MUNICÍPIO DE OEIRAS
SANTA
A Divisão de Projetos Especiais agradece a todas as entidades nacionais e internacionais que colaboraram para o desenvolvimento do presente estudo através da partilha e cedência de registos fotográficos e documentos históricos:
Área de Património e Investigação, Fundação Eugénio de Almeida
Arquivo de Documentação Fotográfica e Sistema de Informação para o Património Arquitetónico, Direção-Geral do Património Cultural.
Arquivo Histórico, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Arquivo Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa.
Arquivo Nacional Torre do Tombo, Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas.
Divisão de Documentação e Arquivo, Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Irmandade de Nossa Senhora das Dores de Laveiras.
Museu Arqueológico do Carmo, Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Museu Nacional de Arte Antiga.
Paróquia de Alfama e Mouraria, Padre Edgar Clara.
Paróquia de Paço de Arcos e Laveiras-Caxias, Padre Artur Luís Delgado Farinha Alves, Padre José Luís Gonçalves da Costa e Padre José Carlos Nunes.
Paróquia de São Nicolau e Santa Maria Madalena, Padre Mário Rui.
Archivo Histórico Provincial de Zaragoza, Departamento de Educación, Cultura y Deporte - Dirección General de Cultura (Espanha).
Archivo Municipal, Ayuntamiento de Granada (Espanha).
BAB Arquitectos (Espanha).
Baldiri Barat, from www.monestirs.cat (Espanha).
Biblioteca-Arquivo Municipal, Ayuntamiento de Jerez de la Frontera (Espanha).
Cartuja de Aula Dei, Comunidade Chemin Neuf (Espanha).
Cartuja de Santa María de Miraflores (Espanha).
Departamento de Cultura y Desarrollo Local, Ayuntamiento de Altura (Espanha).
Fotografo Jeremy A. Shapiro, from https://jezmo.com (Reino Unido).
Hans Jakob Bürger, from https://brunonis.net (Alemanha).
Isabel Novais e irmã Patris, Congregação de Nossa Senhora de Belém (França).
Luz Gil, from http://paisajesenmiretina.com (Espanha).
Museu de Belas Artes de Sevilha (Espanha).
Per la foto della Certosa di San Giacomo, Capri si ringrazia la Direzione regionale Musei Campania (Itália).
Valentina Marchesi, from Wildlab Multimedia (Itália).
Em fevereiro de 2021 vivemos, em Oeiras, um momento histórico. Formalizou-se o acordo que permitiu a transferência da posse da Quinta da Cartuxa para o Município, após anos de tentativas e negociações com o Estado.
Oeiras pôde, finalmente, avançar com os estudos e os projetos para a reabilitação e valorização deste património, que inclui o Mosteiro e a Igreja da Cartuxa, antecipando um futuro em que vai estar à disposição de todos.
O acordo alcançado com o Estado no final do ano de 2020 culminou com a assinatura, a 17 de fevereiro de 2021, do auto de cedência de utilização do conjunto patrimonial da Quinta da Cartuxa.
Mosteiro, Igreja da Cartuxa e terrenos adjacentes, uma área total de 7,8 hectares, transitaram, assim, para a posse do Município de Oeiras por um período de 42 anos, com o objetivo de garantir a recuperação e preservação daquele património, há muito votado ao abandono – exceção feita à Igreja ainda em utilização.
Considerei, então, tratar-se de um privilégio ser protagonista e intérprete deste acordo e mantenho: revelou-se um ato extraordinário, um ato de cultura da maior relevância, que não se limita às fronteiras do território de Oeiras. Estamos a falar de algo que diz respeito a todo o País.
Quando falamos de património cultural e património classificado, estamos a falar de um legado – o que fizemos foi garantir que vamos transportar esse legado para o futuro e para as próximas gerações.
O caso da Quinta da Cartuxa é, aliás, em muito semelhante ao da antiga Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, cuja gestão o Município assumiu em 2019. Numa situação, como na outra, conjugaram-se esforços para a resolução de um problema de abandono do património que é de todos.
Não menos relevante, o facto de se tratar de um ato político de igual importância, na medida em que resulta de uma convergência de vontades técnica e política, nem sempre fáceis de alcançar.
Recordo que a então ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, esteve na Igreja da Cartuxa, aquando da cerimónia de assinatura do acordo entre o Município, a Direção Geral do Tesouro e Finanças e o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça.
A antiga titular da pasta governativa considerou que “o processo selado com a assinatura deste protocolo é exemplar das potencialidades da cooperação virtuosa entre os poderes central e local que prosseguem afinal o mesmo objetivo – realizar o interesse público e a satisfação das necessidades dos nossos concidadãos”.
Não podia concordar mais com esta declaração e com o princípio que lhe está subjacente – o poder local, pela sua proximidade, regra geral está em melhor posição e dispõe de uma perceção mais esclarecida das alternativas suscetíveis de valorizar, no interesse comunitário, o património público não utilizado, como era o caso do acervo da Quinta da Cartuxa.
Neste caso, como em muitos outros, Oeiras não vira costas àquelas que considera serem as suas responsabilidades, ainda que formalmente não sejam, tendo em mente o superior interesse da comunidade que servimos, das pessoas, que são a bússola orientadora da nossa ação, em todos os momentos.
O Presidente da Câmara
Isaltino Morais
“Vamos cuidar para transportar este legado, esta História e esta Cultura para as próximas gerações”1
1 Exmo. Sr. Presidente Isaltino Morais no âmbito da assinatura do auto de cedência da Igreja e Mosteiro da Cartuxa de Santa Maria Vallis Misericordiae à Câmara Municipal de Oeiras, a 17 de fevereiro 2021.
Oeiras Valley | Município de Oeiras (2021, abr 22) Câmara de Oeiras já pode recuperar Quinta da Cartuxa. Consultado a 5 set 2022. Disponível em https://www.oeiras.pt/w/c%C3%A2marade-oeiras-j%C3%A1-pode-recuperar-quinta-da-cartuxa.
SIMULAÇÃO DE UMA CELA
1. A ORDEM DE SÃO BRUNO
A Ordem de São Bruno, ou Ordem Cartusiana, é uma ordem monástica semi-eremítica com uma existência ininterrupta de nove séculos. Os seus Mosteiros dedicam-se exclusivamente à contemplação, sem ministério pastoral, onde os monges levam uma vida solitária, de oração, pobreza e austeridade. Cada comunidade é economicamente autossuficiente e sustentam-se geralmente através do trabalho no sector agrícola ou de pequenos ofícios, bem como através de ofertas de intenções de missas por parte de mecenas. A comunidade Cartusiana integra no mesmo recinto dois grupos residentes, os monges e os irmãos conversos, também designados de irmãos leigos, sendo os últimos responsáveis pela manutenção e trabalhos necessários para o sustento do Mosteiro
Atualmente, existem 21 casas ativas, contudo na época do Renascimento a Ordem encontrava-se no seu auge com cerca de 200 casas ativas.1
1.1. Fundação e Estatutos
São Bruno2, nascido em Colónia, entre os anos de 1027 e 1035 foi o Pai fundador da Ordem da Cartuxa. Desde cedo teve uma educação superior, tendo estudado Teologia e Filosofia numa universidade em Reims, França. Tornouse cónego em 1057 assumindo o ofício de Magíster Scholarum da Catedral de Reims. A sua conversão resulta de um episódio celestial ocorrido em 1082, no funeral de Raymond Diocrès, um afamado professor da Universidade de Sorbonne com reputação de grande virtude Durante as exéquias, na passagem do Ofício dos Mortos, o defunto ressuscitou brevemente e gritou desesperadamente que Deus o havia julgado e condenado pelos seus vícios ocultos. Este episódio levou São Bruno à recusa dos prazeres do mundo através da reclusão e meditação, o que conduziu à criação da Ordem Cartusiana.3
Em 1084 entra na “Chartreuse”4 juntamente com seis companheiros5, com o intuito de reavivar no Ocidente o espírito dos monges do deserto.6
1 Monastère de la Grande Chartreuse (2021d).
2 Monge alemão (Colônia, Alemanha - 6 de outubro de 1101, Serra San Bruno, Itália), fundador da Ordem da Cartuxa, beatificado em 1514 por Papa Leão X e canonizado em 1623 por Papa Gregório XV. Festa litúrgia da Ordem celebra-se na data do seu falecimento: 6 de outubro.
3 Jakoš Ilija, Pe. Antonio (2021).
4 O primeiro mosteiro edificado em terrenos montanhosos e isolados, a poucos quilómetros de Grenoble, França. Porém, devido à quantidade de avalanches existentes no local, um dos sucessores de S. Bruno, Guigues I, transfere a comunidade para um local próximo do primitivo, mas a uma cota inferior onde fundou a “Grande Chartreuse”. “Chartreuse” foi o primeiro mosteiro edificado em terrenos montanhosos e isolados, a poucos quilómetros de Grenoble, França, onde S. Bruno entrou com quatro monges e dois irmãos conversos Bruno da Silva, D. (1888). Porém, devido à quantidade de avalanches existentes no local, um dos sucessores de S. Bruno, Guigues, transfere a comunidade para um local próximo do primitivo, mas a uma cota inferior onde fundou a “Grande Chartreuse”.
5 Dos seis companheiros de S. Bruno, quatro eram monges e dois irmãos conversos. Bruno da Silva, D. (1888).
6 Monastère de la Grande Chartreuse (2021a).
Estatutos 1.1: “Cristo, a Palavra do Pai, sempre escolheu alguns homens pelo Espírito Santo para os conduzir à solidão e para os unir em amor íntimo”.7
Os cartuxos desejam responder ao apelo expresso no Estatuto 1.1, através do exemplo da vida de Cristo quando escondido em Nazaré: no seu jejum no deserto, na sua oração isolado na montanha e no dom total de si mesmo. Assim, dedicam as suas vidas inteiramente ao louvor divino, à oração e à busca de Deus “no segredo dos seus corações” 8
A vida de um monge cartuxo é equilibrada em torno de três eixos: o silêncio, a solidão e o cuidado da sua cela; a oração comum na Igreja, três vezes por dia; e a liturgia privada, adaptada ao seu estilo de vida. 9
1.1.1. A vida solitária da cela e vida comunitária
Estatutos 4.1: “A nossa principal aplicação e vocação é viver no silêncio e solidão da cela. É o terreno sagrado, o lugar onde Deus e o seu servo têm conversas frequentes como entre amigos. Ali, a alma está muitas vezes unida ao Verbo de Deus, a esposa com o esposo, a terra com o céu, o humano com o divino” 10
A solidão de um cartuxo implica uma separação efetiva com o mundo, conseguida através da clausura. Não saem do Mosteiro, não recebem visitas (salvo raras exceções), não exercem apostolados no exterior e as únicas notícias a que têm acesso são as transmitidas pelo Prior11. Desta forma, reúnem as condições necessárias ao desenvolvimento de um “silêncio interior que permite à alma permanecer atenta à presença de Deus”. A cela é uma ermida que permite assegurar uma solidão tão completa quanto possível, não descurando as necessidades da vida. É o local onde o monge permanece sozinho a maior parte do dia, durante toda a sua vida. 12
A solidão dos monges cartuxos é equilibrada por uma vida comunitária restrita. Diariamente realizam três liturgias cantadas na Igreja, à meia-noite, de manhã e à tarde. Nos domingos e em dias solenes rezam ofícios na Igreja, tomam a refeição do meio-dia juntos enquanto escutam, em silêncio, uma leitura e da parte da tarde têm uma reunião na Sala do Capítulo. A vida comunitária é complementada por uma longa caminhada semanal pelo “deserto”, durante a qual podem comunicar entre si, caso o desejem.13
7 Monastère de la Grande Chartreuse (2021g).
8 Ibidem
9 Ibidem.
10 Monastère de la Grande Chartreuse (2021g).
11 Monge cartuxo geralmente nomeado pelo Capítulo Geral, porém, também, pode ser eleito pela comunidade local. É o responsável pela gestão e administração do Mosteiro, sendo o elo de comunicação do Mosteiro com a restante Ordem e com o exterior (quando estritamente necessário). É uma posição rotativa assumida por monges que se destaquem pelos seus conhecimentos e dedicação à Ordem.
12 Ibidem
13 Ibidem.
1.1.2. Capítulo Geral e visita canônica
O Capítulo Geral, celebrado de dois em dois anos na Grande Chartreuse, França, é uma assembleia presidida pelo Reverendo Padre (o Prior da Grande Chartreuse, considerado o Ministro Geral de toda a Ordem) e com assistência do Procurador Geral da Ordem e de todos os Priores e Vigários dos Mosteiro ativos, também designados internamente pela Ordem de São Bruno como simplesmente “Casas”.
Figura 1.2 - No cubículo, a sala mais importante da cela cartuxa, o monge reza, dorme e estuda. Kartause Marienau 2003. Fotografia gentilmente cedida por © H.M. www.brunonis.net.Instituído pelos primeiros Priores da Ordem como forma de assegurar a continuidade e a estabilidade do ideal cartusiano, este sistema “consolidou para sempre o laço de caridade que une as Casas e a todos os membros da Ordem, resolvidos a avançar prazenteiramente pela senda do Senhor.”14
O Capítulo Geral estabelece, também, visitas canônicas para que nas “Casas da Ordem reinem a caridade, a paz e uma fiel observância”. Assim, a cada dois anos são enviados Monges Visitadores às diferentes casas da Ordem com o intuito de escutar e aconselhar os monges locais. Estes visitantes possuem os poderes necessários para solucionar qualquer dificuldade que possa apresentar-se, ficando as orientações e decisões tomadas redigidas em cartas.15
1.1.3. Fundação de uma nova casa
A Ordem Cartusiana considera a criação de uma nova casa em dois atos distintos:
1. A fundação, que ocorre a partir do momento em que os monges se deslocam para um novo local com esse intuito, oficializando-se com a eleição do primeiro Prior da casa.
2. A entrada no Mosteiro, recém-construído.16
Dependo do contexto e circunstâncias da formação de nova casa, as duas datas poderão ser mais ou menos próximas. Veja-se, o caso dos dois exemplos portugueses:
A Cartuxa de Évora é fundada em 1587 quando chegam os primeiros monges de Espanha, que ficam temporariamente albergados no Palácio Régio de Évora, enquanto se procede à edificação do Mosteiro de Santa Maria Scala Cœli, cuja entrada dá-se em 1598, com o Mosteiro concluído;
A Cartuxa de Laveiras é fundada em 1593 com a deslocação de monges de Évora, que permanecem temporariamente nas Casas da Pampulha, Lisboa, até à entrada na Quinta de Laveiras em 1598, iniciando-se posteriormente o início da construção do Mosteiro;
14 Monastère de la Grande Chartreuse (2021c).
15 Ibidem.
16 Monastère de la Grande Chartreuse (2021e).
1.2. Arquitetura Cartusiana: identidade e adaptabilidade
A solidão do cartuxo é assegurada e protegida por três espaços concêntricos: o deserto, a clausura e a cela 17
1. O “deserto” é a grande área que rodeia o recinto, podendo extravasar a zona delimitada pela cerca da quinta onde se insere. Os Mosteiros da Ordem de São Bruno são construídos preferencialmente em lugares inóspitos e isolados, longe de qualquer habitação e fonte de ruído, num ambiente natural. Assim, atingiam o desejado “deserto” silencioso, por onde os monges poderiam fazer os seus passeios semanais sem interagir com o mundo exterior.18
17 Monastère de la Grande Chartreuse (2021f).
18 Ibidem.
Figura 1 3 - Interior da ala sul do claustro do Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, a Cartuxa de Évora. Fotografia gentilmente cedida pela © Fundação Eugénio de Almeida, fotografia: Ana Sofia Oliveira (2021).2. A “clausura” é proporcionada pelo recinto do Mosteiro, onde a vida do monge tem lugar, um espaço projetado para que não haja a necessidade de deslocações ao exterior, servindo na totalidade a vida cartusiana. 19
3. A cela é “um deserto dentro do deserto”, um pequeno eremitério onde o monge encontra o seu equilíbrio, através da oração, estudo e trabalho.20
19 Ibidem.
20 Ibidem.
Um Mosteiro da Ordem de São Bruno é composto essencialmente pelas seguintes zonas:
O Claustro Grande: é a entidade arquitetónica que agrupa todas as celas individuais, centralizando a vida eremítica dos monges e assumindo no conjunto uma importância dimensional incomum, característica da Ordem.21 A repartição das celas é realizada em redor de quatro galerias que dão uma forma quadrangular, ou retangular, ao claustro. A partir do século XIV, o Claustro Grande ergue-se, tipicamente, por detrás da Igreja e seguindo o eixo desta, contudo continuaram a ocorrer exemplos onde tal não se sucedeu.22
21 Ibidem.
22 A falta de recursos impediu diversos Mosteiros cartusianos de terem uma planimetria regular e uniforme, porque o local de implantação requeria muitos trabalhos para aplanar terrenos em declive, e, por isso, adaptaram-se à topografia do lugar, reservando a maior área plana para construir o Claustro Grande. Os outros edifícios necessários, como a Igreja, eram implantados depois, conforme as condicionantes criadas pelo Claustro Grande e a área livre. Leoncini, G. (1979), p.45.
Figura 1 5 - Jardim de uma das celas do Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, a Cartuxa de Évora. Fotografia gentilmente cedida pela © Fundação Eugénio de Almeida, fotografia: Ana Sofia Oliveira (2021).Os lugares da comunidade: são os espaços que servem, como o nome indica, a vida comum dos monges. Estes estão, por norma, agrupados em torno de um claustro pequeno. Os principais espaços são a Igreja, a sala do Capítulo e o Refeitório, associados a estes, podem-se encontrar locais de trabalho como a Sacristia, a Cozinha e Despensas. Ainda no Claustro Pequeno encontram-se com frequência Capelas individuais.23
As obediências: são os locais de trabalho dos irmãos conversos. Podem ser oficinas, (como por exemplo: carpintarias e forjas) ou quintas, pomares e hortos necessários à autossuficiência do Mosteiro 24
23 Monastère de la Grande Chartreuse (2021f).
24 Ibidem.
Durante o século XII e grande parte do século XIII, os conjuntos monásticos da Ordem Cartusiana caracterizavam-se pela sua separação em dois núcleos: a “casa alta” para os monges, e a “casa baixa” para os irmãos conversos. Estas características assentavam na ausência de um esquema fixo de distribuição dos seus espaços, resultante da aplicação rigorosa dos princípios de solidão e pobreza.
Ao longo dos séculos, foi-se desenvolvendo um esquema de acordo com os espaços que se iam tornando necessários. Na segunda metade do século XIII, mas principalmente no século XIV, os Mosteiros começam a implantar-se em locais planos e de clima mais favorável, motivados por novas formas de rendimento que iam para além da tradicional agricultura. A doação de beneméritos e as rendas resultantes do seu património tornam-se importantes fontes de rendimento, tornando possível o investimento na construção e na compra de novos terrenos. Esta deslocação permitiu o aumento da comunidade e a construção de conjuntos amplos e monumentais, de planta mais regular.
No século XIV a Cartuxa alcança a sua forma “clássica” que permaneceu nos seus elementos essenciais ao longo dos séculos. Neste período, a nobreza, a burguesia e os homens de poder viram na Ordem Cartusiana um modo de intermediação com a salvação das suas almas, dotando os mosteiros de grandes obras de arte, em troca das suas valiosas orações.
Eugène Viollet-le-Duc, na segunda metade do séc. XIX, enuncia que a planta da Cartuxa de Clermont, em França, representa a planta-tipo cartusiana (Figura 1.7). Além de englobar os espaços típicos, é uma planta estruturada, tendo em conta eixos de implantação, relação entre espaços e respetiva comunicação. Apesar desta matriz de arquitetura cartusiana ter-se evidenciado em diversas casas, nem todas a conseguiram cumprir devido à morfologia do local de assentamento.25
Apesar da planta da Cartuxa de Clermont, ser um excelente exemplo de organização de um Mosteiro Cartuxo, depois do estudo dos estatutos da Ordem e análise dos exemplos existentes, percebe-se que a arquitetura cartusiana é muito mais do que uma “planta-tipo” repetida escrupulosamente em diferentes localizações do mundo.
O que caracteriza um mosteiro cartusiano é o equilíbrio entre a sua identidade e a sua adaptabilidade ao local, respondendo às necessidades da Ordem. Uma identidade patente na arquitetura que o distingue de outras ordens religiosas (com os três espaços concêntricos, e a importância do claustro grande na vida do monge, que é transporto na arquitetura através da sua dimensionalidade) e uma adaptabilidade à topografia local que oferece as melhores condições de habitabilidade à comunidade religiosa. Um equilíbrio, que torna cada exemplar único dentro da Ordem. Prova dessa adaptabilidade é a liberdade e poder de decisão que os monges possuem aquando da projeção de um novo Mosteiro - da sua nova Casa. 26
25 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 5.
26 Ibidem, p. 177.
1.2.1. Exemplos de Mosteiros Cartuxos, na Europa
Grande Chartreuse, França
Anos de atividade: 1084-1794; 1816-1903; reocupada em 1940
La Certosa
Anos de atividade: 1090-1197; 1514-1808; reocupada em 1856
Certosa di San Giacomo
Anos de atividade: 1370-1808
Figura 1.11 - Vista aérea de La Certosa di San Giacomo, Capri, Itália. Fotografia gentilmente cedida por © por Direzione regionale Musei Campania.Certosa di Bologna
Anos de atividade: 1334-1797
Cartuja de Porta Coeli
Anos de atividade: 1272-1808; 1814-1835; restaurada em 1945
Figura 1.13 - Cartuja de Porta Coeli, Bétera (Valencia), Espanha. Fotografia gentilmente cedida por © Luz Gil, Paisajes en mi retina.Cartuja de Montalegre
Anos de atividade: 1415-1808 ; 1814-1820 ; 1823-1835 ; restaurada em 1867
Cartuja de Santa María de Miraflores
Anos de atividade: 1442-1808; reocupada em 1814
Figura 1.15 - Vista aérea da Cartuja de Santa María de Miraflores, Burgos, Espanha. Imagem: Google, ©2023 CNES / Airbus, Maxar Technologies.Cartuja Aula Dei
Anos de atividade: 1564-1808 ; 1815-1835 ; 1901-2011
Saint Hugh’s Charterhouse
Anos de atividade: 1873 – atualidade
Figura 1.17 - Vista aérea de Saint Hugh’s Charterhouse, West Sussex, Grã-Bretanha. Fotografia gentilmente cedida por © A. Jeremy Shapiro (2014), jezmo.com.Kartause Marienau
Anos de atividade: 1964 – atualidade
Anos de atividade: 1587-1834 ; 1960-2011
Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli Figura 1 19 - Vista aérea do Mosteiro da Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli. Fotografia gentilmente cedida pela © Fundação Eugénio de Almeida, fotografia: Carlos Tojo (1999).1.3. Chegada da Ordem de São Bruno a Portugal
A Ordem de São Bruno chega a Portugal no final do séc. XVI, com a fundação do Mosteiro de Santa Maria Scala Cœli, em Évora. Seguindo-se o Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ, também conhecido como Cartuxa de Laveiras, localizado em Caxias, Oeiras.
Ambos constituem o testemunho da singularidade arquitetónica cartusiana em Portugal, possuindo características em comum, são geralmente referidas como “casas irmãs”. Não obstante, os seus percursos divergiram ao longo dos tempos.
O presente documento debruçar-se-á em pormenor sobre o impressionante e curioso exemplar oeirense ao longo dos próximos capítulos. Ainda assim, não poderíamos deixar de fazer uma brevíssima referência à sua casa irmã.
1.3.1. Mosteiro de Santa Maria Scala Cœli, Évora
Em 1587 chegam a Portugal os primeiros monges da Ordem de São Bruno que sob o patrocínio do Ilustríssimo Senhor
Dom Teotónio de Bragança, Arcebispo de Évora, fundaram a Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli no Palácio Régio de Évora. Os fundadores da Cartuxa de Évora eram professos da Cartuxa de Scala Dei (Tarragona), e foram os monges D. Luís Telm, D. Jerónimo Ardio, D. Francisco de Monroy e os irmãos conversos Frei Silvestre, Frei João de Vellis e Frei Paulo.27 Curiosamente, estes três primeiros monges de Scala Cœli (Évora), serão posteriormente, os primeiros priores de Vallis Misericordiæ (Oeiras).
No Palácio Régio de Évora começaram os cartuxos catalães o exercício da sua ordem, recebendo e preparando noviços e dirigindo os trabalhos da Cartuxa de Scala Coeli. Ao fim de onze anos, em 1598, entraram no Mosteiro28, onde prevalecem até à extinção das Ordens Religiosas em Portugal. A Ordem Cartusiana volta a instalar-se neste espaço em 1960, após a reconstrução do Mosteiro, uma ocupação que dura até outubro de 2019. Os quatro monges cartuxos que lá viviam, mudam-se para a Cartuxa de Miraflores, em Burgos.29 Hoje a Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli é considerada pelos eborenses como um dos seus tesouros culturais.30
27 Bruno da Silva, D. (1888).
28 Ibidem.
29 Agência Lusa (2019, out 8 a).
30 Ordem dos Cartuxos (1998-2022).
2. MOSTEIRO DA CARTUXA DE SANTA MARIA VALLIS MISERICORDIAE Procedente e Fundação [1593 – 1603]
Que conjunto de fatores conduziram à edificação de um segundo Mosteiro da Ordem Cartusiana, em Portugal, na Quinta de Laveiras em Oeiras? Qual o contexto histórico e quais foram os principais intervenientes? São estas as principais perguntas a que nos propomos responder no presente capítulo. Para tal é necessário recuar 10 anos à data de assinatura do contrato que oficializa a Ordem Cartuxa na Quinta de Laveiras (1603). Exploraremos a “vontade”, dos principais mecenas e intervenientes e, ainda, as dificuldades enfrentadas pelos monges cartuxos no processo da fundação do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, que teve como berço a formação de uma nova Casa na Pampulha. Para o efeito, é essencial o testemunho deixado por Frei João de São Tomás, monge cartuxo professo e vigário de Santa Maria Vallis Misericordiae, no manuscrito “Origines Cartusiarum Lusitaniæ Eborensis” Anno Domini
MDCCXXXIII (1733).
2.1. Fundação de Nova Casa na Pampulha, Lisboa
Como referido no subcapítulo 1.3., em 1587 chegaram a Portugal os monges professos da Cartuja de Scala Dei ,Tarragona (Figura 2.2), que sob o patrocínio do Ilustríssimo Senhor Dom Teotónio de Bragança, Arcebispo de Évora, fundaram a
Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli no Palácio Régio de Évora. A Cartuja de Scala Dei foi o primeiro Mosteiro da Ordem de São Bruno na Península Ibérica, fundado em 1194 no vale de Pregona. Era composto por uma Igreja dedicada a Santa Maria, dois Claustros Grandes, Sala Capitular, Refeitório, Claustro Pequeno, Capelas e dependências serviçais
(Figura 2 3).31
Figura 2.3 - Planta da Cartuja de Scala Dei, © Barraquer, Gaietà (1906). Casa de proveniência dos monges fundadores da Cartuxa de Scala Dei, em Évora e de Vallis Misericordiae, em Oeiras.
Figura 2 4 - Montagem com duas maquetes da Cartuja de Scala Dei, à esquerda a ruína antes das ações de conservação e restauro e à direita a simulação do que seria o conjunto em funcionamento © SBA73, CC BY 2.0, via Flickr.
Segundo o investigador Jesué Pinharanda Gomes, as crónicas internas da Cartuxa de Évora são testemunho de que o projeto cartusiano previa a fundação de um segundo ermo, de preferência na região de Lisboa.32 Por outras palavras, seria desejo do Capítulo Geral da Ordem edificar outra Casa cartusiana “na nobilíssima Cidade de Lisboa, metrópole naquele tempo de todo o Reino”, como descreve Frei João de São Tomás no seu manuscrito.33
Decorridos os primeiros anos de desenvolvimento da obra eborense, o primeiro prior da Cartuxa de Évora, D. Luís Telm, adoece gravemente, renunciando ao priorado e mudando-se para a capital do reino.34 Em Lisboa, D. Luís Telm procura, por um lado, receber assistência médica e, por outro, encontrar um novo ermo. Obteve, para ambos os propósitos, a proteção e apoio de um importante religioso - O Ilustre Senhor D. Jorge de Ataíde, Bispo de Viseu, Capelão-Mor de el-Rei D. Filipe I de Portugal (II de Espanha) e devoto da Ordem de S. Bruno, que acudiu ao desejo da formação de um novo ermo.35
D. Jorge de Ataíde promoveu a nova fundação cartusiana junto do Rei, o que resultou numa oferta de mil cruzados por ano para edificação da Casa e sustento dos monges que nela vivessem. Durante esse período, D. Jorge de Ataíde dá ao Padre D. João Bellot, na altura, prior da Cartuxa de Évora e Comissário de Portugal, propriedades no bairro da Pampulha, em Lisboa, onde os monges cartuxos pudessem viver e fundar a nova Casa.
Por estes feitos, escreveram os monges sobre D. Jorge de Ataíde: 36
“Foi primeiro fundador da nossa Cartuxa de Nossa Senhora Vale de Mizericordia, a qual deu principio no anno de 1593”
32 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 28. Gomes Tereso, M. (2016a), p. 27
Nota: Os autores Jesué Pinharanda Gomes e Juan Escudeiro Mayo apresentam, entre as páginas 51 e 67, o resultado da sua investigação na tradução e interpretação de parte do manuscrito de São Tomás, Frei João de (1733-1737). Também a autora Maria Gomes Tereso se debruça sobre este documento e citando-o recorrentemente no seu estudo. Sendo uma fonte primária de extrema relevância, também, no presente trabalho de investigação.
33 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p.51.
34 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p.27. Gomes Tereso, M. (2016a), p. 27
35 Ibidem.
36 [Monge Cartuxo de Vallis Misericordiae] (s.d.). Breve biografia de D. Jorge de Ataíde. O documento não se encontra datado, porém refere a morte de D. Jorge de Ataíde (†1611), consequentemente será posterior a essa data.
Figura 2.5 - Excerto de Breve biografia de D. Jorge de Ataíde por monge cartuxo de Vallis Misericordiae. Ordem da Cartuxa, Hospício de Nossa Senhora do Vale da Misericórdia de Laveiras, mç. 3, n.º 252, PT/TT/HLV/M03/000252, Imagem cedida por ANTT.No mesmo ano de 1593, o Padre D. João Bellot recebe uma Carta do Capítulo Geral a nomeá-lo Prior da Cartuxa de Valldecristi (Valência). Antes de cessar funções em Portugal, D. João Bellot institui como Reitor da nova Casa portuguesa o Padre D. Luís Telm e como Procurador o P. D. Jerónimo Ardio, um dos companheiros fundador da Cartuxa de Évora. No ano seguinte, o Capítulo Geral aprova as nomeações e ampliam os poderes de D. Luís Telm.37
Carta Capitular:
“A provisão da Casa de nova plantação que começou a erigir-se na cidade de Lisboa por vontade da sua Católica Majestade e do Sereníssimo e reverendíssimo Cardeal e de outras ilustres pessoas, provisão feita pelo Venerando Padre Dom João Bellot, Visitador da Província da Catalunha e então Comissário em Portugal, louvamos e aprovamos, confirmando Dom Luís Telm como Reitor dessa Casa e Dom Jerónimo Ardio como Procurador, aos quais transmitimos e concedemos a autoridade nossa e da Ordem para gestionar, pedir, aceitar e conservar quanto for necessário para a edificação, dotação, promoção e feliz manutenção dessa nova Casa. Por isso alargamos esses poderes para acolher e promover qualquer outra fundação no reino de Portugal e para que o dito Dom Luís Telm possa chamar quaisquer pessoas da Ordem (exceptuados os Oficiais) das Províncias de Castela e Catalunha, para povoar essas Casas e implanta, promove e conservar nelas a observância regular, de modo que a pessoa assim convocada deva obedecer a esse Padre como a nós.” 38
O bairro da Pampulha é descrito na crónica do monge cartuxo Frei João de São Tomás como sendo, no final do século XVI, uma aldeia ribeirinha dos subúrbios de Lisboa. O referido bairro consistiria num aglomerado populacional perto da capital e que se enquadrava num eixo de desenvolvimento urbano que ligava a cidade à zona de Belém.39 Uma zona muito desejada por ser “perto e ficar longe” e onde já se encontravam fundados Conventos da Ordem dos Carmelitas Descalços.40 É precisamente junto ao Convento de São João de Deus, que à data seria dos Carmelitas Descalços, que se situavam as Casas doadas por D. Jorge de Ataíde aos monges cartuxos.41
À medida que o tempo foi passando, a população do bairro foi aumentando exponencialmente e os monges foram se apercebendo que a Pampulha não reunia as características ideais de um ermo cartusiano. Porém, ainda sem local para a edificação de um novo Mosteiro, D. Luís Telm e os monges que o acompanharam, adaptaram o espaço doado para melhor poderem realizar os seus rituais.42 Assim, a casa da Pampulha servia de base para um projeto ao qual faltava sítio.43
37 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 51-52.
38 Ibidem, p.52.
39 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 27.
40 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p.28.
41 Gomes Tereso, M. (2016a), p.27
42 Ibidem, p.31.
43 É, porém, curioso que, apesar de os seguidores de São Bruno não terem encontrado silêncio que procuravam na cidade de Lisboa, mantêm hospício próprio, no Salitre, até ao processo de extinção das ordens religiosas sec. XIX. Lopes, F. (2018).
Figura 2.6 - Atlas da carta topográfica de Lisboa: n.º 57, da autoria de Eng. Filipe Folque, em 1857. PT/AMLSB/CMLSBAH/PURB/003/00028/59. Arquivo Municipal de Lisboa.
Durante o primeiro ano em que estiveram na Pampulha, D. Luís Telm teve conhecimento de uma quinta destinada à fundação de um Mosteiro. A quinta em questão, situada em Laveiras, pertencia ao conjunto de bens deixado em testamento por Dona Simoa Godinho à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, sob condições restritas.44 Várias Congregações religiosas interessaram-se pela Quinta de Laveiras e os monges cartuxos não foram exceção45, porém, como se analisará no subcapítulo 2.3., o processo até à entrada dos primeiros monges cartuxos em Laveiras, foi demorado e complexo. Antes de se avançar para o referido subcapítulo 2.3., será pertinente perceber quem foi D. Simoa Godinho e o que diz o seu testamento sobre a Quinta de Laveiras.
44 Gomes Tereso, M. (2016a), p.31.
45 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p.28.
2.2. D. Simoa Godinho e a Quinta de Laveiras
D. Simoa Godinho (c.1530-1594) originária da ilha de São Tomé, detentora de uma vasta fortuna ligada à exploração das riquezas ultramarinas, ficou conhecida por ter legado quase todos os bens à Misericórdia de Lisboa. Segundo J. Fonseca, D. Simoa terá herdado dos avós46 e dos pais avultados bens, dispondo de uma fortuna adquirida há várias gerações47. Essa fortuna viria a ser ampliada através do seu casamento com D. Luís de Almeida, escudeiro fidalgo da casa do rei, sobrinho de Baltasar de Almeida48. D. Luís de Almeida, um português bem relacionado e com ambições de um futuro próspero, desde cedo interessou-se pela atividade açucareira, tendo o casamento reforçado a sua capacidade económica, o aumento da produção e dos respetivos lucros.49 Entre 1570 e 1578 decidem fixar-se em Lisboa de onde gerem, eficazmente, os seus negócios de exportação de açúcar. Dos rendimentos provenientes das propriedades sãotomenses investem em novos bens na capital do reino e arredores50, entre as quais uma Quinta em Laveiras. Adquirem ainda uma moradia, à altura do seu elevado estatuto económico51 e social na zona nobre da cidade, junto ao rio Tejo, entre os solares dos condes de Linhares e de Portalegre, no terreiro das Portas do Mar (futura Ribeira Velha), onde vivem o resto das suas vidas sem filhos. Após a morte de D. Luís de Almeida, D. Simoa continua ligada ao comércio intercontinental 52 .
