O Ciclismo e os Prodígios SOBRADO, o Ciclismo e os Prodígios
Sobrado
Sobrado
O Ciclismo e os Prodígios
Ficha Técnica Título: Sobrado, o Ciclismo e os Prodígios Autor: Paulo Felizes Fotografia: João Fonseca Edição: Câmara Municipal de Valongo Primeira Edição: Dezembro de 2020 Tiragem: 500 ex. Produção e Impressão: Tipografia Lessa - www.tipografialessa.pt ISBN: 978-989-54573-2-80 Depósito Legal: 477598/20
O sonho é o início de qualquer conquista!
Por mérito próprio, quatro sobradenses conquistaram um lugar na galeria dos ídolos do ciclismo. Neste concelho de Campeões, a vila de Sobrado tem alguns nomes que ficaram para sempre imortalizados graças aos seus feitos alcançados em cima de uma bicicleta. Corredores extraordinários e figuras incontornáveis da modalidade, são eles, Fernando Moreira, Joaquim Leão, Nuno Ribeiro e Rui Vinhas, os quatro sobradenses que já inscreveram o seu nome na história do ciclismo nacional. Sobrado é um autêntico viveiro de campeões, um verdadeiro caso de estudo. Guiados pelo mérito desportivo, o estrelato revelou-os, nos seus momentos, metódicos, robóticos e indestronáveis. A explicação poderá estar na humildade e na resiliência das gentes de Sobrado, que é também território da espetacular Festa da Bugiada e Mouriscada, uma Paixão que tal como o ciclismo atravessa gerações e ganha força com o passar do tempo.
O desporto é um fenómeno cultural de grande magia e emoção. No município de Valongo, também conhecido por outras logomarcas territoriais ou marcas identitárias, que o distinguem, desde as Serras de Pias e de Santa Justa, hoje integradas no Parque das Serras do Porto, onde se chegou a fazer a importante prova a contar para o Campeonato Nacional de Rampa, cujo vencedor foi Joaquim Leão, em 1965. A pedra negra ou ardósia com profunda ligação à vila de Campo e a Valongo, o magnífico património religioso por todo o concelho, onde se destaca o santuário de Santa Rita, na cidade de Ermesinde. A regueifa e os biscoitos produzidos em Valongo, e ainda, curiosamente, o ciclista de madeira, ícone representativo dos Brinquedos Tradicionais Portugueses profundamente ligados a Alfena e Ermesinde. Mas é em Sobrado que se concentram os campeões do ciclismo de estrada. Uma vila que nos habituou a comemorar entusiasticamente as vitórias da prova rainha, no Largo de Passal, com banhos de multidão e uma grande emoção.
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O presidente da Câmara Municipal de Valongo com Joaquim Leão, na homenagem a 79 figuras do Concelho, em novembro de 2017
Em forma de reconhecimento e agradecimento pelo profissionalismo, dedicação e entrega destes prodígios sobradenses, o município de Valongo edita, o livro “Sobrado, o ciclismo e os prodígios,” da autoria do jornalista Paulo Felizes, com as histórias destes quatro motores humanos, perpetuando os
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seus exemplos de abnegação desportiva para inspirar as novas gerações, que ainda estão a dar as primeiras pedaladas neste desporto que tem tanto de fascinante como de exigente. Nenhum campeão se faz sozinho, por isso este livro é, também, uma homenagem às equipas,
José Manuel Ribeiro com Rui Vinhas, vencedor da Volta de 2016 e reconhecido como uma das 79 figuras de Valongo
aos patrocinadores e aos adeptos fervorosos, sem os quais os ciclistas sobradenses não teriam conquistado tantos triunfos na Volta a Portugal em Bicicleta. José Manuel Ribeiro Presidente da Câmara Municipal de Valongo
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Joaquim Leão, homenagem da CM de Valongo
Festa da vitória da Volta de 2018, em Sobrado. José Manuel Ribeiro entre o vencedor, Raul Alarcón – com a camisola amarela –, e Adriano Quintanilha
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Celebração que juntou os três campeões de Sobrado, Rui Vinhas, Nuno Ribeiro e Joaquim Leão
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José Manuel Ribeiro fala durante a apresentação da equipa OFM-Quinta da Lixa, em 2015
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A história do ciclismo passa por Sobrado
Sobrado é uma terra de campeões velocipédicos, numa tradição com mais de 70 anos, contando com quatro vencedores da Volta a Portugal em Bicicleta. Curiosamente, a ligação desta vila valonguense ao ciclismo, está também na génese da afirmação do Futebol Clube do Porto enquanto grande clube nacional. Foi a vitória do sobradense Fernando Moreira, em 1948, que deu ao clube portista a primeira grande conquista desportiva na Volta a Portugal, alavancando o clube para uma dimensão nacional, na qual já se encontravam também os rivais de Lisboa, Sport Lisboa e Benfica e Sporting Clube de Portugal, por via dos duelos na estrada entre José Maria Nicolau e Alfredo Trindade. O segundo ciclista natural de Sobrado a conquistar a Volta a Portugal foi Joaquim Leão. Fê-lo em 1964, numa fase de domínio portista no ciclismo nacional, contribuindo para vincar a superioridade do Futebol Clube do Porto – ainda hoje o clube com mais triunfos individuais na corrida de referência em Portugal.
Os triunfos portistas e sobradenses ajudaram a cimentar a paixão nortenha pela modalidade, que, ainda hoje, é na região Norte que encontra os maiores banhos de multidão, os adeptos mais apaixonados e muitos clubes de formação e de elite. Sobrado é um desses pólos regionais em que o ciclismo se vive com intensidade, motivo pelo qual tem estado sempre representado no pelotão principal português, através de alguns dos mais notórios ciclistas, mas também de muitos outros agentes da modalidade. Essa presença constante ajuda a formar campeões. E, assim, nos últimos 20 anos, Sobrado celebrou mais dois triunfos de filhos da terra na Volta a Portugal, Nuno Ribeiro, em 2003, e Rui Vinhas, em 2016. Tive a oportunidade de comentar, na RTP, a Volta a Portugal em que Nuno Ribeiro conquistou a camisola amarela final, numa época em que os clubes de maior implantação nacional estavam afastados da modalidade e em que brilhavam as marcas. Nuno Ribeiro ganhou com as cores da LA Alumínios-Pecol-Bombarral. Rui Vinhas é um vencedor mais recente e de uma nova era
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Atribuição da Medalha de Mérito a Rui Vinhas, com José Manuel Ribeiro e Delmino Pereira
do ciclismo, aquele em que clubes e marcas partilham protagonismo. Foi, pois, ao serviço da W52-FC Porto que Vinhas se impôs em Lisboa. O prestígio que os campeões granjeiam para Sobrado e para todo o concelho de Valongo é um justo prémio para o entusiasmo de uma
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população de arreigada afeição pelo ciclismo, mas também para o apoio que o município valonguense tem dado à modalidade, através da dinamização do ciclismo de formação e da realização de eventos velocipédicos, de diferentes vertentes e disciplinas, sempre com uma estreita relação com a Federação Portuguesa de Ciclismo e com a Associação de
Delmino Pereira, presidente da Federação de Ciclismo, na apresentação de um evento velocipédico em Valongo
Ciclismo do Porto, representante do ciclismo federado em toda a região. Delmino Pereira Presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo
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FC Porto conta com a capacidade de superação dos sobradenses
Quem tenha memória do que era o desporto português em meados do século XX sabe bem que o ciclismo, antes da afirmação do hóquei em patins, era a modalidade que mais rivalizava com o futebol em popularidade. Todos os verões, em vários pontos do país, eram imensas as multidões que se juntavam para ver passar os corredores da Volta a Portugal, uma prova que alimentava todas as paixões, até porque colocava frente a frente os três grandes portugueses durante um período, o mês de agosto, em que não havia bola. Nesse tempo, os heróis da juventude não eram só atletas como o Pinga, o Barrigana, o Pedroto ou o Hernâni, eram também os ciclistas que elevavam mais alto o nome dos clubes. E, no caso do FC Porto, essa história está intimamente relacionada com várias terras das imediações da cidade do Porto, como a Maia, Gondomar, Santa Maria da Feria, Santo Tirso e, com bastante destaque, Sobrado, em Valongo. Com apenas dez anos de idade, numa altura de poucas conquistas no futebol, foi com grande alegria que festejei a primeira vitória
do FC Porto na Volta a Portugal. Fiquei a dever essa satisfação ao sobradense Fernando Moreira, pioneiro a romper a hegemonia de clubes e ciclistas do Sul naquela competição. Nos anos seguintes, com Dias dos Santos, os triunfos continuaram a ser azuis e brancos. Quase 20 anos depois, em 1964, já eu era seccionista numa direção presidida pelo Sr. Nascimento Cordeiro quando o Joaquim Leão, também de Sobrado, se tornou o oitavo atleta do FC Porto a ganhar a Volta. Também esta vitória foi especial, tendo em conta as circunstâncias da época: o clube tinha conseguido um tetra entre 1959 e 1962, mas ficara em branco em 1963; com Joaquim Leão, ficou reposta a normalidade. Bem mais recentemente, já comigo como presidente do FC Porto, tive a felicidade de estabelecer uma parceria com a W52 e o Sr. Adriano Quintanilha que significou o regresso do ciclismo ao clube. E, uma vez mais, Sobrado não podia faltar. O nosso diretor técnico é o sobradense Nuno Ribeiro – ele próprio um antigo ciclista vencedor da Volta em 2003 –, cuja competência tem sido fundamental para
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o sucesso que salta aos olhos de todos. E o primeiro dos quatro ciclistas que nos deram o penta entre 2016 e 2020 foi o Rui Vinhas, também natural de Sobrado, um exemplo de atleta com uma capacidade de sacrifício insuperável. Os especialistas saberão dizer melhor do
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que eu o que é que existe em Sobrado que esteja na génese desta dinastia tão ilustre de ciclistas. Eu não sei ao certo, mas sei que há coincidências difíceis de explicar e não acredito que seja por acaso que numa terra tão pequena tenham nascido tantas figuras importantes e com tanta relevância num desporto como o ciclismo. E sei que espero
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que no futuro o FC Porto possa continuar a contar com a qualidade, o empenho e a capacidade de superação dos sobradenses em prol das suas cores. Jorge Nuno Pinto da Costa Presidente do FC Porto
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Introdução
O ciclismo é um desporto de heróis, de gente habituada a sofrer e a superar dificuldades supremas. Por isso, é tão querido do povo, que sai à rua para ver em carne e osso esses heróis e não há nenhum outro espetáculo em que os seguidores se sintam tão ligados aos campeões. No nosso país, a expressão máxima dessa ligação única é a Volta a Portugal, o evento desportivo mais adorado pela população, por ser o único que leva os ídolos a praticamente todo o lado, num porta-a-porta impossível de replicar em qualquer outra competição. Antes da primeira Volta a Portugal, que decorreu em 1927, o ciclismo já era um desporto muito querido dos portugueses e tinha na clássica Porto-Lisboa a corrida mais emblemática, precisamente porque consagrava corredores capazes de percorrer mais de 300 quilómetros num só dia. No entanto, a popularidade do Porto-Lisboa seria largamente superada pela Volta a Portugal, onde nasceu, por exemplo, a rivalidade Benfica-Sporting – José Maria Nicolau e Alfredo Trindade tiveram, na estrada grandes duelos entre a águia e o
leão – e através da qual o país conheceu os primeiros verdadeiros ídolos desportivos. Os feitos dos ciclistas eram vividos in loco por multidões de seguidores e depois entravam no imaginário global como heróis de contos, novelas e romances de cordel, além de servirem como inspiração para temas musicais e poesias. Depois, veio o advento das televisões e foi possível aos adeptos verificarem que as histórias que ouviam ou liam sobre os seus ídolos e respetivos adversários eram confirmadas nos pequenos ecrãs. A forma como o ciclismo e a Volta a Portugal são mostrados ao público tem vindo a mudar ao longo dos tempos, mas os corredores mantêm o estatuto de heróis das estradas e continuam a ter um lugar guardado no coração dos adeptos. A popularidade da Volta a Portugal tem tido altos e baixos, mas, numa fase em que a concorrência desportiva, vinda sobretudo através do futebol – mais falado do que jogado, diga-se –, a grande corrida sempre soube recuperar o estatuto de evento mais popular
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Meta volante da Volta a Portugal em Sobrado
do ano. Para tal contribuem decisivamente os tais heróis, muitas vezes de origem humilde e sempre capazes de ultrapassar todas as dificuldades, que o povo tão aprecia. A geografia dos heróis do ciclismo português apresenta-nos algumas curiosidades, a começar pela origem dos campeões e dos projetos que conduzem outros grandes ciclistas aos triunfos mais importantes. É neste particular que o nome de Valongo e de
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Sobrado surgem com todo o destaque, como terra de campeões dos tempos antigos e modernos. Em 82 Voltas a Portugal disputadas entre 1927 e 2020, quatro foram conquistadas por corredores nascidos em Sobrado, um feito de que nenhuma outra freguesia do país se pode orgulhar. Fernando Moreira, em 1948, Joaquim Leão, em 1964, Nuno Ribeiro, em 2003, e Rui Vinhas, em 2016, levaram o nome de Sobrado e
de Valongo aos píncaros do ciclismo nacional, ao triunfarem nas respetivas Voltas a Portugal, todas elas com significado histórico, como se explica nesta publicação. Mas os sucessos na estreita ligação de Sobrado ao ciclismo não se ficam por aqui. A União de Ciclismo de Sobrado, fundada em 2004, esteve sempre na base nos triunfos das Voltas a Portugal entre 2013 e 2019, pois é a estrutura-sede das equipas profissionais que levaram os corredores ao sucesso na maior corrida de bicicletas em Portugal e em muitas outras provas. Desde 2013, quando o espanhol Alejandro Marque venceu a Volta a Portugal ao serviço da OFM-Quinta da Lixa, que a festa do triunfo é feita com uma receção apoteótica em Sobrado, no Largo do Passal. Depois de Marque, a celebração maior foi feita por outro espanhol, Gustavo Veloso, em 2014 e 2015, ainda com a designação OFM-Quinta da Lixa, pelo já referido Rui Vinhas em 2016, aí já com a ligação à W52-FC Porto, por outro espanhol, Raul Alarcón, em 2017 e 2018, e por João Rodrigues em 2019, ainda pela W52-FC Porto. Estes incríveis sete êxitos fizeram com que a celebração da vitória da Volta a Portugal se tornasse numa das maiores festas da freguesia de Sobrado e do Concelho de Valongo, até porque ganhou contornos mediáticos devido à obrigatória cobertura dos Órgãos de Comunicação Social.
Nuno Ribeiro e tres vencedores de Voltas, Veloso, Vinhas e Alarcon Rui Vinhas e Nuno Ribeiro, estágio na Serra da Estrela, 2020
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4.º Troféu Município de Valongo, 2010
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Passagem da Volta em Sobrado
Está assim claramente demonstrado que Valongo e Sobrado estão em 11 triunfos na Volta a Portugal em Bicicleta, um registo impressionante, se o enquadrarmos nas 82 edições realizadas até 2020.
de Portugal, quebrando uma hegemonia de 12 edições dos clubes e corredores do Sul. Em 1964, Joaquim Leão conseguiu nova vitória para o FC Porto, com uma média final de 39,404 km/hora, um recorde que só seria batido 30 anos depois, em 1994.
No histórico destes magníficos sucessos há ainda duas referências estatísticas de grande importância. Fernando Moreira conseguiu, em 1948, a primeira vitória do FC Porto, sendo também a primeira de estruturas do Norte
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Multidão para ver a passagem da Volta em Sobrado
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Rui Vinhas, Nuno Ribeiro e Joaquim Leão, em 2016
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Monumento ao Cicista perpetua os sucessos dos sobradenses
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Fernando Moreira O primeiro de Valongo e do FC Porto
“Olha o Fernando Moreira, que é do Porto campeão, com o sorriso na boca à frente do pelotão.” Frase de panfleto distribuído nas feiras no final dos anos 1940
Fernando Moreira foi o primeiro grande herói do ciclismo do Norte de Portugal. O seu triunfo na Volta a Portugal de 1948, após 12 edições dominadas por corredores e equipas do Sul do país, marcou um ponto de viragem histórico, pela afirmação do projeto velocipédico do FC Porto e pela incrível adesão das gentes do Norte às corridas de bicicletas. Nascido na freguesia de Sobrado, em 25 de outubro de 1925, Fernando Moreira era filho de agricultores e desde tenra idade que se sentiu
atraído pelo mundo das bicicletas. Ainda jovem já mostrava capacidades especiais na arte de pedalar e soube pelos amigos que o FC Porto recebia corredores nas categorias de formação. Tentou a sorte e deu logo nas vistas, ficando desde logo ligado ao clube, pelo qual começou a ganhar provas de iniciados. Daí até ao ingresso na equipa principal não tardou muito e, aos 17 anos, ganhou a
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Stadum n.º 92, 1944
primeira grande prova de uma carreira excecionalmente vitoriosa, o circuito de Espinho. Estávamos em 1944. Habituados a ver ganhar e a ouvir falar das façanhas e aventuras de José Maria Nicolau, de Alfredo Trindade, do “Faísca” (José Albuquerque), ou de José Martins, os seguidores do ciclismo iriam aplaudir novos protagonistas, após o interregno provocado pela II Grande Guerra Mundial – que teve reflexos na Volta a Portugal, impedindo a sua realização entre 1942 e 1945.
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O início da atividade regular da secção de ciclismo do FC Porto terá sido a base para a mudança de paradigma da modalidade em Portugal. Pela mão de João Rodrigues e Barros de Sousa, os portistas começaram a formar uma equipa com ambições e um dos corredores escolhidos foi precisamente Fernando Moreira, que entrou no conjunto com apenas 17 anos e estreou-se na Volta a Portugal de 1946, ainda antes de cumprir o 20.º aniversário. Em 1945, Fernando Moreira continuou a
Stadum n.º 92, 1944 Stadum n.º 152, 1945 Stadum n.º 162, 1946
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Stadum n.º 177, 1946
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Stadum n.º 172 e n.º 189, 1946
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Stadum n.º 195, 1946
mostrar grandes qualidades, ao sagrar-se campeão nacional de Velocidade, além de triunfar em meia dúzia de corridas, sobretudo a Norte, onde dividia as vitórias com Império dos Santos, corredor do Salgueiros que depois iria reforçar o Benfica. Moreira foi a grande revelação do ano de 1945 e já todos lhe auguravam um grande futuro, principalmente no seio da equipa do FC Porto, mas o destino esteve para pregar uma partida nesses desígnios, pois o corredor entrou para o serviço militar e teria, à partida, de o cumprir no Sul do país. Nessa altura, o Sangalhos esteve para garantir os serviços do promissor ciclista sobradense, mas este, no entanto, acabou por conseguir colocação numa unidade militar da zona do Porto. Só assim foi possível a Fernando Moreira continuar a vestir a camisola portista, algo que viria a ter uma enorme relevância na carreira do atleta.
Volta de 1946: nasce o “ídolo do Norte” As primeiras pedaladas de 1946 deram toda a razão ao FC Porto na aposta que fez em segurar Fernando Moreira, a pérola valonguense que rapidamente iria conquistar o coração dos adeptos, principalmente no Norte de Portugal. A partir do momento que foi tornado público que a Volta a Portugal iria regressar após quatro anos de interregno, o FC Porto intensificou a preparação da época e criou um conjunto capaz de rivalizar com as “potências” do Centro e do Sul, que também já vislumbravam a Volta e procuravam os melhores corredores. Eram os casos do Sporting, do Sangalhos, emblemas tradicionais das duas rodas, e dos clubes representantes de marcas comerciais, como a poderosa Iluminante e a Lisgás. Chegou o primeiro duelo entre todos do ano,
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Stadum n.º 196, 1946
o Campeonato Nacional de Fundo, em abril, realizado na zona de Amarante e Vila Real, e, num percurso muito sinuoso e de estradas com piso intratável, Fernando Moreira deu espetáculo. Controlando a corrida e as pedaladas dos rivais, o valonguense soube esperar pelos metros finais, onde aplicou um sprint imparável, apesar de a corrida ter terminado à luz de archotes, pois uma má organização desenhou uma prova mal calculada em termos da luz solar. Ou seja, de dia ou de noite, Fernando Moreira sabia como ganhar e ganhava!
