Formativo Rembrandt

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Rembrandt e a arte da gravura

Material para ação educativa da exposição “Rembrandt e a arte da gravura” no Museu de Arte do Espirito Santo, de 19.03.2010 a 16.05.2010

REALIZAÇÃO

PARCERIA

PRODUÇÃO


Governador do Estado do Espírito Santo Paulo César Hartung Gomes Vice- Governador do Estado do Espírito Santo Ricardo Rezende Ferraço Secretária de Estado da Cultura Dayse Maria Oslegher Lemos Subsecretário de Cultura Erlon José Paschoal Subsecretária de Estado da Cultura Anna Luiza Saiter Gerente de Ação Cultural Maurício José da Silva Instituto SINCADES Presidente Idalberto Moro Gerente Executivo Dorval Uliana Gerente de relacionamento Domingos Gomes de Azevedo Gerente de Projetos Rosalvo Trazzi MAES – Museu de Artes do Espírito Santo Diretora Leila Horta Setor de Arte Educação Ana Luiza de Oliveira Bringuente Setor Administrativo Joaquim Galdino Oliveira Exposição Rembrandt e a arte da gravura Curadoria Pieter Tjabbes, Janrense Boonstra Coordenação geral Art Unlimited (Pieter Tjabbes/Tânia Mills) Produção executiva Art Unlimited (Laura Cury/ Marina Ayra/ Rosemaire Teixeira / Suellen Monteiro Araújo Silva) Comunicação visual Mari Pini Design Preparação das atividades propostas para sala de aula Priscila de Souza Chisté e Érika Sabino de Macedo Design livreto Educativo Fernanda Botter


Rembrandt e a arte da gravura O Governo do Estado do Espírito Santo, através da Secretaria de Cultura e o Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo, em parceria com o Instituto Sincades, tem a grata satisfação de apresentar a exposição Rembrandt e a arte da gravura. A mostra, com 79 gravuras e uma matriz de cobre original, traz pela primeira vez para o público capixaba a oportunidade de ver essas obras-primas do mestre holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669). A criteriosa seleção, feita pelos curadores Janrense Boonstra, diretor do Museu Casa Rembrandt, em Amsterdã, e Pieter Tjabbes, busca mostrar a genialidade do artista holandês do século XVII na técnica da água-forte. Além disso, é uma rara oportunidade para o público apreciar o conjunto proveniente do museu Casa Rembrandt, que representa quase um terço das 290 gravuras confeccionadas ao longo da carreira do artista. Apesar de ter entrado para a história da arte como o autor de pinturas célebres, como A lição de anatomia e A ronda noturna, Rembrandt se impôs em sua época como o grande inovador na arte da gravura. Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669), artista holandês que se tornou referência na história da arte, desempenhou importante papel no desenvolvimento da gravura como um meio técnico legitimamente artístico. Foi um dos primeiros artistas a demonstrar que a arte da gravura poderia ser utilizada para registrar e expressar idéias espontâneas e que se prestava à experimentação técnica. Enquanto nas gravuras de seus contemporâneos as linhas formais e duras tendiam a apagar qualquer traço de individualidade, na obra de Rembrandt sua personalidade sempre deixa uma marca indelével, constituindo um de seus elementos mais importantes. As gravuras de Rembrandt logo se tornaram célebres, e foi quase inteiramente nelas que repousou sua fama como artista ao longo de sua vida e nos dois séculos seguintes. Para várias gerações de artistas, colecionadores e amantes da arte, Rembrandt era acima de tudo um grande gravurista, e, inevitavelmente, seus seguidores tentaram superá-lo. Sua influência pode ser vista primeiramente no trabalho de seus discípulos e de outros artistas que o conheciam, mas já em 1648 o italiano Castiglione fez uma série de gravuras baseada nos estudos de cabeças orientais de Rembrandt. Muitos outros o seguiram, e a influência disseminou-se. Artistas baseavam-se em sua obra para desenhar de todas as formas possíveis. Tomavam de empréstimo suas composições, ou parte delas, imitavam seu estilo de desenhar, inspiravam-se em seus temas ou copiavam sua técnica. Outros se intrigavam com seu uso de chiaroscuro. Seu hábito de repetidamente modificar e retrabalhar as matrizes também foi muito imitado. Para inúmeros artistas, desde sua época e até hoje, a obra gráfica de Rembrandt serviu como grande fonte de inspiração. Esta mostra oferece uma rara oportunidade de apreciar a obra gráfica de Rembrandt, já que a seleção reúne todos os temas tratados por ele nessa técnica. Enquanto na pintura Rembrandt restringia-se a retratos e aos gêneros históricos (cenas bíblicas, mitológicas e históricas), em suas gravuras explorou um espectro maior de temas. Influenciado pelo chiaroscuro de Caravaggio e pelo drama e pela escala do Barroco, escolheu de maneira extremamente pessoal seus temas e técnicas. Em sentido amplo, tomou a natureza como guia, mas concentrouse sobretudo na intimidade humana. Qualquer tema poderia ser representado em suas gravuras, até mesmo cenas vulgares como camponeses fazendo sexo ou urinando. Embora a maioria de suas gravuras focalize cenas bíblicas, Rembrandt também explorou motivos da paisagem, cenas de gênero, alegorias, o nu e a natureza-morta. Esta exposição é, portanto, uma justa homenagem ao gravurista mais admirado de todos os tempos. Dayse Maria Oslegher Lemos Secretária de Cultura do Estado Leila Horta Diretora do MAES REALIZAÇÃO

