CONVERSAÇÃO / Transcrição homem 23 anos escolaridade fundamental bahia

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Corpus Internacional da Língua Portuguesa 1. Modalidade: Língua falada 2. Tipo de texto: Conversação natural, assimétrica, tematicamente orientada. Código: CILP2BCPP18 3. Assunto: Transcrição de entrevista oral do tipo Documentador e Informante sobre diversos temas, incluindo infância, família, educação, trabalho, esporte 4. Autor: Anônimo 5. Qualificação do autor: Homem / 23 anos / Escolaridade fundamental 6. Data do documento: 17 de novembro de 1999 7. Local de origem do documento / Dados de imprenta: Salvador, Bahia - Brasil 8. Local de depósito do documento: Arquivo Privado: Programa de Estudos do Português Popular de Salvador – PEPP - Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

9. Editor do documento: LOPES, Norma da Silva (Universidade do Estado da Bahia); SOUZA, Constância Maria Borges de (Universidade do Estado da Bahia); SOUZA, Emília Helena Portella Monteiro de (Universidade Federal da Bahia). Orientadora: Myrian Barbosa da Silva (Universidade Federal da Bahia) 10. Data de inserção no CILP: outubro de 2005 11. Número de palavras: 5.871


PROGRAMA DE ESTUDOS DO PORTUGUÊS POPULAR DE SALVADOR – PEPP INQ Nº 18 – Homem – idade: 23 anos – Escolaridade: Primário DOCUMENTADOR: Emília Helena DATA: 17/11/1999 TRANSCRIÇÃO: Alessandra Fontoura 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35

DOC : Eh, eu gostaria de saber de você como foi a sua infância, se você foi muito pintão, o que é que você fazia? 18: Eh, eu fui muito pintão, inclusive perturbava muito as pessoas, os, os velhos, perturbava mesmo. DOC : É? 18: E... DOC : Como você perturbava os velhos como? 18: Dava pedrada, cacetada, já fui preso por causa de queixa na polícia, juizado de menor, meu pai já me soltou já, essas coisas de criança. DOC : Sim, mas você tinha quantos anos quando você se comportava desse jeito? 18: Tinha sete, oito anos, até uns quinze foi isso aí. DOC : E porque logo com os velhos? 18: É que os são os mais chatos. DOC : Tinha alguém dentro de casa que se comportava assim com você? 18: Tinha sim. DOC : Que fosse velho? 18: Só a minha tia L... que morreu. DOC : Sim, aí como é que ela fazia com você? Ficava pegando no meu pé, de noite roncava, eu botava sal na boca dela, essas 18: coisas de criança, essas maluquices. DOC : E você, você era sozinho ou tinha outro irmão? 18: Não, eu sou, de irmão homem só, só tem eu. DOC : São quantas meninas? 18: Quatro. DOC : São quatro, e aí você... E elas pintavam também como você? 18: Não, não, ninguém é igual a mim não. DOC : E você começou a melhorar depois de quando? 18: Depois eu comecei a apanhar muito da minha mãe aí foi melhorando, quem não, quem não me batia era meu pai, nunca me bateu. DOC : Sim, mas o que é que ele achava das coisas que você fazia? 18: Disse que era coisa de criança, coisa de menino. DOC : Passava a mão sempre... 18: Era. DOC : Na cabeça. 18: Pela cabeça, minha mãe não, minha mãe é do interior, é porrada pra dentro.


