Catálogo Exposição: TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR

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André Arçari

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BeatriZanchi


Charlene Bicalho

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Gabriel Menotti

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Polliana Dalla Barba

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Sandro Novaes

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O MAES, por meio da Secretaria de Estado da Cultura, desenvolve atividades e exposições que pretendem não só estimular a sensibilidade do público, mas fomentar a prática artística e se consolidar como plataforma de debate e de acesso da sociedade a experiências com a arte e com o patrimônio artístico, se tornando força motriz para o exercício da cidadania. Alinhado à missão de fomento ao desenvolvimento artístico e cultural, o Edital 11/2014 - Bolsa em Artes Visuais para projetos de pesquisa em ateliê e curadoria, apresenta a exposição TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR, que propõe o diálogo entre seis artistas locais, que por meio de seus trabalhos e construção com a equipe da exposição e do museu, revelam a produção e a discussão artística mais atuais no estado do Espírito Santo. Os projetos ecoam percepções de vivências e de lugares para além dos horizontes capixabas, projetando questões poéticas e experimentais essencialmente discutidas em nossa contemporaneidade: o sensível nas horas ordinárias do dia a dia, o registro de viagens por lugares e afetos na distância da geografia e do tempo, ou o mergulho na exploração espacial da

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arquitetura do museu. Discussões que exploram a cultura e a arte na sociedade atual, bem como seus caminhos ideológicos, políticos e identitários, que dizem das condições do ser contemporâneo na sobrevivência diária de maiorias e minorias cúmplices. Como parte integrante da mostra, o museu oferece a oportunidade de participação ativa do público por meio do seu programa educativo, que protagoniza uma função fundamental a cada projeto realizado pelo MAES. O Educativo acredita na constante ressignificação do espaço do museu com ações que desejam aproximar o espectador efetivamente do pensar a arte e a educação como elementos norteadores de um pensamento crítico, tornando de fato o museu como espaço de formação e de inclusão. João Gualberto Moreira de Vasconcellos Secretário de Estado da Cultura

Renan Andrade

MAES | Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo

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TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR [A fragmentação] é indispensável, se não queremos cair na representação. Ver os seres e as coisas em suas partes separáveis. Isolar essas partes. Torná-las independentes a fim de dar-lhes uma nova dependência. Robert Bresson, Notas sobre o Cinematográfico (1975) Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa por a si mesmo em determinada relação com o mundo, semelhante ao conhecimento – e, portanto, ao poder. Susan Sontag, Sobre Fotografia (1977)

Durante três dias de outubro, em 1974, o escritor francês Georges Perec dedicou-se a observar a Praça Saint-Sulpice em Paris e tentar registrar em sua escrita tudo aquilo que o olhar alcançava dali. Interrogava, portanto, o cotidiano mais simples e insuspeito, concedendo atenção a detalhes e cenas corriqueiras que se apresentavam diante do imediato de sua percepção, sem vontade alguma de transcendência ou lirismo. O livro Tentativa de esgotar um lugar parisiense pode ser lido como um levantamento de dados fenomenológicos,

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uma série de listas, descrições e notas que reagem ao encontro com o lugar e que acabam por revelar a própria imanência do olhar. Tal proposição provocou um aguçamento dos sentidos, capacitou a percepção para níveis reduzidos e condensados, ao que mais tarde Perec chamaria de infra-ordinário e que encontra ressonância com o inframince duchampiano. Para além daquilo que provê informações aos inventários, catálogos e recenseamentos das narrativas oficiais, interessou ao escritor, por suas tentativas, “descrever o resto: aquilo que geralmente não se nota, que passa despercebido, que não tem importância: o que se passa quando nada se passa, senão o tempo, as pessoas, os carros, as nuvens”. Sentado no mesmo Café Tabac na Praça Saint-Sulpice, do mesmo ponto de observação de Perec e tendo no horizonte de sua escrita o livro Tentativa de esgotar um lugar parisiense, o escritor espanhol Enrique Vila-Matas relembra as origens de sua fascinação pelas tramas não convencionais e recorda “quando descobriu que se podia construir livros livres, de estruturas inéditas, com associações e reflexões em torno a centros ausentes...”. Admitindo que aproximar-se da realidade constitui sempre uma tentativa, a de conseguir ver e extrair da aparência mais corriqueira um sentido, Vila-Matas assim

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concluiu suas observações, nas quais escreve sobre livros e lembranças enquanto registra a passagem de pessoas e ônibus pela rua: “Se acumula o passado e ao mesmo tempo a vertigem de um vazio, o que também anoto devidamente”. O exercício simples implementado por Georges Perec em sua escrita, de sentar-se e contemplar a aparência ordinária do cotidiano, sem enredo ou finalidade, foi deslocado e reterritorializado na linguagem cinematográfica por JeanChristian Riff, em 2007. Em seu filme-documentário Tentativa de esgotar um lugar parisiense, o cineasta fixou a câmera de modo a conseguir em seu quadro a mesma paisagem diante da qual Perec escrevia. Assim, capturou de maneira prosaica a mesma Praça Saint-Sulpice mirada pelo escritor 30 anos antes. No filme, as imagens vão se sucedendo enquanto a voz em off lê o livro de Perec, de modo que texto e imagem passam a criar coincidências e desencaixes sucessivos. Lentamente as descrições textuais dão relevo a uma marca de diferença, ao atrito de signos que estrutura a montagem do filme, já que estão sobrepostas camadas de leitura da mesma paisagem em temporalidades e linguagens distintas.

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A partir de outubro de 2015 a exposição TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR reuniu no MAES trabalhos de 6 jovens artistas capixabas que lidaram em suas pesquisas, ao longo do Bolsa Ateliê da Secult-ES, com perguntas e abordagens semelhantes a do experimento literário de Perec – “O que acontece quando nada acontece?” A aparente simplicidade da questão faz-se acompanhar de uma exigência à percepção, para se conseguir ver e extrair sentido daquilo que se mostra mais habitual e “insignificante” ao nosso olhar. Os projetos dos artistas demonstram essa sensibilidade na construção de relações complexas com um “lugar”, seja o plano do desenho, ou cidades desconhecidas, monumentos turísticos, paisagens culturais, o espaço ao redor de si, o próprio corpo ou mesmo o endereço domiciliar. ANDRÉ ARÇARI se apropriou do material gravado pelas câmeras de monitoramento em seu prédio para compor narrativas aparentemente ordinárias. O vídeo Stalker manifesta um olhar voyeur e muitos dos seus planos poderiam ser descritos pelas frases prosaicas do livro de Georges Perec, já que também apresentam imagens corriqueiras como num “inventário de coisas estritamente visíveis”, “micro-eventos”, ações simultâneas e anônimas. Em sua sala, o artista expôs ainda a captura das imagens

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do sistema de monitoramento do próprio MAES, produzindo por este deslocamento um acesso imprevisto à instituição (inclusive com cenas em tempo real de sua área administrativa em uso rotineiro) e analisando criticamente esta produção imagética pretensamente neutra. O trabalho revela dimensões invisíveis do lugar e como são estruturados os aparatos de controle e mapeamento do espaço institucional. As imagens do circuito interno de vigilância do museu reconstituem o que seria sua paisagem e tornam público um ponto de observação amplo e privilegiado, implicando na consciência política dos usos da imagem. Desta sala, tornou-se possível ver todos os espaços da exposição, o trabalho configurou uma espécie de mirante/ espelho dentro do próprio museu. Fixar o instantâneo, abordar diretamente o cotidiano, perscrutar enredos possíveis e produzir narrativas a partir das vivências foram estratégias utilizadas por duas artistas viajantes cujas práticas e registros nos lembram a frase de Cildo Meireles, para quem o artista, “como o garimpeiro, vive de procurar o que não perdeu” e também confirmam a anotação de um louco num caderno, recolhida por Manuel Réja em 1907: “Eu viajo para conhecer a minha geografia”. É também curiosa a passagem no livro de Perec

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em que ele conta ter mirado pela janela e se interessado mais pela imagem do interior do Café refletida, com sua própria imagem escrevendo estampada no vidro, do que propriamente a paisagem da praça. Parece inevitável que em alguns momentos mesmo a escrita mais descritiva ganhe contornos próximos a de um diário. As relações que BEATRIZANCHI e POLLIANA DALLA BARBA estabelecem com os lugares que visitam são sempre da ordem da subjetividade, tanto na qualidade das experiências quanto na “escrita imagética” que constroem por relatos de viagens. BEATRIZANCHI percorreu cidades com nomes de santos pelo interior do Espírito Santo. A partir do convívio intenso com os lugares, suas pessoas e histórias, a artista tece em seus diários uma série de desenhos, colagens, ensaios fotográficos e escritos em que funde referências da arte popular à sua mitologia pessoal. Nos diários, ela torna públicas as especulações mais íntimas que lhe evocam as viagens e realiza séries de auto retratos por todas as localidades e quartos de hotéis por que passou.