PARCERIA

PRODUÇÃO


A Ronda Noturna, 1642, 贸leo s/ tela, 363 x 437 cm


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Rembrandt e a Holanda do século XVII

N

o século XVII, a Holanda tinha uma economia robusta. A nação recémliberta era formada por mercadores, lavra-

corrente ver um vulgar lavrador investir duas ou três mil libras nesta mercadoria. As suas casas estão cheias de quadros e vendem-nos

dores e marinheiros, e o comércio se desenvolvia bem nessa sociedade densamente populada e urbana. Como a sua religião era o Protestantismo, os artistas holandeses não se beneficiavam de grandes encomendas públicas do Estado e da Igreja, diferentemente do que se via no mundo católico. Nesse contexto, o colecionador particular tornou-se o principal suporte de artistas e artesãos. A grande clientela era burguesa, mas cidadãos de diversas classes podiam adquirir obras, de acordo com o gosto e as possibilidades financeiras, e os preços variavam de acordo com a qualidade e o tipo da obra e com o prestígio do artista. As gravuras, por seu caráter reprodutível, tendiam a ser mais baratas que as pinturas, por exemplo. Todos queriam adquirir obras, independentemente de sua classe socioeconômica. As obras de arte eram vistas como um bom investimento e tinham valor de moeda, além de sua revenda ser fácil. Durante uma visita à Holanda em 1641, John Evelny anotou em seu diário: “É

nas feiras com grande lucro”. 1 O contexto protestante afetou a clientela das obras de arte e, por consequência, houve também uma mudança no tipo de arte produzida. O gosto dessa burguesia, composta em grande parte por mercadores – trabalhadores incansáveis –, era menos exuberante do que o comumente encontrado na Europa católica. O seu estilo era mais pragmático. Os holandeses se especializaram em temas mais sóbrios e mais relacionados com a vida cotidiana: naturezas-mortas, paisagens e pinturas de gênero, além dos retratos, que encontravam bom mercado entre a recémformada burguesia ansiosa por se autoafirmar. Outra temática bastante característica era o retrato em grupo, especialmente o de caráter cívico e militar, como se vê em A ronda noturna, de Rembrandt. Rembrandt van Rijn (1606-1669) foi um dos maiores artistas holandeses dessa época e um dos grandes personagens da História da Arte mundial. Sua obra fornece um impres1

Janson, H. W. História geral da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.752.