A 2 de fevereiro de 1594 D. Simoa, já bastante débil de saúde, deixa as suas vontades num testamento marcado pelo sentido da caridade53 e do despojamento. Para o efeito nomeia como testamenteiro Manuel da Cunha, pessoa da sua confiança, e pede ao seu confessor Frei Belchior, franciscano arrábido, que assinasse o testamento e que se certificasse da sua concretização.54
Morre pouco tempo depois, a 26 de março de 1594, deixando a sua fortuna ao cuidado da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, sua herdeira universal. Não obstante, determinou a aplicação de parte do dinheiro para pessoas suas protegidas e para várias causas, como por exemplo: no tratamento de pessoas incuráveis no Hospital de Santa Ana (Lisboa); no casamento de jovens órfãs; na assistência a presos; entre outros, condicionando desse modo a gestão da sua herança. Relativamente às suas propriedades, importa-nos destacar a Quinta em Laveiras, sobre a qual D. Simoa impôs algumas
46 Descendente de um dos primeiros povoadores da ilha de São Tomé que para lá foi enviado em 1493.
47 Fonseca, J. (2019).
48 Baltasar de Almeida, feitor do trato dos escravos resgatados na costa africana com destino a São Tomé, desempenhava um cargo de grande responsabilidade, gozando de prestígio na ilha, o que lhe permitiu casar o sobrinho com uma herdeira rica. Ibidem, p. 105.
49 Nos anos em que o casal viveu em São Tomé instalaram uma agricultura de plantação voltada para a cultura em larga escala da cana-deaçúcar e a sua transformação industrial com destino ao mercado externo. O recurso quase exclusivo a mão-de-obra escrava caracterizou igualmente esse modelo de produção. Ibidem, p.106.
50 Ibidem, p. 108-113.
51 Além das diversas propriedades e do negócio de sucesso D. Simoa Godinho, em Lisboa, possuía uma vintena de escravos – um número apreciável em Portugal, raro mesmo entre membros da primeira nobreza do reino. E dispunha, também, de uma infinidade de escravos, em número desconhecido, fundamentais para a exploração das propriedades em São Tomé. Ibidem, p.106 - 108.
52 Ibidem, p.107.
53 Repartiu a sua enorme riqueza “por obras de caridade e piedade cristã, dotou muitos conventos e Igrejas de Lisboa, ajudou cadeias e hospitais, socorreu os inválidos, os patrícios necessitados de São Tomé que viviam na capital.” Martins, O. (Ed.), (1987b), p.11.
54 Pinharanda Gomes, J. (2004).
cláusulas rígidas. Foi sua vontade que se fizesse na quinta um Mosteiro feminino de uma ordem pobre ao qual dotaria os rendimentos necessários para a construção e mantimento do mesmo.55 Ficando escrito em testamento o seguinte:
“Se acaso morrer sem fazer de minha Quinta de Laveiras, Mosteiro de Religiosas pobres, como desejo e confio fazer, ainda que quem me este meu testamento faz me põe dificuldade de estarem ali mulheres, eu desejo que se celebre ali o Divino Ofício, pelo que peço ao Senhor provedor e a meus testamenteiros façam na mesma Quinta Mosteiro de Religiosas pobres, e quando não puder ser bem serem freiras, sejam frades, de maneira a que nela se sirva a Nosso Senhor Deus por pessoas eclesiásticas e religiosas e como eu confio que o senhor provedor que nesse tempo servir a mesa da Santa Misericórdia - a qual fica por minha universal herdeira - fará visto como se dela espera, humildemente lhe peço, que, depois de haverem incorporado o juro que deseja seja na Santa Casa perpetuo, tire dele 100 mil reis ou 150 cada ano, para se gastarem em compor a quinta e a ordenar em mosteiro, e depois de efeituada o Senhor Provedor me faça mercê e esmola de querer ser padroeiro e tirará do juro ou rendimento da fazenda de S. Tomé aquilo que, segundo o seu juízo e dos da Mesa, parecer que bastará para ali se poderem sustentar 10 ou 12 religiosos - se não for possível serem mulheres - e se não poderem ser mais folgarei que não sejam menos. (…) Uma casinha que tenho dentro de Laveiras deixo-a a Catarina de Almeida, e por sua morte deixo-a a quem possuir a quinta que junto do lugar tenho”56
Figura 2.7 - Pormenor da Certidão do testamento de Simoa Godinho. Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Cartório, Testamentos, maço 5, doc. 49. Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Segundo Frei João de São Tomás, terá sido o padre franciscano arábico, confessor e testamentário de D. Simoa, quem levantou a dúvida sobre se o local da Quinta seria indicado para mulheres, por este ser um sítio bastante isolado, deixando a hipótese de, em lugar destas, serem frades. Porém, não fez referência direta ao voto de pobreza que estes deveriam ter.57
55 Martins, O. (Ed.), (1987a), p.13.
56 Ibidem.
57 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 99.
2.3. Conflito de Ordens Religiosas pela Quinta de Laveiras
Após a morte de Dona Simoa a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa analisou a cláusula testamentária durante alguns meses, para corretamente poder decidir qual a Ordem Religiosa que melhor cumpriria os desejos expressos pela testadora. Os primeiros candidatos foram os padres capuchos da Arrábida, mas surgiram outras ordens e congregações religiosas com petição para o terreno, provocando um conflito, que chegou à esfera internacional. Como referido anteriormente, os monges cartuxos a residir na Pampulha (1594-1598), também se candidatam ao usufruto da Quinta de Laveiras, por considerarem ter uma boa localização para a edificação de um novo ermo isolado.
D. Luís Telm escreve ao Rei D. Filipe I (II de Espanha), para este decidir sobre quem deveria tomar posse da Quinta58, mandando a Madrid fazer esta diligência o seu Procurador D. Jerónimo Ardio (Figura 2 8), que chegou à Corte a 4 de dezembro de 159459. D. Filipe I responde a 30 de janeiro de 1595, igualmente por carta, demonstrando todo o seu apreço em que se fundasse na Quinta de Laveiras um Mosteiro cartusiano60, possivelmente influenciado pela sua relação de proximidade com os cartuxos de Espanha e por sugestão do seu Capelão-Mor, D. Jorge de Ataíde fundador da segunda Casa Cartuxa em Portugal.
“Em carta de Sua Magestade de 30 de Janeiro de 1595.
O procurador da Cartuxa me deu a vossa carta sobre a fundação do mosteiro da sua ordem, que eu [h]ouve por bem que se fizesse nessa cidade e todo o favor que pa[ra] isso se lhe poder dar folgarei eu muito que se lhe de, e será bem empregado em huã religião de tanta virtude e merecimento na igreja de Deos […]. E no que toca ao ditto mosteiro que se hade fazer na ditta quinta, me pareçe que o doutor Antonio Dalmeida que tem visto este caso deve ir a mesa da Misericórdia com hua carta minha pa[ra] o provedor e irmãos della que irá neste despacho, a qual lhe dará e com ella lhe apontará as razões que ha pa[ra] não [h]aver escrupulo algú em ser o ditto mosteiro de Cartuxos, e que pa[ra] isso não he necessario dispensação e que allem de não poder ser de riligiosos de São Francisco pois não pode[m] ter renda ou esmola çerta e perpetua, que fica sendo renda simulada eu tinha mandado que se não fação mais mosteiros desta ordem nesta comarca por [h]aver ja outros muitos nella. E que portanto eu me [h]averej por muito servido de elles acomodarem alli a Cartuxa e que ella não pretende mais que o que elles [h]ouvere[m] de dar a quaes quer outros riligiosos, antes menos […]”61
58 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 33.
59 O Padre D. Jerónimo Árdio levava consigo um memorial e uma carta, falou com João Ruiz para lhe dar lugar de falar a el-Rei, tendo sido direcionado primeiramente para o se apresentar ao Conselho de Portugal, onde falou entre os demais com D. Cristóvão de Moura a quem foi entregue os documentos. Após a realização da diligência, a 22 do mês de dezembro P D. Jerónimo Ardio foi para a Cartuxa de El Paular (Figura 2 9) passar as festividades, onde esteve até 5 de janeiro do ano seguinte de 1595. Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 53.
60 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 33-35.
61 [D. Filipe I, de Portugal] (1595).
El-Rei escreve, também, à Misericórdia de Lisboa, “como já tinha feito algumas vezes anteriormente, depois de recebida uma primeira carta de Miguel de Moura, ainda que sempre frustradamente”62
“Provedor, e Irmãos da Misericórdia da Cidade de Lisboa.
Eu el-Rei vos envio muito saudar. Por outras vezes vos tendo escrito, que receberei contentamento de ordenardes que o Mosteiro que haveis de fazer na quinta, que foi da Dona Simoa defunta, seja de Religiosos da Cartuxa, pelo muito merecimento que esta Religião tem na Igreja de Deus: e por que as razões com que duvidastes fazê-lo se não têm por bastantes, vos encomendo que ouçais sobre esta matéria ao Doutor António de Almeida do meu Conselho, e meu Desembargador do Paço, a quem me remeto, e façais o que ele da minha parte vos disser, por que disso me haverei por mui bem servido de vós. Escrita em Madrid a 30 de Janeiro de 1595. Rei.” 63
Apesar da vontade e deliberação do rei, a Santa Casa da Misericórdia opôs-se aos argumentos apresentados e decide dar a Quinta aos padres capuchos da Arrábida, em outubro de 1597, com a justificação de que eram frades pobres, tal como tinha sido exigido no testamento. Em novembro do mesmo ano, D. Luís Telm comunica por escrito a situação ao
Prior da Cartuxa de Évora:
“Eis algumas coisas que se referem à nossa fundação e que me parece que devo comunicar a V. Revcia. Há quinze dias a granja durante tanto tempo desejada e pedida por nós foi entregue aos Capuchos pela Misericórdia, pois esta era quem devia decidir. Vossa Reverência me encomende a Deus nas suas orações por amor de Cristo. - Até aqui D. Luís.” 64
Porém, os frades capuchos apenas terão ocupado a quinta durante aproximadamente 1 ano. Com a chegada da notícia da entrega do terreno de D. Simoa à Corte, D. Filipe I decide recorrer a Roma, pedindo ao Papa Clemente VIII a comutação da cláusula testamentária impeditiva, ao que o Papa acede, mandando expedir um Breve65 nesse sentido, a 13 de dezembro de 1597.66
Em 1598, o Comissário-Geral de todas as Cartuxas de Espanha, o Padre Dom Francisco Quintana, Prior de El Paular (Figura 2.9), em Madrid, dirige-se à casa temporária da Pampulha (Figura 2.8). Em Lisboa, ordena que o Padre D. Jerónimo Ardio, então Procurador de Lisboa, volte para Scala Dei (Tarragona), ficando o Padre D. Vicente Bruno em sua substituição. Determina ainda, que o Padre D. Luís Telm, então Prior da nova casa de Lisboa, visite a Cartuja de Cazalla
62 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 53.
63 Ibidem, p. 53 – 54.
64 Ibidem, p. 56.
65 Documento papal com respetivo selo em depósito no Arquivo Nacional Torre do Tombo, Hospício de Nossa Senhora do Vale da Misericórdia de Laveiras.
66 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 35. e Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 56-57.
É durante a estadia do Comissário Geral Quintana, que chega a Lisboa o Breve da Santidade de Clemente VIII, e por não existir Prior em Lisboa, faz uma procuração em seu nome ao Padre D. Vicente Bruno para que apresentasse o Breve ao Juiz a quem vinha remetido e à Misericórdia. Realizadas as diligências necessárias para se sentenciar o Breve, é publicada a ordem de entrega da Quinta, a 10 de dezembro 1598, através da sentença do Doutor Simão Borges, Provisor, e Vigário-Geral do Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor D. Miguel de Castro, Arcebispo de Lisboa e Juiz Apostólico. A 12 de dezembro do mesmo ano, António Correia, notário apostólico, dá posse da Quinta ao Padre D. Vicente Bruno e notifica a mulher do caseiro, que lá habitavam, para a necessidade da saída destes da Quinta no prazo de três dias sob pena de excomunhão.68
Não obstante a tomada de posse dos monges cartuxos da Quinta de Laveiras em 1598, as discussões com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa duraram até 1603, discordando as partes sobre quanto custaria a construção do Mosteiro e sobre qual seria o montante das pensões anuais para sustento de doze religiosos como previsto no testamento de D. Simoa Godinho. Segundo a análise de J. Gomes do manuscrito de Frei João de São Tomás, ambas as parte só chegam
67 Barceló de Torres, E., et.al. (2013).
68 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 58-59.
Figura 2 9 - Planta da Cartuxa de El Paular, 1730. Autoria: Eduardo Barceló, Mercedes Álvarez e Ignacio Barceló. BAB Arquitectos.67a um acordo porque os padres cartuxos, já bastante cansados, decidem aceitar cláusulas e condições “ásperas e rigorosas, por lhe não chamar injustas”.69 “em tudo o que ela [a Misericórdia] quis, e teimou. Teimou em que não havia de dar para erecção do Mosteiro mais que sete mil e quinhentos cruzados; mil e quinhentos nos materiais de pedraria e carpintaria da dita quinta, que em tanto tinham sido avaliados por oficiais de pedreiros e carpinteiros; e os seis mil cruzados em dinheiro, os quais se não haviam de pagar juntos; se não por uma consignação de 150 mil reis em cada um ano até serem pagos; que estes se não haviam de começar pagar logo, senão depois de se comprar um juro de trezentos ou quatrocentos mil reis que a defunta D. Simoa Godinho mandava comprar para comprimentos de semelhantes legados. Que depois de o Convento com este dinheiro ser edificado, se daria em cada um ano perpetuamente para sustento dos doze religiosos que nele haverão de viver cem mil reis pagos aos quarteis, por que isto conforme a informação que tinha tomado da Província da Arrábida é o que bastava para sustento de doze religiosos pobres; que estes cem mil reis se não haviam de pagar senão vivendo os dito doze religiosos no dito convento, porque constando não haver o dito numero, não seria obrigada a pagar coisa alguma.”70
A 1 de julho de 1603 assinam o “…instrumento de Contrato de Composição e Conserto sobre Verbas do Testamento de D. Simoa Godinho que trata da Quinta de Laveiras e consecução do Breve de Sua Santidade (…)”.71 Segundo Vítor Henriques, só após este momento de oficialização é que se terá batizado a nova Casa como “Santa Maria Vallis Misericordiae”, o referido autor descreve o nome escolhido como: “Um tributo mariano na melhor tradição da Ordem, mas também uma agri-doce lembrança de quem fora a entidade gestora das terras: a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Apesar desta Entidade tudo ter feito para não atribuir a propriedade da Quinta de Laveiras aos Cartuxos, estes a honraram e a perpetuaram no nome da nova Fundação”.72
69 Ibidem. p. 59-60.
70 Ibidem.
71 Lopes, F. (2018), p 92.
72 Henriques, Victor M. T. (2021a).
O continuado zelo da Misericórdia de Lisboa e os conflitos internos à própria Ordem atrasaram durante mais alguns anos as obras de edificação do Mosteiro73, tema que será explorado ao longo dos próximos capítulos. 73 Lopes, F. (2018), p
Figura 2.10 - Obra produzida para a Cartuxa de Sevilla. Virgen de las Cuevas, por Francisco de Zurbarán. Hacia 1655. © Museo de Bellas Artes de Sevilla, Fotografia: Pepe Morón.3. MOSTEIRO DA CARTUXA DE SANTA MARIA VALLIS MISERICORDIAE [1598 – 1833]
3.1. Primeiros anos em Laveiras [1598 – 1612]
O primeiro Prior de Vallis Misericordiae, D. Luís Telm, morre a 8 de agosto 1598 na Cartuxa de Cazalla, consequentemente, não vê a entrada dos seus companheiros cartuxos na Quinta de Laveiras - a conquista de uma luta à qual se dedicou nos últimos 4 anos da sua vida. No seu lugar, faz o monge D. Vicente Bruno a posse da Quinta de Laveiras a 12 de dezembro de 1598. No ano seguinte, o Capítulo Geral nomeia para o cargo D. Francisco Monroig74, monge que já tinha ocupado a posição de Prior em Scala Dei (Tarragona) e Scala Coeli (Évora), onde foi um dos fundadores. Durante o seu priorato em Laveiras ter-se-á dado início à construção do Mosteiro Primitivo enquanto decorriam em simultâneo as negociações com a Misericórdia de Lisboa a respeito do testamento de D. Simoa e a angariação de donativos.
Em 1603 D. Jerónimo Ardio é nomeado Prior de Vallis Misericordiae, monge professo de Scala Dei (Tarragona), fundador de Scala Coeli (Évora) 75 e companheiro de D. Luis Telm na Pampulha, onde exerceu a função de Procurador acompanhando a luta pela fundação da nova casa.76 No priorato de D. Jerónimo Ardio (1603 – 1608) resolve-se parte das discussões com a Misericórdia de Lisboa o que culmina com a assinatura do “Contrato de Composição e Conserto sobre Verbas do Testamento de D. Simoa Godinho que trata da Quinta de Laveiras e consecução do Breve de Sua Santidade”, em 1603, e inicia-se o culto na Igreja Velha com o Mosteiro Primitivo já em pleno funcionamento em 1605.
NOME NACIONALIDADE NOMEAÇÃO ANO
LUÍS TELM, († 1598)
Espanhol
FRANCISCO MONROIG, († 1609) Espanhol
JERÓNIMO ARDIO Espanhol
JUAN VALERO, († 1625) Espanhol
BASÍLIO DE FARIA, († 1625) Português
Capítulo Geral 1594
Capítulo Geral 1599
Prior da Grande Chartreuse 1603
Capítulo Geral 1608
Capítulo Geral 1613
74 Francisco Monroig, descendente de famílias espanholas importantes, formou-se em Direito Civil e Canónico pela Universidade de Salamanca. Professa na ordem cartuxa a 28 de junho de 1567, na Cartuxa de Scala Dei (Tarragona). Segundo o excerto que se apresenta de seguida, terá sido um dos monges fundadores da Cartuxa de Évora e seria tido em estima pelo Prior D. Luís Telmo: “Por ser tan exemplar y amigo de la celda, segun dice el Padre Don Luis Telmo en una carta, se la llevó à Portugal à la nueva fundacion de Ebora, para que com su virtud y la de sus compñeros se plantase en Scala Coeli, este nombre tiene aquella Casa, la observância Regular en sumo grado.” A 18 de outubro de 1595 é eleito Prior de Scala Coeli, na qual governa até o princípio de janeiro de 1599. De seguida é nomeado Prior de Vallis Misericordiae, tendo o priorato acabado em 1603, uma vez que a 26 de junho do mesmo ano é eleito pela segunda vez como Prior de Scala Dei. Valles, J. (1792), fl.61-62.
75 Valles, J. (1792), fl. 257.
76 Para mais informações ver subcapítulo 2.3. Conflito de Ordens Religiosas pela Quinta de Laveiras.
77 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p.117.
A construção do Mosteiro Primitivo terá sido realizada a par da angariação de donativos e do processo de ampliação da área da cerca. No Fundo documental “Hospício de Nossa Senhora do Vale da Misericórdia de Laveiras” em depósito no Arquivo Nacional Torre do Tombo, existem vários documentos que relatam a troca e venda de terrenos na zona limítrofe da Quinta. Essas transações foram, na sua maioria, executadas durante o priorato de D. Jerónimo Ardio, possivelmente com o intuito aumentar a área da cerca do Mosteiro, para que este pudesse ser suficientemente grande de forma a sustentar a comunidade religiosa.78
Em 1608 D. Juan Valero é nomeado para o cargo de Prior. Monge em Vallis Misericordiae desde 1605 e professo de Scala Dei (Tarragona), anteriormente já tinha exercido o cargo de Prior em Scala Dei (Figura 2.3), entre 1599 e 1601, e em Valldecristi (Valência, Figura 3 2) entre 1602 e 1604.
Figura 3.2 - Planta da Cartuja de Valldecrist em 1835. Imagem gentilmente cedida pelo Departamento de Cultura y Desarrollo Local do Ayuntamiento de Altura, proveniente de “Guía didáctica de la Cartuja de Vall de Cristo” (2014) uma colaboração do Instituto de Cultura del Alto Palancia com Ayuntamiento de Altura.
78 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 43.
Apesar de D. Juan Valero79 ser um dos Priores de Laveiras do qual se encontrou mais registos com elogios ao seu mérito, virtude e dedicação à Ordem, da sua obra em Vallis Misericordiae pouco se conhece.
Em 1611 o Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae recebe o monge visitador D. Jerónimo Blanco, monge da Cartuja de Aula Dei (Figura 3 3), uma visita importante na história da Cartuxa de Laveiras devido às consequências que dela resultaram e que atrasaram, ainda mais, o desenvolvimento do complexo arquitetónico. Frei João de São Tomás refere que a ordem decorrente da referida visita proibia que se prosseguisse com a fundação do Mosteiro sem a permissão prévia do Prior Geral da Grande Chartreuse, com pena de absolvição da Ordem do Prior que tal intentasse fazer.80
Segundo Frei João de São Tomás, o “arranjo feito por um padre visitante, pelo qual violou a autoridade dos priores desta casa” terá sido influenciado ou persuadido pelas “objecções que lhe foram apresentadas pelos seus adversários para que não se lançassem os fundamentos no referido local”. 81 Embora não exista uma referência direta sobre quem são os “adversários”, na leitura integral do capítulo e pela sequência de apresentação e descrição de acontecimentos, torna-se claro que Frei João se refere à Misericórdia 82
Sobre este evento, D. Basílo Faria, futuro Prior da Casa83, referiu:
“(…) parece ser a maquinação do nosso adversário, que, entre os outros impedimentos pelos quais esta fundação foi retardada e impedida, conseguiu representar tantos inconvenientes para alguns homens devotos deste lugar, (…)”84
79 Juan Valero, espanhol, descendente de famílias nobres, estudou Letras, Latinidade, Retórica e Filosofia. Posteriormente, estudou cinco anos de Direito Civil e Canónico e quatro anos de Sagrada Teologia, obtendo o grau de Bacharel na Universidade de Salamanca e o grau de Doutor na Universidade de Valência. Professa a 13 de abril de 1596, com 30 anos de idade, e passado 6 meses foi nomeado Procurador e ficou encarregue de importantes negócios. Eleito Prior de Scala Dei em janeiro de 1599, apenas 3 anos depois de professar e de tenra idade, uma eleição contestada, mas prontamente defendida pelos seus pares, dado o mérito que Juan Valero já tinha atingido dentro da Ordem. Entre 1602 e 1604 assume o cargo de Prior de Val de Christo e co-visitador da província. No ano seguinte, 1605, é enviado para Portugal (juntamente com Bernardo Gort) e em 1609 é nomeado Prior de Vallis Misericordiae até 1613, data em que regressa à sua Casa. Em 1614 é eleito Prior de Malhorca. Quando é eleito pela segunda vez Prior da Scala Dei decide não aceitar o cargo. É posteriormente eleito “Difinidor” pelo Capítulo Geral. “No fue mucho emplear à este Padre en tantos cargos; porque su virtud y zelo lo tenian muy-bien merecido.” Valles, J. (1792), p. 81-86.
80 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 60. e São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 40.
81 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 40.
82 Conclusão a que terão chegado, também, os autores de Gomes, Jesué Pinharanda; Mayo. Juan Escudeiro. Op. cit. p. 60.
83 Para mais informações ver subcapítulo: 3.3.1. Influência do Prior D. Basílio de Faria [1613 – 1621].
84 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 40.
O breve estudo da vida e obra dos primeiros Priores de Laveiras e o cruzamento com os dados conhecidos referentes aos primeiros anos de desenvolvimento do Mosteiro de Santa Maria de Vallis Misericordiae, apresentado no presente subcapítulo, permitiu perceber que o papel desses Priores foi além da demanda pela procura de financiamento. Contra as dificuldades impostas, e com “fortes adversários”, conseguiram construir e colocar em funcionamento o Mosteiro Primitivo, alargar a área da cerca da Quinta, assinar contratos e, também, recolher o financiamento pelo qual ficaram conhecidos. Além dos feitos expostos, a primeira comunidade de monges trouxe a Laveiras a “prudência e a sabedoria”. Vallis Misericordiae recebeu “brunos de alto nível intelectual” e essa qualidade cultural terá sido não só prevista como incentivada pelo seu primeiro Prior. Em carta ao Prior da Grande Chartreuse D. Luís Telm faz o seguinte pedido: 85
“(…) escolha V. R. atentamente as pedras que vai enviar para fundar aqui, porque esta é uma cidade célebre, aonde chegam gentes de todas as terras e onde o culto divino se celebra com muito zelo; aqui todas as Ordens Religiosas são observantes e fervorosas, mas a nossa é considerada pelos habitantes deste reino como a primeira de todas, mostrando-nos a consequente honra e veneração. Os portugueses têm inclinação para as coisas divinas e piedosas e gostam de a manifestar, pelo que se escandalizam facilmente se vêm imperfeições nos religiosos. (…)” 86
85 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 38-39.
86 Ibidem.
3.2. Mosteiro Primitivo [c.1598 – c.1833]
Os monges cartuxos tomam posse da Quinta de Laveiras a 12 de dezembro de 1598, e embora não se consiga precisar quando, nem como, acredita-se que terão dado início à construção das primeiras instalações pouco tempo depois da tomada de posse da propriedade.87 Segundo a crónica de Frei João de São Tomás as obras avançavam a um ritmo lento e com contratempos:
“Depois que os nossos padres, no ano de 1598 entravam neste sítio, começou a nova planta, ainda que devagar, a ir por diante, e deitar seus ramos ainda que tenros, não faltando com tudo alguns que com todas as suas forças e poder determinaram destrui-la e a cabana para não ir por diante” 88
Pressupõem-se que a “nova planta” referida na citação transcrita seria já parte do Mosteiro Primitivo, também designado como Mosteiro Velho, construído no extremo poente da Quinta, perto do fundo do vale, numa zona mais plana e favorável para uma construção rápida. Acredita-se que em 1605 o Mosteiro Primitivo estaria já em pleno funcionamento dado que, numa petição do Prior António Coelho à Santa Casa da Misericórdia89 é possível ler:
“(…) na fabrica do dito mosteiro donde tem igreja, claustro, dormitório, capitulo, refeitorio, cozinha, e as mais officinas necessarias. E desdo anno de 1605, em que aos 25 de Desembro se encerrou o Santíssimo Sacramento no sacrario da dita igreija, [a]té o presente dia de [h]oje, sempre se tem dito as matinas á meya noite, e as horas canonicas, e missa na forma da Ordem da Cartuxa, assistindo na dita casa de cinco pera nove religiosos pera este ministerio, e obras della, sendo este do officio divino o principal intento da dita fundadora, como se ve da verba do dito testamento. (...)” 90
Comprovando que já existiria uma estrutura-base com os elementos: Igreja, Claustro, Capítulo, Refeitório, Cozinha, Dormitório e Oficinas. Porém faltaria ainda edificar o Claustro Grande com as celas dos monges – espaço Ermitério de extrema importância à vivência de um monge cartuxo e característico da arquitetura de um Mosteiro da Ordem de S. Bruno.
O Mosteiro Primitivo é representado numa gravura do século XVIII (Figura 3.5), numa planta da Real Quinta de Caxias de 1844 (Figura 3 4) e é descrito nos Inventários Gerais de bens de 1823 e 1833.
87 Lopes, F. (2018), p. 92.
88 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 60.
89 Coelho, Prior D. António (1635).
90 Ibidem.
Os documentos gráficos complementam-se, descrevendo a configuração e posição aproximada do Mosteiro na Quinta face às restantes edificações construídas posteriormente, nomeadamente o Claustro Pequeno e a Igreja Nova a este e o Claustro Grande a norte. Na planta da Real Quinta de Caxias os contornos definidos permitem calcular a dimensão do Mosteiro Primitivo e do respetivo Claustro interno de configuração quadrangular e indica a localização da Igreja Primitiva, na Ala Este do respetivo complexo. A gravura fornece uma perspetiva que, sobre o Mosteiro Primitivo, permite perceber o seu desenvolvimento em dois pisos, em torno de um Claustro e em cota inferior à das restantes edificações.
Observando a gravura em pormenor, no Claustro Primitivo (Figura 3 6), encontram-se semelhanças com o Claustro Pequeno (Figura 3 7), construído posteriormente, na medida em que por cima das portas encontra-se, sistematicamente, um pequeno óculo.
No Inventário Geral de bens realizada em 1823, o Mosteiro Primitivo é descrito como contendo num primeiro pavimento um Claustro quadrado cercado por dez “celas”. Nove eram compostas por uma única divisão e uma décima composta por duas divisões. As celas foram descritas como espaçosas e com abundância de luz, porém já não se encontravam em bom estado.91 Recentemente encontrou-se uma descrição inédita do interior da cela de D. Bernardo Gort, realizada em 1633 por um monge visitador espanhol (Figura 3.9), que acreditamos tratar-se de uma das celas do Mosteiro Primitivo devido à ausência de jardim/horto e, pela data atribuída à descrição.
Do lado nascente do referido Claustro, encontrava-se uma “magnifica escada de pedra com luz” (Figura 3 8), que dava serventia para uma segunda escada que, por sua vez, dava acesso ao pavimento inferior. A essa cota, o Claustro era cercado por várias casas, entre elas uma grande divisão onde teria existido a Igreja da fundação, mas que em 1823 servia de adega e uma “magnifica” cozinha, na qual se destacavam quatro pias com água de correr, um “soberbo” fogão de ferro e sete fornalhas. Ao lado da cozinha existiam duas dispensas e do lado de fora dois fornos, num pavimento com o qual se comunica com o celeiro e outras casas.92
91 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl.15–16.
92 Ibidem.
Figura 3.6 - Pormenor da Gravura da Cartuxa de Laveiras, séc. XVIII, © Maisons de l’Ordre de Chartreux (1946). Figura 3.7 - Fotografia de porta com óculo, Claustro Pequeno, 2022, © DPERU/DPE. Figura 3.8 - Pormenor de fotografia do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira (1960), © Fundo Fotográfico da GSRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001153.Figura 3.9 - Análise de excerto com descrição da cela de D. Bernardo Gort, no Mosteiro Primitivo de Vallis Misericordiae realizada por monge visitador da Ordem de São Bruno, em 1633.93
Sobre a Igreja Primitiva, apenas se sabe que terá iniciado o culto em 1605 e que se localizava no pavimento inferior da Ala Este do Claustro Primitivo (Figura 3.4). Desconhece-se o nível de decoração, riqueza e qualidade construtiva da Igreja Primitiva, contudo, graças ao manuscrito de Frei João de São Tomás, sabe-se que seria digna da presença de sua Majestade. No referido documento histórico são relatadas as seguintes visitas da Família Real ao Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae:
“Vespera do nosso padre São Bruno do anno 1733. Veyo el rey, como costuma fazer todos os annos, assistir as vesperas acompanhado do principe seo filho, e de seo irmão o senhor Infante Dom Antonio. (…) chegou de Cascaes o senhor Infante Dom Carlos, e foi a primeira vez que veyo a Cartuxa, depois de ouvir missa rezada subio ao claustro grande e vio as cellas dos padres prior, e vigario (…) desceo a igreja acompanhado dos religiosos que lhe assistião (…) e tomarão os seos lugares costumados (…)” 94
93 Valles, J. (1792), p. 96 – 97.
94 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 190.
“Em vespera do nosso santo padre do anno de 1737 veyo a raynha nossa senhora acompanhada do principe Dom Jozeph, da princeza, e do senhor infante Dom Pedro a visitar a nossa igreja (…); sobirão ao claustro, virão o presepio, e o claustro das capellinhas, e se forão embora. (…) depois del rey fazer oracão na igreja, e os mais principes subirão ao claustrinho das capellas (…) desceusesse [sic] para a igreja pello meio dia (…)” 95
Nos relatos transcritos é possível perceber que durante as visitas seriam celebradas missas na Igreja Primitiva, situada num piso inferior ao piso do Claustro Grande e do Claustro Pequeno, condicionante que justifica nos relatos a constante referência às ações de “descer” ou “subir” para aceder às diferentes zonas do Mosteiro.
O Inventário Geral de bens de 1833 foi produzido com especial atenção para o levantamento de quantidades e valor monetário dos bens móveis existentes e pertencentes ao Mosteiro, negligenciando a descrição detalhada da parte imóvel. Sobre o Mosteiro Primitivo, apenas refere:
“(…) das mesmas [igreja, sacristia e oficinas altas e baixas] se organiza tão bem o velho convento, mas que tiveram outro destino depois da construção do novo sendo esta residência privativa dos leigos, e donatos.” 96
O abastecimento de água à cozinha do Mosteiro Primitivo seria, possivelmente, realizado por uma levada ligada à Ribeira de Barcarena. Como representado em plantas com os encanamentos de água do Almoxarifado de Caxias (Figura 3.10 e Figura 3.18). A referida levada desviaria parte do caudal num ponto a norte do Mosteiro e o percurso de encaminhamento de água percorreria pelo lado poente do Mosteiro. Aproveitando a força do caudal da Ribeira a água seria encaminhada até à zona da cozinha, na Ala Oeste do Mosteiro, e daí prosseguiria para Sudoeste para a Quinta Real de Caxias. Seria provável que o tanque de grandes dimensões desenhado na Planta da Real Quinta de Caxias (Figura 3 4), junto à Ala Oeste do Mosteiro, tenha servido como local de armazenamento de água vinda da ribeira.97
Sendo que a sua localização permitiria aos irmãos conversos terem água perto do Mosteiro e junto às áreas de cultivo.
Embora se acredite que a levada e o tanque tenham pertencido à construção inicial e servido o Mosteiro Primitivo, desconhece-se a data de construção e período de utilização.
95 Ibidem, fl. 214v.
96 [Juiz de Fora de Oeiras] (1833), fls. 1 – 25v.
97 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 51.
Fundação de carácter provisório da Cartuxa de Laveiras, o Mosteiro Primitivo terá sido utilizado durante mais de duzentos e trinta anos. Serviu de estrutura base e com a construção das novas infraestruturas passou a servir gradualmente de alojamento dos irmãos conversos e lugar das restantes dependências. Um edifício que apenas foi “desativado” com a saída da Ordem do Mosteiro
Tendo servido diversas funções, poder-se-á supor que terão ocorrido obras de adaptação ou reconstrução, no entanto, não foi encontrado até ao momento informação sobre esse tema.
de Santa Maria de Vallis Misericordiae em 1833. Figura 3 11 - Proposta de reprodução volumétrica do Mosteiro Primitivo, © DPERU/DPE com base na Gravura do século XVIII [Maisons de l’Ordre de Chartreux (1946)] e na planta da Real Quinta de Caxias [Abreu, J. A. (1844)].Acredita-se que após a saída dos monges cartuxos, o Mosteiro Primitivo terá entrado em avançado estado de ruína.
Posteriormente, parte do conjunto terá sido aterrado aquando das obras de adaptação do Mosteiro para receção da Casa de Detenção e Correção de Lisboa. Na obra Arquitetura de serviços públicos em Portugal: Os internatos na justiça de menores 1871-1978, é referido o seguinte:
“(…) a implantação da primitiva igreja do mosteiro, cujos escombros dão lugar, nas obras de 1901-1908, a uma plataforma (…)”98
No decorrer das pesquisas históricas, encontrou-se um achado arqueológico, designado como base de coluna com carrancas à guarda da Associação dos Arqueólogos Portugueses que terá pertencido à casa de D. Simoa99. Este elemento possuí semelhanças estilísticas evidentes com uma gárgula (Figura 3 12) depositada no Claustro Pequeno e que não conseguíamos enquadrar em nenhum local do atual Mosteiro. Os dados apresentados indicam que, possivelmente, estes achados pertenceram ao Mosteiro Primitivo.
