"Girls are dreaming about enormous machines" de Isabel Carvalho

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O H L AVR A C L E B A S I

ISABEL C ARVALHO

ERA SLRIG GNIMAERD TUOBA SUOMRONE S E N I H CA M

GIRLS ARE DREAMING ABOUT ENORMOUS MACHINES










16.01.2008

29.01.2008

1. Afinal era a Guernica! Logo à entrada – uma dedicatória a quem, depois ver esta pintura, fugiu com urgência para a casa de banho com a namorada. Não há maior elogio que se faça a uma obra. E depois, ao lado da Guernica, uma homenagem ao estilo christian punk e depois vai por aí fora, é exposição cheia de recortes. 2. Visitei a Casa Museu da Laura Dias (como poucas mulhe‑ res têm direito) e depois fui para Lisboa. Acabei por não ver a exposição do Tudela na GB. Já voltei para o Norte e depois regressei ao Sul e para o Norte outra vez. Surpreendentemente, desta vez comi em sítios muito engraçados, a bom preço e com qualidade. 3. O meu texto não termina... uma A4, limpa, a dar tanto trabalho. 4. No Brasileira fuma­‑se.

1. Comboio para Guimarães, literatura, uma Bíblia de tatua‑ gens. Sentou­‑se ao meu lado uma freira a espreitar por cima do meu ombro. Melhor imagem do livro: uma mulher com um palhaço no seio. Segunda melhor imagem e conselho do dia: uma tatuagem de uma palavra na gengiva do lábio inferior. 2. Bíblia dos sonhos: túneis é o meu forte. 3. Há trabalho para fazer, mas estou a aprender a gostar de poesia com o Ezra Pound. 4. Um lembrete: Lavender diamond, a banda do Ron Regé.


19.02.2008

27.02.2008

16.03.2008

18.03.2008

1. Tudo para trás das costas! Li o Winter Trees entre solavancos no comboio em direcção ao centro do país. Chuva e nevoeiro ao entrar numa cidade fortificada – um dia completamente inespe‑ rado, principalmente porque me rendi à poesia. Falta saber se a falta de humor não me vai desencorajar. (Ainda apanhei boleia com o João Botelho a caminho de Coimbra B) 2. Pelo caminho passei por outra cidade onde estive duas vezes antes. Da primeira casei­‑me, na segunda deu­‑me uma volta à barriga e nunca mais nos encontramos. 3. À noite os desacatos de bairro levaram­‑me a procurar um táxi (entretanto apanhei boleia) junto ao Imperial. Olhei lá para dentro e a ideia de ver um Bolhão assim, transformado num lugar morto, fluorescente, com tipos de uniforme ama‑ relo e gente horrorosa, deixou­‑me mal disposta. Lembro­‑me que se chegou a fazer alguma coisa na altura para impedir a “modernização” do café, mas depois, conformamo­‑nos todos. Vamos perder mais um espaço – o melhor é fazer barulho, a começar já. No balcão do Ceuta está lá o papelinho para a re‑ colha das assinaturas. 4. Estou mesmo a precisar de uma exposição sem qualidades. 5. O avião da Sílvia está aqui!

1. Antes de dormir lembro­‑me sempre de dizer: “obrigada” e “desculpa”. E às vezes: “foi sem querer”. 2. Voltei aos Caldeireiros. Alguns apontamentos: gostei muito da exposição e o melhor momento foi a única surpresa que tive (nas montanhas as notícias também chegam) – os sete minutos de leitura do texto da exposição; os “peixinhos da prata” são um asco, mas vamos ver o que comem durante o tempo da ex‑ posição, com esta experiência posso prever o tempo de duração dos meus próprios livros porque a minha casa tem sofrido uma praga destas criaturinhas; desta feita descobri o senhor que fez a bomba do Teleférico, falta agora descobrir quem a roubou; quando vi uma senhora a espreitar lembrei­‑me que antes (em 2000, naquela mesma rua) havia uma grande abertura à rua, aos habitués da zona, a um público não especializado, mas à sua maneira interessado e curioso, local, que era sempre bem re‑ cebido; por último, acho que vou dar uma estrela à exposição por ter mais qualidade do que eu pensava e também porque o próprio artista pediu­‑me este favor. 3. Cão danado: o cigano que, cheio de charme, me vendeu um monte de tralhas, onde se inclui um chapéu de majorette e um aquário onde não cabe uma sardinha. 4. Bolas, que sorte! O meu blog é o melhor do universo. E para além do mais tem informação útil sobre arte & design.