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DOC : Hum, sim mas conte algum, alguma coisa que assim, que você se lembre que você aprontou quando você era, eh, pequeno. 18: Quando eu era pequeno? DOC : Sim, nessa fase. 18: Vou contar sobre a, uma escrivã que tem lá, ainda mora lá em Nazaré, o sobrinho dela meteu um osso no filho dela, eu estava sentado no muro ela disse que foi eu, eu disse que não foi, aí ela veio e me deu uma tapa na perna, aí eu saí dando murro nela, aí quebrou o dente, furou as vistas dela, que ela estava de óculos, aí eu fui parar no juizado de menor durante uma semana. DOC : E você tinha quantos anos? 18: Tinha treze, doze, treze anos. DOC : Doze, treze anos, certo, e o que foi que, como a sua mãe se comportou? 18: Minha mãe não foi lá não, quem foi foi meu pai. DOC : Sim, e ele deu algum castigo? 18: Não, a mim não, ele foi lá com o advogado falou com a delegada lá e me soltaram, mas soltaram depois de uma semana. DOC : E, e lá durante esse período que você passou? 18: Tomei uns bolinhos. DOC : E ficou arrependido depois? 18: Eu não, queria pegar ela de novo pra bater. DOC : E você a, ainda hoje se encontra com ela? Já... 18: Encontro mas a raiva já passou já, agora a gente é amigo, eu acho. DOC : Vocês são amigos. 18: Eu acho né. DOC : Sim, e você nessa época você estudava? 18: Estudava. DOC : E como era você na escola? 18: Pior do que em casa, porque eu me juntava com os amigos aí era, era pior né. DOC : Sim, mas conte alguma coisa assim de professora sua. 18: Professor, vou contar do professor que... DOC : Sim. 18: Que eu bati que eu fui expulso, eh, eu não fiz o dever de casa aí quando chegou na escola ele começou a me xingar, depois puxou a minha orelha, ele puxou a minha orelha eu dei um murro nele, aí me levaram pra diretoria e eu fui expulso. DOC : Isso você estava em que série? 18: Isso eu estava na, na, na terceira série. DOC : Na terceira série. 18: Na terceira ou quarta série, mas ou menos isso. DOC : E depois você não foi pra outra escola não? 18: Não. DOC : Aí você deixou de estudar? 18: Não, eu fui pra outra escola, agora depois dessa outra escola eu parei de estudar, que eu continuei, que eu fui expulso no Rui Barbosa e depois eu fui pro Azevedo Fernandes, lá no Pelourinho, estudar no Pelourinho.


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DOC : 18: DOC : 18: DOC : 18:

E você gostava de lá? Do Rui Barbosa gostava, mas do Azevedo não. Qual a diferença do, dos colégios? A diferença? Hum. Que no Rui Barbosa tinha menino pintão e no, no Azevedo, que era no Pelourinho, quando tinha o antigo Maciel era muita briga, tomava escarrerão, eu mesmo já cansei de descer a ladeira do Pelourinho escarrerado, os pessoal com faca atrás de mim. DOC : Da, da, da própria escola? 18: Da própria escola, que a gente brigava lá dentro aí na saída eles, como eles moravam lá no Centro, eles estavam mais perto de casa, aí qualquer coisa a arma, aí a gente tinha que sair escarrerado, e no Rui Barbosa não, o Rui Barbosa era lá em Nazaré, até hoje ainda existe o Rui Barbosa, aí eu estava mais próximo de casa a vantagem era minha. DOC : Hum, e você se lembra de, de alguma coisa mais de sua professora, quer dizer de alguma professora que tenha marcado você, teve esse professor, e... 18: Teve uma professora também chamada B..., mas ali eu só fui só suspenso só, foi também ela puxou a minha orelha também e eu puxei a blusa dela, lascou a blusa, ela ficou com os peitos na rua, aí eu fui suspenso, não fui expulso mas fui suspenso por uma semana. DOC : E depois como foi que ela lhe tratou? 18: Normal, ela tratava normal, eu achava né que ela estava tratando normal não sei ela. DOC : E seus colegas? 18: Meus colegas? DOC : Hum. 18: Meus colegas achou que foi exagero meu, que ela puxou a minha orelha, minha orelha ficou quente, eu tenho sangue quente também, aí quando sobe assim pra cabeça eu fico meio, meio tonto, sei lá como é que eu fico. DOC : E aí você reagiu desse jeito. 18: É, sempre, sempre eu reajo desse jeito ainda né. DOC : Ainda? 18: Ainda, mas mais assim em briga de rua, esses negócios. DOC : Você é chegado a briga de rua é? 18: Eu sou. DOC : Ainda? 18: Ainda, eu não consigo me controlar muito não, se eu ver muita liberdade eu fico meio que com a cabeça quente, aí eu tenho que partir logo pra briga. DOC : Mas não é bom não né? 18: É bom que as vezes a gente testa força, e as vezes é ruim porque a gente leva desvantagem quando a gente apanha. DOC : É, mas você hoje tem uma responsabilidade porque você tem um filho né? 18: É, isso aí é, aí tem que pensar duas vezes né antes de fazer as coisa.