B10 Auto-retrato, franzindo as sobrancelhas

sionante registro de sua própria vida, através de uma série de autorretratos que vão desde os tempos de juventude até a velhice. Todos esses retratos se combinam numa incomparável autobiografia pictórica. Rembrandt nasceu em 1606, filho de um próspero moleiro na cidade universitária de Leyden. Matriculou-se na universidade, mas abandonou os estudos para se tornar pintor. Algumas de suas primeiras obras foram muito elogiadas por humanistas contemporâneos. Suas pinturas dessa época eram pequenas, fortemente iluminadas e intensamente realistas. Muitas delas tratam de assuntos do Antigo Testamento, e a Bíblia foi durante toda a vida de Rembrandt uma das suas fontes de inspiração preferidas. Aos 25 anos, o artista trocou Leyden pelo centro comercial de Amsterdã, onde fez rápida carreira como pintor de retratos. Casou-se com uma jovem rica, Saskia van Uylenburgh, e comprou uma grande casa na rua Breestraat, que hoje faz parte do Museu Casa

B320 Auto-retrato, boquiaberto

Rembrandt. Ali trabalhou incessantemente e tornou-se um importante colecionador de obras de arte, de antiguidades e de objetos diversos. Em 1642, sua primeira esposa, Saskia, faleceu e lhe deixou uma considerável fortuna, mas Rembrandt contraía dívidas e, catorze anos depois, os credores venderam sua casa e levaram as suas obras a leilão. Sua nova companheira, Hendrickje, e seu filho, Titus, o ajudaram a se manter nesse momento de crise. Fizeram um arranjo pelo qual Rembrandt passou a ser formalmente empregado da firma de compra e venda de objetos de arte de que eram proprietários, e foi nessa condição que o artista pintou suas últimas e mais importantes obras. Rembrandt foi grande não só como pintor, mas também como artista gráfico, dedicandose sobretudo à técnica da água-forte. Uma grande virtude dessa técnica reside na ampla gama de tonalidades que ela proporciona, mas poucos artistas posteriores exploraram essas possibilidades tonais com tanta sutileza.


O

O que é gravura?

02

termo ‘gravura’ é conhecido pela maioria das pessoas, mas as várias modalidades que constituem esse gênero costumam ser confundidas entre si, ou até mesmo com outras formas de reprodução gráfica de imagens.

De modo geral, chama-se de ‘gravura’ o múltiplo de uma obra de arte, reproduzida a partir de uma matriz. É como se a matriz fosse um carimbo: aplicando a tinta, podemos obter repetidas imagens semelhantes. Porém, a gravura artística é uma impressão que compõe uma edição geralmente restrita, diferente do poster, por exemplo, que é produto de processos gráficos automáticos e reproduzido em larga escala, sem a intervenção do artista. As técnicas de gravura mais comuns são xilogravura, litografia, serigrafia e gravura em metal, esta última sob especialidades como a água-forte e a ponta-seca, muito utilizadas por Rembrandt e das quais falaremos mais detalhadamente a seguir.

As técnicas da água-forte e da ponta-seca

A

técnica da água-forte originou-se na Idade Média e foi desenvolvida por armadores árabes para fazer a decoração de armamentos. Nas duas primeiras décadas do século XVII, artistas holandeses experimentaram a técnica para fazer gravuras. Eles buscavam realçar a tonalidade e obter um efeito atmosférico nas gravuras de paisagens, quebrando as longas linhas de contorno em traços curtos e em pontos. Rembrandt tinha grande interesse pelo desenvolvimento dessa técnica, por isso a

utilização da água-forte em sua obra ultrapassa tudo o que seus antecessores haviam conseguido. Veremos, agora, uma descrição da técnica da água-forte, contendo detalhes de sua aplicação na obra de Rembrandt. As gravuras são impressões, geralmente sobre papel, de imagens produzidas por um artista sobre algum tipo de suporte, por meio de desenho ou entalhe. Esse suporte pode ser um bloco de madeira, uma placa de metal ou uma tela de seda. Uma das técnicas utilizadas na produção de gravuras é


fig. I Abraham Bosse, Oficina de um Gravurista, 1642, Água-forte e buril

a água-forte. Neste caso, o suporte é uma chapa de cobre, coberta com uma mistura resistente ao ácido, conhecida como verniz, composta de piche, resina e cera. Os traços do desenho são riscados sobre a chapa de cobre com o uso de uma ponta de metal, de modo que o cobre seja exposto apenas onde fig.II Exemplo de traços à água-forte a ponta penetra o verniz. A chapa de cobre é imersa no ácido diluído. As partes que não estão mais protegidas pelo verniz – ou seja, os traços do desenho – ficam expostas ao ácido e são corroídas, de maneira que surgem sulcos na superfície do metal. Quanto mais tempo a chapa permanecer imersa no ácido, mais profundos serão os sulcos. Para obter traços mais fortes que outros, a chapa é removida do banho de