1. “Sempre em férias” é um filme a colocar num andaime de 2m (altar urbano), enfeitar de flores e fitinhas e praticar culto. 2. Estas férias (escolares), vão ser dedicadas às férias porque eu não sei bem o que é que isto significa. Não vou a lado nenhum e tentarei fazer exercícios de concentração. 3. Ontem na feira das associações Emaús encontrei livros fan‑ tásticos a um bom preço. Gostei do Humberto, que percebeu logo onde a minha conversa ia dar: “faz­‑me um desconto e tal que isto são livros (Deleuze, Henri Michaux, Francis Bacon...) para putos”, “tens sorte que eu não os vi... mas olha que deve haver putos a ler isto no infantário, sim, sim!”. Entretanto fui engolida na cantiga e comprei um sofá com um buraco. 4. Tiros e paus na rua até às 3 da manhã, a polícia em acção e os semáforos com sinais sonoros a funcionar toda a noite... 5. (título do post) O spam é poético. A minha irmã não recebe spam deste. É terrorismo, bem sei, e há quem se chateei com a invasão de emails que nem sempre vão directamente para o lixo. Mas estes em especial, que eu recebo, só os apago depois de os ler. Quem está por trás destes anúncios? Vive onde? Como chegou ao meu email? Qual foi o copy que os inventou? Didn’t you know, that obtaining a huge love wand has become unbelievably real?

1. A minha relação com a cultura não existe independente da vida. E isto não se explica. 2. Iria para as montanhas passar uns dias com amigos e parti‑ lhar as festas estranhas que organizam, mas tenho receio que me despiste, de qualquer maneira aprendo sempre imenso com eles – às vezes são coisas tão simples quanto “ver cores” ou “ver a luz mudar ao longo do dia”. 3. blank! 4. O Festival Sincero II está ai! Para todas as sinceridades desta cidade e vizinhanças, para os Tokio Hotel, miúdas góticas, poe‑ tas e manifestantes. Está marcado para Abril. Espalhem a pala‑ vra e enviem­‑me propostas. 5. Com regularidade bailamos na sala a imaginar que é a sério.


23.03.2008

30.03.2008

1. Colossal Youth, YMG ­– de volta, no dia 30 de Maio. Stuart, um rapaz de Cardiff, ex­‑marine, queria ser uma vedeta, vivia revoltado com a voz insignificante de Alison e perdido sem o irmão por perto (ao mesmo tempo, incapaz de o partilhar com Alison). Enfim, a história (afinal bastante comum) é a de uma das piores bandas em palco de sempre ­– num certo concerto ficou apenas uma pessoa a ouvi­‑los. Não tinham energia, é cer‑ to, mas quem é que precisa de mais uma banda aos saltos ­– eu passo. Tal como a Alison, não se deve levar a mal a ambição de Stuart. 2. A verdade das letras de certas músicas comove­‑me. 3. “Uma comunidade pode acabar por aborrecimento?” ­– certo! certo... irmãzinha, tens razão. 4. A lei dos piercings ­– o João Leão estava muito chateado com toda a situação e ele que nem tem furos nem planos de os fazer. Invocam, ao que parece saúde pública e tal. Fracos argumen‑ tos para defender a proibição de transformações (!) corporais. Ainda que não estando muito bem informada posso, legitima‑ mente, afirmar que os furos nos pregam uns valentes sustos, mas não há (que eu saiba) qualquer perigo para mais ninguém a não ser para o próprio. Ora, eu que tenho uma dramática aler‑ gia a metais que oxidam (há piores, os que nem podem tocar em talheres) e que infecciono sempre que faço um simples furo (com metal cirúrgico), nunca causei transtornos a ninguém. A higiene do procedimento ­– já se sabe ­– tem que ser a preocu‑ pação absolutamente prioritária. 5. O computador que uso é emprestado porque não me parece bem adquirir um. 6. Domingo de Páscoa. Está tudo fechado. “O que há para co‑ mer?”, os pardalitos perguntam ansiosos. Tenho que remexer nas prateleiras a ver o que tenho, mas parece que vai sair um creme de cenouras... Lembrei­‑me logo a seguir de ir “caçar” alimentos. A caminho de casa encontrei um bonito canteiro da C.M.P. coberto de florinhas liláses – “Estás a ver onde vamos buscar as plantas esta noite?”. Uns dias antes, ali perto do via‑ duto, estavam umas laranjeiras repletas de fruto. E é assim, os pavimentos cobertos de cimento nem sempre me assustam, te‑ nho a certeza que pelo menos uma salsa e uma couve encontro aqui perto dos jardins públicos.

