A Cor da Fé. Aleluia em Festa

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a cor da fĂŠ. aleluia em festa.


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Eng. Armindo Moreira Palma Jacinto Presidente da Câmara de Idanha

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Entre nós, o ciclo pascal marca, há muito, um momento de profunda comunhão entre os homens, a sua fé e o mundo que os rodeia. Quão profunda é essa relação é mais um mistério a acrescentar à expressão cristã da vida que se renova a cada ano pelos gestos e as vozes das gentes, nas terras de Idanha. A Páscoa, tomada no seu ciclo, é hoje uma expressão maior da cultura desta região e, em simultâneo, um mecanismo pragmático de renovação que através das suas manifestações tende a recriar e a perpetuar um sentido de pertença identitária quer no seio das comunidades locais, quer junto da diáspora. A relação entre presentes e ausentes já não articula apenas entre este plano e o que nos transcende. Esta prerrogativa da tradição renova-se hoje pela mão dos migrantes e dos seus descendentes, que reconhecem na Páscoa um motivo de retorno - temporário é certo, mas que encerra todo o potencial representado pela descoberta, o reconhecimento e, de certo modo, o re-encantamento do mundo rural onde as suas origens estão. Todo o processo de conhecimento, valorização e salvaguarda encetado há cerca de uma quinzena de anos vive de uma multidão de rostos, de mãos, de acervos vivos de memória e experiência, os quais, sob o olhar atento dos investigadores, dos documentaristas, dos fotógrafos, revela um mundo complexo e rico, dotado de uma capacidade de regeneração e sobrevivência extraordinários.


Eng. Armindo Moreira Palma Jacinto Mayor of Idanha

Between us, the Easter period has, for a long time, marked a moment of deep communion between people, their faith and the world around them. The depth of this relationship is yet another mystery to add to the Christian expression of life which is revived each year in the gestures and voices of the people of Idanha. Easter, in the context of the rituals surrounding it, is today one of the most important cultural expressions of this region, and, simultaneously, a pragmatic mechanism of revival that through its manifestations tends to recreate and perpetuate a sense of belonging and identity both in the heart of local communities and amongst the diaspora. The relationship between those present and absent is no longer articulated merely between this plane and that which transcends us. Today, this privilege of tradition is kept alive by migrants and their descendants, who recognise in Easter a reason to return - only temporarily of course -, but that encompasses all the potential represented by the discovery, recognition, and to some extent re-enchantment with the rural world of their origins. The whole process of keeping the knowledge, appreciating and safeguarding that began approximately fifteen years ago exists thanks to a multitude of faces and hands, living archives of memory and experience which, under the attentive eye of researchers, documentarists and photographers, reveal a complex and rich world blessed with an extraordinary capacity for regeneration and survival. This work marks a very special moment for all of us: it is a striking example of the connection established between those who carry out and experience the Easter rituals, and those who make the whole process intelligible for others, two of whom, António Catana and Cláudia Freire, became involved in this sharing of knowledge, passed down from generation to generation.

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O trabalho aqui presente, marca um momento muito especial para todos nós: é um exemplo notável dessa ligação que se estabelece entre aqueles que fazem e sentem o Ciclo Pascal, e aqueles que tornam todo esse processo inteligível aos demais, dois dos quais aqui reunidos em partilha de conhecimento da qual é feita a transmissão entre gerações. A renovação do modo como o resultado da investigação pode ser devolvido à comunidade, que suporta a estrutura de continuidade das manifestações da sua identidade cultural, integra, naturalmente, uma estratégia de boas práticas para a salvaguarda de patrimónios tão significativos como este o é. E no que ao Ciclo Pascal se refere, trata-se de um elemento chave que reconhece e valida o empenho e a capacidade de uma parte significativa dos habitantes das terras de Idanha. Dá-lo a conhecer é, por isso, uma responsabilidade que assumimos com todo o gosto e empenho. Do mesmo modo que não podemos deixar de apreciar e agradecer o trabalho que Cláudia Freire traz até nós: a dignidade do conhecimento é um valor inestimável, aqui expresso de uma forma notável. O meu profundo e sincero bem-haja.


The new methods with which the results of this research can be given back to the community, in a way that supports the structure of continuity of these manifestations of cultural identity, naturally entails a strategy of good practices in order to safeguard this important heritage. With respect to the rituals of the Easter period, this is a key element that recognises and validates the hard work and abilities of a significant section of the population of the region of Idanha. Raising awareness of this is therefore a responsibility that we take on gladly and enthusiastically. In the same way, we must appreciate and be thankful for the work that Clรกudia Freire has brought us. The dignity derived from knowledge is invaluable, and Clรกudia Freire expresses the latter in a remarkable way. For this, I offer her my most heartfelt gratitude.

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António Silveira Catana

O Santo Sepulcro e a Ressurreição de Cristo em Idanha

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Nestas terras arraianas de Idanha, na Beira Baixa, marcadas pela ruralidade e doce paz das suas aldeias, embora sem o vigor de outros tempos, subsistem tradições quaresmais e pascais, que há muitos e muitos anos desapareceram em grande parte das regiões do interior de Portugal. Estas práticas e expressões religiosas, pela sua pureza e ingenuidade, parecem condensar a alma lusa no que ela tem de sentimental, de crenças, de ritos, de rituais e de devoções milenárias, confiando ao Deus Todo Poderoso e Criador os segredos das suas esperanças e dos seus desgostos sempre que no firmamento se fazem ecoar cantos de sabor e melodia medievais, bebidos em velhos cancioneiros ou rezas caldeadas no cadinho dos séculos e transmitidas oralmente de geração em geração. O filme de Cláudia Freire, com formação em Antropologia e Museologia, é de especial interesse no campo da Antropologia Visual. Cláudia Freire, dotada de uma fina sensibilidade e de um atento e perscrutante olhar, dá a conhecer de uma forma simples e profunda algumas das práticas e expressões religiosas em dia de Sexta-Feira Santa e de Sábado de Aleluia que o povo crente da Vila de Idanha-a-Nova salvaguardou como preciosa herança que seus pais e avós lhes legaram. Anualmente, em cada Quaresma, na Sexta-Feira Santa, dia da celebração da Paixão de Jesus Cristo, a Capela de S. Jacinto, no interior da Igreja Matriz de Idanha-a-Nova, é ornada de uma arquitectura efémera com ramos de loureiro e flores que apresentam um vistoso e encantador cenário do Santo Sepulcro.


