Revista Yacht - Emprego

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MERCADO DE TRABALHO POR MURILO MELO | FOTOS DIVULGAÇÃO

ESSA TURMA

NÃO QUER TER

CHEFE

JOVENS SAEM DAS UNIVERSIDADES INTERESSADOS EM CRIAR O PRÓPRIO NEGÓCIO. SEGUNDO O SEBRAE, JÁ SÃO MAIS DE SEIS MILHÕES DE BRASILEIROS EMPREENDEDORES

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As universidades brasileiras públicas e privadas estão colocando no mercado de trabalho um grupo de jovens cujas angústias e ambições já não são as mesmas do típico recém-formado. No lugar de um emprego fixo em uma grande empresa, eles preferem aventurar-se em um negócio próprio, ainda que essa opção traga mais riscos e incertezas. Essa turma empreendedora representa 88% do mercado em que jovens estão inseridos, segundo a última pesquisa nacional realizada em 2013 pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Já são mais de seis milhões de brasileiros que, uma vez com o diploma na mão ou prestes a obtê-lo, estão à frente da própria companhia. Eles avistam a possibilidade de alcançar sucesso mais rapidamente – mas também desejam usufruir a liberdade de quem não está sob as asas de um chefe, conforme explica o consultor de carreiras Gregório Oliveira. Outro aspecto captado pelo consultor diz respeito à visão otimista que


têm da economia brasileira. “Eles enxergam espaço para a inovação e têm espírito de liderança. Isso é um estímulo decisivo para que tentem a vida por conta própria”, diz ele. Estamos falando de gente como Priscila Devito, 27 anos, e Ana Carolina Pedreira, 29, que, enquanto a maioria dos colegas publicitários da universidade em que estudavam sonhava arranjar emprego em agências e grandes empresas, elas preferiram montar uma consultoria. Já têm mais de quinze clientes fixos: “É bem remunerado e divertido”, conta. Para elas, ainda que o trabalho seja por conta própria, é preciso ter disciplina e, sobretudo, regras estabelecidas. “Se eu vou atender algum cliente externo, Priscila fica na consultoria respondendo e-mails, atendendo quem chega e resolvendo outras demandas”, explica Ana Carolina. “Ninguém é chefe de ninguém, mas queremos que o nosso negócio dê certo, por isso nos organizamos”, justifica Priscila. Mais da metade desses novos negócios se concentra no setor de tecnologia, muitos deles na área de Tecnologia da Informação (TI), um mercado em expansão e passível de ser explorado sem grandes investimentos iniciais – vantagem determinante para profissionais que, em início de carreira, não contam com capital e começam sua empresa até dentro de casa. “Trabalho no meu quarto, em frente a um único computador. Não tenho horário fixo, mas às vezes preciso sacrificar aquele cineminha no fim de semana”, diz o cientista da computação Marcílio Dantas, 23 anos. Em 2010, ele e dois amigos de faculdade selaram sociedade num negócio voltado para o desenvolvimento de games educativos em Salvador e São Paulo. Os games são instalados nos laboratórios dos colégios, até então particulares, e servem como material extra. “Os alunos aprendem com mais facilidade e disposição. Conteúdos didáticos deixam de ser chatos e cansativos. O resultado é que eles se saem bem nas provas e melhoram o boletim”, explica o rapaz. Duas escolas em Salvador aderiram ao game. Em São Paulo, seis já incluíram o método educativo nas aulas. Com o avanço tecnológico, como o surgimento de aparelhos como tablets e bons celulares portáteis, os três cogitam agora recrutar mais gente e, enfim, abrir um escritório. Até 2017, diz Marcílio, a meta é levar os jogos para universidades. O modelo foi possível porque, nos últimos dois anos, os rapazes permaneceram na casa dos pais, enquanto acumulavam dinheiro de estágios e trabalhos temporários. “Se eu ganhasse R$ 50,00 formatando um computador, colocava o dinheiro no banco pensando no negócio”, revela Marcílio. A mesma fórmula tem ajudado outros jovens no país a dar o pontapé inicial em sua empresa e é reflexo de uma mudança de comportamento. Os brasileiros estão

atrasando a decisão de morar longe dos pais: 62% dos jovens só começam a pensar nisso quando já passaram dos 30 anos, segundo mostra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Até lá, vão se capitalizando, avaliando o mercado e criando estratégias”, analisa o economista Roberto Sant’ana. “Esse padrão é determinante para explicar o aumento do empreendedorismo entre os jovens com ensino superior no Brasil”.