98 Costa Agarez, R. (2009), p. 142.
99 Boletim da Associação dos Archeólogos Portuguezes, Tomo XIII, Nº7, 1920, p.324.
3.3. Eremitério [1614 – c.1833]
3.3.1. Influência do Prior D. Basílio de Faria [1613 – 1621]
Baltasar de Faria Severim, oriundo de famílias nobres, dedicou a sua juventude ao estudo da Gramática e da Dialética.
Prosseguiu os seus estudos na Universidade de Coimbra em Direito Civil e Canónico e, posteriormente, estudou Matemática, Geometria e Aritmética na Universidade de Cambridge. Após a conclusão dos seus estudos entregou-se à vida eclesiástica.100 Desempenhou vários cargos importantes na Igreja, entre eles o de Cónego e o de Chantre101 da Sé de Évora. Em janeiro 1609, renuncia o lugar de Chantre102 e professa à Ordem de S. Bruno na Cartuxa de Scala Coeli (Évora), momento em que toma o nome de D. Basílio.103 Passados apenas 4 anos, em 1613, é nomeado Prior de Vallis Misericordiae (Oeiras) pelo Capítulo Geral, tornando-se o primeiro Prior português da Casa.
Frei João de São Tomás faz um relato bastante explicito do estado em que se encontrava o Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae aquando da chegada de D. Basílio:
“(…) padre Senhor Basílio, sabendo que a eleição tinha sido feita dele, veio a ela com a rapidez com que pôde, aliás, pronto em espírito, satisfazer o preceito de santa obediência; mas na segunda vez o vi um pouco infeliz; pois ele previu pelas passagens que ouvira antes, quantas tribulações, dificuldades e trabalhos o aguardavam em Lisboa. Mas depois que assumiu esse fardo e soube do estado de nossa casa, encontrou muito mais males do que antes temia, porque não apenas encontrou todo o dinheiro da casa gasto em tantas despesas inúteis e desnecessárias quanto possível; mas também outros fundos (que foram legados à casa com a condição expressa de que lhes fossem comprados aluguéis anuais para a subsistência e manutenção de um monge) que ele encontrou gastos em outros usos; de facto, se esses males estivessem sozinhos, eles pareceriam mais toleráveis, porque então a pobreza da casa seria calculada por suas riquezas. A verdade, que não pode ser relatada sem dor, é que essa Cartuxa de Lisboa estava tão oprimida por mais de vinte ações, que ela e o administrador da casa mal eram suficientes para tal fardo”104
Culto e conhecido entre os meios sociais da época, D. Basílio de Faria consegue resolver os mais de vinte litígios herdados dos seus antecessores espanhóis, que teriam pouca acessibilidade às fontes necessárias para obtenção de fundos.105 Segundo a crónica de Frei João de São Tomás, D. Basílio não só resolve as ações com a rapidez “de um olhar”, como coloca fim a disputas e consegue angariar donativos de novos benfeitores106, como é o exemplo do grande
100 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 55v.
101 Cónego: Padre que pertence à direção ou administração de uma Igreja, Catedral ou Basílica. Chantre: Diretor do coro numa Sé.
102 Esta decisão repentina dever-se-á ao facto de Baltasar não querer colocar-se ao serviço de D. Filipe I, que o quereria ver como seu embaixador em Roma. Silva, Gabriel; et al. (2006).
103 Ibidem, p. 169.
104 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 56.
105 Henriques, Victor M. T. (2021b). e Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p.30 e 35.
106 Para mais informações ver subcapítulo: 3.3.5. Celas.
contributo legado pela ilustre D. Beatriz de Mendonça.107 Durante o primeiro ano de priorato, escreve ao Prior Geral da Grande Chartreuse pedindo-lhe autorização para prosseguir com a fundação da Casa em Laveiras, desfazendo todas as objeções expressas na Ordenação de 1611 que impediam o progresso das obras.108 Na referida carta, cujo conteúdo Frei João transcreve para o seu manuscrito, é possível ler:
“Existe uma Ordenação na anterior Visita de 1611 proibindo ao Prior sob pena de excomunhão deitar os alicerces desta Casa sem licença de V. Revma Paternidade, e isto parece um subterfúgio dos nossos adversários que até hoje retardou e impediu, junto com outros impedimentos, esta fundação, significando isto para alguns varões devotos tantos incómodos que o V P D Jerónimo Blanco, persuadido por eles, viuse obrigado a abandonar o projecto. Mas esta dificuldade, como as outras, devem ser postas de parte, pois nada obsta a que uma cartuxa seja construída neste lugar. De facto, é um sítio salubérrimo, amplo, e como está perto do mar subministra-se abundantemente de peixe. Os obstáculos que se indicam são de mínima importância e aludirei apenas a dois: primeiro, que dista duas léguas de Lisboa, segundo, que o terreno é inclinado e, portanto, dificultoso para construir. Quanto à distância, não é demasiada visto que conforme os nossos Estatutos uma nova fundação deve estar afastada das povoações e até a solidão do vale ajuda ao nosso propósito. E se este argumento serve para qualquer lugar e cidade, ainda mais tem força em Lisboa, que é um empório celebérrimo em toda a Europa. Assim se estivéssemos mais perto não teríamos para os espairecimentos campos livres das turbas de homens e mulheres. O segundo problema não é tal, já que conheço um pouco a arte da arquitectura e desde que aqui cheguei delineei uma carta do lugar e a juízo de operários entendidos não custaria muito trabalho deixar plano o que agora está em declive. Só falta que V Revma Paternidade me conceda licença para começar, a qual lhe peço com instantes rogos.
Atentamente, Pe D. Basílio.” 109
Em resposta à carta, transcrita acima, o Prior Geral delegou a tarefa de decisão a D. Diogo de Quelvar, Monge Visitador da Província de Castela, a quem D. Basílio teria de solicitar uma visita a Laveiras para a execução da devida averiguação. De imediato o Prior de Vallis Misericordiae procede ao pedido, porém, a dita visita só se realiza em 1614 (Figura 3 15). Acompanhado por D. António Sánches, Prior de Granada (Figura 3.13), D. Diogo de Quelvar viu o sítio, examinou as dificuldades, ouviu os argumentos de D. Basílio de Faria e, por fim, decide a favor do Prior de Vallis Misericordiae ordenando que se colocasse de parte todos os impedimentos e motivos que condicionassem as obras necessárias.110
107 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 56.
108 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 60.
109 São Tomás, Frei João de (1733-1737), 40-40v.
Granada, AMGR.
110 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 41. e Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p.61.
Figura 3.13 - Planta da Cartuxa de Granada, pormenor de “Mapa topográfico de la ciudad de Granada” © D. Francisco Dalmau (1796). Imagem cedida com colaboração do Ayuntamiento deConcedida a licença pelo Monge Visitador, a 8 de dezembro de 1614, na presença de pessoas ilustres do Reino, o Ilustríssimo
D. F. Jerónimo de Gouveia da Ordem de São Francisco, Bispo
Tingitano abençoou a primeira pedra em honra da Bem-
Aventurada Virgem Maria. Esta terá sido colocada no eixo do local onde determinaram fundar a Nova Igreja. Apesar de atualmente se desconhecer o paradeiro da referida pedra, conhece-se a inscrição comemorativa nela contida, graças ao registo de Frei João de São Tomás (Figura 3 14).111 No seguimento deste evento, que terá impulsionado a angariação de vários fundos através de doações112, o Prior decide não avançar com a construção da Nova Igreja
Frei João de São Tomás esclarece na sua crónica que D. Basílio de Faria ficou “ (…) por enquanto com a prossecução da nova igreja, com toda a força da sua mente, com toda a força do seu coração, dedicou-se à construção do recinto superior, erguendo as fundações à altura de algumas grandes e fortes cúpulas, como a encosta de uma única montanha, em cujas raízes começou o trabalho de erigir este (…)”.113
Por outras palavras, decide avançar primeiro com a edificação do Claustro Grande, onde se localizam as celas sustentadas pelo Criptopórtico, deixando a edificação da Igreja Nova e do Claustro Pequeno para uma segunda fase de construções.
A decisão de edificar primeiro as celas pode ter estado relacionada com a urgente necessidade de instalar os monges em condições totalmente adequadas à regra que professavam. Enquanto a construção da Igreja Nova não seria tão indispensável, uma vez que na Igreja do Mosteiro Primitivo conseguiriam cumprir com as missas e cânticos, nas horas estipuladas pelo horário cartusiano.114
Anno Dni 1614. dia 8 Decembris
Ego Hyrs. Izat. et Tingita. Eps
Ad honorem Sae. Mariae Virginis
Primam Lap. benedixi
In alma Cartusia Vallis Misericordiae
Sedente S. P. Paulo V Pont Max.
Et D Philippo II Portug
Figura 3 14 - Inscrição da 1º pedra da Igreja Nova, abençoada a 8 de dezembro de 1614, segundo Frei João de São Tomás.
111 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 41.
112 Lopes, F. (2018), p. 92.
113 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 41v.
114 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 63.
Enquanto Prior de Vallis Misericordiae, e durante a construção do Criptopórtico, D. Basílio visitou em 1615 a Cartuxa de Miraflores (Figura 3.16), onde “obrou muito seu virtuoso exemplo, e modéstia religiosa”115, e em 1620 a Cartuxa de Santa María de la Defensión (Figura 3.17)116.
Figura 3 16 - Planta da Cartuxa de Miraflores, s.d., Imagem gentilmente cedida pela ©Orden Cartujana de La Real Cartuja de Santa María de Miraflores (2017).
115 Francisco Marques, J. (2006).
116 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 194v.
3.3.2. Criptopórtico
Após a resolução dos impedimentos presentes na ordenação de 1611 e a angariação de quantias monetárias consideráveis117, encontravam-se resolvidas as conjunturas económicas e burocráticas, que impediam o início da construção do Novo Mosteiro. Porém, era necessário garantir as condições topográficas num terreno caracterizado por declives acentuados, para se avançar com o projeto, ou seja, seria necessário criar uma vasta área plana que permitisse a construção do Claustro Grande
Em carta ao Prior Geral da Grande Chartreuse, D. Basílio de Faria refere que “com uma maquete de cera mostrei que o desnível do terreno era fácil de vencer”, uma solução que seria mais económica do que o transporte e vazamento de entulho para criar o desejado plano horizontal.118 A construção de um criptopórtico119 possibilitaria que o Claustro Grande do Novo Mosteiro pudesse ser edificado numa só cota, assentando a Ala Oeste das futuras celas sobre as caves abobadadas dessa estrutura. Consequentemente, o novo Ermitério afastar-se-ia da zona plana da Ribeira de Barcarena protegendo-se das inundações que ocorriam no inverno e que afetavam o Mosteiro Primitivo.
Contrariamente ao referido por alguns autores, que datam o início da construção em 1613, acreditamos que as obras propriamente ditas apenas ter-se-ão iniciado em 1615, após a resolução da ordenação que impedia novas construções (1614) e após a bênção da primeira pedra (8 de dezembro de 1614). Segundo o investigador Jesué P. Gomes, naturalmente terá sido uma obra demorada, envolvendo vários passos como o corte da pedra na pedreira, o transporte com carros de bois, o trabalho de cantaria e de montagem manual. Razão pela qual, o autor considera que os “oito” anos de priorato [seis, se consideramos o início em 1615] não terão sido muito para a edificação de um criptopórtico com as dimensões do existente em Laveiras (Figura 3.20) e com os recursos disponíveis na época em questão.120 Esta observação e leitura do que seria o tempo de construção na época é sustentada pelo testemunho de Frei João de São
Tomás, que refere que as obras do Criptopórtico seguiram a bom ritmo, tendo ficado concluído antes do termino do priorato de D. Basílio, em 1621.121
117 Graças ao estímulo dado por D. Basílio de Faria durante os primeiros anos de priorato, embora não o suficiente para a construção do Mosteiro na sua totalidade. A falta de recursos financeiros é um constrangimento constante e difícil de ultrapassar ao longo da história da construção e manutenção do Mosteiro.
118 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 30.
119 Um criptopórtico é um sistema de caves abobadadas que tem como principal objetivo sustentar estruturas à superfície. Um elemento utilizado na arquitetura romana que pode estar enterrado ou semienterrado, compensando o declive do terreno. Além da função estrutural, estes lugares poderiam posteriormente servir outras funções, como por exemplo o de armazenamento, uma vez que são geralmente frescos e abrigados da luz. Carvalho, P. C. (2022, mai 2).
120 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 31.
121 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 41v e 56v.
A pedra utilizada na construção do Criptopórtico seria proveniente de pedreiras que existiam na região, nomeadamente a norte do Mosteiro e no interior da própria cerca da Quinta. Sobre o tema de exploração de pedreiras, a 25 de agosto de 1615, o Prior Basílio de Faria realiza um acordo com António Gomes e Jorge Gomes, donos de uma pedreira no lugar de Laveiras:
“Dizemos nos António Gomes e Jorge Gomes seu filho morador neste lugar de Laveiras que nos consertamos com o padre Dom Bazilio de Faria prior da Cartuxa do dito lugar para que elle e seus sosesores posão mandar arenquar toda a pedra que quizerem na pedreira que tem aberta na nossa terra que esta as ruínas aqual pedra poderam mandar tirar (…) poderão mandar trazer a dita pedra que asim arenquarem para a sua obra o qual conserto fizemos por preço de des mil réis (…)”.122
122
Gomes, A., Gomes, J. (1615). Figura 3.18 – Pormenor da Planta da Minas e Encanamentos da água do Almoxarifado de Caxias, orientada a ocidente © A Editora, 1901.Desconhece-se se durante o priorato de D. Basílio de Faria se terá edificado “apenas” a parte necessária ao desenvolvimento do Claustro Grande, com cerca de 90 metros, ou a totalidade do túnel do Criptopórtico com 150 metros, tal como o conhecemos atualmente. Sendo que os primeiros 25 metros a sul dão sustento ao Refeitório do Mosteiro Novo e sobre os 35 metros intermédios situa-se um corredor e a Sala de Profundis que faziam a ligação entre ambos os Claustros – construções posteriores à do Eremitério (Figura 3 20).
O Criptopórtico de Laveiras, estruturado por meios de colunas e tetos abobadados em alvenaria de pedra e tijolo, encontra-se semienterrado, com o lado poente descoberto. No exterior do Criptopórtico é possível observar a existência de contrafortes estruturais, cunhais em pedra aparente e vários vãos que atualmente dão acesso ao interior do patamar inferior do Criptopórtico (Figura 3 19 e Figura 3.28). O cunhal sul, encontra-se parcialmente tapado (Figura 3 19) devido à construção de uma plataforma entre 1901 e 1908 na zona onde outrora existiu o Mosteiro Primitivo.
O Criptopórtico desenvolve-se na sua maior extensão de sul para norte, com cerca de 150 metros e de este a oeste com cerca de 24 metros (Figura 3.20). No interior, este sistema divide-se em dois patamares, um superior e outro inferior, como exposto na Figura 3 21. O patamar superior é composto por um túnel principal com cerca de 150 metros de comprimento por 3,30 metros de largura (Figura 3.20).
A parte do túnel situada por baixo da loggia125 do Claustro Grande era iluminada, do lado nascente, por sete janelas laterais (Figura 3 20 a Figura 3.22). Atualmente, é ainda possível localizar as entradas de luz no terreiro do Claustro Grande, apesar de terem sido posteriormente tapadas por pequenas lajetas de betão armado.
124 Ibidem.
125 Galeria ou pórtico aberto, geralmente abobadado, por vezes avançado em relação ao plano da fachada.
Analisando um pormenor em corte do levantamento da Escola Central de Reforma de Lisboa de 1925 (Figura 3.23) é possível constatar que o terreiro do Claustro Grande tinha um fosso que permitia a entrada de luz para as janelas do Criptopórtico. Na Figura 3.24 é possível ver o referido fosso e as grades de uma das janelas.
baixo
Cada espaço divide-se sistematicamente em três zonas (Figura 3 20) e era iluminado por pequenas janelas que davam para a zona dos antigos jardins das celas dos monges (Figura 3.25).
Na cota mais baixa e mais próxima da Ribeira de Barcarena, encontra-se, o patamar inferior do Criptopórtico. Um espaço amplo, com cerca de 70 metros de comprimento por 9 metros de largura que detém um pé-direito de 5,50 metros127, caracterizado por duas abóbodas de berço no sentido longitudinal e com acesso direto ao exterior (Figura 3.21).
127 Medição realizada desde a cota de pavimento do piso interior ao ponto mais alto da abóboda.
Figura 3.27 – Piso inferior do Criptopórtico, novembro 2022, © DPERU/DPE.No Inventário Geral de 1823, é referido que “na parte inferior deste mosteiro”, “por baixo dos jardins das celas”, ou seja, nos espaços internos do Criptopórtico, existiam dois grandes armazéns abobadados, um celeiro com as respetivas oficinas que lhe dizem respeito e casas com “frestas gateiras” 128, pequenas janelas esteiras e altas destinada à entrada de ar e luz.
3.3.3. Influência dos Priores de Vallis Misericordiae [1622 – c.1736]
Em outubro de 1621, o estimado D. Basílio de Faria é nomeado para Prior de Scala Coeli (Évora) terminado, assim, o seu priorato em Vallis Misericordiae, onde “a alegria de todos os habitantes dela subitamente cessou, e seu coro se transformou em luto” por verem o seu Prior partir. Sendo que, à data, o Criptopórtico estaria já concluído.129
No ano seguinte, 1622, D. Bernardo Gort130 é nomeado Prior de Vallis Misericordiae. Anteriormente, tinha já assumido o cargo de Procurador desta Casa acompanhando de perto o trabalho de D. Basílio entre 1605 e 1617. Segundo o manuscrito de Joseph Valles, D. Bernardo Gort terá exercido de forma tão exemplar o cargo de Procurador em Laveiras que em 1618 é eleito Prior da Cartuxa Scala Coeli (Évora) e posteriormente eleito Prior da Cartuxa Vallis Misericordiae. Este Prior terá dado bom seguimento aos planos de construção pré-existentes, definidos pelo seu antecessor, com o qual manteve contacto.131 Uma vez que o Criptopórtico já estaria concluído, prossupõem-se que o seguimento dos planos tenha sido a preparação do espaço para a receção das futuras celas, nomeadamente a construção de paredes contínuas e/ou do corredor da Ala Oeste do Claustro Grande com as respetivas arcadas. No entanto, não se registou a data de início, ou período de construção das arcadas, celas ou outras construções associadas ao Eremitério na crónica do Frei João de São Tomás, nem em outros documentos da época consultados até ao momento.
Em 1633, a Cartuxa Vallis Misericordiae recebe a visita dos Priores de El Paular, e de Cazalla, que descrevem a Casa “tão bem composta, e com tanta observância” e que nela viviam ao todo sete religiosos, dos quais cinco monges e dois irmãos conversos.132 Joseph Valles transcreve no seu manuscrito a descrição realizada pelos monges visitadores da cela de D. Bernardo Gort (Figura 3.9), um dado que revela que em 1633, passados 12 anos da saída de D. Basílio de Faria e da conclusão do Criptopórtico, as celas do novo Ermitério ainda não estariam edificadas, ou, pelo menos, não em número suficiente para albergar os cinco monges, uma vez que o Prior residia ainda numa cela de divisão única, sem jardim, nem horto, que pela descrição e cruzamento de informações pertenceria ao Mosteiro Primitivo. A visita de 1633 referida acima, é igualmente relatada num segundo documento histórico, onde o autor acrescenta que os Priores de El Paular e Cazalla ficaram extremamente satisfeitos com o estado da Casa, tal como, alegadamente, consta na Carta da Visita.133 Seria de extremo interesse encontrar os registos134 produzidos no âmbito desta visita e perceber ao que se
129 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 41v e 56v.
130 Bernardo Gort, espanhol, descendente de famílias nobres de Barcelona, estudou Letras e Direito Civil. Professou à Ordem de S.Bruno a 31 de maio de 1601, na Cartuxa de Scala Dei (Tarragona). Em pouco tempo confiaram-lhe a obediência dos Arquivos e depois fizeram-no Sacristão. Em 1605 vai para Lisboa, acompanhando o D. Juan Valero quando este é eleito Prior de Vallis Misericordiae e por D.Bernardo ser seu discípulo e por ser “de tal virtude” D. Juan Valero confia-lhe o cargo de Procurador de Vallis Misericordiae, cargo que exerceu muito bem durante doze anos [1605 a 1617, ou seja, também durante o priorato de D. Basílio], merecendo ser eleito Prior da Cartuxa Scala Coeli (Évora) e sucessivamente de Vallis Misericordiae (Lisboa). Valles, J. (1792), p. 91-101
131 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p.31.
132 Valles, J. (1792), p. 96.
133 Puig-Rigau, J., Ildefonso Gómez, M. B, (1970), p. 76-77.
134 Recentemente, descobriu-se que D. Bernardo Gort terá trocado muita correspondência com outros monges cartuxos, nomeadamente: “O Padre Don Severo de Napoles, o Padre Don Gerardo Eligio, vigário do Convento de Bruxelas, o Prior Aqüense, o Padre Don Cibera, vigário de Porta Coeli, e o Padre Don Juan Tomas, professo de Scala Dei, com outros muitos excelentes antiquários.” e, também, com Dom Miguel de Castro, bispo de Viseu, seu amigo. Valles, J. (1792), p. 100. Conseguiu-se localizar um manuscrito, na Biblioteca da Universidade de Barcelona, que contém correspondência de D. Bernardo Gort. Porém, este não se encontra tratado arquivisticamente, nem em formato digital, pelo que não se sabe se contém informação relevante sobre a Cartuxa de Vallis Misericordae. Espera-se no decorrer da presente investigação conseguir aceder a estes documentos na esperança de ser referido algum dos desenvolvimentos arquitetónicos que possam ter ocorrido durante o seu priorato ou referência a influências de outros Mosteiros da Ordem.
referem os monges visitadores quando descrevem de “tão bem composta” a Cartuxa de Vallis Misericordae.135
Em 1635, já no priorato de D. António Coelho, sucessor de D. Bernardo Gort, é realizado um requerimento à Santa Casa da Misericórdia, no qual o Prior pede a cedência de um juro. Segundo a autora M. Tereso, a Misericórdia ainda não tinha dado o juro prometido no testamento de D. Simoa, porque no Mosteiro ainda não existiam os doze monges previstos na cláusula. Neste novo requerimento, D. António Coelho explica que o número de apenas oito monges era consequência dos escassos recursos económicos e anexa duas plantas de forma a comprovar as intenções de construção de mais celas 136
«Do numero dos religiosos que a Cartuxa de Laveiras hade ter despois de acabada. Este numero, se ve, do numero das cellas que vão em essas plantas, as quaes são duas: a primeira foi feita por António Simoes engenheiro, e por Leonardo Turriano, como se ve dos seus sinaes, que estão ao pée della. Porem porque não contentou esta traça, hum religioso da Cartuxa, fez a outra que com esta vay, polla qual se edifica a casa, como se pode ver da mesma caza, e da planta que apresentão; e por esta segunda planta ainda não são trinta religiosos. Ao presente não teem mais de 8 religiosos porque não teem renda em que se sustentar, e por que [tem de] fazer as obras do convento a que estão obrigados, pollas instituicoens, e doacoens dos fundadores das cellas, dos que ate [h]oje teem dado renda para ellas. Como tudo na verdade assi passa o afirmo em 12 de fevereiro de 1635.
Frei António Coelho Prior»137
O conteúdo do referido documento comprova que passado quase meio século da sua fundação o Mosteiro continua a viver com dificuldades económicas, sendo este o principal fator de atraso na construção das celas a que estavam obrigados138, e que por sua vez, o número de monges continuava a ser limitado. Adicionalmente, é fornecida uma nova informação bastante relevante: o facto de se terem elaborado duas plantas para o Mosteiro Novo139, contrariando a ideia de que este não teria beneficiado de um projeto de raiz, completo e organizado. Através da análise deste documento é, também, interessante constatar o poder de deliberação dos monges sobre o projeto do Mosteiro. Dado que, o projeto inicial elaborado pelo Engenheiro-Mor do Reino Leonardo Torriano140 e pelo Engenheiro António Simões não contentou os monges cartuxos, um dos religiosos desenvolveu um segundo projeto que o Prior António Coelho propõe seguir.
A identificação dos engenheiros envolvidos na elaboração de uma primeira planta para o Mosteiro Novo permite situar temporalmente a elaboração da mesma. Leonardo Torriano assume o cargo de Engenheiro-Mor na Corte de Filipe I de Portugal (II de Espanha) em 1598, cargo que o deixa responsável por edifícios de defesa militar em Lisboa. Em 1624 encontrava-se num estado de saúde muito débil, acabando por falecer quatro anos depois. Curiosamente, os
135 Puig-Rigau, J., Ildefonso Gómez, M. B, (1970), p 76-77.
136 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 57.
137 Infelizmente, desconhecendo-se o atual paradeiro das plantas referidas no requerimento.
138 Em 1635, já teriam sido doadas quantias monetárias para a edificação e manutenção de 8 celas, que segundo este documento não estavam ainda construídas, tendo os monges a obrigação de o fazer. Para mais informações sobre as celas, ver subcapítulo: 3.3.5. Celas.
139 Infelizmente, desconhecendo-se o atual paradeiro das plantas referidas no requerimento.
140 Leonardo Torriano(i) (1560 – 1628): mercê das boas relações entre as cortes imperiais, entra ao serviço de Filipe I de Portugal (II de Espanha) e em 1598 é nomeado Engenheiro-Mor do Reino, sendo obrigado a enfrentar os problemas da defesa de Lisboa e do assoreamento da Barra do Tejo, a que dedicou a maior parte da sua intensa atividade profissional. Cámara, A., et al. (2010).
anos de principal atividade de Leonardo Torriano em Lisboa coincidem com os primeiros anos de desenvolvimento do Mosteiro da Cartuxa de Santa Maria Vallis Misericordiae, que usufruiu do apoio do mesmo rei aquando da sua Fundação. Terá esta planta sido patrocinada pela Corte? Independentemente da resposta, o projeto não agradou aos monges de Laveiras, pelo que “um religioso da Cartuxa” traça uma segunda planta. Não existe, até ao momento, nenhum documento histórico que atribua uma autoria à segunda planta elaborada, da qual se desconhece o paradeiro. Existe, porém, a hipótese de ter sido D. Basílio de Faria a produzi-la.141 De facto, o período temporal corresponde, D. Basílio teria o conhecimento para tal, uma vez que estudou Matemática, Geometria e Aritmética na Universidade de Cambridge e enquanto Prior da Cartuxa Vallis Misericordae escreve uma carta ao Prior Geral da Ordem, onde se mostra interessado e entendido pelo desenvolvimento do terreno e construções:
“(…) já que conheço um pouco a arte da arquitetura e desde que aqui cheguei delineei uma carta do lugar e a juízo de operários entendidos não custaria muito trabalho deixar plano o que agora está em declive”142
“Com uma maquete de cera mostrei que o desnível do terreno era fácil de vencer”143
Seriam os “operários entendidos” os mesmos engenheiros referidos no requerimento de D. António Coelho? Não possuímos, até ao momento, dados históricos suficientes que comprovem se D. Basílio de Faria (com relacionamentos importantes no meio social da Capital) conferenciou com Leonardo Torriano e/ou António Simões sobre a construção do Mosteiro Novo, no entanto, sabemos que foram contemporâneos e que obraram nas proximidades uns dos outros. De igual forma, não existem bases sólidas que permitam a atribuição da autoria da segunda planta a D. Basílio de Faria. Segundo a informação recolhida no presente documento sobre os primeiros Priores, Faria era o único com conhecimentos académicos para conseguir traçar uma planta e com conhecimentos sobre outras Casas da Ordem que poderão ter inspirado no desenvolvimento de Vallis Misericordiae. Não obstante, outros monges cartuxos poderão ter, também, contribuído na conceção no Novo Mosteiro em Laveiras, uma vez que se deslocavam frequentemente pelas casas da Península Ibérica (Figura 2.2, Figura 2.8, Figura 3.1 e Figura 3.15).
Sobre os Priores posteriores a D. Basílio de Faria, nomeadamente Bernardo Gort (1622-1630) e D. António Coelho (1631-1636), conhecem-se apenas as suas intenções sobre dar seguimento ao projeto de construção do Eremitério Porém, desconhece-se o ritmo e períodos de construção do Claustro Grande. Existe, igualmente, uma grande lacuna de conhecimento referente aos cem anos seguintes, entre o priorato de Álvaro da Afonseca e de Antelmo Pereira (Tabela 3.2.). Sendo que, o próximo dado histórico conhecido, relativo ao desenvolvimento do Claustro Grande, é uma breve referência ao “Convento dos Cartuxos” na “Descrição das freguesias de São Pedro de Barcarena e de Nossa Senhora da Apresentação de Oeiras” de 1712, onde se refere a existência de um grande claustro e celas com jardim.144
141 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 57-59.
142 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 40-40v.
143 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 30.
144 Carvalho da Costa, António (1712), p. 648.
3.3.4. Claustro Grande
Após o priorato de D. Basílio de Faria, não se consegue precisar quais os Priores responsáveis por cada uma das fases da obra, muito possivelmente devido às dificuldades económicas e consequentemente ao ritmo lento de construção.
Certo é que se edificou parte do Claustro Grande, também denominado de Claustro Maior ou Claustro Superior.
Como referido no capítulo 1., o Claustro Grande centraliza a vida eremítica dos monges e assume no conjunto uma importância dimensional incomum, resultante da repetição das celas em redor de quatro corredores com arcadas que lhe dão forma e ritmo. Por esses corredores transitavam os cartuxos e irmãos conversos, protegidos das intempéries.
Em Laveiras, o Claustro Grande nunca foi finalizado, ainda assim é possível perceber o seu carácter monumental característico da Ordem. Durante o período monástico apenas terão sido edificadas a Ala Oeste e parte das Alas Sul e Norte, sendo que, o corredor poente apresenta treze arcos (a única arcada completa), o corredor sul atualmente desenvolve-se em nove arcos, embora originalmente fosse constituído por dez, e o corredor norte, apesar de atualmente inexistente, terá sido iniciado com a dimensão correspondente a pelo menos um arco, visível nos registos fotográficos do Reformatório (Figura 3 32). Atualmente, é ainda possível identificar a zona de arranque da Ala Norte através da análise das plantas, das fotografias referentes ao Reformatório e in situ através da observação do desenvolvimento das colunas.
Na crónica do monge cartuxo Frei João de São Tomás, é realizada uma descrição de extrema importância, que acrescenta dados únicos sobre espaço e cujo testemunho material, infelizmente, não sobreviveu até aos dias de hoje.
“São estes, benévolo leitor, os fundadores e os doadores mais insignes desta nossa Cartuxa de Lisboa. E não obstante serem tantos e tão ilustres, até ao momento [1733] ainda está por construir metade da casa. Se chegar ao termo desejado, será uma das mais belas casas da nossa Ordem Cartusiana, pois o claustro superior, no qual vivem os monges, é um edifício régio, absolutamente magnífico, construído com mestria e com o maior apuro; e apesar de estar previsto que tenha a forma de um quadrado, actualmente só está concluído um dos seus lados mais metade de outro. A construção do claustro superior externo (refiro-me àquela parte exterior que está voltada para o centro desse claustro) apresenta-se em arcada; todos os arcos são construídos em mármore, e preenchidos por janelas de batentes que começam nas arquitraves e vão até à base das colunas. A essas arquitraves correspondem outros capitéis, semelhantes mas colocados na parede interior do claustro, dos quais descem até ao pavimento do claustro colunas constituídas por silhares. As portas de cada uma das celas dos monges estão pintadas de verde, e sobre cada uma, vêem-se azulejos com a imagem do santo ao qual está consagrada. No final deste lanço do claustro, já inteiramente concluído, há uma ampla janela voltada para Norte que lhe confere grande beleza. O nosso olhar deslumbra-se ao deparar-se com tudo isto.”146
Figura 3.33 - Proposta de aparência do exterior das celas, vista do corredor de circulação, com base na descrição de Frei João de São Tomás, © DPERU/DPE.
146 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 48.
Da descrição de Frei João de São Tomás, destaca-se o facto de as arcadas do Claustro Grande serem fechadas por janelas de batente, as portas de cada cela serem pintadas de verde e sobre elas existir a imagem, em azulejo, do santo ao qual cada uma estava consagrada (Figura 3.33). Atualmente, no referido espaço, é ainda possível apreciar os arcos, as colunas e pilastras descritos, bem como a ampla janela circular voltada a norte localizada no final da Ala Poente, (Figura 3 34), o único corredor de circulação e acesso às celas do Claustro Grande que se terá concluído.
Nos Inventários Gerais de bens de 1823 e 1833 são realizadas duas breves descrições deste espaço. A primeira refere que os dois únicos corredores [Ala Poente e Sul] formam um ângulo reto, que estes são compostos no total por doze celas e que uma das celas dos monges tem comunicação com a Sacristia [situada no lado poente da Igreja Nova].147 A descrição de 1833 indica a existência de dois grandes dormitórios, sendo que o primeiro continha oito celas.148
147 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823).
148 [Juiz de Fora de Oeiras] (1833).
Os vários estudos consultados são unanimes na localização da construção da primeira Ala de oito celas geminadas, a oeste e sobre o Criptopórtico, sendo que as investigações consultadas possuem como principal fonte primária o manuscrito do Frei João de São Tomás e, também, o Inventário Geral de bens de 1833.
Contudo, a localização das restantes quatro celas é ainda uma incógnita, sendo que, entre os autores consultados observou-se a apresentação de hipóteses e argumentos diferentes, por vezes, contraditórios. De facto, através da análise das fontes primárias, a Gravura da Cartuxa de Santa Maria Vallis Misericordiae, do século XVIII, (Figura 3 5) e elementos cartográficos dos séculos XVIII e XIX representam volumes edificados na Ala Norte149, um dado contraditório ao descrito no Inventário de 1823 que refere apenas dois corredores a partir dos quais se acedia às celas (doze no total) e situa uma das celas na Ala Sul, com comunicação à Sacristia
Atualmente, existe uma área sem edificações entre o corredor da Ala Sul e a Igreja Nova. Tendo em consideração a descrição do Inventário Geral de bens de 1823 que aponta para a edificação de celas na Ala Sul, a referência de Frei João de São Tomás à edificação de duas celas, doadas por o Cardeal Luis de Sousa, num segundo troço do Claustro150 e por comparação com plantas de outros Mosteiros da Ordem de São Bruno (onde o espaço entre arcadas do Claustro Grande e a Igreja é geralmente preenchido), supõem-se que terão existido nesse espaço celas de monges. Por extrapolação das medidas das celas da Ala Oeste em planta e considerando os 10 arcos da Ala Sul, verifica-se que existiria espaço para a construção das mesmas. Porém, até ao momento, ainda não é possível garantir se seria essa a localização correta das quatro celas, ou de parte delas. Uma questão sobre a qual se espera obter mais informações através de prospeções arqueológicas e no decorrer de obras de conservação e recuperação do conjunto monástico.