XI Volta a Portugal em Bicicleta Stadium n.º 193, 1946
O título de campeão nacional daria a Fernando Moreira a possibilidade de participar na Volta a Espanha, em maio, devido a um protocolo que existia entre a União Velocipédica Portuguesa e a organização da Vuelta, mas a verdade é que o já consagrado corredor não pôde participar na grande corrida do país vizinho, talvez por imposição do FC Porto, que não queria que os respetivos ciclistas chegassem desgastados à Volta a Portugal.
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Por cá, e ainda antes da Volta, Fernando Moreira somou mais um triunfo, no então tradicional Circuito da Curia, em outro “combate” com os corredores do Sul. A enorme capacidade de Fernando Moreira nos sprints e a inteligência para atacar nos momentos certos fizeram com que o corredor de Sobrado tivesse conquistado o estatuto de primeiro “papa-etapas” do pelotão português e foi assim que se apresentou à partida da 11.ª Volta a Portugal, logo referenciado como um dos principais favoritos e o certo foi que o jovem corredor do FC Porto não defraudou as expetativas de quem apostava nele, assumindo-se logo como um dos patrões do pelotão. A Volta a Portugal de 1946 foi uma maratona de 29 etapas e 2307 quilómetros e Fernando Moreira ganhou 11 das tiradas, um registo impressionante, que só seria ultrapassado por Alves Barbosa em 1956, quando o histórico corredor de Montemor-o-Velho ganhou 13 etapas. O herói de Valongo não se limitava a ganhar etapas, impondo-se também em praticamente todas as metas de passagem que davam prémios. Aí, surgia quase sempre à frente, ganhando variados prémios, desde dinheiro, passando por espumante, vinho, animais, presuntos ou materiais de construção. Esta foi, aliás, a forma encontrada por muitos empresários e responsáveis locais do país para celebrar o regresso da Volta a
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Portugal e a verdade é que Fernando Moreira saiu da Volta de 1946 com os bolsos cheios. Só lhe faltou a camisola amarela final, tendo de contentar-se com o segundo lugar, a 3.20 minutos do vencedor, o algarvio José Martins, experiente ciclista na altura ao serviço da Iluminante. Segundo as crónicas da época, Fernando Moreira era provavelmente o corredor mais forte do pelotão, mas a sua ânsia de ganhar etapas e metas de passagem terão prejudicado a possibilidade de terminar no primeiro lugar. José Martins, na altura com 29 anos, tinha já participado nas Voltas a Portugal de 1940 e 1941, aqui com um segundo lugar final, e fez a ponte dessa experiência para se impor nos momentos decisivos da grande corrida de 1946. A Moreira também terá faltado uma equipa mais potente, que o pudesse conduzir ao triunfo. Vale a pena, aliás, recordar o que escreveu Manuel Mota, um dos enviados da revista “Stadium” à Volta de 1946, sobre o comportamento desportivo do corredor na grande corrida: “Fernando Moreira foi um corredor brilhante, um impressionante ganhador de etapas e de prémios de passagem. Talvez, porém, tenha esbanjado energias com essa preocupação, não poupando forças para o golpe que sempre se esperou e afinal não surgiu. Deve certamente ter influído na atitude do grande
ciclista portuense – o melhor em todos os tempos que o Porto mandou à prova – o facto de não dispor de companheiros de equipa da sua estatura desportiva. Era só contra muitos.” Apesar do segundo lugar final, uma coisa ficou bem definida nessa Volta de 1946: a imensa popularidade granjeada por Fernando Moreira, que se tornou no ídolo do Norte, devido à facilidade com que ganhava etapas e porque tinha tempo de acenar às multidões, sempre com uma simpatia que conquistava corações. O sucesso da Volta de 1946 fez com que as perspetivas para 1947 fossem otimistas e os clubes iniciaram o ano com vontade de formar equipas poderosas. O Benfica decidiu reabrir a secção de ciclismo e rapidamente criou uma equipa muito competitiva, aproveitando o fim da Iluminante, equipa de José Martins, vencedor da “grandíssima” de 1946, que ingressou no clube da águia e da roda de bicicleta no emblema. Além de José Martins, o Benfica garantiu o concurso de João Rebelo, terceiro da Volta de 1946, e de Império dos Santos, tornando-se, assim, na mais forte equipa da velocipedia portuguesa. Com o Benfica agora de novo na estrada, o Sporting sempre com ciclistas bons e o FC Porto apoiado no ídolo do Norte, Fernando Moreira, iríamos assistir à primeira Volta a Portugal com os três maiores clubes portugueses no pelotão.
Resumo da Volta de 1947 no Jornal de Not4ícias
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A coisa prometia, mas a desorganização do ciclismo no país fez com que muitas provas fossem canceladas e a realização da Volta a Portugal esteve mesmo em causa, só ficando garantida já a meio do mês de agosto. O próprio Fernando Moreira não estava a viver um ano particularmente brilhante em termos competitivos, pois a vida militar condicionava-lhe os treinos e impedia-o de ir a algumas provas. No campeonato nacional foi apenas sexto e só brilhava nos festivais de pista no Porto, acabando por dar um ar da sua graça em julho, numa nova prova, a Volta ao Ribatejo, onde ganhou praticamente todas as metas de passagem, que estavam recheadas de prémios atrativos. A Volta de 1947 decorreu entre 24 de agosto e 7 de setembro e Fernando Moreira era um dos óbvios favoritos ao triunfo final. No entanto, sofreu um grande atraso numa das primeiras etapas, a caminho de Loulé, e hipotecou as possibilidades de lutar pela vitória. Ainda assim, ganhou cinco etapas, em Évora, Gouveia, São Pedro do Sul, Caldas da Rainha e Lisboa, na derradeira etapa, onde fechou a Volta com chave de ouro. Neste percurso do “papa-etapas” apenas faltou ao valonguense a vitória na chegada ao Porto e tal só não sucedeu porque nesse dia, um outro herói, Guilherme Jacinto (Benfica), protagonizou uma aventura histórica, uma fuga louca bem sucedida.
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Stadium n.º 248, 1947
Apesar de não ter tido o final esperado, essa etapa, a nona, que ligou São Pedro do Sul ao Porto, foi de absoluta consagração para Fernando Moreira. Se no ano anterior, o corredor do FC Porto já era celebrado de forma única pelo público nortenho, a Volta de 1947 mostrou que Moreira já era claramente idolatrado. Este amor do público a Fernando Moreira foi brilhantemente retratado pela revista desportiva “Stadium”, que, na análise final à 12.ª Volta a Portugal, dada à estampa no dia 10 de setembro de 1947, escreveu o seguinte: “Fernando Moreira é o ídolo do Norte. Logo que entra na região, ainda longe do Porto, sente-se que toda a gente só tem um pensamento – Moreira! Quando ele passa é um delírio. Os homens gritam até enrouquecer, as mulheres cantam e dançam... O corredor, olhos postos na estrada e nos adversários, quase não dá por essas manifestações de alegria – melhor, de idolatria. Sente, todavia, o ambiente e talvez ria, por dentro, quando vê, por exemplo, um entusiasta e tirar o boné e... limpar a estrada para Moreira passar! Ridículo? Não! Apenas a alma popular, rica de significado, vibrando.” A Volta a Portugal de 1947 seria dominada, em termos de classificação geral, pelos ciclistas do Benfica. José Martins repetiu o triunfo do ano
anterior, seguido de João Rebelo e Império dos Santos. Fernando Moreira terminou na sétima posição, a 28.43 minutos do vencedor, mas saiu da prova com cinco vitórias em etapas e com o título de rei da montanha, na primeira vez que tal prémio foi instituído na maior prova lusa. Essa particularidade de também se ter revelado um bom trepador, tornou Fernando Moreira um ciclista mais completo, ele que apenas era conhecido por sprintar mais e melhor sempre que via uma meta de passagem ou o pano de meta final.
Absoluta consagração na 13.ª Volta A vida de Fernando Moreira ficou muito mais tranquila em 1948. Depois de terminado o serviço militar obrigatório, o sobradense, agora com 22 anos, estava capaz de tomar decisões mais definitivas ao nível da escolha de uma atividade profissional e ao nível da própria carreira de ciclista. Aproveitando parte do dinheiro arrecadado pelas sucessivas vitórias em corridas de estrada, de pista e em etapas da Volta a Portugal, Fernando Moreira decidiu dedicar-se ao negócio das bicicletas, abrindo uma pequena fábrica e uma loja, e tal opção poderá ter contribuído para olhar para o ciclismo de forma diferente. Assim, em vez do homem
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Stadium n.º 296, 1948
que sprintava para ganhar todas as metas de passagem passamos a ter um corredor mais cerebral e mais preocupado em ganhar as corridas, com ou sem triunfo em etapas. No entanto, um corredor tão vitorioso tinha sempre de lutar pelas provas em que participava e Fernando Moreira sagrou-se campeão nacional de Velocidade e lutou até ao último metro pelo título de Fundo, mas perderia no sprint para um dos grandes rivais, João Rebelo, do Benfica, numa luta épica em plena pista do Lumiar, em Lisboa. Esse foi, aliás, o primeiro grande duelo entre o FC Porto e o Benfica
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na época velocipédica. na entrada da pista seguiam na frente dois portistas, Fernando Moreira e Moreira de Sá, e dois benfiquistas, João Rebelo e Júlio Mourão. Em plena pista, Moreira de Sá caiu e Fernando Moreira ficou entre os dois corredores do Benfica, perdendo então a luta para João Rebelo. Até à Volta a Portugal, Fernando Moreira ainda ganharia uma corrida importante, o Circuito do Norte, com triunfo nas duas etapas, a segunda das quais em pleno Estádio do Lima, no Porto, onde o corredor portista foi recebido em delírio.
Stadium n.º 296, 1948
Ao contrario do ano de 1947, a Volta de 1948 nunca esteve em risco e foi atempadamente anunciada, em termos de condições e percursos. Esta seria a primeira Volta com a presença simultânea das equipas do FC Porto, Benfica e Sporting, todas elas recheadas de grandes corredores e com a autorização para contratar os serviços de estrangeiros, o que nunca sucedera antes. Detalhe importante para a afirmação do FC Porto nessa 13.º Volta foi o facto de, nas negociações prévias com os organizadores da corrida, a Federação Portuguesa de Ciclismo e as Associações de Ciclismo de Lisboa e Porto, ter ficado definido
que o FC Porto poderia inscrever tantos corredores quantos os rivais de Lisboa, algo que não sucedera antes. Além dos já na altura três maiores clubes de Portugal, a Volta contou com formações de categoria, como a do Académico do Porto, reforçadíssimo com corredores franceses da Mercier, do Sangalhos, do Salgueiros, do Boavista, do Louletano e do Ginásio de Tavira. A 13.ª Volta a Portugal realizou-se entre 1 e 15 de agosto de 1948 e contou com o então pelotão mais categorizado de sempre, pois a
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Stadium n.º 297, 1948
possibilidade dos clubes portugueses contratarem ciclistas estrangeiros só para a prova deu uma dimensão internacional que a “grandíssima” ainda não havia atingido. O Sangalhos, por exemplo, garantiu os serviços dos irmãos galegos Délio e Emílio Rodriguez, dois dos melhores corredores espanhóis de então. Délio tinha no currículo a vitória na Volta a Espanha de 1945 e Emílio vinha de um segundo lugar na Vuelta de 1948, ano em que também tinha triunfado nas Voltas à Catalunha e a Valência. Curiosamente, Emílio ganharia a Vuelta de 1950.
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Para colocar o FC Porto ao nível coletivo dos mais fortes, os responsáveis pela equipa foram buscar outro espanhol de enorme classe, Julian Berrendero. Um experiente corredor que ganhou as Voltas a Espanha de 1941 e 1942, depois de ter estado um ano preso pelo regime franquista. Com tamanho palmarés, os espanhóis figuravam naturalmente entre os favoritos para levar a Volta de vencida, mas as atenções estavam voltadas para os principais voltistas lusos. Desde logo, o benfiquista José Martins estava no topo da lista, por tentar algo nunca antes conseguido por outro corredor, o terceiro
Stadium n.º 297, 1948
triunfo, ainda para mais seguido. Outro benfiquista, João Rebelo, também figurava na lista dos preferidos, enquanto o Sporting tinha em João Lourenço o homem para a vitória. Como outsiders da prova tínhamos os franceses da Mercier que vieram reforçar o Académico do Porto – Attilio Redolfi, Jean Gueguen e Roger Chupin e o italiano -, mas restava saber se as suas grandes capacidades de contrarrelogistas e “pistards” eram suficientes para lutar pela vitória. Todavia, os maiores especialistas da modalidade tinham um nome para a consagração: Fernando Moreira. O valonguense não podia
defraudar em quem nele apostava, principalmente os responsáveis do FC Porto, que o escolheram para chefe-de-fila de uma equipa forte, na qual figuravam, além do já referido Berrendero, Moreira de Sá, António Dias dos Santos, Joaquim Sá, Francisco Grauss, Joaquim Costa e Aniceto Bruno. Para se impor na Volta, Fernando Moreira teve de marcar todos os adversários diretos, não se preocupando desta vez com o triunfo nas etapas. Ainda assim, aproveitou bem a chegada a Castelo Branco, na quarta etapa, para “picar o ponto” e ganhar pela 17.ª vez uma tirada na Volta.
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Stadium n.º 297, 1948
Stadium n.º 298, 1948
Numa prova marcadamente internacional não admirou que os corredores de outras paragens surgissem a vencer etapas e a vestir a camisola amarela. A vestimenta mais valiosa começou no corpo de Attilio Redolfi (Académico) e depois mudou para o do também francês do Académico Roger Chupin.
10.ª etapa de absoluto delírio pelas estradas a caminho da Invicta.
O FC Porto começou a mexer na corrida e, após o triunfo de Fernando Moreira em Castelo Branco, o experiente espanhol Julian Berrendero passou a liderar a Volta número 13 logo no dia seguinte, na Guarda. Foi nessa condição que a grande corrida chegou ao Porto, numa
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O FC Porto tinha a camisola amarela, no dorso de Berrendero, mas na chegada ao Estádio Lima, no qual não cabia nem mais uma alma de tão cheio de público estava, o homem mais aplaudido não podia ser outro que não o valonguense Fernando Moreira. Os portistas perderam a camisola amarela para o espanhol do Sangalhos Emílio Rodriguez, na 11.ª etapa, que terminou na Figueira da Foz, onde se impôs Império dos Santos
(Benfica), mas a confiança no grupo crescia, pois havia três opções para a vitória: Fernando Moreira, Julian Berrendero e António Dias dos Santos. Foi nas estradas do Sul do país que Fernando Moreira desferiu o golpe que o levaria ao triunfo final. Assim, Moreira arrecadou a liderança na 15.ª etapa, após um contrarrelógio entre Tavira e Loulé, e soube segurá-la até à última pedalada em Lisboa. Quando chegou à liderança, Fernando Moreira tinha apenas três segundos de vantagem sobre Emílio Rodriguez, mas, nas entrevistas que deu, mostrou total confiança na vitória. “Só por acidente não ganharei a Volta. Eles
que fujam, a ver se não os apanho... Aliás, se tiver uma aberta, vou tentar aumentar a vantagem!”, dizia o sobradense. De facto, assim sucedeu, numa etapa considerada das melhores do ídolo do Norte. Na viagem entre Beja e Setúbal, a 17.ª e penúltima da Volta de 1948, Fernando Moreira “derreteu” os adversários diretos num dia de muito calor. Sempre atento a todas as movimentações, Moreira deixou fugir quem quis e até teve tempo de parar para se refrescar numa fonte, em Alcácer do Sal, onde recebeu água de um espetador. Aí verificaram-se muitos ataques na cabeça do pelotão e o herói valonguense respondeu a todos, contra-atacando para ganhar vantagem aos que ainda lutavam
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pela Volta. Fernando Moreira não precisou de ganhar essa etapa – essa honra coube a Maximiano Rola, do Sporting -, mas, terminada a etapa em Setúbal, a camisola amarela estava segura por mais de sete minutos! Na 18.ª e última etapa, entre Setúbal e Lisboa, ainda se verificaram ataques à liderança do portista, mas este manteve-se sereno e, mais uma vez, respondeu a todos com autoridade, chegando a Lisboa para selar um triunfo justíssimo, assumindo-se claramente como o melhor ciclista português. A receção de Fernando Moreira e da equipa do FC Porto na chegada à cidade Invicta superou a festa de 1946, que já tinha sido apoteótica. Agora celebrava-se uma vitória individual e coletiva, na justa medida do então desportista mais popular do Norte, que, com o sucesso na Volta de 1948, superou todos os outros ídolos do futebol.
Resumo da Volta de 1948 no JN pág. seguinte: Stadium n.º 298, 1948
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A popularidade de Fernando Moreira após o triunfo na Volta de 1948 atingiu níveis estratosféricos e o corredor passou a ser solicitado para vários eventos. Além disso, os ecos da vitória chegaram a outras paragens e, no ano de 1949 Fernando Moreira foi convidado para correr no estrangeiro, um sonho que alimentava desde que se tornou num ciclista de referência. No entanto, o FC Porto segurou o valonguense, impedindo-o de aceitar muitos convites para correr fora de Portugal.
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Stadium n.º 298, 1948
Consagração de Fernando Moreira, com José Martins e os compnheiros do FC Porto
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13.ª Volta a Portugal (1948) 01.08 a 15.08, 2208 km Partida: Lisboa Chegada: Lisboa 74 corredores à partida Terminaram 34
Classificação dos 10 primeiros: 1.º Fernando Moreira, Portugal, FC Porto), 69:13.04 horas (média de 31,907 km/hora) 2.º Emílio Rodriguez (Espanha, Sangalhos), a 7.14 m 3.º João Rebelo (Portugal, Benfica), a 9.17 m 4.º José Martins (Portugal, Benfica), a 18.13 m 5.º Julian Berrendero (Espanha, FC Porto) a 25.48 m 6.º António Dias dos Santos (Portugal, FC Porto) a 25.57 m 7.º Júlio Mourão (Portugal, Benfica) a 33.59 m 8.º Attilio Redolfi (França, Mercier) a 37.06 m 9.º António Maria Barbosa (Portugal, Benfica) a 38.18 m 10.º Roger Chupin (França, Mercier) a 48.22 m.
Classificação por equipas: 1.º FC Porto 2.º Benfica 3.º Académico
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Etapas e vencedores: 1.ª Lisboa-Lisboa, Pista do Lumiar (6,6 km, contrarrelógio individual) Attilio Redolfi (França, Mercier) 2.ª Lisboa-Caldas da Rainha (91 km) José Martins (Portugal, Benfica) 4.ª Caldas da Rainha-Tomar (90 km) Delio Rodriguez (Espanha, Sangalhos) 4.ª Tomar-Castelo Branco (125 km) Fernando Moreira (Portugal, FC Porto) 5.ª Castelo Branco-Guarda (104 km) João Rebelo (Portugal, Benfica) 6.ª Guarda-Viseu (85 km) Império dos Santos (Benfica) 7.ª Viseu-Guarda (131 km) Francis Grauss (França, FC Porto) 8.ª Braga-Arcos de Valdevez (contrarrelógio individual, 40 km) Jean Gueguen (França, Académico) 9.ª Arcos de Valdevez-Póvoa de Varzim (85 km) José Martins (Portugal, Benfica) 10.ª Póvoa de Varzim-Porto (118 km) Roger Chupin (França, Mercier) 11.ª Porto-Figueira da Foz (138 km) Império dos Santos (Portugal, Benfica) 12.ª Figueira da Foz-Leiria (116 km) Delio Rodriguez (Espanha, Sangalhos) 13.ª Leiria-Évora (202 km) Guilherme Jacinto (Portugal, Benfica) 14.ª Évora-Tavira (215 km) Rolandino Palmeiro (Portugal, Ginásio de Tavira) 15.ª Tavira-Loulé (38 km, contrarrelógio individual) Jean Gueguen (França, Académico) 16.ª Loulé-Beja (141 km) Jean Gueguen (França, Académico) 17.ª Beja-Setúbal (142 km) Maximiano Rola (Portugal, Sporting) 18.ª Setúbal-Lisboa (200 km) António Maria Barbosa (Portugal, Benfica)
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Equipa do FC Porto na Volta de 1948 e festa final de Fernando Moreira com companheiros, diretor, massagista e mecânico
Popularidade de Fernando Moreira cresceu durante e após a Volta a Portugal de 1948
Depois da Volta de 1948, Fernando Moreira espalhou classe em várias corridas e ganhou provas atrás de provas, na estrada no Circuito de Aveleda, nas 40 Voltas à Serra Del Rei, no Circuito de Paços de Ferreira e no Circuito de Vila Pouca de Aguiar, e na pista no Critério do Porto e nas 80 Voltas de Tavira.
um convite para correr a prestigiada Volta a Marrocos, no início de maio. Aí, venceu uma etapa e terminou a prova em quinto lugar, não a ganhando porque, na etapa decisiva, quando ia à frente e com vantagem, partiu um pedal da respetiva bicicleta e teve de esperar mais de 10 minutos por ajuda.
