, quintas em que a população era especializada na exploração agrícola e pecuária, situadas nas planícies irrigadas, embora expandindo-se para as encostas aproveitadas para a exploração florestal. Mas esta é uma perspetiva de uso dos solos, explorado de diversos modos, que demorou séculos a concretizar-se e ainda mais tempo a estabilizar-se. Se a exploração pecuária tinha tradição indígena, muito antes da governação romana, as novas formas de exploração dos solos, associando aos produtos que a economia romana privilegiava, demoraram tempo a impor-se, muito dependendo das condições climatéricas regionais e da qualidade da mão de obra local. Perante o pragmatismo romano, podemo-nos questionar sobre a estratégia escolhida, na medida em que podiam limitar-se a adquirir as coisas produzidas pelas populações da região, neste caso os callaeci bracari, incentivando importância comercial destes povos, controlando desta forma o mercado, sem fazerem exploração direta. Sobre a população que habitava estes sítios em Valongo, em concreto, sabemos pouco. Sabemos, apenas, que a administração romana foi fazendo recenseamentos ao longo do tempo em todo o Império, mas deles chegou-nos conhecimento pouco rigoroso. 210

DOMERGUE, 1986:52

167


Estrabão escreveu que os povos montanheses que habitam o lado setentrional da Ibéria, como os Calaicos, os Astures e os Cântabros, têm rudeza e selvagismo, que resulta não só dos seus costumes guerreiros, mas também do seu afastamento. Sendo longos os caminhos por terra e por mar para chegar até eles, não tendo relações com outros, não têm sensibilidade e humanidade. Mas o mesmo autor nada escreveu sobre os índices populacionais das tribos que reconheceu nas costas do mar atlântico e no interior, realçando apenas que “todos os montanheses do Norte são austeros, bebem normalmente água, dormem no chão…”. Estudos recentes211 apontam que no momento em que o Imperador Augusto chegou ao poder, em 27 antes de Cristo, a população do Império seria de 56.800 milhões e a densidade seria de 20,7 habitantes/Km2. Ao longo do século I depois de Cristo, o Império expandiu-se para vastos territórios, mas onde havia pouca população, como também acontecia no Norte de África e nas zonas da Dácia (atual Roménia), entre outras. Quando o Império atingiu a dimensão máxima, em torno de 120 depois de Cristo, com Adriano, a população seria de 88 milhões e a densidade populacional era de 13,5 habitantes /Km2. Durante a ocupação romana da Península Ibérica, foram realizados diversos censos de população, de cujos resultados, porém, não temos informação rigorosa. Apenas Plínio212 (III,4,28), que utilizou provavelmente um censo efetuado na época dos Flávios, no final do século I, registou 285 000 almas no convento bracaraugustano213. Aqui se incluíam vários povos que Plínio pouco descreveu, apontando só os callaeci bracari, os bibali, os caladuni, os equaesi, os limici e os quarquerni. A região de Valongo estava integrada neste território, nos callaeci bracari e, por isso, este indicador sobre a população é de especial interesse. Mas é difícil calcular com rigor a popu-

168

211

DURAND, 1977: 253-296

212

HN, III, 4, 28

213

ALARCÃO, 1990:395


lação de um território em período romano. Os povoados urbanos criados e impulsionados pela economia romana eram recentes e a sua população desconhecida. A população seria predominantemente rural. Alguma tornou-se urbana ao habitar ou trabalhar nas novas urbes que os romanos fundaram, embora o número não tenha sido muito significativo. Por exemplo, a população de Tongobriga em meados do século II, poderia ser de cerca de 2500 habitantes. Entretanto, estudos recentes têm concentrado atenções sobre a esperança de vida durante a governação do Império Romano. Demograficamente, o Império Romano era semelhante a um estado pré-moderno comum. Apresentava alta mortalidade infantil, baixa idade para o casamento e alta fertilidade no casamento. Devido à alta taxa de mortalidade infantil, a expectativa de vida ao nascer era de cerca de 25 anos. Talvez metade dos romanos tenham morrido até aos 5 anos. Dos que ainda estavam vivos aos 10 anos, metade morreria até aos 50 anos. Mas se um romano sobrevivesse na infância até ao meio da adolescência, poderia, em média, ter cerca de seis décadas de vida. Qualquer cálculo apresentado tem sempre as condicionantes ligadas aos meios em que o indivíduo vivia, pois variava se habitasse um sítio urbano com grande densidade populacional, muito sujeito a doenças então frequentes, como a malária e a tuberculose, ou vivesse num sítio de montanha e com baixa densidade de população. Na serra de Santa Justa, foi identificada por José Fortes214 uma epígrafe funerária em xisto215 com texto gravado, “aos deuses Manes. Flávio, filho de Brácaro, de 40 anos, está aqui sepultado”: D(is). M(anibus). [S(acrum)] /Fla.us. B/RA(cari). F(ilius) an(norum) / XXXX/h(ic). S(itus). Est Não se sabe em que zona da serra de Santa Justa foi recolhida e, por isso, também o local de enterramento. Em contrapartida, salienta a filiação a um Brácaro, referência étnica aos Bracari, a mais antiga na região, anterior à presença romana. Apesar disso, o rito funerário é assumidamente romano, a inscrição em latim, a dedicatória ao deus Manes, até o nome Flávio. Faleceu com 40 anos, idade relativamente avançada na época. Armando Redentor salientou que esta 214

FORTES, José (1905-1906). Noticias Epigraphicas - Analecta epigraphica. «Portugalia», 2, p. 124-127.

215

Está atualmente depositada no Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Armando Redentor (2011) salientou que esta epígrafe terá sido feita durante a primeira metade do século II.

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Figura 62 – Epígrafe funerária romana, em xisto,

procedente da Serra de Santa Justa e depositada no Museu Nacional Soares dos Reis. Fotos e reprodução 3D de Hugo Pires, 2018.

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Figura 63 – Face posterior com marcas de bujarda.


epígrafe terá sido feita durante a primeira metade do século II, o que nos parece confirmar que já então se afirmava a latinidade, tanto mais que a inscrição dedicada a Alboco pelos indivíduos, de nome Apilus e Rufus, ambos de condição servil e de origem indígena regional, também foi datada do século II.216 Nos recenseamentos realizados em todos os territórios que compunham o Império, cada indivíduo era classificado como cidadão romano ou como estrangeiro (peregrino), o que nos permite reconhecer que, perante a administração, os indígenas eram considerados estrangeiros na civitas em que se enquadravam, mesmo que fosse a sua terra de nascimento. Esta situação tem sido alvo de estudos aplicados a todo o espaço do Império, e parece generalizar-se a ideia de que os romanos conseguiram transmitir o incentivo a uma nova identidade cultural das populações, mais afirmada ainda pelas condições que permitiam a eventual naturalização, correspondente à obtenção da cidadania romana de pleno direito. Virgílio, no século I antes de Cristo, como já evidenciamos, salientou a missão dos Romanos, e recomendou “Tu, Romano, sê atento a governar os povos com o teu poder - estas serão as tuas artes – a impor hábitos de paz, a poupar os vencidos e derrubar os orgulhosos.” Reconhecemos que as lutas de conquista empreendidas pelos romanos produziram um grande número de vencidos, cuja energia de trabalho foi explorada de diferentes formas. Assim, a sociedade estava formalmente dividida entre “romanos” e “não romanos”. Geralmente é apontada217, para a Hispânia no século II, a percentagem de 10% de cidadãos romanos, 70% de “não romanos” e 20% de “escravos”. Não sabemos como aconteceu na região de Valongo, mas certamente foi similar aos sistemas usados em todo o Império. O desenvolvimento da sociedade romana estava suportado no conceito de cidade, esta enquanto base administrativa e territorial, e no de cidadão, sinónimo daquele que vive em pleno na cidade. Este cidadão, especialmente o que tinha o exemplo de Roma, a viver o seu quotidiano entre o trabalho (negotium) e o repouso (otium), rapidamente foi confrontado com a necessidade de ter ao seu serviço um crescente número de pessoas que garantissem todo o tipo de tarefas. Desde cedo, o ideal de cidadão entrou em contradição com o estatuto de súbdito.

216

REDENTOR, 2011: 275

217

FRIER, 2000

171


O Império romano acelerou tanto mais essa contradição, quanto mais se expandiu para limites geográficos e se alargou cada vez mais a distintas populações das diversas regiões, criando um enorme grupo de homens não-livres, que distinguia dos cidadãos. A noção de “não-livre”, o escravo, abrangia a grande maioria da população que habitava o interior das fronteiras do Império e foi a grande força de trabalho que transformou os territórios. Certamente que também o mundo dos escravos de então teve grandes heterogeneidades, diferente de região para região, embora definido por estatutos jurídicos que, no seu conjunto, os privava da sua personalidade, os transformava em objetos que se podiam vender ou comprar, submetidos ao poder de um senhor. A unidade do mundo servil tinha uma definição jurídica que era válida para todos os escravos, embora pudesse ser amenizada ou contrariada por formas concretas, extremamente variadas, como os escravos eram utilizados. Por exemplo, foi muitas vezes realçada a divisão essencial que separava os escravos rurais dos das cidades, principalmente dos que trabalhavam em casa dos senhores. A maioria dos escravos que trabalhava nos campos era encarregada de tarefas produtivas. Pouco em contacto com o senhor, esses escravos estavam sujeitos, na maioria das vezes, a uma severa disciplina que tendia a explorar ao máximo as suas capacidades de trabalho. Era a esse grupo que, apesar de uma certa diversidade de situações, os romanos aplicavam o epíteto “desprovidos de tempo livre”, aqueles que não tinham direito ao otium.218 Claude Domergue219 chamou a atenção para que o emprego de escravos públicos nas explorações mineiras seria ruinoso para o Estado romano, quer pela dificuldade de gerir as condições de trabalho, quer pela sua rentabilidade, suportando esta afirmação na ausência generalizada de registo arqueológico que comprove a “escravização” de populações locais. Embora não haja evidências que permitam afirmar que havia escravatura, a ausência de provas da sua existência leva a pensar que podemos estar perante populações livres, reconhecidas como “peregrini” com um processo “deditio”, o que poderia ser sinónimo de populações “submetidas”, apesar de livres.

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218

VEYNE, 1989: 82

219

DOMERGUE, 1980


Também não há evidências arqueológicas que permitam afirmar que poderia haver trabalhadores assalariados, os “mercenarii”, embora julguemos que a amplitude do trabalho realizado nos séculos I e II não teria sido possível sem o desempenho deste tipo de trabalhadores. O papel dos escravos e dos libertos é difícil de enquadrar na região de Valongo, na medida em que não há evidências arqueológicas nem numismáticas. Mas é reconhecido que na antiguidade romana a política económica estava suportada na capacidade produtiva que só muita mão de obra humana podia garantir. Catão, autor romano de um tratado sobre a organização agrária e o trabalho agrícola, sob o título A Agricultura, nele incluiu um capítulo sobre “o que é possível fazer quando o tempo estiver mau”, apontando soluções para evitar a todo o custo que os trabalhadores estejam inativos, porque “as despesas não param, já que um escravo que não trabalha é um escravo que custa dinheiro e não rende”220. Catão salientou os papéis de um escravo a quem o proprietário encarregou de gerir a propriedade na sua ausência, o vilicus e da mulher, a vilica. Todo o tempo do vilicus devia ser dedicado ao trabalho, o mesmo acontecendo com a mulher. Catão apontava que o vilicus deve ser o primeiro a levantar-se e o último a deitar-se, e a quem é igualmente imposto um princípio moral, incluindo contentar-se com a mulher que o senhor lhe deu, a vilica. A esta, Catão recomendava que deve cuidar da limpeza da villa e da alimentação do pessoal, tratar do galinheiro, das conservas de frutas, da moagem do trigo, que esteja sempre em casa, conviva pouco com as vizinhas, já que todo o tempo deve ser dedicado ao trabalho221. Pelas regras apontadas por Catão, podemos constatar que a maioria dos escravos integrados nas propriedades rurais eram mera mão de obra, apenas contabilizada para o índice de produção agrícola. A este sistema fechado da vida na villa, entendida como estrutura fundamental para a economia rustica em todo o Império, dedicada inteiramente à produção, contrapõe-se a vida urbana, em 220

VEYNE, 1989: 82

221

VEYNE, 1989: 82

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que a organização do trabalho era diferente. Nas cidades, eram conhecidos muitos homens na condição de escravos que eram encarregados de gerir negócios vários, lojas ou empresas artesanais por conta do senhor, gozando assim de uma autonomia que não tinha comparação com a vida nos campos. Havia também uma escravatura doméstica, destinada a facilitar a vida dos senhores e, portanto, sujeita a ritmos de trabalho que dependiam mais dos caprichos deles do que da gestão racional de uma empresa, como acontecia com os escravos afetos a tarefas nas oficinas e nas fábricas artesanais. Quando refletimos sobre a produtividade e o ritmo de trabalho nas oficinas artesanais, algumas verdadeiras fábricas, somos induzidos a reconhecer o desafio que representava a luz, a dificuldade da luz para iluminar a noite, o que nos aponta para que a jornada diurna fosse organizada em função do nascer e pôr do sol. Qual era a duração da jornada de trabalho na vida rural? E nas minas? E no trabalho do artesão? Quando, hoje, no nosso escritório iluminado pela luz eléctrica que jorra do tecto, de um candeeiro sobre a secretária e até, por vezes, de um outro por detrás do sofá, não contamos as horas de leitura; quando, em nossas casas e fora delas, se prolonga o dia consoante as necessidades e os gostos – teremos acaso percepção clara das condições em que os nossos antepassados remotos, e mesmo próximos, eram obrigados a submeter-se ao Império da noite? ……. Todavia, em cada nova aurora, os homens voltavam ao trabalho, sonhando, experimentando, desistindo, para logo prosseguir – lutando sempre. Esta reflexão de Joel Serrão222pode ajudar-nos a reconhecer a realidade da vida quotidiana antiga. José Albuquerque e Castro deu a conhecer um conjunto de peças que foram recolhidas, em 1961, no interior da mina do fojo das Pombas. Uma delas foi uma lucerna recolhida num nicho de uma galeria de acesso a desmontes abertos num poço. A galeria estava a 42 metros abaixo da boca do poço. Esta lucerna foi moldada e acabada com pouca perfeição, certamente porque era para ser usada em ambiente de mina. Quando foi achada, no sítio em que era usada, “estava impregnada de cheiro de oleum nitidamente semelhante ao vulgar cheiro das 222

174

SERRÃO, 1962: 19


Figura 64 – Galeria de mina na serra de Santa Justa. São visíveis vários nichos cavados nas paredes, onde eram pousadas as lucernas para iluminação - Valongo.

Observação de noroeste para sudeste. Foto de Pedro Aguiar, 2020.

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actuais velas de cebo”223. Basta esta pequena descrição para reconhecer as difíceis condições de trabalho no interior da mina, neste caso a 42 metros de profundidade, onde seriam necessárias muitas lucernas em muitos nichos para que houvesse iluminação suficiente para trabalhar, criando em contrapartida condições ambientais difíceis e com muito cheiro a “cebo”. Geralmente, estas lucernas eram pousadas em pequenos nichos cavados nas paredes das minas, espaçados com distâncias variadas mas próximos e a uma altura cerca de 2/3 da altura do hasteal onde se encontram, de modo a serem acesas, abastecidas ou substituídas sem dificuldade e, em contrapartida, iluminarem as galerias. Não sabemos qual era o estatuto dos trabalhadores que estavam nesta mina em Valongo, a usar estas lucernas. Seria fácil dizer que eram escravos, mas nada nos permite fazer essa afirmação. A exploração mineira não podia ser realizada em ambiente hostil. Nos territórios mineiros tinha que haver, por parte dos romanos, uma estratégia de partilha de interesses para que a população local fosse parceira na exploração. Sabemos, tão só, que a exploração mineira foi assumida pelo Estado, incluindo a sua gestão depois de considerar-se como proprietário dos solos e dos subsolos. Embora o Estado assumisse a propriedade e controlasse os resultados da produtividade, os trabalhos técnicos da exploração podiam ser desenvolvidos por concessão. Não sabemos qual era o sistema de gestão em Valongo, mas podemos reconhecer que existia essa possibilidade. Não temos provas de que a exploração fosse operada diretamente pelo Estado, como apontou a investigação sobre Três Minas e Jales224, mas também não temos comprovação de exploração por concessão. Jorge de Alarcão225, suportado em duas tábuas de bronze encontradas nas minas de Aljustrel em 1876 e 1906, salientou e sintetizou a possibilidade de ter havido o regime de concessão. Apesar de serem minas de cobre e prata e situarem-se na Lusitânia, também sob direção direta do Imperador, o exemplo é propositado. As concessões eram leiloadas: os arrematantes, que podiam constituir-se em sociedades, pagavam logo de entrada uma taxa chamada pittaciarium. Tinham de iniciar os trabalhos até ao vigésimo quinto dia após o leilão, prazo que lhes era concedido

176

223

CASTRO, 1961: 432

224

WAHL, 1998: 57

225

ALARCÃO, 1990: 414


certamente para reunirem fundos, contratarem trabalhadores e prepararem equipamento. Começada a exploração de um poço, e logo que fosse alcançado um filão (no caso de Aljustrel era de prata), o concessionário tinha de pagar uma segunda taxa de 4000 sertércios. Além destes encargos, o concessionário devia ao Estado metade do minério extraído. Tal como apontou Jorge de Alarcão, havia certamente taxas maiores e menores para os casos de filões de ouro ou de cobre. No caso de Valongo, tal como acontecia noutras zonas, não há evidência da existência de fornos de fundição. Rui Morais226, suportado na disposição geográfica, levantou a hipótese de fornos de fundição terem existido nas plataformas superiores à zona escavada na Ivanta, aproveitando os ventos para o bom funcionamento das fornalhas e permitir a fácil dispersão dos fumos tóxicos. Em favor desta hipótese, aponta a existência de fragmentos de cerâmica e escórias à superfície. Só uma futura escavação arqueológica poderá esclarecer esta hipótese. Nas condições em que não existia forno próximo, “o minério era avaliado à boca da mina e “satisfeito pelo concessionário o pagamento da parte que por direito cabia ao Estado, o único que podia proceder ao transporte de todo o minério para o forno de fundição”. Havia regras muito rígidas que regulavam o transporte, sendo proibido fazê-lo durante a noite, sendo severamente punida a infração e, especialmente castigado, o transporte clandestino. No caso de Aljustrel, os documentos encontrados mostram que também muitas tarefas eram atribuídas por concessão, tais como o trabalho de barbeiro, de sapateiro, de tintureiro, de ferreiro, entre outros. Mas definir o artesão romano é particularmente difícil. Sabe-se que encontrar mão de obra qualificada era um problema em alguns dos ofícios227. Geralmente, eram pessoas de precários recursos, cujo estatuto era pouco reconhecido, embora dependesse do sítio e dos produtos que fabricavam ou consertavam. 226

MORAIS, 2007: 2770

227

MOREL, Jean-Paul (1992). O Artesão. In O Homem Romano. Lisboa: Editorial Presença, pp. 179-202.