fig.III Exemplo de traços à ponta-seca


imersão, os traços que já apresentam o nível de corrosão esperado são novamente cobertos com verniz resistente ao ácido, e a chapa é mais uma vez imersa no banho. O verniz é, então, removido da chapa que, depois de limpa, deve ser coberta de tinta com um rolo de espuma ou rodo. Toda a tinta é cuidadosamente removida da chapa à mão, deixando-se apenas os sulcos preenchidos. O próximo passo é cobrir a chapa com papel levemente umedecido. Em seguida, a chapa e o papel passam por uma prensa (fig.I) e assim o papel absorve a tinta

Os traços que apresentam mais corrosão e estão, portanto, mais encharcados de tinta, aparecem mais escuros na gravura (fig.II). Essa é a técnica básica da água-forte. Outra técnica que Rembrandt utilizava muito, normalmente em combinação com a técnica da água-forte, era a da ponta-seca. Essa é uma técnica em que o gravador risca diretamente sobre o metal com uma ponta, a mesma utilizada na água-forte. Ao abrir um sulco, essa ponta levanta uma rebarba de metal ao longo da linha gravada. Como essa rebarba também retém tinta, o resulta-

depositada nos sulcos, produzindo uma im- do da impressão é uma linha de contorno pressão invertida do desenho sobre a chapa. difusa e aveludada.

B76 Cristo apresentado ao povo


B208 A ponte de “six”

É possível, também, criar variações sobre a imagem gravada na matriz alterando a aplicação da tinta para impressão. Se a tinta não for totalmente removida da chapa entre impressões distintas, cria-se uma espécie de ‘mancha’ que confere diferentes valores to-

nais na impressão. Rembrandt aplicava essa técnica de tonalidade de superfície às suas gravuras, sobretudo quando desejava dar maior profundidade às sombras e, ocasionalmente, para criar um efeito atmosférico nas paisagens.

B114 A grande caça ao leão

B78 As três cruzes


03

As gravuras de Rembrandt

R

embrandt van Rijn deixou um amplo legado de pinturas e desenhos, além de quase trezentas gravuras. Seu domínio da técnica de água-forte é indiscutível, e ele é considerado um dos grandes gravuristas – se não o maior – de todos os tempos. As gravuras de Rembrandt, por seu caráter reprodutível, adquiriam visibilidade muito maior do que suas pinturas e seus desenhos, obras únicas, e assim foi graças às gravuras que o artista ganhou reputação na Europa, ainda em vida. A espontaneidade dos traços, os tons profundamente negros e inconfundíveis e o emprego magistral da ponta-seca tornaram as gravuras de Rembrandt muito apreciadas por colecionadores da época. As obras em água-forte de Rembrandt não eram uma atividade meramente suplementar, nem devem ser consideradas subproduto inferior de suas pinturas, hoje muito mais conhecidas. Durante toda a sua vida produtiva, Rembrandt sempre levou muito a sério o trabalho gráfico, desde a juventude em sua cidade natal, Leiden, até os tempos áureos como artista renomado em Amsterdã. Somente no fim da vida ele deixou, aos poucos, de criar gravuras. As primeiras gravuras datadas de Rembrandt indicam o ano de 1628. Trata-se de pequenos retratos de sua mãe, em que o

estilo extremamente pessoal do artista já se evidencia: um estilo livre, com qualidades de esboço e um sombreamento que cria um efeito dramático de luz e sombra. Obras como essas, retratando a cabeça de pessoas idosas, são típicas da fase inicial de seu trabalho em gravura (ver figura B291 – Velho Barbudo com manga branca). Nesse período, o artista estava menos preocupado em reproduzir fielmente a aparência dos seus sujeitos e, sim, mais interessado em expressar estados de humor e sentimentos: felicidade, surpresa, seriedade, medo e outras emoções (ver figuras B10 – Autorretrato, franzindo as sobrancelhas; B316