O facto de haver poucas corridas na primeira metade de 1949 não retirou estatuto de campeoníssimo adquirido por Fernando Moreira, que se manteve em forma e aceitou
Nessa corrida, Fernando Moreira esteve a um nível superior ao histórico francês Jean Robic, vencedor da Volta a França de 1947. As capacidades reveladas pelo homem de Valongo vale-
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Fernando Jorge dos Santos Moreira Nascimento: 25 de outubro de 1925, em Sobrado (Valongo, Portugal) Falecimento: 07 de abril de 1959, em São Paulo (Brasil) Equipas representadas: FC Porto (1944 a 1951) Mabor (1952 e 1953) Sporting (1954) Principais resultados: 1944 - 1.º no Circuito de Espinho 1945 - 1.º no Circuito das Vindimas 1946 - 2.º na Volta a Portugal - 11 vitórias em etapas da Volta a Portugal - Campeão Nacional de Velocidade - Campeão nacional de Fundo - 1.º no Circuito da Curia 1947 - 7.º na Volta a Portugal - 5 vitórias em etapas da Volta a Portugal - Prémio da Montanha na Volta a Portugal
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1948 - 1.º na Volta a Portugal - 1 vitória em etapas da Volta a Portugal - 1.º no Circuito de Aveleda - 1.º nas 40 Voltas à Serra de El Rei - 1.º no Circuito de Paços de Ferreira - 1.º no Circuito de Vila Pouca de Aguiar - 1.º no Critério do Porto de Pista - 1.º nas 80 Voltas de Tavira em Pista 1949 - 5.º na Volta a Portugal - 6 vitórias em etapas da Volta a Portugal - 1.º na Clássica Porto-Lisboa - 1.º na Clássica Lisboa-Porto - 9.º na Volta a Marrocos - 1 vitória em etapas da Volta a Marrocos - 1.º no Circuito de São Paulo (Brasil) 1950 - 1.º no Critério Internacional Rio-Petrópolis-Rio (Brasil) 1954 - 1.º no Circuito das Vindimas
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Stadum n.º 300, 1948 e n.º 347, 1949
ram-lhe elogios dos jornalistas franceses que acompanharam a corrida e não foi surpresa para ninguém o convite para participar na Volta a França de 1949. Todavia, como nessa altura havia uma coincidência de datas entre a Volta a França e a Volta a Portugal, o FC Porto não abriu mão do seu herói e impediu a estreia no Tour, algo que, aliás, nunca viria a acontecer. Esta situação terá dado origem ao primeiro de vários desentendimentos entre Fernando Moreira e o FC Porto. Regressado de Marrocos, Fernando Moreira não deixou os pedais por créditos alheios e ganhou a clássica Porto-Lisboa, no regresso da prova após sete anos de interregno, e a clássica em sentido inverso, o Lisboa-Porto. Por pressão da comunidade portuguesa no Brasil e, claro, pela enorme rentabilidade que tal aventura comportava, Fernando Moreira atravessou o Atlântico para ir ganhar o “Circuito 9 de Julho” de São Paulo, experi-
mentando no país-irmão os mesmos banhos de multidão que tinha em Portugal. Mas não há bela sem senão e ida ao Brasil quase hipotecava a possibilidade do corredor defender o triunfo na Volta. Sucede que Moreira chegou a Portugal a poucos dias do início da Volta e, como determinavam as leis na altura, teve de ingressar no hospital, em Lisboa, para uma pequena “quarentena” e rigorosa inspeção de saúde. Felizmente para o ciclista, para o FC Porto e para a própria Volta a Portugal, Fernando Moreira superou tudo e apresentou-se à partida da 14.ª Volta a Portugal, para receber mais uma vez o carinho dos seguidores do Porto, pois a prova começou com uma etapa noturna na pista de um Estádio do Lima totalmente cheio. Para o corredor de Sobrado foi como se não tivesse passado um ano entre Voltas. Começou a de 1949 como tinha terminado a de 1948,
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de amarelo vestido. Assim sucedeu depois de liderar a equipa do FC Porto nas voltas à pista do Lima. Na terceira etapa, na Figueira da Foz, Moreira perdeu a camisola amarela para o espanhol Félix Bermudez (Sporting) e a verdade é que esse foi o último dia que Portugal viu o corredor de amarelo vestido na Volta. Apesar de manter o favoritismo para conseguir o “bis” na prova e de a camisola amarela ter voltado para o FC Porto, no corpo do promissor Dias dos Santos - que, aliás, ganharia a corrida, repetindo o feito em 1950 – Fernando Moreira não logrou chegar ao primeiro lugar e teve de contentar-se com a quinta posição, a 10.21 minutos do vencedor. Ainda assim, saiu a Volta 1949 com seis etapas no bolso. Ganhou no Porto, em Lisboa, em Elvas, em Chaves, em Vigo (na primeira vez que a Volta teve um final de etapa fora do país) e em Viana do Castelo. O chefe-de-fila do FC Porto contribuiu decisivamente para a vitória do companheiro António Dias dos Santos e para o domínio coletivo dos azuis e brancos, mas havia problemas pendentes para resolver com a estrutura portista depois da ida ao Brasil e Fernando Moreira foi suspenso por dois após a Volta, naquela que foi a primeira grande clivagem entre o corredor e o clube. Regressou em outubro, para ser teceiro no Nacional de Fundo e depois participar em Festivais de Pista no Estádio de Alvalade, em Lisboa, e no Estádio do Lima, no Porto, com os grandes
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italianos Gino Bartali e Fausto Coppi, que o elogiaram muito. O início de 1950 não foi bom para o FC Porto, que enfrentava problemas com os seus dois corredores de referência, Fernando Moreira e Dias dos Santos. Ambos queriam sair, o primeiro para a equipa italiana de Gino Bartali e o segundo para o Sporting, mas o clube das Antas acabou por conseguir segurar os vencedores da Volta de 1948 e 1949. Algo desmotivado, Fernando Moreira perdeu o Regional de Fundo para Onofre Tavares e pouco competiu até ao regresso à Volta a Marrocos, prova que não correu tão bem como no ano anterior. Decidiu então voltar ao Brasil, onde já tinha negócios e era muito querido. Apesar de não ter conseguido renovar a vitória no Circuito 9 de Julho ganhou as provas Rio-Petrópolis-Rio e o Circuito do Rio de Janeiro. Prolongou então a estadia no Brasil e alegou doença para não se apresentar à partida da Volta a Portugal de 1950, no Porto, algo que não caiu nada bem nas hostes portistas. O FC Porto ganhou de novo a Volta, por equipas e individualmente com o “bis” de Dias dos Santos, mas, finda a corrida, as atenções voltaram-se para o que o clube, na altura gerido por uma comissão administrativa, iria fazer como o caso de Fernando Moreira. À semelhança do que havia sucedido no ano anterior, o valonguense foi suspenso, agora por três meses.
A suspensão desmotivou de tal forma Fernando Moreira que o corredor pouco competiu em 1951, ano em que se dedicou essencialmente ao seu negócio com a fábrica e loja de bicicletas. Desse ano apenas há registo de presença internacional, em França, no Grande Prémio de Cannes, onde foi segundo classificado. Em 1951, Fernando Moreira voltou a não marcar presença na Volta a Portugal e a saída do FC Porto tornou-se inevitável. Ingressou, então, na nova equipa da Mabor, pela qual cumpriu a Volta a Portugal de 1952 na quinta posição, com um segundo e um terceiro lugar em etapas e o terceiro lugar no Prémio da Montanha. Essa seria a última Volta de Fernando Moreira, pois a grande prova portuguesa não se realizou em 1953 e 1954, anos em que o sobradense correu, respetivamente, pela Mabor e pelo Sporting, com campanhas muito longe dos grandes tempos do corredor. Desses anos apenas há o registo de um triunfo, no Circuito das Vindimas de 1954.
Stadium n.º 362, 1949
Desiludido com o mundo da competição, talvez porque lhe faltou a dimensão internacional que o seu sucesso interno justificava, Fernando Moreira retirou-se no fim de 1954 e passou a dedicar-se aos negócios, radicando-se no Brasil. E foi no país irmão que faleceu, em 7 de abril de 1959, com apenas 33 anos.
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Joaquim Leão Mais jovem e mais rápido - O triunfo de classe um todo-o-terreno
“Ó que alegria Que sensação Chegou o dia P’ró Campeão Ás do pedal Sem discussão O principal Joaquim Leão” Letra de Oileda, adaptada para a música “Avé Maria do Coração”, em homenagem ao vencedor da 27.ª Volta a Portugal
Joaquim Leão foi o segundo sobradense a conseguir vencer a Volta a Portugal. Aconteceu em 1964, na 27.ª edição, quando o na altura jovem corredor surpreendeu tudo e todos e triunfou na grande corrida com apenas 21 anos, registando um recorde de velocidade que durou 30 anos. A vitória na Volta foi o feito maior de Joaquim Leão, um ciclista muito completo, um autêntico todo-o-terreno que rolava e subia bem e também era especialista de ciclocrosse,
variante na qual somou dois títulos nacionais e vários títulos regionais. Era igualmente exímio na pista, onde se batia com os melhores, graças ao poder de pedalada que sabia imprimir. A somar a todas as qualidades inatas que possuía, Joaquim Leão também foi um lutador, mostrando sempre um espírito de sacrifício próprio das gentes de Sobrado. Desistiu em pouquíssimas corridas e só porque lhe era impossível fisicamente continuar. Além disso,
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Festa de Joaquim Leão e portistas no Estádio
Leão veste a última camisola amarela da Volta de 1964
de Alvalade
como grande companheiro de equipa que sempre foi, incentivava os colegas quando estes não passavam bem, ajudando-os a superar as dificuldades. E soube transmitir essa capacidade de superação aos corredores por si orientados, quando encostou a bicicleta e passou a treinador, ao serviço do FC Porto, o único clube que conheceu como corredor. Ainda como diretor desportivo, na única “traição” ao clube do coração, ajudou a recriar a muito sólida equipa do Boavista, nos anos 1980. Senhor de uma carreira completíssima, Joaquim Leão começou a competir aos 16 anos, quando ingressou nos Iniciados do FC Porto, após uma curiosa conjugação de situações.
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Decorria o ano de 1959 e Joaquim Leão já adorava o mundo das bicicletas, mas não tinha nenhuma especial. Os amigos diziam-lhe que ele tinha jeito para aquilo. “Tu, com esse ‘capado’ vais longe”, diziam-lhe uns, enquanto outros, meio a gozar, observavam: “Parece que te deitaram sulfato de amónio para cresceres, ó Leão!”. Finalmente surgiu uma oportunidade para Joaquim Leão poder competir, precisamente na Volta a Valongo, corrida que era aberta a Populares - uma categoria que inseria todos aqueles que não eram federados – e passava por Sobrado. Joaquim Leão inscreveu-se na prova, mas... faltava-lhe tudo menos a enorme vontade de mostrar o valor. Assim, arranjou uma bicicleta emprestada e pediu os sapatos de ciclista àquele que viria a ser o sogro, um
Com Onofre Tavares à frente, a equipa do FC Porto faz a volta de consagração na pista do estádio de José Alvalde
homem que de vez em quando dava umas voltas de bicicleta. Porém, faltava um equipamento de ciclista. Decidido, escreveu um postal ao FC Porto a pedir um equipamento, nem que fosse dos antigos, e a verdade é que lhe prometeram que lho levavam para a corrida. A promessa foi cumprida e Joaquim Leão só tinha de perguntar quem eram Franklim Cardoso, diretor da equipa portista, e Emídio Pinto, treinador da mesma, os homens que lhe dariam um equipamento. Assim sucedeu e, mal viram aquele rapaz alto, os responsáveis portistas, sabiam que ira valer a pena o “empréstimo” do equipamento.
Joaquim Leão foi-se equipar à sede do Valonguense e, quando voltou, já montado na bicicleta, verificaram que a máquina era talvez um pouco pequena para o tamanho do rapaz. Sem tempo para mais, subiram o selim e fizeram outros ajustes e o jovem ciclista pôde assim fazer a estreia competitiva. Na corrida, apesar de não se bater pelos primeiros lugares, o jovem Leão deu nas vistas, pelo ritmo de pedalada, mas também por ser um dos mais altos do pelotão. O ciclista contou mais tarde que apenas não
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Momentos de alegria com a camisola amrela
Na Volta de 1964, Joaquim Leão vestiu a amarela no Cartaxo
queria dar parte de fraco quando a prova passava por Sobrado. “Pobre de mim, estava cheio de vontade de não deixar ficar mal os meus amigos, que confiavam em mim. Quando passava em Sobrado, eles começavam a gritar ‘É Leão!, É Leão!’ e eu esgalhava o máximo que podia. Foi assim que consegui concluir aquela difícil corrida”, recordou Joaquim Leão numa entrevista a um jornal. Como nessa Volta a Valongo o FC Porto se tinha feito representar com alguns ciclistas, os responsáveis da equipa acompanharam a corrida e viram em Joaquim Leão alguém com potencialidades para integrar as fileiras portistas. Era, por assim, dizer, um diamante por burilar. Assim, convidaram-no para
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ingressar no FC Porto e ele nem pestanejou e aceitou de imediato, com o apoio do pai, um homem dos sete instrumentos, que havia sido mineiro, trabalhava a terra, fazia trabalhos de carpintaria e ainda tinha uma mercearia. “Ao contrário de muitos, o meu pai não tinha receio que eu caísse. Dizia ele que se punha mercurocromo e uma ligadura e a coisa passava. Era cá dos meus. O meu pai até dizia que Deus confiava em nós quando nós andávamos de bem com Ele”, lembrou o ídolo portista anos mais tarde. Ao ser integrado no FC Porto, Joaquim Leão começou logo a dar nas vistas e rapidamente subiu a Júnior e depois a Sénior. Em 1961, apenas com 18 anos, obteve o primeiro título
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Chegadas vitoriosas de Joaquim Leão
com a camisola azul e branca, o Campeonato Nacional por Equipas. Foi aí que ganhou definitivamente o lugar na equipa principal do FC Porto, na altura treinada por Onofre Tavares. No ano seguinte, conquistou mais dois títulos coletivos, os “Regionais” do Porto de Pista e de Clubes, que na altura tinham grande importância, pois envolviam corredores de qualidade do distrito. Os atributos de corredor todo-o-terreno valeram a Joaquim Leão a primeira chamada para participar na Volta a Portugal, uma estreia muito sonhada pelo corredor, aos 19 anos. A sorte, no entanto, não quis nada com o sobradense, que teve de desistir, após uma queda a descer as Penhas da Saúde, na Serra da Estrela. Ainda tentou manter-se em prova, esperando todos os sacrifícios, mas tinha uma perna muito inchada e os médicos da corrida não o deixaram continuar. No entanto, enquanto esteve em prova, ajudou sempre os companheiros, sobretudo José Pacheco, que ganharia essa Volta das bodas de prata.
Em 1963, Joaquim Leão conquistou o título regional de Fundo e fez outra vez parte da equipa portista na Volta a Portugal. A responsabilidade era grande, pois o FC Porto procurava a quinta vitória individual consecutiva, depois dos sucessos de Carlos Carvalho (1959), Sousa Cardoso (1960), Mário Silva (1961) e José Pacheco (1962). A verdade é que a Volta não correu bem ao FC Porto, que deixou a impressão que os anos de domínio do pelotão nacional estavam a terminar. Desta vez, Joaquim Leão conseguiu terminar a corrida, num lugar razoável, o 14.º, a 26.53 minutos do vencedor, João Roque (Sporting). Nessa Volta número 26, o melhor corredor do FC Porto foi Azevedo Maia, na quarta posição, enquanto Joaquim Leão foi o segundo melhor.
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O novo senhor do pelotão Quando chegou o ano de 1964, o corredor valonguense, apesar de ainda muito jovem (fazia 21 anos em abril), estava muito mais maduro e era já uma das figuras principais da equipa do FC Porto. A nível regional conquistou os títulos de Pista e de Rampa e estreou-se no Campeonato Nacional de Fundo com um terceiro lugar, em prova ganha por Laurentino Mendes (Ovarense). Chegou a 27.ª edição da Volta a Portugal e
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os holofotes do favoritismo já não estavam apontados aos corredores do FC Porto. João Roque (Sporting), vencedor em 1963, Jorge Corvo (Tavira), Peixoto Alves (Benfica) e Alberto Carvalho (Académico) eram considerados como os principais candidatos e aos corredores do FC Porto competia tentar contrariar a lógica definida à partida. Joaquim Leão chegou à Volta cheio de força e assumiu um lugar intermédio na equipa, dirigida por Onofre Tavares e com várias possibilidades de escolha do chefe-de-fila. Os
27.ª Volta a Portugal (1964) 14.08 a 30.08 20 etapas - 2355 km Partida: Porto (Pista das Antas) Chegada: Lisboa 103 corredores à partida Terminaram 60
Classificação dos 10 primeiros: 1.º Joaquim Leão (Portugal, FC Porto), 61:13.24 horas (média de 39,404 km/hora) 2.º Jorge Corvo (Portugal, Ginásio de Tavira), a 44 s 3.º João Roques (Portugal, Sporting), a 3.22 m 4.º Alberto Carvalho (Académico, Portugal), a 3.38 m 5.º Sousa Cardoso (Portugal, FC Porto), a 4.31 m 6.º Mário Silva (Portugal, FC Porto), a 4.48 m 7.º Frans Brands (Bélgica, Flandria-Romeo), a 5.52 m 8.º Lionel Van Damme (Bélgica, Flandria-Romeo), a 5.57 m 9.º Antonino Baptista (Portugal, Sangalhos), a 8.49 m 10.º Laurentino Mendes (Portugal, Ovarense), a 10.30 m.