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Já POLLIANA DALLA BARBA viajou por diferentes cidades brasileiras e sul-americanas para produzir relatos afetivos, coleções de vestígios incomunicáveis e fotografias que reiteram a condição fragmentada das experiências que viveu em trânsito. A artista organiza diagramas visuais em que reúne materiais distintos para narrar uma incursão a Boliviamar, território de ocupação inconsistente devido a uma disputa entre Bolívia e Peru, por exemplo, ou a história da frustração de não ter participado de uma viagem em família à Itacaré, a última que seu primo faria antes de morrer. Anos depois, visitando a mesma praia que vemos em fotos de álbuns familiares, a artista produz registros de uma ausência, viajando sozinha. Polliana organiza também uma coleção do mesmo cartão postal de um monumento a San Martin comprado em diferentes cidades do Peru, um acervo cuja visualidade testemunha menos de um lugar que da ideia de sua circulação e disseminação como discurso por vários outros lugares. Tentativas como essas, mais que um esgotamento de determinada realidade geográfica, tornamse por fim tarefas de fundação e construção de um lugar que os artistas erguem pela linguagem e nos convidam a também habitar.

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Tentativas como traçar linhas que interceptem o espaço e reconfigurem a experiência sensível ali correspondem aos esforços de viajantes que se deslocam sem saber ao certo o que esperar de seus destinos, tendo em vista que vão delineando um trajeto que se forma ao mesmo tempo em que é experimentado. Os desenhos de SANDRO NOVAES são mapeamentos intuitivos de superfícies – seja do papel ou da arquitetura – por meio de um vocabulário formal restrito à linha. A partir desta unidade e de seus prolíficos arranjos o artista constrói presenças, percursos e projeções que se desdobram pelos planos. O lugar é ocupado e reestruturado pelas fábulas das linhas. Nesse sentido, podemos pensar que nossa percepção mostra-se mais responsável em moldar as espacialidades que ocupamos do que o contrário, como se poderia imaginar. A partir de diversos registros fotográficos e em vídeo do Cristo Redentor da cidade do Rio de Janeiro, GABRIEL MENOTTI produziu versões em escala reduzida deste monumento – religioso, turístico e político – utilizando tecnologias de scanner e impressão 3D. Explorando a aura excessiva do Cristo e sua presença marcante na cultura brasileira, o artista investiga as perdas e preenchimentos que se operam nesse significativo processo de reprodutibilidade, integrado

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por aspectos de tradução e prototipagem. Das profusas imagens do Cristo, disseminadas por vários níveis e circuitos de consumo, desde o turismo à devoção religiosa, o artista produz seus protótipos com tecnologias de scanneamento e impressão em 3D. A operação em si é significativa, sobretudo porque quando o virtual adquire materialidade, curiosamente, o resultado escultórico não apresenta correspondência direta à sua origem imagética. Ao contrário, tornam-se notáveis ruídos, lacunas e disparidades na constituição da tradução. Em outro trabalho, o visitante pode observar-se junto a uma aparição virtual de um Buda na sala expositiva. Explorando possibilidades poéticas a partir de procedimentos tecnológicos o artista nos levanta questões acerca da maneira com que as imagens fazem mediação em nossa relação com a realidade. Tentativas de leitura de um espaço, muitas vezes, dependem da consciência de sua historicidade, nem sempre evidente porém latente. Atentando à invisibilidade a que estão submetidas muitas das questões ligadas à história da escravidão e da cultura afro descendente no Brasil, sobretudo suas mutações e sobrevivências no tempo presente, CHARLENE BICALHO tem investigado o tema sob a perspectiva de sua própria condição de mulher negra e

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artista. Em sua sala escura, os visitantes foram convidados a pegar lanternas para ver nos relicários mechas de cabelos que recolhe das pessoas, espelhos e fotos da artista em diferentes momentos e penteados, vestígios identitários e elementos de matriz cultural africana que estão articulados em torno a uma projeção de vídeo num alguidar, artefato ritualístico do candomblé. Charlene reflete sobre uma narrativa que se desenrola tanto em sua própria pele quanto também integra uma longa história de exploração de um segmento étnico e social no país, desde sua invenção. Permeando as anotações mais descritivas do livro Tentativa de esgotar um lugar parisiense Georges Perec repete em alguns momentos, como que resignado: “Lassitude dos olhos, lassitude das palavras”. Esgotar um espaço é tentativa incessante de experimentá-lo. Exaurir os possíveis dali, frequentar os devires que por ali atravessam, como no filme “Wavelenght” de Michael Snow – em que o artista desenvolve ao longo de um zoom de 45 minutos o esgotamento do interior de uma sala por onde dias, pessoas e eventos simplesmente “passam” –, são tarefas que conduzem, paradoxalmente, à vertigem do infinito – tal como o filme se encerra fechando o plano numa fotografia pendurada na parede, por sua vez uma paisagem marinha,

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horizonte sem fim. Poderia ser o litoral capixaba... por que não? Diante do inesgotável da experiência, as tentativas se firmam admitindo sempre a circunstancialidade de seus gestos e empreendimentos. Por muitas (infinitas?) insignificâncias são constituídos os lugares que habitamos ou visitamos, seja com o corpo, com os olhos, com a memória ou com a imaginação. JÚLIO MARTINS, curador

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ANDRÉ ARÇARI

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O QUE VEMOS É O QUE NOS OLHA1. Vivemos tempos em que grande parte de nossas preocupações relacionam-se com a dicotomia liberdade / segurança. Ambos os conceitos são amplamente propagados no mundo contemporâneo: por um lado, temos o estímulo constante para conquistarmos nossas liberdades por meio do trabalho e sucesso, a fim de usufruirmos livremente dos bens e serviços que são produzidos pela humanidade e, por outro, assistimos ou lemos diariamente sobre a ameaça oferecida pela violência que, aparentemente, aumenta de forma exponencial - uma contradição, dado que a sociedade produz avanços que deveriam nos afastar dela. Com isso, emerge uma condição psicológica que instaura no seio de nossas vidas a paranoia e a constante vigília, seja de uns para com os outros, seja aceitando submetermo-nos ao monitoramento do estado ou de empresas de segurança privada - pretensamente atenuamos o medo mediante isso.

1R eferência ao título do livro “O que vemos, o que nos olha”, de Georges DidiHuberman

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Nos últimos anos assistimos a proliferação de olhos mecânicos que nos observam em quase todos os lugares, nas vias públicas ou em ambientes privados - os chamados CCTV’s ou “circuitos fechados de videomonitoramento”, em livre tradução. Precisamente, um desses ambientes é o edifício onde reside o artista ANDRÉ ARÇARI, que oferece aos seus residentes um canal de TV com imagens em tempo real das câmeras do sistema. É inserido nessa condição que surge o projeto artístico Stalker e esse é o material com que o artista trabalha na exposição “Tentativas de esgotar um lugar”, apresentada no Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio del Santo como resultado de um prêmio concedido pelo edital Bolsa-Ateliê da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo. Stalker é um termo inglês que designa a ação de pessoas em espreitar a vida alheia, acintosa e sistematicamente. André, em sua prática, incorpora os comportamentos típicos daqueles que se esgueiram para monitorar as atividades cotidianas de outras pessoas. Durante o período de duração da bolsa, em dias e horários variados, dedicou-se a registrar em vídeo as imagens de segurança privada que tem a possibilidade de acessar em sua própria televisão. Para tal, o artista se valeu de outros aparelhos de captura de vídeo e

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“reprografou» as imagens em sua tela de TV mediante o seu uso, em uma operação tautológica de monitoramento do aparato que monitora sua própria vida e de seus vizinhos. Durante oito meses esses procedimentos sucederam-se e construíram um banco de dados que, posteriormente, foi organizado e editado a fim de compor o trabalho para a exposição. Em “Tentativas de esgotar um lugar”, o trabalho Stalker apresenta-se em dois ambientes bem definidos e dispõe de estratégias distintas para apresentar o universo particular do artista em admitir a condição psicológica de espreitador, ao mesmo tempo em que oferece ao público a possibilidade de imersão nessa própria condição - o espectador torna-se, também, um Stalker. Adentramos um ambiente climatizado onde o frio é sensível. Uma televisão desce do teto na extremidade esquerda de uma ampla sala e nela as imagens capturadas do sistema de vigilância do prédio de André passam em looping, um vídeo com edição de 30 minutos em que aparecem os espaços comuns do lugar onde vive, portaria, hall, corredores, elevador - povoados, aqui e ali, por aqueles que

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compartilham desses espaços. Ao lado, há uma prateleira onde podemos ver uma espécie de inventário imagético do aparato de que o artista dispôs na realização de seu trabalho, imagens de todas as câmeras de seu edifício, do tripé utilizado para as filmagens, da máquina fotográfica utilizada para filmar as imagens que as primeiras câmeras produzem, da máquina que fotografou a máquina que filmava a TV e, por fim, do próprio artista - aqui se insere uma noção interessante de coisificação do sujeito, uma analogia direta entre o homem e o aparelho. Tal inventário, enfatiza a tautologia presente na ação que André realiza e enriquece a experiência de quem acessa o trabalho por meio da transparência, ao revelar os seus “bastidores”. Uma noção que rompe a condição privada dessas imagens e a atravessa em direção ao ambiente comum e compartilhado. Assim, somos conduzidos para o outro ambiente que compõe Stalker, com a introdução a todas as questões fundamentais que sustentam o trabalho: a condição psicológica, a tautologia das imagens e a transparência. Esse ambiente, denominado A_ZONA pelo artista, está bem delimitado pela pintura preta de todas as suas paredes e por ser pequeno, praticamente “privado”. Ali, há apenas alguns bancos, os aparelhos que compõem um servidor (um leak-servidor,