177


Na generalidade da sociedade romana, apesar da diversidade de tarefas e de atitudes dos senhores perante os escravos e os libertos, perante todos os homens e mulheres, e para lá da unidade que derivava do estatuto jurídico, esse mundo do trabalho era muito heterogéneo, desde logo, pela amplitude de tribos e povos, pelas diferenças dos seus modos de ser e pela diversidade de regiões. Mas a realidade profunda, e que salienta a sociedade romana, é o facto de a massa dos escravos ser muito grande e pertencer sempre às classes inferiores da sociedade, essencialmente definida por ser encarregada de tarefas servis. Em contrapartida, o libertus, era o antigo escravo a quem o dono concedeu a liberdade. Sobre o conceito de libertus muito tem sido escrito e, geralmente, de forma intimamente ligada à dimensão da escravatura. A existência de muitos escravos libertados prova que os romanos ofereciam amplas possibilidades de libertação e de promoção social e que a escravatura romana não podia ser comparada com a que existiu nos tempos modernos. Esta é uma questão complexa e, quando aplicada à região de Valongo há cerca de dois mil anos, nada se pode apontar de concreto. Como terão sido consideradas pelos romanos as populações desta região? Que papeis desempenharam na exploração agrária e nas minas? A existência de cultos religiosos, vulgarmente associados a libertus, como por exemplo a dedicação à divindade Fortuna, poderia indiciar a adesão ao culto de “novos” deuses e existência de seguidores dos novos ritos trazidos pelos romanos. Também a figura social do libertus é complexa e frágil. O liberto encontra-se na encruzilhada de várias forças divergentes ou mesmo opostas. Por um lado, esteve na condição de escravo, coisa que nem ele nem os outros podem esquecer. Por outro, o seu estatuto de liberto é parcialmente contraditório, porque a libertação conferia-lhe a mesma cidadania do seu patrono, mas sujeitava-o a uma série de obrigações e de costumes que o separavam dos “ingénuos”228. Cada liberto teria uma situação económica e social determinada pelas suas origens geográficas e culturais. O estatuto jurídico que o romano atribuía ao libertus tornavam-no um homem livre, suscetível de se integrar no resto da população livre do Império, mas na prática estava sujeito a regras que o tornavam diferente daqueles que tinham nascido livres, os denominados “ingénuos”. Ao longo do tempo, por todo o Império, as condições foram mudando e o indivíduo que era libertado por um romano tornava-se cidadão romano, fosse qual fosse o processo oficial adotado para o 228

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Ingenuum, nascido de pais livres, por vezes filho de mãe que tinha sido escrava, mas que obteve a emancipação por lei, pessoa de condição livre.


libertar. A vontade do senhor estava na origem de um ato de soberania pública e, com isso, permitia que o ex-escravo acedesse aos direitos políticos, ao direito de ter património próprio, direito de voto, direito de casamento, o connubium; no entanto, o libertus devia respeito ao senhor que o libertara. Devia-lhe obsequium. É difícil de reconhecer, em concreto, qualquer destas características da organização social aplicadas na região de Valongo, durante a presença romana, entre os séculos I e IV. Quantos homens e mulheres nasceram livres e depois, no decorrer da conquista ou devido ao comércio de escravos, foram reduzidos à escravidão? São conhecidas crónicas sobre este tipo de comportamentos em vários sítios do Império, mas não no Noroeste da Hispânia. Sabe-se que o local de nascimento, a sua língua materna, a sua juventude e a sua educação influíam muito sobre o caráter e sobre a vida social. O conhecimento do latim e do grego eram condições muito consideradas. Como constatamos através do texto da Geografia de Estrabão, estas não eram propriamente características dos povos do Noroeste, mas certamente que a integração no mundo romano muito dependia das capacidades de participação no esforço de romanização e no “reconhecimento” das suas vantagens. Também como constatámos pelos vestígios arqueológicos identificados na região, que a integração na economia romana parece ter sido rápida e adequada, o que poderia indiciar empenhamento de mão de obra indígena, embora não saibamos a quantidade de escravos e libertos que possa ter existido e aqui trabalhado.

179


A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS E A ESPECIALIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS

A FLORESTA, O TRABALHO AGRÍCOLA E A EXPLORAÇÃO AGRÁRIA O trabalho de prospeção das riquezas dos solos foi preocupação permanente dos romanos. Para além da exploração mineira, salientamos a exploração organizada das águas para uso quotidiano e para regadio e, também, das águas minerais, geralmente quentes, que afloravam nas falhas geológicas. Encontramos alguns exemplos no Noroeste peninsular em que foram construídos edifícios termais sobre as nascentes, predominantemente no final do século I depois de Cristo. São exemplos as termas de Lugo e Bande, ambas na atual Galiza, Aquae Flaviae, Vizela, Canaveses e S. Pedro do Sul, entre outras em Portugal. Na região de Valongo não existem sítios em que brotam este tipo de águas para uso medicinal. Em contrapartida, o território de Valongo tem vastos espaços com características para a exploração agrária, beneficiados pela abundância de água. Sabemos que as terras confiscadas pela conquista passavam a fazer parte do ager publicus populi Romani e eram exploradas de várias maneiras. As lutas devidas ao modo de explorar foram muito duras em muitas zonas do Império, na medida em que eram a fonte de rendimento regular. Alguns queriam converter muitos dos terrenos em pasto ligado à criação de gado e à transumância, outros privilegiavam a exploração propriamente agrícola. Este enorme património fundiário, crescendo gradualmente com as conquistas, podia ser explorado de diversos modos nas diferentes regiões do Império, provocando desigualdades do ponto de vista económico. Do ponto de vista jurídico, as terras eram atribuídas em função do pagamento de uma taxa. Aparentemente, a ocupação dos solos estava sujeita a certos limites, embora também se tivesse sentido que alguns grandes latifúndios foram criados por influências políticas e sociais. Sobre isto nada sabemos sobre o que poderá ter acontecido na região de Valongo. No início das conquistas, parece ter prevalecido o princípio segundo o qual não era lícito obter um lote que excedesse a capacidade de cultivo do beneficiário. Depois, com o decorrer do tempo, permitiram a atribuição da superfície que tencionava valorizar. Por fim, numa terceira fase, tentaram fixar um limite máximo às herdades individuais. Nesta fase, foram apontados limites de 500 jugueros, correspondendo a cerca de 125 hectares de terrenos públicos, e foi

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possível levar a pastar nesses terrenos mais de 100 cabeças de gado vacum ou 500 cabeças de ovinos e caprinos. Mas, num Império tão extenso e com tanta diversidade de povos e tribos, estas disposições tornaram-se torneáveis e diversificaram-se. A existência de evidências de estruturas características romanas propositadamente construídas para exploração agrícola, também para a pecuária e a florestal, como as villae, de que é exemplo a identificada em Corredoura, entre outras que existiriam na região, como em Baltar, em Parada de Todeia, em Valdeira e em Vandoma, entre outras, comprova que os romanos aqui aplicaram os métodos que usaram em todos os outros territórios que conquistavam, porque o campo era o quadro essencial da atividade agrícola. O trabalho no campo e a medida do tempo que o lavrador dedicava para o laborar, tornou-se referência essencial no modo de vida. Plínio–o-Velho, na sua História Natural229, apontou que na vida rural antiga a organização básica estava no trabalho do lavrador que dirigia uma junta de bois ao jugo, durante um dia, do nascer ao pôr do sol. Este desempenho diário era o Jugerum, correspondendo no cálculo fiscal romano de uma parcela de 35,5 metros x 71 metros, servindo de referência nos territórios de todo o Império. Era o espaço de campo agrícola trabalhado num dia por uma atrelagem de dois bois, vulgarizado pela expressão bois ao jugo, suportando uma organização fundiária em que usavam a noção de “espaço de produção”, traduzida na aplicação do actus quadratus que corresponde a 35,5 metros x 35,5 metros. A este “espaço de produção” estava associada a noção de tempo de trabalho de uma junta de bois a puxar um arado “do nascer ao pôr do sol”, embora dividida na jornada da manhã e na da tarde. Formalmente, correspondia a 1 actus quadratus durante a manhã e a um actus quadratus durante a tarde, medida de trabalho diário, traduzida no conceito de jugerum, o qual procurava um compromisso com uma distância que permitia o controle visual do traçado retilíneo dos sulcos feitos pelo arado, o que não seria difícil com distâncias demasiado longas. Recordamos que o topónimo “jugueiros” é vulgar no território português e, geralmente, está associado a sítios romanos com características de villae, denominação que os romanos davam às quintas e herdades agrárias. Plínio-o-Velho também salientou esta fórmula ao referir que dois actus formam um jugerum, com 240 pés de comprimento e 120 pés de largura, concebido como superfície do trabalho quotidiano de uma atrelagem de bois para laborarem durante um dia. Reconhece-se aqui que tudo era feito “à medida do corpo humano”, em que o pé (pes monetalis) correspondia a 29,5 229

PLÍNIO. HN. 18, 371-375

181


cm, servindo de referência em todo o Império. Neste trabalho era fundamental a tarefa do agrimensor, técnico que dominava a capacidade de medir e parcelar as terras. Não temos documentação que mostre ter havido em Valongo um programa de cadastro dos terrenos em actus e jugerus, mas era um hábito administrativo que os romanos tinham e com o qual procuraram organizar os territórios e promover a distribuição das terras, com igualdade e proporcionalidade, perante aqueles que aderiam e se enquadravam nas suas políticas, incluindo os militares reformados que ajudavam nas conquistas. Na ausência de achados que pudessem dar alguma informação sobre o aproveitamento dos solos pelos romanos, procuramos fazer observações sobre eventuais vestígios que tivessem restado no parcelamento dos campos agrícolas. Procuramos fazer as observações nas fotografias aéreas mais antigas, principalmente nas que foram realizadas antes ou durante a segunda guerra, até 1945, época até à qual a capacidade técnica de revolvimento dos solos era reduzida e, em contrapartida, as técnicas de trabalho eram ainda tradicionais. Na observação da fotografia aérea, RAF 1947, sobre o território de Valongo, no parcelamento dos campos domina a orientação nordeste/sudeste, adequando, quando necessário, às margens do rio. Neste parcelamento, as dimensões dominantes, salvaguardando distorções da fotografia, são aproximadamente de 35,5 metros ou seus múltiplos, podendo encontrar-se aproximação evidente e sistemática com a dimensão do actus quadratus e dos seus múltiplos, o juguerum e o heredium.

Exemplos de parcelário agrícola em Valongo Os mapas apresentados foram executados por Pedro Aguiar com recurso a cartografias e fotografias aéreas existentes em arquivo na CMV, fontes públicas e bases de dados construídas para este estudo: Fotografias aéreas Voo 1937-1957 (SPLAL), números 638, 642, 644, 646, 655, 666 e 784. Fotografias aéreas Voo 1947 (RAF), números 5160, 5162, 5165, 5182 e 5008. Portugal. Serviço Cartográfico do Exército, 1959-1993 - Valongo. Ed. 3. Escala 1:25 000, projecção de Gauss, elipsóide internacional, datum de Lisboa. [Lisboa]: S.C.E., 1977. 1 mapa topográfico; excerto folhas 110, 111, 122, 123, 133, 134.

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Modelo Digital do Terreno (Resolução 50 m) - Portugal Continental; Direcção Geral do Território; Lisboa; 2010 (http://mapas.dgterritorio.pt /ATOM-download/mdt50m/mdt50m.zip) A adequação das fotografias aéreas às bases cartográficas atuais não permitiu um perfeito ajuste por falta de pontos de controlo fidedignos. Mas, considerando que o estudo assenta sobretudo numa escala de território e não em pormenor, tal facto foi minimizado por ajuste manual de proximidade. A abordagem ao parcelário agrícola, resulta da fotointerpretação de fotografias aéreas de 1939 (SPLAL) e 1947 (RAF), em zonas agrícolas junto aos meandros dos principais rios ou na envolvente próxima, onde foi sobreposta uma malha teórica de (35,48m x 35,48m), equivalente à grelha romana Actus Quadratus (120pés x 120pés). Estas zonas foram numeradas sequencialmente de forma arbitrária e nomeadas de acordo com o rio mais próximo. id

Ref.

Área

id

Ref.

Área

id

Ref.

Área

id

Ref.

Área

1

Bustelo 1

66 ha

10

Ferreira 9

19 ha

19

Leça 7

58 ha

28

Simão 4

120 ha

2

Ferreira 1

25 ha

11

Ferreira 10

42 ha

20

Leça 8

87 ha

29

Sousa 1

46 ha

3

Ferreira 2

14 ha

12

Ferreira 11

911 ha

21

Leça 9

52 ha

30

Sousa 2

137 ha

4

Ferreira 3

7 ha

13

Leça 1

42 ha

22

Leça 10

20 ha

31

Sousa 3

55 ha

5

Ferreira 4

43 ha

14

Leça 2

16 ha

23

Leça 11

38 ha

32

Susão 1

133 ha

6

Ferreira 5

44 ha

15

Leça 3

17 ha

24

Leça 12

34 ha

33

Susão 2

122 ha

7

Ferreira 6

88 ha

16

Leça 4

12 ha

25

Simão 1

119 ha

8

Ferreira 7

16 ha

17

Leça 5

17 ha

26

Simão 2

72 ha

9

Ferreira 8

22 ha

18

Leça 6

41 ha

27

Simão 3

89 ha

As 33 zonas identificadas, ficam na sua maioria dentro do limite do atual concelho de Valongo ou nas imediações. Apenas as zonas de Bustelo e Sousa, a sul, estão completamente fora do concelho, situadas em territórios de Paredes e de Gondomar. Esta análise cingiu-se apenas à área de estudo, contudo há indícios cartográficos que apontam continuidade em algumas zonas ao longo de linhas de água. A orientação da malha teórica foi ajustada de forma a coincidir, o máximo possível, com os alinhamentos identificáveis na respetiva base fotográfica em análise e marcados os alinhamentos perfeitamente coincidentes com a malha. Não se verificam orientações específicas ou constantes, relativamente a exposição solar. Parece prevalecer o melhor aproveitamento possível de área de “quadrados” maximizando a área disponível para cultivo.

183


A orientação solar da grelha aparenta ser desprezada, talvez por se tratar de zonas em vale aberto e plano, sem ensombramentos significativos das elevações circundantes, pelo que, qualquer orientação das parcelas estará sempre bem ensolarada. Nas zonas em que há mudança de orientação das malhas, por vezes, é percetível o aproveitamento de duas direções não perpendiculares para combinar alinhamentos. A lógica de adequação da malha ao território e à morfologia do terreno, nos rios Leça e Ferreira, parece ser adossada às diversas direções que os meandros dos rios descrevem no seu percurso, por vezes estendendo-se para as duas margens. O mesmo não acontece nos rios Simão, Sousa e ribeira de Bustelo onde não aparenta haver uma relação direta entre o meandro dos rios e os alinhamentos predominantes das porções de malha aí existentes; contudo, continua a verificar-se a mesma métrica de malha quadrangular. Nas fotografias aéreas, há caminhos, muros ou outro tipo de delimitações ondulantes ou não retilíneas que, por vezes, não se consegue perceber a diferença, mas, ainda assim, parecem coincidir com a métrica da malha numa orientação principal ou extensão genérica. Estas situações não foram assinaladas nos mapas, de forma a evidenciar o que é mais óbvio de interpretar visualmente sobre as fotografias aéreas.

Figura 65 – Vale do Leça - Alfena. Observação de sudoeste para nordeste. Fotomontagem de Pedro Aguiar, 2020.

184


Figura 66 – Indicação das zonas observadas e pormenorizadas em cartografia aérea, identificadas como figuras 66.1 a 66.20.

185


Figura 66.1

186


Figura 66.2

187


Figura 66.3

188


Figura 66.4

189


Figura 66.5

190


Figura 66.6

191


Figura 66.7

192


Figura 66.8

193


Figura 66.9

194


Figura 66.10

195


Figura 66.11

196


Figura 66.12

197


Figura 66.13

198


Figura 66.14

199


Figura 66.15

200


Figura 66.16

201


Figura 66.17

202


Figura 66.18

203


Figura 66.19

204


Figura 66.20

205


Figura 67 – Permanência de parcelários em Campo e Sobrado. Observação de noroeste para sudeste. Foto de António Cabeço, 2020.

206


Figura 68 – Permanência de parcelários em Ermesinde. Observação de sudoeste para nordeste. Foto de António Cabeço, 2020.