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DOC : Com certeza, que ele depende de você não é isso? E me diga uma coisa, e você gostava de estudar o que? Voltando a sua infância. 18: O que eu gostava de estudar? DOC : Sim. 18: Eu gostava de estudar história, geografia, menos matemática, eu gostava de português. DOC : Gostava? 18: Gostava, português eu gosto muito. DOC : Hum, e você lia muito? 18: Lia, ainda leio também, quando tenho um tempinho eu pego um jornal aí em baixo, uma revista e fico lendo. DOC : Ótimo, e depois que você saiu dessa escola você foi pra o Azevedo Fernandes. 18: Azevedo. DOC : E lá você fez que curso? 18: Lá? DOC : Hum. 18: Eu fiz a, a quinta série, já estava quase passado, mas aí depois eu tive que abandonar a escola por causa de trabalho. DOC : E aí fale um pouco sobre o seu trabalho. Você começou a trabalhar desde quando? 18: Eu comecei a trabalhar com o meu pai na estiva de office boy, office boy dos amigos dele né, que eu ia receber contra cheque e depois eu ia pro banco descontar pra trazer o dinheiro, depois trabalhei na, no Petipreço, aqui da Boca do Rio, depois trabalhei numa loja na Baixa de Sapateiros, Lá e Cá Modas, de vendedor, e agora eu estou aqui no condomínio São Bernardo. DOC : Eu sei, e desses o que foi que você mais gostou de fazer? 18: Desses, desses que eu já trabalhei? DOC : Hum. 18: O que eu mais gostei foi trabalhar com o meu pai, porque eu trabalhava junto com ele aí eu me sentia melhor. DOC : Você se sentia melhor. E hoje o seu pai continua fazendo a mesma coisa. 18: Não, não, meu pai se aposentou depois faleceu, tem dois anos de falecido, fez agora no dia seis de novembro. DOC : Hum, só a sua mãe... 18: Só a minha mãe. DOC : Sim, aí nessa época que você estava trabalhando você deixou de estudar. 18: Deixei. DOC : Conte alguma coisa eh, que você se lembra desses primeiros empregos, primeiro emprego seu tem alguma coisa que você gostaria de contar? 18: Gostaria de contar? DOC : Hum. 18: Não, não, não tenho não. DOC : Você sempre gostou de trabalhar o ..? 18: É, sempre gostei, pra eu ter o que é meu né.


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DOC : Importante. 18: Não depender da minha mãe, que eu só tenho ela agora. DOC : E seus amigos como foram, eh, e seus amigos de, de, de infância são os mesmos de hoje? 18: Não, meus amigos de infância sumiram, foram pra São Paulo, eu só tenho dois amigos aqui que é pouco tempo, seis anos pra cá, sete, eh, A ... e B..., todos os dois trabalha, um trabalha na livraria, e o outro trabalha ne estação da Carmo. DOC : Hum, são boas pessoas? 18: São boas pessoas, é o que sai com a gente, sai comigo direto, pra pagode essas coisas. DOC : Hum, e, e esses eh, e na época da, da adolescência você tem alguma coisa pra você contar sobre os amigos e os companheiros com quem você andava? 18: Só tem só um que andava pelo caminho errado, e era novo também assim igual a mim, mas mais novo porque a gente naquela época tinha treze, catorze anos e ele andava por um caminho errado, e eu era errado também porque eu andava brigando, e ele errado porque andava usando tóxico, aí sempre, sempre a gente sentava assim pra debater, dar uns conselhos a ele, mesmo a gente não sabendo muita coisa mas a gente dava uns conselhos a ele pra ele sair dessa vida de droga e ele não saiu, Deus levou ele, está até hoje a gente sentindo muita falta dele. DOC : Hum, eu sei, o, o que é que você acha assim do, do comportamento de hoje dos jovens, o que é que você pensa? 18: Acho que o comportamento da, dos jovens está muito pesado, muita briga, muito tóxico, muitas drogas, aí a maioria está tudo se envolvendo com isso, muita gente, muita menina nova grávida, aí o ambiente está pesado e muito. DOC : Você tem percebido isso não é? 18: Tenho sim, de vez em quando eu vejo jornal aí, as notícias, é jovem matando jovem, hoje mesmo eu estava lendo o jornal aí eu vi jovem no pagode aqui na Boca do Rio que matou o, o colega a facadas só por causa de uma garota, aí eu estou vendo que o clima está pesado. DOC : Hum, e, e esse pagode, o, os que você gosta, você diz que gosta de, de pagode? 18: Mas o pagode que eu vou é, não é igual a esses que acontece em rua, em show público, o meu, o que eu vou é tem mais segurança porque é pago, aí eu me sinto mais seguro, não é muito seguro mais é melhor do que de graça, nada de graça presta. DOC : Certo, e já aconteceu alguma coisa assim que você tenha presenciado? 18: De briga? Comigo já, comigo e esses dois que vai sempre comigo. Um foi na casa de Itália, e o outro foi lá no Pelourinho de Nazaré, num ensaio do Harmonia do Samba. DOC : Hum, sim o que foi que aconteceu? 18: Foi que o segurança achou que a gente estava procurando briga, aí eu, não foi eu que estava procurando, foi meus colegas que eles dizem que estava procurando, aí eu tive que me meter, aí foi paulada, garrafada, chute, aí botaram a gente pra fora, chegou cá fora a gente ficou esperando o pessoal sair, aí quando saiu como a gente mora em Nazaré a gente aí tirou os paus de, da barraca de capeta e começou dar de