António Silveira Catana

The Holy Sepulchre and the Resurrection of Christ in Idanha In these borderlands of Idanha, in Beira Baixa, characterised by the rurality and blissful peace of its villages, albeit without the vigour of the old days, Lenten and Easter traditions still exist that disappeared long ago from most of the regions in the interior of Portugal. These religious practices and expressions, with their purity and ingenuousness, seem to condense the Portuguese soul in its sentimentality, beliefs, rites, rituals and millenarian devotions, confiding in the Almighty God and Creator the secrets of their hopes and sorrows whenever the heavens echo with medieval melodies, imbibed from ancient songbooks or prayers forged in the crucible of the centuries and transmitted orally from generation to generation. This film by Cláudia Freire, a graduate in anthropology and museology, is of special interest in the field of visual anthropology. Freire, gifted with a refined sensitivity and an attentive and scrutinising gaze, reveals, in a simple and profound way, some of the religious practices and expressions of Good Friday and Holy Saturday that the faithful of the town of Idanha-a-Nova have safeguarded as a precious legacy inherited from their parents and grandparents. Every Lent, on Good Friday, the day of celebrating the Passion of Jesus Christ, the Chapel of São Jacinto, in the Main Church of Idanha-a-Nova, is adorned with an ephemeral display of laurel branches and flowers that create a captivating setting for the Holy Sepulchre. Through the eyes of Cláudia Freire, the film not only allows us to observe this scene of the Holy Sepulchre, but also, in an educational and compelling way, shows us how its ephemeral architecture is

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Com o olhar de Cláudia Freire, não só podemos observar o dito cenário do Santo Sepulcro, mas também apreciar de uma forma pedagógica e apelativa como é construída a sua arquitectura efémera e simultaneamente desvendar como nascem, se criam e ornamentam as vistosas cabeleiras que causam um admirável espanto e curiosidade aos que as contemplam. Pelas nove horas da manhã, os Irmãos da Confraria do Santíssimo, com muita candura e gracilidade, começam a ornamentar a citada Capela seiscentista, com ramos de loureiro, simbolizando a glória da Ressurreição de Cristo. O loureiro, Laurus nobilis l., desde tempos remotos, entrelaçava as coroas de glória de poetas laureados, de atletas vencedores e de heróis. Dos ramos desta árvore autóctone, suspendem laranjas azedas, numa evocação simbólica do vinagre com que embeberam uma esponja que deram a beber a Jesus Crucificado (Mc.15:36). Fazem ainda parte da decoração inúmeras flores de jarro, de cor branca, símbolo da pureza, e vistosas cabeleiras, que são memórias de sobrevivências de sociedades rurais, como a nossa, relativas a práticas propiciatórias da fertilidade das terras. Mircea Eliade, conceituado investigador das religiões primitivas, referia que o culto dos mortos esteve sempre associado à fertilidade dos campos. Esta prática pagã da oferta das cabeleiras, firmada, desde os primórdios da Humanidade, destinava-se, noutros tempos, a pedirem bons frutos, no tempo das sementeiras, e foi pela Igreja orientada no sentido cristão. Ora acontece que as ditas cabeleiras são vasos com plantas provenientes da germinação de grãos de trigo e/ou de ervilhaca, em ambiente de total escuridão, de modo a ficarem num louro esbranquiçado e pendentes como cabelos. Antes da entrega destas, na Sexta-feira Santa, aos Irmãos do Santíssimo, são enfeitadas com goivos roxos, simbolizando a Paixão de Cristo e com chagas de vários tons de amarelo vivo, símbolo da alegria da Ressurreição. Actualmente, para além das mulheres dos Irmãos da Confraria, oferecem-nas ainda outras pessoas, para agradecer graças concedidas a Jesus Cristo, no Santo Sepulcro, como seja o sucesso de uma opera-


constructed, while simultaneously demystifying the process of cultivating and decorating the eye-catching cabeleiras, which provoke admiration, astonishment and curiosity among those who behold them. At around 9 am, the Brotherhood of the Holy Sacrament, simply and gracefully, begin to adorn the seventeenth-century Chapel with laurel branches, which symbolise the glory of the Resurrection of Christ. Bay laurel, Laurus nobilis l., has been used since ancient times to make the crowns of honour for poet laureates, winning athletes and heroes. From the branches of this indigenous tree they hang bitter oranges, a symbol of the vinegar used to soak the sponge offered to Jesus to drink as he hung on the cross (Mark 15:36). The decorations also feature an array of white arum lilies, a symbol of purity, and the striking cabeleiras, which are remnants of rural societies, like ours, associated with practices of enhancing the fertility of the land. Mircea Eliade, renowned researcher of primitive religions, said that the veneration of the dead was always associated with the fertility of the land.This pagan practice of offering cabeleiras, carried out since the dawn of humanity, was used, in the past, to ask for good harvests in the sowing season, and was appropriated by the Church to have Christian significance. The so-called cabeleiras are pots that contain plants produced by the germination of wheat and / or vetch, in an environment of total darkness, so that they turn a whitish blonde colour and dangle over the sides like hair. Before these are taken to the Church, on Holy Friday, to the Brotherhood of the Holy Sacrament, they are decorated with purple stocks, symbolising the Passion of Christ, and bright yellow nasturtiums, a symbol of the joy of the Resurrection. Nowadays, these offerings are made not just by the wives of the members of the Brotherhood but also by others, who place them on the Holy Sepulchre to give thanks for the protection of Jesus Christ, in the success of an operation on a family member, the healthy birth of a grandson or granddaughter, or in other moments of great affliction. Cláudia Freire, for the introduction of the film which she has entitled The Colour of Faith – Hallelujah Celebration, sensibly chose to