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nesse caso) e o monitor que apresenta imagens em tempo real das câmeras de segurança do próprio museu. Uma situação que atualiza e salienta, simultaneamente, a condição psicológica do stalker (na própria experiência do espectador) e a transparência com que as imagens privadas do sistema de segurança da instituição ganham uma dimensão pública. Fecha-se o ciclo do trabalho e, ao final da experiência, instaura-se em nós uma nítida e perturbadora percepção de que o que vemos é o que nos olha. GABRIEL BOREM

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Projeto Stalker Instalação, 2015


Projeto Stalker Imagens de circuito fechado de televisĂŁo (CFTV) do apartamento do artista VĂ­deo, 2015


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Projeto Stalker 8 Fotografias, 2015


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BEATRIZANCHI

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RESIDÊNCIAS DE PASSAGEM BEATRIZANCHI esteve em seis cidades com nomes de santos. Escolheu hotéis próximos a rodoviárias e rodovias, os mais populares e destituídos de traços identitários que pôde encontrar. Além dos apetrechos comuns em viagens, levou câmera fotográfica, pincéis, papéis, aquarela, nanquim, tecidos, linhas e agulhas. Levou também alguns de seus diários e outros objetos de valor afetivo. Permaneceu por seis dias em cada cidade. Perambulou por ruas, bares, restaurantes, igrejas, cemitérios, feiras, praças e lugares outros, indefinidos, sem nome certo. Pediu informações e conversou com desconhecidos. Permaneceu também muito tempo nos quartos de hotel, a fazer fotografias, pinturas, desenhos, bordados e colagens, com os quais compôs uma espécie de diário de viagem, com registro de acontecimentos, sentimentos e impressões. Barra de São Francisco, São Roque do Canaã, São Gabriel da Palha, São Domingos do Norte, Divino de São Lourenço, São Miguel do Veado e São José do Calçado são como tantos outros nomes a pontilhar o mapa de um país grande

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e católico. Os nomes são evocativos de histórias que correm à margem, num mundo cada vez mais rumoroso, pouco contadas, mas principalmente pouco ouvidas; ativam uma nostalgia adormecida, sabe-se lá de que. Nessas cidades, Beatriz não possui antecedentes afetivos ou de trabalho. Não tinha quem visitar e tampouco lugares a conhecer. Assim mesmo, conheceu pessoas: donos e funcionários de hotéis, garçons e gente da rua. Fotografou alguns, mediante consentimento; fez retratos em aquarela de outros. Estes receberam os retratos pintados como presentes; as fotografias, mais tarde, foram enviadas por correio aos retratados. O quarto de hotel é recanto impessoal e de efemérides que não deixam marcas. O tempo, ali, parece não andar; ou não ter para onde ir. Ou anda no ritmo errante do entrar e sair de hóspedes. A limpeza do espaço e a troca de roupas de cama e banho rebobinam os dias, revertem os acontecimentos a nada. Talvez por isso, os quadros e peças de mobília pareçam tão desoladores. Nesses lugares – sem devir – Beatriz fez residências de passagem. Provisoriamente, eles foram sua casa e cada cidade, durante seis dias, foi sua própria cidade. Naqueles lugares – santos – fez o que faz todos os dias no quarto-atelier de sua casa-sede, na Vila Velha onde vive em

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regime de constância: fotografias, anotações e colagens, bordados, pinturas e dobraduras, em suportes variados e com tamanhos diversos. As viagens, que tendem a ser momentos de exceção, rupturas no cotidiano, foram vividas como extensões da rotina. Das cidades visitadas, territórios outros, Beatriz fez lugares de pertencimento. As itinerâncias foram continuações da permanência. O trabalho de Beatriz é uma coleção de pequenos fragmentos, testemunhos de experiências diárias, em permanente expansão. Não teve início nas viagens e nem vai se concluir com elas. Ele é como um memorial disperso, sem formato definido e sempre provisório, mas que no conjunto apresenta a coerência, um pouco perturbadora, de uma sala de ex-votos. Algumas peças consistem em cadernos com anotações visuais, a fazer a crônica do dia a dia, como diários no formato convencional. Por serem depositários de verdadeiras intimidades, abri-los causa um sentimento de violação. Lembram um pouco os diários das meninas do ginásio, com suas cores fluorescentes, secretos apenas em parte, feitos em agendas que engordam com os conteúdos a transbordar. Sujeitos a uma partilha seletiva, são ostentatórios, dão estatuto à sua possuidora. As amigas mais

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íntimas podiam lê-los e algumas eleitas tinham a honra de poder escrever neles. Muitas das peças são desenhos, pinturas, bordados e colagens sobre papel ou tecido, além de fotografias que Beatriz faz de si mesma. São testemunhos da intimidade doméstica, de encontros e de solidões. Ao mesmo tempo, registros e dádivas votivas. Ao fim de cada estadia os donos do hotel foram presenteados com um voto, uma pintura em tela. Esses e os retratos doados estão relacionados aos diários e fazem deles um tipo específico de atividade memorial. Não são somente depositários de uma crônica pessoal. Eles ativam o cotidiano, participam dos acontecimentos e fazem do diário uma prática concomitante ao vivido. A despeito da simplicidade dos procedimentos e da gratuidade dos dias, nada é trivial nos diários de Beatriz. Os desenhos e pinturas surpreendem por conciliar um jeito pop a um sentido de verdade que emana das produções de arte popular. As coisas do sexo e da religião se abraçam e se harmonizam de modo visceral. Beatriz viajou e levou consigo sua casa. Fez a escritura da experiência íntima em paisagens outras. Realizou, e realiza, um trabalho incessante

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de ressignificação das partilhas, das trocas e das dádivas, em atividade permanente contra a vacuidade do não sentido. Nada é ínfimo; o conjunto é calmo e profuso, animado pelo respeito à diversidade de tudo que existe. LINCOLN GUIMARÃES DIAS

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Naqueles Lugares de Santos Instalação, 2014-15


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CHARLENE BICALHO

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NOTAS SOBRE ORIENTAÇÃO DE UMA JOVEM ARTISTA OU COMO PENSAR UM PROCESSO DE PRODUÇÃO EM ARTES Pode parecer lugar comum mas confesso que ter participado como orientadora1 da jovem artista CHARLENE BICALHO, na seleção da Bolsa em Artes Visuais, modalidade Ateliê, da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo foi um enorme desafio mas também um grande prazer. Desafio porque pudemos colocar em prática um processo de orientação fundamentado na análise e apreciação do que estava sendo produzido pela artista e prazer porque Charlene correspondeu às minhas maiores expectativas. Embora ainda iniciando sua produção visual ela já trazia na bagagem a ótima web serie RAIZ FORTE. Nela constatamos como tratou, com grande competência e sensibilidade, questões relativas

1 Sempre procurei pautar nosso relacionamento na conversa de duas artistas, uma mais experiente e outra iniciando o percurso nas artes. Tentei não estabelecer distâncias hierárquicas como é comum nos meios acadêmicos o que considero, se não totalmente tolo, altamente improdutivo. Utilizo aqui por vezes o termo orientanda e orientadora apenas para clareza do texto.

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à herança das mulheres negras, seu lugar de pertencimento no mundo e as desvalorizações constantes sofridas por este grupo ao assumir o formato natural de seus cabelos. Entretanto, inquieta que é, buscava neste momento traduzir suas indagações em uma instalação, produto alheio a sua prática artística. Pensar uma instalação nos leva a considerar elementos presentes na espacialidade do local, disposição de estruturas, desenho do espaço expositivo ou seja, respeitar uma linguagem artística que tem sua própria epistemologia. Não pensava, no caso de Charlene, em apenas fazer uma transposição de suas pesquisas em vídeo para a produção de uma instalação. Pensava, antes, em ajudá-la a traduzir suas ideias em uma linguagem na qual ela tinha pouco conhecimento prático. E foi exatamente neste momento que seu deu o que, para mim, foi uma excepcional oportunidade de pensar como o conhecimento e experiência adquiridos em mais de vinte anos de prática artística poderiam ser compartilhados com uma artista mais jovem. Através de um mergulho visceral de Charlene na produção de sua obra pudemos pôr em prática um plano de estudos baseado em propostas que presenciei fora do Brasil e que consistem em, ao invés de atulhar o orientando com textos alheios a sua prática ou interesse

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artístico, mapear os pontos fortes e fracos de sua produção e, a partir daí, organizar um plano de trabalho/estudos que valorize a experiência adquirida e permita, na medida do possível, sanar as dificuldades percebidas. Oriunda de outra área, percebemos que sua formação apresentava algumas lacunas nas quais deveríamos nos concentrar. Para que conseguíssemos otimizar ao máximo o processo propus que, ao invés de somente eu me deslocar ao Espírito Santo, Charlene viesse algumas vezes a São Paulo. Tratar de questões tão delicadas pedia medidas que ampliassem seu repertório visual. Visitas ao museu Afro Brasil, por exemplo, foram de grande valia, bem como a pesquisa de elementos da cultura visual afro-brasileira. Isto tudo sem abrir mão daquilo que ela faz muito bem, que é trabalhar com vídeo. Neste momento, concluímos que uma videoinstalação seria a melhor solução para sua proposta. Deste modo ela poderia continuar investigar um assunto ao qual já vinha se dedicando, ou seja, as características dos cabelos afrodescendentes e o preconceito advindo destas qualidades através de uma linguagem que ela já dominava (o vídeo), porém acrescentando novos elementos que dessem um significado maior a proposta em questão. O plano proposto incluiu elementos como a pesquisa da sacralidade dos cabelos através de visitas a sala de