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ferro nos outros, pauladas, depois chamaram a polícia a gente ainda estava no local ainda, chamaram a polícia a gente aí teve que partir pra casa, correr. DOC : Hum, sim mas porque é que vocês resolveram ainda brigar? 18: É porque a gente levou desvantagem lá dentro por causa do segurança e segundo por que não foi a gente que estava procurando briga né, assim dizem os meus colegas né porque eu não vi. DOC : Mas, mas fica perigoso assim né? 18: É, perigoso fica porque a gente fica visado também. DOC : É. 18: Até por, pelos pessoal que a gente brigou mesmo, a gente pode ir pra outro lugar eles tá lá e querer pegar a gente. DOC : É verdade, e, e num, num caso como esse, quer dizer num pagode alguém eh, procura briga ou briga eh de uma forma vamos dizer acontece? Como é que as coisas acontecem? 18: As vezes as, o pessoal briga porque gosta e as vezes é porque acontece, tem uns mesmo que vão pro pagode ficam bêbado ou drogado e aí já vai pra, procurar briga com os outros, tem gente que tem um temperamento muito alto não agüenta aí começa, aí começando uma briga, aí vem várias. DOC : Hum, verdade, e, e aqui em Salvador como é que você está achando assim essa, a questão da violência? 18: A violência aqui está muita mas é escondida, só sai mais a, nos jornais só sai mais a violência do Rio, de São Paulo e Minas Gerais esses lugares mas da Bahia é escondida né, mas a violência aqui da brava. DOC : Tá muito grande né? 18: Está muito pesada, é está grande. DOC : Venha cá, e voltando ainda pra, pra o seu tempo de criança, que você falou que você brigava muito né, tinha também os problemas, mas em, em termos das brincadeiras? 18: Ah, tinha muita brincadeira boa, garrafão, chuta lata... DOC : Sim, me explique, conte, conte como eram elas. 18: Garrafão era a brincadeira parecendo uns quadrados que a gente colocava no chão, a gente jogava parecia uma casca de banana e saia pulando, quem errasse aí passava numa, num cordão, cordão polonês, o pessoal com uma, com uma camisa, amarrada e cheia de areia dentro, aí quem errasse passava no corredor polonês de mais de trinta e saia apanhando na cabeça, aí era divertido, as vezes a gente apanhava e chorava e outras vezes não, porque tem uns que são malvados que bate com, bate forte, tinha outra brincadeira também, chutar lata, jogar gude, mas a melhor brincadeira também mesmo era empinar arraia, que até hoje eu empino né. DOC : Você gosta né? 18: Gosto sim, gosto muito, empinar arraia eu não perco não. DOC : E vo, e você brincava onde? 18: Lá eu brincava na escola Rui Barbosa, e a diretora deixava de vez em quando aí a gente armava tudo lá dentro do colégio, fazia a bagunça da gente depois a gente limpava e ia embora pra casa, mas era divertido. DOC : E na rua onde você morava?