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ção de um familiar, o nascimento são e escorreito de um neto ou neta ou por promessa em outros momentos de grande aflição. Cláudia Freire, para introdução ao filme que intitulara A Cor da Fé – Aleluia em Festa, escolheu sabiamente o testemunho da saudosa Maria da Conceição Lisboa, então de 80 anos de idade, uma genuína guardiã desta prática devocional da oferta das cabeleiras que felizmente, nestas terras arraianas da Idanha ainda se preserva. A informante Maria da Conceição Lisboa explica, no filme, de uma forma simples, mas pedagógica, como se prepara uma cabeleira. Passo a passo, legou-nos, para memória futura, uma lição de amor, relativa à tradição do saber fazer. Acresce referir que também é costume colocar cabeleiras a ornamentar o altar-mor, na Sexta-Feira Santa, na Igreja da Misericórdia de Idanha-a-Nova, na de Segura e na Igreja Matriz de Monsanto. Segundo informação da antropóloga Teresa Perdigão, na ilha da Madeira, às cabeleiras chamam searinhas, e referiu-me ainda que também persiste tal costume, na região do Algarve, na Hungria e na Sicília. Embora o documentário não o contemple, acresce referir que, pelas vinte horas do mesmo dia, a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, com zelo e dedicação, organiza a Procissão do Enterro do Senhor que percorre as ruas do costume, onde reina o silêncio, apenas quebrado, por vezes, pelas melodias tristes tocadas primorosamente pela Filarmónica Idanhense. A procissão recolhe com a imagem do Senhor morto, no esquife, à Igreja Matriz onde, na citada Capela de S. Jacinto, é depositada a dita imagem articulada e de tamanho natural, no Santo Sepulcro. Debaixo de um silêncio, verdadeiramente sepulcral, e que a todos toca no mais íntimo do seu ser, fica-se aguardando o momento preciso do estrondo seco e vibrante, do bater da tampa do arcaz, sinal evocativo do cair da enorme pedra que selara o sepulcro talhado na rocha, onde José de Arimateia sepultou Jesus Cristo. De seguida, o dito túmulo é incensado pelo Pároco. Este profere, a encerrar o acto processional, uma homilia alusiva à Paixão e Morte de Jesus Cristo.


use the account of the late Maria da Conceição Lisboa, 80 years old at the time, a true guardian of this devotional practice of offering cabeleiras, which fortunately, in these borderlands of Idanha, is still preserved. In the film, our informer, Maria da Conceição Lisboa, explains to us in a simple but educational way how to prepare a cabeleira. Step by step, for future memory, she gives us a lesson of love about this traditional knowledge. On Good Friday, it is also customary for cabeleiras to be used to decorate the high altar of Misericórdia Church in Idanha-a-Nova, the Misericórdia Church in Segura and the Main Church of Monsanto. The procession carries the image of the dead Christ, in the coffin, to the Main Church, where, in the Chapel of São Jacinto, the realistic life-size figure is deposited in the Holy Sepulchre. After a moment of ghostly silence, which profoundly touches all of those present, the congregation waits for the precise moment when the lid of the coffin comes down in a resounding crash, evocative of the giant stone closing the entrance of the tomb carved in the rock, where Joseph of Arimathea buried Jesus Christ.The priest then waves incense over the tomb and to conclude the procession gives a homily alluding to the Passion and Death of Jesus Christ. On one occasion, instead of the homily, a sermon was given, delivered from the pulpit by one of the famous preachers of the region, who, narrating Jesus’s painful walk to Calvary, followed by his crucifixion and death, gave a fluent and elegant account, full of enthusiasm and captivating realism, which impressed the congregation so much, moving them so profoundly and intensely, that on the most emotive faces, transfigured by candlelight, one could see tears of anguish, consternation and grief for Christ’s painful martyrdom. The following night, on Holy Saturday, evening mass is held in the Main Church at 9pm. In accordance with local tradition, the blessing of water and celebration of baptisms take place the following day, at Easter Sunday Mass. The following morning, many of those involved in the lively and noisy celebration participate not only in Easter Sunday Mass, but also in the Resurrection Procession beforehand.

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Mas já lá vai o tempo em que em vez da homilia, havia sermão, num dos púlpitos, para o qual era convidado um dos afamados pregadores da região e que este, ao narrar a dolorosa caminhada de Jesus para o Calvário, a Sua Crucificação e Morte, numa exposição fluente, dotada de elegância, de calor entusiástico e de empolgante realismo, impressionava os fiéis de tal modo que se comoviam profunda e vivamente, a ponto de se observarem, nos rostos mais emotivos, transfigurados pelo fogo ardente das velas, lágrimas de angústia, de consternação e de pesar, pelos dolorosos martírios evocados. Na noite seguinte, a de Sábado de Aleluia, realiza-se, pelas vinte e uma horas, na Igreja Matriz, a Missa vespertina. Tendo em conta a tradição local, a bênção da água e a celebração dos baptismos ocorrem, no dia seguinte, na Missa de Domingo de Páscoa. Acontece que muitos dos que se incorporaram no animado e ruidoso cortejo, participam na manhã seguinte, não só na Missa do Domingo de Páscoa, mas também na Procissão da Ressurreição que a precede. Logo que se inicia a dita Celebração de Sábado de Aleluia, com a Igreja apinhada de gente e com a Filarmónica Idanhense colocada, no guarda-vento com as portas abertas, a dado momento, esta inicia o toque do hino festivo da Aleluia, em honra da Mãe de Deus a quem nós, arraianos, recorremos invocando o nome de Virgem do Almurtão, seguindo-se de imediato o toque dos apitos e chocalhos. Passados alguns momentos, a Filarmónica sai para o adro, dando então início ao cortejo pelas ruas da antiga e longa Procissão dos Passos, acompanhada de centenas de pessoas de todas as idades, tocando, a grande maioria, apitos e chocalhos, para anunciar a alegria da Ressurreição de Jesus Cristo. Fechadas as portas do guarda-vento e com a ampla e graciosa Igreja Matriz repleta de pessoas ocorre a dita Celebração Eucarística. No final da mesma, junto ao altar e na presença do Pároco, um grupo de pessoas devotas cantam as Alvíssaras ao mesmo, ao ritmo dos míticos e arcaicos adufes, associando-se ao canto muitos dos fiéis presentes, conforme documenta o expressivo filme.