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milagres, textos que evidenciavam a classificação das mulheres negras pela forma dos cabelos2, visitas a livrarias, museus e exposições, leitura de livros sobre história da arte e conhecimento da obra de outras/os artistas, produção de maquetes, idas ao mercado municipal de Vitória, onde procuramos elementos da cultura religiosa afro-brasileira, testes de luz, exercícios relativos à disposição de peças no espaço e produção de mapas expositivos. Além disso, foi necessário desenvolver um olhar atento à simbologia dos altares afro-brasileiros (onde uma pedra pode representar os atributos de um Orixá) e conversas com Yalorixás (por iniciativa dela) para saber mais sobre o significado dos cabelos nos cultos afro-brasileiros. Tudo isto tendo como ponto de partida a própria jornada anteriormente realizada pela artista e que a levou a se (re)descobrir através da aceitação e, posteriormente, do orgulho de sua incrível cabeleira. O resultado pode ser visto na instalação ADAPTAÇÃO/ MARGENS DE TI, parte da mostra TENTATIVAS DE SE

2B asta atentarmos ao fato comum no Brasil que mostra que, se duas mulheres da mesma cor de pele escura possuírem cabelos diferentes, quando lisos muitas vezes a mulher é classificada como “morena”, numa tentativa de aproximá-la da branquitude e de seus benefícios. Se os cabelos são crespos, esta mesma mulher é classificada como negra o que significa, aos olhos de sociedades racistas, um “rebaixamento” de sua condição.

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ESGOTAR UM LUGAR. Nela, Charlene procura destrinchar todo este percurso interior, suas descobertas como mulher afro-brasileira e algo da relação com as entidades que regem seu universo particular. Um grande alguidar, cabelos, fotos sobre armarinhos de banheiro (local íntimo onde o espelho não nega a realidade de quem somos) e o belo vídeo gravado em Minas Gerais e em Regência (Espírito Santo) compõe esta instalação em que cada elemento foi exaustivamente pensado. Das fotos que contam o percurso desde quando alisava os cabelos até às flores amarelas que aparecem no vídeo e que representam Oxum, Orixá feminina das águas doces a quem se atribui a beleza, o amor, a riqueza e a diplomacia, todos os pontos que resultaram nesta instalação foram discutidos, estudados, analisados. Fato a ser notado é que, em relação ao ambiente brasileiro, o que parece manter em uma espécie de “universo paralelo”3 as obras que tratam de modo

3É notável que no Brasil artistas e pensadores afrodescendentes ligados às artes visuais tenham ocupado locais “alternativos” para suas exposições e/ ou publicações. Fora do ambiente do museu Afro Brasil a presença de artistas que tratam da temática negra em seus trabalhos é mínima. Nos principais museus de São Paulo, como MAM, Pinacoteca do Estado (pós-gestão de Emanoel Araújo), MASP e MAC, por exemplo, exposições que tratam de assuntos ligados aos afrodescendentes no Brasil são, a um primeiro olhar, quase inexistentes.

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direto da questão negra não parece ser a qualidade dos trabalhos nem a solução plástica escolhida pelos artistas em suas investigações, e que pode transitar por uma arte contemporânea de tendência conceitual, pictórica ou de qualquer outra vertente atual. O que parece interditar o acesso fora de locais específicos como o museu Afro Brasil parece ser a temática das obras e o material escolhido para a sua produção. A/o artista pode estar perfeitamente alinhada/o com o que se espera de uma realização contemporânea, mas, se em suas obras o ponto principal são as questões concernentes à população negra ou, ainda, se escolhe materiais fortemente ligados às manifestações oriundas das matrizes africanas, como búzios, alguidares, miçangas etc., corre-se o risco de suas escolhas, por melhor que possa ser o resultado alcançado, afastá-lo/a dos espaços expositivos mais conceituados. Ao trazer para sua obra elementos da cultura afro-brasileira a artista alarga conceitos, discute parâmetros que alicerçam uma produção contemporânea que muitas vezes não dialoga com a cultura local e propõe o acolhimento de novos meios de pensar a produção visual produzida no Brasil. ADAPTAÇÃO/MARGENS DE TI belamente propõe novas conversas e leva ao panorama da arte contemporânea percepções diferentes, escolhas singulares e a quebra de

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paradigmas antigos e excludentes que infelizmente tem se perpetuado em nossa elaboração visual. Atingimos aquilo a que nos propúnhamos? Creio que sim, porém do meu ponto de vista, desde o princípio interessoume mais o percurso, o aprendizado que esta viagem propôs a Charlene que o resultado final. Procuramos desenvolver um tipo de pensamento visual profundo, que vai muito além da superficialidade e que a levou a descobrir elementos que estão presentes em toda boa obra de arte, independente do meio no qual a/o artista se expressa e que são o que faz a viagem valer a pena. Tenho certeza que ela absorveu isto, sagaz que é, e espero que nossa aventura possa ampliar seu modo de se aproximar da arte e de suas questões colaborando para a tradução de seus pensamentos e inquietações em potentes obras de arte. ROSANA PAULINO

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Adaptação Instalação com cabelos, fotografias de álbuns familiares e espelhos, 2014-15


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Margens de ti Vídeo projetado 6´57´´, 2015

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GABRIEL MENOTTI

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OBJETOS PROVISÓRIOS Sinal versus ruído, uma vez mais. Uma obsessão em forma de dueto que migra entre campos distintos – às vezes semanticamente, às vezes conceitualmente. A relação entre sinal e ruído costumava ser uma preocupação ligada aos sistemas da comunicação, pautando as teorias da informação. E desde a era eletrônica dos meios de comunicação, a informação é pensada como um sinal elétrico dotado de ambiguidades interessantes: a informação é tanto física como imaterial, é tanto dado, como fluxo, é tanto sinal como ruído. Sendo sinal, transita entre circuitos e mídias, sendo que nos sistemas analógicos, era constituída também de ruído, necessariamente. A predominância do sinal sobre o ruído sempre foi desejada nas teorias da comunicação. Mas no campo da arte pode-se querer algo diferente disso. Hoje pensada como código, a informação circula em meios digitais e especula-se sobre as qualidades estéticas dos ruídos desse sistema. Poderia esse ruído tornar-se obra em si?

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GABRIEL MENOTTI problematiza algumas dessas premissas em seu projeto “Objetos Provisórios” (título parcialmente colocado de lado ao longo da realização da exposição “TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR”), ao mesmo tempo em que reafirma sua convicção de trabalhar com formas sempre minimalistas (“para evitar complicações de sentido”). A partir de suas pesquisas de transposições entre meios, e aprofundando o questionamento das qualidades e especificidades do digital, Menotti empregou técnicas da fotogrametria, da impressão em 3D e da realidade aumentada para gerar os trabalhos “AR Buddha” (After Stanford), “Peça Sobressalente” e “Souvenires” (série corcovado). Juntos na mesma sala, em uma montagem que remete a um típico espaço museológico, formam um sistema de relações entre imagens e objetos que refletem inquietações associadas a novas tendências tecnológicas, apontando idiossincrasias inerentes às qualidades do digital ao mesmo tempo em que comentam a emergência de novos padrões para se aferir a reprodutibilidade (de imagens e objetos). “AR Buddha” (After Stanford) se apropria de um dos primeiros modelos virtuais gerados pelo processo de escaneamento tridimensional - uma estatueta do Buda Sorridente, disponibilizada online pela Universidade de

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Stanford - para refazer a obra “TV Buddha”, do artista coreano Nam June Paik. Aqui, o circuito fechado de TV é substituído por um sistema de realidade aumentada. No lugar do olhar eletrônico que capta o mundo em tempo real, temos o olhar do computador, que cria uma forma de sobreposição de referentes, em camadas de informação. Em “Peça Sobressalente”, o artista empregou processos de escaneamento e impressão 3D para produzir um ex-voto hiperreal de sua orelha direita. O objeto foi depositado na Igreja da Penha, na cidade do Rio de Janeiro, em agradecimento a uma graça alcançada. Especula-se assim que essa prótese diferenciada, de alta resolução, distinta das imagens típicas feitas em cera, apareça como um ruído nesse sistema tradicional de devoção católica. “Souvenires” (série corcovado) são impressões tridimensionais a partir de modelos virtuais do Cristo Redentor. Expostas como esculturas, com cerca de 12cm de altura cada, são protótipos feitos em plástico (PLA) que atualizam uma imagem a partir de rastros (midiáticos) que esta própria imagem deixa para trás. Foram criadas a partir de fotos e vídeos encontrados na internet, nas quais são aplicadas

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técnicas utilizadas para cartografia de precisão, instruindo a máquina a reconstruir o monumento virtualmente. As cópias são então impressas, e embora fiéis aos registros disponíveis, acabam não sendo nada idênticas ao objeto original, “colocando em questão os seus limites de existência, a mediação tecnológica da memória, e as nossas certezas sobre a forma como as inteligências artificiais compreendem o mundo”, segundo palavras do próprio Menotti. Temos um conjunto de questões colocadas de forma sutilmente irônica, não apenas pelo aspecto museológico, que remete a seu antecedente histórico, um gabinete de curiosidades. Mas ao invés de se bastarem como obras, explicitando o que são em suas qualidades, elas comentam algo para além de sua própria condição, fazendo emergir problemas de representação, entrevendo novos conflitos entre sinal e ruído. Ao assumirem sua típica instabilidade tecnológica, oscilando entre o analógico e o digital, entre o high-tech e o precário, fazem referência à chamada cultura maker, mas colocam-se distantes da lógica da indústria criativa forjada por um empreendedorismo tipicamente neoliberal. A respeito das qualidades estéticas do que vem sendo produzido através desses meios, seja a realidade aumentada ou os processos de escaneamento