A Ala Norte foi iniciada, tendo existido construções que correspondiam a, pelo menos, uma arcada visível em vários registos fotográficos dos primeiros anos de ocupação do espaço pela Escola Central de Reforma de Lisboa. Por extrapolação das medidas das celas da Ala Oeste em planta, observa-se que a largura de uma arcada não seria suficiente para garantir a largura de uma cela. Porém, o registo fotográfico e o desenho da mesma em planta são fundamentais, não só porque permitem testemunhar a intensão de edificação da Ala Norte, como a sua posição permite, através da comparação com os dados da Ala Oeste, perceber que a distância da arcada norte ao muro de contenção de terras corresponde aproximadamente à distância da arcada oeste ao muro oeste dos antigos jardins das celas dos monges (Figura 3.36). Esta semelhança de valores suporta a hipótese de intensão de edificação de celas com jardim, também, na Ala Norte.
149 Maria Gomes Tereso, na sua tese de mestrado, realiza observações pertinentes sobre estes dados, concluindo que possuem um “grau de exatidão dúbio” devendo ser encarados apenas como “representações aproximadas”. No caso da Gravura de Maisons de l’Ordre des Chartreux do século XVIII refere exemplos da mesma coleção que apresentam erros na representação de outros Mosteiros da Ordem, e sobre as cartografias argumenta sobre a falta de coerência entre as datas e as edificações já existentes no Mosteiro Vallis Misericordiae e não representadas nos documentos. Gomes Tereso, M. (2016a), p. 77-79.
150 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 45v.
As referências e descrições do Claustro Grande na bibliografia consultada focam-se principalmente no seu aspeto inacabado ou imperfeito, porém “acazo estivesse acabado deveria formar a figura quadrilonga”151. Uma característica do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae que suscita questões. Quais as razões que impediram a conclusão das Alas Sul e Norte? O porquê de não se ter fechado o Claustro? Sendo este um espaço de grande importância na arquitetura e vivência da Ordem de São Bruno.
Além das grandes dificuldades na gestão económica do Mosteiro, acreditamos que as características intrínsecas do terreno, nomeadamente o seu acentuado declive, também tenham influenciado o atraso nas construções (Figura 3 35).
ao que seria a linha de terreno original, © DPERU/DPE. 152
Um depoimento de Frei José da Assunção, cartuxo de Vallis Misericordiae, transcrito abaixo, permite balizar entre 1746 e 1752 uma ação de preparação do terreno, muito posterior à primeira realizada por D. Basílio de Faria (Criptopórtico, 1614/1615 – 1621) e posterior à construção das primeiras celas e arcadas.
“Depoem o nosso irmão frei Jozé da Assunção (…) Depoem finalmente que sabe pelo ver, que do dinheiro do remanescente do dito padre Dom Manuel principiára o padre Dom Bernardo no tempo do seu governo, que foi desde [17]46 até [17]52, a dispor o terreno para se acabar o nosso claustro, em cumprimento do seu testamento: rompendo a rocha, e principiando a cortala desde o sitio onde agora s’edificou o forno de cal; mas que não continuára, por se findar logo o seu priorado; nem a continuárão os seus 2 imediatos sucesores, por ser brevisimo o seu governo, e suceder nesse tempo o terramoto; (…)”153
151 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fls 11-11v.
152 Figura produzida com base nos levantamentos executados pela TOPORIGOR – Dynamic 3D GeoServeces.
153 Assunção, J. (1746).
O testemunho de Frei José da Assunção refere claramente que um dos impeditivos para a conclusão do Claustro era o terreno, ou seja, anteriormente a 1746 o declive da encosta aproximava-se mais das edificações, impedindo a continuidade das mesmas. O documento refere, também, que apesar do esforço do Prior D. Bernardo de Santa Maria, os trabalhos realizados no seu priorato não foram suficientes para disponibilizar a área total requerida para edificar o Claustro Grande, seria necessário escavar ainda mais a encosta. Um indicativo de que a atual forma retangular do terreiro poderia não ser a desejada para o projeto final do Eremitério.
Partindo do pressuposto de que o Ermitério terá sido projetado com uma forma quadrangular, foi simulada a área do Claustro Grande (Figura 3.36), caso tivesse sido concluído. Através desta análise foi-nos permitido verificar que os espaços livres na Ala Sul e Norte apresentam as mesmas dimensões que o espaço ocupado pela Ala Oeste (celas e jardins), levando-nos a acreditar que as proporções da planta foram cuidadosamente projetadas e o espaço do Ermitério meticulosamente preparado para receber novas celas nas Alas iniciadas.
Outros Mosteiros cartuxos da Península Ibérica, também, apresentam Claustros Grandes com plantas quadrangulares, veja-se os seguintes exemplos:
• Cartuxa de Santa Maria de Montalegre, em Barcelona, com 9 por 9 arcos;
• Cartuxa de Aula Dei, em Saragoça, e Cartuxa de Santa Maria de El Paular, em Madrid, ambas com 12 por 12 arcos;
• Cartuxa de Miraflores, em Burgos, com 16 por 16 arcos;
• Cartuxa de Santa Maria de la Defensión, em Jerez de la Frontera, com 18 por 18 arcos;
• Cartuxa Scala Coeli, em Évora, com 19 por 19 arcos.
Existem, também, Ermitérios retangulares, como é o exemplo da Cartuxa de São Giacomo, em Capri, com 13 por 12 arcos. Curiosamente, as arcadas do Claustro deste Mosteiro apresentam grandes semelhanças estéticas com as arcadas do Claustro de Vallis Misericordiae (Figura 3 37).
Outro aspeto curioso sobre o Claustro Grande de Vallis Misericordiae reside no método faseado e modular de construção utilizado pelos monges. Tanto na planta apresentada anteriormente (Figura 3 36), como nas fotografias do Reformatório do início do séc. XX, é percetível a edificação de um muro alto a norte, que mais tarde foi aproveitado pelo Reformatório como separação da zona das suas celas solitárias. Por análise dos documentos gráficos, supõem-se que após o nivelamento do terreno o modo construtivo faseado dos monges iniciava-se com o levantamento de paredes comuns na ala a desenvolver como, por exemplo, a parede interior das celas que separava o vestíbulo das restantes divisões (Figura 3 38) e o muro de contenção exterior que delimitava o termino do jardim das celas (Figura 3 36).
3.3.5. Celas
As celas dos monges cartuxos foram edificadas de forma benemérita, isto é, cada uma tinha o seu patrono que, além de encomendar a sua construção, financiava o sustento do monge que lá vivesse em troca de benefícios espirituais.
Assim, supõem-se que o ritmo de construção das celas seria inconstante, pois encontrava-se dependente das doações realizadas. Porém, é importante salvaguardar que a data de doação pode não corresponder necessariamente à data de construção da mesma. Por exemplo, no caso das sete primeiras celas doadas entre anos 1611 e 1618, localizadas na Ala Oeste, só poderão ter sido construídas após a conclusão do Criptopórtico (c.1621). Até ao momento, não foi possível encontrar nenhum documento que refira as datas e/ou período de construção referente a cada uma das celas, sendo-nos apenas possível propor um período de aproximadamente setenta e sete anos durante o qual terão ocorrido as obras das primeiras dez celas. O documento mais recente, cujo conteúdo indica que as celas doadas até ao momento ainda não teriam sido iniciadas, data de 1635154, por sua vez, o documento mais antigo, que refere a existência de celas no Claustro Grande, data de 1712155. As últimas celas são doadas em 1732 e 1745, sendo que, em 1775 e 1777 são realizados os seus registos de mercê, pelo que, a sua construção terá ocorrido durante esse período de tempo.
Todas as celas possuíam um padrão em pedra com a indicação do seu fundador156, doação, consagração, condições e obrigações religiosas. Em 1774, 1775 e 1777 foram realizados registos oficiais referentes a cada uma das doações, com base no conteúdo dos padrões de pedra presentes em cada uma das celas pelos escrivão José Delgado da Cunha Toscano [1º, 2º, 9º e 10º celas] , o tabelião André Gomes de Lemos [4º a 8º e 11º celas] e o Tabelião Caetano José de Almeida [3º e 12º celas], respetivamente, cujo conteúdo está sumarizado na seguinte Tabela 3.3.157. Segundo os registos referidos, os padrões “de pedra branca escrito com letras pretas” situava-se sistematicamente “na parede da primeira casa da cela”.
Atualmente ainda existem dois padrões, um depositado no Claustro Pequeno cujo conteúdo remete para uma das celas doadas pelo Cardeal Luís de Sousa (9º cela doada) e o outro, atualmente integrado na parede nascente da Sacristia referente à cela doada por D. Álvaro da Fonseca Lobo (11º cela doada) dedicada a Nossa Senhora da Nazaré (Figura 3 40). Celas que teriam sítio na Ala Sul e/ou na Ala Norte do Claustro Grande. Neste sentido, é pertinente questionarmonos se ainda existirão padrões na parede da Ala Oeste escondidos pelas múltiplas camadas de reboco aí colocadas nos séculos seguintes.
154 Coelho, Prior D. António (1635).
155 Em “Descrição das freguesias de São Pedro de Barcarena e de Nossa Senhora da Apresentação de Oeiras” de 1712, onde se refere a existência de um grande claustro e celas com jardim no Convento dos Cartuxos. Carvalho da Costa, António (1712), p. 648.
156 Com exceção da última cela, cujo benfeitor não quis ser identificado no padrão. Não obstante, foram encontrados documentos, no fundo arquivístico do Arquivo Nacional Torre do Tombo, que atribuem essa doação a D. António de Castro Montarroyo e Alvelos.
157 Registos dos padrões das celas do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ. Arquivo Nacional Torre do Tombo, Hospício de Nossa Senhora do Vale da Misericórdia de Laveiras, caixa 2, livro 5.
A configuração das celas do Eremitério do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ é um tema pouco estudado na literatura e sobre o qual não existe muita informação detalhada. Até ao momento, não possuímos conhecimento de nenhuma planta onde esteja registada a sua configuração. Adicionalmente, pelo facto de terem sido destruídas no início do séc. XX e os espaços terem sofrido continuas obras de adaptação a novas funções, o estudo da ruína das celas foi sendo condicionado.
158 Cruzamento de informação das seguintes fontes: São Tomás, Frei João de (1733-1737). Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), Juiz de Fora de Oeiras] (1833). Registos dos padrões das celas do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ. Arquivo Nacional Torre do Tombo, Hospício de Nossa Senhora do Vale da Misericórdia de Laveiras, caixa 2, livro 5.
Tabela 3.3 – Quadro-resumo com a doação das celas do Claustro Grande, © DPERU/DPE.158Durante a presente investigação foi possível recolher um total de cinco descrições. Duas datam do período de vivência do complexo monástico em 1712 por um “vizinho” (visão do exterior) e em 1733 por um monge cartuxo que lá habitava (visão do interior). A terceira descrição é elaborada aquando da primeira fase de extinção das Ordens Religiosas, mas ainda com a presença dos monges, em 1823. Por fim, as restantes duas descrições foram realizadas após a saída dos religiosos, imediatamente em 1833 e após algumas décadas de abandono em 1862. O registo que consideramos ser o mais relevante é o de Frei João de São Tomás, monge vigário do Mosteiro que habitou e vivenciou o espaço, apresentando a descrição mais completa e detalhada, tanto na explicação das funções de cada espaço, como do seu ambiente. Não obstante, as restantes descrições são, também, um importante complemento e acrescentam informações pertinentes e inéditas. No seu conjunto, as descrições esboçam uma disposição com o essencial para a vivência tripartida do monge: oração, estudo e descanso.
Descrição de 1712
“Laveyras tem quarenta vizinhos com hua Ermida de Santo Antonio, e lhe passa hum rio pelo meyo, que tem hua ponte de hum só arco, aonde está o Forte de São Bruno, e da parte do Nascente fica o Convento dos Cartuxos (…) nelle residem quinze religiosos, cada hum com sete cellas com seu jardim; tem hum grande claustro com boa cerca.”159
Descrição de 1733, por Frei João de São Tomás
“(…) Todas as celas deste claustro foram feitas com uma perfeição tal (…) as divisões estão bem distribuídas. Quando se entra, depara-se com umas divisões mais pequenas, nas quais os monges que aí habitam dispõem de dois postigos: um onde diariamente lhes colocam os alimentos às horas determinadas (notese que tanto este postigo como o outro têm também as suas portadas para a parte exterior do claustro, de forma a que os que lhes servem os alimentos não entrem nas celas e quebrem o silêncio); o outro postigo que as celas têm está na parte interior destas divisões. Neste postigo o padre despertador acende uma vela e ordena aos monges que se levantem dos seus leitos para recitarem as matinas e as laudes do Ofício da Santíssima Mãe de Deus, e que se preparem em seguida para, ao primeiro toque do sino, descerem à igreja e cantarem as laudes divinas.
Destas pequenas divisões prossegue-se para umas belas salas esplendorosamente decoradas com ornamentação religiosa, adequada ao lugar. É nestas salas que os monges que nelas vivem costumam falar com aqueles que os procuram por motivo de devoção, amizade ou algum assunto particular, depois de obterem licença do prior ou do seu vigário. Todas as celas têm ainda a sua capela e, dentre estas, algumas são revestidas a mármore, enquanto outras se apresentam cuidadosamente adornadas por imagens sacras pintadas com fina arte. A estes oratórios os monges recorrem quer para cumprirem o encargo de rezarem as horas, quer para meditarem na lei de Deus. (…)
Cada uma das celas tem outras divisões além das já referidas: uma em que os monges têm os seus leitos, para que possam gozar o sono nas horas definidas pelos Estatutos; outra em que cada um tem a sua biblioteca recheada de livros segundo as necessidades. Há ainda dois arrumos: em um guardam-se as roupas e os utensílios dos monges que habitam em tais celas; no outro os monges mantêm uma provisão de lenha para acenderem a lareira e se aquecerem.
Por último, para que não falte nada ao espairecimento dos monges, todas as celas têm o seu jardim, no qual gorgoleja uma fonte. Nestes hortos há sempre rebentos a verdejar: (…) Todos estes jardins têm pérgolas cobertas por cima, para que os monges possam passear, seja de Verão ou de Inverno. Todas essas pérgolas têm janelas, que dão para um jardim comum, para as quais os monges se dirigem a fim de descansarem e desfrutarem com deslumbramento do canto suavíssimo de tantos passarinhos. (…) Destas janelas abre-se uma amplíssima vista para os socalcos dos vales no sopé e para a vastidão do mar cuja beleza admirável desse vastíssimo oceano sacia os monges. (…)”160
159 Carvalho da Costa, António (1712), pp. 648-649.
É necessário salvaguardar que quando o autor refere sete celas com jardim, esta informação deve ser interpretada como sete divisões e um jardim, pois um monge só poderia ter uma cela.
160 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fls. 48 – 49.
A descrição de Frei João de São Tomás permite perceber as divisões existentes (Tabela 3.4), o propósito de cada espaço obedecendo aos Estatutos da Ordem161 e acrescenta informações muito interessantes sobre as celas de Vallis Misericordiae. Principalmente, o facto de possuírem água corrente no jardim e janelas com vista para o exterior, uma característica rara em Mosteiros da Ordem de S. Bruno. Porém, não inédita, segundo M. Tereso, nos Mosteiros espanhóis de Porta Coeli, Valldemosa, Miraflores e Aula Dei, e nos Mosteiros italianos de Nápoles e Florença os jardins das celas, também, permitem ver a paisagem, embora com configurações diferentes.162
Descrição de 1823 do Inventário Geral de Bens
“Estes dous corredores [alas do claustro grande], hum dos quaes corre ao lado do Oeste de Norte a Sul, e o outro ao lado do Sul pela parte inferior do primeiro claustro ja descripto [claustro pequeno], e da parte da igreja, de Leste, a Oeste, são compostos de doze cellas cada huma das quaes consta igualmente de huma caza regular com vista para hum jardim, huma alcova para dormir, huma caza piquena de livraria, huma caza para despejo, outra piquena para fructa, huma capella com seu altar, e huma varanda de pedra sobre hum piqueno jardim com agoa de correr. Todas estas cellas são envidraçadas, todas as madeiras de que são feitas, são do Brazil, o pavimento de todas he de tejolo, e algumas são de abobeda, e se achão algumas em estado ruinozo, cuja ruina he nos tectos, e telhados, porem as outras estão em bom estado; dellas apenas trez são habitadas por religiozos do mosteiro, e huma por hum outro hospede. Cada huma dellas tem na sua entrada hum padrão de pedra que indica o seu fundador, e a sua dotação. Esta posto que seja toda em juros reaes, com tudo he diferente, segundo o forão os instituidores, ou fundadores dos objectos dotados. (…) [os armazéns do criptopórtico] ficão por baixo dos jardins das cellas descriptas (…)”163
A descrição pertence ao Inventário Geral de bens de 1823 apresenta novos dados importantes sobre a descrição interna das celas e materiais utilizados. Nomeadamente, janelas com vidraças e madeiras provenientes do Brasil, possivelmente as enviadas por Frei Gregório dos Santos164, materiais nobres dignos do elogio realizado por Frei João de São Tomás: “Todas as celas deste claustro foram feitas com uma perfeição tal que, em nenhuma outra Cartuxa (…) se encontram celas melhores, (…).” Na descrição de 1823, também, são referidos pavimentos de tijolo e, em alguns casos, tetos abobadados.
Além da descrição das celas, este inventário indica alguns objetos pertencentes a esses espaços, como: camas, secretárias (bancas), armários, cadeiras, bancos, caixas, aparadores (bufetes), estantes, meias-cómodas, cadeiras de espaldar, baús de couro, banquinhas e oratórios. Inventariam, também, crucifixos e pequenos quadros de temática religiosa. O que permite compreender a abstemia e sobriedade do interior das celas, apenas com o essencial: uma cama para dormir; uma mesa e uma cadeira para as horas de estudo; uma estante para os livros; um armário, uma caixa/baú para guardar pertences, e um oratório para rezar.
161 Para mais informações ver capítulo: 1. Ordem de São Bruno.
162 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 109.
163 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fls. 13v-14v.
164 Frei Gregório dos Santos, foi um irmão converso que entre 1725-1735 e 1741-1742 vai ao recolher esmola para o Brasil. Além de enviar anualmente dinheiro para a edificação do Claustro Pequeno e Igreja Nova, quando regressa a primeira vez traz consigo madeiras exóticas que foram posteriormente aplicadas na construção do Mosteiro Novo. Para mais informações ver subcapítulo: Influência do Prior D. Luís de Brito [1716 – 1746].
Descrição de 1833 do Inventário Geral de Bens
“(…) [o claustro grande] consta de dois grandes dormitorios, (…); o primeiro contem oito célas, e cada uma destas regularmente de seis casas inclusive a capella, onde se diz missa, pertencendo a cada uma um jardim em quadro com suas arvores de fructo com registo d’agua dentro. Nos ditos dormitorios residião os monges sacerdotes privativamente (…)”165
Esta descrição, apesar de sucinta, acrescenta as árvores de fruto aos jardins das celas dos monges. Consequentemente, na Ala Oeste, a estrutura do Criptopórtico teria de sustentar além do(s) horto(s) e da(s) fonte(s), árvores com raízes.
Descrição de 1862 por Ignácio Vilhena Barbosa
“Ainda ali se vêem as celas em que os monges passavam vida austera e solitária. Compunha-se cada cela de uns três quartos, todos pequenos, com um jardinzinho em que havia tanque de água corrente. Os jardins eram separados, no tempo dos frades, por altos muros, pois que não era permitido a esses religiosos conversarem, nem verem-se, fora dos actos da comunidade. (…) Comia cada um na sua cela, na qual não entravam criados, nem pessoa alguma (…). Recebiam a comida por meio de uma roda, como a dos conventos de freiras, que deitava para o dormitório (…)”166
Este relato apresenta dados vagos, comuns às celas cartusianas, não acrescentando informação específica de Vallis Misericordiae. Acreditamos que 1862, parte das celas já se encontrariam em ruína e/ou desvirtuadas da aparência que teriam durante o período de utilização pelos monges. A referência a “uns três quartos” coincide com a divisão interna dos oito espaços do Criptopórtico - três divisões principais (incluindo o vestíbulo) que poderiam ser subdivididos nos sete compartimentos com funções específicas nas celas dos monges, como se observará de seguida.
165 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl. 19.
166 Vilhena Barbosa, I. (1862), p. 410.
Entre 1901 e 1908 ocorrem obras de reabilitação e adaptação no Mosteiro para receber a “Casa de Detenção e Correção”. Há indicação de que o interior das celas da Ala Oeste foi demolido para formar quatro grandes dormitórios e que as arcadas do Claustro Grande foram transformadas em espaços educativos e de lazer.167
As descrições apresentadas e encontradas até ao momento são de extrema relevância, porém não fornecem dados suficientes para, por si só, realizar-se um esboço gráfico do que seriam as celas. Contudo, o cruzamento destas informações com a análise das plantas e do espaço arquitetónico, permite compreender um pouco mais o espaço.
Da análise da planta do Criptopórtico168 destacamos a divisão do espaço em oito secções (no piso superior do Criptopórtico), exatamente o mesmo número de celas que terão sido construídas sobre esta estrutura. Acreditamos que este dado não seja apenas coincidência, uma vez que o Criptopórtico foi construído propositadamente como base estrutural do corredor, celas e jardins da Ala Oeste. Pelo que, a divisão existente no piso superior da estrutura, possivelmente, corresponderá ao que terá sido a divisão das celas dos monges. Por paralelismo, também, as disposições das paredes existentes dentro dos oito espaços do Criptopórtico poderão corresponder ao que seriam as principais paredes do interior das celas. Através da sobreposição das plantas dos diferentes pisos, confirma-se que as atuais paredes exteriores da Ala Oeste correspondem às fundações. Adicionalmente, importa referir que, na parede da Ala Oeste do Claustro Grande existem oito vãos de porta, sete correspondem à matriz seccionada do Criptopórtico, o que leva a crer que se tratam dos vãos originais das celas. Porém, durante obras de adaptação tapou-se o 6º vão original (a contar de sul para norte) e abriu-se um novo vão localizado entre o 7º e 8º originais.
Comparou-se um dos oito espaços do Criptopórtico com o piso das antigas celas de Laveiras (atualmente adaptado a salas de aulas) e com as celas da Cartuxa de Évora (Figura 3 41), e através da sobreposição das plantas, recolhemos indícios de como poderiam ter sido as antigas celas da Cartuxa de Laveiras. Na Figura 3.41 é possível observar algumas verossimilhanças entre o espaço em análise do Criptopórtico de Laveiras com a tipologia das celas dos monges cartuxos de Évora. Nomeadamente, a existência de um estreito vestíbulo à entrada (9,20m x 1,70m) e a proximidade de dimensões das restantes áreas. A divisão dos espaços no piso superior do Criptopórtico poderá ter sido reproduzida no piso das celas, onde, por sua vez, poderia ser subdividida interiormente nos diversos espaços descritos nos testemunhos históricos.
A partir de visitas ao local com o intuído de explorar vestígios da génese monástica das celas, perdidos nas obras de reabilitação e adaptação, e comparando com as plantas e fotografias cedidas por parte da Divisão de Documentação e Arquivo da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, foi possível verificar que o teto das antigas celas dos monges era abobadado existindo atualmente ainda vestígios da abóbada, como é possível ver na Figura 3.42. Ademais, é possível observar um pequeno vazio que, outrora, poderia servir para a chaminé (a existência de lareiras nas celas dos monges é referida na Descrição de Frei João de São Tomás) e ainda pequenos vãos fechados correspondentes às antigas janelas redondas que iluminavam o interior das celas. Estes achados encontram-se hoje entre o teto do corpo das celas em laje de betão armado e o telhado estruturado por meios de asnas de betão acrescentadas em obras de adaptação durante a ocupação do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira e/ou durante a ocupação da Escola preparatória de Caxias.
Com a análise dos registos fotográficos do início do séc. XX, foi possível verificar que existiam claraboias no telhado e volumes cobertos com orientação nascente/poente, na área dos jardins dos monges (Figura 3.43 - Figura 3.45) que entretanto desapareceram. Elementos comuns a outras Cartuxas, como é o exemplo da Cartuxa de Aula Dei (Figura 1.16 e Figura 3.3).
Figura 3 42 - Identificação de vestígios da época monástica no telhado da zona das celas, 2022, © DPERU/DPE.3.4. Espaços Comunitários do Mosteiro Novo
3.4.1. Sala De Profundis ou Sala do Colóquio
A conjugação entre o Claustro Grande e o Claustro Pequeno constitui a principal contribuição da Cartuxa à Arquitetura
Monástica Ocidental, criando a possibilidade de ligar todos os espaços, de forma que, o monge caminhe sempre debaixo de teto, desde a sua cela até qualquer parte do conjunto monástico. Neste sentido, em Vallis Misericordiæ, é a Sala De Profundis, também denominada como Sala do Colóquio, que funciona como elemento articulador dos diversos núcleos.
Um centro de confluência, a partir do qual é possível chegar a todas as divisões do Mosteiro, incluído o Mosteiro Primitivo. 169 Veja-se a seguinte Figura 3.46, ilustrativa da ligação de todos os espaços, através de um ponto central.
Aquando da construção do Claustro Grande, numa cota superior à do Mosteiro Primitivo, ter-se-á criado uma forma de ligação entre os núcleos. No Inventário Geral de 1823, é feita a seguinte descrição que permite perceber a comunicação entre ambos os espaços através de uma escada de pedra localizada a oeste da Sala De Profundis:
“(…) para o mosteiro por huma caza chamada – de Profundis – ou de colloquio. (…) Outra serventia (…) pelo lado de Oeste, e dá para huma boa escada de pedra com muita luz, por onde se comunica este mosteiro com o da fundação, e com a cozinha, e ao lado do Norte tem huma outra serventia para outro claustro imperfeito aonde habitão a maior parte dos frades (….)” 170
A ligação entre a Sala De Profundis e o Claustro Grande é feita por um longo corredor com 26,30 metros por 3,20 metros171, (Figura 3.47) demarcado a verde na Figura 3.46. Através da investigação histórica realizada até ao momento, ainda não foi possível datar a construção destes elementos.
170 Ibidem.
171 Levantamento realizado por TopoRigor 3D GeoServices- Topografia & Laser Scanning 3D, Engenharia, Projeto, agosto 2021.
Figura 3 47 - Corredor de acesso à Sala do Colóquio (1920-1930), à esquerda © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001474, e em 2022 à direita © DPERU/DPE.Como é visível na Figura 3 46 e Figura 3 48, a Sala De Profundis permite, também, o acesso às dependências do Claustro Pequeno e à Igreja Nova. No Inventário Geral de 1823, esta sala é descrita como “quadrangular”,172 de teto abobadado, com luz e pavimento em tijolo173.
Acesso ao corredor norte
Figura 3.48 - Sala De Profundis ou Sala do Colóquio, maio 2023, com identificação de acessos, © DPERU/DPE.
A Sala De Profundis teria mais funções além da, já referida, importância na circulação do Mosteiro. A Sala De Profundis ou Sala do Colóquio é uma divisão comum em Mosteiros e Conventos de diversas Ordens Religiosas. Esta sala antecede o Refeitório, sendo o nome De Profundis resultante do Salmo 129, rezado antes das refeições, e durante a vigia dos mortos. Este espaço, encontrava-se ricamente ornamentada com as seguintes obras:
“hum grande painel da Conversão de São Bruno com moldura de madeira pintada – outro painel de São Sebastião, outro de Santa Barbora, outro da Anunciação, outro de São Bruno no deserto, outro do mesmo santo fazendo oração, outro de São Jeronimo, outro de Santo Antão e São Paulo, outro do Salvador do Mundo; e outro de Santo Onofre.” 174
172 Porém, atualmente apresenta-se com 6,29 metros por 5,80 metros, segundo o Levantamento realizado por TopoRigor 3D GeoServicesTopografia & Laser Scanning 3D, Engenharia, Projeto, agosto 2021.
173 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl. 12v.
174 Ibidem.
3.4.2. Influência do Prior D. Luís de Brito [1716 – 1746] na angariação de fundos para a construção do Claustro Pequeno e Igreja Nova
No início do século XVIII, o Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ possuía o Mosteiro Primitivo e um Eremitério incompleto, constituído por dez celas. Em 1716 é eleito Prior da Casa D. Luís de Brito, que dá início à segunda grande fase de construção do Mosteiro Novo através da edificação do Claustro Pequeno (c.1727 – c.1737) e da Igreja Nova (c.1733 – c.1746).
3.4.2.1. Angariação de fundos
A falta de recursos para proceder a obras era uma realidade que os monges cartuxos enfrentavam desde a fundação da Casa na Quinta de Laveiras. D. Luís de Brito decide recorrer a uma estratégia incomum e pouco aceitável na Ordem de São Bruno, o recurso à esmola para angariação de fundos.175 Para tal, em 1716 pede autorização régia que lhe é inicialmente negada, pelo facto de não serem uma Ordem Religiosa mendicante. Em 1725 religiosos do Paço Real visitam o Mosteiro, lamentam o atraso das obras da Igreja Nova e influenciam a obtenção da autorização régia para a petição de esmola no Brasil.176
”(…) entrando o dito padre Dom Luiz de Britto por prior desta Cartuxa de Laveyras [1716] intentou alcançar licença del Rey para hum frade nosso converso poder passar ás Minas pedir esmollas para a fabrica de hua igreja nova, de que tanto se necessita nesta caza. (…) O padre prior lhe disse [ao padre Martinho de Barros, que visitou o mosteiro] que fizesse sua reverendissima diligencia por alcançar licença del Rey para poder passar hum converso as Minas pedir esmollas, por que este era o unico meyo que descobria para se poder fazer ao menos hua igreja (…)”177
Decorridos alguns anos do pedido inicial, é concedida a autorização régia ao Prior D. Luis de Brito para que um irmão converso pudesse ir ao Brasil. Assim, em 1725 Frei Gregório dos Santos178 viaja com destino à Capitania de Minas Gerais, onde permanece até 1735. A partir do ano de 1727 começa a enviar anualmente dinheiro (Tabela 3 5) para o Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ.179
175 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 127.
176 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 119.
177 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fls. 186-186v.
178 O Irmão Gregório dos Santos (apelido de nascença), na Cartuxa Frei Gregório de Sant’Ana, antes de professar à Ordem, fora soldado, feito prisioneiro em Almansa (Espanha) pelos franceses, viveu em Macau e no Rio de Janeiro, sendo um homem “experimentado”. Na Crónica é ainda referido que o Prior confiou nele sobretudo por ser um Irmão de grandes virtudes. São Tomás, Frei João de (1733-1737), fls. 187v.
179 Ibidem, fls. 186-188v.
Na frota de 1735, Frei Gregório regressa, deixando no Brasil parte do dinheiro angariado, que só lhe é enviado em 1737. Na sua vinda, trouxe consigo “seis dúzias de pranchas de madeira preciosa, pau de Angelim, para a igreja”180 , ou seja, 72 pranchas, que poderão ter sido utilizadas em elementos para a Igreja, como, por exemplo, nos coros com os cadeirais, altares, crucifixos, atril, ou até mesmo nos pavimentos e outros elementos móveis e integrados em madeira da Igreja.181 Além da utilização deste material nas novas construções, terão sido, também, utilizadas madeiras do Brasil nas celas dos monges.182
Tabela 3 5 - Envio dos fundos angariados por Frei Gregório dos Santos em Minas Gerais, Brasil, entre 1725 – 1735, que somados dá um total de 8.283.770 reis.183
Em 1736, Frei Gregório dos Santos arrecada 99.800 reis de benfeitores de Lisboa. No mesmo ano, D. João V fez uma generosa contribuição que, somada às esmolas, permitiu fomentar as obras do novo templo, ainda durante o priorato de D. Luís de Brito.184 Em 1741, o mesmo Frei regressa ao Brasil com o mesmo objetivo de 1725, regressando com as esmolas coletadas no ano seguinte (1.797.520 + 400.000 reis em 1741 e 4.707.000 reis em 1742).185
A informação exposta acima proveniente da crónica de Frei João de São Tomás sobre a angariação de fundos para a construção do Claustro Pequeno e da Igreja Nova é confirmada pelo seguinte excerto do depoimento do Frei José da Assunção:186
“Depoem mais, (…), que alem das avultadas esmolas, que tinha tirado no Brazil para as ditas obras o irmão frei Gregorio dera tambem para elas El Rey Dom João Quinto 15 mil cruzados.”187
180 Ibidem, fls. 188.
181 Henriques, Victor M. T. (2021b).
182 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fls. 13v-14v.
183 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fls. 186-188v.
184 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 127.
185 Ibidem, p. 133.
186 Assunção, J. (1746).
187 Ibidem.
3.4.2.2. Período de construção
O início da construção do Claustro Pequeno e da Nova Igreja terá sido contemporâneo, porém o Claustro fica concluído, aproximadamente, uma década antes da Igreja.
Segundo Frei João de São Tomás, a construção do Pequeno Claustro, que englobava a Sala do Capítulo, o Refeitório, a Sacristia e capelas, já decorria quando a 25 de março de 1733 se realiza a bênção da construção da Igreja Nova188, visto que, em 1614 já tinha ocorrido uma primeira bênção de uma lápide que marcou o início da construção do Mosteiro Novo.
Apesar de Frei João de São Tomás não confirmar a data de início da construção do Claustro Pequeno, acreditamos que as obras não se terão iniciado antes do primeiro envio de esmolas vindas do Brasil (1727), pois foi a falta de fundos passiveis de serem aplicados em construções, que os conduziram à mendicância. Os dados expostos permitem fazer uma proposta do início de construção destes elementos entre os anos 1727 e 1733.
Em 1737, ano até ao qual decorre a primeira vaga de esmolas provenientes do Brasil189, o Mosteiro recebe uma visita da Família Real. Segundo o relato de Frei de João de São Tomás, sobre esse evento, a Rainha, os príncipes e o Infante D. Pedro visitam o “claustro das capelinhas”.190 Dado que pressupõe que o Claustro Pequeno já estaria completo ou, pelo menos, num estado avançado de construção digno da visita de suas majestades.
“Em vespera do nosso santo padre do anno de 1737 veyo a raynha nossa senhora acompanhada do principe Dom Jozeph, da princeza, e do senhor infante Dom Pedro a visitar a nossa igreja (…); sobirão ao claustro, virão o presepio, e o claustro das capellinhas, e se forão embora. (…) depois del rey fazer oracão na igreja, e os mais principes subirão ao claustrinho das capellas (…) desceusesse [sic] para a igreja pello meio dia (…)”.191
Assim, apesar de não conhecermos até ao momento nenhum documento histórico que indique em concreto as datas de início e fim de construção dos elementos do Claustro Pequeno, com base no registo histórico encontrados e analisados no presente subcapítulo, é possível propor um período de construção entre 1727 e 1737, que poderá ter sido menor.
Como referido anteriormente, a bênção da construção da Nova Igreja, realiza-se a 25 de março de 1733, e passados quatro anos, o culto continua a realizar-se na Igreja Primitiva, como testemunha a descrição de Frei João de São Tomás, através do ato de subir ao Claustro das Capelas após a oração realizada na Igreja.
188 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 51.
189 Ibidem, fls. 187v-188.
190 Ibidem, fl. 214v.
191 Ibidem
Assim, deduz-se que a construção do novo templo ainda estaria a decorrer à data de 1737. O donativo do rei em 1736 e as novas esmolas enviadas do Brasil em 1741 e 1742, terão então patrocinado a continuidade das obras da Igreja. Segundo um depoimento de Frei Jozé da Assunção, em 1746 a Igreja já estava edificada e em uso: 192
“Depoem o nosso irmão Frei Jozé da Asunção, que ele sabe pelo ver, que no mez de Outubro de 1746, quando veio para este mosteiro já estavão feitas as obras da igreja, capelas, claustro pequeno e suas oficinas; faltando somente na igreja (que já servia) o painel da capela mor, e no frontespicio o nicho de Nossa Senhora e fogareos do seu remate, o que logo se concluio; e que depois se não fizerão mais obras, do que dahi a tempos as duas aguas furtadas das celas do cardeal. ”193
Propondo-se, assim, para período de construção da Igreja Nova, o início com a bênção de 1733 e o como data de termino o ano aproximado de 1746, prefazendo um total de treze anos de construção.