B291 Velho Barbudo com manga branca


– Autorretrato com boina, rindo; B320 – Autorretrato, boquiaberto). Enquanto os primeiros trabalhos de Rembrandt foram gravados a água-forte, com uso ocasional de outras técnicas, posteriormente o artista também recorreu à ponta-seca, instrumento que utilizaria com frequência cada vez maior. A exemplo de outros grandes gravuristas, como Albrecht Dürer (1471-1528), gravador, pintor e ilustrador alemão, Rembrandt revelou grande habilidade na água-forte ao abordar temas bíblicos, sobretudo os do Novo Testamento, cujas cenas marcaram o início de sua carreira como gravurista e também representaram as fases de maior inovação, especialmente no tocante ao uso da técnica da ponta-seca. As três cruzes (B 78) e Cristo apresentado ao povo (B 76) são provas magníficas da perfeição que Rembrandt atingiu no uso dessa técnica. Ambas as gravuras contêm várias figuras angulares, traços aveludados e efeitos tonais. Rembrandt desenhou essas duas composições diretamente sobre a matriz de cobre, explorando ao máximo a técnica da ponta-seca. O período em que essas gravuras foram produzidas, por volta de 1650, pode ser conhecido como a ‘fase experimental’ do desenvolvimento gráfico de Rembrandt. Nessa fase, o artista fazia experiências com o processo de água-forte e também com as técnicas de impressão, sempre realçando os tons pelo uso da tonalidade de superfície e de papéis exóticos. Embora as cenas bíblicas estejam presentes

B10 Auto-retrato, franzindo as sobrancelhas

B316 Auto-retrato com boina, rindo

B320 Auto-retrato, boquiaberto


B271 Cornelius Claesz, Anslo

B278 Ephraim Bueno, médico

na maior parte das gravuras de Rembrandt, o artista não se limitou a esse tema, e suas gravuras abordam praticamente todos os gêneros: paisagens, retratos, cenas da vida cotidiana, doméstica e do trabalho, nus, mitologia e até mesmo a natureza-morta. Com efeito, Rembrandt criou obras-primas de incomparável diversidade. Muitas vezes, os retratos de Rembrandt são repletos de minúcias e representações detalhadas dos modelos (ver figuras B271 – Cornelius Claesz, Anslo; e B278 – Ephraim Bueno, médico), em contraste com os estudos – similares em conteúdo – de modelos muitas vezes trajados de maneira exótica, cuja ênfase recai nas expressões características, nos tipos

B288 A terceira cabeça “oriental”


e não propriamente no indivíduo (B288 – A terceira cabeça ‘oriental’). Essa diferença, entre o retrato e a fisionomia das pessoas, pode ser observada nas muitas águas-fortes em que Rembrandt foi seu próprio modelo (ver figuras B10 – Autorretrato, franzindo as sobrancelhas; B19 – Autorretrato com Saskia; B316 – Autorretrato com boina, rindo; B320 – Autorretrato, boquiaberto). Nas obras que retratam gênero – estilo sóbrio, realista, comprometido com a descrição de cenas rotineiras –, o artista se fixa muito mais nos tipos do que na realidade do ambiente que os circunda. Algumas pessoas retratadas são objeto de escárnio pelo comportamento despudorado (B190 – Um homem urinando). Nos seus nus, Rembrandt revela os defeitos e as imperfeições do corpo humano (B201 – Diana banhando-se), principalmente quando confrontados com a noção clássica de beleza, cuja essência eram corpos de proporções perfeitas. Os nus de Rembrandt encontraram detratores e admiradores, pois o realismo intransigente do artista não agradava a todos. Contudo, de forma geral, as águasfortes do artista sempre tiveram muito boa aceitação entre colecionadores e conhecedores. Rembrandt ganhou grande fama na Holanda, como também na Alemanha, na França e em outros países; no último ano de vida, muitas de suas gravuras foram vendidas a um colecionador italiano. Apesar de Rembrandt quase não ter produzido novas gravuras depois de 1661, as gravuras

B19 Auto-retrato, com Saskia

B190 Um homem urinando


B201 Diana banhando-se

antigas continuaram a ser reproduzidas e comercializadas até o início do século XX, como demonstra a ruidosa história por trás de suas matrizes de cobre. As obras em água-forte de Rembrandt ocupam um lugar único na história da gravura, e em muitos aspectos são incomparáveis. Não se opõem à tradição, pois Rembrandt tinha grande conhecimento da obra de seus antecessores e contemporâneos. Em nível estilístico, no entanto, não havia praticamente nenhum modelo para a sua obra em gravura. Ninguém havia obtido seu traço livre e fluido, nem seu chiaroscuro – palavra italiana para claro-escuro, luz e sombra. Isso se aplica ainda mais a suas experiências no processo de água-forte propriamente dito. Nenhum antecessor de Rembrandt fez uso tão variado e completo das possibilidades dessa técnica.