Classificação por equipas: 1.º FC Porto, 183:30.50 horas 2.º Flandria-Romeo, a 18.58 m 3.º Ovarense, a 30.24 m
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Etapas e vencedores: 1.ª Circuito das Antas, Porto (6 km, contrarrelógio por equipas) Benfica/Peixoto Alves (Portugal) 2.ª Circuito de Vila do Conde (36 km) Julien Haelterman (Bélgica, Flandria-Romeo) 3.ª Viana do Castelo-Fafe (172 km) Agostinho Correia (Portugal, Águias de Alpiarça) 4.ª Fafe-Viseu (218 km) Alberto Carvalho (Portugal, Académico) 5.ª Viseu-Castelo Branco (194 km) António Gomez Del Moral (Espanha, Green Fish) 6.ª Castelo Branco-Portalegre (70 km, contrarrelógio individual) Frans Brands (Bélgica, Flandria-Romeo) 7.ª Portalegre-Beja (209 km) Joaquim Leão (FC Porto) 8.ª Beja-Tavira (151 km) João Brito (Portugal, Águias de Alpiarça) 9.ª Pista de Tavira (9 km) João Brito (Portugal, Águias de Alpiarça) e Luís Birrento (Sporting) – vitória da etapa atribuída aos dois corredores 10.ª Circuito de Loulé (5 km) Georges Van Den Bergh (Bélgica, Flandria-Romeo) 11.ª Loulé-Santiago do Cacém (200 km) Jan Boonen (Bélgica, Flandria-Romeo) 12.ª Santiago do Cacém-Santiago do Cacém (58 km, contrarrelógio individual) Frans Brands (Bélgica, Flandria-Romeo) 13.ª Santiago do Cacém-Lisboa (172 km) Vítor Tenazinha (Portugal, Louletano) 14.ª Circuito de Alvalade (9 km) João Rosa (Portugal, Sporting) 15.ª Lisboa-Vila Nova de Ourém (163 km) Georges Van Den Berghe (Bélgica, Flandria-Romeo) 16.ª Vila Nova de Ourém-Águeda (159 km) Ernesto Coelho (Portugal, FC Porto) 17.ª Pista de Sangalhos (5 km) Georges Can Den Berghe (Bélgica, Flandria-Romeo) 18.ª Curia-Cartaxo (214 km) Georges Can Den Berghe (Bélgica, Flandria-Romeo) 19.ª Cartaxo-Malveira (148 km) João Centeio (Portugal, Águias de Alpiarça) 20.ª Malveira-Lisboa (154 km) Walter Boucquet (Bélgica, Flandria-Romeo)
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portistas iriam apostar no corredor em melhor forma numa corrida que se antevia aberta e rápida, cheia de ataques e difícil de controlar por qualquer formação. A Volta começou na casa do FC Porto, no Estádio das Antas, numa tarde-noite do dia 14 de agosto. Nas 20 voltas à pista de ciclismo, perante um estádio cheio, o FC Porto não conseguiu o melhor tempo, para tristeza dos adeptos. Esse mérito coube ao Benfica, a mais rápida a percorrer os 9 quilómetros da etapa das 14 equipas à partida, e o primeiro homem
do clube das águias foi Peixoto Alves, corredor que tinha uma alcunha curiosa, o “Fiat 500”. Peixoto Alves vestiu a primeira camisola amarela, mas não queria ter de defender a liderança tão cedo na Volta, conforme confessava aos microfones da RTP, e a estratégia do Benfica na segunda etapa fez com que o símbolo da liderança passasse de Peixoto Alves para Florêncio Silva. A segunda etapa, no circuito de Vila do Conde, foi ganha por um belga, Julian Haelterman, da
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Joaquim Leão foi um grande especialista no ciclocrosse
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Bicicleta de pista de Joaquim Leão, exposta no café-restaurante “A Meta do Leão”
Flandria, equipa que parecia com intenções de se intrometer na luta entre portugueses. Tanto foi assim que outro belga da Flandria, Lionel Van Damme, apoderou-se da camisola amarela no final da terceira etapa, em Fafe, e segurou-a durante três dias. Na sexta etapa veio o primeiro contrarrelógio individual, uns longos 70 quilómetros entre Castelo Branco e Portalegre, e a Flandria fez uma espécie de “dobradinha”, com Frans Brands a ganhar e Van Damme a manter a camisola amarela. No entanto, as contas entre os favoritos após o contrarrelógio manti-
veram-se muito igualadas, enquanto Joaquim Leão se ia posicionando entre os melhores. Na ligação seguinte, 209 quilómetros entre Portalegre e Beja, Joaquim Leão conheceu a primeira grande consagração da Volta, ao triunfar numa etapa que também ditou a mudança da camisola amarela, de Lionel Van Damme para Alberto Carvalho. A vitória de classe nessa etapa – a segunda mais longa da prova – colocou definitivamente Joaquim Leão no lote dos homens que tinham condições para ganhar a corrida.
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Alberto Carvalho segurou a camisola amarela durante 10 etapas, sobrevivendo, inclusivamente, ao segundo contrarrelógio (58 quilómetros às voltas de Santiago do Cacém, ganho pelo especialista Frans Brands), mas na 18.ª etapa, que ligava a Curia ao Cartaxo, finalmente Joaquim Leão chegava à liderança. Foi a viagem mais longa da Volta 1964, com 214 quilómetros, e o belga Georges Van Der Berghe (Flandria) triunfou na tirada, mas quem mais ganhou foi Joaquim Leão, pois vestiu a camisola amarela, após um trabalho de equipa no FC Porto que permitiu fazer atrasar Alberto Carvalho.
Leão destacava-se facilmente pela imponência no pelotão
Faltavam, então, três dias para o final da Volta a Portugal, mas Joaquim Leão soube manter a camisola amarela, apesar de nunca ter ficado descansado, pois tinha Jorge Corvo e João Roque à perna. Numa entrevista ao Jornal de Notícias, anos mais tarde do maior feito da sua carreira desportiva, Joaquim Leão explicou como soube esperar pelo momento decisivo e como os adversários diretos o preocupavam:
Partida na seleção nacional para a Volta a França do Futuro
“Em Beja, quando ganhei a etapa, eu podia ter ganho tempo suficiente para vestir a camisola amarela, mas preferi reservar-me para mais tarde, para o decisivo salto de peixe. O Corvo tinha muita categoria e o Roque caprichou em tirar-me o sono de duas noites, mas eu tinha comigo uma equipa muito forte, que me ajudou sempre.”
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De facto, Joaquim Leão passou, nessa Volta, de gregário a chefe-de-fila, num conjunto em que também brilharam três anteriores vencedores da prova, Carlos Carvalho, Sousa Cardoso e Mário Silva, e outros nomes menos sonantes, como Joaquim Freitas, José Pinto, Ernesto Coelho e Mário Sá. Todos os oito homens do FC Porto conseguiram concluir essa Volta memorável para o clube e tiveram uma merecida volta de honra à pista do Estádio José de Alvalade, onde terminou a corrida. Foi um momento para portista recordar: oito corredores, lado a lado, em pedalada tranquila, ao meio, Joaquim Leão, com a camisola amarela e uma coroa de flores envolvendo o peito, e à frente o técnico Onofre Tavares, à civil, mas também de bicicleta. O orgulho em tanta qualidade coletiva justificou-se, já que o FC Porto também venceu a classificação por equipas, algo que não sucedia desde a Volta de 1959.
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Para ganhar a 27.ª edição da Volta a Portugal, Joaquim Leão teve de mostrar o seu reconhecido espírito de sacrifício, pois sofreu duas quedas durante a corrida e terminou-a com uma luxação num pulso. Nada que impedisse o aquele então jovem de 21 anos de ganhar a Volta a Portugal com um recorde de velocidade, a uma média de 39.404 quilómetros por hora. Tal média deveu-se essencialmente ao facto de a corrida ter sido sempre muito movimentada, com ataques permanentes, muitas tentativas de fuga e um pelotão sempre em boa pedalada, de início ao fim das etapas. A média de final de Joaquim Leão na Volta de 1964 foi tão significativa que este recorde só seria batido 30 anos depois, na Volta de 1994, ganha por Orlando Rodrigues, corredor português ao serviço da equipa espanhola Artiach. Para valorizar ainda mais o recorde de Joaquim Leão é preciso lembrar que o percurso da Volta de 1964 era duro, numa prova com 20 etapas
Joaquim da Silva Leão Nascimento: 18 de abril de 1943, em Sobrado (Valongo) Falecimento: 05 de dezembro de 2018, no Porto Equipas representadas: FC Porto (1959 a 1971) Principais resultados: 1961 - Campeão Nacional de Clubes
1962
1965
- Campeão Regional de Pista
- 6.º na Volta a Portugal
- Campeão Regional de Clubes
- 3.º no Porto-Lisboa - 7.º no Circuito da Malveira
1963
- Campeão Nacional de Clubes
- 14.º na Volta a Portugal
- Campeão Nacional de Rampa
- Campeão Regional de Fundo 1966 1964
- 2.º no Grande Prémio Robbialac
- 3.º no Campeonato Nacional de Estrada
- 1.º no Porto-Lisboa
- 1.º na Volta a Portugal
- Campeão Regional de Ciclo-crosse
- 1.º na 7.ª etapa da Volta a Portugal
- Campeão Regional de Clubes
- Campeão Regional de Pista
- Campeão Regional de Fundo
- Campeão Regional de Rampa
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1967
1969
- 7.º na Volta a Portugal
- 3.º no Campeonato Nacional de Estrada
- 9.º no Circuito de Rio Maior
- 7.º na Volta a Portugal
- Campeão Nacional de Rampa
- Campeão Nacional de Pista
- Campeão Nacional de Pista
- Campeão Regional de Clubes
1968
1970
- Vencedor da 1.ª etapa do GP Portugal
- 6.º na Volta a Portugal
- 3.º no GP Robbialac
- 2.º em uma etapa da Volta a Portugal
- 3.º no Circuito de Palmela
- 3.º no Critério Saint-Mars-d’Outille (França)
- 5.º na Volta a Portugal
- 3.º no Critério do Porto
- 2.º em uma etapa da Volta a Portugal
- 5.º no GP Casal
- 3.º em três etapas da Volta a Portugal
- 3.º no GP Philips
- Campeão Nacional de Clubes
- Campeão Regional de Clubes
- Campeão Nacional de Pista
- Campeão Regional de Pista
- Campeão Regional de Clubes 1971 - 1.º no Critério M.E.C. - 2.º no GP Cerâmica de Valadares
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e um total de 2398 quilómetros. A dureza da prova, aliás, refletiu-se no número de desistências, pois dos 103 corredores que alinharam à partida apenas terminaram 60. A vitória de Joaquim Leão na 27.ª edição da Volta a Portugal provocou uma explosão de alegria em Valongo, onde foi preparada uma receção digna de um campeão. A consagração suprema foi a inesquecível viagem num carro descapotável do Alto da Serra de Valongo até Sobrado, sempre com uma multidão na berma da estrada a vitoriar o jovem campeão. À passagem por Ermesinde, a irmã de Joaquim Leão, que era freira, colocou-lhe uma coroa de flores na cabeça e foi assim que chegou ao centro de Sobrado, naquele que o próprio definiu como um dos dias mais felizes da vida. Essa receção em Sobrado demonstrou quão querido Joaquim Leão era para as gentes da freguesia. E há um facto curioso relacionado com essa popularidade local, contado pelo próprio. “Quando ganhei a Volta, os primeiros telegramas de felicitações que recebi foram do Valonguense, do meu garagista e do meu padeiro”, lembrou, com a humildade e simplicidade de sempre. O sucesso na Volta de um ciclista tão jovem deu a Joaquim Leão um estatuto de ídolo do povo, principalmente no Norte. Será mesmo justo referir que superou em popularidade os outros corredores do FC Porto que ganharam a Volta entre 1959 e 1962, talvez pela simpatia
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e carisma que mostrou desde que se fez notar no pelotão. O ano de 1965 mostrou precisamente essa nova realidade: Joaquim Leão era o preferido no Norte, fazendo arrastar multidões sempre que as corridas de bicicletas visitavam a região. O Campeonato Nacional de Rampa desse ano, disputado precisamente em Valongo, foi uma demonstração de popularidade de Joaquim Leão. Na subida de Santa Justa milhares de pessoas encheram as bermas da estrada para aplaudir o ciclista sobradense e ele não deixou ficar mal os fãs, pois impôs-se na prova e arrecadou o título, à frente de todas as outras figuras do pelotão português. Este brilhante título foi uma das duas vitórias de Joaquim Leão no ano, juntando-a ao Campeonato Nacional de Clubes.
Joaquim Leão também venceu a clássica Porto-Lisboa
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Na clássica Porto-Lisboa foi terceiro, atrás do companheiro de equipa José Pacheco e de Albano Ferreira (Sporting) e chegou à Volta a Portugal com a missão de defender a vitória do ano anterior. Regular como sempre, terminou a corrida na sexta posição e viu o rival Peixoto Alves (Benfica) ser coroado. Segundo confidenciou mais tarde, Joaquim Leão podia ter lutado pela vitória (acabou a 7.17 minutos do vencedor), mas a estratégia do FC Porto era defender as possibilidades de Mário Silva, corredor que ocupou o terceiro lugar do pódio.
O ano de 1966 deu a Joaquim Leão outra das grandes vitórias da carreira, na clássica Porto-Lisboa, concretizando um sonho que tinha desde que iniciou a atividade como corredor. Foi um triunfo muito sofrido, mas também desenhado com inteligência, pois o valonguense soube ler a corrida nos momentos decisivos. O pelotão à partida da 36.ª edição da Clássica integrava 41 corredores, entre os quais quase todas as figuras da velocipedia portuguesa e um conjunto belga, da Flandria. Tínhamos, assim, o primeiro Porto-Lisboa com cariz internacional e os belgas vinham com intenções de vitória. O valor dos belgas não assustou Joaquim Leão e os companheiros do FC Porto, que desenvolveram uma corrida perfeita. Primeiro, procuraram controlar as iniciativas dos adversários, trabalhando para anular umas fugas, enquanto entravam em outras. Depois, na Calçada de Carriche, sempre atento,
Joaquim Leão respondeu a um ataque dos consagrados Peixoto Alves (Benfica) e Leonel Miranda (Sporting) e conseguiu ultrapassá-los, levando na sua roda dois corredores, José Azevedo (Cedemi) e Aníbal Patrício (Sporting). A decisão da mais longa prova do Mundo foi feita a três e Joaquim Leão entrou à frente na pista do Estádio José de Alvalade, iniciando logo um longo sprint, fatal para as aspirações dos adversários. Quase dois anos depois de ter recebido a consagração na Volta a Portugal Joaquim Leão voltou a ser feliz na pista do Estádio José de Alvalade. Para além do triunfo na clássica Porto-Lisboa, Joaquim Leão conquistou, em 1966, os títulos regionais de Fundo, Equipas e Ciclocrosse. Numa altura em que o ciclocrosse era muito popular no Porto e em Portugal, Leão impôs-se numa prova especial realizada nos Jardins do Palácio de Cristal, no Porto, onde acorreram milhares de pessoas. Nessa competição o
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valonguense provou que era realmente um ciclista muito capaz em todos os terrenos. O ano de 1966 foi, a título pessoal, muito importante para Joaquim Leão, pois, além dos sucessos nas pedaladas, foi agraciado com um “Troféu Pinga” – o antecessor do “Dragão de Ouro” no FC Porto – e juntou os trapos com Maria José, um casamento onde acorreram todos os companheiros de equipa do FC Porto e respetivos treinadores. Tudo aconteceu em março, mês em que recebeu um prémio muito especial, pelo valor simbólico e por ter trazido à vida do jovem casal ainda mais boa disposição. O muito popular programa radiofónico “A Voz dos Ridículos” atribui-lhe o “Prémio de Graça”, tão somente um postal ilustrado com uma dedicatória em verso, que lhe foi entregue apenas dois dias depois de casar. Dizia assim a dedicatória da “Voz dos Ridículos”:
Postal assinado por Bê Veludo e Castro Maia, dois autores do programa radiofónico “A Voz dos Ridículos”.
“Na estrada não há quem dome este bravo ciclista, que é “Leão”, mas só de nome, pois quanto ao resto, é portista! Dá-se um caso pitoresco na vida deste atleta: por estar casado de fresco, quer chegar cedo à meta!...” O postal dizia ainda o seguinte: “Se não gostar dos versos, veja o verso” e o verso era uma
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fotografia da atriz italiana Claudia Cardinalle em fato de banho.
Para ter um ano de 1966 perfeito só faltou a Joaquim Leão uma presença positiva na Volta a Portugal, mas o azar bateu-lhe à porta a meio da prova, quando foi forçado a abandonar devido a uma intoxicação alimentar provocada por pêssegos.
A Volta de 1966 foi a segunda em que Joaquim Leão desistiu, depois do abandono em 1962. Entre 1967 e 1970 terminou as quatro Voltas a Portugal em que participou, conseguindo sempre um lugar nos 10 primeiros. Em 1967 concluiu a prova na sétima posição e foi o melhor corredor do FC Porto. No ano seguinte melhorou a classificação, posicionando-se no quinto lugar final, depois do companheiro de equipa Mário Silva, que foi quarto. Nessa prova, Joaquim Leão foi segundo em uma etapa e terceiro em três. Em 1969 terminou a grande corrida na sétima posição e foi o terceiro melhor ciclista dos portistas, ajudando ao triunfo coletivo do FC Porto. Finalmente, em 1970, foi de novo o melhor homem do FC Porto na Volta, ao terminar em quinto lugar, com um segundo lugar numa etapa. Estas posições ganham relevância maior se soubermos que no pelotão português já rolava um tal de Joaquim Agostinho, aquele que é considerado como o melhor ciclista português de todos os tempos. Agostinho, relembre-se, ganhou as Voltas a Portugal de 1970, 1971 e 1972, tendo perdido as de 1968 e 1973 por doping. A regularidade e qualidade que sempre pautaram a carreira de Joaquim Leão permitiram-lhe conquistar mais títulos nacionais, de Rampa e de Pista, e também regionais, sempre
ao serviço do FC Porto. A nível internacional, o corredor valonguense também desenvolveu uma experiência interessante, com participações em três Voltas a Espanha (dois abandonos e um 30.º lugar em 1966), numa Volta à Suíça, em 1971 (terminou em 35.º), na Volta a França do Futuro e na Volta ao Brasil, onde lutou pela vitória e foi segundo numa etapa. Outra boa presença internacional ocorreu no Critério Saint-Mars-d’Outille, em França, onde obteve a terceira posição, numa prova ganha pelo famoso francês Jean-Pierre Danguillaume. No riquíssimo palmarés do ciclista de Sobrado constam ainda triunfos numa etapa do Grande Prémio de Portugal de 1968 e no Critério M.E.C. de 1971, este o seu último sucesso como corredor profissional, no ano em que anunciou a retirada, para se dedicar ao negócio de restauração e mercearia que entretanto já geria, a conhecida “Casa Leão” de Sobrado. Depois de encostar a bicicleta, Joaquim Leão ainda treinou equipas do FC Porto nas camadas jovens e soube transmitir conhecimentos a jovens ciclistas que mais tarde também entraram no pelotão profissional. O que a maior parte desses corredores referem dos ensinamentos do grande senhor do ciclismo que era Joaquim Leão foi saberem
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Joaquim Leão com o Vereador da Câmara Municipal de Valongo, Dr. Orlando Rodrigues, em 2016.
ter a capacidade de sofrimento e superação necessárias para lutar pela vitória em todas as corridas. Sobretudo, como treinador, exigia aos seus pupilos que nunca desistissem. Joaquim Leão foi um homem sempre dedicado ao FC Porto. Recebeu convites de outras equipas, enquanto corredor e, mais tarde, como treinador, mas manteve-se sempre fiel ao clube do coração, à exceção da participação, em fase inicial, do projeto que, a meio da década de 1980, levou o Boavista a
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regressar ao pelotão português. Foi um homem sempre de bem com a vida. A dada altura da carreira, quando estava no auge, disse, numa entrevista, o essencial da sua forma de estar. “O meu clube e a minha casa enchem-me a vida. O meu coração está cheio de gratidão”.