MAIS LIBERDADE

Ao tomarem a decisão de montar uma empresa, os jovens pensam também no fato de que, indo por este caminho, terão mais liberdade para ditar os rumos do negócio e tomar conta do próprio tempo. É verdade que isso sempre impulsionou, em algum grau, a opção pelo empreendedorismo – mas foi mais recentemente que se tornou um fator decisivo. Fruto de uma educação mais liberal, dada por pais que viram de perto a ascensão dos movimentos estudantis e da contracultura, os jovens de hoje são menos afeitos à noção de hierarquia. “Nascidos e criados numa época com liberdade, eles resistem mais à ideia de responder a chefes e dar satisfação sobre o que fazem”, diz o economista. Que o diga a arquiteta e urbanista Mally Requião, 27 anos. Contratada antes de se formar na faculdade, trabalhou por três anos em uma incorporadora imobiliária em Salvador. Por lá, tinha salário fixo e carteira assinada, sonho de muitos jovens recém-formados. Embora confesse que a empresa foi de grande importância para a formação pessoal e profissional, se submeter a regras e algumas normas da companhia deixava a moça insatisfeita. “A rotina se tornou cansativa e desgostosa, além do cumprimento de horários e banco de horas. Sempre tive um espírito empreendedor e mesmo trabalhando na empresa fazia alguns projetos externos”, lembra. Logo, Mally decidiu abrir um escritório de arquitetura, que já tem dois anos e é a sua única fonte de renda. A preocupação maior, segundo ela, é em entender o perfil do cliente e buscar atendê-lo sempre da melhor forma possível. “Sempre tive a vontade de ter algo meu, controlar o meu próprio horário, ser dona do meu próprio nariz. Para mim isso está diretamente vinculado com a qualidade de vida”, relata. “Nunca me senti empregada de ninguém, a ideia de ter um escritório sempre existiu e aconteceu a partir da coragem e planejamento. Foi a melhor escolha que fiz na minha vida”. Tanto empenho da arquiteta fez com que ela fosse premiada, recentemente, como jovem talento, o que lhe rendeu uma viagem para a China. Mas a sede dela como empreendedora só está começando. “Almejo que o escritório cresça a ponto de fazer um projeto social por mês, sem custo, o que se tornou um sonho”, planeja.

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MERCADO DE TRABALHO

A liberdade nos negócios também sempre foi ansiada por José Augusto Vasconcelos filho, 32 anos. Ele, que chegou a trabalhar como advogado, percebeu que tinha talento mesmo para trabalhar com eventos. Desde jovem, segundo conta, diz que sempre gostou de tomar decisões e ter responsabilidade. Tal atitude podia ser vista ainda na adolescência em grêmios no colégio e na liderança para produzir festas. “Não me vejo todo dia sentado num escritório, só recebendo ordens. É muito bacana ter a flexibilidade de fazer as coisas do seu jeito, criar sua própria rotina”, argumenta. Hoje, ele é sócio nos clubes San Sebastian Recife, San Sebastian Salvador, Amsterdam Pop Club e no Don Sushi Lounge, locais onde circulam em média 12 mil pessoas por mêse que possuem mais de 100 funcionários. “É uma área que permite milhões de possibilidades e que está em constante mudança. Não é uma área que está na moda, que pode passar amanhã e acabar. O ser humano gosta de festa por natureza. E o fato de o setor acompanhar as mudanças de comportamento da sociedade permite que a gente não caia na mesmice. O público muda e a gente vai mudando nosso negócio com ele”. Para ele, a liberdade na tomada de decisões e a criação de uma rotina própria de trabalho, tendo que responder a si mesmo, são o grande diferencial de ser empreendedor. “Ao mesmo tempo que você tem essa liberdade, você é cem por cento responsável também. Da escolha da equipe à tomada da decisão mais acertada, a palavra final é sua e você e sua equipe vão sofrer as consequências dos seus atos diretamente. A responsabilidade é muito maior do que ser um funcionário que responde por um setor específico de uma empresa, mas compensa”, conta.

GERAÇÃO ‘MÃO NA MASSA’

O aumento do número de jovens empreendedores é desejável para qualquer país. “Quando são recém-saídos da universidade, eles estão atualizados sobre sua área e têm grande capacidade de inovar”, diz a professora e economista Marina Marins. Inovação é hoje, afinal, o que

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mais enriquece um país. Num cenário em que diversos donos de negócio brasileiros nem sequer pisaram numa universidade, esses jovens com diploma têm, também, mais chances de prosperar. Para se ter uma ideia, apenas 7% das empresas abertas por brasileiros com ensino superior fecham antes de completar um ano de vida, um quarto da média nacional, segundo o IBGE. O Brasil sempre registrou altos índices de empreendedorismo. A boa novidade é que nunca se viu tanta gente qualificada. Há oito meses, aos 23 anos e após o convite de uma amiga, o publicitário Iuri Torquato Pinheiro decidiu abrir a Woohoo Comunicação Integrada, em Salvador. A empresa abrange diferentes setores, desde comunicação visual, passando pela publicitária até assessoria de mídias sociais. Só fez isso depois de estar convicto de que o momento era bom. “Coloquei na cabeça a ideia de trazer o diferencial no atendimento. Hoje temos a constante busca em encontrar soluções criativas diferentes e úteis para cada tipo de cliente”, resume. A tão sonhada liberdade, ele tem. E, a exemplo de tantos outros de sua geração, tem tudo para fazer seu negócio vingar.