B74b Cristo pregando

B49 Hino de louvor de Simeão

B49; Matriz de água-forte com “Hino de Louvor de Simeão”, c. 1639; Cobre, 217 x 294 mm


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O destino das matrizes de Rembrandt

A

influência de Rembrandt na arte da gravura foi profunda, mais do que a de qualquer outro artista. Sua importância como gravurista já era reconhecida no século XVII e os colecionadores de suas matrizes de água-forte, tanto na época quanto nos séculos seguintes, lucraram substancialmente com a reprodução impressa dessas gravuras. O destino das matrizes de Rembrandt foi muito bem documentado já a partir do século XVII, mas pouco se sabe sobre como, antes disso, elas passaram do artista para outros proprietários. As matrizes dos retratos geralmente tornavam-se propriedade do modelo retratado. Com o passar do tempo, elas foram sendo vendidas para marchands, editores e colecionadores que fizeram, ou mandaram fazer, suas próprias impressões dessas matrizes. Muitas estampas ainda foram produzidas com as matrizes de cobre utilizadas por Rembrandt, no final do século XVII e em grande parte do século XVIII. As matrizes foram retrabalhadas, para que se disfar-

çasse seu desgaste, e um bom exemplo dessa prática encontra-se na figura Cristo pregando (B74 b). Em 1993, um grupo representativo de bons exemplares de matrizes foi adquirido pelo Museu Casa Rembrandt, que hoje possui o maior acervo do mundo em matrizes do artista (um exemplo é a figura Hino de louvor de Simeão (B49). Essa compra marca o início de uma nova fase de reconhecimento das matrizes em cobre de Rembrandt, pois até o final do século XIX elas eram consideradas mercadorias utilizadas para atender aos pedidos de trabalhos gráficos feitos de originais de Rembrandt, o que ajuda a explicar a grande quantidade de cópias de qualidade duvidosa. Atualmente, essas matrizes de cobre são consideradas importantes, sobretudo por revelarem a técnica e o método de gravação insuperáveis de Rembrandt (B49, Matriz de água-forte). São valorizadas como verdadeiras obras de arte, e seu efeito estético não é inferior ao de uma boa impressão.


05

História da casa e do acervo

A casa

A

Casa Rembrandt foi construída em 1606, no período áureo de desenvolvi-

mento de Amsterdã. A expansão do comércio atraía inúmeros imigrantes e, nos primeiros 25 anos do século XVII, a população da cidade praticamente dobrou, chegando a cerca de cem mil habitantes. O mapa de Amsterdã feito por Balthasar Florisz em 1625 mostra como era a casa de Rembrandt quando foi construída: uma planta em L, com fachada excepcionalmente ampla para os padrões da época (fig.IV). A fonte mais importante de informações a respeito do interior da casa, na época em que Rembrandt lá residia, encontra-se no inventário feito em 1656, após sua falência ser decretada. Nele há uma descrição do que havia na casa, cômodo por cômodo. O funcionário responsável pelo inventário iniciou a inspeção pela sala principal, localizada na parte da frente da casa, em seguida passou para a sala anexa, que também dava para a rua, e para outra sala atrás dessa. Dirigiu-se, então, a uma grande sala na parte posterior da casa, que parecia ter sido usada também

fig. IV


fig. V

como dormitório. No primeiro andar, foram relacionados quatro cômodos: o ‘gabinete’, sua antessala, um pequeno ateliê e outro grande. Na parte da frente da casa ficava o ateliê de Rembrandt, e na parte posterior encontravase uma sala (o ‘gabinete’), para sua coleção de arte e curiosidades. No inventário descrevese a impressionante coleção de Rembrandt, que se espalhava também por outras partes da casa. Em 1907 foi criada a Fundação Casa Rembrandt (fig.V), que abriga muitas de suas obras.


