CORRELACIONANDO ORAÇÕES NA LÍNGUA PORTUGUESA MARCELO MÓDOLO1 UNICAMP/ FAPESP Será que as orações na língua portuguesa se relacionam apenas por coordenação e subordinação? Na prática da análise, essas definições são precárias e insuficientes para correlacionar orações.
Para aproveitar bem este texto, você deverá, antes, ler estes aqui, igualmente disponibilizados neste Portal: o que é uma oração (“Refletindo sobre a língua portuguesa”), de que modo as orações se relacionam (“Combinando orações”, “Coordenando orações”, “Subordinando orações”). Este texto focaliza um tipo especial de combinação de orações, a correlação. Índice: 1. Será verdade que as orações se relacionam apenas por coordenação e subordinação? 2. Como se formam os pares correlativos no português 2.1 Correlata aditiva 2.2 Correlata alternativa 2.3 Correlata comparativa 2.4 Correlata consecutiva 2.5 Correlata proporcional 2.6 Correlata equiparativa 2.7 Correlata hipotética 2.8 Correlata diferençativa 3. Como se constroem os pares correlativos no português? 3.1 Correlação formada pela repetição do mesmo elemento conjuntivo: correlatas espelhadas 3.2 Correlação formada pela repetição de elementos conjuntivos distintos: correlatas não-espelhadas 1
Pós-doutorando no Departamento de Lingüística, Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp. Caixa Postal 6045, CEP 13084-971, Campinas, SP. E-mails do autor <modolo@usp.br>, <marcelomodolo@hotmail.com>; Bolsista Fapesp de Pós-Doutorado, proc. nº. 2005/00483-5 .
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4. Para saber um pouco mais sobre as construções correlativas 5. Glossário 1. Será verdade que as orações se relacionam apenas por coordenação e subordinação?
As gramáticas do português costumam definir a coordenação como a relação sintática entre duas orações independentes e a subordinação como a relação sintática em que uma oração subordinada completa o sentido de uma outra, chamada principal. Assim, são coordenadas orações como 1. Erasmo chegou, tomou café e saiu, e subordinada a segunda oração de
2. Erasmo disse que não vai mais tomar café.
Definições como essas são precárias, quando aplicadas à prática de análise. Em primeiro lugar, porque o conceito de independência entre orações coordenadas é bastante discutível: “independentes” segundo quais critérios? Em uma seqüência como (1), seriam realmente independentes as três orações?
Em segundo lugar, a divisão entre coordenação e subordinação não é precisa, basta ver, por exemplo, a confusão que muitos compêndios fazem com as orações tidas como coordenadas explicativas e as subordinadas causais. O mesmo acontece na classificação dos pares correlativos, que são classificados tradicionalmente entre as coordenadas e as subordinadas, como neste exemplo:
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3. Erasmo não só chegou como também tomou café. 4. Erasmo tomou o café tão depressa que até engasgou.
Orações como (3) e (4) não podem ser consideradas nem coordenadas (pois não são independentes umas de outras), nem subordinadas (pois não são dependentes). E agora?
Uma proposta mais coerente será substituir a dicotomia* coordenação e subordinação por um continuum*, assim como tem feito vários autores de vertente funcionalista*. Nesse sentido, a correlação é entendida como uma etapa intermediária recortando esse continuum e dividindo propriedades ora com as coordenadas, ora com as subordinadas. Assim teríamos:
Coordenação
Correlação
Subordinação
É de correlação que este texto trata. Ele está assim organizado: 1. Como se formam os pares correlativos no português, 2. Aspectos funcionais dos pares correlativos no português, 3. Como se constroem os pares correlativos no português, 4. Para saber um pouco mais sobre as construções correlativas “e”, 5. Referências Bibliográficas. 2. Como se formam os pares correlativos no português Os estudos sintáticos registram dois tipos de ligação: a coordenação e a subordinação, operadas geralmente por conjunções. A coordenação e a subordinação ligam em geral (i) constituintes* de um sintagma*, (ii) um sintagma a outro, e (iii) uma oração a outra. Sejam os seguintes os exemplos de correlação:
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— Correlação aditiva
5. "Ao obrigar a rede de 2º grau a preparar seus alunos para essas provas, a UNICAMP deu uma contribuição decisiva não só para a renovação pedagógica nos bons colégios públicos e privados mas, também, para a própria transformação dos livros didáticos (...)." [SP/SP JT 20 2]2;
— Correlação alternativa
6. "Agora tudo indica que Fernando Henrique terá condições de obter o apoio político necessário, seja porque existe uma predisposição da sociedade nesse sentido, seja porque pouca gente tem melhores condições de negociá-lo do que o novo ministro da Fazenda." [SP/SP FSP 20 2];
— Correlação consecutiva 7. "Dona ministra e sua coleção de escudeiras capricharam tanto para a coletiva que a mistura de perfumes deixou a galera mareada." [SP/SP FSP 20 2];
— Correlação comparativa 8. "Hoje eu tenho mais medo de economista do que de general." [SP/SP FSP 20 2].