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Na rua não porque na rua é pequena, ainda até hoje ainda é pequena ainda, passa muito carro, aí não tinha muito espaço pra gente brincar, aí o jeito mesmo era o Rui Barbosa. DOC : Quer dizer a, a escola era o espaço. 18: Era o espaço da gente. DOC : É, tanto da, do estudo quanto das... 18: É, das brincadeiras. DOC : Das brincadeiras. 18: Mas agora até que acabou também o Rui Barbosa, acabou a parte da, do recreio que a gente brincava acabou, agora é, é entrada e saída dos alunos, fizeram tipo um ginásio... DOC : Ah, tiraram o pátio foi? 18: É, tiraram, aí fizeram um ginásio, aí a única escola que tem é a Adventista, mas pra gente fazer alguma atividade lá a gente tem que pagar. DOC : Hum, e, e você ainda gosta de, de, de, e você, e você ainda gosta de, de ir pra lá? 18: Pra onde? DOC : Pra escola, porque você disse que pra Adventista se for tem pagar. 18: É, tem que pagar, aí a gente de vez em quando a gente arruma um babinha lá, aí cada um dá dois reais, aí junta quarenta reais, aí a gente paga uma hora e meia, uma hora, aí a gente joga, depois é pegar a bola e cair pra casa pra tomar o nosso banho. DOC : Hum, isso você sempre faz é? 18: É uma vez por mês quando a gente tem um dinheiro sobrando né, que nunca a gente tem. DOC : E, e você acha que as brincadeiras de hoje são como, como eram no seu tempo? 18: Não é não, brincadeira de agora está mais pesada, brincadeira de hoje em diante agora é, qualquer coisinha tem que ter uma briga, as brincadeiras de antes não, a gente agüentava, agora os meninos estão chegando agora tudo é briga. DOC : É, as crianças? 18: Eu acho né, porque tem uns lá na rua mesmo que qualquer coisinha agora quer bater na gente que é mais velho. DOC : Os, os meninos? 18: É, os mais novos que tem treze, catorze anos, acha que é homem demais e já quer bater nos mais velhos. DOC : Hum... 18: Aí a brincadeira agora não é igual antigamente, e aquelas brincadeiras de antigamente já acabou, garrafão, chutar lata, essas brincadeiras já acabou. DOC : E de chutar lata que você não explicou como é? 18: Ah, a gente enche a lata de papel, aí bota um, um arame, fura os dois lados, bota e sai pela rua chutando, fazendo zoada meia noite, uma hora da manhã. DOC : Hum... 18: Pra não deixar o pessoal dormir muito cedo, que lá em Nazaré é um bairro muito calmo, só mora senhor de idade, senhora, aí a gente aí pra não deixar dormir muito cedo aí a gente ficava abusando. 18:


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DOC : Hum, e eles não reclamavam não? 18: E muito, muita queixa da gente, polícia atrás da gente e tudo por causa dessa brincadeira. DOC : Me diga uma coisa você tem filho homem né? 18: É. DOC : E como é que você pretende educar o seu filho? 18: Eh, bem melhor do que eu, porque se, se for igual a mim eu estou perdido. DOC : Em que sentido você quer educar melhor? 18: Eh, educar melhor é sentir ele respeitar as pessoas de idade que eu não respeitei, botar ele pra estudar até ele se formar, que eu não consegui, e ver se ele pratica algum esporte aí pra ele ser alguma coisa na vida, porque se trabalhar de peão igual a mim ele vai morrer e não vai ter nada. DOC : E em termos eh, dos conselhos que você vai dar? 18: Os conselhos? DOC : Hum. 18: Não se meter com drogas, procurar ajudar a mãe dele, se a minha mãe tiver viva ainda procurar ajudar ela que vai ser avó, e o resto, pouca mulher e pouco filho também, fazer igual a mim, fazer logo um só. DOC : Mas me diga uma coisa, e, e em termos hoje de, de sua, suas diver, eh, a sua diversão, qual é a sua diversão? 18: Minha diversão maior é ir pro, pra Fonte Nova quando tem o Bahia pra jogar, e quando eu tenho dinheiro pra pagar, pra ir ver que nada, não dá pra entrar de graça mesmo, a praia quando está fazendo sol, o pagode, quando nada disso acontece o jeito é ficar com o meu filho em casa brincando, fazendo ele ri. DOC : E sua mulher, você não sai com ela não? 18: De vez em quando eu saio com ela, quando eu tenho dinheiro, que ela é muito pidona, aí ela vê uma coisa quer, vê uma calça quer, vê um sapato quer, aí de vez em quando, quando eu tenho dinheiro aí eu saio com ela, vou no Iguatemi ou no Piedade, época de festa assim a gente tem que comprar mesmo. DOC : E ela gosta de festa? 18: Mais, mais do que eu, muito mais. DOC : E você leva? 18: De vez em quando, ela agora mesmo disse que vai pra um show aí que vai ter no Espanhol, do Raça Negra, Pimenta Nativa e Harmonia e eu vou ter que ficar com o menino em casa. DOC : Ah, mas é muito injusto. 18: A senhora acha? DOC : Acho sim muito injusto, você passeia tanto né? 18: Mas eu trabalho a semana toda e ele fica em casa dormindo. DOC : (risos) Mas é importante ela se divertir. 18: É, um pouquinho. DOC : Qual é a idade dela? 18: Ela tem vinte e quatro. DOC : Bem jovem não é?


