Corpus Internacional da Língua Portuguesa 1. Modalidade: língua escrita 2. Tipo de texto: Administração Pública. Representação. CILP1PMRERJ 3. Assunto: Representação de dois professores régios do Rio de Janeiro dirigida à rainha D. Maria I, em 28 de março de 1793, que analisa o fracasso das aulas públicas instituídas pelas Leis Pombalinas. Observação: Destaque-se não só o valor da matéria tratada para a história do ensino público colonial, como também o fato de as variantes gráficas desse documento, em função do papel social de seus autores, poderem estar representando, àquela altura, um modelo de escrita erudita, ou seja, uma dentre outras ortografias do século XVIII 4. Autor: João Marques Pinto / Manoel Ignácio da Silva Alvarenga 5. Qualificação do autor: Homens / Professores / João Marques Pinto era português / Manoel Ignácio da Silva Alvarenga era brasileiro, natural de Minas Gerais / Origem humilde / Advogado / Professor de Retórica / Filho do músico Inácio da Silva e de mulher negra / Estuda Humanidades no Rio de Janeiro e na Universidade de Coimbra / Membro de um círculo de intelectuais acusado de conspiração / Preso por dois anos 6. Data do documento: 28 de março de 1793 7. Local de origem do documento / Dados de imprenta: Rio de Janeiro - Brasil 8. Local de depósito do documento: Arquivo Público: Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa – documentação avulsa – Rio: caixa no 153/29. 9. Editor do documento: BARBOSA, Afranio Gonçalves. Para uma História do Português Colonial: aspectos lingüísticos em cartas de comércio. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 1999. 484 fl. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa, pág. 283-290. (distribuída por afraniogb@letras.ufrj.br) 10. Data de inserção no CILP: 30 de julho de 2005 11. Número de palavras: 1.948
Senhora.
Nós os Professores Re= gios de -Umanidades do Rio de Janeiro abaixo 1 asinados nam podendo ver sem mágua a deca= dencia, e desprezo em que se áxam estes Estudos, 1
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Esse texto apresenta a peculiaridade do uso aleatório de um traço discreto separando algumas palavras.
pomos na -Real Prezensa de Vosa Mages= tade , como é nosa obrigasam, as cauzas deste e= feito, o -que já temos executado por mais vezes, pa ra quevosa Magestade, que tanto se im= penha em -promover as -Letras para fazer os -se= us póvos felizes, se -digne dar as -providencias convenientes para o -fazer sesar, já que as -nosas deligencias nam sam capazes de venser, e -destruir as cauzas que o produzem. É serto que comesando a -descair os -Estu= dos de -Umanidades na -Universidade de -Coimbra des= de o -âno de 1555, que entam floresiam com gran= de-
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[Segunda página] de credito daNasam Portugueza no Real Co= legio das -Artes daquela Universidade, até final= mente de tôdo se -perderem; foi servido o -Augusti= simo Senhor Rei Dom Joze desaudoza memo= ria restaurálos gloriozamente, creando pela Lei deseis deNovembro de-1772 Escolas deRetórica, Filosofia, e -Lingua Grega em tôdas as -cabesas de-Comarca, tanto do Reino como das -Colonias, e estabelecendo um sábio Plano para regular o= seu insino a -fim de - as - fazer floreser, para tirar da infeliz ignorancia a -sua Nasam, e -elevála ámes= ma prosperidade em -que se -axam os -póvos aonde éstas, e -outras Siencias mais floresem. Po= rem estes tam sabios projetos infelismente se= nam realizáram até oprezente nesta Cidade, a= xando-se néla a-ignorancia ainda no=mesmo es= tado que d’antes, e quazi dezertas de - Estudan= 2 tes as - nosas Aulas de Filozofia, Retorica, eLin= gua Grega, e - isto pelas cauzas seguintes. Primeira. Por - ter o Reverendisimo Bis= po deste Bispado Retorica eFilozofia, alem daGramatica Latina, no seu Seminario da Mitra, asquais ali ensina aparentemente um Religiôzo deSanto Antonio, nam a-Alunos, efilhos doSe= 2
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Não há espaço entre o <d> e o apóstrofo na escrita do original. O intervalo aqui e alhures encontrado vem por formatação do editor de texto utilizado.