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Nuno Ribeiro A força tranquila numa carreira de sucesso
“Nuno Ribeiro é o pilar de qualquer equipa. É muito inteligente e determinado e, além disso consegue sempre manter os grupos seguros e unidos.” Raul Alarcón, vencedor da Volta a Portugal de 2017 e 2018, opinado sobre a carreira de sucesso do diretor desportivo da W52-FC Porto
Primeiro como corredor e depois como dirigente e diretor desportivo, o percurso do sobradense Nuno Ribeiro no ciclismo português é marcado pelo sucesso. Se há alguém a quem os sobradenses e os valonguenses devem estar agradecidos enquanto representante do concelho no pelotão nacional é Nuno Ribeiro, pois ele configura um caso raro de capacidade e empreendedorismo nas três vertentes mais importantes das corridas de bicicletas: desde logo como ciclista, condição na qual obteve o triunfo mais importante da carreira, a Volta a
Portugal de 2003, depois como dirigente, aos comandos da supervencedora estrutura da União Ciclista de Sobrado e, finalmente, como diretor desportivo na W52-Quinta da Lixa e na W52-FC Porto, responsável por seis vitórias consecutivas na Volta a Portugal, entre 2015 e 2020, feito nunca antes conseguido nas 82 edições da maior prova velocipédica do nosso país. Nuno Ribeiro é, portanto, um homem da Volta a Portugal, prova na qual participou por 13
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vezes enquanto ciclista, com destaque para o triunfo em 2003 e a vitória de 2009, retirada devido a um caso de doping que ficou sempre mal esclarecido pelas autoridades, que nunca se livraram do ónus de terem analisado a questão com dois pesos e duas medidas. Para além da vitória em 2003 e do inglório caso de 2009, Nuno Ribeiro conseguiu ainda, na Volta, um terceiro lugar em 2004, um oitavo em 2012 e um nono em 2013. A última presença na Volta data de 2014, ano em que concluiu a corrida na 11.ª posição, antes de terminar a carreira de profissional. Para completar o estatuto de homem mais vitorioso no conjunto das Voltas a Portugal, falta lembrar o papel fundamental de Nuno Ribeiro nas várias equipas que representou, ajudando-as a triunfar coletivamente na prova. Aconteceu por seis vezes, em 2006, com a LA Alumínios, em 2007 e 2008, com a LA-Liberty Seguros, em 2012 e 2013, com a Efapel-Glassdrive, e em 2014, com a OFM-Quinta da Lixa. Em cima da bicicleta, a principal caracterís-
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tica evidenciada por Nuno Ribeiro era a de trepador, mas o sobradense foi um dos mais inteligentes ciclistas da sua geração, pois sabia sempre como pedalar no pelotão, com a mais correta leitura das corridas, e isso valeu-lhe vários sucessos, mesmo em provas que não estavam talhadas para o seu perfil. Nuno Jorge Gaspar Ribeiro nasceu em Sobrado, no dia 9 de setembro de 1977. Oriundo de uma família ligada à agricultura, desde muito cedo que o pequeno Nuno começou a andar de bicicleta. O pai, adepto de ciclismo, levou-o para a iniciação em Sobrado, ainda nem Nuno tinha feito seis anos. Começava aí um longo percurso no ciclismo, uma paixão à qual Nuno Ribeiro sempre se entregou de corpo e alma. O primeiro treinador de Nuno Ribeiro foi Fernando Pelota, que acompanhou o ciclista em quase toda a fase de formação, mesmo quando ingressou nos Aliados de Lordelo, outra das grandes escolas de ciclismo da região. Já na categoria de Sub-23, Nuno Ribeiro ingressou na equipa Paredes Móvel, então dirigida por José Augusto Silva, outro treinador
marcante na carreira do corredor de Sobrado. Foi nesta fase que Nuno Ribeiro começou a pedalar junto dos mais categorizados ciclistas portugueses, nas várias provas que juntavam os escalões de Elite e de Sub-23. Embora sem registos de triunfos em corridas, Ribeiro assumiu-se como um dos melhores da respetiva categoria, o que lhe valeu o acesso à seleção nacional e a presença nos Campeonatos do Mundo de Sub-23 de 1998, em Valkenburg (Holanda), e de 1999, em Verona (Itália). Na estreia na alta roda, em Valkenburg, Nuno Ribeiro logrou terminar a difícil corrida de 172 quilómetros, na 79.ª posição, mas no ano seguinte nas estradas de Verona, obteve um excelente 14.º lugar, o melhor resultado de toda a delegação portuguesa.
idade de Sub-25, Nuno Ribeiro participou nesse ano na Volta a Portugal do Futuro, na qual venceu uma etapa, tendo terminado a corrida na sexta posição.
A qualidade e regularidade demonstradas por Nuno Ribeiro nesses anos valeram-lhe o primeiro contrato como profissional, ao serviço da equipa Barbot-Torrié, dirigida por Carlos Pereira. O ano de 2000 marcou assim a estreia de Nuno Ribeiro no pelotão profissional e na Volta a Portugal, na qual começou a revelar as qualidades de trepador e obteve um interessante 26.º lugar. Como ainda tinha
Em 2002, Nuno Ribeiro, que se manteve ligado à equipa Barbot-Torrié, conseguiu a primeira vitória numa corrida por etapas, no caso, o Grande Prémio Abimota, que dominou de fio a pavio, pois venceu a sinuosa primeira etapa, que terminou nas Termas do Gerês, e manteve a liderança até final.
Sempre em evolução, Nuno Ribeiro chegou ao ano de 2001 já com créditos firmados no pelotão e demonstrou-o, sobretudo na Volta a Portugal e na Volta a Portugal do Futuro. Na grande Volta, melhorou muito a classificação do ano anterior, posicionando-se em 12.º, mas foi na Volta do Futuro que mais brilhou com o triunfo em três etapas, entre elas um contrarrelógio. Pelo meio, também brilhou no Grande Prémio Jornal de Notícias, no qual obteve o 10.º lugar final e sagrou-se vencedor dos sprints especiais.
Foi com este cartão de visita que o sobradense
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Volta a Portugal 2003
se apresentou na Volta a Portugal e aí começou a mostrar que se dava muito bem com os ares da Serra da Estrela. Na etapa rainha, que ligou Belmonte ao Alto da Torre, Nuno Ribeiro meteu-se na luta entre os melhores e terminou em terceiro, atrás do dinamarquês Claus Moller (Maia-Milaneza) – que viria a ganhar a corrida – e de Rui Sousa (também da Maia-Milaneza), corredor que viria a ser um dos grandes rivais de herói valonguense nas provas portuguesas. Essa performance na
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Torre conduziu-o ao nono lugar dessa Volta de 2002, assumindo-se também como o melhor homem da Barbot-Torrié.
Festival nas montanhas na base da vitória de 2003 Na época de 2003, Nuno Ribeiro mudou-se para a LA Alumínios-Pecol, equipa dirigida
por Américo Silva, na qual pontificavam nomes como o experiente Orlando Rodrigues, vencedor das Voltas a Portugal de 1994 e 1995, o papa-etapas que ficou conhecido como o ciclista do povo, Cândido Barbosa – cunhado de Nuno Ribeiro -, além de corredores habituados a ganhar, como Pedro Lopes ou o russo Andrei Zintchenko. A equipa mostrou classe no percurso até à Volta a Portugal, vencendo corridas como a Volta às Terras de Santa Maria (Bruno Castanheira), Grande Prémio de Gondomar (Juan Gomis), Grande Prémio Abimota (Vicente Reynes) e Volta ao Alentejo (Aindrei Zintchenko), além de vários triunfos em etapas do habitual Cândido Barbosa, e do próprio segundo lugar de Nuno Ribeiro no Campeonato Nacional de Estrada, mas faltava o mais importante, que era impor a força deste conjunto na mais importante corrida de todas. Embora entrando na Volta fora do lote dos favoritos, Nuno Ribeiro sabia que a sua hora chegaria, fundamentalmente porque as etapas montanhosas o favoreciam em relação à concorrência. A Volta começou bem para a equipa, com a vitória da Cândido Barbosa na 1.ª etapa, em Tavira, com direito a envergar a camisola amarela. Cândido voltaria a ganhar na 4.ª etapa, em Coimbra, mas a camisola amarela ficou na posse do espanhol Vitoriano Fernandez (ASC-Vila do Conde). Chegou então o primeiro dia de decisões a sério da prova, a etapa Figueira da Foz-Alto da Torre Volta a Portugal 2003
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dia, já que, no dia seguinte, também numa etapa na Serra da Estrela (Fundão-Gouveia), perdeu a liderança para Rui Lavarinhas (Maia-Milaneza). Mesmo perdendo a camisola a amarela nessa etapa – ganha por Vítor Gamito (Cantanhede-Marquês de Marialva) -, Nuno Ribeiro demonstrou que era um verdadeiro candidato ao triunfo final, já que viu toda a equipa LA Alumínios ficar para trás, defendeu-se sozinho nos últimos quilómetros e saiu de Gouveia apenas a 16 segundos da camisola a amarela e com mais tempo ganho àquele que seria o maior adversário nas aspirações do corredor de Sobrado: Claus Moller.
Troféu Joaquim Agostinho ?
e esperava-se que a Serra da Estrela revelasse quem, afinal, eram os verdadeiros candidatos à vitória. Na subida à Torre, Nuno Ribeiro deu um verdadeiro festival e terminou a etapa bem isolado, ganhando 1.20 minutos ao espanhol David Blanco (Porta da Ravessa) e 1.32 minutos ao dinamarquês Claus Moller (Maia-Milaneza). Vencedor da Volta de 2002, Moller era tido como o principal favorito da Volta de 2003, mas o K.O. imposto por Nuno Ribeiro na etapa da Torre veio baralhar as contas de muitos. Pela primeira vez na carreira, Nuno Ribeiro envergou a camisola amarela da Volta a Portugal, mas essa glória durou apenas um
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Depois do dia de descanso, a LA Alumínios festejou mais duas vitórias em etapas, através do inevitável Cândido Barbosa, e a Volta 2003 chegou a mais um dia decisivo, com a etapa da Senhora da Graça. Mais uma vez, Nuno Ribeiro foi grande na montanha e arrecadou de vez a camisola a amarela nessa 9.ª etapa, que ligou Fafe ao Alto da Senhora da Graça. Terminou em segundo, atrás de Pedro Arreitunandia (Carvalhelhos-Boavista), mas voltou a ganhar tempo aos adversários diretos e tirou quase todas as dúvidas sobre a candidatura à vitória na Volta. Animado pela posse da camisola amarela, Nuno Ribeiro ainda ganhou alguns segundos na penúltima etapa, em Favaios, na qual ficou em terceiro, e entrou para a derradeira tirada, um contrarrelógio em Viseu, com uma boa vantagem para gerir nos 36,7 quilómetros
65.ª Volta a Portugal (2003) 06.08 a 17.08 11 etapas – 1656 km Partida: Albufeira Chegada: Viseu 138 corredores à partida Terminaram 105 corredores
Classificação dos 10 primeiros: 1.º Nuno Ribeiro (Portugal, LA Alumínios-Pecol), 41:29.59 horas (média de 39,904 km/hora) 2.º Claus Moller (Dinamarca, Milaneza-Maia-MSS), a 1.34 m 3.º Rui Lavarinhas (Portugal, Milaneza-Maia-MSS), a 2.18 m 4.º Nélson Vitorino (Portugal, Porta da Ravessa-Bom Petisco-Tavira), a 5.10 m 5.º David Blanco (Espanha, Porta da Ravessa-Bom Petisco-Tavira), a 5.52 m 6.º Vítor Gamito (Portugal, Cantanhede-Marquês de Marialva), a 8.04 m 7.º Rui Pinto (Portugal, Barbot-Torrié-Gondomar), a 9.11 m 8.º Virgílio Santos (Antarte-Rota dos Móveis), a 9.46 m 9.º Sérgio Paulinho (Portugal, ASC-Vila do Conde), a 10.36 m 10.º Joan Horrach (Espanha, Milaneza-Maia-MSS), a 10.51 m.
Classificação por equipas: 1.º Milaneza-Maia-MSS, 124:42.15 horas 2.º Porta da Ravessa-Bom Petisco-Tavira), a 11.57 m 3.º LA Alumínios-Pecol, a 16.15 m 4.º Cantanhede-Marquês de Marialva, a 25.34 m 5.º Carvalhelhos-Boavista, a 30.22 m.
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Etapas e vencedores: 1.ª Albufeira-Tavira (175,6 km) Cândido Barbosa (Portugal, LA Alumínios-Pecol) 2.ª Loulé-Beja (148,7 km) Alberto Benito Guerrero (Espanha, Antarte-Rota dos Móveis) 3.ª Campo Maior (Cafés Delta)-Castelo Branco (150,9 km) Victoriano Fernandez (Espanha, ASC-Vila do Conde) 4.ª Castelo Branco-Coimbra (154,6 km) Cândido Barbosa (Portugal, LA Alumínios-Pecol) 5.ª Figueira da Foz-Torre (208,3 km) Nuno Ribeiro (Portugal, LA Alumínios-Pecol) 6.ª Covilhã-Gouveia (155,5 km) Vítor Gamito (Portugal, Cantanhede-Marquês de Marialva) 7.ª Gouveia-São João da Madeira (166,6 km) Cândido Barbosa (Portugal, LA Alumínios-Pecol) 8.ª Santa Maria da Feira-Fafe (188 km) Cândido Barbosa (Portugal, LA Alumínios-Pecol) 9.ª Fafe-Mondim de Basto/Alto da Senhora da Graça (153,6 km) Pedro Arreitunandia (Espanha, Carvalhelhos-Boavista) 10.ª Mondim de Basto-Favaios (130 km) Angel Edo (Espanha, Milaneza-Maia-MSS) 11.ª Viseu-Viseu (36,7 km, contrarrelógio individual) Claus Moller (Dinamarca. Maia-Milaneza-MSS).
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Circuito do Bombarral 2005
do exercício individual. Assim, Nuno tinha Rui Lavarinhas a 1.35 minutos e Claus Moller a 2.17 minutos, diferenças substanciais, mas difíceis de controlar por alguém que nunca foi especialista em contrarrelógios. Aliás, na altura considerava-se que Moller, especialista na matéria, tinha todas as condições para recuperar os 2.17 minutos em 36,7 quilómetros e sagrar-se de novo vencedor da Volta. Puro engano, pois Nuno Ribeiro efetuou um grande contrarrelógio e foi o segundo mais rápido, apenas perdendo 42 segundos para Moller. Ganhou, assim, de forma confortável a 65.ª Volta a Portugal em Bicicleta, continuando, depois de Fernando Moreira e de Joaquim Leão, a escrever a linda história dos heróis de Sobrado na maior corrida de bici-
cletas do nosso país. Mantendo-se em boa forma após a 65.ª Volta a Portugal, Nuno Ribeiro aproveitou para ganhar o Circuito de Nafarros, ainda em agosto, e apresentou-se, no início de setembro, na Volta à Polónia com ambições, tendo aí conquistado o título de rei da montanha e ajudado a LA a triunfar coletivamente. No início de outubro, rumou a Hamilton (Canadá), para participar nos Mundiais de Estrada, nos quais obteve um modesto 74.º lugar. O ano de 2003 foi marcado pelo sucesso para Nuno Ribeiro e para a equipa LA Alumínios-Pecol, que manteve a estrutura para 2004, trocando apenas alguns corredores. As saídas de Orlando Rodrigues e de Andrei Zintchenko
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CN Estrada 2005, Santa Maria da Feira
Na 1.ª etapa da Volta de 2004
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foram colmatadas pelas entradas do trepador espanhol David Arroyo e pelo promissor português Sérgio Paulinho. O facto de ter conquistado a Volta a Portugal fazia de Nuno Ribeiro o chefe de fila da equipa, mas a variedade de corridas a que a LA se apresentou levava também a apostar em outros corredores. O ano foi positivo para Nuno Ribeiro que chegou à Volta a Portugal com o segundo lugar na Volta a Trás-os-Montes e Alto Douro (com um triunfo numa etapa) e o título de vice-campeão nacional de estrada. Mas a aposta estava toda centrada na Volta, na qual levava o dorsal número 1 e, desta vez, era considerado como um dos principais candidatos à vitória final. O protagonismo na montanha na equipa LA-Alumínios passou de Nuno Ribeiro para David Arroyo, com o espanhol a ganhar as etapas da Torre e da Senhora da Graça, mas o ciclista valonguense fez uma prova regular e manteve-se sempre na luta pela vitória. Não conseguiu, pois o espanhol David Bernabeu (Milaneza-Maia) conseguiu ser ainda mais regular e aproveitou a etapa que terminou na Torre para vestir a camisola amarela, defendendo-a até ao contrarrelógio final, em Sintra. Nuno Ribeiro conseguiu o terceiro lugar final, a 2.40 minutos de Bernabeu e apenas a 32 segundos do companheiro de equipa David Arroyo. No entanto, uma queda durante o contrarrelógio final tê-lo-á impedido de chegar mais longe.
Campeonato Nacional Elites 2006
Clássica Fafe 2006
Volta a Prtugal 2006, etapa 9
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Volta a Portugal 2007. No Prólogo e na Etapa 9.
Terminada a Volta a Portugal, Nuno Ribeiro participou na prova de Estrada dos Jogos Olímpicos de Atenas, onde, além de ter terminado num bom 27.º lugar, ajudou o companheiro de equipa Sérgio Paulinho a entrar na fuga certa, o que lhe valeu a segunda posição e a respetiva medalha de prata. Ribeiro e Paulinho foram, em 2005, integrados no pelotão internacional, ao serviço da Liberty Seguros-Wurth Team, orientada por Manolo Saiz, mas o corredor de Sobrado sairia a meio da época, devido a um problema antes da Volta a Itália, na qual não pôde participar devido a apresentar uma taxa de hematócrito (volume de glóbulos vermelhos no sangue) Circuito dos Túneis, Lisboa 2007
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G.P. Rota dos Móveis, Etapa 4, 2007
Campeonato Nacional de Estrada Elites, 2007 G. P. Paredes 2008, Etapa 4
irregular. A Liberty internacional, apesar de ter feito um comunicado a duvidar da validade do controlo, dispensou o corredor da equipa e este, após as obrigatórias duas semanas de paragem, ingressou na estrutura portuguesa da Liberty Seguros, que tinha criado uma equipa em parceria com a LA Alumínios. A única vitória de Nuno Ribeiro em 2005 aconteceu nas “12 Voltas à Gafa” e a participação do valonguense na Volta a Portugal foi discreta, pois apenas ficou na 29.ª posição. Tal sucedeu porque a preparação delineada pelo corredor no início da temporada não contemplava a Volta a Portugal e estava voltada para o calendário internacional.
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Regressado em pleno ao pelotão nacional no início de 2006, Nuno Ribeiro integrou de novo os quadros da LA Alumínios-Liberty Seguros e desenvolveu uma época muito regular, sempre a trabalhar em prol da equipa. Assim, conseguiu lugares de destaque na Volta a Trás-os-Montes e Alto Douro (2.º) no Troféu Joaquim Agostinho (5.º) e na Volta ao Alentejo (6.º) e saiu da Volta a Portugal com o 15.º lugar, neste caso com o detalhe de ter ajudado a LA a vencer por equipas. Foi a primeira de seis vitórias por equipas de Nuno Ribeiro na Volta a Portugal. Em 2006, Nuno regressou ao Mundial de Estrada, tendo terminado a prova, que decorreu em Salzburgo (Áustria), como melhor português, na 33.ª posição. A época de 2007 foi, para Nuno Ribeiro, um pouco semelhante à de 2006, de tal forma que repetiu o mesmo lugar da Volta a Portugal (15.º), ajudou de novo a equipa – agora só com a designação de Liberty Seguros) – a triunfar coletivamente e participou no Campeonato do Mundo de Estrada, em Estugarda (Alemanha), e outra vez com o estatuto de melhor português, através da 37.ª posição. A título de sucessos individuais, a época de 2008 foi uma das melhores de Nuno Ribeiro. O sobradense reencontrou o caminho das vitórias em corridas como o Grande Prémio CTT, a Volta a Trás-os-Montes e Alto Douro e o Prémio de Albergaria e, depois de Atenas GP CTT 2008, Etapa 2 (vencedor) e Etapa 3
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Volta a Portugal, 2008. Vitória na etapa na Senhora da Assunção e chegada à Torre
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Volta a Portugal, 2008
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2004, repetiu a presença nos Jogos Olímpicos, agora em Pequim 2008, onde foi 28.º na prova de Estrada, mais uma vez com a honra de ter sido o melhor português. A ida aos Jogos Olímpicos fez com que a preparação de Nuno Ribeiro não se tivesse focado na Volta a Portugal, mas o competitivo ciclista apresentou-se na mesma à partida e ainda ganhou uma etapa, numa espetacular chegada ao Monte da Nossa Senhora da Assunção, em Santo Tirso. Pela terceira vez consecutiva, o contributo do ciclista de Sobrado foi fundamental para a vitória coletiva da Liberty Seguros na Volta. Antes de fechar a época, o valonguense também marcou presença naqueles que seriam os seus últimos Mundiais de Estrada, em Varese (Itália). Mais uma vez terminou a corrida, na 45.ª posição, mas o prémio de melhor português foi para Sérgio Paulinho (21.º). As primeiras corridas de 2009 mostraram um Nuno Ribeiro competitivo desta vez também a nível internacional. De tal forma que terminou em quarto a prestigiada Volta às Astúrias e em segundo a Subida do Naranco, ambas provas em Espanha. Por cá, ganhou a Clássica de Sotavento e fechou o pódio no Grande Prémio Rota dos Móveis. Na Volta a Portugal estava claramente de regresso aos melhores tempos e ganhou a
Clássica Sotavento 2009
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Volta a Portugal, 2009, com o filho Clássica Castro Marim 2009
corrida e uma etapa (a nona, na Torre), mas um controlo antidoping retirou-lhe esses sucessos, além de ter determinado uma suspensão de dois anos. Perante a situação, outro desportista qualquer teria esmorecido e decidido abandonar a modalidade, mas Nuno Ribeiro não é homem de desistir e aproveitou os dois anos de “travessia do deserto” para olhar o ciclismo de outra forma, adquirindo conhecimentos que lhe seriam supervaliosos nos anos seguintes.