Once the Celebration of Holy Saturday has begun, with the Church packed full of people and the Idanha Philharmonic in place beside its open doors, the orchestra begins to play the festive hymn of Hallelujah, in honour of the Mother of God who we, the people of this borderland, invoke as Our Lady of Almurtão, followed immediately by the sound of whistles and cowbells. After a short while, the Orchestra exits into the churchyard, beginning the long itinerary through the streets of the ancient Procession dedicated to Our Lord of the Steps, accompanied by hundreds of people of all ages, most of them blowing whistles and shaking cowbells, joyfully announcing the Resurrection of Jesus Christ. The church doors are closed and the spacious and elegant Main Church, still full of people, hosts the Celebration of the Eucharist. Afterwards, a group of the devout stand next to the altar, alongside the priest, and sing the Alvíssaras [good news], accompanied by the rhythm of the mythical and archaic adufes [square tambourines of Moorish origin], with many of the congregation joining in, as documented in this expressive film. A sea of people then fills the expansive churchyard, with the joyful and noisy return of the procession from the streets, joining those who participated in the Celebration of the Eucharist. The people’s joy is contagious in the crowd that fills the churchyard, the stairway and the platform leading to the bell tower, but the most impressive and comic moment is when the priest and his family, from the windows and the entrance, throw huge bags of sugared almonds into the crowd, for the young and old who gather round, using both hands to try to catch one of the blessed bags. Inside the parish house, the Orchestra, guests of the priest, congregate and sample the sugared almonds. Afterwards, in the nearby Praça da República, the Parish Council has for several years organised a lively gathering where revellers eat bread and roast sausage, washed down with red wine, evoking the old days when, after the ‘joyful resurrection’, young men would fill the numerous taverns of the town to eat the sausage they had pilfered from their parents’ smokers. Another detail worth mentioning is the act of taking the image

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Eis que um mar de gente enche o amplo adro, após o cortejo ter regressado de percorrer as ruas da Vila em animada e ruidosa alegria e contando ainda com os que participaram na Celebração Eucarística. A alegria do povo simples é contagiante na multidão que enche o adro, a escadaria e o patamar que conduz à Torre sineira, mas o momento mais impressionante e hilariante acontece quando o Pároco e seus familiares lançam à rebatina, das janelas e da porta de entrada, imensos sacos de amêndoas, para os mais jovens e até graúdos que se aproximam do alcance tentando agarrar, com ambas as mãos, um dos benditos sacos... Lá dentro, na casa paroquial, convidados pelo Pároco, os elementos da Filarmónica confraternizam e recebem também as amêndoas. De seguida, também ali bem próximo, na Praça da República, a Junta de Freguesia organiza, de há uns anos a esta parte, um animado convívio em que se come pão e chouriça assada, regada com vinho tinto, a evocar tempos antigos em que, após o “aparecimento da Aleluia”, os rapazes enchiam as inúmeras tabernas da Vila para comer a chouriça que haviam roubado do fumeiro de seus pais. Há ainda um outro pormenor que me apraz registar de seguida, o acto de retirar a imagem de Cristo do Santo Sepulcro e da sua condução até à Igreja da Misericórdia, mas que, tal como o da citada Procissão do Enterro do Senhor, Cláudia Freire não os captara. Acontece que mesmo durante a explosão de alegria, vivenciada nos momentos da apanha das amêndoas à rebatina e no dos sons estridentes dos apitos que ecoam no adro, até que chegue a meia-noite, além da presença dos Irmãos do Santíssimo que se revezam, com as tochas acesas, em guarda de honra ao Santo Sepulcro, há também fiéis orando continuamente com indescritível devoção, dentro da Igreja Matriz. Precisamente, à meia-noite, os Irmãos do Santíssimo retiram, no mais profundo silêncio, a Imagem do Senhor jacente, recolocam-Na no esquife e conduzem-Na, acompanhados por um reduzido grupo de fiéis até à Igreja da Misericórdia, onde a respectiva Irmandade os aguarda, para depois voltarem a colocar a Imagem, no camarim envidraçado do artístico Altar-mor.


nota: Por resolução pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

of Christ from the Holy Sepulchre and taking it to Misericórdia Church, an element of the celebration which, like the Lord’s Burial Procession, does not feature in the film. Even during the joyful commotion of people trying to catch the sugared almonds, and in spite of the piercing sound of the whistles that echo in the churchyard, until midnight, the Brotherhood of the Holy Sacrament take turns, with lit torches, to guard the Holy Sepulchre, while the faithful continue to pray with indescribable devotion inside the Main Church. At precisely midnight, in absolute silence, members of the Brotherhood of the Holy Sacrament remove the image of the Lord, place him back in the coffin, and take him, accompanied by a small group of the faithful, to Misericórdia Church, where others await them, to once again place the figure in the glass-covered niche of the artistic high altar. Curiously, the image exits the Main Church and enters Misericórdia Church via the side doors. The whole ritual is carried out modestly, discretely and in a golden silence as the image of the dead Christ is put away, after the expansive joy of his Resurrection. Some of the participants inwardly ask him to look after their own health and the health of their families, so that they may be present during the next Lenten and Easter period. Cláudia Freire, the director of this invaluable documentary, deserves to be congratulated. She belongs to a new generation of anthropologists who know how to use their form of artistic expression to sensitively gather, portray and reflect religious experiences, practices and expressions that are highly illustrative of the identity of a community, in this case that of Idanha-a-Nova. In this world overwhelmed by confusion, unrest and perplexity, I am certain that even those not familiar with the municipality of Idanha-a-Nova, after seeing this film, will feel compelled to visit the land and its people, especially during the period of Lent and Easter. May they accept the challenge and, like other national and foreign visitors who grow in number in each year, leave with a peaceful spirit, with their strength renewed and reinvigorated.