minario, porque nam os-tem, mas aos-ordinandos de fora, que aquele Prelado obriga a-tôdos geral= mente, sem exsetuar nem ainda os-mesmos na= tu
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[Terceira página] turais desta Cidade, a recolherem-se a-êle em-qualida= de de Porsionistas, ou em algum de-outros dois Cole= 3 gio que aqui á tambem sujeitos á sua administra= 4 sam, para estudarem alguns Tratados de - Moral, quando estam proximos a - Ordenarem-se. Mas como o-intento destes inumeraveis Ordinandos, nam é outro neste Seminario se-nam o=reseberem asOrdens com-tôda a-brevidade, para sairem logo dele, em-ordem a-irem ganhar asua vida, e-evitarem as-grandes despezas feitas com a -asistencia nele reputadas por-desnesesarias, tanto por aver fora 5 dele as - Escolas de Vosa Magestade, aonde somente se- insinam aquelas segundo as - suas Regias Ordens, como por-inumeraveis dos- mesmo[s] Ordinandos terem nesta Cidade Pais, eParentes em cujas cazas asistindo podem frequentálas. com - progresos, evitando ao=mesmo tempo o-gra= vame d’aquela superflua despeza, aproveitandose segundo as-sabias e-beneficas intensoens deVo= sa Magestade das Aulas que Vosa Ma= gestade lhe - fornese esustenta para sua instru= sam, somente pela comoda Coleta que pagam para o subsidio Literario. Enam sendo o -estudo de-cada uma das-ditas faculdades feito no mesmo Seminario, nem pelo espaso de um ano,nem pe= los bons Livros, e -conforme oSabio metodo prescrito por vosa magestade , e observado exatamente em nosas Aulas, é claro que á de-ser perfuntorio, esem proveito, como confirma a-experiencia conser= van-
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Porcionista, segundo Moraes, era: Aluno ou aluna que num estabelecimento educativo paga a sua educação ou sustento. MORAES (1955), p. 515. 4 Note-se a falta de grafação do <s> representando a concordância de plural no vocábulo colegio. 5 O grafema <s>, que representa a marcação de plural no vocábulo desnesesarias, foi incluso, com outra caligrafia, cobrindo o traço alongado do <a> em final de palavra e por sobre a vírgula subseqüente.
[Quarta página] vandose asim o numerozo clero deste Bispado nastrevas da-igonrancia no-meio dos Estudos eEscolas deVosa Magestade, que gloriozamente conserva, e protege para o fim contrario, e isto por= nam serem obrigados por - Ordem Regia a. versalas.
Segunda. Por serem izentados de segui= rem as-mesmas faculdades aqueles que se -apli= cam à Sirugia e Farmacia, a-quem, porserem partes da -Medicina, elas sam tam nesesarias como aesta, a-qual nam admite noseu gremio em Coimbra por Ordem deVosa Mages = tade , quem as-ignora.
Terseira. Por-nam serem obrigados aestudar aquelas. os -que asentam Prasa de Ca= detes, aos -quaes porque sertamente am de - ocu= par os -Postos Militares, sam muito uteis, porser serto que as-emprezas da-guerra se ven= sem mais pela forsa da Sabedoria, deque pe= la das - Armas, as-quais quando nam sam guiadas pelas luzes desta, mais depresa arru= inam doque salvam a Patria, e que eses sele= bres Generais da - antiguidade, e do-tempo pre= zente, foram, esam igualmente Filózofos, eO= radores, que Guerreiros.
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Quarta. Pelos Relegiózos desta Ci= dade quando abrem os -seus Estudos, nam só ad-
[Quinta página] admitirem, mas mesmo arrancarem industriozamente, esem contemplasam alguma a termos a-onra de-ser=
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mos creaturas deVosa Magestade,os nosos 6 disipulos das -nosas Aulas para as-suas ingerindose no-ensino publico da mocidade contra a Lei de28 de Junho de 1759 § 11, e a -sobredita de - 6 de = Novembro de 1772 § 8, como praticaram os-deSanto Antonio no - ano de 1786, e antes destes osde Sam Bento, e isto para lhes ensinarem á fa= ce das -bem depuradas, e-dirigidas Escolas de Vo= sa Magestade a sua Filozofia Peripatetica, á tanto tempo proscrita com - grande gloria pelas sa= bias Leis deVosa Magestade como prejudi= cial á Republica, sem eles saberem ainda sufici= entemente a - Lingua Latina, nem os- outros Estu= dos que entam aprendiam, seguindo-se destes ex= sesos a perturbasam das nosas Cláses, e continuar a reinar contra os - Decretos deVosa Mages= tade , aquela proscrita Filozofia, nam se podendo nunca estabeleser nem espalhar pela Nasam a-Solida que Vosa Magestade manda en= sinar por nós nas-suas Escolas, nem plantar-se entre os-seus povos a -uniformidade de Doutri= nas, nem a de-Pensar; sendo alem disto indubi= tavel o nam poderem ser educados, e formados nos - Claustros por - aqueles que profesam o-despre= zo dos-objetos temporais, Cidadaons aptos para viverem na - Sociedade Civil, manejarem nego= cios politicos, e promeverem a - felesidade publica; e
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[Sexta página] e- que eles escolhem, e - aliciam aqueles que conhesem pela experiensia que sam de-milhor talento, para profesarem as- sua Ordens, deixando para servi= rem a Vosa Magestade , e á Republica com grande infelicidade eruina dos-póvos, os-inéptos.