CAPACITAÇÃO É A SENHA

Os segredos do empreendedorismo podem ser descobertos por qualquer pessoa e de qualquer idade, dizem especialistas. Não é incomum sonhar em seguir as próprias ordens e cuidar do próprio nariz. Fundar um negócio e ser patrão de si mesmo, contudo, pode ser mais complicado do que se imagina. Não basta apenas ter uma boa ideia, é preciso entender o mercado e manter-se atualizado, para que o negócio encontre possibilidades de crescimento. Para o economista Roberto Sant’ana, o empreendedorismo é um conjunto de comportamentos e hábitos. “Antigamente, imaginávamos que o empreendedor nascia empreendedor, herança de pai para filho. Mas hoje sabemos que as características de um empresário de sucesso podem ser adquiridas com capacitação adequada”, afirma. Quem deseja abrir o próprio negócio deve se informar, antes de tudo. É preciso conhecer a atividade que se pretende desenvolver e o mercado no qual quer se envolver.


QUEM PODE

EMPREENDER O consultor Gregório Oliveira aponta as principais características deum empreendedor. São elas: >> INICIATIVA: a busca constante por oportunidades de negócios. Estar sempre atento ao que acontece no mercado em que vai atuar;

Familiarizar-se com aquilo que se deseja vender, seja o que for, é essencial. “O empreendedor precisa aprender sempre. Conhecer seu ramo de atividade. Dominá-lo. É necessário também que ele tenha amor pelo que faz. Caso isso não aconteça, toda a economia feita vai para o ralo”, ressalta Roberto. Parte desta capacitação, esclarece o economista, vem da organização dos recursos do negócio, sejam humanos, financeiros ou materiais. O empreendedor não pode confundir, por exemplo, o dinheiro da empresa com o seu dinheiro pessoal. Segundo Roberto, esse é um erro comum. É preciso atentar, também, para a escolha do sócio, discutir as expectativas e o papel de cada um no empreendimento. “É mais difícil do que muito casamento”, pontua. Entretanto, de acordo com o consultor de carreiras Gregório Oliveira, é natural que os jovens vejam o empreendedorismo como uma alternativa. “Ao segui-la, também buscam chegar ao sucesso mais rápido – o que, evidentemente, nem todos conseguem”, afirma. A ideia de que se pode obter o sucesso, contudo, é reforçada pela ascensão relâmpago de figuras como Larry Page e Sergey Brin, os fundadores do Google, ou de Mark Zuckerberg, o criador da rede de relacionamentos Facebook e dono do WhatsApp, um aplicativo que funciona como serviço móvel de mensagens. O jovem trio, que antes dos 30 contabilizava fortunas na casa dos bilhões de dólares, chega a ser venerado pela nova geração de empreendedores brasileiros. “Sabe-se que a pessoa que empreende não é um ser acomodado com as soluções e alternativas propostas. Trata-se de alguém inquieto – o desejo de fazer diferente, de aproveitar a oportunidade e melhorar o que já existe”, observa Gregório.

>> PERSEVERANÇA: as dificuldades vão acontecer, até porque o empresário de micro e pequena empresa muitas vezes é solitário; >> CORAGEM PARA CORRER RISCOS: arriscar-se faz parte do ato de empreender. Correr riscos é diferente de correr perigo. O empreendedor corre perigo quando está desinformado. Se tem as informações, pode tomar decisões complexas com risco calculado; >> CAPACIDADE DE PLANEJAMENTO: ter a visão de onde está, onde quer chegar e o que é preciso fazer. Criar planos de ações e priorizá-las dentro do negócio. Monitorar, corrigir e rever. Isso pressupõe que se avalie as melhores alternativas para alcançar seus objetivos estabelecidos durante o planejamento; >> EFICIÊNCIA E QUALIDADE: as pequenas empresas dispõem de menos recursos, então precisam garantir que eles sejam bem aproveitados. É preciso conquistar o cliente, o público alvo e direcionar os esforços; >> REDE DE CONTATOS: é importante participar de eventos e feiras relacionados ao seu produto. Lembrese também de que ambientes informais ajudam a formar bons contatos. “A gente começa a desenvolver nossa rede de contatos com a família, amigos, vizinhos e antigas experiências”, diz o consultor. “Deve-se trazer isto para a sua realidade de negócio”; >> LIDERANÇA: “O empreendedor deve ser o líder na sua empresa”, afirma Gregório. Ele deve ser um bom ouvinte e deve saber estimular permanentemente a equipe, motivá-la e deixá-la comprometida. “Ele deve também ser um gestor de pessoas”, completa o consultor.

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