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18: É. DOC : (...inint...) se divertir também, eh, você gostaria de falar alguma coisa sobre o futebol não é, que é uma coisa que você gosta também... 18: É. DOC : O que é que você tem pra contar sobre futebol? Sobre futebol? 18: DOC : Hum. DOC2 :O Bahia. 18: É, sobre o Bahia. DOC2 :Como é que está o Bahia? O Bahia está bem graças a Deus, está em primeiro lugar e tomara que ele consiga 18: subir pra primeira divisão né, ele subindo pra primeira divisão é melhor que a gente vai prestigiar mais, ele vai ganhar muito mais dinheiro e os baianos que são Bahia muito felizes, entrar o ano dois mil tocando de fogo pra cima. DOC : Eh, o que é que você acha assim do, do futebol aqui da Bahia? 18: O que eu acho do Bahia, porque do Vitória eu detesto, não gosto nem de falar. DOC : Hum, sim mas quando eu falo assim do futebol é, é, é o todo, o campeonato, são os times. 18: Ah, até agora está bem organizado, esse ano mesmo foi bem, mas disse que para o ano não vai ter sua nota vale um show, mas esse ano foi bem porque teve a nota, a gente trocava por, uma nota de cinqüenta reais por um cupom, cupom a gente pegava uma fila, trocava pelo ingresso e a gente ia, e para o ano disse que não vai ter, aí a gente vai ter que desembolsar deis reais ou cinco, seja quando for, pra ter que pagar, mas o futebol daqui vai bem. DOC2 :E essa nota que você tá, é nota de compra é? 18: É uma nota de compra a gente faz uma compra de cinqüenta reais, aí recebe a nota, a gente faz a doação e recebe um cupom, desse cupom a gente pega uma fila, que a gente enfrenta, vem cedo, quatro horas da manhã, se não a gente fica sem o ingresso, eles trocam e a gente vai pro show, pro jogo, pro show, ou pro boxe, pro teatro. DOC : E, e, essa promoção é de quem? 18: É do governo, do governo. DOC : E, e a troca é feita onde? 18: A troca é feita na Fonte Nova, Balbininho, depende onde seja o evento. DOC : Sempre tem? 18: Sempre tem, toda sexta tem no, no teatro ali na, na, no Campo Grande, na Concha Acústica. DOC2 :Concha acústica do Castro Alves. 18: Sempre tem, na Fonte Nova também sempre teve, e agora está tendo sobre o boxe, a gente troca a nota e a gente vai assistir. DOC : Você já foi? 18: Já, fui na luta de Popó. DOC : Me fale um pouquinho, você gostou?