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As siglas entre colchetes — que acompanham os exemplos — informam: estado e cidade; iniciais do nome do jornal; século e metade do século ao qual o texto corresponde (1ª. ou 2ª metade).
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As seguintes observações podem ser feitas sobre esses exemplos:
Em (5), tenho uma correlação aditiva, pois há soma de dois complementos nominais de contribuição: "contribuição decisiva para a renovação pedagógica nos colégios públicos e privados" e "(contribuição) para a própria transformação dos livros didáticos (...)”. Essa correlação é dada pelas expressões não só e mas também.
Já em (6), a correlação alternativa é sugerida pelas conjunções seja...seja, em que observo duas orações de estruturas iguais, paralelas, que preservam sua integridade semântica, mas que não são sintaticamente autônomas, interligando-se pelas conjunções.
Analisando (7), vê-se que a primeira oração encerra o advérbio tanto, que exige, obrigatoriamente, na segunda, a conjunção que, o que se comprova pela agramaticalidade* de (7a), em que omiti tanto3:
(7a)* "Dona ministra e sua coleção de escudeiras capricharam para a coletiva que a mistura de perfumes deixou a galera mareada."4
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Do mesmo modo, a omissão de que tornaria a oração agramatical: (3b) * “Dona ministra e sua coleção de escudeiras capricharam tanto para a coletiva a mistura de perfumes deixou a galera mareada.” 4
Provavelmente essa oração seria gramatical na fala, por conta de uma prosódia* distinta que seria possível imprimir a esse enunciado.
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Vê-se que tanto e que, conseqüentemente, estabelecem um encadeamento indissolúvel, de que deriva em (7) a noção de conseqüência.
Finalizando os comentários aos exemplos, vejo que a oração (8), em que o advérbio mais funciona como o primeiro termo da comparação, exigindo seu correlato do que, figurando este numa oração cujo sintagma verbal é normalmente omitido. A omissão do sintagma verbal na segunda oração é fato comumente aceito na análise sintática do português.
Assim, as orações (5), (6), (7) e (8) mostram um tipo de conexão feito com dois elementos, diferente da conexão por coordenação, pois não há independência sintática entre as orações, e diferente da subordinação, pois não há dependência de uma à outra.
Entendo aqui por dependência a ligação gramatical entre dois ou mais pontos diferentes em uma oração. Nos casos de dependência, a presença ou ausência de um elemento ou a forma que ele assume num determinado ponto da oração está diretamente ligadas à presença, ausência ou forma assumida por um segundo elemento, num outro ponto da oração.
Desse modo, as orações correlatas exemplificam uma relação de interdependência, isto é, a estrutura das duas orações que se correlacionam está estreitamente vinculada por expressões conectivas. No caso, as conjunções: não só...mas também, seja...seja, tanto...que e mais...do que.
A interdependência sintática tem sido destacada na literatura como o traço característico da correlação, como salientou BLANCHE BENVENISTE (1997: 100):
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"Em uma correlação, as duas partes são mutuamente dependentes : Ora ele chora, ora ele ri. Dizer uma parte sem a outra faz o efeito de um enunciado interrompido, Ora ele ri..., pode eventualmente ser utilizado como tal." (Tradução minha.)
MELO (1954: 121) tinha ido nessa mesma direção, quando descreveu a correlação comparativa: "Correlação é um processo mais complexo em que há, de certo modo, interdependência. Dá-se, neste processo, a intensificação de um dos membros da frase, intensificação que pede um termo" (de comparação).