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Curiosamente, a Imagem sai da Igreja Matriz pela porta lateral e entra na Igreja da Misericórdia também pela porta lateral. Decorre todo o ritual de uma forma recatada, discreta e num silêncio de oiro a indiciar um guardar a imagem de Cristo morto, depois da já expansiva alegria da Sua ressurreição. Porém alguns dos participantes, no íntimo do seu espírito, rogam-Lhe a saúde possível para si e para os seus, para poderem estar presentes, na seguinte e cíclica vivência quaresmal e pascal. Cláudia Freire, a realizadora deste inestimável documentário, merece que a felicite. É digno que se realce que a mesma pertence à geração de novos antropólogos, com cuja forma de expressão artística, sabem colher, retratar e espelhar com afecto, vivências, práticas e expressões religiosas bastante ilustrativas da identidade de uma comunidade, neste caso a idanhense. Neste mundo que parece avassalado pelo desnorte, pela intranquilidade e perplexidade, estou certo que até os que desconhecem o concelho de Idanha-a-Nova, após o visionamento deste filme, vão sentir-se contagiados para visitar as terras e as suas gentes, de um modo especial em ambiente do ciclo quaresmal e pascal. Aceitem o desafio e tal como outros visitantes nacionais e estrangeiros cujo número cresce de ano para ano, partirão com o espírito em paz e as forças fortalecidas e revigoradas.


Cláudia Freire

A Cor da Fé, um olhar

à minha Avó Margarida

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Quando, em Março de 2013, fui a Idanha-a-Nova fazer este registo em vídeo, respondendo a um desafio de Paulo Longo, nunca tinha tido a oportunidade de conhecer estas celebrações nesta vila, e em particular a vivacidade do Sábado de Aleluia – a grande Festa que anuncia a Ressurreição de Cristo. Cedo percebi a importância da Páscoa neste território, promovendo o encontro de famílias e amigos que não se vêem durante o ano. Muitas pessoas que vivem, estudam ou trabalham fora do concelho escolhem esta altura para voltar ao local onde nasceram ou onde têm raízes familiares. A azáfama que envolve a preparação da reunião das famílias sente-se nas ruas muito tempo antes do grande dia. Nos anos 60 e 70 do século XX, uma vaga de imigração e de emigração marcou as vidas de muitas pessoas, levando-as a procurar trabalho noutros lugares. Na idade da reforma, algumas começam agora a regressar. As “tradições” são âncoras que despertam memórias de infância e de “mocidade”, mobilizando quem está de volta e procura reencontrar sentidos no sítio onde nasceu. Todavia, as migrações ainda persistem, começando desde logo na adolescência para quem quer continuar os estudos e procurar alternativas profissionais diferentes das dos seus pais e avós. A juventude tem outros desafios pela frente, sobrando pouco tempo para se dedicar de corpo e alma a práticas que vêm de gerações anteriores.


Cláudia Freire

The Color of Faith, a perspective for my Grandmother Margarida

When, in March 2013, I went to Idanha-a-Nova to make this documentary, in response to a challenge by Paulo Longo, I never had the opportunity before to experience the celebrations in this town, in particular the vibrancy of Holy Saturday – the grand celebration announcing the Resurrection of Christ. I soon understood the importance of Easter in this region, promoting the gathering of families and friends who otherwise do not see each other throughout the year. Many people who live, study or work outside the municipality choose this time to return to the place they were born or where they have roots. The hive of activity involved in the preparation of the family reunions is felt in the streets long before the big day. In the 1960s and 70s, a wave of immigration and emigration marked the lives of many of the people here, pushing them to look for work in other places. Now at the age of retirement, some are beginning to return. These ‘traditions’ are anchors that awaken memories of childhood and youth, mobilising those who return to rediscover their senses in the place where they were born. This migration still happens nowadays, beginning early on, in adolescence, for those who want to continue their studies and pursue professions different to those of their parents and grandparents. The youth of today are faced with other challenges, and have little time left to devote body and soul to practices passed down from previous generations.

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Mas em Idanha-a-Nova, muitos são os jovens que participam na festa, ali marcando encontro para se rever, tocar os chocalhos e os apitos, alto e bom som, caminhando pelas ruas, entre familiares e amigos, com grande animação e alegria e, por fim, a tentar alcançar as amêndoas lançadas a partir das janelas da casa paroquial. É Aleluia em festa! Cheguei à vila nesta atmosfera de encontros e reencontros, que se iniciavam logo no Expresso, que partia de Lisboa para Castelo Branco, e na camioneta, que dali seguia para a Idanha-a-Nova, onde se iriam desenrolar os acontecimentos. De Idanha ou de diferentes aldeias do concelho, os passageiros iam ter com as suas famílias para celebrar a Páscoa. Paulo Longo e António Catana tinham-me falado nas cabeleiras, um elemento muito particular das celebrações pascais nesta região, cuja preparação merecia ser documentada em filme. Com esse intuito, visitei uma pequena casa, onde foram plantadas cabeleiras de um modo especial, em que a ervilheca germina em completa obscuridade, sem realizar a fotossíntese. Neste lugar, sombrio e escuro para assegurar o efeito desejado, D. Manuela Catana, D. Maria de Jesus Correia e D. Maria de Deus Fonseca esperavam-me para me mostrar as já crescidas cabeleiras. Encontravam-se, há algumas semanas, protegidas com plásticos pretos, e até dentro de um forno, de maneira a evitar a entrada de qualquer feixe de luz. Desta forma, as plantas cresciam brancas e brilhantes, parecendo quase de seda. D. Maria de Jesus contou que aprendera este processo com o seu pai, dando continuidade a uma prática que já vinha dos seus avós. Na manhã seguinte, Sexta-feira Santa, as plantas foram destapadas e aquele lugar tornou-se luminoso com o branco das cabeleiras a reflectir luz. Era o dia de preparar estas oferendas – promessas em troca de graças pedidas – para ornamentar o Santo Sepulcro e o altar-mor da Igreja Matriz. As cabeleiras foram decoradas com flores coloridas, sobretudo goivos, chagas e rosas albardeiras. Momento em que o gosto por manter uma “tradição” foi partilhado com Eduarda e Gabriela, netas de D. Maria de Deus, que foram ajudar e aprender os cuidados e as subtilezas deste processo, entretendo-se com as flores.


