2.2. As rendas – contexto nacional À luz dos conhecimentos atuais, a palavra renda foi usada em Portugal pela primeira vez num diploma legislativo datado de 1560, intitulado Lei sobre os vestidos de seda e feitios deles. E das pessoas que os podem trazer. A Pragmática de D. Sebastião (apesar de ser da responsabilidade de sua avó, a rainha D. Catarina, regente do reino na menoridade do rei D. Sebastião), como ficou conhecido esse documento, tinha por objetivo moderar o luxo e as elevadas despesas em que incorriam os vassalos do reino na confeção das suas vestes. “Primeiramente, por se escusarem os grandes gastos e despesas que se fazem nos feitios dos vestidos e cousas contidas na dita ordenação. Mando que daqui em diante pessoa alguma de qualquer qualidade que seja (posto que tenha cavalo) não possa usar no vestido, nem em outra alguma coisa, posto que seja de pano de broslado, forros, debruns, alamares, laçaria, guarnição de serrilha, trocelado, fitas, tranças, passamanes, antretalhos, nem de pespontos (…) E os que usarem das ditas coisas contra forma desta lei, incorrerão em todas as penas da dita ordenação. (…) E assim hei por bem que as donzelas da Rainha minha senhora e avó, e da Infanta dona Maria, minha muito amada e prezada tia, e da Infanta dona Isabel, minha muito amada e prezada tia, não possam trazer pela mesma maneira em seus vestidos e cousas de que se servirem (…), os ditos broslados, forros, debruns, barras, antretalhos, guarnições de tranças e de alamares, passamanes de seda, laçaria, serrilha, trochado, atrocelado, fitas, pespontos, nem quartapisas nem rendas (…)” (PORTUGAL: 1560) O texto da Pragmática não especifica de que tipo de rendas se trata, se de agulha ou de bilros, ambas já existentes na Europa naquela época. Independentemente da sua tipologia, a verdade é que o uso das rendas já se encontrava então bastante disseminado pelo reino, de tal forma que a rainha D. Catarina se viu obrigada a limitar o seu uso.
renda de bilros de peniche
Caderno de Especificações para a Certificação
Atendendo à ineficácia das leis anteriores, Filipe II irá promover, em 1609, nova pragmática contra a “(…) grande demasia e excesso que há nos trajes e feitio deles (…)”, pretendendo assim travar os “(…) demasiados e desnecessários gastos e despesas que se fazem nos ditos trajos.” (DURÃES: 2010, p. 254) Passa a ser proibido aos homens trajar mantéus, punhos de guarnição, rendas, ou outros desfiados. Paralelamente, as ligas, bandas ou sendais não poderiam conter pontas de retrós, nem rendas ou franjas. (DURÃES: 2010, p. 255) Apesar de não se poder ignorar os imperativos de ordem económica que nortearam estas reformas, não deixa de ser verdade que as pragmáticas foram igualmente instrumentos de preservação de uma ordem social tradicional, num contexto em que uma elite se via crescentemente ameaçada por uma classe emergente de novos-ricos. É dessa forma que se devem interpretar as diversas exceções que esta Pragmática, por exemplo, concedeu a fidalgos, desembargadores ou cavaleiros, entre outros. Apesar de todas as tentativas de limitação do seu uso, a verdade é que o gosto pelas rendas manter-se-á por todo o século XVII, levando o rei D. João IV, em 1643, a aprovar nova pragmática. Considerava o monarca que o dinheiro dos seus vassalos era melhor empregue na defesa do reino do que em bens supérfluos, um argumento de peso numa altura em que Portugal procurava consolidar a sua recém-conquistada independência. Em 1677, contudo, a influência das correntes mercantilistas favorecidas pelo Conde da Ericeira induz D. Pedro II a legislar no sentido de permitir o uso de rendas de fabrico nacional pelas mulheres do reino, protegendo assim a indústria de rendas portuguesa: “(…) e só permito que [as mulheres] possam trazer
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