Nesse sentido, a correlação, sempre conjuncional, é de uso relativamente freqüente quando se trata de emprestar vigor a um raciocínio, estabelecendo coesão entre orações e sintagmas, e aparece principalmente nos textos enfáticos. A correlação exerce aí um papel importante, pois concorre para que se destaquem as opiniões expressas, a defesa de posições, a busca de apoio, muito mais do que por informarem com objetividade os acontecimentos.
A seguir, vou concentrar-me nos aspectos funcionais dos pares correlativos, seguindo a classificação adotada acima.
2.1 Correlata aditiva Tomando a construção não só...mas também como o par mais prototípico*, observo que a operação de adição realiza-se da seguinte maneira, segundo o exemplo:
(9) Não só Marilda socorreu a pobre família, mas também adotou as duas órfãs. 7
A expressão não só da primeira oração é “denotativa negativa de restrição”. Assim, quando se inicia a primeira oração por não só, o falante é forçado a iniciar a segunda pela expressão mas também “denotativa de inclusão”.
Os operadores dessa ligação são o advérbio de focalização* “só” e a conjunção “mas”, essa ainda com nítido valor etimológico de inclusão. Relembro que mas deriva do advérbio latino magis, cujo valor semântico de base era estabelecer comparações de quantidades e de qualidades, identificando-se nele, ainda, valores secundários de inclusão de indivíduos/ objetos em um conjunto, conforme os exemplos:
(10) Contrataremos mais trabalhadores para a indústria. (11) Ele tem mais bugigangas do que seu pai.
Assim, no par correlativo aditivo, certas conjunções que encabeçam a segunda oração estão correlacionadas com expressões adverbiais de focalização da primeira oração. Para as correlativas aditivas, podemos ter as seguintes possibilidades de formação, catalogadas por CHEDIAK (1971), em textos de várias épocas: i)
constituído de uma única partícula na segunda parte correlacionada: não só...mas, não só...senão, não só...porém, não só...como, não só...também, não somente...mas, não somente...senão, não somente...porém, não somente...como;
ii)
constituído de duas partículas na segunda parte correlacionada: não só ...mas também, não só...mas ainda, não só...mas até, não só...senão
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também, não só...senão ainda, não só...senão que, não só...porém também, não só...porém sim, não só...que também, não somente...mas também, não somente...mas até, não somente...senão também, não somente...senão ainda, não somente...senão que, não somente...porém também, não somente...como também; iii)
constituída, por cruzamento sintático, de três partículas na segunda parte correlacionada: não só...senão que também, não somente...senão que também;
iv)
o termo intensificador interferindo no primeiro elemento da correlação: não tão somente...mas, não tão somente...mas ainda.
2.2 Correlata alternativa Basicamente, esse tipo de conexão interliga as unidades correlacionadas matizando-as de um valor alternativo, quer para exprimir a incompatibilidade dos conceitos envolvidos, quer para exprimir a equivalência deles, conforme os exemplos: (12) Quer chova, quer faça sol, irei à Ilha Bela, onde meu irmão tem uma casa de veraneio. (15) Já chora, já se ri, já se enfurece. (Camões) O quadro de opções formacionais das correlativas alternativas é reduzido. Há sempre uma única partícula compondo os elementos que se correlacionam: já...já, nem...nem, ora...ora, ou...ou, quer...quer, seja...seja. 2.3 Correlata comparativa A
comparação
correlativa
pode
manifestar-se
estabelecendo
uma
igualdade
(tanto...quanto), uma superioridade (mais...que ou do que), uma inferioridade (menos...que 9
ou do que) entre duas realidades ou conceitos. A tipologia das correlativas comparativas é rica e variada, conforme se pode atestar pelo quadro coletado por CHEDIAK, que segue mais abaixo. Nesse tipo de comparativas, encontramos basicamente duas construções: i)
Na primeira oração há intensificação* relativa de um processo (verbo), de uma qualidade (adjetivo), de uma circunstância (advérbio) ou quantificação* relativa de um elemento (substantivo); enquanto na segunda oração há apenas um segundo termo da comparação, da mesma natureza que o primeiro.