207


Na sociedade romana a exploração agrícola era a fundadora e o suporte da riqueza e, por isso, a ocupação romana foi acompanhada de planificação agrária e o fundus foi a estrutura elementar na organização em todo o território conquistado. O principal objetivo desta planificação era a expressão de nova forma de administração com suporte jurídico, fiscal e social muito forte. O fundus era uma propriedade, sinónimo de um conjunto de terras, onde se salientava o aedificium como casa do dono, incluindo os anexos fundamentais para o apoio aos trabalhos necessários numa grande propriedade 230. As condições geomorfológicas das regiões e as características dos solos determinavam cada uma das propriedades agrárias, tornando-as distintas. Se poderia haver fundi contínuos em sítios pouco montanhosos como, por exemplo, no Alentejo, no Norte de África, na Gália, na Turquia, noutros sítios as propriedades reunidas pelos romanos podiam ser descontínuas, juntando planície, encostas de floresta, planaltos de matos e lameiros. Era, certamente o que acontecia no Norte de Portugal. Embora fossem propriedades descontínuas, o somatório das diferentes parcelas podia constituir um latifúndio, garantindo rendimento que tornava estas propriedades autónomas. Garantiam a produção suficiente para as necessidades sentidas nas regiões, mas também, contribuíam para a exportação de produtos, salientados pela qualidade do vinho e do azeite. Embora sem provas arqueológicas e documentais que o comprovem, a abundância dos carvalhais pode ter originado um mercado de madeira de qualidade, muito necessário para a construção dos edifícios romanos, públicos e privados. Os romanos introduziram a telha como cobertura dominante nas construções, o que obrigava a sólidos travejamentos de madeira. O sistema de tegulae e imbrex identificado em Valongo, semelhante a outros sítios, para além do cimento que ligava as telhas, podia pesar 67 kg por metro quadrado, o que exigia estruturas de madeira sólidas, capazes de suportar este tipo de pesados telhados. Em todo o território do Império, a propriedade usada para produção agrícola servia de base à riqueza e à estratigrafia social, suportando os interesses económicos das famílias romanas. A forma de explorar a terra foi mudando ao longo do tempo com as conquistas. É reconhecido que já no século I antes de Cristo havia camponeses que, sob diversos regimes, cultivavam terras de que não eram proprietários. Sabe-se, também, que uma parte dos “proprietários fundiários” não só recorriam a mão-de-obra escrava como costumava entregar lotes de terras a colonos, pequenos agricultores que trabalhavam a terra de que não eram donos, ou como arrendatários ou porque recebera do Estado uma parcela de terra para cultivar. As prestações 230

208

CHOUQUER, 2010: 96


dos colonos assumiam sobretudo dois aspetos: ou eram obrigados a pagar, em dinheiro ou em espécie, uma quantidade fixa da colheita, ou comprometiam-se a entregar uma parte variável do valor da colheita. É difícil determinar a importância destas formas de dependência, assim como é difícil saber quando foi aplicada nos diferentes territórios. No território de Valongo, um sistema como este pode ter sido lançado ao longo do século I depois de Cristo, embora só tenha sido evidente ao longo do século II e consolidado apenas nos séculos III e IV. Proprietários, rendeiros, colonos, assalariados e escravos eram camponeses muito diferenciados sob muitos aspetos, o que se acentuava pela diversidade das características locais. No entanto, era uma classe constituída por indivíduos cuja sobrevivência dependia do trabalho nos campos, sem outras alternativas. As escavações arqueológicas realizadas em vários locais do Império, mostraram a pujança dos edifícios e o luxo de muitas das casas rurais, abundando os mosaicos que forravam pavimentos de muitas das salas dessas habitações. Esta é uma evidência similar em todo o Império, mas também comprovada, por exemplo, pelas ruínas da villa escavada em Sendim, Felgueiras, no seio de terras da freguesia de Jugueiros, cujo topónimo é esclarecedor231. A autonomia da vida numa villa, quer para proprietários quer para trabalhadores, era geralmente expressa, também, pela capacidade que tinha de criar o espaço para os mortos que nela labutavam. O ritual da cremação dos corpos e o enterramento das cinzas em necrópoles organizadas no interior dos fundi, tem permitido aos arqueólogos recolher informações determinantes para que se perceba a forma, o tipo e os modelos de enterramento que aqui eram praticados. Os vestígios registados em Valongo, assim como na região envolvente232, mostram que seguiam os costumes e os modelos usados em todo o Império. São exemplos as identificadas em Corredoura, em Vandoma, em Valdeira, em Parada de Todeia, em Calvário, em Tanque, em Mouriz, entre outras identificadas e estudadas nos territórios de Tongobriga e de Bracara Augusta. As necrópoles das Villae foram construídas nas dobras das pequenas encostas sobranceiras aos terrenos agrícolas, garantindo a secura e o sossego dos solos em que enterravam ritualmente as peças cerâmicas e metálicas, por vezes também moedas, que acompanhavam as cinzas do morto. 231

PINTO, J. M. M. (2008). Villa Romana de Sendim. Felgueiras: Câmara Municipal.

232

SILVA; FÉLIX, 2008: 70

209


Apesar do reduzido número de testemunhos rigorosos que as escavações arqueológicas nos dão no território de Valongo, é certo que há cerca de 2000 anos o território era habitado, fruído e trabalhado por populações indígenas, aos quais se juntaram os romanos empenhados em governar o mundo então conhecido e que, neste caso, eram as terras do finisterra atlântico. Ao processo muito complexo de influências mútuas que então se desenvolveram entre indígenas e romanos, começou a chamar-se “romanização”, traduzido num fenómeno com implicações, por exemplo, nas situações jurídicas dos indígenas conquistados e dos colonizadores, nas estruturas sociais e económicas, mas também muito sentidas nas relações dos indígenas e das elites locais com o poder romano. Também podemos falar de romanização linguística e da penetração do latim, da romanização material evidenciada pela disseminação entre os indígenas de novos gostos nos utensílios de uso quotidiano e no vestuário, na romanização das crenças religiosas e dos ritos funerários, da romanização da arquitetura e do urbanismo, da romanização do comércio e da moeda, da romanização da vida quotidiana rural e urbana, da romanização da administração em virtude da organização das terras, da criação do ager publicus233 e da organização das gentes, do reagrupamento e da criação de novos povoamentos, para além de muitas influências culturais. É difícil avaliar os resultados reais desta ação reformadora, mas sabemos que as reformas agrárias impostas pelos romanos, depois de distribuírem as terras, impunham alterações muito grandes na paisagem indígena, como pudemos observar, comparativamente, nas figuras 23 e 24. Conseguiram arrotear as terras ocupadas pela “mata ribeirinha” cuja vegetação não ardia facilmente. Estas terras arroteadas atraíram as populações para os vales onde os solos desbravados eram mais ricos. Valongo é uma região de vales longos. Estes solos dos vales foram certamente trabalhados, organizados e loteados segundo os princípios e as técnicas que os romanos usavam em todos os territórios do Império. As medidas e proporções do actus quadratus, do jugerum e do heredium, foram sendo aqui aplicadas, com muita probabilidade, desde o século I, época em que a administração irradiou de Bracara Augusta e das capitais administrativas que foram sendo construídas com esse intuito estratégico. 233

210

O Ager Publicus era constituído pela totalidade das terras confiscadas às populações dominadas pelos romanos e tinha diversas categorias: florestais, mineiras, de lavoura, baldios, entre outras, as quais podiam ser alugadas de acordo com leis que regulamentavam as condições e os prazos.


C – Paisagem romanizada 1. Mata (Carvalhal) 3. Pastagem e seara 5. Cultura intensiva 6. Curso de água TELLES (1995)

Figura 69 – Os romanos arroteavam as terras ocupadas pela “mata ribeirinha” cuja vegetação não ardia facilmente. Estas terras arroteadas atraíram as populações para os vales onde os solos desbravados eram mais ricos.

211


Mas, como apontou Patrick Le Roux234, mais do que a qualidade e a abundância dos produtos da agricultura e da pastorícia, foram os metais que deram renome à Hispânia. Neste sentido, Claude Domergue235 defendeu que a Hispânia terá começado por ser uma terra conhecida sobretudo pela exploração da prata, mas, depois, com a evolução da conquista e da pacificação, os romanos foram reconhecendo as riquezas mineiras que respondiam às necessidades sentidas pela economia romana e pelos instrumentos usados no comércio, nomeadamente o fabrico da moeda indispensável como instrumento de poder e de governação nos territórios conquistados. A evidência de marcas da mineração em Valongo torna este território alvo de especial atenção para os arqueólogos e os historiadores. A conquista gradual da Ibéria atingiu o território de Valongo já no fim do século I antes de Cristo, num momento em que minas de ouro noutras zonas do Império já estavam em intensa exploração e, por isso, em Valongo foi usada a experiência técnica acumulada. O volume de trabalho necessário para fazer o que se conhece da atividade mineira em Valongo, aparentemente, não parece compatível com uma exploração feita exclusivamente no tempo da presença romana, que tudo indica ter sido intensa e estruturada a partir de meados do século I, o que terá garantido um ciclo muito produtivo no século II, embora com exploração prolongada nos séculos seguintes, certamente com gradual redução de proveitos. Apesar da diferença nos tipos de exploração, pode ser feita alguma comparação com o que nos disse Jurgen Wahl sobre a exploração sistemática de Três Minas e Campo de Jales, a qual teria sido iniciada no primeiro ou no segundo decénio depois de Cristo, concentrando muito trabalho em pouco tempo.236 A dimensão da exploração e quantidade de trabalho e de esforço para extração de pedra na abertura dos fojos, para a abertura dos canais cavados na rocha e, por vezes, para construir taludes e paredes para criar aquedutos e depósitos de regulação, só foi possível com trabalho ao longo de muito tempo, algum dele eventualmente realizado antes da presença dos romanos, mas também nos séculos seguintes.

212

234

LE ROUX, 1995: 37

235

DOMERGUE,1990: 71-74

236

WALH, Jurgen (1998). Aspectos Tecnológicos da Indústria Mineira e Metalúrgica Romana de Três Minas e Campo de Jales (Concelho de Vila Pouca de Aguiar). In Actas do Seminário Museologia e Arqueologia Mineiras. Lisboa: Pub. do Museu do I.G.M., pp. 57-68.


Salienta-se que foram trabalhos feitos com rigor, cujos canais tinham pendentes e larguras calculadas, geralmente múltiplos da medida “pé” 237, construídos de modo a garantir a circulação controlada da água, por vezes captada longe do sítio em que era usada. Politica e economicamente, a exploração mineira prioritária para os romanos era a prata, para garantir a circulação da moeda no Império. Em contrapartida, o ouro, assumido pelos romanos como luxo, e embora já fosse explorado pelas sociedades mais antigas, só teve organização da produção no século I antes de Cristo, a partir do qual o Estado passou a interferir nos processos de trabalho e de exploração das minas, para além da comercialização. Nos processos e métodos de exploração suportaram-se em muito conhecimento acumulado e por vezes sistematizado. Plínio-o-Velho, na História Natural, sistematizou muito do conhecimento de então e que hoje nos serve de análise, na medida em que se tornam textos de referência perante a limitação de outros documentos antigos. Em contrapartida, a investigação desenvolvida nas últimas décadas por equipas de geólogos e espeleólogos, está a trazer conhecimento fundamental sobre a mineração na região. O inventário238 que se apresenta na cartografia, mesmo sem ser exaustivo, mostra a quantidade de esforço humano que foi necessário para realizar todos estes trabalhos mineiros.

237

“Pé” corresponde a 29,8cm.

238

Pedro Aguiar

213


Figura 70 – Caminho associado aos trabalhos de mineração antiga na serra de Santa Justa – Valongo. Observação de norte para sul. Foto de Cristina Madureira, 2019.

214


Figura 71 – Caminho associado aos trabalhos de mineração antiga na serra de Santa Justa - Valongo. Observação de sul para norte. Foto de Arqueologia e Património – Ricardo Teixeira & Vítor Fonseca, Lda, 2020.

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Figura 72 – Inventário dos sítios associados à mineração.

216


A MINERAÇÃO ROMANA DO OURO EM VALONGO239 O ser humano sempre aproveitou recursos que estavam ao seu alcance para melhorar as suas condições de vida. Na altura em que era coletor e, por isso, nómada, foi alterando a paisagem de uma forma muito leve e até impercetível. Mas já nessa altura começou a utilizar ferramentas produzidas a partir de recursos geológicos, sendo a mais famosa a utilização do sílex. Nessa altura, o homem começa a alterar o seu meio-ambiente240. O interesse do ser humano por minerais metálicos apresenta evolução significativa desde o início da Idade do Bronze, quando eram utilizados na elaboração de ferramentas essenciais. Entre os primeiros metais utilizados pelo homem está o ouro. A região das serras de Valongo terá sido alvo de mineração para o ouro, ainda anteriormente aos Romanos241. Mas é, sem dúvida, com esta civilização que a mineração de ouro passa de artesanal a industrial, com centenas de vestígios de mineração espalhados pelas dezenas de quilómetros quadrados da estrutura geológica designada por Anticlinal de Valongo, cidade que fica na sua charneira. Essa evolução histórica ocorreu a partir dos primeiros séculos antes de Cristo e encontra-se ainda hoje muito bem preservada nas Serras de Valongo, que apresenta o maior complexo mineiro subterrâneo para a mineração do ouro do tempo dos Romanos242. O avanço das Ciências da Terra, associadas à Engenharia de Mineração, obteve um considerável progresso durante a ocupação do Império Romano na porção noroeste da Península Ibérica. O ouro foi explorado a partir das suas mineralizações primárias, em rocha, e secundárias, nos sedimentos que resultaram do desmonte natural das primeiras.

As minas de ouro O Município de Valongo é caracterizado por uma extraordinária abundância de mineração subterrânea feita em depósitos primários de ouro, embora recentemente tenha sido possível identificar alguns trabalhos de natureza hidráulica de mineração em depósitos secundários243. 239

Alexandre Lima

240

LIMA, 2020

241

CARVALHO & FERREIRA, 1954

242

MATÍAS et al, 2014.

243

MATÍAS et al, 2014; LIMA et al, 2014

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Figura 73 – Esquema ilustrativo dos extensos complexos mineiros romanos no flanco de encosta das serras de Valongo, como, por exemplo, o bem preservado conjunto de poços verticais do fojo das Pombas, com a galeria de esgoto de ribeiro da Cana a desaguar em Valongo. Recriação de Em Relevo Produção Audiovisual, 2018.

Os trabalhos mineiros romanos mais comuns consistem numa sucessão de cortas, galerias e poços com níveis de extração que ultrapassam 70-80 m de profundidade244 . A acumulação de água nas zonas inferiores de muitos trabalhos impede o acesso aos níveis mais profundos, por isso é provável que existam estruturas de mineração mais extensas do que as conhecidas até agora. Ambas as estruturas de exploração (poços e galerias) serviram para a evacuação de água e ainda para a extração do minério, bem como para o trânsito de pessoal, de materiais e ainda para ventilação.

244

218

Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto, 2018


Figura 74 – Esquema ilustrativo dos múltiplos conjuntos de filonetes de quartzo aurífero, que foram explorados quer na sua parte primária, quer na parte dos depósitos secundários, a mineralização dos coluviões, aproveitando o desmonte da natureza por gravidade. Recriação de Em Relevo Produção Audiovisual, 2018.

Mineração em depósitos secundários e mineração hidráulica associada Esta mineração de depósitos secundários foi a que se fez em primeiro lugar na região de Valongo. O maior conjunto destas explorações hidráulicas encontra-se na serra de Pias, distribuído numa área de cerca de 6 km², quer ocupando a vertente oriental, quer ocupando as encostas de ambas as margens do rio Ferreira, embora seja na margem esquerda onde se encontra o maior número de trabalhos de mineração e infraestruturas hidráulicas (canais e depósitos de água). Os principais depósitos de ouro explorados são coaluviões provenientes da meteorização dos relevos montanhosos próximos, que são aqueles que contêm a mineralização primária e que também foram trabalhados em alguma etapa após a mineração hidráulica, já que a destruição do canal principal é verificada em alguns pontos. Os depósitos coluviais estendem-se por toda a área em leitos finos de 2-3m que aumentam a espessura na base das encostas, onde a acumulação é máxima, atingindo em alguns casos 15-20m. No entanto, a exploração foi realizada seletivamente em certas áreas, condicionadas pela topografia do terreno, pela espessura dos sedimentos e, evidentemente, pela presença de ouro, que deveria ter sido previamente reconhecido pelo trabalho de prospeção.

219


A forma de trabalhar este tipo de depósitos de ouro secundário consiste basicamente na remobilização do solo solto por meio de um fluxo constante de água que cria uma corrente de lama, que circula em favor da inclinação nos canais de lavagem, onde a retenção de ouro ocorre, graças à sua alta densidade (19,6g/cm³) em comparação com os materiais que a acompanham (2-2,5g/cm³). A constituição dos canais de lavagem e o seu comprimento é variável dependendo do material a ser tratado, onde a proporção de argilas e o tamanho das partículas de ouro são de especial importância. Os materiais estéreis mais grosseiros são um obstáculo no processo de separação e podem até comprometer a integridade dos canais de lavagem, pelo que deviam ser separados manualmente e acumulados na vizinhança, constituindo o que é conhecido como “murias” (Espanha) ou “conheiras” (Portugal), sendo este o principal vestígio do processo de recuperação de ouro na indústria de mineração hidráulica. O sistema de exploração hidráulica aplicada exigia o abastecimento regular de certas quantidades de água, que estava facilmente disponível nas áreas mais baixas das encostas, levando água do rio Ferreira através de canal de abastecimento já identificado, mas francamente escassa nas áreas de maior altitude. A solução adotada pelos engenheiros romanos, em última instância, foi a acumulação de água da chuva e de pequenas nascentes em vários depósitos localizados nas áreas mais altas (cristas), dos quais dois foram localizados, por ainda estarem parcialmente preservados. Existem paralelismos entre este tipo de exploração, usando água, em outras áreas de mineração de ouro romanas do noroeste espanhol, como a Serra del Teleno, onde a água utilizada nos lugares mais altos era apenas a partir do degelo da neve245. Do canal que recolhia água do rio Ferreira, conseguiu-se reconstruir fielmente a sua rota a montante até 2 km, muito perto da ponte de caminho de ferro, ponto a partir do qual se perde devido às explorações modernas de ardósia e das terras de cultivo das localidades próximas ao rio. Já José Bonifácio Andrada e Silva, nos seus manuscritos, no início do século XIX, refere que este canal terá sido reaproveitado para a agricultura. Devido à sua posição topográfica, a extensão pode ter atingido até 8,5 km de comprimento a partir do ponto de abastecimento, que estaria por baixo das atuais pontes das autoestradas sobre o rio Ferreira. 245

220

MATÍAS, 2005; 2006; 2013.