Trofeu Joaquim Agostinho 2009
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Quando regressou ao pelotão, Nuno disse o que lhe ia na alma numa entrevista. “A minha paixão pelo ciclismo foi maior do que um castigo de dois anos e tenho trabalhado muito para poder regressar à competição ao nível a que habituei as pessoas. Nunca desa-
Volta a Portugal, 2009, na Torre
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G.P. Efapel, 2012
nimei e continuo a treinar todos os dias, pelo que voltarei à estrada com espírito vencedor”, referiu, explicando depois que ia continuar a ser o mesmo corredor de sempre. “Serei apenas mais um para ajudar os meus companheiros, pois o ciclismo exige muitos sacrifícios. Quem me conhece sabe que nunca viraria a cara à luta. Por isso espero poder retribuir com muito trabalho perante aqueles que ainda continuam a acreditar em mim”, concretizou.
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Nuno Ribeiro regressou ao pelotão em 2012, com 34 anos, pela mão de Carlos Pereira e da estrutura que lhe tinha aberto as portas do profissionalismo, a agora designada EfapelGlassdrive. E regressou com as qualidades de trepador e “coequiper” intactas, como demonstrou nas várias corridas que efetuou, sobretudo as três Voltas a Portugal, entre 2012 e 2014.
Bicicleta com que Nuno Ribeiro venceu a Volta a de 2003
Volta Portugal Etapa 10
Vencedor do G.P. Efapel 2012
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Na equipa Efapel, Volta a Portugal 2012
Apresentação da equipa Efapel, 2013
Na apresentação da equipa OFM, 2014
Na Volta a Portugal, 2014. Festa da vitória por equipas
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Volta a Portugal, 2012
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A presença de Nuno Ribeiro na equipa durante a Volta a Portugal de 2012 foi essencial para a Efapel-Glassdrive, que conseguiu o feito de somar a vitória individual – a quinta do recordista David Blanco – ao triunfo coletivo. Com exibições de qualidade na montanha, o corredor de Sobrado ajudou David Blanco a subir à liderança, sobretudo na etapa que terminou na Torre, e ainda conseguiu um excelente oitavo lugar final. Oito anos depois, Ribeiro regressava ao top-10 da Volta, algo impensável no início da corrida. Para a Volta a Portugal de 2013, o objetivo da Efapel era levar Rui Sousa ao triunfo e na equipa lá estava Nuno Ribeiro com a sua sapiência e experiência, para concretizar esse desígnio. No pelotão voltista, no entanto, estava a “outra” equipa de Nuno Ribeiro, a OFM-Quinta da Lixa, estrutura da União Ciclista de Sobrado, clube presidido pelo herói destas linhas, que surgia na Volta com grandes ambições. Nuno Ribeiro voltou a fazer uma grande corrida e conseguiu ajudar a fazer chegar Rui Sousa à liderança, principalmente através das clássicas etapas montanhosas da Torre e da Senhora da Graça, mas um longo contrarrelógio entre Sabugal e Guarda, na penúltima etapa, permitiu ao espanhol Alejandro Marque, da OFM Quinta da Lixa, apoderar-se da camisola amarela, que defendeu sem problemas na derradeira tirada. Nuno Ribeiro terminou na nona posição, celeTroféu Joaquim Agostinho, 2013
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Volta a Portugal, 2013; em baixo: com o Rui Vinhas e a estrutura da União Ciclista de Sobrado
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Volta ao Algarve, 2014
brou o título coletivo na estrada da Efapel-Glassdrive, mas também teve direito a participar na festa da vitória de Alejandro Marque, a primeira do projeto no profissionalismo da União Ciclista de Sobrado. Este sucesso foi a ponte para Nuno Ribeiro planear um fim da carreira profissional ao serviço do projeto que tinha ajudado a criar. Assim, ingressou nos quadros da equipa da OFM-Quinta da Lixa em 2014, com os olhos postos em mais um sucesso na Volta a Portugal. Apesar de alguns problemas que afetaram a estrutura e que levaram à troca do diretor desportivo José Barros pelo espanhol Jesus
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Rosendo antes da Volta, a equipa chegou, viu e venceu, com o espanhol Gustavo Veloso a suceder a Alejandro Marque, numa corrida em que Nuno Ribeiro obteve o almejado triplo triunfo: individual, por via de Gustavo Veloso, por equipas e como presidente do clube. A juntar a tudo isto, o herói de Sobrado logrou terminar a Volta a Portugal à porta do top-10, com excelente um 11.º lugar. Nuno Ribeiro terminava assim pela 13.ª vez (em 13!) a Volta a Portugal, com o sexto melhor resultado individual da carreira. A última corrida profissional de Nuno Ribeiro foi a Volta ao Rio de Janeiro de 2014, no Brasil,
Volta a Portugal, 2014
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Volta a Portugal, 2014. Últimas pedaladas da carreira profissional como ciclista
que terminou num ótimo nono lugar, que reflete muito bem o equilíbrio e regularidade que pautou toda a carreira de ciclista deste incontestável herói sobradense.
Diretor desportivo invencível na Volta Se a carreira de Nuno Ribeiro como ciclista profissional foi um sucesso, o que dizer do percurso como diretor desportivo. Como um Midas, o homem de Sobrado transforma em ouro tudo em que toca, ou seja, leva à vitória
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todas as estruturas que dirige. Na história das 82 Voltas a Portugal nenhum outro tem o impressionante registo de seis triunfos consecutivos como diretor desportivo. Em 2015, Nuno Ribeiro estreou-se como diretor desportivo e logo com a enorme responsabilidade de manter o projeto ganhador da União Ciclista de Sobrado, que, através da equipa OFM-Quinta da Lixa, havia vencido as Voltas a Portugal de 2013 e 2014, primeiro com Alejandro Marque e depois com Gustavo Veloso. Primeiro, Ribeiro ajudou a arrumar
Nuno Jorge Gaspar Ribeiro Nascimento: 09 de setembro de 1977 Equipas representadas: Paredes Móvel (1998 e 1999) Barbot-Torrié (2000 a 2002) LA Alumínios- Pecol (2003 e 2004) Liberty Seguros-Wurth Team (2005) LA Alumínios-Liberty Seguros (2005 e 2006) Liberty Seguros (2007 a 2009) Efapel-Glassdrive (2012 e 2013) OFM-Quinta da Lixa (2014)
Principais resultados: 1998
2002
- 79.º no Campeonato do Mundo de Estrada de
- 1.º no Grande Prémio Abimota
Sub-23 (Valkenburg, Holanda)
- 1.º em uma etapa do Grande Prémio Abimota - 9.º na Volta a Portugal
1999
- 3.º em uma etapa da Volta a Portugal
- 14.º no Campeonato do Mundo de Estrada de Sub-23 (Verona, Itália)
2003 - 1.º na Volta a Portugal
2000
- 1.º em uma etapa da Volta a Portugal
- 26.º na Volta a Portugal
- 2.º no contrarrelógio final da Volta a Portugal
- 6.º na Volta a Portugal do Futuro
- 3.º em uma etapa da Volta a Portugal
- 1.º em uma etapa da Volta a Portugal do Futuro
- 1.º no Circuito de Nafarros - Rei da montanha na Volta a Polónia
2001
- 74.º no Campeonato do Mundo de Estrada (Ha-
- 12.º na Volta a Portugal
milton, Canadá)
- 3 vitórias em etapas da Volta a Portugal do Futuro - 10.º no Grande Prémio Jornal de Notícias - Vencedor dos sprints especiais no Grande Prémio Jornal de Notícias
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2004
2008
- 3.º na Volta a Portugal
- 1.º na Volta a Trás os Montes e Alto Douro
- 27.º na Prova de Estrada dos Jogos Olímpicos de Atenas
- 1.º no Grande Prémio CTT
- 2.º na Volta a Trás os Montes e Alto Douro
- 1.º no Prémio de Albergaria
- 1.º em uma etapa da Volta a Trás os Montes e Alto Douro
- 28.º na Prova de Estrada dos Jogos Olímpicos de Pequim - 31.º na Volta a Portugal
2005
- 1.º em uma etapa da Volta a Portugal
- 1.º nas 12 Voltas à Gafa
- 45.º no Campe.º do Mundo de Estrada (Varese, Itália)
- 29.º na Volta a Portugal 2009 2006
- 4.º na Volta às Astúrias
- 15.º na Volta a Portugal
- 2.º na Subida do Naranco
- 2.º na Volta a Trás os Montes e Alto Douro
- 1.º na Clássica do Sotavento
- 6.º na Volta ao Alentejo
- 3.º no GP Rota dos Móveis
- 5.º no G.P. de Torres Vedras /Troféu Joaquim Agostinho - 33.º no Camp.º do Mundo de Estrada (Salzburgo, Áustria)
2012 - 8.º na Volta a Portugal
2007 - 15.º na Volta a Portugal
2013
- 37.º no Camp.º do Mundo de Estrada (Estugarda, Alemanha)
- 9.º na Volta a Portugal 2014 -11.º na Volta a Portugal - 9.º na Volta ao Rio de Janeiro
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Equipa OFM 2014
a casa, contribuindo decisivamente para a chegada do novo e principal patrocinador, a W52, uma marca de roupa que, através do dono da empresa Adriano Sousa, já tinha uma longa ligação ao ciclismo. Começou aí a parceria de maior sucesso no ciclismo luso, que construiu uma máquina de triunfos, essencialmente com o foco na Volta a Portugal. Foi assim que Gustavo Veloso ganhou de novo
a Volta a Portugal, fazendo da edição de 2015 uma demonstração de domínio da equipa W52-Quinta da Lixa, que também triunfou coletivamente, apesar da forte oposição da Efapel. No ano de 2016, o projeto teve o impacto que precisava, através de mais uma parceria, esta de enorme peso popular, pois o FC Porto juntou-se à máquina ganhadora, marcando
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Volta ao Algarve 2015
Apresenta W52 Quinta da Lixa 2015
Volta 2016 com Rui Vinhas
Volta a Portugal 2017, apoio popular no Sobrado
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Nuno Ribeiro e a equipa W52 Quinta da Lixa
assim um regresso ao pelotão das camisolas azuis e brancas, que tantas vitórias tinham conseguido no passado. O regresso do FC Porto na parceria de sucesso com a W52 e o diretor desportivo Nuno Ribeiro não podia ser mais vitorioso. Entre 2016 e 2020, os portistas conseguiram, na Volta a Portugal, cinco vitórias individuais – Rui Vinhas,
Raul Alarcón por duas vezes, João Rodrigues e Amaro Antunes – e cinco coletivas. Todas, como é óbvio, tiveram o dedo de Nuno Ribeiro, o homem que melhor valoriza a ligação dos sobradenses à modalidade das bicicletas e se tornou, sem alaridos e sempre com a calma e discrição que carateriza a sua personalidade, no homem mais bem sucedido da história do ciclismo português.
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Volta a Portugal 2017, com o vencedor Raúl Alarcón
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04
Rui Vinhas
Muito mais do que um herói improvável
“Rui Vinhas pode ser apontado como um exemplo a todos os atletas, sejam de que clube forem e pratiquem a modalidade que praticarem.” Pinto da Costa, presidente do FC Porto, em 07.08.2018, comentando a coragem de Rui Vinhas em conseguir terminar uma etapa da Volta a Portugal após uma queda que levou os médicos a aconselharem o abandono
Rui Vinhas é o quarto herói de Sobrado a inscrever o nome na lista de vencedores da Volta a Portugal em Bicicleta. Fê-lo em 2016, numa prova em que surpreendeu tudo e todos, pois não fazia parte da lista de favoritos. Integrava, isso sim, a forte equipa da W52-FC Porto e ganhou um lugar especial no coração dos dragões, pois voltou a colocar a camisola portista no topo do ciclismo português, 34 anos depois do triunfo de Marco Chagas. O sucesso voltista de Rui Vinhas é daqueles
que todas as equipas celebram de forma especial, já que, no ciclismo, quando a vitória é conseguida por um gregário, tem sempre um sabor especial, porque valoriza ainda mais o trabalho do coletivo. Também não restam dúvidas que o triunfo na Volta a Portugal de 2016, por vir de um ciclista de equipa, um trabalhador incansável em prol da coesão do grupo, serviu para consolidar o projeto do FC Porto no regresso ao pelotão, na estrutura da já muito bem-sucedida União Ciclista de Sobrado.
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C.N. Santa Maria da Feira, 2005
Se não restassem dúvidas sobre o extraordinário espírito de sacrifício e entrega à equipa de Rui Vinhas, a Volta a Portugal de 2018 trouxe uma demonstração clara disso mesmo. Uma queda horrível numa etapa entre o Sabugal e Viseu deixou marcas no corpo do ciclista, que chegou a desmaiar e foi aconselhado pela equipa médica da Volta a abandonar. No entanto, contrariou essa intenção e conse-
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guiu terminar a jornada, após efetuar 120 quilómetros em contínuo sofrimento. E logrou chegar ao fim da prova, ajudando o companheiro Raul Alarcón a triunfar individualmente e a equipa da W52-FC Porto a, mais uma vez, vencer coletivamente. Rui Vinhas começou muito novo a saber pedalar. Aos três anos recebeu a primeira
Campeonato Nacional Sub 23, 2006
bicicleta, curiosamente de cor amarela, e desde aí soube logo que o ciclismo era o que mais gostava. Sempre apoiado pela família – também com gente ligada à modalidade – o sobradense começou a participar em passeios de bicicleta aos oito anos, incluído em grupos de cicloturistas, mas aí ainda sem objetivos competitivos. Por essa altura, o padrinho deu-lhe uma bicicleta de qualidade, própria para competições, um investimento justificado, para quem demonstrava gostar muito mais de ciclismo do que de qualquer outra modalidade desportiva.
Campeonato Nacional de Estrada Sub 23, 2008
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Troféu RTP, Valongo 2009
No entanto, Rui Vinhas faz sempre questão de lembrar que a aposta dos pais e do padrinho poderia não ter sido bem conseguida. “Às vezes quando se espera muito, é quando se falha mais… Quando era miúdo, não era nada de extraordinário, mas, aos bocadinhos, fui acreditando, acreditando, e, com bastante luta, com bastante trabalho, consegui concretizar o meu sonho e chegar a um patamar que não estava à espera, ao topo do ciclismo português”, contou o corredor ao site “Mais Futebol”, numa entrevista em 2018. A verdade é que o talento e espírito trabalhador revelados na infância levaram-no, aos 12 anos, para a equipa penafidelense ADRAP, um dos mais profícuos viveiros da modalidade
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em Portugal. Na altura, Rui já estava totalmente focado no ciclismo e revelou em várias entrevistas que adorava ver a Volta a França e a Volta a Portugal pela televisão, pensando que, um dia, poderia participar nessas grandes corridas que lhe preenchiam o imaginário. O envolvimento com o ciclismo foi crescendo na adolescência de Rui Vinhas, que, concluído o nono ano de escolaridade, deixou de estudar e passou a trabalhar com o pai, que lhe dava tempo e liberdade para continuar a treinar. Foi assim que o corredor de Sobrado pôde desenvolver uma carreira sólida e tranquila. Depois de uma passagem pelo Lousada Clube de Ciclismo e pelo Paredes, Rui Vinhas concre-
Troféu RTP, Valongo 2009
tizou o primeiro sonho como ciclista, que era correr por um clube da sua terra. Tal aconteceu em 2004, quando foi criada a equipa dos escalões de formação da Casactiva, um projeto da União Ciclista de Sobrado, que se transformaria na máquina vencedora da segunda década do século XXI que é a W52-FC Porto. A Casactiva revelou-se como uma das principais equipas do pelotão de Sub-23 e ali Rui Vinhas foi crescendo como corredor, assumindo-se como um dos melhores da categoria, o que lhe valeria a chamada à respetiva seleção nacional. Foi, aliás, nessa condição que se estreou na Volta a Portugal, em 2010, representando a Seleção Nacional de Sub-23. Foi um excelente
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Volta 2010, Seleção Nacional
começo, com um 28.º lugar final e a garantia da entrada no pelotão profissional, que sucedeu em 2011, na equipa LA-Antarte. Dessa Volta de 2010 ficou em Rui Vinhas a garantia de que sabia pedalar com os melhores, como ficou demonstrado nas etapas que terminaram na Senhora da Assunção (Santo Tirso) e na Senhora da Graça, nas quais chegou à meta nos grupos da frente. Mas já em 2009, então com 22 anos e ao serviço da Aluvia-Valongo (a mesma estrutura da Casactiva), o ciclista valonguense tinha tido a possibilidade de correr junto com o pelotão profissional. Aconteceu em duas corridas, o Grande Prémio Internacional Paredes Rota dos Móveis e a Volta a Leão, em
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Espanha. Foram duas experiências fundamentais para o corredor de Sobrado, que assim experimentou o ambiente da convivência com os melhores homens do pelotão. Desse importante ano fica ainda o triunfo de Rui Vinhas no Prémio da Montanha do Troféu RTP. O sonho de aceder ao profissionalismo ocorreu em 2011, quando Vinhas assinou pela equipa LA-Antarte, equipa dirigida por Mário Rocha e na qual pontificavam corredores consagrados como Hugo Sabido e Hernâni Broco. O ano, no entanto, não correu tão bem como o sobradense queria. “Faltou algum reconhecimento do meu valor no primeiro ano de profissional”, consideraria Rui Vinhas numa entrevista ao Porto Canal, em 2016 (depois de triunfar na
seleção nacional, tendo terminado a “Grandíssima” na 30.ª posição. Já com um lugar cativo na equipa do Louletano, Vinhas desenvolveu uma época de 2013 muito interessante, culminando a evolução com um 15.º lugar na Volta a Portugal, a 12.22 minutos do vencedor, o espanhol Alejandro Marque. Nessa Volta foi o melhor elemento da equipa algarvia e mostrou poder rolar com os melhores nas etapas de montanha, sobretudo na da Senhora da Graça.