Esta segunda grande fase de construção do Mosteiro Novo teve um início tardio, mas um rápido desenvolvimento, por oposição ao lento processo construtivo do Eremitério. Durante este período de construções, são doadas a 11º e 12º celas do Claustro Grande, em 1732 e 1745, respetivamente. Curiosamente, e paralelamente à doação de novas celas, decorrem obras de recuperação nas águas furtadas “das celas do cardeal”, como referido no depoimento acima transcrito. Tendo existido apenas um Cardeal entre a lista de beneméritos das celas, prossupõem-se que as reparações tenham ocorrido na nona e décima cela doadas pelo Cardeal D. Luís de Sousa.
192 Assunção, J. (1746).
193 Ibidem.
3.4.3. Claustro Pequeno
De clara tradição beneditina, o Claustro Pequeno é o coração da vida comunitária da Ordem Cartusiana. As suas galerias têm como principal função ser via de comunicação entre as instâncias de uso comunitário construídas em seu torno.
Em Laveiras, este núcleo situa-se a sudeste do Mosteiro Primitivo e na mesma cota do Claustro Grande. A diferença de cotas entre o Mosteiro Primitivo e o Mosteiro Novo venceu-se através do recurso à construção de um Criptopórtico, necessário para o nivelamento dos terrenos, como já analisado no capítulo 3.3. Precisamente sobre a zona sul do túnel do Criptopórtico assenta o Refeitório dos monges, um dos espaços da vida comunitária cartusiana presentes no Claustro Pequeno
O Claustro Pequeno de Santa Maria Vallis Misericordiae apresenta-se sob a forma quadrangular, com 15,60 metros de lado e com três arcos de volta perfeita em cada Ala (Figura 3.50).
A decoração do centro do Claustro apresentou várias conceções ao longo dos séculos. A descrição mais antiga, encontrada até ao momento, data de 1787 e refere a existência de uma fonte de mármore e buxos tosquiados em forma de pirâmide194. Em 1823, no Inventário Geral de bens faz-se uma breve referência a “hum jardim com agoa de correr”195 ,
194 “(…) fomos introduzidos n’um vasto e silencioso quadrângulo: alguns espectros d’aquella ordem monacal se escoam pelos claustros, que se ramificam d’este pateo. No meio há uma fonte de mármore, sombreada por pyramides de buxo tosqueado, (…)” [s.n.] (1787, jun 13). Carta VII.
195 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl. 12v.
não sendo explicito a forma pela qual a água corria. Numa gravura de Roque Gameiro de 1899, 66 anos após a saída dos monges, vê-se somente a existência de árvores e prado (Figura 3 51).196
Durante ocupação do espaço pelo Reformatório, existem pelo menos mais três conceitos neste espaço central. Num primeiro registo fotográfico do início do século XX é possível observar que o pavimento exterior do Claustro Pequeno era calcetado e que ao centro existia uma grande palmeira (Figura 3.51). Num segundo momento intermédio, a palmeira desaparece (Figura 3 52) e, posteriormente, aquando da celebração do 58º aniversário do Reformatório, em maio de 1961, é colocada a fonte que se encontra atualmente no espaço (Figura 3 50).197
3
Claustro Pequeno do Mosteiro da Cartuxa Vale da Misericórdia, em 1899.198 à esquerda. À direita Fotografia no Claustro na década de 50 © Fundo Fotográfico da DGRSP, PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001457.
Figura 3.52 - Claustro Pequeno do Mosteiro da Cartuxa Vale da Misericórdia durante ocupação do Reformatório, à esquerda um registo anterior a 1958199 e à direita em 1986, Arquivo Municipal de Oeiras, fotografia de Rui Cunha. Fotografia e Audiovisuais, Lda.
196 Pinheiro Chagas, M. (1899-1905), vol. 5, p.520.
197 Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira (1961, junho).
198 Pinheiro Chagas, M. (1899-1905), vol. 5, p.520.
199 Almeida Fernandes, J. M. (1958), p. 35.
Figura 51 - Ilustração de Alfredo Roque Gameiro doEm torno do Claustro Pequeno, encontravam-se as capelas, a Sala do Capítulo, a Sala De Profundis, o Refeitório, a Sacristia, o corredor de acesso ao Adro da Igreja, a porta dos monges e a porta dos irmãos conversos, ambas de acesso à Igreja, e umas escadas de acesso ao terraço do Claustro. (Figura 3.53).
Atualmente, encontra-se depositado no Claustro Pequeno um trabalho escultórico em pedra calcária que, ao centro e sobre uma decoração com ramagens e ornatos espiralados, apresenta o misericordioso coração de Jesus Cristo, acompanho por conchas e encimado por uma imponente coroa, sendo este conjunto ladeado por 2 fogaréus (Figura 3.54). Devido à sua configuração acreditamos que este elemento poderá ter pertencido a um frontão de passagem do Mosteiro, uma vez que contém em si elementos decorativos alusivos à Misericórdia. Porém, desconhece-se a sua localização original dentro da cerca do Mosteiro da Cartuxa de Santa Maria Vallis Misericordiae.
Figura 3 54 - Frontão de pedra alusivo à Misericórdia em depósito no Claustro Pequeno, novembro 2022, © DPERU/DPE.3.4.3.1. Capelas
No Claustro Pequeno, também denominado de Claustro Menor, Claustro das Capelas ou das Capelinhas, foram construídas duas capelas na Ala Norte e três na Ala Sul200, cada uma com cerca de 3,30 metros de comprimento por 2,70 metros de largura e 4,10 metros de altura. Estas capelas eram destinadas à celebração quotidiana de missas particulares e seriam ricamente ornamentadas. Veja-se os dados encontrados na literatura e apresentados na seguinte tabela 3.6.
Tradicionalmente, as capelas de Mosteiros e Conventos eram doadas e financiadas por beneméritos, geralmente da nobreza ou alta burguesia com poder económico suficiente para contribuírem monetariamente com a edificação e manutenção do espaço, em troca de missas rezadas periodicamente pelos membros da sua família sepultada nessa Capela. Em Vallis Misericordiae, até ao momento, foi possível identificar um benfeitor, Bernardo Machado, Cavaleiro Fidalgo Da Casa D’el Rei, porém acredita-se que terão existido mais doações afetas à construção das restantes capelas do Claustro Pequeno.
No registo de doação da Capela de Nossa Senhora da Piedade por Bernardo Machado, que ocorreu em 1625 durante o priorato de Bernardo Gort, é clara a intenção de que na Capela o Benemérito queria sepultado o seu corpo e dos seus sucessores:
“Bernardo Maxado (…) que Deos tem ordenou em seu testamento, que no ditto Mosteiro de Nossa Senhora do Valle da Mizericordia se lhe fizesse hua capella dedicada a Nossa Senhora da Piedade para nella ser sepultado o seu corpo e dos seus sucessores.
(…) a ditta capella, e despois de feita, e ornada de todo o necessário de modo, que se possa dizer missa se mudarão para ella os osos do ditto Bernardo Maxado (…) os quaes osos estão depuzitados no capitulo do ditto convento (…) e de tudo isto se porá hua pedra com seu letreiro na parede da ditta capella para que sumariamente conste isto aos vindouros”201
Além de deixar dinheiro para a edificação da capela e para a realização de missas anuais, também deixa dinheiro para ajudar na edificação do Claustro das Capelas202 um século antes da construção se ter concretizado. A lápide da sua sepultura encontrase ainda hoje no Mosteiro, depositada no Claustro Pequeno (Figura 3.55).
Na Sala do Capítulo, existiria uma sexta Capela de dimensões maiores. Nesta, não existiam pinturas, mas sim várias imagens da Via Sacra, Nª Senhora da Conceição, Santo Cristo e duas pequenas imagens representando S. Bruno e S. Vicente.203
201 Hospital de São José (séc. XVIII), fl. 214.
202 Ibidem, fls. 214v-215.
203 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823) e Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 187.
Figura 3 55 - Lápide de Sepultura de Bernardo Machado e herdeiros, em depósito no Claustro Pequeno, setembro 2022, © DPERU/DPE.3.4.3.2. Sala do Capítulo
Na Ala Sul do Claustro Pequeno ficava a Sala do Capítulo, com cerca de 12,50 metros de comprimento por 5,40 metros de largura e 7,50 metros de altura, coroada por uma abóbada de arco de volta perfeita e iluminada por duas janelas, viradas a sul. Neste espaço reuniam os monges cartuxo aos domingos e em dias solenes.
Pelas palavras de José João Loureio, em “A Galeria dos Veneráveis da Sala do Capítulo da Cartuxa de Laveiras”, esta seria a sala “mais digna do Mosteiro”. 204 O Inventário Geral de 1823, refere que a divisão possuía um altar com imagem de Nossa Senhora da Conceição, um assento geral em roda de madeira, um painel de Santa Verónica do Senhor, duas pequenas imagens de São Bruno, e São José, e quinze grandes painéis de diversos padres veneráveis da Ordem com molduras pretas (Figura 3.56) e o pavimento era todo esteirado.205 Segundo um dado apresentado na obra de Cirilo Volkmar Machado, os quinze painéis de Veneráveis referidos no Inventário poderão ter sido pintados por João dos Santos Aula, artista oeirense e discípulo de André Gonçalves, uma vez que, este terá pintado “vários retratos de Veneráveis na Cartuxa”. 206 Durante as visitas técnicas realizadas ao local, com o intuído de explorar vestígios da génese monástica, verificou-se que por baixo do atual telhado ainda se encontra o teto abobadado original.
3 56 - Simulação
Segundo o Livro dos Defuntos que se enterram na Cartuxa do Vale da Misericórdia de Laveiras – 1608 a 1832, atualmente em depósito no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, sepultaram-se cerca de 30 corpos no Capítulo do Mosteiro Novo.207
204 Loureiro, J. J. (2018), p. 77-87.
205 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fls. 12-12v.
206 Volkmar Machado, C. (1922). p. 73.
207 Cartuxa do Vale da Misericórdia (1608 – 1832).
Para mais informações ver subcapítulo dedicado: 3.6. Enterros na Cartuxa de Vallis Misericordiae.
3.4.3.3. Refeitório
Na Ala Oeste do Claustro Pequeno situava-se o Refeitório dos monges, “(…) uma grande casa com pavimento de tijolo, abobada com muita luz com bancos de madeira, e mesas de pedra (…)”.208 Com cerca de 22,50 metros de comprimento por 6,40 metros de largura e 7,50 metros de altura, as proporções desta sala conferia-lhe uma espacialidade admirável. Segundo M. Tereso, as dimensões da sala proporcionariam “excelentes condições acústicas”, um aspeto importante uma vez que os monges realizavam leituras e recitavam cânticos durante as refeições conjuntas.209
Os Refeitórios cartuxos são caracterizados por possuírem um púlpito de onde é recitada a leitura que acompanhava a refeição do meio-dia dos monges em dias solenes e ao domingo. Infelizmente, até ao momento, ainda não foi encontrada nenhuma informação específica sobre a localização e decoração desse elemento no Refeitório de Vallis Misericordiæ. Apresentamos dois exemplos de Refeitórios cartusianos onde é visível os púlpitos e a típica disposição das mesas e bancos no espaço (Figura 3.57 e Figura 3.58). No Inventário Geral de bens de 1823, sobre a decoração do espaço, além dos bancos de madeira e das mesas de pedra, é referido que dispunham de um grande painel da “Cea do Senhor” 210 , referindo-se possivelmente a uma representação da última ceia.
Atualmente este espaço encontra-se subdividido em três compartimentos e uma zona de distribuição com um teto em betão armado. Verificou-se a existência do teto abobadado original por cima e cortado pelo de betão, durante as visitas técnicas realizadas ao local (Figura 3.59).
208 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fls. 12v-13.
209 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 145.
210 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl.12v.
3.4.3.4. Sacristia
Na Ala Norte do Claustro Pequeno foi construída a Sacristia, de planta retangular, com aproximadamente 10 metros de comprimento por 5 metros de largura e 7,50 metros de altura. Segundo a descrição do Inventário Geral de 1823, o espaço era coroado por uma abóbada, com pavimento em tijolo e iluminado por seis janelas de “vidraça”. Neste espaço existiria um altar com um relicário em pinho, uma pia em pedra com água corrente, um manutérgio211 e um armário grande.212
Segundo Jesué Pinharanda Gomes e Juan Escudeiro, na Sacristia existiam várias imagens e pinturas, nomeadamente: um Senhor Cristo dourado; onze apóstolos; um tríptico com Nª Senhora, S. João Evangelista e Santa Maria Madalena (episódio ao Pé da Cruz conforme a paixão segundo S. João); uma pintura do Senhor Morto; e cinco painéis não identificados. Os mesmos autores indicam, ainda, a existência dos seguintes objetos: um relicário com oito divisórias e outras tantas relíquias não identificadas, quatro livros de cantochão, alguns livros de epístolas, nove missais e seis livros de diferentes tamanhos não identificados.213
A Sacristia comunicava com uma casa abobada que servia de apoio da Sacristia, onde guardavam utensílios da Igreja
Este segundo espaço possuía um armário fixo e era iluminada por duas janelas de “vidraças”. 214 M. Tereso propõe que este compartimento de apoio seria a chamada “Casa da cera” 215, com uma área de 8,80 metros por 3,50 metros, referida no Inventário Geral de bens de 1823, mas sobre a qual não é especificada a sua localização. O mesmo Inventário refere que a Sacristia comunicava com uma cela de um monge, no Eremitério216 e com a Igreja.217
Atualmente, a Sacristia possui acesso direto à Igreja, pela Capela-mor, porém numa planta 1925 observa-se o espaço da Sacristia já transformado em cozinha do Reformatório e sem ligação direta à Igreja (Figura 3.60).
No decorrer das prospeções realizadas para a elaboração do Projeto de Conservação e Restauro da Igreja e Sacristia verificou-se, através de uma câmara termográfica de infravermelhos, a existência de duas janelas na parede poente da Sacristia, entretanto desaparecidas (Figura 3.61). Informação essa corroborada pela planta do quarto pavimento da Escola Central de Reforma de Lisboa, realizada em 1925 (Figura 3 60).
211 [Liturgia católica] Toalha de altar usada para o Sacerdote enxugar as mãos.
212 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl.11.
213 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 187.
214 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl.11- 11v.
215 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 145.
216 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl.11- 11v.
217 Ibidem, fl.10.
3.5. Igreja Nova Cartusiana do Mosteiro Santa Maria Vallis Misericordiae
O projeto para uma Igreja Nova nasce com o plano geral do Mosteiro de D. Basílio de Faria, Prior de Vallis Misericordiae entre 1613 e 1621. No entanto, como explicado anteriormente219, a construção da Igreja foi arrastada para uma segunda fase de obras, pois impunha-se a necessidade da construção do Ermitério.
Cerca de um século depois, no priorato de D. Luís de Brito (1716 - 1746), reúnem-se as condições económicas que permitem avançar com a segunda fase de construções do Mosteiro Novo, muito graças às esmolas recolhidas por Gregório dos Santos no Brasil, que começaram a chegar a Laveiras no ano 1727.220 A 25 de março de 1733, realiza-se uma segunda bênção da Igreja e lança-se a primeira pedra da construção, na presença do primeiro patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida.221 Um dado apresentado pelo seguinte relato de Frei João de São Tomás (tradução do original em Latim):
“Apresentando-o no ano de 1733, em 25 de março, o ilustre e reverendíssimo senhor Thomas, patriarca de Ulyssiponia, o venerável padre Ludovicus de Britto, prior desta Cartusia ulissiponiana, tendo abençoado a construção de um novo templo na parte superior do mesmo mosteiro, lançou a primeira pedra, que a mesma assembléia declarou ser um baluarte da devoção, e consagrou Deiparæ Coeli, terra de que as rainhas são totalmente imunes de qualquer culpa à Senhora do Vale da Misericórdia.” 222
Segundo alguns autores as obras propriamente ditas, terão iniciado em 1736223. Nesse ano, o Frei Gregório consegue arrecadar mais 99.800 reis de benfeitores em Portugal e o Mosteiro recebe uma generosa contribuição do rei D. João V para as obras da Igreja Nova224. Além das verbas recolhidas no Brasil, Frei Gregório regressou em 1735 com 72 pranchas de madeira de Angelim. Parte deste material terá sido utilizado na construção e ornamentação da Igreja. Apesar do despojamento e obras sofridas o longo dos séculos, acredita-se que uma fração dessa madeira de Angelim possa ter permanecido na Igreja, contudo, para a sua identificação será necessário recorrer a um estudo específico de identificação de material lenhoso.
A Igreja Nova é edificada a Sul do Eremitério e alinhada com o eixo deste, como tradição da arquitetura monástica da Ordem de São Bruno. A oeste encontra-se o Claustro Pequeno e respetivas dependências da vida comunitária monástica.
219 Capítulo: 3.3. Eremitério [1614 – c.1833].
220 Para mais informações ver subcapítulo dedicado: 3.4.1. Influência do Prior D. Luís de Brito [1716 – 1746] na angariação de fundos para a construção do Claustro Pequeno e Igreja Nova
221 São Tomás, Frei João de (1733-1737), fl. 51.
222 Ibidem.
223 Segundo Vilhena Barbosa, I. (1862) e Diário Ilustrado (1880). Porém, estes autores não referem a fonte primária desta informação.
224 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 127.
Cerca de dez anos após a conclusão das obras da Igreja Nova, ocorreu o terramoto de 1755. Alegadamente os trabalhos de reconstrução da Igreja ficaram a cargo do Arquiteto Carlos Mardel.225 Porém, não há referências sobre quais foram efetivamente os trabalhos realizados, nem foi encontrado nenhum registo com a descrição dos estragos causados pelo terramoto
225 DGPC (2001-2016). SIPA.
O arquiteto Carlos Mardel teve um papel muito importante na arquitetura do séc. XVIII. As suas obras mais notáveis foram a Mãe de Água das Amoreiras, o Palácio do Marquês de Pombal e o contributo para a reconstrução da Baixa Lisboeta.
Figura 3 63 - Planta Mosteiro de Santa Maria de Vallis Misericordiæ, com o eixo da Igreja Nova e acessos pelo Claustro Pequeno assinaladas, © DPERU/DPE.3.5.1. Edifício e envolvência exterior
Com a construção da Igreja Nova, a entrada principal na Quinta passa a ser realizada por um portão que se encontra ao eixo da Igreja e que dava acesso para um espaço murado que antecede a entrada no templo (Figura 3.68), como tradição da Ordem
O vão do portão é emoldurado, pelo exterior, por um arco abatido com fecho saliente, flanqueado por ornatos espiralados e encimado por um frontão interrompido, tendo este o tímpano preenchido por decoração de ramagens e cartela com pedra-de-armas.226 No interior da pedra-de-armas surgem sete estrelas – símbolo cartusiano de S. Bruno e dos seus seis companheiros de fundação da Chartreuse (Figura 3.64). Este elemento dá acesso a uma passagem abobada com perfil de asa-de-cesto, perfil que se repete no arco que remata a sua face posterior227, que por sua vez, dá acesso ao Adro da Igreja
226 DGPC (2001-2016). SIPA.
227 Ibidem.
O portão metálico é encimado por uma pormenorizada inscrição com as iniciais “C” e “L”, iniciais de Cartuxa de Laveiras (Figura 3.64). Durante as visitas técnicas da Divisão de Projetos Especiais, observou-se na parte interior da cantaria do vão, marcas estruturais e vestígios de chumbo (Figura 3 66), evidências da existência de um portão primitivo, possivelmente o representado na Figura 3.65.
O alinhamento do designado portão de clausura229 com a porta principal da Igreja, cria uma antecâmara murada, à qual nos referimos como Adro (Figura 3.67 e Figura 3.68). Este espaço fechado criava um espaço de reflexão entre a vida monástica e a vida exterior, que segundo os monges:
“separa as prisões de fora com a liberdade de dentro”. 230
229 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 14. 230 Ibidem.
A partir do pátio murado da Igreja distribuíam-se percursos de acesso aos diferentes núcleos: a norte a Igreja e Claustro
Pequeno e a este a restante área da cerca e terrenos de cultivo (Figura 3 69). A oeste do Adro da Igreja, embora sem comunicação direta com este, encontravam-se as hospedarias, a casa da lavoura e outras dependências laborais.
Segundo o Inventário Geral de 1823, as duas hospedarias, encontravam-se uma sobre a outra, comunicando por dentro e eram compostas por cinco casas, duas alcovas, duas cozinhas, uma cavalariça e uma coxeira. Todas as casas eram de madeira e encontravam-se em bom estado.231 As hospedarias seriam destinadas a eventuais visitantes, incluindo os familiares dos monges.232 Numa das hospedarias existiu, ainda no tempo dos monges cartuxos, uma Aula de Primeiras Letras.233
A Igreja encontra-se sobrelevada em relação ao plano do Adro através de uma escadaria de traçado composto: sobre um desenho-base de degraus retos paralelos, duas concavidades assinalam as portas laterais e uma convexidade, de maior raio, a porta central (Figura 3.68 - Figura 3.70). A Igreja é composta por dois corpos simples cobertos por telhados de duas águas, rematados por beirados correspondendo a uma planta regular de nave única com Capela-mor. Sendo que, na extremidade sul ergue-se a ampla fachada principal (Figura 3.70).
A fachada principal é integralmente revestida a cantaria e dividida em três corpos principais separados por pilastras, em composição perfeitamente simétrica: 234
Dois corpos laterais, apenas de piso térreo, cujos eixos são marcados por portas de verga reta e ática curva;
Um corpo central dividido:
- No sentido vertical, em embasamento, pano intermédio e nicho;
- No sentido horizontal, em três panos murários também separados por pilastras (com sugestão de capitel jónico) e de desigual largura - menores nos extremos, de medida idêntica aos laterais já descritos, e maior o axial.
O corpo central contém elementos que reforçam a verticalidade da sua composição: no nível térreo o portal, de verga reta com cornija muito saliente ornada com motivos geométricos e naturais, sobrepujada por tímpano em baixo-relevo, e ladeada por ombreiras com pilastras rodadas em relação ao plano da fachada; no nível superior a janela retangular de verga curva e moldura destacada; e sobre a platibanda maciça, a edícula com semicúpula enquadrada por aletas, pilastras e ática triangular com cruz e fogaréus nos acrotérios e albergando imagem em cantaria de Nossa Senhora com o Menino ao colo.
Tanto os planos extremos do corpo central quanto os corpos laterais são rematados por platibanda recortada sobre cornija e, em correspondência das pilastras, por plintos com fogaréus, dos quais se destacam, pela dimensão, os dois que marcam os vértices da composição. A cornija que coroa o piso térreo atravessa o alçado entre extremidades, marcando fortemente a sua divisão em altimetria.
231 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl. 17.
232 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 40
233 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl. 17.
No Arquivo Nacional Torre do Tombo, preserva-se o “Requerimento de monges da cartuxa de Laveiras, solicitando a instalação de uma aula de Primeiras Letras em Laveiras”, com a seguinte cota atual: Ministério do Reino, mç. 692, proc. 22.
234 DGPC (2001-2016). SIPA.
No nível superior da fachada este, no corpo da nave encontram-se quatro janelas e uma no corpo da Capela-mor, sendo o desnível entre os dois corpos marcado por uma pilastra. No nível térreo são visíveis arcos em cantaria, embebidos na parede de alvenaria (Figura 3.71), que permitiriam replicar o Claustro Pequeno existente no lado oposto da Igreja. Apesar de não haver indícios de ter sido construído, a marcação do arranque do mesmo na parede da Igreja é revelador das intenções construtivas dos monges.
No cunhal noroeste da Igreja existe um pequeno recorte em planta (Figura 3 72) que interfere com a simetria do edifício. Esta reentrância poderá ser justificada pela existência de uma edificação pré-existente nesse local, à data de construção da Igreja.
Figura 3 71 - Fachada lateral Este da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, com arcos embebidos na parede de alvenaria, novembro 2022, © DPERU/DPE.Na cobertura da nave, sobre as paredes exteriores do edifício, existem dois arcos sineiros (Figura 3 73), situados no cruzamento entre a nave e a Capela-mor, sobre a entrada do coro dos monges.
O sino nascente era acionado a partir do interior da Igreja, através de um orifício existente no teto que permitiria a passagem de cordas. O referido orifício situa-se num pequeno compartimento, ao qual é possível ter acesso por uma escadaria interior situada atrás da Capela-mor.
Figura 3 73 - Cobertura da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, novembro 2022, © DPERU/DPE.O acesso ao arco sineiro poente era realizado através de uma escadaria exterior fechada, adjacente à parede poente do corpo da Capela-mor. A entrada para a referida escadaria dava-se pelo terraço do Claustro Pequeno. Apesar de ter sido demolida235, é visível em registos fotográficos da época do Reformatório (Figura 3.74) e no edifício permanecem marcas da sua existência, nomeadamente no pavimento do terraço e na parede externa da Igreja (Figura 3 75).
235 Até ao momento, desconhece-se a razão pela qual a escadaria foi removida e a data do sucedido.
236 Almeida Fernandes, J. M. (1958), p.35.
3.5.2. Interior
Infelizmente, após a saída dos monges do Mosteiro no ano de 1833 a Igreja ficou abandonada. Nos séculos seguintes, o seu interior foi profanado, despojado e descaracterizado da sua estética cartusiana, temas que são abordados nos capítulos: 4. e 5 do presente estudo. Consequentemente, para uma melhor compreensão das descrições do espaço de Laveiras e como seria a sua organização interna enquanto Igreja Cartuxa, importa primeiramente explorar em que consiste a matriz de uma igreja cartusiana no geral.
3.5.2.1. Matriz genérica de uma Igreja Cartuxa
A arquitetura e distribuição dos espaços de uma Igreja Cartuxa está ao serviço de um culto que obedecesse a regras e estatutos específicos da Ordem de S. Bruno, razão pela qual o espaço apresenta características próprias da Ordem. Segundo Giovanni Leoncini, nas plantas de Igrejas Cartuxas manifesta-se uma extrema racionalidade e funcionalidade.237 São Igrejas de pequenas dimensões, pois servem uma pequena comunidade de monges.
Geralmente, obedecem aos seguintes valores constantes: “a largura de uma igreja cartusiana dificilmente se afasta dos 8 metros; o seu comprimento varia, dependendo da importância da igreja e do número dos seus membros, de 24 metros a 36 metros […] a altura das igrejas foi também variável, mas normalmente manteve-se na proporção certa de 10-13 metros, até atingir no máximo os 17 metros.”238
Caracterizadas por uma nave única, que se encontra sistematicamente dividia em três zonas (Figura 3.76): o coro dos monges, o coro dos irmãos conversos e um espaço para os visitantes.
O coro dos monges, onde os monges permanecem durante o culto, ocupa o espaço maior dentro da nave e localizase sempre junto do corpo da Capela-mor (Figura 3 76). Este coro é composto essencialmente por cadeirais, em madeira, que ocupam as laterais da nave e, por vezes, as traseiras da teia de separação e por uma estante triangular de leitura, designada de atril ou leitoril, ao centro (Figura 3 77 e Figura 3 78).
237 Leoncini, G. (1979), p 53-54. Citado por Gomes Tereso, M. (2016a), p. 141.
238 Ibidem.
O coro dos irmãos conversos, onde estes permanecem durante o culto, surge a meio da nave (Figura 3 76) e é separado do coro dos monges, geralmente, por uma parede em madeira ou alvenaria, com porta dupla (aberta durante o culto) encimada por uma cruz ou frontão identificativo da Casa. A partir do século XIII, é autorizada a construção de dois altares laterais, erguidos contra a parede de separação dos dois coros (Figura 3 77).
O espaço dos visitantes, é o mais simples e é o que se encontra mais afastado da Capela-mor, geralmente perto da entrada da fachada principal (Figura 3.77).
Figura 3 76 - Simulação da nave tripartida de Vallis Misericordiae (01) e comparação com as Igrejas Cartuxas de Scala Coeli – Évora (02), Miraflores (03) e Santa Maria de El Paular (04). Nave tripartida: a verde o coro dos monges, a roxo o coro dos irmãos conversos e a laranja o espaço para os visitantes © DPERU/DPE.Existindo uma separação física entre os espaços, cada um tem uma entrada própria. No caso dos monges e dos irmãos conversos as respetivas portas dão acesso ao(s) Claustro(s) Pequeno(s) e no caso dos visitantes, a entrada é realizada pela porta principal da Igreja através do Adro.
À semelhança da matriz cartusiana abordada anteriormente, a Igreja do Mosteiro Santa Maria Vallis Misericordiae é constituída por uma nave com 33,72 metros de comprimento por 8,85 metros de largura e 15,19 metros de altura (medidas interiores)239, e rematada por uma abóbada de arco de volta perfeita.
As paredes da nave são em alvenaria com cerca de 2 metros de espessura constantes ao longo da sua altura, rebocadas com um fingido que imita a estereotomia da cantaria240, e decoradas com dois frisos em cantaria que limitam o espaço das janelas.
A iluminação natural do interior da Igreja surge através de janelas superiores: uma na fachada principal da Igreja, sete nas paredes laterais da nave (quatro a nascente e três a poente) e uma na Capela-mor, (embora existam dois vãos de janelas na Capela-mor, a do lado oeste é falsa).
A Capela-mor, ou abside, eleva-se em relação à nave e encontra-se diferenciada por um arco de volta perfeita e pilastras duplas de capitel coríntio (Figura 3.79).
Capela-mor
Na Capela-mor existem três portas que dão acesso à Sacristia, a uma pequena arrecadação e à parte de trás do Retábulo. Neste corpo existem dois nichos, próximos do Altar-mor, encontrando-se num deles uma pia de mármore, em forma de cálice, destinada às purificações do Altar-mor (Figura 3.80).
Sacristia
Pia de purificação dos monges
239 Levantamento realizado por TopoRigor 3D GeoServices- Topografia & Laser Scanning 3D, Engenharia, Projeto, agosto 2021.
240 O mesmo tipo de fingido que se encontra nas abobadas do Claustro Pequeno
Figura 3 80 - Planta da Capela-mor da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, © DPERU/DPE.No topo do Altar-mor encontra-se um retábulo em madeira, vazado por um camarim com trono. A zona do camarim é ladeada por quatro colunas com capitel coríntio e coroado por um frontão entrecortado ornamentado ao centro com motivos geométricos, florais e com o brasão da Ordem de São Bruno, com as respetivas sete estrelas, no topo. Na base do retábulo, abaixo do camarim, encontram-se três nichos com as de Imagens de Nossa Senhora da Conceição (padroeira da antiga Casa de Detenção e Correção de Lisboa), S. José (patrono dos operários) e S. Bruno (fundador das cartuxas) – figuras adquiridas pelo Padre António de Oliveira, diretor da Casa de Detenção e Correção, aquando da sua tentativa de restabelecimento do culto no templo entre 1903 e 1910.241
Segundo o Inventário Geral de 1823, na época dos Monges Cartuxos, estes nichos eram ocupados pelas imagens de Nossa Senhora do “Valle de Mizericordia”, São Bruno e São João Baptista.242 No Altar-mor existia um crucifixo em marfim com cruz de pau preto e uma grande pintura a óleo de Nossa Senhora com S. Bruno e os seis companheiros na Cartuxa (Figura 3.81), da autoria de Francisco Vieira Lusitano (1699-1783) – pintor régio. 243 Esta obra de grandes dimensões terá sido encomendada em 1746 por D. João V. Após a extinção das ordens religiosas, a pintura foi transferida para a Academia de Belas-Artes de Lisboa244, e atualmente encontra-se depositada nas reservas do Museu Nacional de Arte Antiga.
Nave cartusiana tripartida
Em Laveiras, à semelhança do referido no subcapítulo 3.5.2.1., junto à Capela-mor da Igreja, encontrava-se a primeira zona da nave tripartida cartusiana - o coro dos monges (a verde na Figura 3 82). Segundo a descrição histórica do Inventário Geral de 1823, o coro dos monges era “magnífico”, todo construído com madeira do Brasil, e o atril possuía um crucifixo feito de um mastro de uma nau que viajara para a Índia. Este espaço tinha um pavimento em “madeira do Brasil axadrezada”, comunicação com a Sacristia e com o Claustro Pequeno (Figura 3.86) e era separado do coro dos irmãos conversos, como é tradição da Ordem.
O Inventário Geral de 1823, refere que a separação entre o coro dos monges e o coro dos irmãos conversos era realizada por um “caixilho de vidraça” e por dois altares laterais, ambos em madeira, com retábulos dourados, sendo que um tinha um painel de Santa Bárbara e o outro um painel de São Sebastião. O coro dos irmãos conversos, com um pavimento igual ao do coro dos monges: em madeira do Brasil com padrão axadrezado, iniciava-se nos dois altares referidos e acabava numa “magnifica teia de mármore preto e branco” que fazia a divisão com o terceiro espaço da Igreja, destinado aos visitantes (a laranja na Figura 3 82). A zona dos visitantes é descrita como um “quadro de lage”, com bancos de pedra “em roda” e com acesso ao Adro da Igreja pela porta central da fachada principal (Figura 3.86). Atualmente, esta entrada apresenta um guarda-vento, porém desconhece-se a sua data de produção e instalação no espaço.
241 Almeida Fernandes, J. M. (1958).
242 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl. 10.
243 Ibidem.
244 Gomes Tereso, M. (2016a), p. 157.
Após a saída dos monges cartuxos do Mosteiro, a Igreja foi despojada e ambas as separações descritas no Inventário Geral de 1823 terão sido removidas da Igreja. Segundo uma notícia de 27 de julho de 1880, publicada no Diário Ilustrado de Lisboa: “uma teia de mármore foi cedida á Igreja paroquial de Santa Maria Madalena de Lisboa”245 possivelmente, a mesma teia de mármore que fazia a separação entre o coro dos irmãos conversos e a zona de visitantes. Analisada a teia que atualmente se encontra na Igreja paroquial de Santa Maria Madalena de Lisboa (Figura 3 83) e verificada a sua compatibilidade dimensional com os vestígios presentes na Igreja da Cartuxa, depreende-se que possivelmente falamos da mesma teia. No entanto, esta evidência só poderia ser comprovada através da desmontagem da teia, de forma a confirmar as potenciais ligações da base de mármore preto com a base de pedra branca, presente na Cartuxa.
Sobre a separação entre os coros, a informação disponível é escassa. Em Évora, a separação dos coros é realizada por uma parede em alvenaria que possuí um frontão com a representação de Scala Coeli sobre a porta de madeira.
Existindo uma série de semelhanças entre as duas Igrejas Cartuxas, será possível que em Laveiras existisse, também, um frontão com a representação da Casa na separação dos coros? Seria essa a localização do frontão detalhadamente esculpido em depósito no Claustro Pequeno? (Figura 3.54, pág.134)
Não obstante a análise anterior do espaço tripartido, a localização exata dos elementos de separação é um tema, ainda, em investigação, sendo de seguida apresentada a nossa leitura atual do espaço que poderá mudar ou ser comprovada com eventuais descobertas durante as obras de conservação e restauro.
Atualmente, ao entrar na nave da Igreja e antes de chegar às portas dos irmãos conversos, existe um pequeno desnível com uma balaustrada em madeira de pinho. No eixo da referida balaustrada, junto às paredes da nave existem marcas chumbo (Figura 3 85) que evidenciam a existência de um elemento mais elevado com arranque na mesma localização e que assentaria sobre este. O que nos leva a crer que seria esta a localização da divisória em teia de mármore referida pelo Inventário de 1823, que separava a zona em “quadro”246 dos visitantes da zona do coro dos irmãos conversos.
