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Nove anos de luta contra a LTI

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Notícias Curtas

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O saldo de quase uma década

São duradouros os frutos da luta contra a LTI, que há quase nove anos, foi notificada nos plantéis de postura de Bastos, SP. Passado cerca de uma década, é possível afirmar que a iniciativa que controlou o surto criou novos paradigmas na avicultura brasileira

Era dezembro de 2002, quando o Sindicato Rural de Bastos, SP, notificou para a Associação Paulista de Avicultura (APA) a ocorrência da Laringotraqueíte Infecciosa (LTI) em seus plantéis de postura comercial. Os produtores estavam preocupados porque as aves apresentavam queda na produção de ovos, não respondiam a tratamento à base de antibióticos e aos meios convencionais de vacinação. E o pior: estavam morrendo.

A LTI é uma doença respiratória altamente contagiosa, que acomete as galinhas e outras aves e, antigamente, era conhecida como “difteria aviária”. Causada por um herpesvírus, a manifestação clínica da doença varia desde uma infecção grave a formas menos severas. Na fase aguda, os sintomas frequentes são dificuldade respiratória, descarga nasal, expectoração de secreção com sangue e tosse. Em casos mais drásticos, as aves morrem em 2 ou 3 dias.

Para uma região que registra a maior concentração avícola do País, o quadro era alarmante. São 20 milhões poedeiras alojadas, responsáveis por cerca de 45% da produção de ovos do Estado de São Paulo e cerca de 15% da produção nacional. A avicultura de postura é a principal fonte da economia bastense. “Ficamos preocupados com o impacto da comercialização de ovos da região. A avicultura de postura comercial não consegue conviver com empecilhos na comercialização. Qualquer doença é um terror para os produtores”, conta o médico veterinário, Fernando Gomes Buchala. Um dos expoentes para aplicação das medidas de controle sanitárias de profilaxia da LTI, Buchala é representante do Centro de Defesa e Sanidade Animal da Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA). Segundo suas recordações, foi em 27 de dezembro de 2002 que começaram os esforços na contenção da doença. Uma operação que envolvia vários desafios.

A comunidade científica brasileira não sabia ao certo como controlar a LTI. Apesar de ter sido isolada pela primeira vez em território brasileiro em 1974, era considerada exótica até o momento. Não existiam recursos laboratoriais, não existia diagnóstico e a CDA não tinha as ferramentas certas para lidar com o problema “Depois de muitos esforços, conseguimos 74 granjas amostradas, gerando 1.904 amostras colhidas e dados de 60% de prevalência de reação sorológicas positivas para granjas daquela região, por meio de testes ELISA, que foram importados. Nossos técnicos colhiam o material e mandavam para o LANAGRO de Campinas, SP. Só fomos conseguir isolar o vírus em 05 de abril de 2003. Esse gap [intervalo] existente entre a notificação e o primeiro resultado laboratorial se deu ao fato de que esse vírus era novo e não sabíamos como lidar com ele”, conta Buchala.

Foi assim que o CDA constatou que a infecção estava amplamente disseminada. Para detê-la, todo o processo produtivo foi analisado: desde os fornecedores de ração até a logística. E a conclusão que se chegou era que toda a área tinha que ser isolada. Foi, então, criado o Bolsão de Bastos, terminologia aplicada pela primeira vez em território nacional. Uma série de medidas foi apresentada na SAA de 30 de setembro de 2003, uma resolução que continha todas as medidas de profilaxia. Entre elas, foi proibida a muda forçada e a saída de aves de dentro do Bolsão. Vale lembrar que até 2003, qualquer poedeira podia

ser abatida em qualquer lugar do Brasil sem que houvesse legislação que proibisse o trânsito de aves de descarte. Essas eram 100% comercializadas no Nordeste como aves vivas e vendidas a R$1,50 cada. No momento em que a circulação foi impedida, a única opção dos avicultores do Bolsão era vender no abatedouro de Rancharia, SP, pelo preço de R$0,35. Dessa forma, os prejuízos começaram a aparecer explicitamente para os produtores dos 16 municípios da região.

Para controlar a situação, a CDA propôs e conseguiu junto ao Mapa a importação da vacina contra a LTI para uso exclusivo em Bastos. Era uma ação de altíssimo risco. A vacina continha vírus vivo, o que, segundo a literatura, aumentavam as chances de ocorrer uma reversão de patogenicidade. Se isso acontecesse, os plantéis iriam apresentar casos de LTI causados pelos vírus da vacina introduzidos, e não mais daqueles isolados no campo.

Buchala na Festa do Ovo de Bastos: palestra do profissional sempre atrai grande público

Para melhorar a situação, a CDA propôs e conseguiu junto ao Mapa a importação da vacina contra a LTI para uso exclusivo em Bastos. Era uma ação de altíssimo risco

O programa de vacinação começou no dia 02 de fevereiro de 2004. Em um único mês, 800 funcionários foram mobilizados e treinados para vacinar, via ocular, 16 milhões de aves. Depois, todas as poedeiras de reposição entraram no programa pré-exposição. Em 4 a 16 semanas depois, as aves eram vacinadas novamente.