Figura 75 – Canal escavado na rocha, ribeira da Cana, serra de Santa Justa – Valongo. Observação de sudoeste para nordeste. Foto de Cristina Madureira, 2020.

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Outro aspeto importante deste canal é a sua largura, de 1,20 m, que é reduzido para 0,80-0,90 m em algumas áreas escavadas no quartzito. Na mineração hidráulica romana do noroeste hispânico, os exemplos de canais de 1,20m são encontrados nas grandes explorações, como Las Médulas e outros. O principal canal de abastecimento serviu de ajuda para a exploração do ouro localizada no local de Cavadinhas, o que é bastante significativo porque há uma grande escavação de 300 x 100 m feita em coluviões com uma espessura média de 15-20 m que permite estabelecer um cálculo dos materiais removidos que seria em torno de 300.000 m3. Grandes amontoados de materiais estéreis (conheiras) foram acumulados na base das explorações. Embora não tenha sido encontrada evidência da continuidade do canal para outras explorações a jusante, a capacidade desta conduta não corresponde apenas ao volume de materiais removidos em Cavadinhas. Em qualquer caso, as obras de mineração hidráulica geralmente devem ser feitas a montante, de modo que as estruturas de abastecimento localizadas a jusante podem desaparecer devido ao progresso das explorações. Após 3 km a jusante, na margem esquerda do rio Ferreira, outras áreas de exploração aparecem caracterizadas por uma sucessão de sulcos no terreno e amontoados de rocha solta. Nesta área, existem aluviões antigos formados por fragmentos arredondados que também foram trabalhados para a mineração de ouro secundário. Da mesma forma, na margem direita, tanto em torno do castro de Couce quanto nas encostas do vale, e na mesma margem do rio, ocorre a mesma situação. O conjunto de explorações auríferas romanas cobre uma área de mais de 850.000 m2, com um total de materiais removidos que atingem numa primeira avaliação os 3 milhões de metros cúbicos de material explorado. A meteorização natural dos depósitos primários provocou a desagregação dos materiais rochosos em diversos componentes. O quartzo se decompõe mecanicamente em múltiplos fragmentos, os sulfuretos são oxidados com maior ou menor velocidade e as partículas de ouro são então libertadas no ambiente natural e submetidas ao arrasto causado pelas águas das chuvas e cursos de água. Devido ao ouro ser de alta densidade (19,6 gr/cm³) tende a concentrar-se nas áreas próximas, especialmente na zona de oxidação das mineralizações primárias e circundantes. Esta circunstância era bem conhecida pelos prospetores romanos que dedi-

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Figura 76 – Escombreira de exploração aurífera, serra de Pias – Valongo. Observação de norte para sul. Foto de Cristina Madureira, 2019.

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Figura 77 – Escombreira de exploração aurífera, serra de Pias – Valongo. Observação de norte para sul. Foto de António Cabeço, 2020.

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cavam atenção especial a estes lugares que apresentavam concentrações excecionalmente altas, o que os tornava muito atraentes. Desta forma, o ouro podia ser encontrado nos terrenos de vertente das encostas (coluvião) e nos depósitos deixados pelos canais dos rios (aluviões). Devido à sua acessibilidade, os depósitos secundários terão sido mais intensamente trabalhados desde tempos remotos, uma vez que o ouro já estava livre e, ao contrário dos depósitos primários, não é necessário realizar uma moagem anterior. No entanto, o tamanho pequeno das partículas de ouro (apenas 1mm) e o grande volume de materiais removidos que precisam ser tratados, trouxe o processo de mineração para uma escala totalmente diferente, na qual é necessário separar e remover completamente os tamanhos mais grossos, bem como eliminar a fração argilosa para sujeitar o conjunto de materiais remanescentes ao verdadeiro processo de “lavagem” e concentração de ouro, onde a água desempenha um papel fundamental. Até 2014, nenhuma evidência clara tinha sido localizada em Valongo deste tipo de mineração. No entanto, como já salientámos, foi possível localizar, nas áreas altas da serra de Pias, vestígios de dois depósitos cuja função foi a acumulação de águas pluviais destinadas às obras mineiras das zonas mais altas da serra, onde o abastecimento de água não era viável a partir dos canais fluviais.

Mineração subterrânea em depósitos primários A morfologia subvertical dos principais depósitos primários condicionou as explorações romanas para uma rápida evolução em profundidade, uma vez que a exploração da mineralização de ouro à superfície através das cortas se tinha esgotado. Desta forma, os níveis de exploração tiveram que ser estabelecidos através de galerias de drenagem que permitiam o acesso às zonas mineralizadas e a evacuação das águas, às vezes abundantes246. O resultado dos trabalhos de mineração nesta área são as numerosas cortas sobre as zonas mineralizadas, de milhares de metros cúbicos de rocha, que foram feitas a partir da superfície, sendo por isso visíveis diretamente nas fotografias aéreas.

246

PSeP, 2018

225


Figura 78 – Fotografia aérea da zona da Serra de Pias e rio Ferreira (Salto do Ferreira )(a), do lado esquerdo do rio o castro de Couce (b), com as explorações a céu aberto de aluvião/coluvião das Cavadinhas (c) do lado direito e, na vertente oriental de Pias, extensas explorações subterrâneas (fojos) (d). No canto superior direito reconhecem-se as Louseiras de Valongo (e). Imagem SPAL, 1945.

226


Figura 79 – Poço vertical galeria G1 – Valongo. Foto de Vítor Amendoeira, 2016 - 1º Encontro Fotográfico em Cavidades Artificiais.

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Noutros casos, eles deram origem a grandes câmaras de extração cujo acesso é condicionado à existência de galerias nas cortas, tornando-se às vezes necessárias descidas verticais por meio de técnicas de espeleologia para se fazer a sua visita. Os poços foram feitos a partir da superfície, escavando com ferramentas manuais de ferro (martelos e ponteiros). Estes são geralmente de secção quadrangular (1,5-2m), mas também há alguns exemplos de poços circulares. Em geral, nos vestígios que são conservados dos poços, não há exemplos de uso de caixas de madeira, embora sejam secções escavadas em rochas duras, o que não exclui o uso deles quando era necessário atravessar zonas menos competentes. A remoção de materiais pelos poços, bem como a subida e descida dos trabalhadores, era realizada por meio de guinchos de madeira localizados nas entradas dos poços, cujas ancoragens eram feitas por meio de pequenos orifícios cavados na rocha. Podem ainda ser vistas em alguns casos, especialmente nas proximidades do fojo das Pombas. Excecionalmente, as escadas foram escavadas em duas paredes que permitiram o acesso sem elementos mecânicos, como ainda pode ser verificado in situ executando a mesma operação, simplesmente usando as mãos e os pés. As galerias são as principais estruturas destas explorações porque tinham um duplo propósito: o acesso às zonas mineralizadas para sua exploração e, também, a drenagem das mesmas. A localização preferencial das galerias foi no fundo dos vales, embora no caso de existirem grandes diferenças topográficas as explorações foram necessariamente estruturadas em diferentes alturas, sobrepostas para uma progressão descendente dos trabalhos de extração. Todas foram colocadas com uma ligeira inclinação ascendente para permitir a retirada de água do terreno naturalmente por gravidade. Em alguns casos, a construção de valas de drenagem permitiam melhorar a passagem dos mineiros, evitando que estivessem com os pés na água. Em geral, as galerias têm um traçado retilíneo, embora não seja estritamente observado em todos os casos, tendendo a adaptar-se às irregularidades do terreno, procurando as áreas mais brandas e mais fáceis para escavar com ferramentas de ferro. O avanço das galerias era feito escavando em um ou vários degraus na parte superior da frente e, mais tarde, abrangendo toda a secção. Desta forma, o esforço para escavar a rocha era minimizado, com a maior parte do trabalho feito numa posição mais favorável, que é a de cortar de cima para baixo.

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A relação técnica entre poços verticais e as galerias não é muito clara, uma vez que está sujeita a múltiplas variáveis: - poços que foram usados apenas para a elaboração do traçado das galerias sem qualquer conexão destes com as mineralizações. Desta forma, foi possível trabalhar em diferentes pontos da galeria ao mesmo tempo com precisão total e melhoria das condições de ventilação. É um procedimento habitual usado em trabalhos hidráulicos romanos, como aquedutos. - poços que foram perfurados diretamente sobre a mineralização, provavelmente para fins de prospeção ou retirada de água e, posteriormente, na maioria dos casos foram cortados ou meio destruídos para o progresso descendente da exploração. Há também vários acessos através de galerias inclinadas com escadas escavadas na rocha. Este tipo especial de trabalho subterrâneo não é comum, pelo contrário, é mesmo excecional, e é digno de nota que os principais exemplos estão na área de fojo das Pombas, com dois conjuntos de escadas muito significativos que são feitos em diferentes setores da mesma exploração, que posteriormente foram comunicados pelo progresso das obras de mineração. Os poucos exemplos conhecidos de outras obras mineiras deste tipo são encontrados em Tresminas (Vila Pouca de Aguiar-Portugal), com uma galeria inclinada com escadas no final da galeria dos Alargamentos e na Roménia (Trepçala Romana) nas proximidades de Brad, mas ambas de menores dimensões. A iluminação dos trabalhos subterrâneos realizava-se genericamente através do uso das lucernas clássicas, amplamente difundidas no Império Romano em todas as áreas, especialmente para usos domésticos. Os vestígios do uso destes utensílios estão distribuídos por todos os lugares, encontrando-se inúmeros “lucernários” nas paredes de galerias e poços. Estes consistem em pequenos nichos ou prateleiras escavadas na lateral dos trabalhos de mineração, de tamanho suficiente para colocar temporariamente a lucerna que permitia a iluminação das frentes de trabalho. A fixação destas poderia ser feita simplesmente pelo suporte em rocha ou ajudado por uma porção de argila que aumentava a fixação.

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Figura 80 – Perspetiva da entrada do fojo das Pombas, a partir da escadaria de acesso pedonal - Valongo. Observação de este para oeste. Foto de Marta Borges, 2016 - 1º Encontro Fotográfico em Cavidades Artificiais.

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Mineração a céu aberto de grande extensão Além das obras de mineração hidráulica que foram realizadas na superfície, os filões foram também explorados pela mineração a céu aberto, um precursor da mineração subterrânea. Os vazios (cortas) nem sempre são visíveis devido à vegetação, embora, às vezes, estas se tornem claras após os incêndios florestais. O sistema de exploração habitual seguido pelos romanos nesta área está principalmente relacionado aos afloramentos das mineralizações primárias e sua progressão em profundidade. Os trabalhos de mineração começaram na superfície, podendo gerar vazios de certa magnitude após a extensão dos afloramentos ou eventuais concentrações in situ da zona de oxidação. A necessidade da retirada da água pode ter sido evidente a poucos metros de profundidade, por isso foi necessário perfurar poços ou, principalmente, galerias de acesso/drenagem. Se as galerias tiverem um determinado comprimento, o uso de poços verticais intermédios serviria para acelerar o trabalho e garantir a precisão no traçado. Desta forma, os poços são perfurados até a altura apropriada e divididos em duas direções opostas para encontrar a outra galeria ou mineralização, permitindo o trabalho em várias frentes. Nas mineralizações existem zonas muito difíceis de escavar, como quartzitos ou filões de quartzo. Nestes casos, as ferramentas usuais são totalmente ineficazes e os romanos tiveram de recorrer ao uso do fogo como recurso para realizar a extração. O procedimento consiste basicamente em realizar um aquecimento intenso da rocha dura e, em seguida, proceder a um arrefecimento repentino com água. As evidências do uso do fogo são evidentes nas superfícies côncavas, características que permanecem após a quebra da rocha. A mineração hidráulica, excecional nesta área, foi desenvolvida antes das explorações em rocha dos depósitos primários, como se vê na sobreposição dos trabalhos mineiros que cortaram o canal de abastecimento.

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Os principais complexos mineiros O complexo de mineração subterrânea desta zona inclui algumas das cavidades mais emblemáticas de todo o império romano: poços, galerias e desmontes subterrâneos numa quantidade e qualidade de preservação impressionantes. A profusão das obras mineiras romanas das serras de Valongo não apresenta distribuição aleatória, mas possui uma estrutura ordenada em torno de certos núcleos de exploração mineira onde ocorre, além de condições de trabalho favoráveis (afloramentos, desvios, drenagens, etc.), a concentração natural de um maior número de mineralizações de ouro (estruturas) que permitem, desta forma, uma operação conjunta com um custo mínimo em infraestruturas de mineração (poços e galerias). Quando estas circunstâncias ocorrem, podemos falar da existência de um verdadeiro “complexo de mineração” que se caracteriza por ter galerias de extração, às vezes em diferentes níveis, com centenas de metros de desenvolvimento e poços verticais que são introduzidos no terreno, dezenas de metros de profundidade. Todas essas estruturas levam a diferentes áreas de extração onde os romanos obtiveram o minério de ouro que foi então transportado para o exterior para ser processado, sempre na vizinhança das galerias principais.247 Após a exploração romana, algumas dessas estruturas foram usadas para ter acesso novamente à mineralização e para avaliar as possibilidades de reativação dessas minas, razão pela qual estas às vezes são acessíveis e com pouca ou nenhuma modificação, que é um dos principais valores das minas de ouro romanas de Valongo.

Complexo mineiro norte da serra de Santa Justa Alvo de vários trabalhos ao longo dos séculos e ainda em estudo na atualidade, este complexo representa de forma exemplar, em estado de conservação digno de nota, a engenharia mineira romana subterrânea da época.

247

232

Lima et al., 2010


Fojo das Pombas Os trabalhos do Serviço do Fomento Mineiro, e mais especificamente de Adalberto Dias de Carvalho, em 1961, começaram a revelar o tesouro patrimonial deste local que, pelos objetos encontrados na desobstrução, e que podem ser atualmente visitados no Laboratório Nacional de Energia e Geologia, em São Mamede de Infesta (12 peças metálicas, restos de cerâmicas ou mesmo entivações de madeira), comprovam que foi explorado entre o século I e III depois de Cristo. Em 2001, a Associação de Estudos Subterrâneos e Defesa do Ambiente de Torres Vedras com o Apoio da Autarquia de Valongo e de elementos envolvidos na génese do Alto Relevo – Clube de Montanhismo, publicou a topografia do fojo das Pombas248, como era conhecido nessa data. A designação muito conhecida de fojo das Pombas tem uma origem remota que remonta, desde logo, ao ano de 1800 por “Côjo da Pombas” nos manuscritos de José Bonifácio Andrada e Silva. Esta designação de fojo está normalmente associada à morfologia de uma fenda tipo cavidade no terreno. Neste caso específico, o local popularmente designado por este nome refere-se a uma monumental fenda com uma abertura máxima possuindo 40 por 8 metros. Uma das suas características principais é uma escadaria que leva a duas “varandas”, que são visitáveis atualmente em turismo, e que levam os visitantes a cerca de 25m abaixo do nível da sua abertura. No entanto, o designado fojo das Pombas é muito mais que o apenas visitável pela maioria das pessoas. Existe no subsolo, na proximidade desta estrutura mineira principal, poços, galerias e desmontes mineiros que integram esse complexo e que não podem ser dissociados. Alguns exemplos são os fojos Sagrados, a Galeria G1, a Galeria I, o Submundo, o fojo dos Precipícios, a Barroca da Viúva, a Galeria da Estrada ou mesmo vestígios que se estendem até à base da serra e onde se encontra a Quinta da Ivanta – um local arqueológico que evidencia a existência de oficinas de lavagem onde se encontram galerias que se põe a possibilidade de poderem comunicar com este complexo. De notar que a galeria de escoamento de água deste complexo encontra-se a escassos metros da zona e a cotas altimétricas semelhantes.

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Publicada na revista Trogle 3, 2001

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Figura 81 – Perspetiva da boca do fojo das Pombas, na serra de Santa Justa – Valongo. Observação de este para oeste. Foto de Vítor Amendoeira, 2016 - 1º Encontro Fotográfico em Cavidades Artificiais.

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Figura 82 – Perspetiva da corta principal do fojo das Pombas, a cerca de 60m de profundidade - Valongo. Foto de Vítor Amendoeira, 2016 - 1º Encontro Fotográfico em Cavidades Artificiais.

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O fojo das Pombas inclui várias centenas de metros de galerias, dezenas de poços e de aberturas que dão acesso a desmontes mineiros, que evidenciam a complexidade da engenharia de mineração romana subterrânea, que o torna, em conjunto com os outros que existem na região, como o mais interessante e completo do antigo Império Romano. Com os trabalhos realizados até ao momento, é agora possível perceber melhor como se articularam os trabalhos mineiros em profundidade e qual a função dos vários níveis de exploração. Em aberto continuam algumas zonas deste complexo que se encontram submersas ou com problemas graves de estabilidade. O ARCM já procedeu a alguns mergulhos de exploração em algumas destas zonas contando com a colaboração de um espeleólogo-mergulhador do NEUA – Núcleo de Espeleologia da Universidade de Aveiro. No entanto, são sempre explorações muito difíceis de realizar logisticamente devido às dificuldades inerentes da prática, mas também devido às difíceis condições de acesso. O fato de vários locais se encontrarem submersos prende-se, muitas vezes, com alterações que se realizaram no exterior das cavidades: alteração de cursos de água, acumulação de água deliberada por parte de proprietários dos terrenos, saídas de galerias de escoamento e, em muitos casos, porque simplesmente se deixaram de operar os meios técnicos que os romanos dispunham para garantir a extração de água, que tornava possível o trabalho nessas zonas. Em vários locais encontram-se vestígios da colocação das estruturas que procediam à extração de água, como é exemplo um poço que apresenta indícios claros da utilização de máquinas de extração de água semelhantes, usados em desmontes noutras regiões do Império. No entanto, estes locais inundados, serão também, possivelmente, preservadores de vestígios, dado o poder conservador que a água tem, por exemplo, de madeiras de estruturas antigas.