Troféu Município de Valongo, 2010 Troféu Joaquim Agostinho, 2011
Volta). No entanto, contribuiu sempre para o equilíbrio do conjunto e ajudou Hernâni Broco, Hugo Sabido e Virgílio Santos a terem destaque na Volta 2011, que Vinhas concluiu na 53.ª posição. Em 2012, Rui Vinhas mudou de ares e transferiu-se para a equipa algarvia do Louletano, equipa onde se manteria por três anos. Foram tempos de consolidação do estilo do ciclista valonguense, como gregário e trabalhador em prol dos chefes de fila. Com pouco tempo de equipa ajudou a formação a ganhar um contrarrelógio coletivo na Volta às Comarcas de Lugo (Galiza, Espanha) de 2012, mas nesse ano cumpriu a Volta a Portugal ao serviço da
Pela primeira vez em quatro anos, Rui Vinhas falhou a presença na Volta a Portugal de 2014 e depois transferiu-se para a W52-Quinta da Lixa, pela mão do conterrâneo de Sobrado e amigo de longa data Nuno Ribeiro, que conhecia como poucos as qualidades do “vizinho”. Na equipa da W52 Rui Vinhas estava como em casa. Além da confiança do diretor desportivo Nuno Ribeiro, reencontrou o amigo Raul Alarcón, com quem já tinha corrido no Louletano. São este tipo de pormenores que fazem com que a equipa, uma máquina perfeita de somar triunfos, seja também uma verdadeira família, situação que se prolongou e até incrementou com a parceria com o FC Porto. A época de 2015 conheceu o primeiro grande triunfo individual de Rui Vinhas. Aconteceu no Grande Prémio do Dão, consumado através de uma vitória na etapa inaugural, que terminou
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Volta a Portugal, 2011
Troféu Joaquim Agostinho, 2012
em Mangualde. Curiosamente, este foi dos poucos sucessos individuais da W52-Quinta da Lixa em 2015, mas os seus corredores lutaram sempre pelos lugares cimeiros nas várias corridas e trabalharam com os olhos postos no principal objetivo do ano, que era ganhar a Volta a Portugal. Rui Vinhas assumiu-se como um dos “guarda-costas” dos chefes de fila Gustavo Veloso e Délio Fernandez e desenvolveu esse trabalho com qualidade. Na Volta
ao Alentejo ajudou Délio a chegar ao segundo lugar final e na Volta a Portugal foi decisivo no contributo para o segundo triunfo consecutivo de Gustavo Veloso, numa prova amplamente dominada pela equipa de Sobrado. As contas finais dessa Volta são esclarecedoras: triunfo de Gustavo Veloso, triunfo coletivo da W52-Quinta da Lixa, quinto lugar de Délio Fernandez, sétimo de António Carvalho e um razoável 23.º do próprio Rui Vinhas.
Volta a Portugal, 2012; Seleção Nacional
Troféu Joaquim Agostinho, 2013
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Volta a Portugal 2013
Volta ao Algarve 2015
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G.P. Beira Baixa 2015
Clássica Loulé 2015
Troféu Joaquim Agostinho 2015
Depois da Volta de 2015, a equipa deslocou-se ao Brasil, para participar na Volta ao Rio e aí o domínio também foi absoluto, através da vitória final de Gustavo Veloso e o triunfo por
equipas, numa corrida em que Vinhas também brilhou, ao concluir a prova na sétima posição.
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Consagração em Lisboa A época velocipédica de 2016 terá de ser relembrada como uma das mais prodigiosas do ciclismo português, pelo facto de ter ficado marcada pelo regresso do FC Porto ao pelotão principal, associado ao já muito sólido projeto da União Ciclista de Sobrado e à empresa W52, de Adriano Sousa, mas também pela forma como a “nova” equipa participou nas corridas. As camisolas do FC Porto passaram a chamar mais gente às bermas das estradas, não só pelo fervor clubístico dos adeptos mas também pela curiosidade de saber se esta equipa era capaz de conquistar o lugar de maior destaque no ciclismo luso, correspondendo às expetativas entretanto criadas por tão mediático retorno portista. A estrutura da equipa, essa, praticamente não mudou desde o projeto da W52-Quinta da Lixa. Nuno Ribeiro manteve a espinha dorsal do grupo e contou com Rui Vinhas para o papel de gregário de luso dos chefes de fila Gustavo Veloso e Raul Alarcón. A experiência adquirida pelo corredor de Sobrado em cinco anos de profissionalismo, desde logo focada Volta a Portugal 2016
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nas boas experiências na Volta a Portugal, era mais um factor de garantia de sucesso do poderoso conjunto. E a verdade é que o ano do regresso portista ao pelotão não podia ter sido mais bem sucedido, pois chegou ao triunfo da Volta a Portugal 32 anos depois do último, obtido por Marco Chagas em 1982. O herói de tal façanha não podia ser outro que não Rui Vinhas, não porque fosse alguém em que todos apostassem, mas porque tinha tudo para celebrar uma vitória do agrado dos amantes do ciclismo: português, a vestir a camisola de um clube grande e com muitos pergaminhos na velocipedia e, sobretudo, com aquela humildade e espírito de sacrifício que também estiveram na mente e nas pernas dos três sobradenses que já tinham o nome na lista de vencedoras da Volta, Fernando Moreira, Joaquim Leão e Nuno Ribeiro. Numa história tão rica como a da Volta a Portugal há sempre lugar para a surpresa e também para a repetição de feitos outrora conseguidos. Ora, a Volta de 2016 foi um excelente exemplo dessa verdade e o diretor desportivo da W52-FC Porto, Nuno Ribeiro, e o conterrâneo Rui Vinhas souberam desenhar Volta a Portugal 2016
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um desses sucessos que merecem lugar nos compêndios do ciclismo de estrada. Como tinha sucedido na edição de 1981 da Volta, quando o diretor desportivo – Emídio Pinto lançou o “outsider” Manuel Zeferino numa longa fuga para vestir a camisola amarela, que o poveiro soube defender até ao último dia, Nuno Ribeiro adaptou o mesmo argumento para colocar Rui Vinhas numa fuga que determinaria a vitória deste na grande corrida portuguesa. Sabendo que o “homem a abater” na W52-FC Porto era Gustavo Veloso, já que o galego tinha vencido as edições de 2014 e 2015 e partia como principal favorito para conseguir o “tri”, Nuno Ribeiro conseguiu colocar um “joker” na equação, o insuspeito gregário Rui Vinhas, que vestiu a camisola amarela à terceira etapa (uma ligação entre Montalegre e Macedo de Cavaleiros), e nunca mais a largou, fundamentalmente porque a equipa se manteve sempre coesa e passou a ter duas opções de triunfo, com o próprio Rui Vinhas e com Gustavo Veloso. Para ganhar a Volta a Portugal de 2016, Rui Vinhas só teve de ser igual a si mesmo e manter a faceta de humildade e de dedicação ao conjunto que sempre mostrou. A humildade é, aliás, a característica que Rui Vinhas mais aprecia, como disse repetidas vezes nas variadíssimas entrevistas que concedeu depois de ter subido ao panteão dos heróis da Volta. Volta a Portugal 2016
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78.ª Volta Portugal (2016) 27.07 a 07.08 1 Prólogo e 10 etapas – 1618,7 km Partida: Oliveira de Azeméis Chegada: Lisboa 140 corredores à partida Terminaram 113
Classificação dos 10 primeiros: 1.º Rui Vinhas (Portugal, W52-FC Porto), 4:57.56 horas (média de 39,513 km/hora) 2.º Gustavo Veloso (Espanha, W52-FC Porto), a 1.31 m 3.º Daniel Silva (Portugal, Rádio Popular-Boavista), a 2.49 m 4.º Raul Alarcón (Espanha, W52-FC Porto), a 3.30 m 5.º Jóni Brandão (Portugal, Efapel), a 3.54 m 6.º Amaro Antunes (Portugal, LA Alumínios-Antarte), a 5.08 m 7.º Henrique Casimiro (Portugal, Efapel), a 6.03 m 8.º Vicente Garcia De Mateos (Louletano-Hospital de Loulé), a 6.30 m 9.º Rui Sousa (Portugal, Rádio Popular-Boavista), a 6.44 m 10.º Ricardo Vilela (Portugal, Caja Rural-Seguros RGA), a 7.31 m.
Classificação por equipas: 1.º W52-FC Porto, 122:54.24 horas 2.º Rádio Popular-Boavista, a 16.46 m 3.º Efapel, a 33.33 m.
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Etapas e vencedores: Prólogo – Oliveira de Azeméis (3,6 km) Rafael Reis (Portugal, W52-FC Porto) 1.ª Ovar-Braga (167,4 km) Daniel Mestre (Portugal, Efapel) 2.ª Viana do Castelo-Fafe (160 km) Francesco Gavazzi (Itália, Androno Giocattoli) 3.ª Montalegre-Macedo de Cavaleiros (158,9 km) William Clarke (Austrália, Drapac) 4.ª Bragança-Mondim de Basto/Alto da Senhora da Graça Gustavo Veloso (Espanha, W52-FC Porto) 5.ª Lamego-Viseu (153,2 km) Vicente Garcia De Mateos (Espanha, Louletano-Hospital de Loulé) 6.ª Belmonte-Guarda (173,7 km) Gustavo Veloso (Espanha, W52-FC Porto) 7.ª Figueira de Castelo Rodrigo-Castelo Branco (182 km) José Gonçalves (Portugal, Caja Rural-Seguros RGA) 8.ª Nazaré-Arruda dos Vinhos (208,5 km) Jesus Ezquerra (Espanha, Sporting-Tavira) 9.ª Alcácer do Sal-Setúbal (187,5 km) Daniel Mestre (Portugal, Efapel) 10.ª Vila Franca de Xira-Lisboa (32 km, contrarrelógio individual) Gustavo Veloso (Espanha, W52-FC Porto).
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Volta a Portugal 2016
Voltando um pouco atrás do maior sucesso da vida de Rui Vinhas, vale a pena recordar o que a época de 2016 tinha trazido à equipa da W52-FC Porto até à Volta a Portugal. Logo na Volta ao Algarve, a mais cotada prova portuguesa em termos de enquadramento na União Ciclista Internacional – uma corrida que atraía e atrai as grandes equipas do pelotão mundial -, disputada em fevereiro, Rui Vinhas conseguiu ser o melhor elemento da equipa portista, com um 31.º lugar final. A W52-FC Porto foi desenvolvendo uma época discreta e passou o mês de abril a competir em provas em Espanha, com alguns resultados inte-
ressantes, como o terceiro lugar de Samuel caldeira na Volta a Rioja, o sétimo de Rafael Reis na Volta a Castela e Leão e o oitavo de António Carvalho na Volta às Astúrias. Nestas duas últimas provas, a equipa dirigida por Nuno Ribeiro obteve o terceiro lugar coletivo e os principais corredores do conjunto aproveitaram para obterem a rodagem necessária para chegarem em forma à Volta a Portugal. Já em data próxima da Volta chegou o Troféu Joaquim Agostinho e aí surgiram as primeiras vitórias da W52, com triunfos em duas etapas de Gustavo Veloso, o primeiro lugar por equipas
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Volta ao Algarve 2016
e o terceiro posto final de Raul Alarcón. Nesta prova, no entanto, Rui Vinhas ficou de fora, como se já estivesse totalmente preparado para a Volta a Portugal. Estava preparado... e de que maneira! De tal forma que, mesmo com a camisola amarela logo na posse da equipa desde o início – através de Rafel Reis, que venceu o Prólogo em Oliveira de Azeméis -, o sobradense começou a corrida ao ataque, juntamente com Joaquim Silva, obedecendo à tática delineada por Nuno Ribeiro, que pretendia desde logo desgastar os adversários diretos. Nessa primeira etapa, que ligou Ovar a Braga, Vinhas perdeu sete
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GP Beiras e Serra da Estrela 2016
Volta à Bairrada 2017
segundos e a W52-FC Porto viu a camisola amarela fugir para o corpo de Daniel Mestre (Efapel), mas a estratégia de Nuno Ribeiro não mexeu nada, pois repetiu a dose no dia seguinte, na viagem entre Viana do Castelo e Fafe, na qual o herói da Volta foi de novo um “mouro de trabalho”. A grande surpresa estava reservada para a terceira etapa, um complicado e sinuoso percurso entre Montalegre e Macedo de Cavaleiros, na distância de 158,9 quilómetros. Aí, a W52-FC Porto assumiu uma postura totalmente atacante, até porque a camisola amarela estava na Efapel. O vencedor das Volta ao Algarve 2017
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Na Volta a Portugal 2017
duas Voltas anteriores, e chefe de fila da equipa portista, Gustavo Veloso, assumiu os primeiros ataques e ganhou segundos de bonificação numa meta volante, em Boticas. A Efapel conseguiu recolocar a ordem no pelotão, mas depois a corrida deu uma reviravolta, com dois homens a isolarem-se – o canadiano William Clarke (Drapac) e o italiano Marco Frapporti (Androni) – enquanto, numa posição intermédia se formou um grupo de seis corredores, no qual se integrou Rui Vinhas.
O adormecimento do pelotão permitiu aos grupos da frente ganharem uma vantagem muito folgada (11 e nove minutos, respetivamente, na contagem máxima, a 50 quilómetros da chegada), o que obrigou de novo as equipas rivais da W52-FC Porto, principalmente a Efapel, a LA-Antarte e a Radio Popular-Boavista, a trabalharem para reduzir a diferença. Tal esforço não chegou para impedir que os dois da frente discutissem a vitória entre si (ganhou Clarke), enquanto o sexteto
Ao lado: 1 - Junto ao monumento Ribeiro da Silva 2009. 2 - Podio Trofeu RTP Pombal 2009. 3 e 4 - Apresentação Aluvia em fevereiro de 2010. 5 - Apoio popular na Volta a Portugal 2013. 6 - Apresentação W52 Quinta da Lixa 2015. 7 - Volta 2017, com o pai. 8 - Volta 2017, com o filho.
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140
Campeonato Nacional 2017
chegava com 54 segundos de atraso. A Rui Vinhas bastou o oitavo lugar na etapa para vestir a camisola amarela, já que o pelotão tardou mais quase quatro minutos.
mas todos os discursos na equipa da W52-FC Porto eram de cautela, até porque no dia seguinte havia a sempre complicada subida ao Alto da Senhora da Graça.
Terminada a surpreendente tirada e, feitas as contas, Rui Vinhas vestia uma camisola amarela que, à partida, lhe dava segurança,
Vinhas, esse, manteve a calma, a humildade e o sentido de responsabilidade dentro da equipa. “Penso que esta liderança não vai
Ao lado: Com Gustavo Veloso, na Volta de 2015. Estágio na Serra da Estrela, 2020. Rui Vinhas com o irmão.
141
Campeonato Nacional 2017
mudar nada. Vamos usar a mesma tática que está delineada desde o início. O líder da equipa é o Gustavo Veloso. Eu vou estar ali para tentar ajudar ao máximo, porque ele é o ciclista com maior possibilidade de nos dar a ganhar a Volta a Portugal. Farei tudo o que me disserem, vou respeitar as ordens do diretor desportivo”, explicava, aos microfones da RTP, depois da subida ao pódio de Macedo de Cavaleiros. Já Nuno Ribeiro, o diretor desportivo, redobrava as cautelas, num discurso tranquilo: “A nossa equipa tem o objetivo que é tentar ganhar a Volta a Portugal e temos um líder, Gustavo Veloso, que desde o início está assumido como líder e vai continuar a ser. Neste momento, o Vinhas aproveitou bem a oportunidade e conseguiu alcançar um objetivo que é histórico para quem é ciclista. Está de parabéns. Está com a camisola amarela e tem uma vantagem significativa. Logicamente, vamos tentar mantê-lo com a cami-
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sola amarela o máximo de tempo possível. O Gustavo é bom profissional, continua a ser o líder da nossa equipa e não vamos abdicar disso, mas temos a camisola amarela e não vamos ‘queimar’ o Rui Vinhas enquanto líder da corrida, mas vamos tudo fazer para conseguir o nosso objetivo que é ganhar a Volta a Portugal.” Também em sintonia com as opções da equipa estava o favorito e chefe-de-fila Gustavo Veloso. “É bom para a equipa. Temos uma camisola amarela sólida, num bom trepador e agora penso que são os outros que têm de estar mais preocupados do que nós. Eu continuo aí para guardar as costas do Rui. É igual quem ganhe a Volta, o importante é que fique na equipa. É simplesmente mais uma opção da equipa para ganhar a Volta. Entre nós não vai haver problema. O Rui leva o ano a sacrificar-se pelos colegas de equipa e no ano anterior sacrificou-se por mim na Volta. Quando acontecem situações assim há
Clasica da Arrabida 2017 com o irmão, mecânico na W52-FC Porto
que devolver esses sacrifícios também”, reconhecia o vencedor das Voltas de 2014 e 2015. Foi então com uma camisola amarela sólida no corpo de Rui Vinhas que o pelotão arrancou para a quarta etapa em linha da Volta 2016, uma ligação entre Bragança e Mondim de Basto (191,9 km), com a sempre difícil subida final para o Alto da Senhora da Graça. Estávamos no último dia de Julho e a W52-FC Porto voltou a dominar a jornada, desta vez com o triunfo na etapa de Gustavo Veloso. O mais surpreendente, no entanto, foi a forma como Rui Vinhas defendeu a liderança da corrida: o corredor de Sobrado terminou na quinta posição, a apenas 35 segundos do companheiro de equipa, o que o fez segurar a camisola amarela com autoridade. Até ao decisivo contrarrelógio final (Vila Franca de Xira-Lisboa), os portistas controlaram a corrida e Veloso apenas ganhou mais alguns segundos a Vinhas nas bonificações.
Para a concretização do sonho do ciclista valonguense ficavam a faltar os 32 quilómetros do exercício individual, nos quais tinha de “defender” uma vantagem de 2.25 minutos a Gustavo Veloso. Para muitos, dada a qualidade do ciclista galego no “crono”, a somar às poucas referências de Rui Vinhas na matéria, era bem possível o volte-face final, mas tal não sucedeu. Gustavo Veloso, de facto, ganhou o contrarrelógio, mas só conseguiu roubar 54 segundos a Rui Vinhas – o quarto mais rápido na etapa -, acabando por ficar longe da camisola amarela. Consumou-se assim uma brilhantíssima vitória de Rui Vinhas na Volta de 2016, algo que, mesmo assim, não o fez perder a humildade o papel na equipa. “Fico, obviamente, muito feliz por ter triunfado, mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de estar triste pelo Gustavo Veloso”, referia, nas entrevistas da consagração, em pleno Terreiro do Paço, em Lisboa.
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Campeonato Nacional 2018 Melgaco
A verdade é que Rui Vinhas chegou a esse contrarrelógio mais do que com a noção do dever cumprido e com a consciência tranquila, dentro do que lhe havia sido pedido na equipa. Estava tão tranquilo nesse dia final da Volta (7 de agosto), que chegou a dormir um pouco umas horas antes das pedaladas finais... E só ganhou a noção de que iria mesmo ganhar a nossa maior prova de ciclismo a 15 quilómetros do final do contrarrelógio. As alegrias de Rui Vinhas em 2016 não terminaram nessa vitória histórica. Pouco tempo depois de terminada a Volta, foi pai de um menino e prolongou esse ano “vintage” com
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os elogios recebidos e as condecorações atribuídas, entre as quais se destacam o Dragão de Ouro de atleta do ano no FC Porto e a Medalha de valor Desportivo do Município de Valongo. O sucesso na Volta a Portugal de 2016 não mudou o perfil de ciclista de Rui Vinhas, pois o homem de Sobrado continuou com o mesmo papel de gregário nos anos seguintes, ao serviço da W52-FC Porto. O ano de 2017, no entanto, quase representava a concretização de outro dos sonhos do ciclista, que é tornar-se campeão nacional
Rui Vinhas após a violenta queda sofrida na Volta a Portugal de 2018
de Estrada. Foi por muito pouco, numa prova realizada em Gondomar, onde Vinhas foi segundo classificado, atrás de Ruben Guerreiro, um ciclista de qualidade, da Trek, uma equipa do World Tour. Antes do Nacional de Estrada, Rui Vinhas tinha dado muito boa conta de si numa competitiva prova no País Basco, a Clássica de Amorebieta, com um excelente terceiro lugar.
Nesta Volta, porém, foi apenas e só o principal aguadeiro de serviço da equipa da W52-FC Porto, sacrificando-se em prol dos líderes, Raul Alarcón, Amaro Antunes e Gustavo Veloso. No final, apesar de um lugar modesto (45.º), o valonguense ajudou muito ao triunfo individual do amigo Raul Alarcón – uma amizade que vinha do tempo em que ambos defenderam a camisola do Louletano – e, pela terceira vez consecutiva, à vitória da equipa W52.
Rui Vinhas teve a honra de ostentar o dorsal número 1 na Volta a Portugal de 2017, e foi o último a partir no Prólogo de Lisboa, a cidade onde tinha sido consagrado no ano anterior.