A localização da vidraça e altares de separação entre o coro dos irmãos conversos e o coro dos monges não é, até ao momento, tão precisa como a anterior. Porém, ter-se-á certamente localizado a norte dos nichos por uma questão funcional, uma vez que estes continham pias de purificação, à semelhança da Igreja da Cartuxa de Évora, que também apresenta altares laterais (Figura 3 84).
246 O espaço delimitado neste local proporcionaria uma área de cerca de 8,85 metros por 10,80 metros para os visitantes.
Figura 3 85 - Balaustrada em madeira de pinho e marcas de chumbo nas pedras de arranque da atual balaustrada, Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, setembro 2022, © DPERU/DPE.A divisão tripartida da nave, requer a existência de vários acessos diferentes, uma característica comum nas Igrejas Cartuxas. Nas paredes laterais da nave da Igreja de Laveiras existem quatro portas: duas a oeste, que comunicam com o Claustro Pequeno constituindo os acessos dos monges e dos irmãos aos seus respetivos coros (Figura 3.86) e duas a este, falsas, cujo intuito seria comunicarem com um claustro nascente, quando este fosse construído. Ao coro dos monges era ainda possível aceder pela Sacristia através do corpo da Capela-mor. E a entrada para o espaço dos visitantes realizava-se pela fachada principal da Igreja, como já referido anteriormente.
As quatro portas em madeira escura são elegantemente decoradas por motivos geométricos, sendo os respetivos vãos em cantaria, também, detalhadamente trabalhados e ornamentados (Figura 3 87). Na proximidade das portas de entrada dos irmãos conversos, encontram-se dois nichos (Figura 3.87), um de cada lado da nave, que teriam no seu interior pias com água benta para as purificações dos altares existentes no espaço dos irmãos conversos.247 Estes nichos possuem portas de madeira, esteticamente semelhantes às das portas descritas anteriormente.
O pavimento da Igreja terá sofrido alterações ao longo dos séculos. O referido pavimento em madeira do Brasil com padrão axadrezada no coro dos monges e no coro dos irmãos conversos desapareceu e na zona dos visitantes a referida “lage”, também, não corresponde ao atual pavimento em tijoleira.
247 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 15.
Figura 3 87 - Porta os irmãos conversos e nicho de pia de purificação, parede oeste da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, setembro 2022, © DPERU/DPE.Apesar de se desconhecer como seria o pavimento nas restantes áreas da Igreja, foram encontrados vestígios do que acreditamos ser o original por baixo da mesa do Altar-mor, no corredor de acesso à torre sineira nascente e junto às janelas da nave (Figura 3 88 e Figura 3 89).
3.89 - Pormenor de zona de transição entre o que se pensa ser pavimento original da Igreja e um pavimento posterior, localizado no corredor de acesso à torre sineira nascente,
Coro-alto
No extremo sul da nave, por cima da entrada dos visitantes realizada pelo Adro da Igreja, encontra-se atualmente um Coro-alto, rematado por uma balaustrada em madeira e sustentado por 4 colunas (Figura 3.86 e Figura 3.90) de metal revestidas a madeira com um acabamento em fingimento de pedra marmoreada (Figura 3 91 e Figura 3.92).
No piso térreo, o teto que se encontra por baixo do coro alto é decorado por elementos geométricos e as colunas de suporte apresentam capiteis coríntios e mísulas que remetem para um estilo neoclássico.
Figura 3 91 - Imagem baroscopia do interior de uma das colunas de suporte do Coro-alto com estrutura interna metálica, junho 2022, © CURA - Projectos, Lda. Figura 3.92 - Pormenor de coluna de madeira de suporte do Coro-alto com acabamento em fingimento de pedra marmoreada, junho 2022, © DPERU/DPE. Figura 3 93 - Pormenor de um capitel de uma das colunas de suporte do Coro-alto da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, novembro 2022, © DPERU/DPE.Segundo a interpretação do espaço por um monge cartuxo em 2006, do Coro-alto poderiam assistir aos ofícios os parentes varões e Família Real que visitavam os monges.248 Porém, desconhece-se a data de instalação deste elemento no espaço. Não sendo referido na pormenorizada descrição do Inventário Geral de bens 1823 é possível que este corpo não existisse no tempo dos monges, não sendo essencial para a concretização do culto segundos os estatutos da Ordem.
Na planta de 1943 do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira (Figura 3.95), que ocupa o conjunto monástico em 1903 - um tema que será abordado em pormenor no capítulo 5. é possível verificar a marcação das colunas de suporte do Coro-alto. Segundo José Fernandes, o padre António de Oliveira realizou ações de limpeza e restauro na Igreja e “dispôs tudo para a sua reabertura ao culto”, a 8 de dezembro de 1910, contudo, tal não ocorreu por impedimentos legais e políticos. Tendo o espaço do Coro-alto servido para o ensino de música, durante os primeiros anos de funcionamento da Instituição.249
248 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 14-15
249 Almeida Fernandes, J. M. (1958), p. 44-45.
Terão as obras de reabilitação do espaço impulsionadas por o Padre António de Oliveira incorporado a construção do Coro-alto? Infelizmente, até ao momento, não foi possível confirmar ou refutar esta teoria, uma vez que a fase inicial de adaptação do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ a sede da Casa de Detenção e Correção de Lisboa foi um processo pouco documentado e cujo projeto não foi possível localizar.
O acesso ao Coro-alto é realizado através do terraço do Claustro Pequeno, por uma porta que ocupa um vão correspondente ao que poderia ter sido uma quarta janela do lado oeste da nave, perfeitamente alinhado com o vão do lado este da nave. Quando comparada a porta de acesso ao Coro-alto com a porta de acesso ao terraço do Claustro Pequeno observa-se que tanto as pedras das soleiras como as pedras das aduelas são bastante diferentes (Figura 3 96). A pedra utilizada na aduela da porta do Coro-alto diferenciam-se, também, da pedra utilizada nas aduelas dos vãos das janelas da Igreja que se consideram originais.
Figura 3 95 - Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira, Caxias. Planta do 3º pavimento, levantamento da DGEMN/ Repartição de Estudos de Edifícios em 1943. © SIPA DGPC ID: desenho 50754.Durante os primeiros trabalhos de levantamento do espaço realizados pela Divisão de Projetos Especiais foi encontrada no Criptopórtico uma balaustrada igual à do Coro-alto, que possivelmente será a balaustrada visível na Figura 3 97, entretanto removida da zona da Capela-mor, onde atualmente ainda existem as marcas da sua fixação. Com base nos testemunhos e descrições históricas referentes ao período monástico já abordadas, as referidas balaustradas terão sido produzidas e colocadas durante a ocupação do Reformatório. Na Figura 3.98 é possível observar uma ilustração da Igreja, em 1899, despojada em consequência da Extinção das Ordens Religiosas em Portugal.
Figura 3 97 - Igreja da Cartuxa, enquanto dormitório da secção preparatória (1921-1938). © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/ DGRSP/ FF/02/001/001468.3.6. Enterros na Cartuxa de Vallis Misericordiae
Os monges cartuxos “não têm medo de deixar este mundo”, ao entrarem no seu Deserto (renunciando o mundo exterior) vivem em comunhão com Deus enquanto esperam, sem pressa, pela Vida Eterna.251 Cavam as suas próprias sepulturas, proferindo o dito “morrer havemos, já o sabemos” e ao morrer repetem em latim “da cella ad cœlum”, da cela ao Céu.252 Na cela do falecido, reúne-se toda a comunidade para recolher o corpo e conduzi-lo em procissão até a Igreja, onde o coro dos monges ora pela sua alma.253 Como símbolo desta passagem, o corpo é enterrado tal como estava na cela, com o hábito branco, com o capuz sobre o rosto e sem caixão. Este recebe, ainda, a “pedra branca do Apocalipse”254. A cerimónia é restrita aos monges cartuxos do convento, que entoam cânticos enquanto despejam a terra sobre o corpo.255
A sepultura recebe apenas uma cruz de madeira sem identificação. Tanto na vida quanto na morte, os cartuxos escolhem desaparecer aos olhos do mundo e após a morte, também, aos olhos dos próprios irmãos. 256 Geralmente, o cemitério dos monges situa-se no Claustro Grande, numa zona perto da Igreja.257 O Cemitério dos monges da Cartuxa de Évora é exemplo dessa localização preferencial (Figura 3 99).
251 Vêneto, F. (2022, jan 3) e Silveira, J. (2019, jul 5).
252 Aleteia Brasil (Ed.) (2017, fev 14).
253 Vêneto, F. (2022, jan 3).
254 Pedra branca do apocalipse: É uma pedra mencionada em Apocalipse 2:17 (texto bíblico), recebida por quem é merecedor de ser salvo do apocalipse, entrando no Reino de Deus.
255 Silveira, J. (2019, jul 5) e Aleteia Brasil (Ed.) (2017, fev 14).
256 Vêneto, F. (2022, jan 3) e Aleteia Brasil (Ed.) (2017, fev 14).
257 Gomes Tereso, M. (2016a), p.93 e Vêneto, F. (2022, jan 3).
Figura 3.99 - Cemitério do Mosteiro Santa Maria Scala Coeli, à esquerda, o cemitério em 2019, © Ferreira, A. P. (Fot.) (2019), à direita, assinalada a laranja a sua localização na Planta do Mosteiro © desenho DPERU/DPE, com base em Casale, G. V. (1590).
No Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ, em Laveiras, a localização exata do cemitério dos monges é, ainda, alvo de discussão e investigação. Não é feita nenhuma referência sobre este elemento fundamental num Mosteiro cartusiano na crónica de Frei João de São Tomás, nem nos Inventários Gerais de Bens 1823 e 1833. Porém, tendo o Mosteiro funcionado durante cerca de 230 anos, terá certamente existido um local para o enterro dos monges e irmãos conversos dentro do Deserto Cartusiano.
Segundo Jesué Pinharanda Gomes e Juan Mayo Escudero, em “A Cartuxa de Lisboa Legado de Contemplação”, o cemitério da Cartuxa de Laveiras situava-se num sítio denominado de “Quintinha”, localizado à entrada do Mosteiro (Figura 3.100).258 Porém, desconhece-se a fonte primária desta informação, carecendo este dado de confirmação.
Num estudo levado a cabo pela Unidade de Dinamização do Património Histórico (UDPH), da Câmara Municipal de Oeiras, desenvolvido através da análise do “Livro Dos Defuntos que se Enterraram na Cartuxa do Vale da Misericórdia de Laveiras – 1608-1832”259, são indicados dois locais de enterramentos: na Igreja do Mosteiro Primitivo e na Sala do
258 Gomes, Jesué Pinharanda; Mayo. Juan Escudeiro. op. cit. p.40.
259 Livro dos Defuntos que se enterram na Cartuxa do Vale da Misericórdia de Laveiras – 1608 a 1832. Em depósito no Arquivo Nacional da Torre do Tombo com a cota: Manuscritos da Livraria, n.º 787.
Capítulo no Mosteiro Novo. Sendo que, na Igreja Primitiva, hoje inexistente, foram enterrados vários corpos entre 1608 e 1806, na Sala do Capítulo do Mosteiro Novo foram sepultadas 30 pessoas entre 1739 e 1832, e entre 1746 e 1806 ocorriam enterramentos em ambos os espaços.
O estudo referenciado acima, ajuda a clarificar as suspeitas de que em Laveiras, os cartuxos não enterrariam os mortos no espaço do Claustro Grande, à semelhança do que ocorre em outros Mosteiros da Ordem de São Bruno. Provavelmente, porque o Eremitério encontrava-se incompleto, existindo planos de execução de terraplanagem. Obras essas que ocorreram parcialmente durante o priorato de D. Bernardo de Santa Maria, entre 1746 e 1752 - 138 anos depois do primeiro enterramento no Mosteiro Primitivo
3.7. Sistema Hidráulico
A água que alimentava o Mosteiro Novo da Cartuxa de Laveiras provinha de uma mina subterrânea que outrora se acedia no local onde viriam a ser construídas as Oficinas do Reformatório.
“… a água era fornecida a partir de mina subterrânea, aberta no flanco da colina, correndo para uma taça, iluminada por claraboia e alimentada por outras fontes. Na parede circular do topo da mina, onde se chegava através de uns 120 metros de comprimento, colocaram os monges um painel de azulejos representando o fundador da Ordem, revestido de hábito”260
Atualmente ainda existe parte do túnel da mina, em alvenaria de pedra, onde são visíveis vestígios de um antigo sistema hidráulico (Figura 3.102). O túnel encontra-se emparedado por uma parede em pedra e o teto abobado apresenta-se em betão armado cofrado por ripas de madeira. Provavelmente, estas intervenções com materiais modernos terão sido realizadas no século XX, durante obras do Reformatório.
Confrontado esta informação com a Planta das Minas e Encanamento d’Agua do Almoxarifado de Caxias de 1901 (Figura 3 103), é visível um percurso de água no local do túnel e o seu encaminhamento para o Mosteiro. Coincidentemente, este percurso também confere com a planta Real Quinta de Caxias de 1844 (Figura 3.4, pág.68). Infelizmente, não são atualmente visíveis vestígios deste percurso de água, nem foram descobertos dados históricos relativos a esta questão.
No primeiro quartel do séc. XX ainda era possível observar dois grandes poços e um longo tanque, com cágados. O grande viveiro de cágados localizava-se junto ao Mosteiro Primitivo, encontrando-se presente em várias plantas antigas, entre elas a Planta da Real Quinta de Caxias de 1844 (Figura 3 4, pág.68).
“como a carne está vedada na dieta cartusiana, salvo motivos justificados, não comiam carne, mas podiam ingerir caldos de carne de cágado, pelo que o mosteiro dispunha de um grande viveiro 261”
Atualmente, nesse mesmo local encontra-se a saída de um túnel (Figura 3.104). Este tanque seria alimentado por uma levada que desviava parte do caudal da Ribeira de Barcarena, como testemunha uma planta de 1922 (Figura 3.105), onde está demarcado a laranja o percurso de encaminhamento da água que percorre no lado poente da Quinta. Seria esta levada que forneceria água à cozinha do Mosteiro Primitivo.
Figura 3 103 - Planta de Minas e Encanamento d’aguas do Almoxarifado de Caxias, © A Editora, 1901. 261 Vilhena Barbosa, I. (1862), p. 410.No que respeita aos poços, atualmente só um deles é visível, junto à entrada norte da Quinta (Figura 3.106).
A presença de água corrente nos hortos das celas dos monges cartuxos é um dado referido em todas as descrições históricas consultadas, porém, atualmente não existe indícios de como seria o sistema hidráulico que alimentava esses espaços. Acreditamos que deveria de ser semelhante ao da Cartuxa de Évora, ou seja, que seguia por caleiras nos muros das celas.
O sistema hidráulico do Mosteiro da Cartuxa de Laveiras, embora quase totalmente destruído, manifesta vestígios em vários locais, merecendo por isso mais investigação e estudos futuros.
Figura 3.106 - Poço junto à entrada norte da Quinta de Laveiras, abril 2022, © DPERU/DPE.4. EXTINÇÃO DAS ORDENS RELIGIOSAS
4.1. Contexto Político
No final do século XVIII dezenas de Mosteiros foram extintos por toda a Europa, devido a guerras e revoluções, motivos esses com pouca repercussão em Portugal262. Todavia, no século XIX, sobre a governação de D. João VI, é publicada a Lei de Supressão das Ordens Religiosas de 24 de outubro de 1823, que proibiu a admissão de noviços e, em certos casos, reduziu cada Ordem a apenas um Mosteiro
No caso específico da Ordem de São Bruno, apesar de se ter previsto a redução a um Mosteiro, ficando em ativo apenas a Cartuxa de Évora, tal não se concretizou. Neste contexto, chegou a ser realizado um “Inventário Geral do Mosteiro de Nossa Senhora do Vale de Misericórdia da Cartuxa de Laveiras” procedido pelo Dr. Caetano Ignacio de Souza Barbosa, em 1823. Encontrando-se o documento original em depósito no Arquivo Nacional Torre do Tombo263. Curiosamente, nos fólios referentes à inventariação dos bens móveis há a indicação do seu valor e a seleção de quais iriam ser transferidos para a Cartuxa de Évora.
Em 1826, com a morte de D. João VI gerou-se um problema na sucessão dinástica, com dois príncipes candidatos ao trono. Estes, tinham visões de poder diferentes, e as tentativas de mediação falharam, levando o país a uma guerra civil que opôs os Absolutistas (D. Miguel I) e os Liberais (D. Pedro IV), entre 1832 e 1834. As duas fações defendiam diferentes posições relativamente às Ordens Religiosas. Se por um lado, D. Miguel I apoiava o retorno e existência das Ordens em território nacional, por outro lado, D. Pedro IV era a favor da extinção das mesmas. Quando a Capital é conquistada pelas forças Liberais, o militante liberalista Joaquim António de Aguiar, Doutor em Leis pela universidade de Coimbra, ocupa o cargo de Procurador-Geral da Cora e seguidamente exerce as funções de Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de justiça. A 15 de outubro de 1833, Joaquim António de Aguiar é nomeado membro do governo, ocupando o cargo de Ministro do Reino, sendo a 23 de abril de 1834 transferido para o cargo de Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça. Nestas funções consegue demonstrar num curto espaço de tempo a sua capacidade reformista, distinguindo-se com o Decreto-Lei da Extinção das Ordens Religiosas, publicado a 28 de maio de 1834, onde se declara a extinção de todos os Conventos, Mosteiros, Colégios e Hospícios. O mesmo Decreto-Lei, prevê que os bens pertencentes às casas extintas fossem incorporados pela Fazenda Nacional, à exceção dos vasos sagrados e paramentos, que deveriam ser entregues às respetivas dioceses.
262 Em Portugal, a extinção das Ordens Religiosas apesar de ter origens no Reinado de D. José I (governação do Marquês de Pombal), através do alvará de 3 de setembro de 1759, apenas foi decretada a expulsão dos Jesuítas.
263 Arquivo Nacional Torre do Tombo, Arquivo do Ministério das Finanças, caixa 2222, n.º 196.
Os monges cartuxos de Laveiras não são expulsos pela lei de 28 de maio de 1834, saem deliberadamente do Mosteiro cerca de um ano antes do fim da guerra, celebrado com a assinatura de um tratado de paz a 26 de maio de 1834 e das reformas prontamente decretadas pelo Governo Liberal.
Figura 4.1 – Entrada do Duque da Terceira com as tropas Liberais em Almada. Litografia de Legrand, impressa em 1844.264 264 Pinheiro Chagas, M. (1899-1905), vol. 9, p.9.4.2. Saída dos monges cartuxos do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ
Durante a Guerra Civil Portuguesa, o país, e sobretudo a Capital, viveu o pânico de uma guerra, intensificada pela falta de informação credível e forte divisão da sociedade entre seguidores de D. Pedro IV e D. Miguel I. No dia 23 de julho de 1833, as tropas Liberais chegam a Almada, e apesar do Duque de Cadaval265, nesse mesmo dia apelar à tranquilidade do povo lisboeta afirmando que a defesa da Capital estava garantida, no dia seguinte, manda encravar artilharia na costa e concentra as tropas Absolutistas em Queluz.
Perante a situação iminente de guerra, tão próxima da sua propriedade, os monges da Cartuxa de Vallis Misericordiæ decidem exilar-se, saindo do Mosteiro no dia 24 de julho266 de 1833.267
Os acontecimentos referentes à saída do Mosteiro foram narrados por Frei Francisco da Assunção Ferreira de Matos268, no Manuscrito “Memórias de 1822 a 1863”. Com base nesse registo, Pinharanda Gomes justifica a fuga dos monges do seguinte modo: 269
“(…) tornava-se necessário sair da Cartuxa para se evitar qualquer ligação ao Cisma instalado no país [Guerras Liberais], pois em breve seriam obrigados a eleger novos superiores, que fossem aceites pela Coroa, facto que de todo em todo não estava dentro da coerência cartusiana (…). Uma vez que lhes traria dificuldades inimagináveis, face a um dilema, ou respeitar o voto de clausura, ou fugir da infidelidade, era de escolher o mal menor. Abandonaram a clausura e procuraram refúgio, seis deles no mosteiro de Évora, os restantes nas suas famílias de origem270. Canonista de alto coturno, Ferreira de Matos esteve na origem da decisão, que pareceu a mais acertada.” 271
Numa cerimónia solene, os monges procederam à Eucaristia, dividiram o dinheiro e saíram a pé pelo meio dia.272
265 Nuno Caetano Álvares Pereira de Melo (1799 —1837), 8.º marquês de Ferreira, 9.º conde de Tentúgal e 6.º duque de Cadaval, foi um alto aristocrata e um dos principais políticos miguelistas que, entre outras funções, foi Ministro Assistente ao Despacho, o ministro a quem cabia chefiar o governo, num dos executivos de D. Miguel I de Portugal.
266 No mesmo dia, à tarde, entram em Lisboa cerca de dois mil homens do Duque da Terceira (parte da fação liberalista).
267 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), fls. 41-43.
268 Frei Francisco da Assunção Ferreira de Matos, monge de Vallis Misericordiæ, que após a saída de Laveiras dirige-se a Itália, onde vem a ser prior do Mosteiro de Galluzzo, perto de Florença.
269 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p. 43-44
270 “Famílias de origem”, segundo a Ordem de São Bruno, deverá ser interpretado não como a família de nascença, mas sim como a comunidade da Cartuxa onde o monge professou.
271 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p 42-43.
272 Ibidem, p 43.
A saída foi testemunhada por um caseiro vizinho do Mosteiro, memória partilhada anos mais tarde com o Padre António de Oliveira273, que a registou nos seguintes termos:
“(…) Parece-me que ainda agora estou vendo aqueles bons fradinhos – dizia-me o venerável ancião –saírem por aquela porta, que dá entrada para a Correcção, a rezar o Miserere, formados dois a dois, com os seus hábitos brancos, como se fossem a caminho da igreja. E sempre, sempre a rezar, seguiram pela estrada de Barcarena, em direção a Queluz, (…)” 274
Deixaram para trás o seu Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ e nele quatro bois, dois carros, e um cavalo, que lhes poderia ter auxiliado na fuga275, como, também, mantimentos vários e uma vasta coleção de bens materiais de cariz utilitário, sagrado e artístico, que serão apropriados pela Fazenda Pública. Um tema explorado em pormenor no próximo capítulo.
273 O Padre António de Oliveira foi o primeiro diretor da Casa de Detenção e Reforma, instalada em 1903 na Cartuxa de Laveiras e responsável pelos métodos de educação aplicados, teve um lugar de grande importância na história da educação e do direito de menores em Portugal.
274 Pinharanda Gomes, J., Escudeiro Mayo, J. (2007), p 45.
275 Ibidem, p 43.
4.3. Consequências para o património do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ
Os monges cartuxos saíram de Laveiras em julho de 1833, um ano antes da extinção das Ordens Religiosas ser decretada, no entanto, a sua ausência fora rapidamente notada, procedendo logo de seguida o Reino à nacionalização dos bens do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ.
A 7 de agosto de 1833, o Duque de Bragança276 ordena que o juiz de fora da Villa de Oeiras proceda de imediato à inventariação de toda a mobília, preciosidades, utensílios e propriedades deixadas pelos monges cartuxos de Laveiras.277 O inventário produzido em 1833, encontra-se depositado no Arquivo Nacional Torre do Tombo, com a seguinte designação:
“Convento de São Bruno de Laveiras Termo de Oeiras – Traslado do Inventário do Cartório, que se acha nos Autos a página 36, das dívidas activas a página 38v, dos Encargos Pios e não Pios a página 46, dos Foros a página 47, das Tenças, Juros, Padrões, e Ordinarias a página 50, dos prédios urbanos a página 52, dos prédios rústicos a página 56”.278
Em novembro de 1833, a “Junta do Exame do Estado e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares”, encarregue da Reforma Geral eclesiástica levada a cabo após a extinção das Ordens Religiosas, inicia uma série de leilões dos pertences utilitários do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ. Um primeiro onde venderam laranjas e limões, seguindo-se de um leilão para arrendamento por um ano da cerca do Mosteiro, que tinha “pomar de espinho, e caroço, com muita água de pé e nativa, vinha, olival, terras de pão, e oficinas” e um terceiro leilão das “louça de adèga, uma porção de vinho, trigo, cevada, favas, palha, lenha, e alguns trastes de estanho, cobre, e arame”279
276 D. Pedro IV (ex-imperador do Brasil e ex-rei de Portugal) após abdicar das coroas ficou apenas com o título de Duque de Bragança.
277 Gomes Tereso, M. (2016a), p.167.
278 Arquivo Nacional Torre do Tombo, Arquivo do Ministério das Finanças, caixa 2222, n.º 196.
279 Gomes Tereso, M. (2016a), p.167.
4.3.1. Património Imóvel – proprietários e uso do imóvel entre 1835 e 1903.
O Mosteiro e respetiva cerca são vendidos em hasta pública a Lourenço José dos Reis em 1835, que morre em 1847 passando a propriedade para a sua filha D. Joana Maria da Conceição dos Reis.280 Porém, a compra e gestão da propriedade não se relevou lucrativa. Em Diário da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa de 1854, sessão de 27 de março é possível ler um parecer, testemunho dos constrangimentos sentidos pela família Reis relativamente à gestão da Cartuxa de Laveiras:
“Parecer: Francisco de Salles Barruncho, na qualidade de tutor da demente, D. Joanna Maria da Conceição dos Reis, alega: que tendo seu pae comprado á fazenda publica a quinta e edifício da Cartuxa em Laveiras na conformidade da lei de 15 de abril de 1835, e satisfeito já duas prestações annuaes, lhe fôra imposta a servidão de um aqueduto destinado a conduzir a agoa á real quinta de Caxias, o que lhe fez diminuir consideravelmente o valor da quinta, tendo-se-lhe além disso tirado um magnifico presépio bem como uma considerável porção de madeiras, arvoredo, portas e telhas que tudo foi desviado pelo rendeiro a quem a fazenda havia arrendado antes da sua posse.
Em virtude de tão graves prejuízos, requereu o pae da demente que se liquidasse o valor da agoa, e todos os mais prejuízos para se lhe diminuir no preço que havia dado pelo prédio, visto que aquella servidão e danos sofridos não estava compreendido nas condições da arrematação, que o pae da suplicante havia feito sem ónus algum, pedindo ao mesmo tempo que se lhe fizesse a redução nas prestações. (…)”281
A fraca exploração agrícola e o aumento da degradação do conjunto conduziram ao incumprimento dos pagamentos por parte de D. Joana Maria da Conceição dos Reis e, por essa razão, o Ministério da Fazenda Pública tomou, novamente, posse da propriedade.282
Em 1862, o Historiador Arqueológo Ignácio Vilhena Barbosa encontra a Cartuxa em estado de ruína. Em “Fragmentos de um Roteiro de Lisboa” descreve que após a extinção das Ordens Religiosas, o Mosteiro foi vendido e em seguida demolido “em muitas partes”, e a Igreja profanada e despojada de todas as alfaias e adornos.283
280 DGPC (2001-2016). SIPA.
281 Salles Barruncho, F. (1854, mar 27).
282 DGPC (2001-2016). SIPA.
283 Vilhena Barbosa, I. (1862), p. 410.
No ano seguinte, Vilhena Barbosa refere a envolvência do Mosteiro: “por detrás da Quinta de Caxias, parecendo sair d’entre os seus arvoredos, avulta a igreja do extinto convento de religiosos cartuxos, da ordem de São Bruno”.284 Uma passagem que elucida a forma como a Cartuxa de Laveiras se refugiou na vegetação, após o seu abandono.
284 Vilhena Barbosa, I. (1863), p. 379.
285 Vilhena Barbosa, I. (1863), p. 381.
Figura 4 2 – Gravura da Igreja do Mosteiro da Cartuxa de Santa Maria Vallis Misericordiæ.285No final do século XIX, altera-se o plano de defesa de Lisboa, com a consolidação de um recinto de segurança entre Sacavém e Caxias e a criação do Campo Entrincheirado de Lisboa, contribuindo para o reforço de uma nova delimitação administrativa da capital.286 Em 1879, iniciam-se as obras de construção do Forte de D. Luís287, em Caxias, no terminus do Campo Entrincheirado de Lisboa. Neste contexto, a Cartuxa de Laveiras, a Real Quinta de Caxias e o Forte de São Bruno foram ocupados pelos militares do destacamento de Engenharia Militar do Campo Entrincheirado de Lisboa, o que levou à descaracterização dos espaços.288 Sobre o caso específico da Cartuxa, foi possível recolher a seguinte informação, publicada no “Diário Ilustrado”, de 27 julho de 1880:
“Ha dois annos, pouco mais ou menos, principiando ali proximo – nas terras do mirante de Caxias- as obras da fortificação de Lisboa, o ministro da guerra arrendou o templo ao ministério da fazenda para aquartellamento dos sapadores empregados nas mesmas obras. Fizeram-se duas casernas: uma na egreja, para as praças da reserva; e outra na sachristia para a força armada. (…) Quando o ministro da guerra procedeu ás obras indispensáveis para transformar o edifício em quartel, appareceram em algumas capellas e cubículos diferentes ossadas, e dois caixões em que estavam os restos mortaes de dois bispos (…)”289
No decorrer da presente investigação, ainda não foi possível encontrar informação sobre quais foram as “obras indispensáveis” realizadas pelos militares nesta época, no espaço da Igreja e do Claustro Pequeno do Mosteiro.
A construção do Forte de D. Luís termina no ano de 1886, contudo desconhecesse até que data terão os militares permanecido nas casernas desenvolvidas na Cartuxa Vallis Misericordiæ
Segundo José Maria Fernandes, em “Monografia do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira 18711958” aquando das preparações da mudança da Casa de Detenção e Correção do Convento das Mónicas para a Cartuxa de Laveiras, que ocorreu em 1903, o Governo desocupou a Igreja que ainda tinha depósitos das obras do Campo Entrincheirado de Lisboa. O mesmo autor, refere, também, que foram desalojadas famílias que habitavam nas instalações das antigas celas dos monges.290
286 Santos, J. R. (2018).
287 Forte de D. Luís I, também referido como Forte de Caxias, Prisão de Caxias, ou Forte-Prisão de Caxias.
288 DGPC (2001-2016). SIPA.
289 Diário Ilustrado (1880).
290 Almeida Fernandes, J. M. (1958).
4.3.2. Património Móvel e Integrado
O espólio do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae era vasto e detinha obras de arte de grande qualidade técnica e artística.
Com a Lei de Extinção das Ordens Religiosas de 24 de outubro de 1823, a Ordem Cartuxa passaria a deter uma única casa em Portugal, Scala Coeli, levando a que fosse realizado um primeiro inventário da casa de Laveiras. Para tal, foi designado o Dr. Ignácio de Souza Barboza, juiz de fora da vila de Oeiras, em consequência da Portaria da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, do qual foi escrivão Joaquim Duarte Ribeiro291. Estiveram ainda presentes os monges deste Mosteiro, como determinavam as regras dos inventários das casas religiosas, que à época seriam 7: Frei Joaquim de Jezus Maria e Jozé (vigário in capite292); Frei Jozé de Santa Maria (procurador); Frei Ricardo de Santo Agostinho (escrivão e cartório do Mosteiro); Frei João Baptista de Paula (sacristão); Frei Alexandre das Chagas; Frei António de Santa Anna; Frei João de São Jozé. As mesmas diretrizes designavam que a inventariação fosse iniciada pela descrição do convento, e de todas as suas divisões, e só a posteriori a relação dos seus bens móveis293. Através da análise deste primeiro Inventário foi possível registar o rol de peças que compunham as mais diversas divisões do Mosteiro. Esses bens encontram-se transcritos na Tabela 4.1.
Dez anos mais tarde, nos primórdios da Extinção das Ordens Religiosas, é realizado um novo Inventário, datado de 7 de novembro de 1833, intitulado de “Inventário dos objectos contidos na Igreja, Sacristia e Caza contígua, seis capelas anexas sitas no Claustro dos Igreja e Sacristia, capela sita na Caza do Capítullo deste convento de S. Bruno de Laveiras”.294
Existe ainda um relato, que carece de confirmação, sobre um terceiro Inventário também datado de 1833, e designado por “Igreja- Inventário dos Bens pertencentes ao Convento de Laveiras (…). O Inventário 2º do convento de São Bruno de Laveiras no termo de Sintra digo no termo de Oeiras.295”
291 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fls 1 e 2.
292 Substituto do Prior.
293 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fl. 3.
294 Silva, S. C. (2003).
295 Ibidem.
INVENTÁRIO
GERAL DO MOSTEIRO SANTA MARIA VALE DA MISERICÓRDIA 1823Este primeiro levantamento realizado no Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, dá-nos uma noção da grandiosidade e riqueza que os monges cartuxos detinham em Laveiras. Contudo, esta informação carece de ser cruzada com os restantes Inventários, anteriormente referidos, e com documentação refente a listagens e depósitos de bens que se seguiram à extinção das Ordens Religiosas, de forma a tentar identificar o maior número de peças possível.
Após a saída dos monges em 1833, a primeira indicação encontrada, relativa aos bens pertencentes ao Mosteiro de Laveiras data de 11 de janeiro de 1834 (antes da extinção das Ordens Religiosas, mas após a saída dos monges) e é referente ao depósito de trastes existente nos Barbadinhos Franceses, citado nos “Autos por onde consta da Remessa dos Objectos que forão para o Convento dos Barbadinhos da Esperança para ficarem em Depozito na forma das Regias determinações como neste se ve”297, para onde foram enviados um conjunto de paramentos, alfaias, livros e “Cincoenta e oito Paineis de diferentes tamanhos muito velhos e encignificantes298”. Em maio do mesmo ano, surge uma outra listagem, a “Relação dos Trastes que estão no Deposito dos Barbadinhos Francezes pertencentes aos Conventos Suppremidos299”, onde fariam parte vários objetos da vida quotidiana. Os bens presentes neste depósito, pertenciam a cerca de duas dezenas de Conventos, entre eles a Cartuxa Vallis Misericordiae. Ainda no mesmo depósito, mas numa data posterior, o levantamento intitulado de “Relação dos Paineis existentes no Depozito do Convento dos Barbadinhos Francezes, remetidos para o Depozito Geral de S. Francisco da Cidade em 16 de Dezembro do anno de 1834”300, revela a presença de obras provenientes de Laveiras, nomeadamente pinturas a óleo sobre madeira,
296 Ignacio de Souza Barboza, C. (1823), fls 12v -13.
297 Arquivo Nacional Torre Tombo, Ministério das Finanças, Convento de São Caetano de Lisboa, Cx.2234.
298 Ibidem.
299 Nunes de Carvalho, A. (18--), fls.236 a 243.
300 Ibidem, fl.54.
cobre, estampas, gravuras, desenhos e dois vitrais, contabilizando um total de 48 peças. Um ano mais tarde, na “Primeira Relação das Despezas do Depósito”301, é possível compreender o método utilizado na condução dos bens dos conventos para o Convento de São Francisco da Cidade. No rol de despesas relativas aos conventos da Cartuxa de Laveiras, Nossa Senhora da Boa Viagem, Santa Catarina de Riba Mar e São José de Riba Mar, indica-nos que os trabalhos de transladação das obras ocorreram entre o dia 8 e o dia 24 de dezembro de 1834 (posterior à listagem de 16 de Dezembro de 1834). Após uma primeira visita, havia que despregar e desmontar, as pinturas e móveis, e para isso eram contratados moços que também se encarregavam do transporte e da arrumação das obras. No caso de Santa Maria Vallis Misericordiae as pinturas foram transportadas por via fluvial, através de botes que os levavam até ao cais, para posterior encaminhamento para o depósito do Mosteiro de São Francisco da Cidade. Como é visível na Figura 4 3 a transladação dos bens da Cartuxa de Laveiras foi iniciada por uma visita ao local no dia 8 de dezembro de 1834, tendo as obras sido conduzidas para os botes nos dias 23 e 24 de dezembro. Em ambos dos dias é visível que os moços trabalharam bastantes horas, pois os jantares fazem parte das despesas contabilizadas. O transporte, propriamente dito, foi executado no dia 24 de dezembro de 1834, e prolongou-se durante a noite, pois foram necessários “Archotes p.ª o desembarque no Arsenal302”. O número de obras em movimentação deveria ser considerável, pois foram necessários “29 fretes303” para levar as obras para São Francisco da Cidade. Bem como confirma um outro documento, de António Nunes Carvalho, a “Relação das Livrarias, e mais objectos dos Conventos extinctos recebidos neste Deposito no tempo do D.or Antonio Nunes de Carvalho, segundo consta das Relações e mais documtos pr elle assignados: arm(?)”, onde é relatado que do Mosteiro da Cartuxa de Laveiras, vieram 152 pinturas, sendo que 15 destas foram conduzidas para o Hospício da Terra Santa304. Entre as relações de bens avulsas, que se encontram na Biblioteca Nacional, pode-se ler que 10 quadros terão ficado no Mosteiro, uma vez que se encontravam num estado de conservação considerado de ruinoso305. Na sequência do transporte de finais de 1834, a 5 de janeiro de 1835 entrou no depósito dos Barbadinhos Italianos, estantes e bancos e “A Tabella do Coro de madeira, feita no anno de 1680306” pertencentes aos Cartuxos.