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tridimensional, Menotti indica maior interesse pelo aspecto inacabado, pelo defeito, pela infidelidade de reprodução das formas, do que exalta qualidades estéticas do processo. Em grande coerência e sintonia com suas pesquisas anteriores como “68 Rivoli”, de 2009, que trata de teleausência ou “0 fps”, de 2011, que explicita distinções entre suportes analógicos e digitais), as pesquisas agora se orientam a partir de técnicas sempre inter-relacionadas, seja por aplicativos de celulares que juntam imagens capturadas por ângulos distintos ou por processos mais sofisticados associados à fotogrametria, empregando softwares que, ao lidar com milhões de polígonos, por operacionalidade, oferecem a tentadora possibilidade de simplificação, gerando efeitos de grande interesse estético e conceitual por parte do artista. O projeto revela relações intrincadas, em busca de atualizações: – há modos cada vez mais distintos de se ver uma mesma coisa (por máquinas distintas de visão, como scanners, kinects, câmeras bi ou tridimensionais); – há cada vez mais modos de se transformar o que se vê (por manipulação, por simplificação de dados, por indução de ruído); – há enfim novos modos de se transformar praticamente tudo o que se vê em coisas e objetos.

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A artista Hito Steyerl, em seu artigo “Proxy Politics: Signal and Noise”1 comenta as novas formas de se converter ruído em sinal, a partir de algoritmos pensados para auxiliar a baixa qualidade de lentes e sensores de câmeras mais acessíveis. A partir de técnicas associadas à chamada fotografia computacional Hito descreve a forma como uma nova geração de câmeras tende a comparar as fotos tiradas com aquelas existentes em um banco de imagens preexistentes, fazendo com o que o algoritmo ‘adivinhe’ o que se espera da foto. É um tipo de fotografia especulativo e relacional. Segundo Hito, inicia-se nesses sistemas “um jogo de probabilidades (...) que faz ver as coisas imprevistas mais difícil. Isso aumenta a quantidade de ruído assim como aumenta a quantidade de interpretação aleatória” (2014). Algoritmos desse tipo são utilizados por exemplo na detecção de pornografia no Facebook, pela análise de bancos de dados que apontam padrões de normalidade, mas sempre com o risco de erros ou interpretações equivocadas. Não raramente, censores humanos precisam intervir para distinguir se a imagem censurada é de fato pornográfica ou se é apenas uma textura,

1T exto disponível na íntegra em http://www.e-flux.com/journal/proxy-politics/ (acessado em 16/10/2015)

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superfície ou orifício que sugere algo ‘obsceno’. O crescente emprego de técnicas deste tipo nos solicita questionar, com maior atenção, a serviço de que tipo de operação são aplicados esses recursos inteligentes de escaneamento ou de dedução de ruídos indesejáveis. As primeiras experiências de Menotti com o projeto “Objetos Provisórios” envolveram a transposição de uma escultura do artista multimídia capixaba Hilal Sami Hilal para uma visualização tridimensional – de início em tela LCD. Ao contornar os procedimentos mais tecnicistas e sistemáticos de escaneamento, surgiram padrões, artefatos e compressões, acrescentando novas nuances entre o referente e sua representação tridimensional. A lógica digital intervém na imagem, na forma de polígonos, defeitos e apagamentos, numa evidência da eloquência do ruído típico do universo binário e numérico – obviamente inexistentes na escultura. A experiência indicou, dentre outros aspectos, que há algo de anacrônico em certas transposições meramente técnicas, talvez por não comportarem deslocamentos e intencionalidades, gerando por exemplo catalogações imperfeitas ou inaptas a ressignificações. E não por acaso, desse momento em diante o projeto de Menotti passa a caminhar por uma série de novas situações, que anteveem formas de melhor acomodar o ruído resultante de métodos menos tecnicistas.

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E também nos aponta que há toda uma linguagem a ser codificada para esses novos procedimentos, para que se façam emergir as possibilidades poéticas dessas operações. E na manipulação da imaterialidade do arquivo digital, direcionando para uma ou outra intenção, surge novamente a pergunta-chave: o que é sinal e o que é ruído? Ou ainda: o que é relevante e o que não é em meio a um volume cada vez maior de dados capturados por sistemas de escaneamento? Qual o sentido de se converter esses dados em objetos físicos? Interessa então pensar adiante sobre a profusão de um mundo que salta do digital para o ‘objetual’. Interessa observar que tipo de fetiche dispara o hype em torno das impressoras 3D pelo mundo, que sob o pretexto da prototipagem de modelos ou da fabricação semi-industrial, espalham pelo mundo réplicas em plástico derretido de toda sorte, de ícones do cinema (o mestre Yoda, claro!) a figuras religiosas (substituindo processos artesanais como gesso, cerâmica etc). Pois são essas derivações, no atual estado tecnológico, que começam a gerar produtos que ficam a meio caminho da perda do referencial, em repositórios que circulam ambiguamente entre o digital e o físico. Há hoje um arsenal online para operações deste tipo. O laboratório de Computação Gráfica da Universidade de

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Stanford, na Califórnia, de onde procedeu a peça “AR Buddha” (After Stanford), disponibiliza desde 2014 uma coleção de objetos escaneados, ‘printáveis’, para pesquisadores que não têm acesso a instalações de digitalização em alta resolução, que permite reconstruções pormenorizadas em impressoras 3D a partir de modelos poligonais mais densos. A Universidade faz em seu site ressalvas interessantes com relação a figuras com significado religioso ou cultural presentes no repositório (assim como o Buddha, outras imagens populares como anjos cristãos, figuras ancestrais tailandesas ou chinesas como dragões etc.). O apelo é no sentido de que as imagens não sejam manipuladas de forma a gerar controvérsia ou heresias: “Mantenha as renderizações e outras utilizações destes modelos especiais em bom gosto. Não fazer animações ou transformações, não aplicar operações booleanas nos objetos, e não simular coisas desagradáveis acontecendo com eles (quebrando, explodindo, derretendo etc).”2 A fato é que as falhas do digital são uma constante cada vez maior quando se trata da captura da complexidade do mundo real, seja utilizando-se um celular como scanner

2 http://graphics.stanford.edu/data/3Dscanrep/ (acessado em 18/10/215)

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(há uma infinidade de aplicativos para isso) ou técnicas de fotogrametria. Além do componente espacial intrínseco a toda forma de registro de imagem, há novas complicações inerentes ao estiramento temporal do escaneamento, que gera anamorfoses, falhas ou glitches - ruídos. O artista Chris Coleman, demarca de forma bastante precisa as especificidades desse processo na realização da obra “METRO Re/De-construction”3. Com um dispositivo de digitalização 3D portátil e um laptop, o artista registrou o percurso que faz diariamente na linha férrea que o leva a seu local de trabalho (Denver Light Rail). O vídeo apresenta uma série de fragmentações e lacunas, que são consequência de uma série de movimentos e temporalidades (o caminhar dentro dos vagões, as estações pelas quais o trem foi passando, a velocidade da viagem, sempre afetadas pelo movimento natural da mão do artista durante a digitalização). Como comenta o artista, apesar dos modelos finais serem estáticos, “eles são na verdade registros de tempo, da perspectiva e da percepção. Não há a possibilidade de que cada escaneamento resulte em imagens iguais”4. Cada um sendo a documentação de um corpo em uma viagem única, serão de fato diferentes.

3 https://vimeo.com/75120612 4 Depoimentos a respeito da obra em http://digitalcoleman.com/METRO-ReDe-construction

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Na série “Digital Derivatives”, Coleman escaneia pessoas com uma câmera 3D similar a um dispositivo Kinect. “Ao contrário do modo como essas imagens exageram as características de uma pessoa, tornando-as ‘ultra’ reconhecíveis, eu estava interessado em quanto detalhe que eu poderia retirar de uma pessoa para que elas ainda se reconhecessem na imagem”.5 Os trabalhos de Coleman fazem ecoar as pesquisas de Menotti, nos fazendo acreditar que por mais artificial que o mundo digital possa parecer, os padrões atuais de reconhecimento e representação geram distorções ‘naturais’ (intrínsecas), e o valor estético do ruído pode estar exatamente nessas brechas. E por que não dizer de um valor também político ou ideológico a ser revelado? Defeitos de escaneamento ou de impressão são mais a regra do que a exceção, gerando uma resolução visual ‘bugada’, típica de um mundo que economiza em definição (porque depende de processamento, tempo de rendering, memória, espaço em disco). Para Menotti, vale apontar o estado tecnológico atual, em que os sistemas operam em suposições algorítmicas, e rendem visualizações falhas, em