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Observe-se aqui a articulação entre o tempo presente e o passado à escritura desse documento. No passado estão as práticas nos colégios religiosos (linhas 110 - 112). No presente, os religiosos arrancam os alunos dos professores queixosos, indo contra leis já editadas (linhas 109 - 111) sem que tais alunos soubessem suficientemente a Língua Latina e os outros Estudos que então aprendiam, ou seja, as disciplinas que esses mesmos professores ensinavam: grego, retórica e filosofia.
Quinta. Pelos Vice-Reys deste Estado fazerem fugir e dezertar os- Estudantes das - nosas Aulas para o-sobredito Seminario, e Colegios quando fazem reclutas ou para a Tropa, ou para os- Tersos auxiliares, nos-quais continuam a-estudar livres dominimo receio de serem reclutados; porque os - mes= mos Vice-Reis depois de-estes a-eles se-acolhe= rem, os- nam procuram mais em-considerasam ao Reverendisimo Bispo, que os-administra, izen= sam eprivilegio de que os-nam deixam gozar emquanto frequentam as-Aulas de Vosa Ma=
gestade. Sexta. Por -se - esforsarem os -Eclezias= ticos seculares, eRegulares desta Cidade, em disu= adir, e -desviar a-mocidade de-estudar as - referidas faculdades, animandose a-dezacreditalas de-inuteis, espalhando com- falta desinseridade pelo povo que jura segamente nas-suas palavras, que aLingua Grega, Retotica, e Filosofia de Vosa Magestade as -reputa nos- imortais Estatu= tos
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[Sétima página] tos da - Universidade de- Coimbra sam indispensa= veis para se- saber perfeitamente a- Teologia, e pa ra se -exersitar, epreenxer com louvor e fruto osSagrados deveres do Sacerdocio, que ordena por ê= les, que ninguem seja admitido a-estudar n’aque= la esta Sagrada Siensia, sem estar primeiro pre= parando com o - conhecimento delas; artificio esu= gestoens perniciozas aquelas que tem por - objeto en= treter, e conservar a - Nasam na -infelis ignorancia a fim de nam descairem do- grande imperio que ela lhe - tem dado sobre aquela.
Setima, e-ultima. Por - nam se - contentarem os - mesmos Ecleziasticos com dezacreditarem de-inuteis os-Estudos de Vosa Magestade , mas recorrerem ainda ao-criminozo estratagema de de-
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zacreditarem igualmente a nós mesmos, infamando-nos de Libertinos e -Eréges, com o- intento de fa= zer fugir inteiramente a-mocidade de -estudar com-nosco os -mensionados estudos, para nam poderem com-eles iluminar oseu entendimento, o -que praticam por-cauza da-emulasam eran= cor de-que sam animados por-verem que se intregaase com a mais sabia Politica, a Profe= sores Seculares o-ensino publico da mocida= de, de-que estávam Senhores, e-que facáram privados de-um dos-grandes meios de-ganharem influencia, e puder sobre os-povos; e-que tambem nós ilustrados, e-guiados pelas Sabi= as-
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as Leisde Vosa Magestade reprovamos a sua frivola Filozofia Peripatetica, os -abuzos que fazem doseu alto poder, e-Ministerio, as-suas erroneas opinioens, e-doutrinas ultramontanas, e o-fanatismo por-eles sustentados, efeitos crer ao povo necio como Dogmas de Fé, com os-quais escusados se-abalansam a-abater, eprofanar impunemente, como acontese quotidianamente oSa= grado da-Autoridade Real dos Soberanos, enegar a-obediencia esugeisam devida ás suas Leis com grave ofensa da -sua Soberania, escandalo dos- bons, e-obedientes vasalos, eruina do sosego publico, epor-iso ja rigorozamente extintos, eba= nidos pelas providentes Leis deVosa Ma= gestade, estratagema aquele seu favorito deque lansam mam contra tôdos, sem perdo= ar aos-mesmos ilustrados, epios Monarcas, logo que conhesem, que eles reprovam e-corri= gem asua ruinoza relaxasam, e-abuzos;ecomque tem arruinado, nam só o-credito, mas tambem a-fazenda evida de-ómens de-um insigne meresimento, como n’outro tempo pra= ticáram os - Jesuitas, os -quais depois de-esta= belesidos em-Coimbra, e-encarregados do-en= sino dos-Estudos do- Colegio das-Artes d’a=