Exs.: (16) Tecnologia importa mais que capital. (AGP) Apud NEVES (2000: 898) (“Mais” intensificador de “importa”.) (17) Afinal quem é este Madruga, a voz agora menos agressiva que antes. (REP) Apud NEVES (2000: 898) (“Menos” intensificador de “agressiva”.) (18) Vós a conheceis tão bem quanto eu. (CAR-O) Apud NEVES (2000: 899) (“Tão” intensificador de “bem”.) (19) Tenho mais coragem do que muito homem safado. (AC) Apud NEVES (2000: 899) (“Mais” quantificador de “coragem”.) ii)
Na primeira oração um termo é destacado, por uma marca formal, como primeiro membro de um cotejo, enquanto a segunda oração também traz um membro destacado por meio de uma marca formal, o segundo membro do cotejo (da mesma natureza que o primeiro).
Tais construções são sempre de igualdade, implicando uma adição correlativa do tipo não só...mas também, que se soma a uma comparação.
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(20) Tanto Dozinho quanto Rodopião tinham morrido por vaidade. (ANB) Apud NEVES (2000: 899) Assim, poderíamos ter com (20a) a idéia de adição: (10a) Não só Dozinho como também Rodopião tinham morrido por vaidade Igualmente para as correlativas comparativas, temos as seguintes possibilidades de formação, também catalogadas por CHEDIAK (1971) em textos de várias épocas: i)
Os esquemas que realizam a igualdade podem apresentar-se com um só elemento em cada membro, como nestas combinações: assim...assim, assim...como, assim...desta arte, assim...desta guisa, assim...deste modo, assim...quanto,
assim...que,
como...assim,
como...desta
arte,
como...tal,
outro...como, outro...que, outro...senão, qual...assim, qual...como, qual...desta arte,
qual...eis,
qual...tal,
qual...também,
quão...tanto,
quão...tão,
quanto...melhor, quanto...tanto, tal...assim, tal...como, tal...qual, tal...tal, tamanho...como, tamanho...quamanho, tamanho...que, tanto...como, tanto...qual, tanto...quanto, tanto...quão, tanto...que, tão...como, tão...qual, tão...quanto, tão...quão, tão...que, tão...tanto, tão...tão; ii)
Ou com dois elementos no primeiro membro e um no segundo: assim como...assim, assim como...da mesma arte, assim como...tal, bem como...assim, bem como...desta arte, quanto maior...mais, quanto mais...mais, quanto mais...menos, quanto menos...mais, quanto menos...menos, tanto mais...quanto, tanto menos...quanto;
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iii)
Ou ainda, com um elemento no primeiro e dois no segundo, o esquema menos produtivo de todos: mais...quanto mais, melhor...quanto mais, qual...assim também, quanto...tanto mais;
iv)
Entretanto, também são numerosos os tipos de membros pares, que formam o paralelismo dos esquemas de comparação de igualdade: assim como...assim também, bem como...assim também, quanto maior...tanto menor, quanto mais...quanto mais, quanto mais...tanto mais, quanto mais...tanto menos, quanto mais...tanto pior, quanto melhor...tanto mais, quanto melhor...tanto pior, quanto menor...tanto maior, quanto menos...tanto mais, quanto mor...tanto menos, quanto mor...tanto mor, tanto mais...quanto menos, tanto mais...tanto menos, tanto menos...quanto menos;
v)
Para as comparativas de superioridade e de inferioridade teríamos as seguintes possibilidades: mais...de, menos...de, antes...de; mais...que, menos...que, antes...que; mais...de que, menos...de que, antes...de que; mais...do que, menos...do que, antes ...do que.
2.4 Correlata consecutiva A construção mais prototípica é tanto...que. Ex.: (21) Tanto o incentivei, que ele publicou o artigo. A segunda oração “que ele publicou o artigo” exprime a conseqüência de outro fato dado como causa; mas, a conseqüência resulta de uma ênfase referida ao fato causador. Essa ênfase é representada por meio do advérbio intensificador tanto. Esse intensificador
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constitui o primeiro termo da correlação. Sem ele, não há como prender a segunda oração à primeira. O intensificador, além disso, pode ligar-se ao verbo, como no exemplo acima, mas também a adjetivo, substantivo ou advérbio. Exs.: (22) Ele se mostrou tão carinhoso, que a todos agradou. (23) Declamou com tanta graça, que os deliciou. (24) Discursou tão bem, que a todos comoveu. Igualmente para as correlativas consecutivas, podemos ter as seguintes possibilidades de formação, também catalogadas por CHEDIAK (1971) em textos de várias épocas:
i)
A correlação consecutiva apresenta normalmente como primeiro elemento conjuntivo tanto, tão, tal, tamanho, quamanho5, assim e, como segundo a conjunção que;
ii)
Formas substantivas entram na composição do primeiro membro da consecutiva, com o elemento tal claro, antecedido de preposição: de tal arte...que, de tal feição...que, de tal sorte...que, em tal maneira...que, por tal figura...que, por tal guisa...que;
iii)
Às vezes, o advérbio tal pode ser elidido: de feição...que, de forma...que, de guisa...que, de jeito...que, de maneira...que, de modo...que, de sorte...que, por forma...que, por maneira...que, por modo...que.