5 Declarações obtidas em conversa informal com o artista.

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escaneamentos permeados por infidelidades, preenchidos por nuvens de polígonos que compõem mundos abstratos, onde o glitch define toda uma estética. No projeto “Objetos Provisórios” a perda do referencial é um limite que induz suas operações e torna relevante o que poderia ser ordinário. “Souvenires”, por exemplo, ressalta isso ao nos fazer ver modos distintos da mesma coisa ser vista: um Cristo Redentor, onipresente em nosso país como imagem e objeto, passa a ser concebido, sobretudo, pelo processo técnico que o gera mesclando técnica e processos de representação. Da imagem ao objeto, do objeto à imagem, como se percebido indefinidamente nesse modo (vale dizer que na iconografia católica, a representação em objetos e em imagens são a mesma coisa e a ortodoxia tornou não apenas lícita como obrigatória a confecção e veneração de seus ícones). Já em “AR Buddha” (After Stanford), no processo de atrito e tensão entre a imagem e o seu referente (a cópia e seu original) percebemos uma forma de subversão que se revela valiosa segundo predicados budistas: aquilo que se dá a ver é algo que, aparentemente, não existe. “Peça Sobressalente”, uma vez devolvida ao circuito ao qual faz referência e tem origem, o faz de forma a provocar ruídos de outra ordem, especulativos, típicos das incertezas que desestabilizam padrões. Trata-se de uma paródia do crescente uso de

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tecnologias de fabricação digital nas práticas cirúrgicas contemporâneas? Ou uma tentativa de fazer as pazes entre essas tecnologias e formas muito mais antigas de agir por meio de imagens? Assim, enquanto um estatístico como Nate Silver (autor de “Sinal e Ruído”, 2013) argumenta a favor da interpretação correta de dados numéricos como fator de segurança e progresso de nossa sociedade, Menotti opera nos vazios e erros dos dados numéricos ao buscar o ruído que migra entre as indefinições contemporâneas. São comentários que apontam sensibilidades para além de uma teoria exata, para além da percepção imediata das coisas. Enquanto multiplicam-se os slogans a favor de um empreendedorismo pós-industrial, domesticando criatividades indóceis para um mercado neoliberal, Menotti extrai conceitos densos a partir de operações que nos pareciam meramente técnicas, nas novas ambivalências entre o físico e o digital, entre o escanear e o imprimir, entre o ver e o interpretar, entre o sinal e o ruído, evidenciando o que pode estar em jogo nesses novos sistemas que em tudo nos captura. LUCAS BAMBOZZI

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Nuvem de pontos extraída de vídeo encontrado na Internet, para reconstrução volumétrica de uma das estatuetas da100 série Souvenires (Corcovado), 2015


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Souvenires (sĂŠrie Corcovado) Esculturas em plĂĄstico PLA, 2015


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AR Buddha (after Stanford) Instalação, 2015


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POLLIANA DALLA BARBA

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AR POLLIANA DALLA BARBA realizou sua pesquisa a partir da articulação entre a reconstrução do espaço vivenciado e a remodelação do tempo afetivo. Suas pequenas narrativas nos contam histórias de percursos da artista entre países da América do Sul e cidades brasileiras. Locais como Antofagasta, Ilo, Punta Arenas, La Paz e Itacaré, que se transformam de coordenadas geográficas em instâncias movidas por afetos. Suas obras não se estruturam como símbolos de suas viagens, ou vestígios da ausência, mas como pequenos ruídos surdos, alegorias que se reconstroem a cada novo olhar, reproduzindo novas narrativas e buscando novos significados. Na exposição no Museu de Arte do Espírito Santo, Polliana apresenta os trabalhos Boliviamar (2013), Cotopaxi (2015), Itacaré (2015), Uma coisa supostamente divertida que nunca mais vou fazer (2013-2015), Ícaro (2015) e Talvez céu, talvez mar (2015). Em seu processo de criação, o espaço torna o tempo concreto através do constante rearranjo das obras e da justaposição e reorganização dos elementos compositivos. Em suas instalações de parede, os objetos existem em correlação, ao longo do olhar atento da artista que constrói

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seu trabalho incessantemente. A fotografia se relaciona com a literatura, a palavra, o desenho, o recorte e a colagem. Esta se estabelece como o procedimento que melhor exemplifica a forma pela qual se desenvolve seu processo de criação, que se utiliza de recortes e fragmentos de memórias materiais. Assim, o método ressalta a importância do fragmento para a valorização de todo o conjunto compositivo. A obra Boliviamar (2013-2015) se divide em dois conjuntos de trabalhos justapostos, fruto da pesquisa sobre a perda da saída do mar do território Boliviano após a Guerra do Pacífico. A primeira etapa do projeto, que iniciou em 2013, ocorreu a partir da viagem para a cidade de Antofagasta, no Chile. Lá Polliana resgata a memória do trauma boliviano ao coletar água do mar do antigo território, marcado no imaginário boliviano pelas lembranças das tropas do exército chileno ocupando a cidade, o que provocou o “roubo” da saída para o mar do país. A água coletada é despejada no lago Titicaca, símbolo da Bolívia. Após, Polliana recolhe água do lago e a deixa exposta na galeria. A água, assim, se perpetua como fluído da memória, como efemeridade que materializa a experiência da viagem e as inúmeras possibilidades narrativas geradas a partir do seu deslocamento e de seu gesto político. Além da pequena garrafa com água,

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Polliana viajou com uma máquina fotográfica, através da qual documentava seu percurso. Ao longo da jornada, sua câmera foi furtada, fato que gerou um impensado Boletim de Ocorrência Policial registrado na delegacia local e que é exposto como obra na exposição. O “roubo” do mar boliviano parece ressaltar, pela ausência de imagem, ou melhor, pelo furto das imagens e o selo de identificação institucional de um órgão do governo boliviano. A continuação da pesquisa ocorreu em 2015, na viagem para a praia de Boliviamar, no Perú. O local vazio, melancólico, intensifica o desejo impotente do povo boliviano de resgatar o mar, e ressalta o trauma de um país que amarga o saque de seu território por outra nação. A fotografia de uma escultura, com ferros retorcidos, oxidados, no meio do nada, indica que as guerras, os tratados e os acordos entre os países continuam constantemente nas acusações de ambos os lados sobre a posse pelo território. Na obra Cotopaxi (2015) a artista se desloca até o vulcão Cotopaxi no Equador, e lá caminha por uma trilha chegando até seu cume nevado. As imagens do percurso são apresentadas com desenhos, frases e imagens de enciclopédia do modelo científico de erupção de um vulcão. A partir desse recorte, fotografias criam relações pelo

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contraste, e enquanto a lava sai verticalmente pelo cume, as imagens indicam um corpo frio, do gelo que cai sobre a montanha e cria formas que lembram a pintura de Courbet “A origem do mundo”. Nesse jogo de contraste entre um mesmo corpo que por fora é frio mas que por dentro arde, a obra oferece ao público um rico campo de histórias e interpretações, reforçadas pelo pequeno desenho do vulcão presente na folha, o qual traz a sensação de diário; ou ainda por um elemento infantil, que se materializa na pequena borracha cuidadosamente alocada sobre a moldura do desenho. Em Itacaré (2015), a artista parte de uma lembrança de infância. Impossibilitada de viajar com o primo para praia de Itacaré, Polliana combina com o amigo que no futuro os dois farão a viagem juntos. Inesperadamente, a promessa acaba interrompida pelo falecimento precoce do primo Léo. De posse de fotografias do amigo encontrada nos arquivos da família, a artista resolve conhecer Itacaré e realizar a promessa a partir da viagem solitária, pensando na ausência e nas promessas não realizadas. Assim, cumpre o projeto como forma de pensar o vazio da presença do outro em nossas projeções do futuro no passado, ressaltando que algumas experiências não são feitas para serem ditas, mas

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experienciadas, vividas. Dessa forma, desenhos, pedras e fotografias parecem ressaltar o tempo como construção pessoal. Sua produção se desdobra através da busca pelo ar, pela tentativa do voo. Tudo parece flutuar, escapar rapidamente, tanto o lugar percorrido, as lembranças, os vestígios, como o espaço expositivo que, muitas vezes, tenta engolir o trabalho. Até sua própria condição de artista que se confunde com a de turista em alguns momentos é problematizada. Essa relação, ademais, se estrutura no vídeo Uma coisa supostamente divertida que nunca mais vou fazer (2013-2015), gravado a partir do interior dos veículos nos quais a artista se deslocou ao longo de seu itinerário. A janela do veículo que isola seu corpo do lugar reafirma a separação, ao mesmo tempo em que busca a tentativa do contato. No trabalho Ícaro (2015), no qual mais de 190 pequenos aviões são recortados de livros antigos e almanaques encontrados em sebos ou doado por amigos, a artista indica que o deslocamento não é apenas físico, mas mental, imaginativo, inventivo. Os aviões recortados são rearranjados, catalogados em um grande vão vertical,

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flutuam transpassados por alfinetes que furam a fuselagem e não permitem sua fuga. Eles contrastam com a delicadeza dos recortes, como gesto violento de tentar interromper um impulso, um pensamento ou uma simples ideia. Em Talvez Sol, Talvez Mar (2015) um pequeno recorte de enciclopédia apresenta a imagem de um mar revolto, no qual uma colagem de um avião se sobrepõe a uma colagem do mar. Dependendo do olhar do observador, o avião parece estar sobrevoando o céu ou sendo sugado pelas ondas do mar. Imagens de símbolos da modernidade, do progresso, do futuro e do desastre, mas com a aparência dos anos 70 e 80, ou melhor, do futuro do pretérito. Essa tentativa de criar uma estética de outro tempo é recorrente em sua produção, talvez como forma de reforçar sua tentativa de impermanência, tanto do próprio tempo como do lugar. O trabalho Plaza San Martin (2015), realizado no Peru, é composto por postais que se constituem como representação do comum a toda cidade, a praça como monumento do poder, como o local do triunfo dos conquistadores do Estado que se materializa através da representação e da reprodução não apenas de suas imagens, mas de sua narrativa da história. Os postais da praça da cidade de San Martin, líder