1. “Mas tu és um Rato Mickey!”, descrito como o pior insulto dito por alguém numa troca de ofensas. Que quer dizer que o outro é um “nadas”, um boneco. Ai, como me apetecia começar a usar a expressão sem citar a fonte. É que nem sempre dá jeito sexualizar as palavras e não há nada menos sexual que um Rato Mickey! Já um Topo Gigio é diferente! 2. Desde sexta­‑feira: o encontro da manhã de sexta foi muito agradável. Os artistas são sensíveis no geral, e estes também eram. A outra vez que estive assim tão bem foi no Luxemburgo com a Wendy. Eu não sei quem ela é, a não ser pela relação que tem com outro artista. Mas sei que a noite passou extremamen‑ te rápida no meio de muitos bares, entre muita dança e aos gri‑ tos de furar­‑ouvidos sobre referências em comum, referências novas, a exposição que estava a inaugurar, as diferentes postu‑ ras sobre o sistema da arte contemporânea e, por fim, amores. A ligação da Wendy com os rapazes de sexta­‑feira é o artista­ ‑label e as expectativas ­– que não são só do mercado, mas tam‑ bém do próprio. Ou seja, o artista como um “produto” em si. O contrário é a dispersão total, entre os suportes, os materiais, o tema ou o assunto, e todo o mais que é variável. A minha per‑ gunta é sempre a mesma (para mim mesma): porque há artistas sempre iguais e outros sempre diferentes? Há quem mantenha um nível de consistência surpreendente. Eu não. A melhor ma‑ neira de apresentar o meu portfolio ou o meu trabalho, à falta deste, às cegas, é dizer que tenho uma vontade incontrolável de experimentar muitas e diferentes abordagens. Não sei parar. Já me assustei, um dia destes, quando me foi sugerido que artistas assim tentam acertar a ver o que “pega”. Quando possivelmen‑ te é o contrário: insubordinação (talvez) em se deixar agarrar pelas expectativas. “I’m not there”, veio a calhar, como exercício visual de precisamente isso. Ao passo que o Bob Dylan era múl‑ tiplo no ronronar da música ainda assim mantém­‑se constante. Parece­‑me que no final, pode­‑se concluir, que é a mesma pes‑ soa. E isso basta? Talvez, no final. Gostava de voltar a conver‑ sar com a Wendy, mas no dia a seguir foi ao Hospital com um entorse. 3. Sábado e Domingo, passeio pela marginal e passagem para a outra margem, Gaia, valeu a pena. Um belo passeio. 4. Retomando o ponto 1. Na conversa alguém chegou a sugerir que nos dias de hoje é relativamente trendy ser contra o império WalterDisn e do que isso representa, daí ser ofensivo.

02.04.2008 women are attracted to giants Depois de dois posts sob o mesmo tema, um de curtas verdades para variar 1. SpamPoetry é escrita criativa. 2. Acho esta imagem adorável: “Um Pierrot extremamente tris‑ te e cansado caminha pela berma da auto­‑estrada a pedir boleia. Está a chover”. 3. Converti­‑me às roseiras e à poesia. Tarde demais. 4. A felicidade é dos que se sabem entreter sozinhos – ocorreu­ ‑me hoje ao final da tarde.

Textos seleccionados do blog whiteponycab.blogspot.com


girls are dreaming about enormous machines Existem muitas razões para desenvolvermos como actividade uma tarefa aparentemente inútil. Actividade, no sentido em que siste‑ maticamente a repetimos com a seriedade de um compromisso com o próprio ou com a sociedade. A descrição das boas razões fica para mais tarde ou para o especialista ­– algo que não é o meu forte. A actividade a que me refiro, sem ainda lhe dar nome, serve­‑me como espaço de expansão, a partir do qual cresço sem limitações, sem regras e ditados e dedos apontados. Penso que ao fraquejar, vence sempre a força da vontade. No passado – talvez pressionada pelo lado mais concreto das coisas, talvez iludida por outras solicitações mais sérias – eu disse que esta actividade, não me interessava, que mal me satisfazia. Aconteceu, que a certa altura, encontrei­‑me com muita vontade de retomar experiências inconclusivas. Dei­‑me conta que é das poucas actividades que me entretêm e iludem. E a ilusão é boa.