O acervo

O

Museu Casa Rembrandt foi oficialmente aberto pela rainha Guilhermina em 10 de junho de 1911. Hoje seu acervo apresenta um panorama quase completo da obra gráfica de Rembrandt: cerca de 250 das 290 gravuras que o artista produziu. Além da coleção de gravuras, desenhos e matrizes em cobre produzidas pelo próprio artista, a Casa Rembrandt também possui um pequeno número de pinturas do mestre Rembrandt, e dos discípulos e contemporâneos do artista. Hoje o Museu Casa Rembrandt atrai muitos visitantes com a mostra permanente de gravuras de Rembrandt e exposições importantes. O aumento no número de visitantes levou à expansão da Casa; as áreas para o

fig. VI

público e as salas de exposição foram transferidas para nova ala, o que permitiu a restauração da Casa. Felizmente, o inventário de 1656 tem uma descrição detalhada do interior da residência na época de Rembrandt e há desenhos do artista que também revelam as características dos cômodos (fig.VI). Para se certificarem de que a restauração seria historicamente fiel, os especialistas fizeram estudos extensos e minuciosos. A Casa Rembrandt está redecorando os cômodos, na tentativa de reconstituir o máximo possível o ambiente da época em que o artista ali residiu. Quando o trabalho de restauração estiver concluído, a Casa será novamente a residência e o ateliê onde trabalhavam o mestre e seus discípulos.


Biografia Geral 1606

Rembrandt Harmenszoon van Rijn nasce em 5 de julho em Leiden, Holanda.

1620 Entra para a Universidade de Leiden,

após cursar a escola de latim da cidade por vários anos.

1621/23 Rembrandt deixa a universidade

para se tornar aprendiz de Jacob Isaacz van Swanenburgh, um pintor de Leiden.

1624 Torna-se aprendiz do pintor histórico Pieter Lastman em Amsterdã.

1625

Rembrandt retorna a Leiden, onde monta seu próprio estúdio, tem seus primeiros aprendizes e colabora com Jan Lievens.

1629

1631/33

Muda-se para Amsterdã e hospeda-se na casa do marchand Hendrick


van Uylenburgh. Pinta A aula de anatomia do Doutor Tulp.

1634 Casa-se com Saskia van Uylenburgh, sobrinha de Hendrick van Uylenburgh.

1639 Rembrandt e Saskia adquirem um casarão na rua Breestraat, que hoje faz parte do Museu Casa Rembrandt.

1650

Rembrandt interna Geertge Dircx num hospício e torna-se amante de Hendrickje.

1654 Nasce Cornelia, filha de Rembrandt e Hendrickje.

1656 Rembrandt, totalmente endividado,

requer um cessio bonorum (cessão de propriedade), em que um tribunal de patrimônios falidos responsabiliza-se pelo pagamento das dívidas do artista. É feito um inventário da propriedade de Rembrandt.

1640

1641

A segunda edição do livro Beschrijvinge der stadt Leyden [Descrição da Cidade de Leiden] é publicada, contendo a primeira biografia de Rembrandt. Nasce um filho, Titus, que sobrevive até a idade adulta.

1656

1657 Os bens de Rembrandt são leiloados.

1642 Saskia morre após longa enfermidade. 1658 A casa da rua Breestraat e a coleção A enfermeira de Saskia, Geertge Dircx, muda-se para a casa do artista, para cuidar de Titus e dele, e torna-se sua amante. Rembrandt finaliza a obra A ronda noturna.

1649 A situação financeira de Rembrandt piora.

de obras de arte é leiloada. Rembrandt, Hendrickje, Titus e Cornelia mudam-se para uma casa no canal de Rozengracht.

1660

Titus e Hendrickje formam uma sociedade para o comércio de arte. Rembrandt torna-se funcionário deles.


1660

1662

Rembrandt pinta Os síndicos da guilda de alfaiates de Amsterdã e A conspiração dos batavos, obras encomendadas para a nova sede da prefeitura.