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Segundo HOUAISS (2001): snt. lat. quam magnu 'quão grande'; comp. de quam 'quanto, quão, como' e de magnus,a,um 'grande; elevado; alto'; ver mag-; f.hist. sXIII quamanna, sXIV quamanho, sXIV quamanha, sXV camanhas
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2.5 Correlata proporcional Sobrepondo-se à noção de proporção, está a noção conformativa, implicando “um acordo” entre as asserções das duas orações correlacionadas. Ex.: (25) Quanto mais conhecimento o cético adquiria das filosofias, tanto mais conflitantes elas lhe iam parecendo. (CET) Apud NEVES (2000: 928) OITICICA (1952: 29) rotulou tais construções de quantitativas progressivas. 2.6 Correlata equiparativa Segundo MELO (1954), a correlação equiparativa acontece quando o segundo termo é posto à altura do primeiro, no mesmo pé de igualdade: (26) “Assim como nas matérias do sexto mandamento teologicamente não há mínimos, assim os deve não haver politicamente nas matérias do sétimo. (Vieira, Sermões, III, pág. 340) p. 127” 2.7 Correlata hipotética São construídas apenas com um elemento conjuntivo em cada membro. A tipologia resume-se apenas a “se...então”. Ex.: (27) Se não vinha da Itália, então de onde vinha? (ANA) Apud NEVES (2000: 837) Nesses casos, a natureza factual da construção condicional vem realçada por um elemento conclusivo/ resumitivo (então) que ocorre na segunda oração.
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2.8 Correlata diferençativa Esse par correlativo “senão...ao menos, ou pelo menos” apresenta o primeiro termo como mais importante mas negado, e o segundo como menos importante mas certo, indubitável. (28) A Provincia de Minas Geraes ja conta duas Folhas Periodicas, e ambas escriptas no senlido(sic) liberal. Não nos parece mal escripto o — Astro de Minas; e sabemos, que um muito estimavel, e filantropo habitante de São João d’ElRey que ja deu áquella Villa a Biblioteca, que possue, é senão o seu Redactor, ao menos seu protector. Louvores lhe sejão dados. [SP/SP FP 19 1] (29) E finalmente porque, conhecendo intimamente o laboratório do Senhor Carneiro, que, se não é o primeiro desta capital, pelo menos figura a par dos mais importantes, sei que tudo que d’ali sahe é preparado com o maior escrupulo, (...) [RJ/RJ RB 19 2]
3. Como se constroem os pares correlativos no português? Formalmente, as correlações constroem-se de duas maneiras: i) espelhadas, repetindo-se os mesmos elementos conjuncionais e ii) não-espelhadas, quando formadas por elementos conjuncionais distintos. 3.1 Correlação formada pela repetição do mesmo elemento conjuntivo: correlatas espelhadas Todas as correlatas alternativas formam-se por espelhamento: já...já, nem...nem, ora...ora, ou...ou, quer...quer, seja...seja.