i. Movido por uma enorme vontade de me alienar, vi de uma as‑ sentada os filmes “Stranger than paradise” (Jarmusch/1984), “Bande à part” (Godard/1964), “Permanent vacation” (Jarmusch /1980) e “Pickpocket” (Bresson/1959). Sendo filmes claramente distintos formal e esteticamente, afastados no tempo em cerca de 25 anos, há um aparente fio condutor que une os persona‑ gens e que define as diferentes narrativas: a oposição entre uma aceitável e previsível conduta social e um desejo visceral em deliberadamente ignorar e mesmo contrariar (por vezes de um modo violento, por vezes através da apatia) a expectativa que a sociedade deposita no indivíduo. Os personagens, impelidos internamente por uma forte paixão, (uma paixão pelo perigo, que por vezes se confunde com um desejo sexual) aceitam para si as consequências que advêm dos seus actos de rebeldia. Aceitam naturalmente o seu posiciona‑ mento social, pelo facto de a sua conduta não poder ser outra. A norma, a produtividade, a previsibilidade, a ordem, a educa‑ ção aborrecem­‑nos. ii. Em conversa com um amigo, este dizia­‑me que estava farto de manifestações panfletárias e ilustrativas no mundo da “arte po‑ lítica”. Perguntava­‑se qual a real consequência desses actos a nível político – não se trataria afinal de mais uma forma oca, desprovida de paixão, em tudo semelhante, por exemplo, ao marketing de marcas de Jeans? Por outro lado, admirava cada vez mais aqueles que por opção, decidiam desaparecer, apagar­‑se, dando origem a um real acto político – o da não aceitação das regras do jogo social.

“girls are dreaming about enormous machines” vem na continuação da exposição “Biting the hand that feeds you”, que teve lugar na Galeria Quadrado Azul – Lisboa, entre 18 de Janeiro a 1 de Março de 2008.

iii. Em “Biting the hand that feeds you” o questionamento da Dis‑ ciplina e da Educação – duas manifestações de domesticação da paixão – permitem a Isabel Carvalho reflectir sobre o posi‑ cionamento do indivíduo em sociedade. Sem Disciplina, sem Educação, a vivência entre indivíduos seria necessariamente impossível, ou no mínimo caótica, acreditarão alguns. Recusar essa “dádiva” do colectivo, demonstra ingratidão, como quem morde a mão de quem lhe dá de comer. Essa mordedura é apresentada pela via de estranhos exemplos como o de um visitante de um castelo que se torna num bandido, ou o de um professor de um colégio precocemente aposentado. Tal como os personagens dos filmes anteriormente citados, os “duplos” da artista propõe a sua fuga para um outro lugar, dis‑ tante da previsibilidade, criando assim um espaço próprio de alternativa, aceitando as consequências dos seus actos. g.m.t.


trap Em estado de suspensão e construída a partir da união entre planos e superfícies, o culminar dos eixos principais em pontas angulosas, a repetição de entrançados e nós, o padrão que se lê da unidade resultante de linhas finas, mas fortes, e de aspecto pegajoso – a teia prende e protege. Uma teia de afectos mal administrados – naturalmente direccionados segundo critérios desconhecidos e, por isso, equívocos. Uma teia de caprichos, de chamadas de atenção e de submis‑ são forçada às estranhas exigências dos seus sentimentos. Uma teia de conquistas e capturas de vítimas voluntárias, imobilizadas a pouco custo. Uma teia de substitutos de um dia maior, de um sol forte e de uma primeira casa. Uma teia de generosidades, apreço e cuidados, sem retorno determinado de grande importância – excepto uma dependên‑ cia mútua subtil e disfarçada. Uma teia de linhas que produzem um padrão – uma forma decorativa, que se tatua nas articulações ou para preencher pequenos intervalos vazios em corpos cobertos de tinta. Uma teia que se repete ao aparecer em outro sítio, no entanto, não esqueçamos que a matriz se mantém a mesma. Uma teia de forças e tensões que não se resolvem sem ser medindo a força.

Texto da folha de sala da exposição “Trap” Mad Woman in the Attic, Fevereiro 2008











O H L AVR A C L E B A S I

ISABEL C ARVALHO

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