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da independência de vários países sul-americanos, são colocados lado a lado sobre uma canaleta de madeira. Cada um foi coletado em distintos locais do território peruano, mas carrega a mesma imagem, como se fossem fruto da mesma matriz. Carregam a sua representação estereotipada como elegia ao poder, na forma pela qual a representação de um lugar é constantemente simulada, desfigurada, controlada. Em sua pesquisa, Polliana potencializa o gesto de viajar como proposta poética; a distância é o início de seu processo de criação e o tempo, seu aglutinador de experiências. Promove fraturas na linearidade do tempo, causa fissuras no nosso entendimento sobre o deslocamento, o território, o lugar, a memória e a arte. Cria assim uma ficção, porque toda representação é uma forma de ficcionalizar um arranjo de signos, buscando assim formas de significar as coisas do mundo e produzindo maneiras de problematizar experiências que o sentido não consegue transmitir. Portanto, sua produção busca a leveza, a atmosfera terrestre e as correntes de vento que não conhecem os limites entre territórios, estados e nações. RAFAEL PAGATINI

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Boliviamar Objetos, 2015


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Ícaro Instalação, 2015

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SANDRO NOVAES

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UM DESVIO PARA O IMATERIAL Este seria o sentido geral que podemos perceber, ao depararmos com as configurações planares e espacial que SANDRO NOVAES selecionou para apresentar nesta exposição. Tudo que vemos e participamos, nos encaminha para uma experiência que culmina no reconhecimento de linhas e pontos imateriais, tanto nos desenhos quanto na instalação disponibilizados para a fruição do público. Abordando inicialmente as obras bidimensionais que nos remetem imediatamente à sua consequência espacial instalada, este texto visa no seu decorrer, explicitar a condição fenomenológica que sujeita e norteia estas configurações, como princípio. Ultrapassando o mero uso do desenho como gesto primeiro e interpretativo do objeto-mundo, Sandro começa sua exposição apresentando obras planares não figurativas que buscam induzir o observador, a uma experiência visual que termina viabilizando o afloramento de fenômenos relacionais na forma de conceitos e de conhecimentos. Imagens construídas com linhas negras que contrastam

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com o fundo branco do papel, convergem para um foco de perspectiva, solicitando que nosso olho acompanhe seu percurso. Tal expectativa provocada pela deambulação do olhar sobre estes caminhos gráficos é interrompida por uma ausência de continuidade. O que vemos a seguir, não confere com o que estava encaminhado anteriormente. Esta quebra de expectativa, esta descontinuidade, termina gerando uma diferença que logo após a experiência visual, passa a pulsar inquietantemente como fenômeno na imaginação do observador. Ao fim, a percepção ativada sobre o plano gráfico, constrói uma linha inexistente, digamos imaterial, posto que seja algo que em realidade não existe, porém percebemos por complementação gestáltica. Acabamos construindo uma sutil linha nesta diferença. Deste modo, Sandro faz uso de uma linguagem planar, não para representar algo da realidade centrado na relação indicial com o mundo, mas sim, usa o desenho na sua possibilidade experimental, autônoma e interna. Sua imagem planar seria apenas um subterfugio para permitir uma experiência vivificante ao observador. Espaços percebidos e construídos por descontinuidades, ou aqui entendidos como linhas não existentes, são encontrados, surgindo como volumes convincentes em um suporte absolutamente planar. Neste sentido, sua imagem gráfica reafirma a noção de arte do

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engano, um autêntico Tromp l’oeïl, ato tão recorrente e comum no desenho como meio expressivo, porém resta de toda esta experiência do olhar, conhecimentos fundados no encontro entre obra e observador que dão consequências espaciais, como veremos a seguir. Ao abandonar a parede que suporta as citadas obras planares, quando viramos, nos encontramos diante de um espaço expositivo, de planta trapezoidal que convenientemente suporta uma instalação com linhas, tirando evidente partido desta condição de espaço de perspectiva forçada. Nesta instalação, agora construída com linhas reais de algodão, nas cores branca e negra, em um baixo contraste com o fundo branco do espaço, Sandro Novaes aplica o mesmo sentido conceitual experimentado nos trabalhos planares para, neste momento, enfatizar além de linhas inexistentes, os pontos imateriais, elementos possíveis de serem entendidos como fenômenos surgidos na interação do observador com esta instalação participativa. Tais pontos imateriais que apontamos, tratam-se, em verdade, de novos focos de perspectivas que podem ser percebidos pelo

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fruidor ao caminhar para dentro do espaço penetrável desta obra. Uma vez encontrando e posicionando nestes pontos focais, ao observador é possível reconhecer, mais uma vez, construindo por complementação gestáltica, novas linhas inexistentes que nascem da quebra de expectativa do olhar, quando tenta percorrer as direções indicadas pelas reais linhas de algodão. Neste sentido, nesta contradição, entre linhas e espaços reais que se opõem diretamente às suas antíteses, as linhas e pontos inexistentes, Sandro exprime seu princípio dialético. Fica evidente a fonte terminológica que norteia todos os seus gestos e propósitos, torna-se claro para aquele que usufrui de suas imagens, que por traz de toda esta simplificação abstrata, além desta ausência de imagens representacionais, um fundamento conceitual centrado na fenomenologia, rege suas atitudes. No que se diz respeito à simplificação da imagem à sua ossatura irredutível, e mesmo quando identificamos o uso dominante da abstração, poderíamos relacionar a obra deste artista visual ao modernismo, porém seu trabalho transcende esta referência quando desdobra alguns fundamentos fenomenológicos que conectam diretamente com atitudes facilmente reconhecidas nos procedimentos formais e conceituais da arte contemporânea brasileira. Podemos dizer

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que Sandro Novaes faz durar alguns hábitos oriundos do Neoconcretismo, desdobrando na atualidade, estratégias que retiram o observador da passividade própria daquele que vê a obra de arte em um espaço expositivo, convidando o mesmo, para uma participação que faz dele, condição indispensável para o surgimento do fenômeno fazendo jus e dando sentido a suas imagens, uma vez que: tanto as linhas inexistentes quanto os pontos imateriais, só podem ser percebidos sob a égide da participação. JOÃO WESLEY DE SOUZA

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Sem título Instalação com linhas de poliéster e tinta vinílica, 2015


Sem título (série) Desenhos em grafite e carvão sobre papel 65x50 cm, 2015


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O QUE ACONTECE QUANDO NADA ACONTECE? – AÇÕES EDUCATIVAS A PARTIR DA EXPOSIÇÃO “TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR” É possível esgotar um lugar? É possível inundar-se de tudo o que existe num lugar/ momento/sensação a ponto de esgotar seus significados e sentidos? Estas são as inquietações que o Núcleo de Ação Cultural Educativa do MAES compartilhou com os visitantes e estudantes sob a forma de ações educativas e trocas cotidianas a fim de construir experiências coletivas dentro da exposição TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR. Sempre pensando a prática da mediação como forma de promover uma reflexão e o contato com a arte de modo que a construção de sentido seja orgânica, amigável, criativa

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e horizontalizada, foram propostas ações voltadas para a atitude do visitante em consonância ao pensamento da curadoria no decorrer da exposição. Dentro das ações educativas, o gesto de observar foi trabalhado em analogia ao eixo curatorial, que por sua vez estimava o conceito de “esgotar um lugar” por meio do olhar, como o autor Georges Perec fez em seu “lugar parisiense”. Convidamos, então, os visitantes a tentarem esgotar o seu lugar. Um lugar que não é o espaço expositivo, mas sim o que existe metaforicamente dentro de cada um, um lugar que pode ser o entorno do museu, como a Praça Costa Pereira – vizinha ao MAES –, tão familiar para os moradores do centro de Vitória, porém tão repleta de “lugares” a serem observados e descobertos neste gesto de captar o que “acontece quando nada acontece”. Neste contexto, foram importantes duas propostas que funcionaram como celeiro para o pensamento da equipe educativa e de onde emergiram as ações com os visitantes da mostra. Primeiramente, o “Laboratório de Criação em Mediação” foi proposto pelo artista-educador Rafael Dias

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e foi basicamente um espaço de vivência colaborativa. Organicamente, os educadores coletavam a cada encontro sugestões para os que se seguiam, tais como filmes, textos, obras, artistas, palavras, conversas e reflexões. A partir daí foram criadas frases provocativas que foram estampadas nas camisetas da equipe de educadores, como: “O que você procura não está aqui”, de Juan Gonçalves; “Você precisa de mim?”, de Renata Rosetti; “Não é o que não pode ser que...”, de Rafael Dias; “Escutador de histórias” de Vanderson S C Passos; “O que você quer saber” de Rosiane Silva e “Por onde começar”, de Fernanda Antônia”. A ação tinha como intuito atrair o olhar do visitante para o educador, promovendo reflexão e, por consequência ou desejo, o diálogo. Os encontros semanais no “Laboratório de Criação em Mediação” tinham como premissa a reavaliação da semana anterior e a proposição criativa das ações futuras: as mediações junto aos grupos visitantes, os encontros com artistas e educadores, sempre lançando mão de ações poéticas potencializadoras. A curadoria, as ações educativas e a produção poética individual dos educadores foram pensadas como elementos de um mesmo processo, “respirando” a mesma atmosfera e multiplicando as poéticas dos trabalhos em propostas