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Ali foi marmelada né, gostei porque teve uns colegas meu que lutou na preliminar, ganhou, mas acho que as lutas de Popó que, está botando aí tá muito fraca, os adversário dele estão muito, estou achando que é marmelada. DOC : É? 18: Está segurando um pouco o título pra Bahia também né, todo mundo faz isso porque a Bahia não pode fazer. DOC : E, e como é que você eh, acha que está acontecendo? Os adversários são fracos? 18: São fracos. DOC : Propositalmente é? 18: É, acho que sim, eles chega bota um, um amarrado danado, diz que vai bater, vai acontecer, chega lá não consegue dar um murro no homem e já cai, eu estou achando que está muito fraco. DOC : E ele? 18: Quem, Popó? DOC : Hum. 18: Ele acha que o adversário é duro né, dizendo ele né, na TV que o adversário é bom, é duro, mas que pra ele não importa que ele é Popó mão de pedra, vai botar a mão, vai derrubar, e derruba mesmo, mas na marmelada até eu né, até no sopro me pagando pra cair eu caio. DOC : (risos) Então você acha que não, não é uma coisa verdadeira? 18: Não, não, no mundo do boxe não é tudo verdadeiro não. DOC : Ah, e as pessoas também comentam a mesma coisa? 18: Muita gente, no dia mesmo da luta de Popó comentou, não levou um minuto o rapaz tomou três quedas. DOC : E ele não era tão fraco assim era? 18: Não, não, ele tinha mais corpo do que Popó, mas só que ele, Popó é mais enxuto, tem mais músculos, os músculos de Popó são mais divididos, ele era mais gordinho, mas mesmo assim pra, pra não levar um minuto e o rapaz tomar três quedas, aí tem muita marmelada aí, tem muito dinheiro. DOC : Ele deve ser bem ruimzinho então. 18: (risos) Foi, que ele é o décimo do ranking, e Popó é o terceiro, mesmo assim ele sendo o décimo, como é que ele vai chegar no décimo lugar no, no meio de mais de cem, ele chegar em décimo e tomar três quedas no primeiro round, não pode. DOC : É, mas isso aí também ocorre com Mike Tyson. 18: É, isso aí é né, mas Mike Tyson é, ali é, dá pra, dá pra todo mundo ver né. DOC : Sim, mas você acha que nunca aconteceu a mesma coisa não? 18: Já sim, acontece sempre, com Hollyfield, o americano, com Mike Tyson, com James Douglas, acontece muito com o pessoal de fora, os americanos, os africanos, com Júlio César Chaves, De La Roya, esses daí que são os feras né, que não bota com o homem daqui. DOC : Hum, essa última luta mesmo de Mike Tyson foi uma coisa muito rápida. 18: Foi porque soou o gongo, Mike Tyson a, tomou um murro dele, descontou, o rapaz caiu, não agüentou, caiu e disse que estava com, tomou um murro no, no queixo e 18:


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disse que torceu o joelho, como é que pode um negócio desse toma um murro no queixo e torce o joelho. DOC2 :(risos) Coincidência... 18: Tomou um murro no queixo aí torceu o joelho, aí disse que não dava mais pra voltar pra lutar, aí acabou, não deu também não deu nem vitória nem pra um, nem pra outro, que já tinha soado o gongo. DOC : É, mas Mike Tyson eu acho que recebeu não foi não? 18: Mike Tyson recebeu bem mais de que ele. DOC : Porque o dinheiro então nesse caso eh, não deveria acontecer desse jeito. 18: É, mas já que aconteceu né Mike Tyson ficou com a maior parte e o rapaz que era o desafiante ficou com a, a parte menor, mas o rapaz, pro rapaz foi bom porque ele fica conhecido no mundo né, como um dos adversários de Mike Tyson. DOC 2:E que não perdeu. 18: É, que não perdeu, porque todos que entra perde e esse daí não perdeu. DOC : E, e Popó já, eh, já foi pro ringue com algum desses famosos? 18: Desses famosos não porque não é a categoria dele, a categoria desses daí são pesados, e ele, e Popó é peso pena, no peso pena só tem pra Popó desses bons aí americano e mexicano só tem Júlio César Chaves que tentou se matar e... DOC : Nossa! 18: De La Roya. DOC2 :Ele acompanha não é? 18: Acompanho que eu já fiz boxe já. DOC2 :Ah, então conta pra gente a experiência, quando você fez? 18: Quando eu fiz? Tem pouco tempo que eu larguei. DOC2 :Hum, conte aí. 18: Por causa desse trabalho aqui. DOC 2:Onde é? 18: Eu comecei com, eu, onde é? DOC : Onde fazia? Como era? 18: Eh, onde eu fazia ali em frente a, na ladeira do funil no (...inint...), um prédio grande que tem ali em frente a, a subida de lá da casa da minha mãe, aí eu comecei ali com mais ou menos dezenove anos pra vinte, eu comecei ali, aí passei, foi dezenove anos, come, foi dezenove anos, passei quatro anos no boxe, treinei muito, apanhei, bati, já subi em ringue também, mas minha luta nunca foi aqui, só foi, só teve uma aqui que foi no Balbininho e o resto foi tudo em Camaçari, Candeias, e já tentaram até me matar também em Candeias. DOC : Nossa! 18: Porque o pessoal de Candeias, os atletas de lá disse que o pessoal da Bahia se for pra lá tinha que perder e minha academia não admite que a gente perca por boca, tem que perder em cima do ringue, aí meu professor disse que a gente tinha que ganhar, a gente ganhou aí como o pessoal de Candeias e Camaçari são unidos uns com os outros aí queria matar a gente de faca, de peixeira, aí a gente teve que pegar a Topic e vim embora o mais rápido possível, mas depois disso aí tive que largar. DOC : E você gostava?


