Jornal da Ordem de Avis | Notícias Medievais . 1

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Jornal da

Ordem de notícias medievais . 1

Ordem de Avis Quando morre o mestre de Avis, Martim do Avelar, em 1362, Gonçalo Esteves, provedor do mestrado, procede a um inventário, que nos dá informações muito interessantes sobre os objectos existentes na sede da Ordem e nas Igrejas dependentes da mesma, que nos dão a conhecer alguns aspectos da vivência da instituição na Idade Media.


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Adega da Ordem de Avis A Ordem de Avis possuía em Lisboa uma adega com casas e dois lagares de vinho. Na adega existiam vinte e sete tonéis com vinho, três de vermelhos e «Rossetes» e quatro brancos, três tonéis de «raspa», duas cubas vazias e uma masseira de transfegar. Existia ainda outro lanço de tonéis vazios, cerca de quarenta e três1 e dois cascos de pipas. Para além desta, no Alandroal são referidas ainda as quantidades de dez talhas de vinho branco cheias e três de rosete e oito de «vinho vermelho». Destas oito, seriam cinco de vinho bom e três de vinho mau. O vinho gasoso seria uma especialidade do mestre referenciada como vinho «ffurmjgento» de «formiga» que faz formigueiros nos lábios2. No inventário é também identificada a existência de vinho «mau». «O vinho dava força, alegria e não transmitia doenças». D. João i, abstémio, certo dia pergunta ironicamente a um ilustre nobre que mascava

folha de louro para disfarçar o hálito a vinho: «debaixo desse louro, a como vale a canada?»3 Canada: Antiga medida portuguesa, igual a 4 quartilhos As tabernas eram sítios de perdição e chamar bêbado a alguém era considerado grande insulto que levava, às vezes, à morte como é o caso da abadessa de S. Bento de Évora, que é morta por ter apelidado de «Bevedice» o motim de apoio à elevação do Mestre de Avis a Regedor e Defensor do Reino, como nos conta Fernão Lopes4.

Beber vinho «e o beber de água senti que faz para tal dor empecimento, mas o vinho bem aguado entendo que é melhor do que sem água, posto que os f ísicos sobre isto mais louvem, não conhecendo que por ele nunca virão perfeita cura, mas por embargar o entender faz o coração não sentir tão rijo aquele cuidado que mais o atormenta» D. Duarte5

Um Inventário do século xiv, O Archeólogo Português, p.228. Cfr. José Pedro Machado e Salvador Dias arnaut, Arte de Comer em Portugal na Idade Média, P.28 3 idem , ibidem 4 lopes, Fernão, Crónica de D. João i, p. 1 Cap. 45. 5 Cancioneiro da Biblioteca Nacional, Vol.vi, p. 94; Livro da Montaria , Liv. Cap.8; Livro da Ensinança de Bem Cavalgar em Toda a Sela, ed. Critica , referida por arnaut, op. Cit. P. 32. 1 2


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Alfaias de cozinha

As especiarias No mesmo inventário de 1364 foi identificada uma arca com especiarias que pertencia ao mestre da Ordem, assim como outra arca onde se encontravam elementos de botica, bem como pequenas «alcofinhas», que guardavam as especiarias e saquinhos com «defumaduras»6. Especieiros: pessoas que vendiam ervas aromáticas como o poejo, hortelã e especiarias que embora não tão divulgadas como no tempo dos Descobrimentos já eram conhecidas pelo homem medieval. Das especiarias que se comercializavam durante o período medieval temos os cominhos, o açafrão, a pimenta, o girofle (cravinho) e o gengibre.

A Ordem de Avis, no seu inventário de 1366, identifica também um conjunto de peças que se integram nas alfaias de cozinha entregues na altura por Gonçalo Esteves, provedor dos bens do mestre, no Adro de Igreja de Santa Maria a Estevão Domingues, fazendo-o mordomo: Um talhador de prata que dizia que era bacio; Duas escudelas de prata; Um «pinchel» de prata com um esmalte em cima; Dois «pincheis» de prata e duas colheres de prata; Uma arca onde havia boticária e frutas que depois apodreceram; Dois prateiros de pratas; Sete salsinhas (para guardar o sal) de prata; Três colheres de prata; Dois prateiros de prata; Oito taças de prata douradas e esmaltadas; Um barril de estanho; Um bacio de cobre; Uma caldeira grande; Um caldeiro grande; Duas panelas de cobre velhas; Duas pelas de cobre; Duas colheres de ferro; Um gadanho de ferro; Três espetos de ferro; Três grelhas de ferro; Sete talhadores de ferro; Uma gameleta; Uns caldeirinhos grandes de ferro e outros pequenos; Dois bacios esmaltados; Três cruzes em pano branco e três curzes verdes; Talego com dentes de porco7; Um gral; Um malhadeiro8; Sete queijos.

idem Ibidem, .228. idem , ibidem, p. 231. 8 mão do gral.