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quela Universidade, observando que alguns dos-seus doutos Professores conheciam pelas suas Luzes, e-creminavam oseu danozo sis= tema, os-infamavam de - Eréges, efizeram perder com-falsas acuzasoens peloSanto Of
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Oficio, como nos-diz a-imortal Dedusam Cro= nologica e -Analitica. Éstas sam, Senhora, as-cauzas que nós, que ansiozamente dezejamos o-adianta= mento dos-sobreditos estudos, asim como de-tu= do omais que contribue para a prosperidade danosa Patria, que dezejamos ver competir com os- Imperios mais poderozos,eflorentes do Mundo, e que tendo a-onra de-sermos creatu= ras de Vosa Magestade nada mais apetesemos do-que areputasam, e-gloria doseu Augusto nome, temos conhecido que obstam pa= ra nam se-puderem difundirem aqui as-Luzes d’aqueles, nem serem frequentadas as-suas Es= colas Regias pela numerozisima mosidade, que nesta Cidade se-aplica a-estudar a-Lin= gua Latina para empregarse prinsipalmen= te na-vida Eclesiastica, as-quais o-nóso Mi= nisterio nos-obriga a-reprezentar a Vosa Magestade, para que seja servida de= treminar o que julgar util, enesesario pa= ra tirar os-mesmos Etudos desta decaden= cia, e -aniquilamento, e anós mesmos nam só do-oprobrio, e-infamia de- Eréges, debai= xo de que gememos nomeio de-um povo supersticiozo, por-competir a Vosa Ma= gestade defender areputasam e-onra dos-seus vasalos, emormente dos-que estam [Décima página]
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tam empregados noseu Real Serviso, do-mes= mo modo que afazenda evida, quenós pospo= mos aquelas; mas tãobem da -indigencia em-que vivemos e-abatimento, aumentando-nos os-nosos ordenados, que consistem os-dos-Profesores de-Gramatica Latina em -quatro sentos mil re= is, os-dos de- Retorica, eda Lingua Grega emquatro sentos e quarenta mil reis, e-em qua= tro sentos esesenta dosde-Filozofia, os-quais nam sam suficientes para podermos pa= sar com a-desencia devida ao-autorizado Lu= gar que ocupamos nesta Cidade, a-Corte daAmerica Portugueza, de-tanto luxo, e-cares= tia de-tudo o-nesesario para a-conservasam, e-uzo da - vida, de-cazas, servos, e-artefatos, Livros, eviveres ainda do -paíz, cauzada pelo 7 felís aumento da-povoasam, epela fa= cil epronta exportasam dos-seus generos para ese Reino, em-atensam à qual osMagistrados, que aqui e em-tôdo o-Ultra= mar servem aVosa Magestade, vensem ordenados muito mais avultados, doque aqueles que nesa Corte servem osidenticos empregos, emuito menos para comprar-mos os-livros deque continuamen= te presizamos, para nos-instruirmos cada vez mais, afim de-irmos servin= do de melhor amelhor a Vosa Magestade na instrusam dosse
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[Décima primeira página] seus povos, visto ter o-Subsidio Literario des= ta Capitania, um rendimento que exsede muito à despeza que se-fás com os- Profeso= res d’ela. Rio de Janeiro 28 de Mar = so de 1793.
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Há uma correção do autor no vocábulo paíz: o <z> está sobrescrito a um <s> prévio.
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ProfeSor de Grego Joรฃo Marques Pinto O Professor deRhetorica Manoel Ignรกcio daSilva Alvarenga
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