Complexo mineiro da serra de Pias A serra de Pias constitui um dos locais de Valongo em que mais se observam trabalhos romanos de mineração primária, mas também de mineração secundária (ver figura 71). A primeira, acontece quer a céu aberto quer em explorações subterrâneas de uma dimensão apreciável. Existem vários indícios de mineração primária a céu aberto na serra de Pias. Os mais conhecidos são as cortas que ainda estão em ótimo estado de conservação. Uma boa

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Figura 83 – Fotografia aérea do fojo dos Fetos, parte visível no exterior de uma exploração que pode ter várias ramificações subterrâneas, como ilustram os esquemas de recriação das figuras 72 e 73 - Valongo. Foto de João Moutinho, 2003.

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Figura 84 – Fragas do Castelo - Valongo. Uma sombra vertical no centro inferior da foto denuncia um antigo poço de prospeção e/ou exploração subterrânea de ouro, que posteriormente foi explorado a céu aberto parcialmente e que agora serve para escalada desportiva. Observação de este para oeste. Foto de Alto Relevo – Clube de Montanhismo, 2014.

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parte encontra-se na encosta voltada a norte, representando alguns autênticos refúgios para espécies de flora, como é o caso do fojo dos Fetos onde se observa a existência de um habitat exclusivo para um ecossistema de espécies vegetais. Esta corta de dimensões apreciáveis é apenas um exemplo da grande quantidade de explorações mineiras primárias, mas também secundárias, na vertente norte da serra de Pias. Contudo, um dos locais mais emblemáticos e mais significativos (alvo de um recente estudo apresentado pela ARCM no 2º Congresso de Mineração Romana e Espeleologia de Valongo, em 2016) é o local que se situa nas margens do rio Ferreira junto da base da serra de Pias e do outro lado do rio mais a norte: a recém denominada corta do Castelo. As fragas do Castelo são um importante local de encontro para escaladores e desportistas de natureza. Estas fragas rochosas e algumas paredes lisas, representam um desafio à prática de escalada. Mas, na verdade, são o resultado de desmontes de exploração em que poços exploratórios de sondagem que mais tarde foram cortados (desmontados) expondo ao exterior estas paredes conforme se observa na figura 83. A razão geológica para esta exploração primária de grande dimensão deve-se ao facto da existência de uma dobra secundária da zona de charneira pertencente à grande dobra que é o Anticlinal de Valongo. De um lado e do outro do rio Ferreira podem-se observar as dobras onde se concentraram a maior quantidade de mineralizações de ouro, pois foi onde foram aprisionados mais fluidos ao longo do tempo geológico. A riqueza desta zona motivou o desmonte completo de uma grande área, destruindo o canal de abastecimento da exploração secundária das Cavadinhas e provando que a exploração primária de grande extensão foi posterior à exploração de depósitos secundários da região. De salientar que nem todos os trabalhos de mineração serão romanos, mas a maioria apresenta claramente características de engenharia romana da região. Através de métodos de levantamento orográfico tridimensional e de criação de um modelo de volume subtrativo do que são a projeção das linhas de nível observadas na vizinhança, foi possível estimar que só nesta zona de estudo (uma parte mínima das serras de Pias) foram retirados mais de 340 000m3 de material. Esta zona do “Castelo” representa, assim, um local de significativo valor patrimonial já que inclui significativos trabalhos de mineração de ouro romana primária também do lado de lá

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Figura 85 – Dobras secundárias das cristas quartzíticas – Valongo. Observação de oeste para este. Foto de Cristina Madureira, 2003.

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Figura 86 – Dobra secundária nos quartzitos do Anticlinal de Valongo, na área do fojo da Viúva, na subida para a igreja de Santa Justa - Valongo. Foto de Alexandre Lima, 2018.

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Figura 87 – Canal usado na fase mais antiga da exploração, quando era necessário o abundante fluxo de água para exploração mineira de jazigos secundários. Parte deste canal foi destruído quando, mais tarde, a exploração deixou de o usar e fizeram a desmontagem da encosta para outra fase da exploração mineira em jazigos primários - Valongo. Observação de sudeste para noroeste. Foto de António Cabeço, 2020.

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do rio Ferreira, interrompendo o antigo canal de água, apontado na figura 86 e também já apontado na figura 43. A exploração das cristas quartzíticas nestas zonas de dobras secundárias é recente. A dimensão dos trabalhos é de tal forma extensa que se torna difícil a sua cartografia, pois foi quase constante na zona de charneira da dobra principal do Anticlinal de Valongo. Vão-se assinalar, por essa razão, apenas os casos mais paradigmáticos, que vêm revolucionar os conhecimentos desta mineração de mineralizações primárias de ouro nesta região e que terão certamente situações similares noutras zonas desta megaestrutura, mas sempre em menor escala do que foi aqui encontrado na serra de Pias (antiga serra do Raio). Uma das zonas mais evidentes é a zona das Pias, onde está provada a utilização de fogo para o desmonte dos quartzitos auríferos (Figura 87). Em alguns casos, atingiram grande dimensão formando autênticos anfiteatros como o da vertente oeste da serra de Pias.

Exploração Subterrânea No que concerne a mineração primária subterrânea, a serra de Pias é, à semelhança das serras de Santa Justa e Banjas, um local de grande intensidade de exploração. Desde toda a superfície da sua zona norte, à crista e mesmo vertente este da mesma, encontram-se explorações subterrâneas. Um exemplo é a mina da Lagoa Azul, mas a mais emblemática é a mina das Moiramas, que terá sido iniciada pelos romanos e retomada a posteriori, por várias vezes. A grande pressão da exploração florestal tem nos últimos anos contribuído para uma rápida deterioração das entradas de acesso a estes locais, quer por arrasamento, quer pelas alterações de solo (resultantes da escassez de água que espécies florestais causam) que contribuem para desabamentos que impossibilitam o acesso e o seu estudo. Os estudos realizados permitiram, até à data, inventariar a grande parte dos vestígios reconhecidos à superfície. Também será de referir que várias topografias do interior de algumas destas explorações já foram realizadas pela ARCM e podem já ser consultadas nos arquivos da associação. Dos vários vestígios de mineração evidenciados, os locais de mineração primária subterrânea mais significativos encontram-se na vertente norte e na vertente este da serra e,

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Figura 88 – Marcas evidentes do uso de fogo, pelas feições típicas arredondadas nos quartzitos, numa exploração típica romana de ouro no topo da serra de Pias - Campo e Sobrado. Foto de Alexandre Lima, 2006.

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mais uma vez, relacionado com zonas de dobras secundárias. Na crista da serra (na área dos quartzitos) são variados os desmontes à superfície em que se encontram desmontes subterrâneos, contudo a criação de caminhos de acesso florestal destruiu parte significativa dos acessos à parte subterrânea. Atividades de desobstrução a realizar no futuro poderão habilitar a descoberta. Existem paralelismos entre este tipo de exploração de água em outras áreas de mineração de ouro romanas do Noroeste espanhol, como a Serra del Teleno, onde a água utilizada nos lugares mais altos era apenas a partir do degelo da neve249. Foi realizada uma prospeção usando a bateia em cerca de 0,5 m3 de materiais soltos de coaluvião residuais localizados nas proximidades da corta de Cavadinhas. Como resultado, foram obtidas várias partículas de ouro visíveis de morfologia irregular que demonstram uma origem proximal com transporte. A análise dessas amostras de ouro por meio de microssonda eletrónica mostra um teor de Ag de 10-15% consistente com a origem primária anteriormente exposta. Em geral, também foram realizadas análises de geoquímica que revelaram um teor de ouro de 104 ppb e apenas 20,7 ppb de antimónio (tipo Au-As primário). Tratando-se do estéril da lavagem da mineração romana, aplicando uma percentagem de recuperação de 90%, o teor de ouro nos coaluviões seria de 1g/t. Em algumas das zonas mineralizadas da Serra de Pias foram detetados conteúdos de ouro de 2g/t.

A CIRCULAÇÃO DAS PESSOAS E DOS PRODUTOS A governação romana assumiu a necessidade de ter boas comunicações para controlar o imenso Império, para garantir a circulação de pessoas e mercadorias, fundamentais na administração e na economia da época, não hesitando em investir para construir, manter e melhorar as vias, as estradas que ligavam e atravessavam todos os territórios onde era necessário fazer sentir o seu domínio político e económico. As estradas confundiram-se com a imagem do Império, como eixos de conquista, marcando a construção da paisagem antiga como infraestrutura fundamental para os romanos.

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Matías, 2005; 2006; 2013.

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Reconhecemos que depois da sua chegada ao “território de Valongo”250 foram promovidas obras para criarem condições indispensáveis à exploração das minas e das terras agrícolas da região. Terá acontecido o mesmo que ocorria em todos os locais conquistados, onde era habitual promoverem a construção de estradas como prioridades estratégicas. Estas estradas tinham, geralmente, pisos em terra, embora se tenham tornado símbolos milenares as que foram construídas com sistemas complexos e pavimentação em pedra. A engenharia romana era especializada em ambas as técnicas de construção, mas as estradas lajeadas perduraram no tempo e popularmente são mais fáceis de identificar. Mas se está provado que foram os romanos que empreenderam a construção de estradas, que caminhos usaram para chegar a este território? Pode pensar-se que os indígenas percorriam os caminhos “de pé posto” que existiam porque eram por si pisados ao longo de anos. Nos mesmos caminhos usavam o burro e a mula para transporte de cargas nos espaços castrejos e de castro para castro. Não parece estranho que assim fosse, pois recordemos que este era o meio de transporte usado, em muitas situações, ainda em meados do século XX. No território de Valongo, o efeito das estradas251 terá sido sentido ao longo do século I depois de Cristo, resultado da política de organização do Noroeste na governação do Imperador Augusto e promovida pela nova capital Bracara Augusta. Ao longo do século I, parece evidente que os romanos se instalaram neste território e, ao longo desse século, embora reforçado ao longo do século II, o circuito de extração de produtos e a circulação de pessoas também pode ter sido feito através do rio Sousa, servindo-se como entreposto de acostagens perto do atual lugar de Castelo, em Aguiar. Embora não indique em que provas se suportou, também Joaquim Reis252 apontou a navegabilidade dos rios como forma privilegiada de circulação. Segundo este autor, os romanos fizeram

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A designação “território de Valongo” é aqui usada para indicar o espaço administrativo do atual concelho.

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Usamos a designação de estrada (strata) quando reconhecemos que houve intervenção humana na construção e pavimentação, tendo sido feita por decisão e intuito de interesse público. Em contrapartida, usamos a designação de caminho (caminu) quando a intervenção do homem se limitou a mero afeiçoamento ou arranjo de um sítio, vereda, atalho, usado regularmente pela população que garantia a manutenção.

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REIS, 1904: 67


“navegabilidade dos rios, à vela, entrando no Douro, ligando ao Sousa, deste ao Ferreira até chegarem a Aguiar e a Sanjomil, onde começaram a explorar o ouro”. De facto, até aqui, ou a partir daqui, a navegabilidade do rio Sousa, independentemente da dificuldade que o inverno podia provocar no caudal, facilitava o acesso ao rio Douro. Este entreposto estava geograficamente equidistante dos pontos de extração de minério reconhecidos na região, assim como podia servir de irradiação dos produtos produzidos na região e de chegada de produtos comercializados no Império. A identificação de quantidades assinaláveis de ânforas Dressel 20 e Haltern 70 no litoral atlântico, levou Rui Morais253 a propor que, pelo menos a partir de Augusto, existiu intensa circulação de produtos por via marítima, em que a ânfora era o contentor privilegiado, não só de azeite, mas também de outros produtos alimentares, fundamentais para abastecimento de exércitos e populações. Esta proposta foi também apresentada por Ángel Morillo e J. Salido254 que sugerem um intenso movimento marítimo que transportaria produtos da Bética até aos portos da Calaecia, a partir de onde eram distribuídos pelos caminhos e estradas que gradualmente foram sendo traçados pelos romanos. Neste mercado com base no transporte marítimo, a ligação à província Bética, salientando-se o porto de Cádis255, tornou-se estratégica no abastecimento ao Noroeste. É defendido que a grande densidade de ânforas Haltern 70, enquanto contentores específicos para transporte em barco, recolhidas numa escavação arqueológica feita no sítio da Penaventosa, Porto, sugere boas comunicações marítimas e fluviais, seguindo os itinerários que se dirigiam às explorações auríferas do Noroeste e, como tal, preferencialmente destinadas ao abastecimento dos exércitos nas primeiras décadas do período imperial256. Tal como acontece nas atuais e modernas forças armadas, em que o bem-estar dos militares é preocupação dos comandantes, também entre os romanos as responsabilidades de intendência eram um dos atributos das legiões.

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MORAIS, Rui (2013). Durius e Leça: Dois Percursos de Um Mesmo Itinerário – Problemáticas em torno das ânforas Haltern 70. «Portugália», Nova Série, 34, pp. 109.

254

MORILLO, A.; Salido Domínguez, J. (2010). “El aprovisionamiento del ejército romano en Hispania. Transporte, almacenaje y redistribucioón”. In PALAO VICENTE, J., ed., Militares y civiles en la Antigua Roma, Dos mundos diferentes dos mundos unidos. Salamanca: (s.n.), p. 135-164.

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Cidade romana de Gade, atual Cádiz.

256

MORAIS, 2013: 109

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Mas, apesar da evolução do conhecimento que tem vindo a mostrar que o uso do mar atlântico e dos rios foi mais intenso do que se conhecia até alguns anos, o estudo das estradas usadas ou construídas pelos romanos, tido como prioritário ao longo de décadas, continua a dar-nos informações preciosas para o conhecimento da organização viária antiga. Reconhecemos que desde o século I depois de Cristo foram construídas várias estradas. Procuramos reconstituir os seus traçados e, por facilidade de descrição, numeramos de 1 a 6 e designámo-las como “estrada romana”: A “estrada romana 1” permitia a ligação de Couce à região de Alfena e, daqui, à capital política e administrativa que era Bracara Augusta. Poderá ter sido a primeira via a ser construída. A “estrada romana 2”, que ligava Couce a Aguiar de Sousa e Sernande, facilitava a circulação de pessoas e mercadorias, com predomínio do interesse mineiro, até à zona de acostagem no rio Sousa. Foi uma via estratégica para servir os interesses da exploração mineira. A “estrada romana 3” ligava Campo a Bustelo, a Aguiar e à margem direita do rio Sousa. A “estrada romana 4” ligava Campo a Aguiar e depois à margem direita do rio Sousa. Com algumas similaridades entre elas, estas duas estradas atravessavam espaços agrícolas, embora com distintas implantações a meia encosta ou em pleno vale agrícola e facilitavam a circulação até aos pontos de acostagem no rio Sousa. A “estrada romana 5”, que ligava o território de Valongo (eventualmente a partir do sítio de Contensas) a Tongobriga, garantia a travessia do vale do Sousa e do Vale do Tâmega. Não só ligava àquela urbe, capital de civitas construída no final do século I, mas daí ligava até à margem direita do rio Douro. Esta estrada, com as suas variantes, também permitia o acesso até Aboadela, na encosta da serra, iniciando a travessia do Marão até à Campeã. Esta via poderá ter sido fundamental na estratégia dos romanos, manifesto resultado da política dos imperadores da dinastia flávia, nas últimas décadas do século I e no início do século II. A “estrada romana 6” ligava o sítio de “Contensas”, na atual sede do concelho de Valongo, a Cale, urbe e porto fluvial perto da foz do rio Douro. Esta via poderá ter feito, a partir do século III, a ligação à estrada mais antiga, construída no século I, que já então ligava Bracara Augusta aos castros que existiam na Santa Justa e

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Figura 89 – Identificação das vias que foram sendo construídas até ao século IV depois de Cristo e que reconhecemos na região.

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em Couce, e que identificamos como “estrada romana 1”. A zona conhecida por “Contensas” poderá ter sido ponto de encontro de vias. Estas estradas foram, certamente, construídas em diferentes cronologias, acompanhando gradualmente a implantação das infraestruturas que suportaram o desenvolvimento do território romanizado. A confirmada ocupação no século II pode explicar um cronograma de construção em função da importância estratégica que tinha perante as atividades produtivas da região. A construção de povoado associado à mineração, como o identificado em Ivanta, em cotas mais baixas da encosta nascente da serra de Santa Justa, foi, certamente, incentivo para construção de uma estrada no sopé do monte. Parece lógico pensar-se que a construção destas obras públicas era indispensável para a implementação da nova governação, mas a quantidade dos vestígios da exploração mineira mostra que houve intenso trabalho extrativo, o que obrigou à construção das indispensáveis infraestruturas e estradas que permitissem a circulação de pessoas e de produtos indispensáveis para a sua sobrevivência, além do minério e dos “lixos” que provocavam e que precisavam de ser depositados noutros sítios. Mas, construídas as novas estradas, quer aproveitando os traçados dos antigos caminhos indígenas, quer retificando os traçados de acordo com os novos destinos, outras questões se levantam: Quantos trabalhadores foram necessários para realizar todas estas tarefas? Qual o objetivo principal que esteve na base da decisão da construção dessas infraestruturas? Como foi feito o financiamento destas obras? Foram estradas construídas para fazer circular o minério ou foram construídas como mera afirmação política sobre o Noroeste? No caso específico do minério, ao longo do tempo sempre se colocou a questão de saber, buscando-se a confirmação na evidência arqueológica, se o resultado da mineração seria “exportado” em bruto ou depois de tratado, atendendo a que era diferente o tipo de construção das estradas se fossem projetadas para suportarem o transporte de cargas intensas, em peso e quantidade.