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Adorava, apanhar um pouquinho é bom, bater também. (risos) Você que sempre gostou de briga... É... Eh, fazer boxe né... Fazer boxe pra mim foi bom, já levei uma porrada na boca que pegou nove pontos, eu tenho a cicatriz ainda. DOC : Hum, no boxe isso? 18: No boxe, meu professor treinando comigo aí me deu um murro, aí pegou nove pontos. DOC : Nossa! Mas ele, como foi isso? 18: Que eu dei um murro embaixo nele, aí pegou no lugar indevido, aí na, na volta, que soou o gongo, aí na volta do, da, do descanso, a gente foi fazer luva de novo, ele aí me acertou, mas dizendo ele que não foi por querer, mas eu acho que foi porque eu acertei ele também, mas isso aí foi, eh, coisa de academia, não me zanguei não, e nem ele também se zangou, que ele também ficou uns dias sem ir pra academia, que a porrada que eu dei nele, no lugar indevido ficou, diz ele que ficou doendo né. DOC : (risos) Coitado. E você levou quantos pontos? 18: Nove. DOC : Veja só, aí levou um tempo também... 18: Levei um tempo também com a boca inchada, sem comer, só tomando suco. DOC : É, porque as, as pancadas do boxe são muito fortes não são? 18: São muito fortes, ainda mais quando a luva é de oito onças aí a pancada sai mais forte, sai mais segura. DOC : O que é que significa isso? 18: Oito onças? DOC : Hum. 18: Quando a luva é menor, aí a, a porrada sai mais forte, mas tem a de doze onças e a de quinze, a porrada sai mais macia, mas a de, a de oito onças onde ela pegar ela vai abrir no lugar. DOC : E, e é com essa que os... 18: É sim, é com essas daí que os profissionais lutam de oito onças. DOC : Mike Tyson... 18: Mike Tyson, Hollyfield, Popó, é com essas daí, agora com o pessoal amador é doze onças, quinze, mas como era lá na academia a gente fez com a de oito pra a gente sentir um pouquinho mais a porrada forte, aí terminou no que terminou, nós dois no hospital, ele de um lado e eu de outro. DOC2 :Ele chegou a ir pro hospital foi? 18: Foi, porque ele disse que estava sentindo muita dor. DOC : (risos) Meu Deus, e o, e o futebol? Aí você falou do, do boxe como um esporte que você gosta, e do futebol, você joga futebol também? 18: Jogo sim, jogo bola aqui no Sesc de Piatã. DOC : Onde? 18: Sesc de Piatã, na colônia de férias de Piatã, todo o sábado quanto tem, só que esses tempos está parado porque eu levei uns colegas de Nazaré pra jogar de noite e os 18: DOC : 18: DOC : 18:


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colegas depois foram tomar banho na piscina, aí largaram cueca suja lá, aí a diretora mora lá em Nazaré, aí suspendeu a gente de ir por uns tempos, mas depois volta, mas só quem vai só o pessoal mais educado. DOC : É, com certeza. E, e esse, vocês já tem um time certo é? 18: Já temos já, é uns colegas de lá mesmo, dois chilenos, que não são daqui, são chilenos, mas são gente boa, tem meus dois colegas que eu citei o nome, A .... e, e U..., tem I ... e tem F... DOC : E qual é a sua posição? 18: Minha posição é zagueiro, que eu bato mais de que ataco. DOC : Hum, você tem alguma história pra contar pra gente do, do, do futebol? 18: Do futebol? DOC : Hum. 18: Deixa eu ver, não, do futebol eu não tenho muita história pra contar não. DOC : Você joga há muito tempo? 18: Jogo, jogo desde, desde quando eu me entendi como gente eu jogo né, na idade assim de sete, oito anos, aí que eu jogo futebol. DOC : Eh, você... Podemos, eh, podemos encerra né? Nós queremos agradecer a você viu? Por essa oportunidade e depois a gente vai saber outras coisas mais... 18: Está certo, obrigado.


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