ESPECIAL EDUCAÇÃO POR Murilo Melo > Fotos DIVULGAÇÃO
Contagem regressiva para o vestibular Está aberta a temporada de provas para os alunos no 3º ano do Ensino Médio. Mas estudar para o Enem ou para as seleções das faculdades requer calma
Quem vê Lucas Alvim, 17, cercado de apostilas, dicionários e livros, em boa parte do tempo sem tirar os olhos do material, arrisca o palpite de que o adolescente dorme e acorda debruçado nos estudos. E é mais ou menos isso. Com o fim do Ensino Médio, o estudante tem se dedicado intensamente ao pré-vestibular para ser aprovado no curso de Medicina em ao menos uma das universidades federais do Brasil. Lucas mal tem tido tempo para o lazer. Segundo o estudante, são dias de muita expectativa e de várias mudanças de sensações. “Este é o meu segundo ano de cursinho. Se eu não tomar cuidado, cedo espaço para a concorrência e fico mais um ano sem entrar na faculdade”,
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diz. “Só que isso, às vezes, me deixa em pânico”, confessa. Tamanha preocupação ele compartilha com cerca de 9,5 milhões de estudantes do país que deverão se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que este ano deve ocorrer nos dias 8 e 9 de novembro, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Nessa reta final de preparação, o clima nos colégios e cursinhos de Salvador é de ansiedade e insegurança. “Afinal, na maioria das vezes, quando sai do ensino médio, o aluno tem 17 anos”, diz o psicopedagogo e orientador vocacional André Pimenta. É um momento delicado, que pode mexer com a condição emocional do candidato,
a ponto de ele por tudo a perder. “Quando a ansiedade é muito grande, instala-se um clima de tensão e isso se reverte em um resultado negativo”, acrescenta o orientador. Diferente dos vestibulares tradicionais que se limitam a poucas questões em algumas horas, o Enem tem um formato que, de início, assusta: são 180 questões de múltipla escolha, divididas em quatro categorias fluidas (linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias e matemáticas e suas tecnologias), além de uma redação. A prova é aplicada em dois dias, sendo o primeiro com cinco horas de duração e o segundo com seis horas e meia – uma hora e meia a mais para
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acomodar a redação. “A memorização continua valendo, mas, quando cobrada, exige raciocínio com a informação memorizada”, explica o psicopedagogo. “É uma prova rigorosa”, reconhece. Para ele, o Enem é melhor do ponto de vista pedagógico, mas ainda joga sobre o adolescente a responsabilidade por todas as falhas dos ensinos fundamental e médio. “Por exigir menos decoreba, se comparado aos tradicionais vestibulares, ele não engessa os últimos anos do ensino médio como época de dirigir os estudos apenas para entrar em uma faculdade”, analisa. A estudante Fernanda Melo, 18, do curso pré-vestibular Grandes Mestres, tem treinado técnicas de relaxamento nas últimas semanas para diminuir a tensão. Roer unhas, chorar, comer em excesso e até mesmo ficar horas sem se alimentar são comportamentos recorrentes. “Há um mês não durmo bem. Rolo na cama até 1h da manhã e acabo acordando cedo para ir ao cursinho. Saio apressada, atropelando tudo mesmo. Comida é a última coisa em que eu penso”. Por causa da agitação, ela diz que não consegue acompanhar a grande demanda de estudos. “Não consegui ler metade dos livros de literatura que foram recomendados”, admite. Quando o nervosismo, a ansiedade e o medo ganham destaque, trazem inúmeros prejuízos, dentre eles, os pensamentos disfuncionais, estresse, fadiga, além do famoso branco na execução da prova, o que tende a desestabilizar a pessoa. “O foco passa a ser imenso nos estudos, desprivilegiando o equilíbrio emocional, que é de extrema importância para o alcance do resultado positivo”, diz a psicóloga Camila Marita. “Corre-se o risco de não utilizar as estratégias mais assertivas para a solução até mesmo de questões diárias, impactando no cumprimento da rotina de estudos a ser realizada com qualidade, refletindo negativamente no desempenho”, completa.
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Senhores do tempo Bruno Vieira, Juliana Magalhães e Luisa Latado, todos com 17 anos e alunos do terceiro ano do Colégio Oficina, em Salvador, vivem dias conturbados. Bruno, por exemplo, acorda todos os dias por volta das 3h30min. Durante o dia, o adolescente – que pratica triatlo – treina bem cedo e, em seguida, vai ao colégio. À noite, estuda ao menos duas horas por conta própria e participa de reforço escolar uma vez por semana. Lá, estuda redação, seu ponto fraco. “Às vezes, por causa dessa demanda, não acho que estou preparado o suficiente, se comparado aos meus colegas, mas acho que dá para fazer uma boa prova”. O que incomoda em demasia, segundo o estudante, é a falta de tempo para conciliar esporte, final do terceiro ano e Enem. “Daí meu tempo de sono é reduzido. Não posso dormir cedo porque preciso estudar e não posso acordar tarde porque preciso treinar. Na aula acabo sentindo sono e, consequentemente, perco alguns conteúdos”, diz. O estudante já pensou em prestar vestibular para engenharia e relações internacionais, agora vai tentar fisioterapia, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), pelo Sistema de Seleção Unificado (Sisu), usando a nota do Enem.
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Já Juliana quer tentar medicina em três universidades de Salvador e duas em São Paulo. Para conseguir a tão sonhada vaga, enquanto conclui o ensino médio, a moça faz um curso específico de biomédica, um curso específico para a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de Campinas (Unicamp) e um de revisão para a Escola Bahiana de Medicina, uma espécie de extensivo que a escola oferece. “Quando estou com alguma pendência, estudo no intervalo”, explica. Juliana diz que a cobrança é forte. “Teve uma semana que eu entrei na loucura de dormir um dia sim e um dia não. Eu achava que estava precisando de um gás, acelerar o ritmo dos estudos”. Entretanto, ela acredita que, acima de tudo, é preciso ter foco nos conteúdos disponíveis para o Enem e os vestibulares. “A gente se depara com muitas aulas, simulados, atividades. Existe muito conteúdo na internet também. Não dá para abraçar tudo”, diz. Para sentir-se mais confiante, Luisa, colega de Juliana, resolveu tentar o Enem ano passado. O exame serviu como um teste de curiosidade e,
embora ela tenha achado o tempo curto demais, em compensação diz ter tido uma boa nota. Agora, a adolescente dedica os dias da semana para estudar para o exame deste ano e deixa os finais de semana para descansar a cabeça. “Se eu não tiver meu momento para relaxar, eu enlouqueço. Por mais que eu esteja numa fase complicada, tenho que equilibrar”, conta. Luisa afirma que vai tentar o vestibular da USP, mas o medo da independência forçada, de sair da cidade onde mora e ficar longe da família assusta. “Quero ficar em Salvador. E se eu passar em alguma universidade fora, um dilema vai tomar minha cabeça”, afirma. A reta final assim como o processo que antecede o dia da prova do vestibular, segundo a psicóloga Camila Marita, precisam ser planejados com qualidade e isso implica a construção de uma rotina de estudos que seja pautada em uma meta estabelecida, com consciência da importância de administrar bem o tempo. “O segredo é realizar as atividades prioritárias para o alcance da meta, otimizando o tempo de maneira que exista espaço para os momentos de lazer”, orienta.