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Também se questiona sobre a forma como podia ser feito esse transporte, quer fosse em percurso curto, na proximidade das minas, quer em percurso longo até ao local de descarga para cabotagem. O mesmo aconteceu com o transporte entre terrenos agrícolas, o que ocasionou muitos caminhos secundários que não nos foi possível reconhecer. Certamente que o transporte das cargas poderia continuar a ser feito por burro em qualquer tipo de percurso, mas o romano poderá ter introduzido o uso de carro de tração de eixo fixo, o plaustro, carro rural usado na região até meados do século XX257. No caso de Valongo, há manifestos indícios de que o transporte, a média e longa distância, também tenha sido feito com recurso ao barco, facilitado pela navegabilidade dos rios e pela proximidade ao litoral atlântico. Como já referimos, quando Augusto se apoderou do Império procedeu a uma nova divisão das províncias, repartindo-as entre si e o senado. Entregou a este, para que fossem governados por magistrados de eleição senatorial, as que não careciam de força militar, por se acharem pacificadas, e reservou para si, governando-as por intermédio de delegados seus as que, por serem sediciosas ou se acharem expostas ao ataque de vizinhos, exigiam a permanência de guarnições militares. Desta forma, o Imperador tinha o controle do exército. A Hispânia foi dividida em três províncias: Bética, Lusitânia e Tarraconense. A primeira senatorial, as outras duas sob governo do Imperador. O território de Valongo integrou a Tarraconense, que englobava todo o noroeste a norte do rio Douro e cuja capital era Tarraco, na costa mediterrânica. A divisão administrativa motivou a afirmação política e económica de cada região e, certamente, incentivou o desenvolvimento de redes de comunicação e privilegiou as ligações rodoviárias entre as cidades, os povoados, as explorações agrícolas e as mineiras. Mas este sistema era dependente do aproveitamento da navegabilidade dos rios, tornando-os como prioritários para o transporte de mercadorias e a deslocação de pessoas. Geralmente, concentramos a nossa atenção nas principais vias, como a via XVI, que ligou Olissipo (Lisboa) a Bracara Augusta (Braga), certamente considerada estratégica pelos romanos para o avanço da conquista e avanço desde o Tejo até ao noroeste. Mas fora destes eixos, existiam outras estradas que, apesar de serem tidas, geralmente, como secundárias, eram fundamentais porque ligavam as povoações, as pequenas cidades, também as explorações agrícolas e mineiras. 257

“Os jugos e as cangas dos plaustros são a alfaia agrícola mais rica do lavrador do baixo Douro, que faz gala em ser notado por trazer seus bois adornados com tão rica peça” afirmava Armando de Matos no trabalho publicado em 1942 (MATTOS, 1942: 27).

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No planeamento romano, era recomendada a largura das estradas, principais e secundárias, construídas pelo estado ou por privados. As principais deveriam ter 12, 15, 20 ou até 30 pés258 de largura, enquanto que as secundárias poderiam ter 8, 10 ou 18 pés, embora a mais frequente fossem os 8 pés, cerca de 2,40 metros de largura. Para apoiar a deslocação das pessoas e das mercadorias, estava previsto que existissem mutatio e mansio pelo menos de 12 em 12 milhas259, correspondendo a cerca de 4 horas de viagem, ou de 18 em 18 milhas, percorridas em cerca de 6 horas. As mutatio serviam para alimentação dos animais, apoio aos carros muito sujeitos a avarias por serem de eixo fixo que suportava todo o peso da carga. As mansio, muitas vezes anexas às mutatio, garantiam condições de pernoita e serviam para descanso dos viajantes. O estudo das vias construídas com tecnologia romana foi muito incentivado ao longo de décadas, de que resultaram várias propostas para o Noroeste, quer para as estradas principais que eram construídas pelo erário público e por interesses estratégicos civis ou militares, quer para as que foram construídas por interesses locais ou privados (vicinales). Estas vias rurais eram construídas com diferentes medidas, podendo também variar de 8 a 18 pés, embora a mais vulgar fosse a que permitia só a passagem de um carro de tração por animais, geralmente com cerca de 8 pés de largura. Eram vias que geralmente limitavam as propriedades cadastradas segundo os sistemas romanos ou as que serviam para os trabalhos agrários. Apesar das propostas que os vários autores fizeram sobre as estradas romanas, persiste o desconhecimento sobre os caminhos que existiam antes e que eram usados pelos indígenas. Foram certamente esses os primeiros caminhos usados pelos romanos na exploração do território e alguns continuaram certamente a ser usados pelos indígenas e pelos romanos. Reconhecendo as características impostas pela engenharia romana260, na nossa prospeção de campo procuramos conciliar as descrições dos vários textos com a realidade morfológica dos terrenos e a viabilidade do traçado de alguns caminhos que poderiam corresponder às exigências.

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A medida pé corresponde a 29,5cm.

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Milha romana correspondia a cerca de 1480 metros

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As estradas eram, geralmente, traçadas de maneira a que tivessem pendentes constantes, com declives não superiores a 5%, e privilegiassem a encosta com bom índice solar, evitando zonas alagadas.


Figura 90 – Estradas identificadas na região de Valongo. A numeração apontada, de 1 a 6, corresponde ao que julgamos ser a sequência cronológica de construção, associada à importância estratégica de implantação no território.

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Passemos à análise dos seis caminhos e estradas que reconhecemos:

“Estrada romana 1” (ligava Couce a Bracara Augusta) Durante o século I, ter-se-ão sentido os efeitos da presença e da estratégia romana na região de Valongo, pelo que nos séculos II e III depois de Cristo já poderia estar estabilizada, principalmente ao nível da produção agrícola, e capaz de contribuir para a distribuição e comercialização. O impacto da exploração mineira, cuja dimensão ainda hoje nos surpreende, também foi muito grande ao longo do século I. Ambas as atividades exigiam intenso movimento de produtos e muita mobilidade de pessoas. O transporte a partir de Valongo poderia ser feito por via fluvial, a partir do rio Sousa que ligava ao rio Douro, e através da estrada que ligava Couce até Alfena, prosseguindo pelo vale do rio Leça. Esta era uma estrada que então assumia papel estratégico, na medida em que entroncava na que ligava Cale a Bracara Augusta, num traçado que passava por Vizela e Guimarães. O texto de Joaquim Reis261 apontou a construção de uma estrada que ligou Bracara Augusta a Valongo no período dos Imperadores da dinastia Flávia, no final do século I e início do século II: …no tempo de Vespaciano e Tito é que começou para esta província uma época de prosperidade que chegou ao maior explendor no tempo de Trajano.“ O mesmo autor refere que “…o Imperador mandou fazer muitas obras de importância que ainda hoje existem e varias estradas ou vias militares estrada, como a que partindo de Braga vinha aqui passar, entrando no Susão, donde seguia por Caledoellas, Rechãos, Cana, Pinéu262, Chão de Cavadas, Castro, descendo para Couço, e caminhando ao nascente para Aguiar de Sousa. A reconstituição que fizemos no terreno permite confirmar que este traçado, pela encosta poente da serra de Santa Justa, era viável e tinha a particularidade de fazer a abordagem aos castros de Santa Justa e de Couce pela cota superior. Assim, atravessadas as terras do Susão, o viajante iniciava a subida em torno dos 150 metros de altitude no sítio que foi popularmente chamado rua Velha, seguia por parte do que é hoje a rua

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REIS,1904: 72

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Pineu ou Pinéo e Chão de Cavadas: ver “reconhecer os lugares”, cap. 4


Dias de Oliveira, parte da agora denominada rua dos Bacelos, parte da rua Dr. Cândido, parte da rua de Santa Justa, onde atingia os 200 metros de altitude, prosseguindo pelo caminho que liga a rua de Santa Justa até entroncar no sítio de Chão de Cavadas, em torno dos 250 metros de altitude, onde o traçado poderia ser parcialmente coincidente com alguns troços da atual estrada nacional nº 209. Esta “estrada romana” foi traçada com perfil estabilizado, harmonioso e com inclinação agradável, não exigindo muito esforço, quer a subir quer a descer. Parece-nos justificável que este tenha sido o traçado da primeira estrada a ser construída na região, na medida em que procurou ligar a capital administrativa, Bracara Augusta, aos núcleos habitados na região de Valongo, que eram os castros existentes em Santa Justa e Couce, manifestamente estratégicos para a exploração mineira. A cronologia apontada por Joaquim Reis parece-nos desajustada às necessidades que a região de Valongo teve desde o final do século I antes de Cristo e no início do século I, momento em que se conjuga o início da intervenção romana na exploração mineira. A construção de infraestruturas viárias terá começado quase um século antes do que Joaquim Reis nos aponta. No entanto, e embora a ligação entre Bracara Augusta e Valongo fosse feita ao longo do século I, garantida por caminhos pré-existentes, eventualmente melhorados por intervenção romana, reconhecemos que houve reforço de obras públicas viárias determinadas pela política flaviana para todo este território, com evidências no final do século I, de que são exemplo várias estradas e pontes, tais como a de Aquae Flaviae (Chaves) e a de Canaveses, ambas sobre o rio Tâmega. A primeira ponte integrava a estrada Bracara Augusta a Asturica Augusta, a outra integrava a estrada que ligava Bracara Augusta a Tongobriga. Reconhecemos que Joaquim Reis apontou uma cronologia que foi muito divulgada pela historiografia do século XIX. Hoje, a estratégia romana para o Noroeste é mais conhecida e, por isso, pode ser dito que a obra pública, enquanto marca política, confirma a importância que este território teve para a afirmação política e para a economia romana, certamente desenvolvida desde o final do século I antes de Cristo, exercida pela influência romana, intrometendo-se gradualmente na sociedade indígena, na sua organização e desempenho. É o que podemos denominar como “primeira fase da romanização de Valongo”. O reconhecimento de resultados de interesse para os objetivos da política de afirmação romana terá motivado que no final do século I, quase 100 anos depois da chegada dos romanos, tivesse havido a decisão do Estado central de construir infraestruturas estratégicas, ordenadoras definitivas do território, certa-

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mente com orçamento e muito investimento gerado na própria região. É o que podemos denominar como “segunda fase da romanização de Valongo”, em que as estradas foram meros símbolos de uma sociedade transformada e estabelecida. Curiosamente, o traçado desta via é praticamente coincidente com os traçados das estradas municipais nº 1 e nº 2 desenhadas na cartografia de 1933263. O número atribuído às estradas municipais não será estranho à sua importância. Do mesmo modo, a análise cuidadosa do tipo, forma, implantação e orientação do conjunto edificado que ladeia, ainda hoje, aquelas ruas, pode ajudar à construção do cronograma do sítio.

“Estrada romana 2” (ligava Couce à margem direita do rio Sousa) A propósito de estradas na região de Valongo, Joaquim Reis escreveu que N’esse tempo já seguiria pela Milharia, que tomou o nome de um marco milliario que ali existiu, uma estrada romana de segunda ordem, que indo na encosta N.E. da Serra do Raio chegava a Aguiar de Sousa e servia para transportar para o rio Douro os mineraes que d’ahi embarcavam para Cale e depois Roma264. Salienta-se o caminho ou estrada que depois de passar no sopé do castro, na margem direita do rio Ferreira, ligava Couce ao rio Sousa. Tudo aqui parece evidente. Desta estrada ainda nos foi possível percorrer a pé a provável reconstituição do traçado entre o castro de Couce e a zona de acostagem no rio Sousa, salientando a complementaridade da navegabilidade dos rios e a rede de estradas. A ponte que ainda existe em Couce está muito intervencionada e, por isso, é difícil de reconhecer quaisquer vestígios, embora alguns trabalhos de limpeza pudessem permitir a recolha de informação sobre a sua construção. Não nos admiraria se ainda tivesse vestígios da construção antiga. Atravessado o rio Ferreira em Couce, por ponte, este troço partia da cota dos 50 metros e gradualmente subia até aos 200 metros entre as serras de Pias, a este, nascente, e a serra do Castiçal, a oeste,

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Cartografia das estradas municipais e caminhos vicinais do concelho de Valongo desenhada em maio de 1933, pelo Eng. António Machado. Nesta cartografia, a estrada municipal nº 1, que servia desde o sítio do “Rechãos” até “Cabeda” e “Alfena”, está indicada com 5207 metros de comprimento e a estrada municipal nº 2, servia desde Chão de Cavada ao sítio do “Rechãos”, e está indicada com 2101 metros de comprimento.

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REIS, 1904: 71


poente, aproveitando um vale encaixado, Chão do Reboredo, que se prolonga entre as duas serras. Ao aproximar-se do sítio da atual aldeia de Aguiar de Sousa o traçado do caminho vai descendo gradualmente até atingir terrenos, com cotas em torno dos 100 metros, próximos da margem direita do rio Sousa. Este caminho, a que por vezes apetece chamar estrada, com características de traçado e inclinação que o tornavam de fácil circulação, ligava a margem esquerda do rio Ferreira à margem direita do rio Sousa, tornando-se estratégica para a circulação de pessoas e mercadorias na economia quotidiana romana. Apesar dos transportes fluviais terem sido sempre desvalorizados quando comparados com os marítimos, estamos perante uma situação em que o transporte fluvial tinha que ser plenamente articulado com o marítimo, apesar de não se conhecer os tipos de calado dos barcos que os rios Douro e Sousa suportavam, obrigando ou não a cabotagem e troca de barco capaz de navegar no mar. No mundo romano, os portos fluviais e os pontos de acostagem respondiam a imperativos de segurança e a necessidades comerciais, procurando reunir trabalhadores e condições para carga, descarga e armazenagem de mercadorias e também a sua distribuição através de caminhos ou estradas próximas. O sopé do castro de Couce, na margem direita do rio Ferreira, para além de ligado às zonas de acostagem no rio Sousa, também estava ligado ao sítio do “Moinho do Ouro”. Na cartografia desenhada em 1933, o caminho vicinal 8, com 2.500 metros de comprimento265, que fazia a ligação entre o sítio do “Moinho do Ouro” e Couce, coincidia, em parte, com o traçado da estrada romana. Os indícios principais desta estrada são as marcas que os carros de tração animal deixaram nas rochas afeiçoadas para servirem como pisos do caminho, embora não seja possível apontar cronologia para este tipo de vestígios. Depois das minas do Noroeste da Hispânia terem sido exploradas intensamente durante cerca de dois séculos, o equilíbrio entre os custos da exploração e redução da quantidade de ouro extraído, alteraram, pouco a pouco, as perspetivas e as condições de vida nos sítios mineiros. Em Valongo, a partir do século III, notaram-se as alterações no trabalho extrativo, perdurando a exploração agrícola ao longo dos séculos. 265

Cartografia das estradas municipais e caminhos vicinais do concelho de Valongo desenhada em maio de 1933, pelo Eng. António Machado.

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Figura 91 – Indícios da via romana nº 2, na margem esquerda do rio Ferreira, para ligação de Couce a Aguiar de Sousa, serra de Pias – Valongo. Observação de noroeste para sudeste. Foto de António Cabeço, 2020.

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Figura 92 – Atravessado o rio Ferreira em Couce, por ponte, o troço de estrada partia da cota dos 50 metros e gradualmente subia até aos 200 metros entre as serras de Pias, a este, nascente, e a serra do Castiçal, a oeste, poente, aproveitando um vale encaixado que se prolonga entre as duas serras, prosseguindo até à margem direita do rio Sousa. Observação de noroeste para sudeste. Foto de António Cabeço, 2020.

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Figura 93 – O aproveitamento da navegabilidade do rio Sousa só era possível se existissem locais de acostagem, especialmente na margem direita. Nesta cartografia procuramos apontar os locais que reuniam condições para acostagem.


Figura 93,1 – Análise pormenorizada das zonas de acostagem no rio Sousa e que facilitavam a navegação para o rio Douro.

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Figura 93,2 – Análise pormenorizada das zonas de acostagem no rio Sousa e que facilitavam a navegação para o rio Douro.

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“Estrada romana 3” (ligava Campo a Bustelo e à margem direita do rio Sousa) Na abordagem ao território de Valongo, para além das estradas que aparentemente serviam preferencialmente as explorações mineiras, registamos outras que atravessavam espaços com explorações agrícolas, onde certamente pontuavam povoados que acolhiam os trabalhadores rurais. De entre os eventuais povoados salientamos Bustelo, quer pela sua implantação quer pela localização, servida por uma ribeira que tomou o nome da povoação e que drena para o rio Sousa. A ligação por estrada entre Bustelo e Aguiar de Sousa parece ter sido evidente. Tudo aponta que uma via existia na encosta nascente da serra de Pias, atravessando o que hoje é a zona de Campo até Bustelo. Embora não tenhamos evidências arqueológicas, se aplicarmos neste território alguns dos princípios que os romanos seguiam tradicionalmente, reconhecemos que a partir da acostagem do rio Sousa, Bustelo podia ser assumido como sítio estratégico para as viagens porque distava cerca de 2 milhas (cerca de 2960 metros), sendo marca num habitual percurso por etapas de 12 ou 18 milhas, de mutatio em mutacio para descansar e trocar de animais, de mansio em mansio para passar a noite, que corresponderia, de acordo com as características das regiões e das estradas, a etapas de cerca de 4 horas a 6 horas de viagem com carro de tração animal. Apesar da proximidade entre Bustelo e Aguiar de Sousa, e do percurso poder demorar menos de hora e meia, a localização é marcante, instalado um pouco acima dos 100 metros de altitude, sobre a ribeira de Bustelo, no seio de espaços agrícolas.

“Estrada romana 4” (ligava Campo a Aguiar e à margem direita do rio Sousa) Do traçado das estradas que atingiam a margem direita do rio Sousa, salienta-se o que hoje identificamos próximo de Aguiar de Sousa. Também nos surge como ponto importante na ligação entre estrada e rio, na zona de acostagem de onde saía o carregamento do minério e onde chegavam os produtos “importados”. Joaquim Reis apontou a possibilidade de ter existido uma outra estrada que atingia a margem direita do rio Douro, atravessando por barcas para a margem esquerda perto de Crestuma. Apesar de ser possível, não reconhecemos indícios. É também salientada outra estrada que de Aguiar de Sousa, pela margem direita do rio Sousa, ligava ao que identificamos como “estrada romana 5”, através de Portella de S.Thomé de Canas, Duas Igrejas, Santo Adrião de Canas, Castro de Vila Boa de Quires e Canaveses.