Durante o ano de 1835 as obras pertencentes aos vários conventos extintos continuaram a entrar nos depósitos do Convento de São Francisco da Cidade e no adjunto Hospício da Terra Santa307. No entanto, este último espaço foi solicitado pelo Governo Civil de Lisboa, pelo que obrigou a nova contabilização das obras que lá se encontravam. Segundo Nunes de Carvalho, as pinturas que lá se encontravam seriam mais de trezentas308. Entre as inúmeras casas de onde provinham estas obras, encontrava-se a Cartuxa de Laveiras309.
301 Ibidem, fl.264. “Primeira Relação das Despezas do Deposito: (…) Despezas feitas na Conducção de Livros, Quadros, e outros objectos dos extinctos Conventos abaixo mencionados para o Depozito Geral das Livrarias, Pinturas w, estabelecido no extincto Mosteiro de S. Francisco da Cidade: desde o seu princípio em 23 de outubro de 1834, até 31 de dezembro do mesmo anno”.
302 Ibidem.
303 Ibidem.
304 Ibidem, fl.265vs.
305 Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (1834-1838). AHBN/AC/INC/DLEC/15/Cx05-02.
306 “Relação de Varios Objectos que vierão dos extinctos conventos abaixo declarados, para o Depozito Geral das Livrarias no Convento de S. Francisco da Cidade no dia 5 de janeiro de 1835”. Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes (1938).
307 Este Hospício pertencia ao Comissariado da Terra Santa.
308 3º repartição (1839).
309 Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (1834-1838). AHBN/AC/INC/DLEC/15/Cx05-02, Nº32 e Nº35.
Figura 4 3 - Excertos da relação “Despesas feitas na Condução de Livros, Quadros e Outros objetos dos extintos Conventos abaixo mencionados para Depósito Geral das Livrarias, Pinturas, no estabelecido Mosteiro de São Francisco da Cidade”, respeitante aos Mosteiros da Cartuxa de Laveiras, Nossa Senhora da Boa Viagem, Santa Catarina de Riba Mar e São José de Riba Mar.310
As várias relações de obras existentes diferem bastante na quantidade de pinturas retiradas. A relação de painéis presente no Inventário de 1823 dá-nos conta de 117 pinturas, um número próximo dos 152 painéis relatados pelo Dr. António Nunes de Carvalho, na sua relação de 1834. Não obstante, este número decresce na “Relação dos Quadros e outros objectos do extincto Convento da Cartuxa de Laveiras entregues pelo Rev.do Prior da Freguezia de Oeiras, e conduzidos p.ª o Dep.º Geral das Livrarias no Convento de S. Francisco da Cidade no dia 1835”311 onde são referidos apenas 89 quadros.
310 Nunes de Carvalho, A. (18--), fl.264. “Primeira Relação das Despezas do Deposito: (…) Despezas feitas na Conducção de Livros, Quadros, e outros objectos dos extinctos Conventos abaixo mencionados para o Depozito Geral das Livrarias, Pinturas w, estabelecido no extincto Mosteiro de S. Francisco da Cidade: desde o seu princípio em 23 de outubro de 1834, até 31 de dezembro do mesmo anno”. Ibidem, fl.531/532.
311 Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (1834-1838). AHBN/AC/INC/DLEC/15/Cx05-02, Nº30.
Em 1836 inicia-se a disseminação das obras aglomeradas nos depósitos através da “Relação das Pinturas remettidas para o Museo do Porto em 7 de Dezembro de 1836”312, para onde são enviadas sete pinturas, entre elas a obra S. Bruno (…) de Domingos de Sequeira, que pintou no Mosteiro (…); pertendeo abraçar o Instituto Monachal nos Claustros de S. Bruno em laveiras legoa e meia distante desta Capital”. 313 Atualmente, no Museu Soares dos Reis ainda se encontram peças de Santa Maria Vallis Misericordiae, nomeadamente, uma tela de São Bruno em oração de Domingos Sequeira (Figura 4.4) e um Píxide Trapani (Itália) datado de 1701 d.C. -1725 d.C. (Figura 4.5).
Museu Nacional Soares dos Reis. Direção-Geral do Património
Cultural/Arquivo de Documentação Fotográfica.
Fotografo: Carlos Monteiro.
Museu Nacional Soares dos Reis. Direção-Geral do Património
Cultural/Arquivo de Documentação Fotográfica.
Fotografo: José Pessoa.
312 Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (1834-1838). AHBN/AC/INC/DLEC/15/Cx05-02.
313 DGPC (2022). Base de dados Matriz Net. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/ Objectos/ObjectosListar.aspx?TipoPesq=3&SubTipoPesq=1&NumPag=1&RegPag=50&Modo=1&PorMuseu=27
Figura 4.4 - Domingos António de Sequeira, São Bruno em oração. Figura 4.5 - Autor desconhecido, Pixíde.Infelizmente, nem todas as obras tiveram a mesma sorte, pois a grande maioria desapareceu, ou porque se extraviaram ou porque o seu estado de conservação levou à sua irreversível perda. Foi esse o caso de dois painéis em vidro, que constavam no rol de “Vidraças com vidros de côres, com figuras ou sem ellas314” e que foram enviadas aos colaboradores da Comissão da Academia das Ciências em 1836. Após este registo, não existe outro que se refira a estas obras.
A partir 1837 dão-se uma série de informes com objetivo de conhecer o destino de obras em depósito nos Administradores Gerais, como é o caso da circular de 28 de abril315 que se refere a várias casas religiosas, entre elas o Mosteiro de Laveiras.
Este documento procura obras dos mais importantes artistas portugueses, como de André Gonçalves, Francisco Vieira Lusitano, Domingos Sequeira e Bento Coelho da Silveira, entre outros, que já não estariam no Depósito de S. Francisco da Cidade. Entre as relações de obras procuradas é possível identificar o “celebre Presepio (de Ferreira)” do Convento de Laveiras.316
Um outro depósito, onde há registo de passagem de obras pertencentes à Cartuxa de Laveiras, é no Convento de S. Domingos das Donas de Santarém317, onde o procurador Luiz Maria Cezario da Costa entregou em de janeiro de 1842, 25 pinturas dos extintos conventos. Entre elas, encontrava-se “O Senhor Morto” que originalmente faria parte do acervo cartuxo e que estaria exposto na Sacristia do Mosteiro.318
Num artigo referente à extinção das Ordens Religiosas, publicado no jornal de Bellas Artes, por Pedro Diniz em 1853, é revelado que:
“como se finge não vêr que o remanescente da sua parca sustentação, era dado á dilatação e aperfeiçoamento da sua cultura, á esmola aos pobres, aos subsídios ordinarios e extraordinarios para a corôa, á compra de livros, de instrumentos de physica e de astronomia, de quadros e preciosidades artisticas, thesouro, esse que os economistas seus herdeiros, − herdeiros de motu proprio, caso pensado, e sciencia incerta, − não só não hão de augmentar, mas nem ainda souberam conservar!
Invadiram-se os conventos em nome da philosophia e da felicidade geral, que montes de metaes se acharam ali dentro para corar ao menos com o interesse o vandalismo? Nenhuns. Que maior ou mais livre goso ficou o povo tendo daquellas bibliothecas e gabinetes? Parte desappareceu para estranhas terras; parte aniquilou-se; o restante confundiu-se; − o presente não no aproveita, o futuro nem talvez o chegue a receber.”319
Os dados expostos confirmam-nos que apesar de o Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae ser proprietário de um enorme acervo artístico com enorme qualidade, a grande maioria das obras acabou perdida e dispersa por vários
314 Silvestre Ribeiro, J. (1876), pp.122-123. e Nogueira Alves, A. (2002), pp.256-257.
315 Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (7 de janeiro de 1837-26 de junho de 1843). AHBN/AC/INC/DLEC/06/Cx. 03-04.
316 Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (7 de janeiro de 1837-26 de junho de 1843). AHBN/AC/INC/DLEC/06/Cx. 03-04, pp.23-28. Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (1834-1841). AHBN/AC/INC/DLEC/20/Cx. 06-02.
317 Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos ([1841] - 1861). AHBN/AC/INC/DLEC/10/Cx. 04-04.
318 Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (1836-1842). AHBN/AC/INC/DLEC/26/Cx. 06-04. Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (1838-1867). AHBN/AC/INC/DLEC/29/Cx. 08-01.
319 Diniz, P, (1853). p.410.
pontos do país320. Através de pesquisas na base de dados de gestão de coleções artísticas Matriz, foi possível localizar as seguintes obras provenientes da Cartuxa de Laveiras, da autoria de grandes nomes citados anteriormente.
Francisco Vieira Lusitano (1699-1783)
Nossa Senhora e aos fundadores da Ordem de São Bruno é uma grande tela que compunha o retábulo-mor da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae (540x320cm). Uma encomenda realizada por D. João V a Francisco Vieira Lusitano, em 1746.
Segundo Cyrilo Volkmar Machado, André Rubina, que teria vindo de Sevilha com Vieira Lusitano, ajudou-o a pintar a obra321. O estudo em sanguínea desta pintura, datado de 1746, foi oferecido por Vieira Lusitano ao inglês Charles Rogers, a 21 de maio de 1773.
Em 1859, esta pintura de Francisco Vieira Lusitano encontrava-se na Aula de Desenho da Academia Nacional de Belas Artes322. Atualmente, esta encontra-se na reserva do Museu Nacional de Arte Antiga.
Arte Antiga.
do Património Cultural.
Fotografo: Paulo Neto, DPERU.
320 Poderão existir obras da Cartuxa de Laveiras nas antigas colónias, como em São Tomé e Príncipe e em Cabo Verde, pois existem documentos relativos às paróquias destes países, a solicitar obras dos extintos conventos.
321 Volkmar Machado, C. (1922), p. 83.
322 Academia Nacional de Belas-Artes de Lisboa (1857-1862).
Figura 4 6 - Francisco Vieira Lusitano, Nossa Senhora e aos fundadores da Ordem de São Bruno. Museu Nacional de Direção-GeralDomingos Sequeira (1768 - 1837)
Domingos Sequeira desde cedo demonstrou uma grande vocação artística, aos 20 anos de idade recebe uma pensão de D. Maria I e parte para Itália onde estuda na Academia Portuguesa de Roma, torna-se professor na Academia de San Luca, onde produz e recebe prémios de várias academias italianas.
Em 1795 regressa a Lisboa e no ano seguinte entra como noviço na Cartuxa de Santa Maria Vallis Misericordiae, onde se estabelece até 1802, um período de permanência registado em placa própria no Claustro Pequeno do Mosteiro (Figura 4.7). Durante essa época pinta uma série de grandes pinturas relacionadas com temas Cartusianos: São Bruno em oração (Figura 4.8), Conversão de São Bruno (Figura 4.9 esq.), São Bruno em oração no deserto da Cartuxa, Comunhão de Santo Onofre (Figura 4.9 drt.) e Santo Antão e São Paulo Eremita. Segundo o Inventário de 1823, estas obras encontravam-se na Sala De Profundis
Em 1802 é nomeado pintor da corte e co-diretor do Palácio da Ajuda, saindo assim da Cartuxa. As suas obras provenientes de Laveiras, encontram-se atualmente dispersas entre o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu Nacional Soares dos Reis (Figura 4.4) e o Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo323, em Évora.
323 Obra: Santo Antão e São Paulo Eremita (1798 d.C. – 1800 d.C), da autoria de Domingos Sequeira. ME 640. Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo.
António Ferreira (1701-1750)
António Ferreira, também conhecido como “Ferreirinha de Chellas”, seria segundo Cirilo Volmark Marchado, filho de Dionísio Ferreira, um famoso entalhador da cidade de Braga. Certo é, que António Ferreira se transforma num importante escultor barroco sendo o responsável pelo presépio da Cartuxa de Laveiras e do presépio da Igreja de Madre Deus. Num dos relatos do Frei João de São Tomás, a propósito de uma visita da real à Cartuxa em 1737, é referido que a Rainha Maria Ana da Áustria, acompanhada dos seus filhos os infantes, D. Pedro, D. José e a infanta Maria Bárbara, foram ao claustrinho ver o dito presépio.324 Em 1839, Herculano falava do “rico presepe da Cartuxa de Laveiras, que tantos primores de esculptura encerrava, e que foi despedaçado depois da supressão do Mosteiro”325 , confirmando a informação de que algumas peças teriam sido furtadas presente nas relações de peças dos extintos conventos326. Atualmente, algumas das peças deste conjunto encontram-se no Museu Nacional de Arte Antiga.
Figura 4 10 – António Ferreira, Figuras de Presépio - Sagrada Família (imagem da esquerda) Anunciação aos Pastores (imagem do centro) e Adão e Eva - Expulsão do Éden (imagem da direita). Museu Nacional de Arte Antiga. Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica. Fotografo: Luís Piorro.
324 São Tomás, Frei João de (1733-1737). fls. 190-190v.
325 Herculano (1839, fev. 16).
Figura 4 11 - António Ferreira, Figuras de Presépio - Tocador de sanfona (imagem da esquerda) e Gaiteiro e vendedeira de ovos (imagem da direita). Museu Nacional de Arte Antiga. Direção-Geral do Património Cultural/Arquivo de Documentação Fotográfica. Fotografo: José Pessoa.
326 Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (7 de janeiro de 1837-26 de junho de 1843). AHBN/AC/INC/DLEC/06/Cx. 03-04, pp.23-28. Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (1834-1841). AHBN/AC/INC/DLEC/20/Cx. 06-02.
Mestre desconhecido / João dos Santos Aula (1702 - 1780)
No Arquivo Nacional Torre do Tombo, encontram-se oito retratos, de Mestre Desconhecido, também eles provenientes da Cartuxa de Laveiras. Segundo o autor Cirilo Volkmar Machado, João dos Santos Aula, artista oeirense e discípulo de
André Gonçalves, pintou “vários retratos de Veneráveis na Cartuxa” 327, um dado que apesar de não ser suficiente para fazer a atribuição de autor, poderá contribuir nesse sentido.Um nono retrato do Venerável Guilherme, que Cirilo Volkmar Machado também atribui a João dos Santos Aula, terá sido entregue à paróquia do Seixal, encontra-se atualmente desaparecido.
No âmbito do acordo estabelecido entre a Direcção-Geral de Arquivos e o Grupo Pestana Pousadas – Investimentos Turísticos foram enviados em 2009 os Quadro n.º 290, 292 e 296 do conjunto apresentado para a Pousada do Freixo no Porto. E em fevereiro de 2010, no âmbito do Protocolo de Depósito de Obras de Arte celebrado entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Instituto dos Museus e da Conservação, foram enviados os Quadros n.º 285 e 283 para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa.
Quadros n.º 283
PT/TT/QDR/000283,
Autor: Mestre desconhecido
Imagem cedida pelo ANTT.
4 13
Quadros n.º 284
PT/TT/QDR/000284
Autor: Mestre desconhecido
Imagem cedida pelo ANTT.
Figura 4 14 – Retrato
Quadros n.º 285
PT/TT/QDR/000285
Autor: Mestre desconhecido
Imagem cedida pelo ANTT.
289
PT/TT/QDR/000289
Autor: Mestre desconhecido
Imagem cedida pelo ANTT.
PT/TT/QDR/000295
Autor: Mestre desconhecido, Imagem cedida pelo ANTT.
Quadros n.º 290
PT/TT/QDR/000290
Autor: Mestre desconhecido Imagem cedida pelo ANTT.
296
PT/TT/QDR/000296
Autor: Mestre desconhecido, Imagem cedida pelo ANTT.
PT/TT/QDR/000292
Autor: Mestre desconhecido, Imagem
ANTT.
Em 2002 foram encontradas 10 telas na Igreja de Santa Cruz do Castelo em Lisboa,328 representando dois bispos (Figura 4.20), e oito dos dezoito mártires da perseguição levada a efeito pela reforma de Henrique VIII, todos com o hábito da Ordem de São Bruno (Figura 4.21). Realizada uma visita técnica à Igreja de Santa Cruz do Castelo e através da preciosa colaboração da respetiva Paróquia, foi possível realizar o registo fotográfico documental dos exemplares pré-referenciados e encontrada uma tela adicional de cariz cartusiano (Figura 4 22).
Figura 4 20 - Telas de S. Estevão de Châtilon bispo de Die, à esquerda, e santo bispo, à direita. Igreja de Santa Cruz do Castelo. Fotografia:
DPERU/DPE janeiro 2023.
A análise dos exemplares da Igreja de Santa Cruz do Castelo, permitiu a identificação do quadro do bispo com o hábito cartuxo, como sendo Santo Estevão de Châtilon (1155 – 1208), um monge cartuxo, prior da Cartuxa de Portes em Bugey e bispo de Die em 1202, devido à inscrição que o acompanha: “S.STEPHANVS. EPISCOP. VS DIE N SIS”
329. A segunda tela não apresenta uma inscrição que possibilite a identificação, porém a icnografia permite reconhecer tratar-se de um bispo pela presença do báculo e da mitra, embora esta esteja pousada sobre a mesa e não na cabeça mostrando o corte de cabelo tipicamente associado a monges e a auréola. O hábito branco que veste não apresenta as características típicas de um hábito cartuxo, aproximando-se esteticamente dos da Ordem Camaldulense ou dos da Ordem de Cister.
328 Pinharanda Gomes, J. (2004), pp.190-201.
329 Segundo Pinharanda Gomes, esta pintura tratava-se da representação de Santo Hugo de Lincólnia, possivelmente o autor nunca teve acesso presencial às pinturas e apenas as analisou através de imagens fotográficas disponíveis que não mostram a área da legenda.
As restantes 8 telas encontradas, representam oito dos dezoito mártires cartuxos. Apesar das legendas presentes nas pinturas, não foi possível identifica-los.
Figura 4 21 - Telas de oito mártires cartuxos encontradas em 2002. Igreja de Santa Cruz do Castelo.
Fotografia: DPERU/DPE janeiro 2023.
Na mesma Paróquia encontra-se uma tela com a representação de uma passagem afeta à fundação da Ordem Cartusiana. A obra representa o momento em que S. Hugo de Grenoble (1053-1132), bispo de Grenoble, cede a S. Bruno um vasto território montanhoso e rochoso da sua diocese para que nele se instalasse o primeiro mosteiro da Ordem, ou seja, a Grande Chartreuse. Segundo a lenda, S. Hugo viu em seus sonhos as sete estrelas que anunciavam a chegada de S. Bruno com os seis companheiros.
Fotografia: DPERU/DPE janeiro 2023.
Este grupo de pinturas terá possivelmente pertencido ao acervo de Laveiras, sendo que a Igreja de Santa Cruz do Castelo serviu de depósito a algumas ordens religiosas. Contudo, este tema ainda carece de estudo e confirmações.
Figura 4.22 – São Bruno e os seis companheiros com Bispo S.Hugo de Grenoble. Igreja de Santa Cruz do Castelo.5. REFORMATÓRIO CENTRAL DE LISBOA PADRE ANTÓNIO DE OLIVEIRA
O Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira foi, até ao momento, alvo de vários estudo e investigações, dos quais salientamos “Arquitetura de Serviços Públicos em Portugal: Os internatos na Justiça de Menores 18711978”330, e igualmente de extrema relevância a “Monografia do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira 1871-1958”331
No presente capítulo, e com base nas fontes referidas, ir-se-á apresentar apenas os eventos que marcaram de forma direta o complexo monástico pré-existente, ou seja, as intervenções realizadas que o alteraram adaptando-o a novos fins. Importa referir que o abrangente tema das políticas de reforma e inovação na educação dos menores que passaram por este espaço, não será alvo de estudo e desenvolvimento no presente documento. Desta forma, propomos-mos a seguir o exposto pelo investigador Ricardo Agarez, no sentido em que poder-se-á sintetizar em três momentos as relações entre sistema reeducativo, exigência programática e resposta arquitetónica através da construção, transformação e adaptação das instalações. Sendo eles:332
(1) O processo de adaptação do degrado Mosteiro de Santa Maria de Vallis Misericordiæ a sede da Casa de Detenção e Correção de Lisboa, entre 1901 e 1908.
(2) As tentativas de superação das limitações de um quadro construído deficiente, com modelos projetais ditados pela praxis interna do Reformatório Central de Lisboa, não concretizados, durante a década de 1930.
(3) A formalização dos pressupostos, reeducativos e arquitetónicos, do primeiro reformatório português moderno, levantado em Caxias entre 1948 e 1961.
Antes de avançar com a análise em pormenor dos três momentos referidos, importa salvaguardar que apesar do “Reformatório Central De Lisboa Padre António de Oliveira” ser a designação mais conhecida do Instituto, atribuída em 1925 em tributo ao seu maior impulsionador e figura central na fundação do sistema tutelar de menores português, ao longo do século, foram-lhe atribuídas mais designações sintetizadas na Tabela 5.1 e referidas ao longo do capítulo.
330 Nomeadamente, o capítulo: “A construção de uma casa para a reeducação de menores em Caxias - Contingência, projecto e modelos no Vale da Misericórdia, 1901-1961” da autoria de Ricardo Agarez.
331 Almeida Fernandes, J. M. (1958).
332 Costa Agarez, R. (2009), p. 130.
tabela 5.51334
333 O Instituto de Reeducação Padre António de Oliveira, em outubro de 1976, cede parte da Cartuxa para instalação da Escola Preparatória de Caxias, onde permanece até 2001.
Em 1985, cedem os antigos pavilhões de pós-púberes e internato disciplinar (entretanto ocupados pelos menores da Divisão Masculina do Centro de Observação e Acção Social de Lisboa) para instalação do Centro de Formação Penitenciária da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. Ficando o Instituto de Reeducação Padre António de Oliveira, em funcionamento apenas em parte dos pavilhões edificados entre 1949-1958, fora da cerca do Mosteiro da Cartuxa.
DGPC (2001-2016). SIPA.
334 Localizado na Estrada do Murganhal, 2760-085 Caxias.
335 DGPC (2001-2016). SIPA.
5.1. Processo de adaptação do Mosteiro de Santa Maria de Vallis Misericordiæ a sede da Casa de Detenção e Correção de Lisboa
Com a saída dos monges em 1833 e com a consequente ocupação e desocupação do espaço por diferentes intervenientes, como referido no subcapítulo 4.3.1., o conjunto monástico foi-se degradando de forma continuada durante o século XIX. No início do século XX, o Mosteiro de Santa Maria de Vallis Misericordiæ, encontrava-se marcado pelo historial do último século, mas teria ainda as características que o particularizam e identificavam enquanto Mosteiro Cartuxo.
Em 1901, o Mosteiro de Santa Maria de Vallis Misericordiæ é escolhido para albergar a Casa de Detenção e Correção, porém a realidade encontrada e a adequação ao serviço de um estabelecimento reeducativo representou um exercício complexo, exigente e sujeito às contingências especiais do complexo monástico.336 Esta ocupação envolveu obras de adaptação dos espaços pré-existentes, com a demolição de partes e construção de novos corpos. Intervenções que decorreram entre 1901 e 1908. As obras terão seguido inicialmente um projeto do Arquiteto Rosendo Carvalheira337 da Direção de Obras Públicas do Distrito de Lisboa, contudo, esse projeto338 foi abandonado pelos elevados custos de investimento.339
A 31 de maio de 1903, a Casa de Detenção e Correção de Lisboa é transferida do Convento das Mónicas340 para a Cartuxa de Laveiras, onde ainda se encontravam a decorrer obras de adaptação. Sendo que, quando os menores entram neste espaço as condições de habitabilidade eram ainda deploráveis341, não estando garantidas condições higiénicas e disciplinares, excelentes ou sequer razoáveis342.
Segundo Ricardo Agarez, esta fase inicial de adaptação foi um processo pouco documentado e cujo projeto foi impossível localizar, não obstante, o autor considera que a reconstituição da adaptação operada em Caxias pode assentar em alguns dados seguros. Através de um conjunto de registos fotográficos do estabelecimento em datas anteriores à ampliação da década de 1950 e de uma planta do levantamento efetuado em 1943 (Figura 5.1) é possível compreender quais foram trabalhos de adaptação realizados entre 1901 e 1908, analisados de seguida e sintetizados na Tabela 5.2.
336 Costa Agarez, R. (2009), p 130-132.
337 Rosendo Carvalheira foi um arquiteto importante pelo seu papel de membro fundador da Sociedade dos Arquitetos Portugueses, em 1902 e por ter sido vice-presidente da Real Associação dos Arquitetos Civis e Arqueólogos Portugueses. A Sociedade dos Arquitetos Portugueses deu origem à atual Ordem dos Arquitetos.
338 Infelizmente, ainda não foi possível localizar o projeto de Rosendo Carvalheira. Seria um contributo importantíssimo para a melhor compreensão da estrutura monástica em 1900 através do levantamento das pré-existências.
339 DGPC (2001-2016). SIPA. e Costa Agarez, R. (2009), p. 132.
340 A Casa de Detenção e Correção de Lisboa foi inicialmente instalada em 1872 no Convento das mónicas, com uma lotação de 120 menores.
341 Almeida Fernandes, J. M. (1958).
342 DGPC (2001-2016). SIPA.
Figura 5 1 - Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira, Caxias. Planta do 3º pavimento, levantamento da DGEMN/Repartição de Estudos de Edifícios em 1943. © SIPA DGPC ID: desenho 50754.
Como visível na planta da Figura 5 1, em 1943 o Adro da Igreja murado, mantem-se com poucas alterações. A poente do Adro, encontram-se as hospedarias e casas de lavoura da Cartuxa que foram adaptadas para funcionarem como habitação dos funcionários e do diretor da Casa de Detenção e Correção.343 De acordo com a investigação histórica realizada, entre o período monástico e o levantamento desta planta ter-se-ão abrido vãos de acesso no muro a oeste, permitindo o acesso direto à Casa do Diretor e à zona oeste da Quinta.
Na planta da Igreja estão marcadas duas divisórias, realizadas por balaustradas, porém, estas não devem ser confundidas com as ricas teias de separação entre coros dos monges cartuxos desaparecidas décadas antes da ocupação da Casa de Detenção e Correção. A Igreja da Cartuxa, que servira de armazém militar, foi desocupada, limpa e restaurada dos danos sofridos. Segundo Almeida Fernandes, o padre António de Oliveira dispôs tudo para a sua reabertura ao culto, que estaria prevista para o dia 8 de dezembro de 1910, desde a aquisição dos paramentos e vasos sagrados à compra de imagens344, tocheiros, cruz, entre outros. Contudo, o culto oficial não chegou a ser restabelecido em consequência da Lei da Separação que extingue o ensino religioso nos estabelecimentos oficiais.345 Em 1937, a circular n.º 28 restabelece o culto obrigatório aos domingos e dias santos. A Igreja que já tinha sido caiada, pintada e restaurada em 1909, é finalmente benzida a 30 de abril de 1938 e restabelecido o culto a 1 de maio346. Na planta de 1943, é possível verificar a marcação das colunas de suporte do Coro-alto, onde, segundo José Fernandes se fazia o ensino de música antes do restabelecimento ao culto em 1938.347
343 Costa Agarez, R. (2009), p. 133.
344 Imagens de Nossa Senhora da Conceição (padroeira da antiga Correção), S. José (patrono dos operários) e S. Bruno (fundador das cartuxas). Imagens que ainda se veneram atualmente na Igreja da Cartuxa.
345 Almeida Fernandes, J. M. (1958), p. 44.
346 Ibidem, p 45.
347 Ibidem.
A Sacristia, de duplo pé-direito, é fortemente alterada e desvirtuada da sua função original para adaptação a cozinha do Reformatório (Figura 5 2). Encerra-se a comunicação deste espaço com a Igreja e cria-se um acesso ao pavimento térreo de um corpo construído de raiz nas obras de 1901-1908, onde funcionou um conjunto de três salas de Refeitório, uma para cada secção (Figura 5 3)348. O pavimento superior, do referido corpo, é dedicado inteiramente à enfermaria do estabelecimento (Figura 5 4) e com acesso exclusivo por uma escada exterior.
348 Após a construção de novos refeitórios [1949-1958], o piso térreo deste corpo serve como depósito de diverso material, como o museu, a biblioteca e o laboratório fotográfico.
A Sala do Capítulo e as capelas da Ala Sul do Claustro Pequeno são adaptados para montagem dos serviços administrativos e direção da Correção349. Na Ala Oeste deste Claustro, o Refeitório Cartuxo, alberga, num primeiro momento, o museu e a biblioteca, e, mais tarde, o salão de festas e teatro da casa, sendo também provisoriamente utilizado para as oficinas de alfaiataria, encadernação e sapataria.350
Contudo, é no Claustro Grande que se verificam as intervenções mais profundas. Para a construção de quatro camaratas de alojamento dos menores, são aproveitadas as paredes exteriores longitudinais já existentes, demolindo os interiores das celas-ermidas da Ala Oeste e abrem-se vãos para grandes e novas janelas (Figura 5 5). Os jardins de cada celaermida, assentes sobre o Criptopórtico, são também destruídos de forma a criar um terraço corrido para o recreio dos menores. As galerias de circulação do Claustro Grande são ocupadas por salas de aula (Figura 5 6) e pelo “Gabinete de Lição de Coisas”. Nos registos fotográficos da época (Figura 5 7 e Figura 5 8) é possível observar que os arcos se encontravam parcialmente entaipados e envidraçados. Segundo Frei João de São Tomás, durante a ocupação dos monges cartuxos, as arcadas do claustro grande eram entaipadas por paredes de madeiras exóticas e vidraças.351 Desconhece-se se esses elementos terão permanecido no Mosteiro até a ocupação da Casa de Detenção e Correção de Lisboa, e se os originais foram aproveitados e/ou adaptados no início do século XX. Segundo Ricardo Costa Agarez, os arcos foram parcialmente entaipados e envidraçados durante as primeiras obras de adaptação para a ocupação do espaço, não referindo a pré-existência de estruturas nesses espaços. Como referido anteriormente, as obras de adaptação que decorreram entre 1901 e 1908 foram pouco documentadas, pelo que com os dados recolhidos até ao momento, ambas as hipóteses são válidas. Este novo uso das galerias de circulação do Claustro, inviabilizando a sua função primitiva, obriga à criação de um corredor de distribuição para as camaratas.352 As paredes do referido corredor de distribuição, correspondem aproximadamente às paredes dos vestíbulos das celas-ermidas, assentes nas paredes dos vestíbulos das próprias “celas” do criptopórtico, o que prossupõem o aproveitamento ou adaptação da lógica da estrutura pré-existente. Importa referir que os vãos abertos na parede do Claustro não apresentam nenhuma relação de organização com os espaços criados para a Casa de Detenção e Correção, mas correspondem à matriz seccionada do criptopórtico, à exceção do novo vão já identificado no capítulo de análise do Claustro Grande, o que leva a crer que permaneceram no espaço vãos originais das celas.
349 O gabinete do diretor, que ocupou parte da sala do capítulo, possuía parquet e lambril apainelado em madeiras exóticas. O lambril e as madeiras exóticas, poderão ter tido influência na ornamentação da sala do capítulo dos monges, um espaço ricamente ornamentado.
350 Ibidem.
351 São Tomás, Frei João de (1733-1737).
352 Costa Agarez, R. (2009), p.134
A Ala Sul do Claustro, também entaipada e envidraçada (Figura 5 7), terá possivelmente servido para salas de aula (Figura 5 6).
Na Ala Norte existia uma arcada que marcava o início da Ala e na sua continuidade surgia um extenso muro (Figura 5.8). A Casa de Detenção e Correção utilizava-o para separar a área do terreiro, onde tinha lugar os exercícios coletivos da ginástica sueca, introduzida pelo subdiretor, padre António de Oliveira (Figura 5 7 e Figura 5 8) de um grande bloco de celas de isolamento construídas de raiz para a secção dos menores presos.353 Como referido no subcapítulo 3.3.4. desconhece-se a data de construção do extenso muro na Ala Norte, porém a sua posição face aos restantes corpos do Claustro Grande corresponde ao que seria a parede do vestíbulo - uma parede comum que permitiria uma unidade construtiva prévia à edificação das celas-ermidas. Assim, levantam-se duas hipóteses: ou este muro foi construído na época dos monges e adaptado pela Correção ou foi edificado de raiz entre 1901 e 1908. Uma questão sobre a qual se espera obter mais informações através da realização de prospeções arqueológicas e no decorrer de obras de conservação e recuperação do conjunto monástico.
Figura 5 7 - Um dos exercícios de Ginástica, pelos alunos do Reformatório Padre António de Oliveira, em Caxias. Empresa Pública Jornal O Século, Álbuns Gerais n.º 26, PT/TT/EPJS/SF/001-001/0026/0708H. Autor não mencionado, imagem cedida pelo ANTT.Figura 5 8 - Prática de ginástica sueca no terreiro do Claustro Grande, e vista sul do muro de separação das celas de isolamento. © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001513.
Os espaços do criptopórtico acolhem armazéns, a vacaria e oficinas (Figura 5 9, Figura 5 10 e Figura 5 11) e os escombros da primitiva Igreja do Mosteiro dão lugar a uma plataforma354, sendo que, segundo a informação disponibilizada no SIPA355 essa plataforma permitiria o acesso às caves do criptopórtico356
354 Costa Agarez, R. (2009), p.134 e 142
355 Sistema de Informação para o Património Arquitetónico
356 DGPC (2001-2016). SIPA.
Tabela 5 2- Quadro-resumo das obras realizadas entre 1901 e 1908 para adaptação da Cartuxa de Laveiras a Casa de Detenção e Correção de Lisboa. 357 ©DPERU/DPE.
357 Ibidem.
Em 1921 a Escola Central de Reforma de Lisboa recebe a secção preparatória358, anteriormente instalada provisoriamente no Colégio de São José ou Quinta da Infanta, em São Domingos de Benfica. Contudo, por impossibilidade de se construir um pavilhão próprio e independente, os menores são instalados provisoriamente na Igreja da Cartuxa. Posteriormente, em 1938, os menores da secção preparatória são transferidos, ainda em moldes provisórios, para o pavimento superior de um edifício de oficinas, onde se mantêm até 1956. Neste contexto, a Igreja da Cartuxa serve de dormitório durante 17 anos, restabelecendo-se o culto em 1938.359
358 A chamada secção preparatória foi introduzida pela legislação de 1911 para a preparação dos mais novos antes da sua passagem às secções de instrução agrícola ou industrial, com vista à perceção das vocações que ditariam a formação profissional do menor.