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Espírito de sacrifício ímpar No ciclismo, para alguém ser reconhecido não precisa de ganhar. Se em 2016, Rui Vinhas conheceu a glória suprema, ao ganhar de forma surpreendente a Volta a Portugal, em 2018, na mesma prova, viu uma atitude de total sacrifício ser aplaudida por todos. Decorria a quinta etapa da corrida, no dia 6 de agosto, uma ligação entre o Sabugal e Viseu (191,7 km), quando Rui Vinhas sofreu uma queda muito feia, após ter embatido num carro de apoio da equipa israelita Israel Cycling Academy. O ciclista sobradense chegou a perder os sentidos e ficou muito maltratado
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e, após ser observado pelo médico da Volta, foi aconselhado a retirar-se da corrida. Na altura, faltavam ainda cerca de 120 quilómetros para o final da etapa e Rui Vinhas sabia que tinha uma missão, que era defender a camisola amarela do companheiro de equipa e amigo Raul Alarcón. Decidiu então continuar na prova, resistindo às dores e a todas as circunstâncias que um acidente daquela natureza trazia. Tudo, claro, com a concordância do diretor desportivo, Nuno Ribeiro, que assumiu a responsabilidade da atitude heróica do conterrâneo. Foram imagens muito fortes que muitos puderam ver em direto através da trans-
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A equipa ficou para trás a apoiar Rui Vinhas
missão da RTP: Rui Vinhas ensanguentado, com a camisola rasgada, a pedalar em busca de um final de viagem que ainda demoraria pelo menos três horas. Primeiro, a equipa ficou para trás – Alarcón incluído – para saber do estado do homem de todos os sacrifícios e depois, dado o andamento mais forte do pelotão, Rui Vinhas foi ficando para trás, mas nunca desistiu e conseguiu terminar a etapa, na 114.ª posição, a 9.17 minutos do vencedor.
148
“O médico da corrida disse-me que eu era maluco por eu querer continuar depois daquela queda. Lembro-me de ele me ter falado do Joaquim Agostinho e da queda que ele sofreu numa Volta ao Algarve, que viria a provocar-lhe a morte, mas nada disso me fez mudar de ideias”, contou mais Rui Vinhas, numa entrevista ao jornal Expresso. “Sei que fiz aqueles cento e vinte e tal quilómetros a chorar, cheio de dores, mas tinha de acabar
Rui Vinhas acaba por concluir a etapa.
a etapa e a Volta. Sabia que conseguia e para isso pensei muito no meu filho”, revelou também o corredor, tido como o “coequipier” modelo, ou seja, o colega de equipa que todos querem ter. Terminada a etapa em Viseu, Rui Vinhas foi de imediato conduzido ao hospital, para efetuar exames, e ali soube que, desde que aguentasse as dores, era possível terminar a corrida. Por
sorte para o sobradense, o dia seguinte era de descanso, mas isso também ajudava a reforçar a ideia que o abandono poderia ser inevitável. Rui Vinhas recebeu, então, o melhor apoio que um profissional de qualquer desporto pode ter, o do presidente do clube que representa. Estava a equipa da W52-FC Porto a tomar o pequeno-almoço, numa unidade hoteleira de Viseu, quando surgiu entre os corredores Jorge Nuno Pinto da Costa, o presente do FC Porto.
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Vitoria em etapa do Trofeu Joaquim Agostinho 2019
Podio Trofeu Joaquim Agostinho 2019
O líder dos dragões dirigiu-se de imediato a Rui Vinhas e elogiou-o, referindo-se ao herói de Sobrado como um exemplo a seguir.
Depois desse treino matinal, almoçou, descansou, voltou ao hospital para efetuar mais exames e regressou ao hotel. No dia seguinte, lá estava em Sernancelhe, na partida da sexta etapa, e o facto é que continuou a ser essencial na defesa dos interesses da W52-FC Porto, que voltou a levar ao triunfo Raul Alarcón, também abrilhantado pela inevitável vitória coletiva.
Nessa manhã do dia descanso da Volta decorria em Viseu a chamada “Etapa da Volta”, um evento para cicloturistas enquadrado na grande corrida. Para surpresa de todos, Rui Vinhas surgiu na zona da chegada, de bicicleta, depois de ter ido treinar. Com ligaduras em ambas as pernas e ambos os braços e uma costura num sobrolho, o corredor fez questão de mostrar que estava bem vivo e era capaz de cumprir os 640 quilómetros e as cinco etapas que faltavam para o final da prova.
150
E a Volta não terminaria para Rui Vinhas sem receber outro gesto de enorme gratidão do presidente do FC Porto. No contrarrelógio final, em Fafe, Pinto da Costa fez questão de acompanhar a prova de corredor de Sobrado, no
Rui Pedro Carvalho Vinhas Nascimento: 06 de dezembro de 1986 Equipas representadas: Casactiva-Quinta das Arcas-UCS (2005) Casactiva-Quinta das Arcas-Madeilongo (2006 e 2007) Casactiva-Quinta das Arcas-Aluvia (2008) Aluvia-Valongo (2009 a 2011) LA-Antarte (2011) Louletano-Dunas Douradas (2012 a 2014) W52-Quinta da Lixa (2015) W52-FC Porto (2016 a 2020)
Principais resultados: 2009
2011
- 4.º nas 35 Voltas ao Aterro d’El Rei
- 53.º na Volta a Portugal
- Rei da montanha no Troféu RTP 2012 2010
- 1.º em uma etapa (contrarrelógio por equipas)
- 7.º na Volta a Albufeira
da Volta às Comarcas de Lugo (Espanha)
- 9.º no Campeonato Nacional de Estrada
- 30.º na Volta a Portugal
- 3.º em uma etapa da Volta à Madeira - 28.º na Volta a Portugal
151
2013
2017
- 15.º na Volta a Portugal
- 3.º na Klasika de Amorebieta (Espanha) - 3.º no Grande Prémio Jornal de Notícias
2014
- 2.º em uma etapa do G.P. Jornal de Notícias
- 9.º na Taça de Portugal de Elites/Sub-23
- 2.º no Campeonato Nacional de Estrada - 45.º na Volta a Portugal
2015 - 7.º na Volta ao Rio de Janeiro (Brasil)
2018
- 1.º no Grande Prémio do Dão
- 85.º na Volta a Portugal
- 1.º em uma etapa do Grande Prémio do Dão - 23.º na Volta a Portugal
2019 - 1.º em uma etapa do Grande Prémio de Torres
2016
Vedras/Troféu Joaquim Agostinho
- 1.º na Volta a Portugal
- 11.º na Volta a Burgos (Espanha)
- 4.º em uma etapa da Volta a Portugal
- 6.º no Tour du Limousin (França)
- 5.º em duas etapas da Volta a Portugal - 1.º no Circuito Ribeiro da Silva
2020 - 10.º no Campeonato Nacional de Estrada - 45.º na Volta a Portugal (edição especial)
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Bicicleta e camisola amarela da Volta de 2016
Detalhe decorativo da bicicleta, com o “rato atómico”
carro de apoio que o seguia. Vinhas concluiu a Volta 2018 num lugar modesto (85.º), mas ganhou o respeito e a admiração de todos. Foi a oitava vez em oito presenças, que Rui Vinhas logrou concluir a Volta.
época em bom plano. Por cá, “picou o ponto” com uma excelente vitória na 3.ª etapa do Grande Prémio de Torres Vedras/Troféu Joaquim Agostinho, que ligou Atouguia da Baleia a Torres Vedras.
Apesar de não ter alinhado na Volta a Portugal de 2019, Rui Vinhas desenvolveu um ano proveitoso, principalmente em corridas internacionais, assumindo-se como uma das figuras na equipa da W52-FC Porto no pelotão Continental, categoria que fez a equipa dirigida por Nuno Ribeiro participar em várias provas além-fronteiras.
Já em 2020, num ano marcado pela pandemia do novo coronavírus, que condicionou as competições velocipédicas, Vinhas foi 10.º no Nacional de Estrada, em Paredes, e voltou à equipa da W52-FC Porto na edição especial da Volta a Portugal, contribuindo, como sempre, para um triunfo de um colega de equipa - Amaro Antunes - e para mais uma vitória coletiva da W52-FC Porto.
Assim, Vinhas conseguiu classificações honrosas na Volta a Burgos (11.º) e no Tour du Limousin (6.º), o que lhe permitiu terminar a
153
Treino em 2020, à saída de casa, e na Prova de Abertura
154
As comemorações em Sobrado
155
156
157
158
Volta a Portugal em Bicicleta 1927-2020 — os Vencedores
159
160
Vencedores da Volta a Portugal e classificações dos corredores de Valongo 1927
António Augusto Carvalho (Carcavelos)
1931
José Maria Nicolau (Benfica)
1932
Alfredo Trindade (Rio de Janeiro)
1933
Alfredo Trindade (Rio de Janeiro)
1934
José Maria Nicolau (Benfica)
1935
César Luís (Leões Alentejanos)
1938
José Albuquerque (Campo de Ourique)
1939
Joaquim Fernandes (CUF)
1940
José Albuquerque (Sporting)
1941
Francisco Inácio (Aporting)
1946
José Martins (Iluminante) 2.º Fernando Moreira (FC Porto)
1947
José Martins (Benfica) 7.º Fernando Moreira (FC Porto)
1948
Fernando Moreira (FC Porto)
1949
Dias dos Santos (FC Porto) 5.º Fernando Moreira (FC Porto)
1950
Dias dos Santos (FC Porto)
1951
Alves Barbosa (Sangalhos)
1952
Fernando Moreira de Sá (FC Porto)
161
1955
Ribeiro da Silva (Académico)
1956
Alves Barbosa (Sangalhos)
1957
Ribeiro da Silva (Académico)
1958
Alves Barbosa (Sangalhos)
1959
Carlos Carvalho (FC Porto)
1960
Sousa Cardoso (FC Porto)
1961
Mário Silva (FC Porto)
1962
José Pacheco (FC Porto)
1963
João Roque (Sporting) 14.º Joaquim Leão (FC Porto)
1964
Joaquim Leão (FC Porto)
1965
Peixoto Alves (Benfica) 6.º Joaquim Leão (FC Porto)
1966
Francisco Valada (Benfica)
1967
Antoine Houbrechts (Flandria) 7.º Joaquim Leão (FC Porto)
1968
Américo Silva (Benfica) 5.º Joaquim Leão (FC Porto)
1969
Joaquim Andrade (Sangalhos) 7.º Joaquim Leão (FC Porto)
1970
Joaquim Agostinho (Sporting) 6.º Joaquim Leão (FC Porto)
162
1971
Joaquim Agostinho (Sporting) xx.º Joaquim Leão (FC Porto)
1972
Joaquim Agostinho (Sporting)
1973
Jesus Manzaneque (Caves Messias)
1974
Fernando Mendes (Benfica)
1976
Firmino Bernardino (Benfica)
1977
Adelino Teixeira (Lousa)
1978
Belmiro Silva (Coimbrões)
1979
Joaquim Sousa Santos (FC Porto)
1980
Francisco Miranda (Lousa)
1981
Manuel Zeferino (FC Porto)
1982
Marco Chagas (FC Porto)
1983
Marco Chagas (Mako Jeans)
1984
Venceslau Fernandes (Ajacto)
1985
Marco Chagas (Sporting)
1986
Marco Chagas (Sporting)
1987
Manuel Cunha (Sicasal)
1988
Cayn Theakston (Louletano)
1989
Joaquim Gomes (Sicasal)
1990
Fernando Carvalho (Ruquita)
1991
Jorge Silva (Sicasal)
1992
Cássio Freitas (Boavista)
163
1993
Joaquim Gomes (Boavista)
1994
Orlando Rodrigues (Artiach)
1995
Orlando Rodrigues (Artiach)
1996
Massimiliano Lelli (Saeco)
1997
Zenon Jaskula (Mapei)
1998
Marco Serpellini (Brescialat)
1999
David Plaza (Benfica)
2000
Vítor Gamito (porta da Ravessa) 26.º Nuno Ribeiro (Barbot-Torrié)
2001
Fabian Jeker (Maia) 12.º Nuno Ribeiro (Barbot-Torrié)
2002
Claus Moller (Maia) 9.º Nuno Ribeiro (Barbot-Torrié)
2003
Nuno Ribeiro (LA-Pecol)
2004
David Bernabeu (Maia) 3.º Nuno Ribeiro (LA-Pecol)
2005
Vladimir Efimkin (Barloworld)
2006
David Blanco (Comunidad Valenciana) 15.º Nuno Ribeiro (Liberty)
2007
Xavier Tondo (Maia) 15.º Nuno Ribeiro (Liberty)
2008
David Blanco (Tavira) 31.º Nuno Ribeiro (Liberty)
164
2009
David Blanco (Tavira)
2010
David Blanco (Palmeiras) 28.º Rui Vinhas (Seleção Nacional Sub-23)
2011
Ricardo Mestre (Prio-Tavira) 53.º Rui Vinhas (Antarte)
2012
David Blanco (Efapel) 8.º Nuno Ribeiro (Efapel) 30.º Rui Vinhas (Antarte)
2013
Alejandro Marque (OFM-Quinta da Lixa) 9.º Nuno Ribeiro (Efapel) 15.º Rui Vinhas (Louletano)
2014
Gustavo Veloso (OFM-Quinta da Lixa) 11.º Nuno Ribeiro (OFM-Quinta da Lixa)
2015
Gustavo Veloso (W52-Quinta da Lixa) 23.º Rui Vinhas (W52-Quinta da Lixa)
2016
Rui Vinhas (W52-FC Porto)
2017
Raul Alarcón (W52-FC Porto) 45.º Rui Vinhas (W52-FC Porto)
2018
Raul Alarcón (W52-FC Porto) 85.º Rui Vinhas (W52-FC Porto)
2019
João Rodrigues (W52-FC Porto)
2020
Amaro Antunes (W52-FC Porto) 45.º Rui Vinhas (W52-FC Porto)
165
166
Volta a Portugal Vencedores por equipas 1927
Carcavelos
1931
SL Benfica
1932
SL Benfica
1933
Sporting CP
1934
SL Benfica
1935
Campo de Ourique
1938
CUF
1939
SL Benfica
1940
Sporting CP
1941
Sporting CP
1946
Iluminante
1947
SL Benfica
1948
FC Porto (com Fernando Moreira, vencedor individual)
1949
FC Porto (com Fernando Moreira)
1950
FC Porto
1951
Sangalhos
167
1952
FC Porto
1955
FC Porto
1956
Académico
1957
Académico
1958
FC Porto
1959
FC Porto
1960
Licor 43
1961
Sporting CP
1962
Sporting CP
1963
SL Benfica
1964
FC Porto (com Joaquim Leão, vencedor individual)
1965
Flandria
1966
SL Benfica
1967
Sporting CP
1968
Sporting CP
1969
FC Porto (com Joaquim Leão)
168
1970
Sporting CP
1971
Sporting CP
1972
Sporting CP
1973
Sporting CP
1974
SL Benfica
1976
Sangalhos
1977
Águias de Alpiarça
1978
Lousa
1979
FC Porto
1980
FC Porto
1981
FC Porto
1982
Bombarralense
1983
Rodovil
1984
Sporting CP
1985
Sporting CP
1986
Lousa
1987
Sicasal
1988
Louletano
1989
Boavista FC
1990
Sicasal
1991
Sicasal
1992
Sicasal
169
1993
Artiach
1994
Artiach
1995
Sicasal
1996
UC Maia
1997
Boavista FC
1998
Festina
1999
SL Benfica
2000
Porta da Ravessa
2001
Porta da Ravessa
2002
UC Maia
2003
UC Maia
2004
UC Maia
2005
Comunidad Valenciana
2006
LA Alumínios (com Nuno Ribeiro)
2007
LA-Liberty Seguros (com Nuno Ribeiro)
2008
Liberty Seguros (com Nuno Ribeiro)
2009
170
Palmeiras-Prio-Tavira
2010
Barbot-Siper
2011
Prio-Tavira
2012
Efapel-Glassdrive (com Nuno Ribeiro)
2013
Efapel-Glassdireve (com Nuno Ribeiro)
2014
OFM-Quinta da Lixa (com Nuno Ribeiro)
2015
W52-Quinta da Lixa (Nuno Ribeiro diretor desportivo e Rui Vinhas na equipa)
2016
W52-FC Porto (Nuno Ribeiro diretor desportivo e Rui Vinhas na equipa – vencedor individual)
2017
W52-FC Porto (Nuno Ribeiro diretor desportivo e Rui Vinhas na equipa)
2018
W52-FC Porto (Nuno Ribeiro diretor desportivo e Rui Vinhas na equipa)
2019
W52-FC Porto (Nuno Ribeiro diretor desportivo)
2020
W52-FC Porto (Nuno Ribeiro diretor desportivo e Rui Vinhas na equipa)
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Agradecimentos
Nascida de um dos grandes projetos do Município de Valongo para valorizar as tradições e o valor histórico deste concelho e das suas gentes, esta obra deve muito a uma série de intervenientes, que contribuíram muito para a levar a bom porto e aos quais o autor faz questão de agradecer.
Agradeço à vereação do Desporto da Câmara Municipal de Valongo, por ter trabalhado em consonância com os interesses deste projeto. Neste particular, destaco o técnico Mário Martins, grande amante do ciclismo e sempre inexcedível para assegurar a “pedalada” necessária para chegarmos à meta.
Antes de mais, agradeço ao presidente da Câmara Municipal de Valongo, José Manuel Ribeiro, por abraçar este projeto como um dos pilares da estratégia de dar a conhecer ao mundo as marcas identitárias do Município. A história do ciclismo e da Volta a Portugal passa muito por Valongo e por Sobrado e é um orgulho poder escrever algo sobre esse passado e presente indeléveis.
Agradeço à família de Joaquim Leão, nas pessoas da viúva, dona Maria José, e do filho e amigo, Carlos Alberto Leão, que nos receberam várias vezes na “Meta do Leão” e partilharam memórias e documentação do grande campeão sobradense e vencedor da Volta a Portugal de 1964.
Agradeço à coordenadora deste projeto, Manuela Ribeiro, todo o apoio prestado, principalmente ao nível da definição de um caminho coerente da obra, para a inserir nas ambições culturais e desportivas do concelho. Agradeço-lhe também a magnífica visão editorial que sempre prestou para a execução do livro.
Agradeço ao Nuno Ribeiro, um dos heróis desta obra, pela disponibilidade demonstrada e no contributo na recolha de dados documentais e biográficos. Agradeço-lhe também a inspiração para continuar a somar vitórias na Volta a Portugal, como diretor desportivo da W52-FC Porto. Agradeço ao Rui Vinhas, outro dos grandes heróis da obra, o enorme apoio prestado e a
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demonstração de perseverança que é necessária para ser um ciclista profissional bem sucedido. A ele cabe o futuro de manter Sobrado nas estradas do sucesso. Agradeço ao presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo, Delmino Pereira, a colaboração na obra e o entendimento que tem da importância histórica de Valongo e Sobrado no ciclismo, sabendo-o enquadrar na necessidade da existência de projetos como este para
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dar força a uma das modalidades mais populares do nosso país. Agradeço ao fotógrafo João Fonseca a disponibilização do impressionante acervo relacionado com as últimas duas décadas do ciclismo, que têm como protagonistas principais Nuno Ribeiro e Rui Vinhas. A qualidade dessas imagens valoriza muitíssimo esta obra.
Índice
pág.
5
O sonho é o início de qualquer conquista! José Manuel Ribeiro – Presidente da Câmara Municipal de Valongo
11
A história do ciclismo passa por Sobrado Delmino Pereira – Presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo
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FC Porto conta com a capacidade de superação dos sobradenses Jorge Nuno Pinto da Costa – Presidente do FC Porto
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Introdução
29
Fernando Moreira
59
Joaquim Leão
85
Nuno Ribeiro
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Rui Vinhas
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As comemorações em Sobrado
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Volta a Portugal em Bicicleta 1927-2020, os Vencedores
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Agradecimentos
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SOBRADO, o Ciclismo e os Prodígios