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(30) O decano da imprensa paulistana tem nestes ultimos tempos tomado feição sympathica, já quanto aos assumptos da ordem publica a que aborda, já quanto ao seu desenvolvimento intellectual e material na redacção e administração. [SP/SP AP 19 2] Menos o Chefe do Batalhão, que nem é Paulistano, nem deu jamais provas, senão de sua Grosseria, ignorancia, [ilegível] da arbitrariedade, e odio ás novas instituições; que ficou aqui uma vez muito escandalizado e espantado de que se dessem Vivas á Liberdade:(...) [SP/SP FP 19 1] (31) O Senhor Bicalho até certa epocha se limitava á escrever cartas com xoradeiras aos collectores pedindo votos para seus amos ora affagando, ora ameaçando os devedores da fazenda publica; (...) [MG/OP OU 19 1] (32) Rogamos á Soares de Souza que se digne indicar quaes forão essas ameaças, pois temos certeza de jamais haver ameaçado quer à sua pessoa quer à sua entidade. [SP/SP CP 19 2] (33) Seja sua queda dada entre as mãos dos alliados, seja6 dada entre os assomos d’essa heroica loucura que se chama suicidio; ella se realisará, e o tyrano cahirá, como cahem os bravos, com a espada desembainhada! [PE/RE DP 19 2] Há também correlatas comparativas de igualdade, que se formam por espelhamento: tal...tal, qual...qual, quem...quem, tanto...tanto, assim...assim, quanto...quanto.
Essa locução conjuntiva ainda se apresenta em processo de gramaticalização (cristalização) e, às vezes, com caráter verbal marcado, flexionada. Ex.: (1) Sempre discordam de tudo, sejam as discordâncias ligeiras, sejam de peso.KURY (1997: 68) (2) Sejas tu ou seja eu, alguém tem de encontrar a solução do problema. MIRA MATEUS et alii (2003: 566) (3) Fossem amoras (ou), fossem pêssegos, a moléstia atacava tudo o que era fruto. MIRA MATEUS et alii (2003: 566) 6
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(34) (...) e encaminhar os espiritos a harmonia e concordia de que aquelles bens essencialmente dependem, tal é o designio do governo de Sua Magestade o Imperador, tal será o constante alvo de todos os meus esforços, (...). [PR/CUT DD 19 2] (35) Ali os nossos generaes, ali o marquez de Caxias, escreveram na historia patria brasileira novas paginas de immorredóro renome, onde os vindouros aprehenderão quanto vale o nome brasileiro, quanto pesa na balança universal a honra do Imperio de Santa Cruz! [PE/RE DP 19 2] (36) A agua do chafariz, assim como lhe foi arrancada, assim lhe pode, ser restituida. [SP/SP CP 19 2] 3.2 Correlação formada pela repetição de elementos conjuntivos distintos: correlatas não-espelhadas Seguindo essa classificação, as correlatas aditivas, as comparativas (salvo alguns tipos de comparativas de igualdade, como tal...tal, tão...tão, assim...assim), as consecutivas, as proporcionais, as equiparativas, as hipotéticas e as diferençativas são formadas de pares não espelhados. (37) O nosso jornal não tem só por missão tratar da politica, (...) mas tambem da educação popular, da industria, da lavoura, das artes e das lettras. [OP/MG CM 19 2] (38) (...) e concerta qualquer umbrella, vende os objectos acima mencionados por preço mais commodo do que em outra parte, os freguezes acharão uma grande differença no preço. [BA/SM A 19 1]
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(39) Temos tanto liquido de diversas naturesas que realmente a agua deve ser banida de uma vez; não deve servir| nem para a lavagem do corpo. [SP/SP CP 19/2] (40) Quanto mais conhecimento o cético adquiria das filosofias, tanto mais conflitantes elas lhe iam parecendo. (CET) Apud NEVES (2000: 928) (41) Assim como nas matérias do sexto mandamento teologicamente não há mínimos, assim os deve não haver politicamente nas matérias do sétimo. (Vieira, Sermões, III, pág. 340) p. 127 (42) Se não vinha da Itália, então de onde vinha? (ANA) Apud NEVES (2000: 837) (43) É sobre um d’estes lamentaveis factos, que pretendemos occupar algumas linhas deste jornal com a esperança de que, se não alcançarmos a extincção completa da mizeria que reina n’esta inditosa classe social, ao menos conseguiremos um lenitivo para aquelles desgraçados que abandonando a patria, a familia, para tentarem a fortuna em extranhas plagas, n’estas só encontrão a fome, as lagrimas e o desespero! [RJ/RJ CC 19 2]
4. Para saber um pouco mais sobre as construções correlativas Ainda não há muita literatura sobre as construções correlativas. Recomendaria, sobretudo, a leitura de OITICA (1952) e de MÓDOLO (2004). As análises de OITICA surpreendem pela descrição e sistematização dos fatos da linguagem, numa fase em que predominava nas análises lingüísticas o método histórico-comparativo. Ainda hoje a intuição lingüística de OITICICA surpreende o leitor, sobretudo no que diz respeito a fatos de descrição problemática e à análise de construções irregulares. Leitura saborosa, que vale a pena ser conferida.