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Pratos O prato de coelho à molho de vilão terá tido origem no seguinte no episódio: quando Pêro Coelho (assassino de Inês de Castro) chega de Castela, D. Pedro, cheio de ódio, manda trazer a cebola, o vinagre e o azeite para o «Coelho», mandou matá-lo tirando-lhe o coração pelo peito... Adubos: eram os temperos da época - laranjas azedas, salsa, azeite e vinagre.

Peixe

O peixe foi bastante consumido pelo homem medieval e era comido de todas as formas (seco, salgado, fresco e mesmo fumado). Os tipos de peixes disponíveis também eram diversos. A sardinha era boa, barata e havia em grande quantidade. Salmonetes, linguados, alternando com «ostras». Peixota - pescada

Animais existentes na confecção de pratos: Adéns – patos-bravos, pato-real Porco Montês Cervo Urso Capão assado

Carne

Vacas, vitelas, carneiros, porcos, leitões, galinhas, capões.

Bolo do Convento de Avis e doces medievais

No Inventário da Ordem de Avis, de 1366, consta um «pão de açúcar» como uma das iguarias confeccionadas no convento. Alféloa: de origem árabe, era um doce muito comum do período medieval; Fartalejos: empadas de massa doce encapadas de côdea de farinha de trigo (farturas, bolos de massa de farinha com açúcar feitos em azeite9); Manjar Branco: doce muito apreciado que continha peito de galinha, farinha de arroz, açúcar, amêndoa e água de flor de laranjeira; Tigelada: doces de leite.

As principais refeições do dia eram o almoço, o jantar e a ceia

Receita de Manjar Branco Depois de desfiar meio peito de galinha gorda deite-se para um tacho duas canadas de leite, dois arráteis de açúcar e arratel e um quarto de farinha de arroz mexendo-se enquanto coze; a pouco e pouco vai-se deitando mais meia canada de leite para se refrescar e as amêndoas moídas, e um arrátel de açúcar, quando estiver cozido (mete-se faca para despegar) deitem-se-lhe a seguir a água de flor-de-laranjeira, tire-se do lume e deixe-se esfriar numa tigela10. 9

arnaut, Salvador Dias, op. Cit. P. 104. Idem, ibidem , p.112.

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Outros utensílios da época: talhadores (parecidos com bacios onde se talhava), colheres, canivetes, cutelos de mesa, gomis, salsinhas, pincheis, taças, prateiros, escudelas, mantéis. Odre: Vasilha para líquidos feita da pele de certos animais. Almadraque: Enxerga, coxim. Mantel: espécie de toalha que se colocava à frente sobre o vestuário, guardanapo.

(relacionado com o fogo também), homens da ucharia, homem do galinheiro; oveiro.

Cargos relacionados com a cozinha: Cozinheiros–mores, cozinheiros pequenos, confeiteiros, braseiro (fazia o fogo), alinteiro

Armaduras: loriga/luriga loriga : Saio de malha com lâminas de metal (da armadura); couraça.

Vestes em serviço Os oficiais da cozinha real de D. João II, João da Borgonha e Lopo Afonso vestiam: capuz de pano de Londres, mongi de grã roxa, calças de grã vermelha, carapuça e gibão de veludo preto dobrado11

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Idem, ibidem, p. 49.


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Curiosidades Os reis Afonso III e Afonso V proibiam de comer com eles quem não tivesse sido expressamente convidado! D. João I – Um dos pratos preferidos do rei era carne de vaca de três formas principais: cozida, assada e desfeita12. D. João II dizia da sardinha existente em Portugal que era muita e boa e barata13. Este rei não se importava de comer em público desde que lhe viesse fome, mas nunca mais do que duas vezes por dia! A rainha Santa Isabel jejuava duas vezes por ano a pão e água! D. Filipa de Lencastre, segundo o cronista Zurara, apenas comia para «suster a vida e não por deleitação»14. Mulheres e homens comiam em mesas separadas. D. João I, bom monteiro, dizia que «ter bom fôlego é essencial para se correr monte» e que as coisas «que tolhem de haver bom fôlego estão, além da falta de treino», «os mui grandes vícios do comer e do beber sem razão», «quando o corpo está quedo, que então as humidades crescem sobejas fora da natureza, e quando assim são muitas sobem à cabeça: e quando a multidão é grande não podem baixar por os lugares que devem fazer»15. D. João II em ocasiões mais solenes comia sob um dossel, e normalmente as mesas do rei eram mais altas e sem centros de mesa para que este se visse por todos os presentes. Os garfos já existiam no fim do século XV mas eram raros e mesmo no séc. XVI o seu uso não estava generalizado. Existiam pequenos espetos com a mesma função.