Após a utilização, os frascos tinham que ser desinfetados e devolvidos no posto de vacinação, dentro do Sindicato Rural de Bastos, e controlado pela unidade de defesa sanitária implantada no local. Todo o processo de vacinação das 182 granjas foi acompanhado por técnicos.

Em 2004, foi implementado um software para fazer a gestão do processo, com controles das primeiras e demais doses. Também nesse mesmo ano, em maio, o último caso clínico foi registrado no bolsão. Em novembro de 2005, a região de Bastos foi declarada oficialmente como controlada com vacinação. Uma grande vitória em cima de uma doença, onde a taxa de mortalidade prevalente é de 10% a 40% do plantel.

Novos casos e uma legislação adequada

Em 2009, foi a vez da cidade de Guatapará, SP, vivenciar um surto de LTI. Distante 320 km de Bastos, a região abriga 23 granjas de corte, postura e de reprodução. Essa variedade de produções agrava o quadro do ponto de vista epidemiológico. Teoricamente, os prejuízos seriam maiores. Com sorte, a CDA já tinha o know how de como lidar com a doença. Foram adotadas medidas semelhantes das de Bastos, mas dessa vez, o setor podia contar com toda uma gama de tecnologias a seu dispor. Com novas ferramentas de controle, a CDA conseguiu antecipar a ocorrência de um grande foco de sinais clínicos e detectar a doença an

tes que o convívio ficasse incompatível com a produtividade dos plantéis. Naquele mesmo ano, tinha sido proibido o uso de vacina produzida em células de embrião, mais eficazes, porém, mais arriscadas porque aumentava a possibilidade de ocorrer reversão patogênica. Os estoques foram zerados em 2009 e a partir daquele momento as vacinas utilizadas continham o vírus vivo atenuado. Agora, Bastos e Guatapará armam-se contra a LTI com uma nova opção: as vacinas recombinantes, desenvolvidas a partir de engenharia genética, que não possuem o

Bastos foi um experimento a céu aberto que serviu de modelo e referência para procedimentos futuros

vírus vivo e que usa como vetor outro vírus. Em suma, não causam prejuízos para a avicultura. Esse mesmo produto foi utilizado recentemente no surto registrado em 2010 nas cidades mineiras de Passo Quatro, Itanhandu, Itamonte e Pouso Alto. Até 2013, a previsão é de que as sete milhões de aves de postura da região no sul de MG sejam imunizadas com a nova vacina. Luiz Sesti, Gerente Técnico Internacional da Ceva, enumera a segurança, a eficácia e a conveniência como as principais vantagens das vacinas recombinantes. Sesti acredita que a entrada dessa tecnologia vai ser um passo decisivo para a erradicação da doença. “O uso continuado da vacina aliado a um efetivo programa de biosseguridade e a um correto programa de limpeza e desinfecção poderão, eventualmente, propiciar a eliminação dos vírus de campo”, ressalta.

O próximo passo será promover o debate da LTI a um nível de abrangência nacional. O setor avícola e todos os envolvidos estão cobrando do governo federal uma legislação única de prevenção e combate da doença no mundo. O tópico foi abordado durante uma conferência em Campinas, SP, onde estiveram reunidos especialistas, representantes do setor e autoridades.

Atualmente, não há uma legislação própria para o controle da LTI no Brasil. Focos em diferentes Estados são tratados de maneiras diferentes, em comum acordo com o Ministério. “E agora nosso desafio é fazer com que a gente elabore uma legislação nacional para que não fique essa situação ‘cada um faz de um jeito’”. Para isso, realizamos uma reunião em março deste ano, onde participou nossa coordenação, o Mapa e as autoridades sanitárias estaduais para que conseguíssemos elaborar essa legislação. É um começo: estamos abertos a sugestões, críticas para construirmos juntos”, assegura Clarice Pechara, representante da Coordenação de Sanidade Avícola do Ministério da Agricultura. Segundo ela, a expectativa é ter pelo menos um projeto pronto até o início de 2012.

A data quase coincide com o aniversário de nove anos do início da luta dos produtores bastenses e da comunidade técnica-científica contra a enfermidade. Em 2014, Bastos pretende receber o atestado de zona livre de LTI sem vacina. O coordenador da Defesa Agropecuária de São Paulo, Heinz Otto Hellwig anseia por esse momento. Ele estava presente quando Alberto José Macedo, secretário-adjunto da Secretaria da Agricultura, leu o comunicado da interdição para cerca de 364 produtores de postura do Estado. “Temos a expectativa que em 2014, o Dr. Alberto vá lá e leia a desinterdição da região de Bastos. Começamos um episódio em 2002, quando corríamos o risco de sacrificar 20 milhões de aves e estamos chegando a nove anos depois com seriedade e compromisso a um resultado muito esperançoso. Bastos foi um experi

Em um único mês, 16 milhões de aves foram vacinadas, via ocular, contra a LTI. Método oferecia menor risco para reversão patogênica

mento a céu aberto que serviu de modelo e referência para procedimentos futuros”, conclui.

Na opinião de Buchala, depois de tanto ônus, está finalmente na hora de usufruir o bônus. “Todo esse trabalho de Bastos e de Guatapará levou também o Estado de SP e o Brasil, a ser uma referência no controle da LTI no mundo e mostrar a todos a união de esforços da cadeia produtiva”, reitera.

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