359 DGPC (2001-2016). SIPA.
5.2. Tentativas de superação das limitações e formalização dos pressupostos, reeducativos e arquitetónicos, do primeiro reformatório português moderno
Após as primeiras intervenções realizadas entre 1901 e 1908, iniciou-se um ciclo recorrente de obras de adaptação, alteração e ampliação do edifício, que decorreu até à década de 1960 (Tabela 5.3, pág. 240-241), e que em parte, contribuíram para transformar ainda mais o pouco que restava da estrutura monástica.
Construíram-se tetos com betão armado sob as abobadas pré-existentes, trocaram-se pavimentos, rasgaram-se novos vãos nas antigas paredes do Mosteiro e sobre os vãos pré-existentes destruindo as pequenas janelas e óculos monásticos. O telhado da Ala Oeste do Grande Claustro também sofreu transformações, resultando no desaparecimento das 8 pequenas claraboias, correspondentes às 8 celas-ermidas dos monges cartuxos, (Figura 5.13, Figura 5.14 e Figura 5.15).
A escadaria que ligava a Sala De Profundis ao Mosteiro Primitivo, e depois à plataforma que lhe deu lugar (Figura 5.14 e Figura 5.16), ainda visível em alguns registos (Figura 5.13 e Figura 5.14), também desaparece, bem como os dois corpos existentes nos limites norte e sul do terraço sobre o criptopórtico (Figura 5.13 e Figura 5.15).
360 A data da fotografia (desconhecida), deverá ser posterior a 1926, uma vez que a secção agropecuária na encosta já se encontra edificada, mas prévia a 1949, dado que ainda não estão edificados na encosta os as modernas construções do Reformatório, cuja construção decorreu entre 1949 e 1958.
361 A data da fotografia (desconhecida), deverá ser posterior a 1949, uma vez que as modernas construções do Reformatório se iniciaram nesse ano, tendo decorrido até 1958, na encosta.
Figura 5 14 - Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira, séc. XX. © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001153.361 Figura 5 15 - Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira, séc. XX. © SIPA DGPC ID: FOTO.00578335.Posteriormente, entre 1949 e 1958, os muros laterais que formavam o Adro da Igreja cartuxa são demolidos e, entre variadas construções, surgem novas edificações agregados ao conjunto monástico, assinalada a azul na planta da Figura 5.17. Sendo eles, os edifícios da Portaria, Posto de Transformação, o “Edifício Nascente” a este da Igreja Cartuxa destinado ao ensino de Música, o “Ginásio”/”Auditório” no alinhamento entre a cabeceira da Igreja e a Ala Sul do Claustro Grande e as “Garagens” na continuidade das caves do criptopórtico para sul (Figura 5.16).
362 DGPC (2001-2016). SIPA.
6. PÓS-REFORMATÓRIO e PERSPETIVAS FUTURAS
Em outubro de 1976 o Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira cede parte do Mosteiro da Cartuxa para instalação da Escola Preparatória de Caxias. O corpo onde outrora existiram as celas-ermidas é de novo adaptado, sofrendo obras para albergar salas de aula. O Claustro Grande assume a configuração de um campo de jogos, delimitado por um muro cego, um conjunto de 3 pavilhões (pré-fabricados) e por uma bancada a este, rematada nas duas extremidades por escadas.
A Escola Preparatória de Caxias permanece no Mosteiro da Cartuxa até 2001, posteriormente o complexo entra em avançado estado de degradação, muito devido à falta de manutenção, abandono e vandalismo a que ficou sujeito.
A 15 de janeiro de 2019 é publicado o Anúncio n.º 11/2019, referente à abertura do procedimento de classificação da Igreja e Mosteiro da Cartuxa de Santa Maria Vallis Misericordiae (DR, 2.ª série, n.º 10/2019). Consequentemente, o complexo monástico encontrando-se em vias de classificação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, que estabelece o Procedimento de Classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime das Zonas de Proteção e do Plano de Pormenor de Salvaguarda.
Na proposta para abertura do procedimento de classificação, foram identificados e fundamentados diferentes interesses culturais e valores patrimoniais cuja análise permitiu concluir que o imóvel assume valor patrimonial de interesse nacional. Segundo a Lei n.º 107/2021, de 8 de setembro - Lei de bases da política e do regime de proteção e valorização do Património Cultural, Artigo 15º, Ponto 4:
“Um bem considera-se de interesse nacional quando a respetiva proteção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.”
Assim, no âmbito do presente trabalho, considera-se pertinente a partilha dos interesses e valores considerados pela DGPC na fundamentação da proposta de classificação, que passamos a transcrever.
“(…), foram considerados:
a) O interesse histórico da Igreja e Mosteiro da Cartuxa, de fundação seiscentista e construídos numa propriedade de origem anterior, constituindo um dos únicos cenóbios cartuxos de Portugal, juntamente com o admirável Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, em Évora;
b) O interesse arquitetónico e simbólico do imóvel, que reside sobretudo na adaptação do traçado à particular espiritualidade dos Cartuxos, exigindo separação entre monges e leigos, e possibilitando a solidão da clausura, características particularmente plasmadas no “claustrão” rodeado por celas-ermidas com jardins murados;
c) A sua relação (de proximidade, e não só) com outros imóveis de grande interesse patrimonial, destacandose naturalmente a antiga Quinta Real de Caxias, parcialmente classificada como imóvel de interesse público (IIP), e o facto de estar ainda intacto o perímetro da cerca monástica, que mantém a sua relação original com a ribeira de Barcarena, conservando-se, através de todos estes elementos, um pouco do ambiente rural e da tranquilidade “do ermo” onde originalmente se levantou o cenóbio;
d) A relação que ainda mantém com a população local, sobretudo através da abertura da igreja a eventos culturais que atraem público e proporcionam alguma dignidade ao local, apesar da sua continuada degradação;
e) O interesse revelado pela própria Câmara de Oeiras nesta classificação e na futura salvaguarda do imóvel (Plano de Salvaguarda do Património Concelhio).
Conclui-se desta análise que o imóvel assume valor patrimonial de interesse nacional, respondendo a vários dos critérios genéricos de apreciação presentes no artigo 17.º da Lei n.º 107/2011, de 8 de setembro, nomeadamente: a) O carácter matricial do bem; c) O interesse do bem como testemunho simbólico ou religioso; d) O interesse do bem como testemunho notável de vivências ou factos históricos; e) O valor estético, técnico [e] material intrínseco do bem; f) A conceção arquitetónica [e] urbanística (…); g) A extensão do bem e o que nela se reflete do ponto de vista da memória coletiva; h) A importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica.
Reflete ainda valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade e exemplaridade, de acordo com o n.º 3 do artigo da mesma lei, que reforçam o seu interesse cultural relevante dentro do universo do património cultural nacional.”
Em dezembro 2020, a Câmara Municipal de Oeiras chega a um acordo com Estado, obtendo a concessão durante 42 anos do Mosteiro da Cartuxa de Santa Maria Vallis Misericordiae tendo como contrapartida a reabilitação do conjunto.
Assinou-se o auto de cedência a 17 de fevereiro de 2021, na Igreja da Cartuxa, em Caxias, com a presença da Exma.
Sra. Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça. Sendo que “o objetivo é dar a dignidade merecida àquele conjunto Patrimonial histórico e colocá-lo à fruição pública.” 363
GLOSSÁRIO
Termos utilizados no Inventário Geral do Mosteiro Santa Maria Vallis Misericordiae de 1823.
ALCOVA - Pequena câmara interior para dormir. 364
ALMUDE - Antiga medida de cereais. 365
ALVA - Vestidura que os sacerdotes católicos põem por cima da roupa quando celebram.366
ÂMBULA - Vaso dos santos óleos.367
AMICTO - Toalha de linho que cobre os ombros do padre paramentado.368
ATAFONA - Moinho manual ou movido por força animal.369
ATRIL - Móvel ou suporte dotado de inclinação onde se coloca um livro aberto, para se poder ler sem o segurar com as mãos.370
BUFETE - Móvel comprido, geralmente de sala de jantar, dotado de arrumação na parte inferior (para louça, copos, toalhas) e de um tampo que serve de apoio (para pratos ou travessas com comida) durante as refeições.371
CASULA - Vestimenta sem mangas nem gola que os padres põem sobre a alva e a estola.372
CATRE - Leito tosco e pobre.373
COGULA - Túnica larga, geralmente de capuz e de mangas largas ou sem mangas.374
CORPORAL - Pano que o celebrante estende sobre o altar e sobre o qual é colocado o cálice e a hóstia.375
CUSTÓDIA - Objeto em que se coloca a hóstia quando se expõe à adoração dos fiéis.376
FRONTAL - Paramento que cobre a frente do altar.377
GALHETAS - Pequeno vaso que contém o vinho ou a água, para o serviço de missa.378
MANUTÉRGIO - Toalha de altar usada para o sacerdote enxugar as mãos.379
364 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2008-2021). alcovas. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/alcovas.
365 Idem almude. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/almude
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379 Idem manutérgio. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/manut%C3%A9rgio.
MAQUINETA - Oratório com porta envidraçada.380
NAVETA - Recipiente em forma de nau, geralmente para guardar incenso.381
PÁLIO - Faixa circular branca adornada de cruzes bordadas, feita geralmente de lã, usada sobre os ombros, e da qual pende uma tira sobre o peito e outra sobre as costas.382
PICHEL - Vasilha para tirar vinho das pipas ou dos tonéis. 383
PITANÇA - Ração diária de comida. 384
PLANGANA, ou PALANGANA - Recipiente largo e pouco fundo, geralmente usado para levar determinados pratos à mesa.385
SANGUINHO - Pano que serve para limpar o cálice, na missa.386
SANTA UNÇÃO - Sacramento que se administra aos moribundos.387
SANTO LENHO - A cruz de Cristo.388
TURÍBULO - Vaso onde se queima o incenso.389
380 Idem maquineta Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/maquineta
381 Idem naveta. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/naveta.
382 Idem pálio. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/p%C3%A1lio.
383 Idem pichel. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/pichel
384 Idem pitanças. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/pitan%C3%A7as.
385 Idem. palanganas. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/palangana.
386 Idem sanguinho. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/sanguinho.
387 Idem santa unção. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/santa%20Un%C3%A7%C3%A3o.
388 Idem. santo lenho. Consultado em 22 set 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/santo%20lenho.
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Gomes Tereso, M. (2016b). Mosteiro Santa Maria Vallis Misericordiae. A definição da morfologia arquitetónica cartusiana desaparecida, Vol. 2, (Dissertação de Mestrado em Arquitetura), Universidade de Évora, Escola de Artes, Évora. Disponível em Repositório Universidade de Évora: https://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/31076
Loureiro, A. I. (2016). A arquitectura do Mosteiro cartusiano de Santa Maria Scala Coeli: do processo de entrada. (Dissertação de Mestrado em Arquitetura), Universidade de Évora, Escola de Artes, Évora. Disponível em Repositório Universidade de Évora: http://hdl.handle.net/10174/18757.
Recursos eletrónicos:
Agência Lusa (2019, out 8 a) Cartuxos despedem-se de Évora e convento é ocupado por congregação feminina. PÚBLICO Comunicação Social SA. Consultado a 26 ago 2022. Disponível em https://www.publico.pt/2019/10/08/ sociedade/noticia/cartuxos-despedemse-evora-convento-ocupado-congregacao-feminina-1889292.
Agência Lusa (2019, out 8 b) Cartuxos despedem-se de Évora e convento é ocupado por congregação feminina. Observador. Consultado a 25 ago 2022. Disponível em https://observador.pt/2019/10/08/cartuxos-despedem-se-deevora-e-convento-e-ocupado-por-congregacao-feminina/
Albornoz y Galbeño, J. C. (2018) Leonardo Turriano. Real Academia de la História. Consultado a 25 ago 2022. Disponível em: https://dbe.rah.es/biografias/36547/leonardo-turriano
Aleteia Brasil (Ed.) (2017, fev 14) Morrer havemos, já o sabemos. Aleteia SAS. Consultado a 30 ago 2022. Disponível em https://pt.aleteia.org/2017/02/14/morrer-havemos-ja-o-sabemos/.
Brunonis (2011, jan 18) Die Kartause Marienau. Consultado a 26 ago 2022. Disponível em http://josbrunonis.blogspot. com/2011/01/die-kartause-marienau.html.
DGPC (2022). Base de dados Matriz Net. Disponível em: http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/home.aspx
DGPC (2001-2016). SIPA: Cartuxa de Laveiras / Reformatório de Caxias / Centro Educativo Padre António de Oliveira. IPA.00003051. Consultado a 02 ago 2022. Disponível em: http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/ SIPA.aspx?id=3051
Ferreira, A. P. (Fot.) (2019). O adeus dos monges da Cartuxa. EXPRESSO – Impresa Publishing S.A. Consultado a 30 ago 2022. Disponível em: https://multimedia.expresso.pt/cartuxa/
Ferro, M. (Fot.) (2018). A “dócil arquitetura do silêncio”. O que ainda não sabe sobre o Mosteiro da Cartuxa de Évora. Rádio Renascença (2022). Consultado a 25 maiol 2022. Disponível em https://rr.sapo.pt/noticia/religiao/2018/03/23/ a-docil-arquitetura-do-silencio-o-que-ainda-nao-sabe-sobre-o-mosteiro-da-cartuxa-de-evora/109000/.
Jakoš Ilija, Pe. Antonio (2021). St. Bruno – Father and Founder of the Carthusians. Heralds of the Gospel. Consultado a 27 set 2022. Disponível em: https://catholicmagazine.news/st-bruno-father-and-founder-of-the-carthusians/.
La Cartuja de Cazalla (2022). History. Consultado a 25 jul 2022. Disponível em https://www.lacartujadecazalla.com/ history.
Las imágenes que yo veo (2017, out 4). Cartuja de Miraflores, un encaje de alabastro. Consultado a 6 de setembro 2022. Disponível em http://www.lasimagenesqueyoveo.com/2017/10/cartuja-de-miraflores.html
Lucio (2020, out 26). Certosa di San Giocomo a Capri. Consultado a 24 ago 2022. Disponível em: https://www.napolituristica.com/certosa-di-san-giacomo-capri/
Monastère de la Grande Chartreuse (2021a). Apresentação Rápida. Consultado a 25 ago 2022. Disponível em https:// chartreux.org/wordpress/pt/ apresentacao-rapida/
Monastère de la Grande Chartreuse (2021b). Estatutos, Livro 2. Consultado a 26 ago 2022. Disponível em https:// chartreux.org/moines/pt/estatutos-pt/livro-2/.
Monastère de la Grande Chartreuse (2021c). Estatutos, Livro 4. Consultado a 26 ago 2022. Disponível em https:// chartreux.org/moines/pt/estatutos-pt/livro-4/
Monastère de la Grande Chartreuse (2021d). História. Consultado a 25 ago 2022. Disponível em https://chartreux.org/ moines/pt/historia-2/.
Monastère de la Grande Chartreuse (2021e). Mosteiros. Consultado a 26 ago 2022. Disponível em https://chartreux. org/moines/pt/mosteiros/.
Monastère de la Grande Chartreuse (2021f). O Ambiente de vida. Consultado a 25 ago 2022. Disponível em https:// chartreux.org/moines/pt/o-marco-da-vida/.
Monastère de la Grande Chartreuse (2021g). O Caminho Cartusiano. Consultado a 25 ago 2022. Disponível em https://chartreux.org/moines/pt/ o-caminho-cartusiano/
Oeiras Valley | Município de Oeiras (2021, abr 22) Câmara de Oeiras já pode recuperar Quinta da Cartuxa. Consultado a 5 set 2022. Disponível em https://www.oeiras.pt/w/c%C3%A2mara-de-oeiras-j%C3%A1-pode-recuperar-quintada-cartuxa.
Ordem dos Cartuxos (1998-2022) Cartuxa de Santa María de Scala Coeli. Consultado a 25 ago 2022. Disponível em https://chartreux.org/pt/casas/scala-coeli/index.php
Orden Cartujana La Real Cartuja de Santa María de Miraflores (2017) Planta Real Cartuja de Santa María de Miraflores. Consultado a 25 jul 2022. Disponível em https://www.cartuja.org/iglesia-y-exposiciones/arte/conjuntoarquitectonico/ .
Redazione (2021, out 18) Natural Sovereignty: una mostra sull’emergenza climatica alla Certosa di San Giacomo di Capri. Consultado a 26 ago 2022. Disponível em https://www.napolivillage.com/cultura/natural-sovereignty-unamostra-sullemergenza-climatica-alla-certosa-di-san-giacomo-di-capri/.
Silveira, J. (2019, jul 5) Morte e enterro na Cartuxa. Senza Pagare. Consultado a 30 ago 2022. Disponível em http:// senzapagare.blogspot.com/2019/07/morte-e-enterro-na-cartuxa.html.
Vêneto, F. (2022, jan 3). Como os monges mais silenciosos do mundo encaram a própria morte. Aleteia SAS. Consultado a 30 ago 2022. Disponível em https://pt.aleteia.org/2022/01/03/como-os-monges-mais-silenciosos-domundo-encaram-a-propria-morte/
ÍNDICE DE FIGURAS
1. A ORDEM DE SÃO BRUNO
Figura 1.1 - Um noviço na Sala do Capítulo, Kartause Marienau 2004. Fotografia gentilmente cedida por
Figura 1.19 - Vista aérea do Mosteiro da Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli. Fotografia gentilmente cedida pela © Fundação Eugénio de Almeida, fotografia: Carlos Tojo (1999). 42
Figura 1.20 - Planta do Mosteiro Santa Maria Scala Coeli desenho © DPERU/DPE, com base em Casale, G. V. (1590).
Figura 1.21 - Planta do Mosteiro Santa Maria Vallis Misericordiae, 2022, © DPERU/DPE. 45
2. MOSTEIRO DA CARTUXA DE SANTA MARIA VALLIS MISERICORDIAE
Procedente e Fundação [1593 – 1603]
Figura 2.1 - Folha de rosto de “Origines Cartusiarum Lusitaniæ Eborensis scilicet, & Vlyssiponensis scribebat Pater Frater Ioannes á Divo Thoma Monachus professus, & Vicarius Cartusiæ Ulyssiponensis. Anno Domini 1733”. Manuscritos da Livraria, n.º 608, PT/TT/MSLIV/0608, Imagem cedida pelo ANTT. 47
Figura 2.2 - Viagens dos monges cartuxos: de Tarragona para Évora (1587), de Évora para a Pampulha (1593) e da Pampulha para Valldecrist, © DPERU/DPE.
Figura 2.3 - Planta da Cartuja de Scaladei, © Barraquer, Gaietà (1906).Casa de proveniência dos monges fundadores da Cartuxa de Scala Dei, em Évora e de Vallis Misericordiae, em Oeiras.
Figura 2.4 - Montagem com duas maquetes da Cartuja de Scala Dei, à esquerda a ruína antes das ações de conservação e restauro e à direita a simulação do que seria o conjunto em funcionamento
49
Municipal de Lisboa.
Figura 2.7 - Pormenor da Certidão do testamento de Simoa Godinho. Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Cartório, Testamentos, maço 5, doc. 49. Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. 54
Figura 2.8 - Viagens dos monges cartuxos: da Pampulha a Madrid e El Paular (1594) e regresso à Pampulha (1595), de El Paular a Pampulha (1598), da Pampulha a Cazalla (1598) e da Pampulha a Scala Dei (1598), © DPERU/DPE. 56
Figura 2.9 - Proposta de planta da Cartuxa de El Paular em 1730. Autoria: Eduardo Barceló, Mercedes Álvarez e Ignacio Barceló. BAB Arquitectos. 58
Figura 2.10 - Obra produzida para a Cartuxa de Sevilla. Virgen de las Cuevas, por Francisco de Zurbarán. Hacia 1655. © Museo de Bellas Artes de Sevilla, Fotografia: Pepe Morón. 60
3. MOSTEIRO DA CARTUXA DE SANTA MARIA VALLIS MISERICORDIAE
[1598 – 1833]
Figura 3.1 - Viagens dos monges cartuxos anteriormente à eleição para o cargo de Prior e visita de monge da Cartuxa de Aula Dei (1611), © DPERU/DPE.
Figura 3.2 - Planta da Cartuja de Valldecrist em 1835. Imagem gentilmente cedida pelo Departamento de Cultura y Desarrollo Local do Ayuntamiento de Altura, proveniente de “Guía didáctica de la Cartuja de Vall de Cristo” (2014) uma colaboração do Instituto de Cultura del Alto Palancia com Ayuntamiento de Altura.
Figura 3.3 - Planta, cortes e alçados da Cartuxa de Aula Dei, 1852. © Fundo da Mapas, planos, grabados y dibujos do Archivo Histórico Provincial de Zaragoza ES/AHPZ - C/MPGD/000202.
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63
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Figura 3.4 - Pormenor da Planta da Real Quinta de Caxias, datada de 1844, com sinalização do Mosteiro Primitivo. Abreu, J. A. (1844). 68
Figura 3.5 - Gravura da Cartuxa de Laveiras, séc. XVIII, © Maisons de l’Ordre de Chartreux (1946).
Figura 3.6 - Pormenor da Gravura da Cartuxa de Laveiras, séc. XVIII, © Maisons de l’Ordre de Chartreux
Figura
Figura 3.8 - Pormenor de fotografia do Reformatório Central de Lisboa Padre
Figura 3.9 - Análise de excerto com descrição da cela de D. Bernardo Gort, no Mosteiro Primitivo de Vallis Misericordiae realizada por monge visitador da Ordem de São Bruno, em 1633.
Figura 3.10 – Pormenor da “Planta do Casal de Laveiras, pertença do Almoxarifado de Caxias, levantada pelo Capitão Engenheiro J. A. de Abreu e Planta dos Encanamentos de Água”. Casa Real, Plantas, Almoxarifado de Caxias, n.º 181, PT/TT/CR/007-006/00181, Imagem cedida pelo ANTT.
Figura 3.11 - Proposta de reprodução volumétrica do Mosteiro Primitivo, © DPERU/DPE com base na Gravura do século XVIII [Maisons de l’Ordre de Chartreux (1946)] e na planta da Real Quinta de Caxias [Abreu, J. A. (1844)].
73
74
Figura 3.12 - Gárgula em forma de carranca depositada no Claustro Pequeno, 2022, © DPERU/DPE e base de coluna com carrancas © Museu Arqueológico do Carmo, Fotografia: Dr. Paulo Gonçalves. 75
Figura 3.13 - Planta da Cartuxa de Granada, pormenor de “Mapa topográfico de la ciudad de Granada” © D. Francisco Dalmau (1796). Imagem cedida com colaboração do Ayuntamiento de Granada. AMGR.
Figura 3.14 - Inscrição da 1º pedra da Igreja Nova, abençoada a 8 de dezembro de 1614, segundo Frei João de São Tomás.
Figura 3.15 - Viagens dos monges cartuxos: de Granada a Vallis Misericordiae (1614), de Vallis Misericordiae a Miraflores (1615) e de Vallis Misericordiae a Santa Maria de la Denfensión (1620), © DPERU/DPE.
78
Figura 3.16 - Planta da Cartuxa de Miraflores, s.d., Imagem gentilmente cedida pela © Orden Cartujana de La Real Cartuja de Santa María de Miraflores (2017). 81
Figura 3.17- Planta da Santa Maria de la Defension, s.d. Imagem gentilmente cedida pelo © Fundo Hernández-Rubio do Archivo Municipal de Jerez.
Figura 3.18 – Pormenor da Planta da Minas e Encanamentos da água do Almoxarifado de Caxias, orientada a ocidente © A Editora, 1901.
Figura 3.36
da área
sobre planta
da Escola Central de Reforma de Lisboa, em Caxias, realizado em 1925 por José Cecílio de Magalhães Mexia Costa. © Fundo Fotográfico da DGRSP AL-1-Mapoteca-Gaveta 06. 107
Figura 3.37 - Pormenor do Claustro Grande da Cartuxa de Santa Maria de Vallis Misericordiae, em cima, maio 2023, © DPERU/DPE e da Cartuxa de São Giacomo de Capri, em baixo, © Lucio (2020, out 26).
Figura 3.38 - Identificação da lógica construtiva dos elementos do Claustro Grande, sobre imagem do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira (1937), onde é visível o início da arcada e ala norte. © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001513.
Figura 3.39 - Sala da Ave Maria de uma das celas do Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, a Cartuxa de Évora. Fotografia gentilmente cedida pela © Fundação Eugénio de Almeida, fotografia: Ana Sofia Oliveira (2021).
108
111
112
Figura 3.40 - Padrão da primeira cela mandada edificar pelo Cardeal Luís de Sousa em M’DC’XC‘VIII (1698), depositada no Claustro Pequeno, à esquerda, e padrão da cela mandada edificar por D. Álvaro da Fonseca Lobo em 1732, na Sacristia, à direita, 2022 © DPERU/DPE.
Figura 3.41 - Comparação de uma parcela da Ala poente, onde se localizavam as antigas celas da Cartuxa de Laveiras com um dos oitos espaços do Criptopórtico e com uma Cela da Cartuxa de Évora, © DPERU/DPE.
Figura 3.42 - Identificação de vestígios da época monástica no telhado da zona das celas, 2022, © DPERU/DPE.
Figura 3.43 - Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira, séc. XX. © Fundo Fotográfico da
113
do
(a tracejado) e do Mosteiro Novo, com ligação dos espaços através da Sala De Profundis e corredor de acesso ao Claustro
3.57
Refeitório da Cartuja de Montalegre, Espanha, com púlpito em pedra. Fotografia de autor desconhecido, c.1915, imagem gentilmente cedida por © Baldiri Barat, ww.monestirs.cat.
Figura 3.59 – Abóbada do Refeitório dos monges, cortada por uma placa de betão, 2022, © DPERU/ DPE.
Figura 3.60 - Pormenor da planta do terceiro e quarto pavimento da Escola Central de Reforma de Lisboa, em Caxias, realizado em 1925 por José Cecílio de Magalhães Mexia Costa. © Fundo Fotográfico da
Figura 3.74
Pormenor de Fotografia do Reformatório
Oliveira, anterior a 1958, onde é visível a torre de acesso ao arco sineiro poente do Claustro Pequeno, à esquerda, e a mesma perspetiva atualmente (dezembro 2022), à direita © DPERU/DPE.
Figura 3.75 - Marcas na parede e pilastra associadas à pré-existência da escada de acesso à torre e arco sineiro, à esquerda, e no pavimento do terraço, à direita, setembro 2022, © DPERU/DPE. 156
Figura 3.76 - Simulação da nave tripartida de Vallis Misericordiae (01) e comparação com as Igrejas
Cartuxas de Scala Coeli – Évora (02), Miraflores (03) e Santa Maria de El Paular (04). Nave tripartida: a verde o coro dos monges, a roxo o coro dos irmãos conversos e a laranja o espaço para os visitantes
Figura 3.77 - Interior da Cartuxa de Miraflores, © Las imágenes que yo veo (2017, out 4). 159
Figura 3.78 - Coro dos monges e altar-mor da Igreja da Cartuja de Aula Dei em Zaragoza, Espanha, em 2015 © Francis Raher, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons.
Figura
Figura 3.80 - Planta da Capela-mor da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, © DPERU/ DPE.
Figura 3.81 - Capela-mor da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, novembro 2022, com a simulação da tela de Nossa Senhora com S. Bruno e os seis companheiros na Cartuxa, da autoria de Francisco Vieira Lusitano e propriedade do Museu Nacional de Arte Antiga, Direção-Geral do Património Cultural. Fotografia e simulação , © DPERU/DPE.
Figura 3.82 - Planta da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordia, com proposta exemplificativa do modelo tripartido cartusianos, desconhece-se com exatidão a localização exata das teias de separação, © DPERU/DPE.
Figura 3.83 - Balaustrada em pedra branca e preta presente na Igreja paroquial de Santa Maria Madalena de Lisboa, dezembro 2022, © DPERU/DPE. 166
Figura 3.84 - Interior da Igreja da Cartuxa de Évora, onde à direita se encontra um retábulo dedicado a Santa Bárbara e à esquerda dedicado a Santo António, © SIPA DGPC ID: FOTO:00529479. 167
Figura 3.85 - Balaustrada em madeira de pinho e marcas de chumbo nas pedras de arranque da atual balaustrada, Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, setembro 2022, © DPERU/DPE. 168
Figura 3.86 - Planta da Igreja e Claustro Pequeno do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, com marcação dos acessos ao piso térreo da Igreja, © DPERU/DPE. A verde acesso dos monges, a roxo o acesso dos irmãos conversos e a laranja o acesso dos visitantes.
Figura 3.87 - Porta os irmãos conversos e nicho de pia de purificação, parede oeste da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae
Figura 3.89 - Pormenor de zona de transição entre o que se pensa ser pavimento original da Igreja
suporte do Coro-alto com estrutura interna metálica, junho 2022, © CURA - Projectos, Lda.
Figura 3.92 - Pormenor de coluna de madeira de suporte do Coro-alto com acabamento em escaiola, junho 2022, © DPERU/DPE.
Figura 3.93 - Pormenor de um capitel de uma das colunas de suporte do Coro-alto da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, novembro 2022, © DPERU/DPE.
Figura 3.94 - Pormenor do teto da entrada da Igreja do Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiae, novembro 2022, © DPERU/DPE.
Figura 3.95 - Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira, Caxias. Planta do 3º pavimento, levantamento da DGEMN/Repartição de Estudos de Edifícios em 1943. © SIPA DGPC ID: desenho 50754.
Figura 3.96 - Porta de acesso terraço do Claustro Pequeno, à esquerda, e porta de acesso ao Coro-alto, à direita, e respetivas pedras soleiras, setembro de 2022, © DPERU/DPE. 177
Figura 3.97 - Igreja da Cartuxa, enquanto dormitório da secção preparatória (1921-1938). © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001468. 178
Figura 3.98 - Ilustração de Alfredo Roque Gameiro, do Interior da Igreja Cartuxa de Laveiras, em 1899. 179
Figura 3.99 - Cemitério do Mosteiro Santa Maria Scala Coeli, à esquerda, o cemitério em 2019, © Ferreira, A. P. (Fot.) (2019), à direita, assinalada a laranja a sua localização na Planta do Mosteiro © desenho DPERU/DPE, com base em Casale, G. V. (1590). 182
Figura 3.100 – Área da Quintinha no Mosteiro de Santa Maria Vallis Misericordiæ, © DPERU/DPE. 183
Figura 3.101 - Igreja Primitiva e Sala do Capítulo referidos como lugares de enterramento no Mosteiro Santa Maria Vallis Misericordiae, © DPERU/DPE. 183
Figura 3.102 - Interior do túnel de distribuição de água no Mosteiro da Cartuxa, à esquerda, e pormenor de manilha em pedra adossada na parede do túnel, à direita, abril 2022 © DPERU/DPE.
Figura 3.103 - Planta de Minas e Encanamento d’aguas do Almoxarifado de Caxias, © A Editora, 1901.
Figura 3.104 - Saída do túnel junto ao antigo tanque dos
Figura 3.105 - Percurso do encaminhamento de água a laranja e a azul, os poços e tanques existentes na Quinta assinalados
4. EXTINÇÃO DAS ORDENS RELIGIOSAS
Figura 4.1 – Entrada do Duque da Terceira
Figura
Figura 4.3 - Excertos da relação “Despesas feitas na Condução de Livros, Quadros e Outros objetos dos extintos Conventos abaixo mencionados para Depósito Geral das Livrarias, Pinturas, no estabelecido Mosteiro de São Francisco da Cidade”, respeitante aos Mosteiros da Cartuxa de Laveiras, Nossa Senhora da Boa Viagem, Santa Catarina de Riba Mar
Figura 4.4 - Domingos António de Sequeira, São Bruno em oração. Museu Nacional Soares dos Reis. Direção-Geral do Património Cultural/Arquivo de Documentação Fotográfica. Fotografo: Carlos Monteiro. 210
Figura 4.5 - Autor desconhecido, Pixíde. Museu Nacional Soares dos Reis. Direção-Geral do Património Cultural/ Arquivo de Documentação Fotográfica. Fotografo: José Pessoa. 210
Figura 4.6 - Francisco Vieira Lusitano, Nossa Senhora e aos fundadores da Ordem de São Bruno. Museu Nacional de Arte Antiga. Direção-Geral do Património Cultural. Fotografo: Paulo Neto, DPERU. 212
Figura 4.7 - Placa identificativa da permanência de Domingos Sequeira no Mosteiro da Cartuxa, 2022, © DPERU/DPE. 213
Figura 4.8 - Domingos António de Sequeira, São Bruno em oração. Museu Nacional de Arte Antiga.
Direção-Geral do Património Cultural/Arquivo de Documentação. Fotográfica. Fotografo: José Pessoa. 214
Figura 4.9 - Domingos Sequeira, A Conversão de S. Bruno (imagem da esquerda) e Comunhão de Santo Onofre (imagem da direita.). Museu Nacional de Arte Antiga. Direção-Geral do Património Cultural/ Arquivo de Documentação Fotográfica. Fotografo: José Pessoa.
Figura 4.10 – António Ferreira, Figuras de Presépio - Sagrada Família (imagem da esquerda) Anunciação aos Pastores (imagem do centro) e Adão e Eva - Expulsão do Éden (imagem da direita). Museu Nacional de Arte Antiga. Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica. Fotografo: Luís
Figura 4.11 - António Ferreira, Figuras de Presépio - Tocador de sanfona (imagem da esquerda) e Gaiteiro e vendedeira de ovos (imagem da direita). Museu Nacional de Arte Antiga.
5. REFORMATÓRIO CENTRAL DE LISBOA PADRE ANTÓNIO DE OLIVEIRA
Figura 5.1 - Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira, Caxias. Planta do 3º pavimento, levantamento da DGEMN/Repartição de Estudos de Edifícios em 1943. © SIPA DGPC ID: desenho 50754. 224
Figura 5.2 - Cozinha do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira (1940-1950), instalada na Sacristia dos monges e em funcionamento entre 1903 e 1958 © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001476. 225
Figura 5.3 - Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira (1940-1950), instalado no piso térreo de um corpo criado de raiz entre 1901-1908 e em utilização entre 1903 e 1958, © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001473. 226
Figura 5.4 - Enfermaria do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira (1950), instalada no piso superior de um corpo criado de raiz entre 1901-1908 e em utilização entre 1903 e 1958, © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001221.
Figura 5.5 - Camarata do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira, instalada na Ala Oeste do Claustro Grande, © Fundo Fotográfico da DGRSP PT/AHMJ/DGRSP/ FF/02/001/001475.
Figura 5.6- Sala de aula do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira (1940), instalada numa das galerias
Figura 5.7 - Prática de ginástica sueca
Figura 5.9 - Oficina de serralharia mecânica do Reformatório Central de Lisboa Padre António de Oliveira (1950-1960), instalada no criptopórtico,
Figura
Figura 5.16
Figura
ÍNDICE DE TABELAS 3.
4. EXTINÇÃO DAS ORDENS RELIGIOSAS
ÍNDICE REMISSIVO
TÍTULO
Santa Maria Vallis Misericordiae | A Cartuxa em Oeiras
Edição
Município de Oeiras
Direção
Arq.º Pedro Carrilho | Diretor DPERU
Coordenação
Arq.ª Patrícia Fernandes | Chefe DPE
Conceção e textos
C.R. Ana Guerin | DPE
C.R. Mª Lurdes Marrinhas | DPE
Arq.º Diogo Bulhões | DPE
Fotografia
Paulo Neto | DPERU
Paginação
Vera Elvas | Gabinete de Comunicação
Tiragem
500 exemplares
Depósito legal
ISBN
978-989-608-257-4
Data de edição
Novembro 2023
Impressão e acabamento
Blue Line, Lda