arnaut, Salvador Dias, A Arte de Comer em Portugal na Idade Média, Colares editora, SD, p. 15 e Fernão Lopes, Crónica de D. João i. P.2 CAP. 111. 13 RESENDE, Garcia de, Crónica de El-Rei D. João ii, CAP.117. 14 Crónica da Tomada de Ceuta, Cap. 46. 15 Livro da Montaria, Liv. 1., caps.2 e 4., arnaut, Idem, ibidem. p. 97 e 98. 12


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A sesta Grande parte dos adultérios ocorria à hora da sesta! . Corria o ano de 1379, estava a corte em Alcanhões, o Infante D. João (filho de D. Pedro e de Inês de Castro) foi convidado pela prima Isabel de Castro e ela «teve-o, bem viçoso ao jantar e pela sesta»! . No castelo de Estremoz, D. Fernando e Leonor Teles dormiam a sesta na Torre. Depois dos estranhos se retirarem e o rei D. Fernando sair, a rainha era visitada por João Fernandes Andeiro para cumprimentos!16

Of ícios da Casa Real Eram escolhidos indivíduos de elevada condição para servirem de copa, de talho e de toalha17. Servidor de copa: encarregado dos líquidos (água para lavar as mãos ao rei, servia bebidas). Servidor de talho: talhar e trinchar. Servidor de toalha: pôr e levantar mesa, dar os mantéis, o pão, a fruta, as escudelas. Escanção-mor: deitava vinho na copa e servia ao rei. Escançar: distribuir, dividir o vinho. Reposteiro e manteiro: tinha a seu cargo a baixela, os mantéis e as jóias, roupas e outras alfaias de mesa.

Tecidos Escarlata Chamalote, Grã, Viado, Estramenha, Burel, Sirgo, Ipre, Picote, Sarja, Alfres; Plumazam: chumaço Plumellam (chumella): almofada ou almofadinha Picote: Pano grosseiro de lã, burel… Tiritana: mantéu de seriguilha que as camponesas trazem por cima de outro mantéu Chamalote: tecido de lã ou pêlo, geralmente com mistura de seda Grã: tecido Burel: pano grosseiro de lã... Sirgo: o mesmo que bicho-da-seda e/ou seriguilha grossa. Seriguilha: Espécie de lã grosseira e sem pêlo, serguia, Cendal: tecido fino, véu Soprilho: seda muito rara e leve Mantilha: espécie de pequeno manto senhoril para cobrir a cabeça e o busto Gibão: antiga veste sem mangas, espécie de casaco curto que se veste sem colete Jubeteiro: pessoa que faz gibões A Ordem, no seu inventário (1366), tinha ainda referenciados dois almandraques de pena, um cabedal lavrado, duas colchas de lã, um cobertor de coelho, «um pedaço de pena branca» pera manto, «outro pedaço de pena de coelho», treze armaduras de coiros para cães e três «gorgeiras de cães».

fernão lopes, Crónica de D. Fernando. Cap. 102. arnaut, Salvador, A Crise ,,,, op.cit p.138, e Ibidem , p. 90 17 arnaut, Salvador Dias, Ibidem, p. 84. 16


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Glossário Medieval Almofreixe: grande mala de viagem Albarrada: jarro Mantéis: panos, com a função dos actuais guardanapos Manteeiro igual ao de reposteiro: pessoa que tinha por sua conta a baixela, os mantéis, as jóias, a roupa, as alfaias de mesa Porretas: alhos-porros, alhos bravos Ucharia: despensa da casa real Gafarias: casas onde se procedia ao tratamento de doentes gafos, muitos antecederam os hospitais Gafos: leprosos «Dar água às mãos»: lavar as mãos; episódio do Mestre de Avis, Vasco Porcalho (1384) que no «fim da mesa deu água as mãos»18.

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arnaut, op. Cit, Fernão LOPES, Crónica de D. João I, p. 1. cap. 99

Bibliografia de Imagens

alarção, Teresa e Carvalho, José Alberto Imagens em Paramentos Bordados, séc. xiv a xvi, Instituto Português de Museus, ed. 1993 in Apocalipse do Lorvão, www.rotadoromanico.com Ficha Técnica

Edição 1 - Município de Avis | Director: Manuel Coelho - Presidente da Câmara | Recolha e Organização de Informação: Arquivo Histórico Municipal | Composição Gráfica: Gabinete de Informação e Comunicação | Impressão: Município de Avis | 1.000 exemplares | Distribuição gratuita


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