However, in Idanha-a-Nova, there are many young people who participate in the celebration, arranging to meet there, playing chocalhos [cowbells] and sounding whistles, making noise, walking through the streets with family and friends, with great joy and excitement, and, finally, trying to catch the sugared almonds thrown from the windows of the parish house. It’s the Hallelujah celebration! I arrived in the town to this atmosphere of meetings and reunions, which began on the bus from Lisbon to Castelo Branco, and on the bus that continued on from there to Idanha-a-Nova, where the events would unfold. Passengers were going from Idanha and other villages in the municipality to meet their families to celebrate Easter. Paulo Longo and António Catana had told me about the cabeleiras (hairs), a unique feature of the Easter celebrations in this region, whose preparation deserved to be documented on film. To that end, I visited a small house where the cabeleiras were grown in a special way, in which the seeds germinated in complete darkness, without being able to carry out photosynthesis. In this place, which was sombre and dark to ensure the desired effect, Manuela Catana, Maria de Jesus Correia and Maria de Deus Fonseca were waiting to show me the full-grown cabeleiras. For several weeks they had been covered with black plastic sheets and even placed inside an oven to avoid any ray of light touching them. Because of this, the plants grew white and bright, as if they were made of silk. Maria de Jesus told me that she had learnt this process from her father, giving continuity to a practice that was passed down by her grandparents. The following morning, on Good Friday, the plants were uncovered and the whole place lit up with the light reflecting off the white cabeleiras. The day had come to prepare these offerings – promises in exchange for blessings – to adorn the Holy Sepulchre and the high altar of the Main Church. The cabeleiras were decorated with colourful flowers, especially nasturtiums, stocks and peonies. In the spirit of preserving and passing on the tradition, we were joined by Eduarda e Gabriela, two of the grandchildren of Maria de Deus, who came to help and learn about the specifics and subtleties of the process while amusing themselves with the flowers.

Na mesma altura, no interior da Igreja, os Irmãos da Confraria do Santíssimo preparavam a Capela de São Jacinto para acolher o Santo Sepulcro. Fui lá fazer o registo do que se estava a passar: Os Irmãos forravam a capela com ramos de loureiro e laranjas, evocando símbolos descritos nos Evangelhos, como explicou António Catana, assumindo-se como especialista no estudo destas tradições. Ao centro da capela, os homens colocaram o túmulo coberto com um pano roxo e uma grande cruz delimitada por lâmpadas que iriam acender durante as celebrações. Enquanto os homens realizavam os trabalhos mais pesados, algumas mulheres enfeitavam uma pequena cruz com jarros. As tarefas estavam bem definidas. Várias pessoas iam trazendo as cabeleiras que tinham preparado para colocar no altar-mor e em torno do Santo Sepulcro. No Sábado de Aleluia aguardava-se muita gente em Idanha-a-Nova para o grande percurso pelas ruas atrás da Filarmónica Idanhense, tocando os chocalhos e os apitos, ou para assistir à Missa e cantar as alvíssaras ao som dos adufes. Após a missa, a cadência dos adufes tocados por mulheres, junto ao altar, cresceu e embalou o canto:

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Aleluia, Aleluia, Aleluia já é festa! Aleluia, Aleluia, Aleluia já é festa! Alegrai-vos Mãe de Deus, nossa alegria é esta! Alegrai-vos Mãe de Deus, nossa alegria é esta!

Um canto envolvente e contagiante. A porta da Igreja marcava a fronteira entre o ritmo dos adufes, que ia ficando para trás, e as sonoridades lá de fora, dos chocalhos, de vários tamanhos e feitios, lembrando contextos rurais, a par de novos sons, por vezes ensurdecedores, de vuvuzelas e apitos.


Nas ruas de Idanha-a-Nova, por debaixo das janelas e varandas iluminadas, passaram milhares de pessoas atrás da Filarmónica Idanhense, algumas vindas de longe e, com a raia tão perto, “até espanhóis” vieram participar na Festa da Ressurreição de Cristo. A alegria era imensa! Aguardava-se que o Pároco e seus familiares lançassem as amêndoas da porta e das janelas da casa paroquial em frente à Igreja Matriz – as tão esperadas amêndoas que, todos os anos, oferecia a quem tivesse a felicidade de as alcançar, como uma graça recebida que se podia partilhar.

Meanwhile, inside the Church, the Brotherhood of the Holy Sacrament prepared the Chapel of São Jacinto to receive the Holy Sepulchre. I went there to record what was taking place: The Brotherhood were adorning the chapel with laurel branches and oranges, evoking symbols described in the Gospels, as explained by António Catana, a specialist in the study of these traditions. In the centre of the chapel, the men were positioning the coffin, covered with a purple cloth and a large cross, surrounded by lamps to be lit during the celebrations. While the men carried out some of the heavier work, several women decorated a small cross with lilies. The tasks were well-defined. Some people were bringing the cabeleiras they had prepared to place them on the high altar and around the Holy Sepulchre. On Holy Saturday, a crowd gathered in Idanha-a-Nova for a long procession through the streets behind the Idanha Philharmonic, shaking chocalhos [cowbells], and sounding whistles, and also to attend Mass and sing Hallelujah to along with the sound of adufes [square tambourines of Moorish origin]. After mass, the rhythm of the adufes, played by women standing next to the altar, rose to a crescendo and turned into song:

Hallelujah, hallelujah, hallelujah, rejoice! Hallelujah, hallelujah, hallelujah, rejoice! Mother of God rejoice, let us be joyful! Mother of God rejoice, let us be joyful! It was compelling and contagious.