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“Estrada romana 5” (ligava Valongo a Tongobriga) Vários autores fizeram referência a troços desta via, mas para a restituição desta estrada usamos um trabalho que exemplarmente tem sistematizado as propostas dos diversos investigadores e que tem vindo a ser desenvolvido ao longo dos anos por Pedro Soutinho, sobre “Vias Romanas em Portugal”266: É apontado o traçado da estrada romana que fazia a ligação de Valongo (Contensas, Agra de Galegos) ao território situado a leste, até Tongobriga, uma urbe evidenciada pela arquitetura e urbanismo, nomeadamente pelo fórum e pelas termas, capital de civitas, participando na estruturação administrativa a partir do final do século I e que, por isso, teve papel determinante na “vertebração” da região entre o litoral atlântico e a serra do Marão. O traçado desta estrada parece ter tido a preocupação de se aproximar dos castros indígenas, embora servindo-os à cota dos sopés, assim como atravessar os terrenos agrários que a economia romana muito valorizava. Entre Valongo e Canaveses, na margem do rio Tâmega, é este o traçado apontado267: em S. Martinho do Campo seguia pela rua do Borbulhão e rua do Calvário. Uma eventual ponte garantia a travessia do rio Ferreira e seguia por Vilarinho de Baixo, Gandra do Correio, Moreira, «Estrada Velha», Casais e Serra, até confluir na atual EN15, junto da Sra. da Guia. Em Vandoma a via seguia junto da Capela de S. Silvestre,……, e pela rua do Padrão, continuando pela travessa de Serzedo. Em Baltar passaria junto da atual igreja e a identificação de necrópoles em Tanque, Calvário e Cruz, indiciam a passagem da via pela atual rua do Areal, marginado a Capela das Almas e a Capela do Sr. dos Aflitos, continuando pela antiga «Estrada Real» por Castelo e Alqueidão até reencontrar a atual EN15 em Venda Nova, pouco antes de Mouriz. Em Paredes seguia por Fonte Sagrada, Jardim Público, Ponte da Estrebuela e rua de Cepeda. A seguir à ponte sobre o rio Sousa subsiste um troço lajeado no CM1325 que margina a casa onde funcionou a estalagem medieval da Costeira, o «Hospital do Espírito Santo». Da Quinta da Aveleda seguia depois para Penafiel por um traçado similar à EN596-1, passando na Capela de S. Roque e das Alminhas. Em Penafiel, antiga Arrifana do Sousa, estalagem/hospital medieval; seguia pela rua do Carmo, antiga rua de «Santo António Velho», rua Direita, rua Paço, Largo da N. Sr.ª da Ajuda, rua Alfredo Pereira e Monte Sameiro, continuava pela Av. Gaspar Baltar por Chãos de Cima até à atual rotunda da EN15 em Crasto de Cima, junto das Almi-

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SOUTINHO, Pedro (2021). Vias Romanas em Portugal [consult. 20 março 2021]. Disponível em <https://viasromanas.pt>

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SOUTINHO, Pedro (2021). Vias Romanas em Portugal [consult. 20 março 2021]. Disponível em <https://viasromanas.pt>


nhas. Em Santa Marta, continua pela rua Castro rumo à Ponte sobre o rio Cavalum, continuando pelo pinhal a sul de Paredes e Carvalhos, onde iniciava a ascensão da serra pela «Calçada da Arnova», atualmente já muito destruída, e que ascendia ao Castro de Quires, onde iniciava a descida rumo a Sobretâmega por Gaia, Monte da Forca, Caniva de Cima, Capela de S. Sebastião, Cruzeiro, Quatro Irmãos, São Pedro, Ponte dos Asnos, seguindo para a Capela de S. Sebastião no «Terreiro dos Santos», onde entroncava na via proveniente de Bracara Augusta, descendo pelo lugar da Rua para a travessia do rio Tâmega na desaparecida ponte Romana. Este sítio de Canaveses merece-nos atenção específica, na medida em que reunia algumas condições que o tornavam de especial atratividade. Na margem direita do rio Tâmega, os romanos construíram um balneário que aproveitou as águas medicinais sulfúreas e sódicas que brotam, a cerca de 35 graus de temperatura, de nascentes naturais que aproveitam a falha geológica. Era um balneário com banheiras revestidas com mosaico, eventualmente do século III. Sabendo que as águas minerais medicinais eram muito pretendidas pelos romanos, percebemos a importância deste lugar. Mas Canaveses268 era também ponto estratégico de travessia do rio Tâmega, onde existiu uma ponte romana, cujos vestígios foram identificados em 1942, aquando da demolição da ponte românica. Nessa altura, foi observado que a ponte medieval aproveitara, na margem esquerda, parte dos arcos da ponte romana e poderia ter tido cinco arcos. A ponte romana, pelos vestígios recolhidos, poderia ter sido construída no final do século I e início do século II, correspondendo a uma fase de desenvolvimento do sistema de estradas, indispensáveis à administração romana. Atravessado o rio em Canaveses, a estrada subia em perfil harmonioso até Tongobriga, cidade romana, de onde prosseguia até atingir a margem direita do rio Douro no sítio de Porto Manso, onde poderia ter existido uma mansio para apoio aos viajantes e onde está comprovada a existência de uma estrada. Na margem esquerda, depois de atravessar o rio por barco, uma estrada subia até à Gralheira269, viabilizando a passagem de carros de tração animal e a travessia da serra de Montemuro.

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DIAS, 1995: 265; 1997: 309

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Existiriam alternativas a esta travessia de Montemuro, eventualmente mais curtas, para quem fizesse o percurso a pé ou a cavalo.

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“Estrada romana 6” (ligava Valongo a Cale) Joaquim Reis referiu que “no século IV começou a abrir-se o caminho para o Porto pelo Monte Alto, Fânzeres, Campanhã.”; no entanto, não indica a fonte em que se baseou para fazer a afirmação. Mas, de facto, pelos elementos que pudemos identificar, a circulação por estrada já se poderia fazer, nos séculos III e IV, entre o território de Valongo e o litoral, por uma estrada que cruzava o que hoje são terras de Gondomar e Porto270 (Cale). Pedro Soutinho271 descreve esta estrada a partir de Cale até ao Monte Alto, já em Valongo: De Cale a estrada saía do núcleo amuralhado do morro da Sé, pela Porta de Vandoma, demolida em 1855, continuando pela calçada de Vandoma e rua Châ, antiga rua Chão de Eiras; subia pela rua Cimo de Vila até à antiga Porta de Cimo de Vila, atual Praça da Batalha; prosseguia pela rua de St. Ildefonso, antiga rua Direita; passava no largo do Padrão; Campo 24 de Agosto, antigo campo de Mijavelhas; seguia ao Bonfim, perto da Igreja; continuava pela rua do Bonfim, antigo Chão das Oliveiras e rua do Godim; em Campanhã cruzava “a atual linha férrea e a VCI junto da Quinta de Vila Meã, antiga villa Minhão e atual Quinta da Mitra; venceria a milha 2 junto da Corujeira; continuando pela rua de S. Roque da Lameira e calçada de Maceda, podendo ter cruzado o rio Tinto na travessa da Ponte. Em Rio Tinto acompanhava aproximadamente o atual traçado da EN 15 por S. Caetano, Sr. do Calvário, Cavada Nova e Capela de S. Sebastião; continuava por Venda Nova, Ferrarias e Carreira; atravessava o rio Torto e pouco depois seguia pelas ruas D. Inês de Castro, rua das Tulipas, rua Monte da Pedra até ao Alto da Serra/ Monte Alto. Com base nesta síntese proposta por Pedro Soutinho, procuramos recentemente confirmar, com trabalho de campo, as propostas de traçado a partir do sítio de Monte Alto, onde o traçado romano da estrada poderia ser parcialmente coincidente com alguns troços da atual estrada nacional 209, onde atinge os 240 metros de altitude, e onde ligava com a que identificamos e descrevemos como “estrada romana 1”, coincidindo a partir de Chão de Cavadas, com parte da

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Síntese sobre a ocupação indígena e romana: Silva, 2018.

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SOUTINHO, Pedro (2021). Vias Romanas em Portugal. [consult. 20 março 2021]. Disponível em <https://viasromanas.pt>


atual rua de Santa Justa (200 metros de altitude), rua Dr. Cândido e rua Dias Oliveira. Este troço é lembrado popularmente como rua Velha, que termina em torno dos 150 metros de altitude. Como já apontamos, este troço da estrada foi feito com perfil estabilizado, harmonioso e com inclinação agradável, não exigindo muito esforço, quer a subir quer a descer. Não temos elementos que permitam apontar cronologias para a construção desta estrada que ligou Valongo a Cale e ao litoral marítimo. Fica sempre a dúvida sobre o momento em que os romanos decidiram fazer esta ligação por estrada. Atualmente, com os conceitos que temos da importância do litoral, parecer-nos-ia lógico que a ligação tivesse sido das primeiras a ser realizada, mas a estratégia de exploração da região de Valongo seria, então, muito diferente. Como apontamos, a ligação entre Bracara Augusta e a região de Valongo foi feita durante o século I, com vontade expressa na construção da “estrada romana 1”. No entanto, poderá ter demorado muito tempo até ser feita a ligação desta primeira estrada, em Chão de Cavadas, à que veio a permitir a viagem até Cale, que identificamos como “estrada romana 6”. À época, a ligação à foz do rio Douro não foi estrategicamente prioritária, eventualmente por não ter subsolo aurífero, sendo-o mais tarde, quando Cale assumiu outro papel no povoamento do Noroeste. Podemos conciliar os conhecimentos que a investigação tem mostrado recentemente em que se constata, de facto, uma estratégia que resultou na abertura ou remarcação de estradas, comprovada pelos miliários datados do século IV, tal como os identificados em troços desta estrada272. Esta aparente reforma das estradas, já em época tardia, pode ser constatada, por exemplo, nos miliários colocados a partir de Tongobriga, como capita viarium273, um em Tuias, datado de 364/375, outro no lugar da Carreirinha, datado de 253 -259, um terceiro em Soalhães, datado de 337/340. Também esta perspetiva está de acordo com a reforma política de urbanização e de povoamento que tem vindo a ser confirmada para esta região do Noroeste. Não estamos perante estradas traçadas e construídas com empreitadas simultâneas, mas, certamente, resultaram da conjugação e somatório de decisões, e de investimentos, em distintos momentos e com diversos empenhamentos políticos, económicos, resultado da evolução social e também do empenhamento de populações locais e regionais. 272

DIAS, 1997

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Povoação de onde, pela sua importância administrativa no território, era iniciada a contagem de milhas nas estradas de dela irradiavam, marcadas com miliários instalados nas bermas.

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Também em Valongo poderemos estar perante a reforma do conventus, com investimento em infraestruturas viárias, que também se sentiu no território de Tongobriga. Em contrapartida, depois das minas do Noroeste da Hispânia terem sido exploradas intensamente durante cerca de dois séculos, o equilíbrio entre os custos da exploração e redução da quantidade de ouro extraído, alteraram, pouco a pouco, as perspetivas e as condições de vida nos sítios mineiros, e também em Valongo a partir do século III, com manifesta redução do impacto económico da exploração mineira. As infraestruturas construídas no território continuaram como suporte à atividade agrária que perdurou sobre a propriedade que estava parcelada. O movimento de mercadorias foi reduzido, podendo as acostagens no rio Sousa ter perdido importância. Em contrapartida, a circulação de pessoas e cargas ligeiras era facilitada pelas estradas que persistiam e perduraram, como sinais, mesmo que subtis, que procuramos reconhecer e valorizar.

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POSFÁCIO

Perante o conjunto de elementos, assumidos como marcas, recolhidos durante a preparação deste livro sobre Os Romanos em Valongo, pareceu-nos possível ter a ousadia de apontar alguns “momentos” que se salientaram ao longo dos séculos, para além do evidenciado pela pujante presença romana. Na nossa opinião, foram “momentos” marcantes na construção da paisagem cultural do território de Valongo. Para a identificação destas marcas que salientamos foi determinante o trabalho que intitulamos Contributo para reconhecer lugares e topónimos de Valongo, que constitui o segundo volume desta edição. Tentar perceber a estratigrafia da paisagem cultural de Valongo através de marcas que podemos reconhecer ou induzir é o desafio que assumimos, como contributo para conhecer melhor o território e, assim, ajudar a qualquer participação na discussão do futuro. Embora com caráter pouco rigoroso, porque não se suportam em estudos exaustivos, podemos associar esses “momentos” ao efeito transformante que tiveram no território, identificados em áreas relativamente homogéneas e que se denotam pela estreita relação entre as características ecológicas de um espaço e as atividades humanas que nele se desenrolaram, exemplificadas e identificadas como património construído (arquitetónico e arqueológico), materializadas num intervalo de tempo ante e post bem definido. Estes intervalos de tempo ante e post, desde que sejam bem definidos, assumem-se como “momentos” em que, de facto, houve mudanças visíveis na forma de viver no mesmo território. Nestes “momentos”, as evidências identificadas na paisagem resultaram do casamento do trabalho do homem com a natureza, contribuindo para o reconhecimento da construção da paisagem cultural. Assim, aquilo a que chamamos “momentos”, são manifestações que associamos ao tempo, suportados na história, assumidos como indicadores dos pontos fortes que

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se evidenciam, e que, por isso, podem ser verdadeiras chaves de leitura da paisagem. Com o reconhecimento destes “momentos” procuramos compreender a modernidade contemporânea e as exigências de rigor e de ética nas relações com o passado, dando sentido ao pensamento do Imperador Adriano, nas memórias romanceadas por Marguerite Yourcenar274, quando escreve que “construir é colaborar com a terra; é por numa paisagem uma marca humana que a modificará para sempre; é contribuir também para essa lenta transformação que é a vida das cidades”. No trabalho de campo usamos muita cartografia, antiga e atual, embora salientemos a editada em 1948, desenhada pouco depois da Segunda Guerra Mundial, num período em que os solos ainda não estavam muito alterados por intervenções intensas e sistemáticas para construção, ou revolvidos por trabalhos de florestação geralmente feitos com insensibilidade e ajudados pela modernização de máquinas e equipamentos potentes. Para observação do espaço urbano de Valongo, também usamos o desenho preparatório do plano de urbanização da Vila, datado de 1955. Assim, reconhecemos que a paisagem natural da região terá sido transformada pela construção de antas e mamoas, constituindo o “primeiro momento” reconhecido e que podemos associar aos “planaltos dolménicos” usados pelo homem há cerca de cinco mil anos para sepultar os seus mortos. Embora não diga em que documentos antigos se baseou, Joaquim Reis275 apontou que “ao monte que separa S. Pedro da Cova de Vallongo também chamam, em documentos antigos, Monte de Mamôas”. Também Fernando Lanhas276 referiu a existência de uma mamoa e um dólmen, já então monumentos desaparecidos, na área do sanatório de Monte Alto. De facto, as condições geomorfológicas e a altimetria do planalto do “Monte Alto”, acima dos 300 metros, são adequadas à construção de antas com mamoas. Situações similares podemos identificar em planaltos, com semelhante altimetria, em Alfena.

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YOURCENAR, M. (1974). Memórias de Adriano. Lisboa: Ulisseia.

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REIS, 1904: 58

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O arquiteto Fernando Lanhas realizou trabalhos de inventário e cartografou monumentos arqueológicos, nas décadas de 60 e 70 do século XX, no âmbito da então Junta Distrital de Entre Douro e Minho e do Museu de Etnografia do Porto, de que foi diretor. LANHAS, Fernando; BRANDÃO, Domingos Pinho (1965). Inventário do Objectos e Lugares com Interesse Arqueológico. «Revista de Etnologia, Junta Distrital do Porto-Museu de Etnografia e História». 8, 2, pp. 5-252.