1663 Hendrickje morre.

Bibliografia

1667 Cosimo III, príncipe da Toscana, visita Rembrandt.

1669 Rembrandt morre em 4 de outubro e é enterrado na igreja Westerkerk, em Amsterdã, quatro dias depois.

1669

Livros GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999. JANSON, H.W. História Geral da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001. MANNERING, Douglas. Vida e obra de Rembrandt. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. MÜHLBERGER, Richard. O Que Faz de um Rembrandt um Rembrandt? São Paulo: Cosac Naify (coleção infantojuvenil “Metropolitan o que faz de um mestre um mestre?”), 2003. ZUMTHOR, Paul. A Holanda no tempo de Rembrandt. São Paulo: Cia das letras, 1989. Sites http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=500 http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u335.jhtm http://www.pintoresfamosos.com. br/?pg=rembrandt Para ver todas as imagens das obras da exposição “Rembrandt e a arte da gravura”, assim como os textos completos, acesse: www.secult. es.gov.br (entre no link “espaços culturais”, depois em “MAES” e, por último, em “setor educativo”): www.secult.es.gov.br/?id=/espacos_culturais/ hotsites/maes/setor_educativo


Sugestões de atividades com os alunos Autorretratos

eram retratadas as deusas da antiguidade? Rembrandt

Rembrandt fez muitos autorretratos. Alguns indivi-

retratou Diana dentro dos padrões artísticos clássicos?

duais, outros com pessoas conhecidas. Você já fez al-

Quem são as deusas da atualidade? Como elas são?

guma vez seu autorretrato? Como são os autorretratos encontrados na atualidade? Existem diferenças

Paisagem

dos autorretratos de Rembrandt e os da atualidade?

Desenhar ao ar livre é uma prática de muitos artistas. Es-

Nos dias de hoje podemos utilizar recursos tecnoló-

colher uma paisagem e representá-la revela nossos gos-

gicos para elaborar um autorretrato? Quais seriam

tos e modos de perceber o mundo. O que mais te chama

esses recursos? Como podemos escolher e divulgar

atenção nessa imagem? Quais são suas paisagens prefe-

essas imagens?

ridas? Qual seria a paisagem que representaria a atualidade? A paisagem contemporânea está sendo transfor-

Atividade proposta: Entregar folhas de papel sulfite

mada? Por quê?

e lápis a cada aluno. Pedir que eles façam um autorretrato. Pode-se pedir, numa aula anterior, que as

Atividade proposta: Entregar folhas de papel sulfite e lá-

crianças tragam três fotos de casa: uma de quando

pis a cada aluno. Todos devem sair da sala de aula pro-

eram bebês, outra delas um pouco mais velhas, e

curando espaços aonde possam sentar-se no chão e de-

uma atual. Desta maneira, farão uma biografia pic-

senhar. A quadra ou o pátio da escola podem ser ideais.

tórica de si mesmas, assim como fez Rembrandt. A proposta é que os alunos representem, em uma das fo-

Cenas bíblicas

lhas, uma parte da escola que estejam observando. Nessa

Observe bem esta cena. Aprecie cada detalhe. Exis-

fase, a abordagem é direcionada ao desenho de observa-

tem vários personagens bíblicos na obra, consegue

ção. Na outra folha, o professor pode pedir para que os

identificá-los? Outros artistas retrataram essa pas-

alunos façam o mesmo desenho mas, dessa vez, interfe-

sagem bíblica? Você conhece outras imagens que re-

rindo com elementos que eles gostariam que estivessem

presentem a crucificação? Como elas são?

presentes na paisagem, usando a imaginação.

Cenas de gênero

Retratos e bustos

Você já viu pessoas urinando na rua? Em que situa-

Rembrandt elaborou muitos retratos. No retrato de Ans-

ção? Será que este hábito faz parte da cultura de um

lo o artista procurou revelar a personalidade do retrata-

povo? Em algum lugar do mundo isso é comum?

do por meio de seus objetos pessoais. Se você fosse fazer

Quais outros artistas da atualidade retrataram pes-

um retrato quem você escolheria? Quais cores usaria?

soas excluídas da sociedade? Na contemporaneidade

Quais objetos do retratado fariam parte da composição

quem são os excluídos?

da imagem? Que recurso artístico usaria?

Nus

Atividade proposta: Entregar folhas de papel sulfite e lá-

Estudar o corpo humano para representá-lo artisti-

pis a cada aluno. Pedir para que eles formem duplas e

camente foi recorrente no trabalho de Rembrandt.

façam o retrato uns dos outros. Peça para que os alu-

Como Diana foi retratada na imagem? Observe seu

nos desenhem o colega inserido num contexto/lugar que

rosto e a textura de sua pele, o que você acha? Como

ajude a mostrar sua personalidade.


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