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Este filme é um apontamento sobre um aspecto da celebração da Páscoa em Idanha-a-Nova. A captação de imagem e som foi feita em três dias, sem pesquisa prévia. É apenas um olhar sobre o que estava a acontecer à minha volta. Com curiosidade, emoção, encantamento e questionamento. Estava lá. Foi isso que quis assumir neste registo. É um olhar com imensa liberdade, até de constrangimentos técnicos. É visível o improviso e a procura de documentar tudo o que pudesse estar a acontecer naquele momento ou instante. Movimentos de câmara repentinos, trémulos, revelam o lado subjectivo deste trabalho de registo, pleno de curiosidade e de emoções, lembrando que está alguém por trás da câmara. Um olhar em que a câmara se volta quando sente que alguma coisa acontece atrás de si. E estão sempre a acontecer coisas ao mesmo tempo. A espontaneidade das pessoas é o meu foco. É essa multiplicidade de situações e histórias que coexistem que me interessou evocar. A preciosa colaboração de Jorge Murteira na edição dos materiais recolhidos foi decisiva para o processo de realização do filme. Nas entrelinhas deste registo documental transparecem as infinitas possibilidades que se poderiam aprofundar, porque há muitas histórias para contar sobre as vivências e representações em torno da Páscoa, ao nível familiar, individual e colectivo. Ficam por conhecer os discursos e o significado desta cele-


The door of the Church marked the limit between the rhythm of the adufes, which were gradually left behind, and the sounds outside, of the chocalhos, in various shapes and sizes, evoking rural settings, and the new and sometimes deafening sound of vuvuzelas [horns] and whistles. Beneath the adorned and illuminated windows and balconies of Idanha-a-Nova, thousands of people filed through the streets behind the Idanha Philharmonic. Some of them had come from afar, and with the border so close, ‘even the Spanish’ came to participate in the celebration of the Resurrection of Christ. There was such great joy! People were waiting for the priest to throw the sugared almonds from the window of the parish house opposite the Church – the eagerly anticipated sugared almonds that, every year, are given to those lucky enough to catch them, like a blessing that could be shared among many. This film is an observation of one aspect of the celebration of Easter in Idanha-a-Nova. The image and sound were captured in three days, without prior investigation. It is just a glimpse of what was happening around me. Full of curiosity, emotion, fascination and questioning. I was there. This is what I wanted to assume in this recording. It was carried out with immense freedom, despite technical constraints. The improvisation and attempt to document everything that could be happening in that precise moment or instant is clear. Sudden and shaky camera movements reveal the subjective side of this recording, filled with curiosity and emotion, reminding us that there is somebody behind the camera. I turn the camera around when I sense that something is happening behind me. There are always several things going on at once. I focus on people’s spontaneity. It is this multiplicity of simultaneous situations and stories that I was interested in portraying. The invaluable collaboration of Jorge Murteira in editing the recorded material was decisive in the film’s production process. Between the lines of this documentary record, infinite possibilities

bração para as pessoas envolvidas (fiéis, Padre, habitantes de Idanha-a-Nova, do concelho e de outros lugares, de diversas idades, turistas etc.). Não se trata de um registo do que está a desaparecer. Não é um registo de urgência. São práticas que estão vivas, como bem ilustra a adesão das pessoas. Seria interessante reflectir sobre o que as motiva a participar. Não há uma única resposta. Por um lado, a fé, a devoção e a “tradição”; por outro, as sociabilidades que estas práticas e celebrações propiciam. Também importa salientar a capacidade de mobilização por parte de algumas pessoas e de entidades, como a Paróquia, a Confraria do Santíssimo, o Município, a Junta de Freguesia e a Filarmónica Idanhense. Finalmente, é fundamental referir um mundo contemporâneo que é atraído pelo “espectáculo”. A escolha dos planos que dão corpo a este filme, além da narrativa que o estrutura, procuram salientar subtilmente várias dimensões da festa:

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• a(s) família(s); • as diferentes gerações, a passagem de testemunho, na transmissão de uma “tradição”; • conhecimentos e modos de fazer; • os símbolos e os ícones que, em si mesmos, transportam e perpetuam uma ideologia, uma fé e uma prática; • a mobilização e o envolvimento de muitas pessoas para que a celebração aconteça; • o ritual, a repetição anual das práticas associadas à Páscoa; • os cânticos e as sonoridades do sagrado e do profano; • a Festa, os públicos da festa; • a dimensão comercial e turística em torno da festa; • os processos de valorização, preservação e revitalização de uma “tradição”; • o papel do historiador local na “transmissão” e na mobilização das pessoas para dar continuidade no tempo à celebração.


for further study emerge, because of the many stories yet to be told about experiences and representations of Easter on a familiar, individual and collective level. The discourses and meaning of this celebration for the people involved (the faithful, the priest; the inhabitants of Idanhaa-Nova, the municipality and other places; a range of age groups, tourists etc.) have yet to be explored. This is not a record of something on the verge of extinction. It is not an urgent documentary. These practices are alive, as we can see from the number of people involved. It would be interesting to reflect on what motivates them to participate. There is not one single answer. On the one hand, there is faith, devotion and ‘tradition’; on the other, the sociabilities that these practices and celebrations provide. It is also important to draw attention to the capacity for mobilisation of certain people and entities, like the Parish, the Brotherhood of the Holy Sacrament, the Municipality, the Parish Council and the Idanha Philharmonic. Finally, it is crucial to mention that the contemporary world is attracted to ‘spectacle’. The choice of shots that feature in this film and its narrative structure aim to subtly highlight various dimensions of the celebration: • • • • • • • • •

family (or families); different generations, the passing on of knowledge, the transmission of a ‘tradition’; knowledge and customs; symbols and icons that, in themselves, transmit and perpetuate an ideology, faith and practice; the mobilisation and involvement of many people for the celebration to take place; the ritual, the annual repetition of practices associated with Easter; canticles and sounds of the sacred and the profane; the celebration, the publics taking part; the commercial and touristic dimension of the celebration;