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Com base nas conjunções correlativas estudadas neste texto, você poderia buscar nos textos de Língua falada e de Língua escrita, disponíveis neste Portal, outros tantos exemplos para descrever, comentar e aprofundar o que aqui ficou dito. 5. Glossário
Texto: Será verdade que as orações se relacionam apenas por coordenação e subordinação? (Link1) •
Dicotomia - Classificação em que se divide cada coisa ou cada proposição em duas.
•
Continuum - Série longa de elementos numa determinada seqüência, em que cada um difere minimamente do elemento subseqüente, daí resultando diferença acentuada entre os elementos iniciais e finais da seqüência.
•
Funcionalismo - Ramo da Linguística que consiste em descrever e explicar as unidades lingüísticas vistas como veiculadoras da comunicação e como produtoras de sentido, desempenhando funções na comunidade de fala, para além de suas propriedades puramente estruturais. Estudo das unidades linguísticas que leva em conta seus propósitos como atos de fala. Tendência dos estudos gramaticais em que se ultrapassa o limite da sentença, investigando os correlatos discursivos e semânticos das unidades gramaticais. Estudo das preferências, escolhas e tendências de uma língua, deixando para um segundo plano a formulação de regras formais.
Texto: Como se formam os pares correlativos no português (Link2)
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•
Constituintes - Unidade estrutural de natureza fonológica, morfológica, sintática ou semântica (respectivamente, fonema, morfema, palavra, sintagma, sentença, traço semântico) que ocorre como componente de uma construção mais ampla.
•
Sintagma - Unidade da análise sintática composta de um núcleo (um verbo, um nome, um adjetivo, um advérbio, uma preposição), uma margem esquerda (preenchida pelos Especificadores) e uma margem direita (preenchida pelos Complementizadores). A designação do sintagma dependerá da classe da palavra que preenche seu núcleo, havendo assim - sintagma nominal (o núcleo é um substantivo), como em [o filho do vizinho] - sintagma verbal (o núcleo é um verbo), como em [devorou a sobremesa] - sintagma adjetival (o núcleo é um adjetivo), como em [deliciosa] - sintagma adverbial (o núcleo é um advérbio), como em [muito depressa] - sintagma preposicional (o núcleo é uma preposição), como em [do vizinho]. Um sintagma é portanto um somatório de constituintes, cada qual ocupando um lugar previsível em sua estrutura. A sentença é um somatório de sintagmas, como se pode ver em O filho do vizinho devorou a sobremesa deliciosa muito depressa. Devido à propriedade da recorrência*, a sílaba, o sintagma, a sentença e a unidade discursiva têm todos o mesmo arranjo estrutural, assim representável: unidades linguísticas Margem Esquerda + Núcleo + Margem Direita.
Texto: Correlata alternativa (Link4) •
Agramaticalidade - Construção que não foi formada de acordo com princípios e regras de uma determinada gramática, como em *não eu meu hotel sei fica onde. Não se confunde com ininteligível: uma sentença pode ser inteligível apesar de agramatical, como, p.ex., eu não saber onde ficar meu hotel.
Texto: Correlata aditiva (Link3)
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•
Prototípico (não consta, seria 'protótipo'?)
•
Focalização - Destaque que se dá a algum elemento da sentença ou do enunciado, por apresentar a informação nova mais importante.
Texto: Correlata comparativa (Link5) •
Intensificação - Processo para tornar mais forte, mais intenso um processo (verbo), uma qualidade (adjetivo) ou uma circunstância (advérbio), por meio de classes próprias, coletivamente denominadas intensificadores.
•
Quantificação - Processo que se utiliza de um quantificador (símbolo lógico correspondente a vocábulos como todos, muitos, poucos, alguns etc.) com o objetivo de determinar a generalidade ou extensão quantitativa de um sujeito e / ou predicado em uma proposição (p. ex., muitos homens estavam em poucas salas).
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