O “segundo momento” que marcou a paisagem cultural de Valongo é o reconhecido pela construção e uso dos “castros”. O castro identificado na Serra de Santa Justa, acima dos 300 metros, terá sido o mais antigo na região. Para esta hipótese contribui a altimetria do espaço de construção deste povoado, associado ao achado de materiais que podem ser enquadrados no longo período entre os 700 e os 500 anos antes de Cristo. Mas, neste território, os castros menos antigos, já identificados com a Idade do Ferro, foram implantados, predominantemente, sobre terrenos em torno dos 200 metros de altitude. Estes castros são as marcas do “terceiro momento” que reconhecemos no território e com as quais se confrontaram os romanos no século I antes de Cristo. O número destes castros da Idade do Ferro, identificados na região de Valongo, não é muito elevado, o que permite pensar que estaríamos perante um território com pouca população, apesar de ser montanhoso, espaço favorável a implantação deste tipo de povoados. Mas, em contrapartida, a geomorfologia da região impunha vales húmidos e alagados, para além dos solos nas serras serem de fraca qualidade. Estas condições não facilitavam o trabalho de subsistência do homem castrejo, o que poderia justificar a reduzida presença castreja. A intervenção romana assume-se como “quarto momento”, muito marcante na paisagem cultural de Valongo. No final do século I antes de Cristo e no início do século I, certamente atraídos pela riqueza mineira, funcionários e militares romanos terão iniciado intervenções em Valongo. Embora não saibamos quais foram os caminhos usados para chegarem a Valongo, certamente impulsionados a partir da, então, recente, mas afirmada, capital Bracara Augusta, os romanos procuraram construir um caminho que estivesse a salvo das dificuldades que os ribeiros e rios colocavam, quer porque alagavam as terras baixas, quer porque a sua travessia complicava a vida a quem viajava. Julgamos que o primeiro caminho foi traçado de modo a que pudessem chegar aos castros situados na serra de Santa Justa e em Couce, acima dos 200 metros de altitude. Esse caminho terá ajudado à construção do primeiro povoamento romano, em torno dos 160 metros de altitude, em torno dos terrenos por si atravessados, no sítio conhecido por rua Velha. Mas a exploração mineira, que foi a principal preocupação da atividade romana, obrigou à intervenção de muita mão de obra de trabalhadores e operários que não abundariam na região, o que exigiria a deslocação de mão de obra oriunda de outras regiões. Durante o século I, para além da construção de casas romanas, também os castros terão tido aumento de habitantes. No sopé da encosta nascente da serra de Santa Justa, na zona da Ivanta, já foi parcialmente

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escavado um conjunto de construções ligadas à exploração mineira. Outro núcleo pode ter existido na margem esquerda do rio Ferreira, antes da confluência da ribeira de Santa Baia, em frente ao alcandorado sítio do Alto do Castelo, prolongando-se pelas zonas agora ocupadas por detritos acumulados pela indústria da lousa. Os sítios que ainda hoje são designados com o topónimo “castelo” podem ter tido, a partir de então, um papel importante como locais estratégicos para a administração romana. O que podemos denominar como “momento romano” também marcou o território de Valongo com muita intervenção agrária que, ao longo dos séculos, certamente a partir do século II depois de Cristo, terá organizado um parcelário das terras em toda a região, desmatando gradualmente os sopés dos montes e agricultando os vales, entretanto limpos e lavrados. Este parcelário das terras terá criado um povoamento agrário disperso que, certamente, predominou ao longo de muitos séculos. O “quinto momento”, reconhecido em Valongo, decorreu ao longo de séculos medievais, modernos e contemporâneos, com manifestas marcas agrárias, durante o qual perduraram tradições e formas de exploração dos solos. Algumas estradas, traçadas desde o século I, perduraram e foram usadas durante os séculos seguintes, indispensáveis para assegurarem as tarefas obrigatórias ao funcionamento da economia. Apesar de diversa documentação apontar alguns acontecimentos que poderiam ocasionar marcas patrimoniais, no território de Valongo denotamos um longo período em que delas não temos, ou não identificamos, evidências, e a intervenção do homem não se salienta para além da atividade agrária. Deverá ter sido um longo período em que o homem suportava um povoamento agrário, disperso, em que alterações na paisagem teriam objetivos privados, eventualmente associados a intervenções em propriedades agrícolas. Terá sido um longo momento que marcou a paisagem pela sua estabilidade agrícola, sem expressão evidente de qualquer centralidade urbana. Só nos séculos XVII e XVIII se evidencia o “sexto momento”, com a construção ligada à moagem e à panificação, com recurso à exploração dos rios Ferreira e Leça, onde a gestão da água, sua qualidade e força motriz, tornaram a região notável, rentável e sustentável, contando também com a proximidade do Porto e do que representava como centro consumidor, para onde os vendedores se deslocavam através dos caminhos antigos, por vezes coincidentes com traçados romanos.

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A assunção de autonomia administrativa, cujas discussões podem ter começado ainda no século XVIII, conduziram a que em 6 de novembro de 1836 fosse criado o concelho de Valongo, com territórios retirados a administrações vizinhas, como era o caso de Aguiar de Sousa e Maia. Esta criação foi oficializada pela publicação em Diário do Governo a 29 de novembro do mesmo ano. O “sétimo momento” foi especialmente marcante em Valongo. Nos anos imediatos, principalmente nos cinquenta anos que decorreram entre 1837 e 1887, foi evidente a marca da intervenção do homem político em Valongo. Uma análise sumária permite-nos apontar que as obras se evidenciaram no núcleo urbano que existia no século XIX e que perdurara sobre o primitivo povoado romano. Os cinquenta anos que mediaram entre 1837 e 1887 deixaram uma marca enorme no território. A abertura da rua da “estrada Nova”, em 1846, relembrando a importância estratégica da “rua Velha”, e a abertura da estrada real nº 33, em 1847, marcaram e mudaram os pontos cardiais de circulação das pessoas de Valongo. Em 1860, começou a construção da Fábrica de Fiação da Balsa, que aproveitava a água do rio Ferreira como força motriz. Nessa data, a exploração de antimónio já era feita na mina de Valle d’Achas e Ribeiro da Igreja. Em 1874, foi fundada a fábrica Paupério & Companhia, que se especializou no fabrico de pão e biscoitos. Foi um período em que o aumento de emprego motivou o crescimento da população residente. Segundo o recenseamento, em 1864, no concelho de Valongo residiam 8511 habitantes e a freguesia mais populosa era a da sua sede, com 3002 habitantes. Decorridos cerca de 15 anos, no recenseamento da população em 1878, denota-se que aumentou o número de residentes, passando para 9460 habitantes. Salienta-se que foi neste período de tempo, em 1865, que também começou a exploração de ardósia por uma companhia inglesa, The Vallongo Slate & Marble Quarries Company. Esta marca da exploração da ardósia perdura na paisagem cultural de Valongo ainda no século XXI e, por isso, considerámo-la como principal criadora do “oitavo momento”.

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Do mesmo modo, neste período de cinquenta anos (1837 a 1887), o território de Valongo assiste à construção do caminho de ferro, servindo-se dele a partir de 1875. Esta é uma marca na paisagem, que apontamos como “nono momento”, evidenciado pelo corredor que a engenharia considerou adequado para o instalar, numa cota altimétrica em torno dos 100 metros de altitude, denotando-se na cartografia por cortar parcelas agrícolas só na medida em que era necessário, pelo que continuaram a ser agricultadas, de um lado e do outro da linha do comboio. Nas últimas décadas do século XIX, a linha do Minho, partindo do Porto, de Campanhã, cortou Águas Santas, Ermesinde, S. Mamede de Coronado, prosseguindo para norte. Os troços dos eixos para o caminho de ferro constituem uma grande marca neste território. O traçado da linha do Douro, a partir de Ermesinde, contorna a norte a serra de Santa Justa, evitando-a, e foi construído em cota mais baixa, estabilizada, até Valongo, prosseguindo para Livração e Régua. Foi durante este momento de paisagem com impacto no território de Valongo, que também se evidenciou Ermesinde, até então só um espaço rural, tal como todo o território administrativo do concelho. Mas, de todos os “momentos”, salientamos o predomínio do povoamento agrário, organizado pelos romanos, e que perdurou até meados do século XX. Em 1942, Armando de Mattos publicou a obra A Arte dos Jugos e Cangas do Douro Litoral, na qual salientou a arte dos homens ao fazerem os jugos e as cangas para as juntas de bois, mostrados com orgulho pelos lavradores ricos. Estes artistas, denominados com “profissão de jugueiro”, eram tradicionalmente homens que faziam os jugos e as cangas e assim transmitiam a arte de transformar um pedaço de madeira na maravilha de equilíbrio artístico, lavrado a rigor ou colorido a preceito, mostrados com orgulho e vaidade pelos donos das juntas de bois. Em 1942, em Valongo, ainda existiam três jugueiros na freguesia de Ermesinde277 e cinco na freguesia de São Mamede278. Todos tinham dificuldade de responder às muitas encomendas dos lavradores da região. Recordemos: no final do século XIX e início do século XX, o concelho de Valongo tinha uma população de cerca de 11800 habitantes e a sua freguesia mais populosa era a sede, com cerca

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Domingos Ferreira da Silva, Joaquim Ferreira da Silva e Manuel Ferreira da Silva.

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António Rodrigues Alves, João Rodrigues Alves, José Rodrigues Alves, Martinho Rodrigues Alves, Martinho Rodrigues Alves, Manuel Rodrigues Alves


de 3600 habitantes. A principal atividade era a agricultura, com cerca de 4800 indivíduos, mas seguida de perto pela indústria com cerca de 4200 indivíduos, onde a exploração da ardósia e o fabrico de pão e biscoito eram dominantes. Este conjunto de atividades poderá justificar que, em 1911, depois da implantação da República e, principalmente, antes da 1ª Guerra, a população tenha aumentado para cerca de 13800 habitantes, continuando a agricultura a ser dominante ao ocupar cerca de 5400 indivíduos, embora também já houvesse cerca de 5000 trabalhadores na indústria. Parte desta atividade industrial, a do pão e do biscoito, está umbilicalmente ligada à agricultura, dela dependendo pela qualidade dos cereais e, neste caso, também muito ligada à água, não só pela que era usada nos fabricos do pão e biscoito, mas também usada como força motriz, explorando os caudais dos rios que atravessam o território e, então, alimentavam as rodas dos moinhos. Assim, podemos sumariar as marcas que identificamos em Valongo, com distintas durações e perdurações, sintetizando-as em nove “momentos de paisagem”: 1 - Planaltos megalíticos usados para fins funerários; 2 - Alguns pontos elevados usados para habitação; 3 - Castros da Idade do Ferro usados para habitação; 4 - Exploração mineira e agrária romana com a inerente construção de novos povoados; 5 - Exploração agrária que perdurou e predominou durante séculos nas terras drenadas pelos rios; 6 - Moagem e panificação nos séculos XVII e XVIII; 7 - Intervenções de afirmação territorial depois da criação administrativa do concelho no século XIX; 8 - Exploração de ardósia; 9 - Construção do caminho de ferro. De todas estas marcas salientamos a romana, especialmente pela evidência da exploração mineira, não só porque tem surpreendido várias gerações, mas também porque continua a desafiar os investigadores. A amplitude dos trabalhos, subterrâneos e a céu aberto, implicou imenso trabalho humano, o empenho de muita mão de obra, de muita gente que tinha necessidade de habitar e de se alimentar quotidianamente. Reconhecer e justificar o equilíbrio entre estas realidades, entre o trabalho e a vida do homem num especial período de tempo, continua a ser um enorme desafio para a investigação interdisciplinar, assumindo especial responsabilidade a Arqueologia e a História.

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Figura 94 – Observação de sul para norte do Vale do rio Ferreira, Campo – Sobrado, tendo como primeiro plano a Empresa das Lousas. Foto de António Cabeço, 2020.

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CRONOLOGIA

Nestes apontamentos cronológicos procuramos salientar algumas datas e acontecimentos que podem ter tido influência política, social e económica, direta ou indiretamente, no tipo e forma de vida desenvolvida na região de Valongo. A presença romana na região está comprovada ao longo de quatro séculos, exercendo-se através de personagens que a governaram de acordo com as influências romanas aprendidas, apreendidas ou impostas.

218 a. C.

Início da conquista da Ibéria/Hispânia com o desembarque das tropas romanas de Cornélio Cipião em Ampúrias, cidade fundada pelos gregos em 575 a.C.

206 a.C.

Fundação de Itálica, primeira cidade romana da Hispânia

197 a.C.

Divisão da Hispânia em província Ulterior (ocidental) e província Citerior (oriental)

178 a.C.

Confrontos entre Romanos e Lusitanos (até 138 a.C.)

146 a.C.

Destruição de Cartago e consequente controle do Mediterrâneo pelos Romanos

138 a.C.

Campanhas militares de Décimo Júnio Bruto atingem o território a norte do rio Douro Fundação da cidade de Valência, na costa mediterrânica

133 a.C.

Conquista de Numância pelos romanos

100 a.C.

Nascimento de Júlio César (13 de julho)

73 a.C.

Guerra de Spartacus. Revolta dos escravos em Roma, entre 73 e 71 a.C.

277


72 a.C.

Assassinato de Sertório

63 a.C.

Nascimento de Estrabão, geógrafo grego, na cidade de Amásia (atual Turquia). Escreveu a Geografia, entre os anos de 7 e 19 d.C. e faleceu em 24 d.C., com 87 anos.

60 a.C.

Campanhas militares de Júlio César no Noroeste

49 a.C.

Júlio César conquista a Gália

45 a.C.

Primeira viagem de Augusto à Hispânia. Ainda não era imperador.

50 a.C.

Pacificação da região entre Douro e Tejo (até 40 a.C.)

27 a.C.

Augusto torna-se o primeiro Imperador de Roma (até 14 d.C.) Dinastia dos Júlio-Cláudios (até 68 d.C.) com os imperadores Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio, Nero, Galba, Otão e Vitélio

26 a.C.

Augusto doente em Tarragona, durante a sua segunda viagem à Hispânia.

25 a.C.

Pacificação do Noroeste da Hispânia, apesar de continuar a guerrilha nas Astúrias e na Cantábria Fundação da cidade Emérita Augusta (Mérida)

16 a.C.

Segunda viagem, como imperador, de Augusto à Hispânia Criação das Províncias Tarraconense, Lusitânia e Bética

15 a.C.

Criação de cidade de Bracara Augusta (Braga) Primeiras intervenções dos Romanos identificadas em Valongo Édito de El Bierzo, documento em bronze onde é apontada por Augusto a importância de uma província Transduriana Permanência de três legiões na Hispânia, com cerca de 15 mil militares. Duas legiões vão ser deslocadas, gradualmente, para as fronteiras do rio Reno

278


9 a.C.

Inauguração da Ara Pacis em Roma, dedicada à pacificação do Noroeste conseguida por Augusto

14 d.C.

Morte do imperador Augusto a 19 de agosto, em Nola, perto de Nápoles

17 d.C.

Revoltas indígenas em África

21 d.C.

Revolta de indígenas na Gália e na Trácia

30 d.C.

No Gólgota, Jerusalém, é crucificado Jesus Cristo

36 d.C.

Revolta de indígenas na Capadócia

40 d.C.

Revolta de indígenas na Judeia e na Mauritânia

61 d.C.

Revolta de indígenas na Bretanha, na Judeia, na Gália

69 d.C.

Dinastia dos Flávios (até 96 d.C.) com os imperadores Vespasiano, Tito e Domiciano Criação das novas cidades de Tongobriga, Aquae Flaviae (Chaves)

70 d.C.

Destruição do templo judaico em Jerusalém pelos romanos

74 d.C.

Vespasiano concede o IUS LATTI a toda a Hispânia

79 d.C.

Erupção do Vesúvio destrói Pompeia e Herculano

80 d.C.

Imperador Tito inaugura o Coliseu em Roma, iniciado por seu pai Vespasiano

96 d.C.

Dinastia dos Antoninos (até 192 d.C.) com os imperadores Nerva, Trajano, Adriano, Antonino Pio, Marco Aurélio, Lúcio Vero, Cómodo, Pertina, Dídio Juliano

100 d.C.

A exploração mineira em Valongo poderá ter tido o seu auge, consequência do investimento ao longo do século I Da primeira metade do século II são os nomes identificados nas inscrições recolhidas na região

101 d.C.

Trajano submete a Dácia (Roménia) ampliando o Império

279


122 d.C.

Viagem do imperador Adriano à Hispânia Início da construção do muro no norte da Bretanha. Concluído em 127 d.C. Viagens do imperador à Germânia, Gália, Mauritânia, Grécia, Sicília, Ásia Menor, Egito e Judeia entre 122 e 134 d.C.

140 d.C.

Apogeu da exportação do azeite da Bética para Roma (até 160 d.C.) Desenvolvimento da exploração agrária em Valongo

280

165 d.C.

Peste Antonina. Pandemia que afetou todo o império, provocou grande mortalidade, incluindo o imperador Marco Aurélio. Durou até 180 d.C.

193 d.C.

Dinastia dos Severos (até 235 d.C.)

212 d.C.

Caracala alarga o direito de nacionalidade a todos os habitantes do Império

250 d.C.

Estradas da região são remodeladas, incluindo marcação com miliários

253 d.C.

Pandemia na Hispânia e em outros territórios do império, provavelmente de varíola ou sarampo

259 d.C.

Tarraco sofre incursões bárbaras

313 d.C.

Constantino oficializa o culto cristão com o Édito de Milão


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APONTAMENTOS CURRICULARES DOS AUTORES

LINO AUGUSTO TAVARES DIAS Licenciado em História, Doutorado e Agregado em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto Arqueólogo Professor do Ensino Superior Investigador do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e do Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura Espaço Memória da Faculdade de Letras, Universidade do Porto Foi diretor regional do Norte do Património Cultural do Ministério da Cultura

CRISTINA MADUREIRA Licenciada em Ciências Históricas – Ramo Património, pela Universidade Portucalense, com Pós-graduação em Gestão Estratégica do Património na Administração Pública e Autárquica, no IPPAR - Instituto Português do Património Arquitetónico Técnica superior na Divisão de Ambiente, da Câmara Municipal de Valongo, onde dinamiza projetos na área do estudo, preservação e valorização do património natural e cultural Elemento técnico na Equipa Património Cultural do Parque das Serras do Porto, no âmbito dos estudos e Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto

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PAULA COSTA MACHADO Licenciada em História e História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto Pós-graduada em Museologia pela FLUP e em Gestão Estratégica do Património na Administração Pública e Autárquica, pelo IPPAR - Instituto Português do Património Arquitetónico e ISPGaya Museóloga Técnica superior na Divisão de Cultura, da Câmara Municipal de Valongo, onde desenvolve projetos na área dos Museus e Património

PEDRO AGUIAR Licenciado em Estudos Preparatórios de Arquitetura pela Escola Superior Artística do Porto-ESAP Técnico Superior, no Serviço Técnico e Oficinal de Vidro, Mosaico e Cerâmica da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto - FBAUP Trabalhador independente na Unidade Produtiva Artesanal, Pedro Santos - Cerâmica Espeleólogo federado nível 3, na Federação Portuguesa de Espeleologia, pelo Grupo de Espeleologia e Montanhismo - GEM Ordinary member at Artificial Cavities Commission, Department of Scientific Research – International Union of Speleology - UIS

ALEXANDRE LIMA Licenciado em Geologia, Doutorado em Geologia pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) em co-tutela com o Institut National Polytechnique de Lorraine (INPL) de Nancy, França Geólogo Professor Associado no Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território Da FCUP Investigador Integrado do ICT - Instituto de Ciências da Terra, polo da Universidade do Porto Foi responsável na FCUP pelos estudos prévios na área da Geologia e Minas e contribuição para o Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto

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OS ROMANOS EM VALONGO

I

180 anos

1836 · 2016

OS ROMANOS EM

VALONGO VOLUME I Lino Tavares Dias • Cristina Madureira Paula Costa Machado • Pedro Aguiar • Alexandre Lima


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