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A atenção a estes e outros aspectos que o filme possa sugerir, certamente poderá contribuir para pensar o processo de “patrimonialização” das celebrações pascais em Idanha-a-Nova enquanto manifestação cíclica no calendário anual. É perceptível a espontaneidade do envolvimento e o papel activo dos detentores deste património, que se afiguram como absolutamente fundamentais para manter vivas a diversidade de celebrações em todo o território do concelho e para preservar a atmosfera e os lugares onde acontecem. Estes aspectos são muito especialmente considerados nas orientações recomendadas pela UNESCO na Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (2003). Por outro lado, o Município, em parceria com outras entidades, tem vindo a desenvolver medidas para a salvaguarda deste Património, mediante a sua valorização e a sensibilização para os riscos a que está sujeito com o envelhecimento da população e com as migrações. A promoção do estudo e da documentação continuada das celebrações no campo do audiovisual, sob vários olhares, poderá contribuir para estimular a participação dos grupos nos processos de transmissão aos mais jovens. Importa ainda referir o empenho na divulgação cíclica das celebrações, a par da organização de um curso anual dedicado à religiosidade popular, coordenado por António Catana. Estas iniciativas favorecem a partilha e a reflexão em torno de práticas semelhantes, onde a atenção ao presente e a novas dinâmicas é constante. É, de facto, neste equilíbrio entre o legado dos “avozes” e a vivacidade inovadora de cada geração que reside o segredo para que estas manifestações possam continuar com naturalidade e constituir um valor para as populações envolvidas.


• processes of recognition, preservation and revitalisation of a ‘tradition’; • the role of local historians in the ‘transmission’ and mobilisation of people to give continuity to the celebration. The in-depth reflection on these and other aspects evoked by the film could contribute to a consideration of the process of ‘patrimonialisation’ of the Easter celebrations in Idanha-a-Nova as a cyclical event in the annual calendar. The spontaneity of participation and the active role played by the guardians of this cultural heritage is evident. The latter are absolutely fundamental in keeping the diversity of celebrations in the municipality alive and preserving the atmosphere and places where they are held. These aspects are given special consideration in the guidelines recommended by UNESCO in the Convention for the Safeguarding of the Intangible Cultural Heritage (2003). On the other hand, the Council, together with other entities, has developed measures for the safeguarding of this heritage by recognising and raising awareness of the risks associated with migration and the ageing of the population. Promotion of the study and continued documentation of the celebrations in the audiovisual field, from various perspectives, can contribute to stimulating the participation of groups in processes of transmission to young people. It is also important to mention the effort made in the cyclical promotion of the celebrations, alongside the organisation of an annual course dedicated to popular religion, coordinated by António Catana. These initiatives promote sharing and reflection on similar practices, with a constant focus on the present and new dynamics. It is this balance between the legacy of the grandparents and the innovative vitality of each generation that is the key to these traditions being maintained naturally and representing something truly valuable for the populations involved.

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Título: A Cor da Fé. Aleluia em Festa / Edição: Câmara Municipal de Idanha-a-Nova | Centro Cultural Raiano / Textos: Eng. Armindo Moreira Palma Jacinto, António Silveira Catana, Cláudia Freire / Conceito editorial: Paulo Longo / Design: Napperon / Fotografia: Cláudia Freire / Tradução: Kennis Translations / Impressão: Brandit / Tiragem: 500 ex. / Depósito legal: ? / ISBN: 978-989-8936-12-7 DVD Imagem e realização: Cláudia Freire / Edição e pós-produção: Jorge Murteira / Pós-produção áudio: Francisco Leal / Tradução: Kennis Translations / Legendagem: Luísa Pignatelli Agradecimentos: Pe. Adelino Américo Lourenço / Alice de Jesus Barreira Ribeiro Mateus / António José Victório Araújo / António Maria dos Santos / António Robalo dos Santos / António Silveira Catana / Filarmónica Idanhense / Gabriela da Fonseca Monteiro Brás dos Santos / Graça Farinha Monteiro / Irmãos da Confraria do Santíssimo / João António Barroso Lourenço / João José Delgado Antunes / Jorge Manuel Bentes Jóia / Jorge Mendonça / José Carvalho / José de Oliveira Ribeiro / José Marques Sousa / José Ramos Rodrigues / Luís da Silva Roque / Manuel da Fonseca Monteiro / Manuel de Jesus Poejo / Manuel Esteves Remédios / Manuel Fernandes Ribeiro Mateus / Maria da Conceição Lisboa / Maria de Deus Silveira Fonseca / Maria de Jesus Correia / Maria do Carmo Tavares Borges Lisboa / Maria Eduarda Farinha Monteiro / Maria José Bruno / Maria Manuela Antunes Domingues Catana / Martim Matos Peres Franco Frazão / Mateus Sampaio Pinho / Franco Frazão / Nazaré Lopes / Nuno Armando Brás dos Santos / Paulo Longo / Pedro Filipe Rocha Barreira / Rosa Robalo Moita / Samuel Amaral / Sandra Isabel Gonçalves Rocha / Sebastião Gregório Lopes / Susana Tavares Borges Lisboa / Tom Hamilton / Tomás Sampaio Pinho Franco Frazão / União das Freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes Páscoa na Idanha | Programa para a salvaguarda e promoção do Ciclo da Páscoa no Município de Idanha-a-Nova


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