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que extrapolaram os limites da exposição. Dessa forma, a publicação “NDA - Nuvem de Desejos Atravessados”, um compilado de proposições poéticas compostas pela equipe de educadores residentes do MAES emergiu a partir da exposição “Tentativas de esgotar um lugar” como desdobramento das discussões, estratégias e ações realizadas. Além desta proposição, o “Encontro de educadores e “não-educadores”, proposto pela artista-educadora Carla Borba, também funcionou como lugar de produção poética. Além da formação da equipe de mediadores e equipe do museu, foram realizados dois encontros no início da exposição que propunham aos participantes uma vivência na qual o gesto de observar era explorado e os participantes convidados a fazer uma visita à Praça Costa Pereira e lá permanecerem por um tempo observando e captando impressões que foram transcritas e, em seguida, lidas no retorno ao museu. Esta ação serviu como gatilho para propostas que pudessem pensar as questões da exposição fora do espaço expositivo.

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Todas as ações, vivências, encontros e trabalhos poéticos dos educadores tiveram como principio a criação destes “lugares de cruzamento de vontades” e de produção coletiva, em que o desejo de cada um atravessava o desejo do outro. NÚCLEO DE AÇÃO CULTURAL EDUCATIVA - MAES

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Em paralelo às atividades do Núcleo de Ação Cultural Educativa do MAES, a artista Charlene Bicalho propôs ações educativas em torno de suas obras “Adaptação” e “Margens de ti”. Além de exibição do filme “Raiz Forte” e lançamento da websérie “Mulheres de Raiz Forte”, o compartilhamento de saberes e fazeres das artistas convidadas Luara Monteiro (ES), Shila Joaquim (SP), Priscila Rezende (MG), Tatiana Rosa (ES) e Thaís Apolinário (ES) possibilitou a ampliação do leque de referências no que tange à produção de artistas negras no cenário da arte contemporânea. Diálogos sobre “Elementos da Cultura Afro-brasileira” Tatiana Rosa A partir do estudo “Fios-de-contas”, utilizado como prática educativa, foi problematizada a importância da religiosidade para o entendimento da cultura afro-brasileira tendo os fios como elementos transmissores de conteúdos simbólicos e de identidade. Oficina “Eu, você e o tempo” - Luara Monteiro Reflexões sobre o tempo, o autorretrato, os ciclos da vida e as africanidades, que conduziram os participantes numa viagem

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Oficina “Estandarte de Memórias Vivas” - Shila Joaquim Encontros para o afloramento de memórias através da exibição de vídeos de Charlene Bicalho, leituras de textos poéticos literários, jogos dramáticos, audição de causos e histórias, produção de desenhos e imagens para a criação e produção de estandartes. Diálogos sobre “Mapas > Afetos” - Thaís Apolinário A partir da obra “Artista da Fome”, do escritor tcheco Franz Kafka, e de conceitos do filósofo francês Gilles Deleuze sobre o fazer artístico contemporâneo, foram desenvolvidas leituras e propostas artísticas em torno dos trabalhos de Charlene Bicalho. Performance coletiva “Bombril” Após participar da oficina “Identidade e Afrontamento”, ministrada por Priscila Rezende no Mucane (Museu Capixaba do Negro), as artistas Charlene Bicalho, Elaine Vieira, Jaqueline Loureiro e Tatiana Rosa realizaram a performance “Brombril” coletivamente. O trajeto percorrido pelas artistas criou uma ligação entre Mucane e MAES.

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Ação educativa diálogos sobre “Elementos da Cultura Afro-brasileira”

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Colheita de mechas de cabelo durante ação educativa “Eu, você e o tempo”

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Ação educativa* “Eu, você e o tempo”

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Performance “Bombril�, de Priscila Rezende, realizada coletivamente em frente ao MAES

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ANDRÉ ARÇARI Graduado em Artes Visuais pela UFES e mestrando finalista - Área: Teoria e História da Arte - pela mesma instituição, aonde também atua como professor nas disciplinas Plástica, Plástica Tridimensional, Escultura e Desenho. Como pesquisador, integra o Laboratório de Pesquisa em Teorias da Arte e Processos em Artes, desenvolvendo em campo teórico escritos auto-reflexivos, além de fazer parte de projetos de pesquisas em artes. Artista multimídia, pesquisador, teórico e crítico independente, suas operações em campo prático tensionam relações entre imagens estáticas e em movimento; linguagem e discurso; aparelho e dispositivo; história da arte e do cinema. De forma ora direta, ora discreta, atravessando noções de arquivo e coleção ou em situações que investigam a invisibilidade, Arçari desvela um tempo interno da arte, tão sonoro quanto dilatado; silencioso e incerto. BEATRIZANCHI nascida em Vitória/ES (1990). É artista plástica, graduada em artes plásticas pela UFES Universidade Federal do Espírito Santo (2013). Sua pesquisa relata experiências autobiográficas, do universo do íntimo e privado e suas relações com os lugares e o público. Utiliza do objeto Diário, em formato de livro para relatar aquilo que se vive enquanto se vive; da fotografia como relato instantâneo

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e também, se apropria de objetos do cotidiano e de técnicas e símbolos da arte popular, dos símbolos do cristianismo e também os pagãos para obter a sua própria enciclopédia de imagens. Através da apropriação de objetos, deslocamentos e de acontecimentos do cotidiano, nessa coleta do instante, BeatriZanchi ressignifica tempo-lugar-espaço, através das imagens. Permite ao espectador a entrar em contato com seus objetos (diários, cerâmicas, bordados, pinturas, desenhos, colagens) da esfera do íntimo e que ela os julga “sagrados”. Dessa forma, a artista reinventa um novo diário no formato de instalação, não dependendo somente do formato diário livro. CHARLENE BICALHO Mestra em administração por formação Charlene Bicalho ingressou no universo artístico em 2010 com trabalhos que abordam manifestações populares, comunidades tradicionais e o posicionamento da mulher negra dentro da sociedade brasileira. Utiliza como linguagem artística a pesquisa participante, fotografia, performance e o vídeo para compor a narrativa artística dos seguintes trabalhos: Projeto Raiz Forte (Brasil | 2011 – atual); Exposição Coletiva Tentativas de Esgotar um Lugar (Adaptação | Margens de Ti 2014 | Museu de Arte do ES/Vitória-2015); Exposição Coletiva Substantivo Feminino (Irremovível | São

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Mateus-2014); Exposição Coletiva Obscure Beauté Du Brésil (Web série Raiz Forte | França-2014); Projeto Submersos (Linhares/ES-2014); Exposição Coletiva Horizonte (Irremovível | Vitória-2013); Projeto Fusão de Sentidos (Linhares/ES-2012). GABRIEL BOREM utiliza no núcleo de suas propostas conceitos como: ação, lugar, apropriação, deslocamento, transfiguração e síntese. Participou de mostras individuais e coletivas, comanda a VOA Galeria e foi orientador do Projeto Stalker. GABRIEL MENOTTI trabalha com formas variadas de cinema. Já apresentou projetos em eventos tais como a Bienal de São Paulo, os Rencontres Internationales Paris/Berlin/Madrid e o Festival Transmediale. Atua como curador independente e professor adjunto de Cinema e Audiovisual na UFES. Possui doutorado em Media & Communications pelo Goldsmiths College (Universidade de Londres). É autor de Através da Sala Escura (Intermeios, 2012) e co-editor de Besides the Screen: Moving Images Through Distribution, Promotion and Curation (Palgrave, 2015) e de Cinema Apesar da Imagem (Intermeios, 2016). Coordena o grupo de estudos Baile e a rede de pesquisas Besides the Screen.

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JOÃO WESLEY DE SOUZA (autor do texto) Natural de Guaçuí, Espirito Santo. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFF. Mestre em Historia da Arte com concentração em Linguagens Visuais pela UFRJ. Mestre em Produção e Pesquisa em Arte pela Universidad de Granada, UGR, Espanha. Doutor em Artes com Menção Internacional pela Universidad de Granada, Espanha e Bauhaus Universitat Weimar, Alemanha. Professor Adjunto no DAV/CAR, da UFES, onde leciona Escultura e Filosofia da Arte. www.joaowesley.com JOSÉ CARLOS VILAR (orientador) Natural de Vila Velha, vive e trabalha em vitória. Formado em Artes Plásticas Bacharelado – Escultura pela UFES. Lecionou Escultura e Plástica durante 16 anos na citada instituição, atualmente é aposentado e dedica todo o seu tempo em suas criações artísticas. Vilar, cria esculturas e instalações que convidam a reflexões imaginativas, que contornam as essências e o ilusório. O uso proposital da pirita de ferro, ou “ouro dos tolos”, intenciona levar o espectador a pensar sobre a falsidade do brilho metálico que levam tantas pessoas ao engano. Acusa a busca incessante de riqueza como elemento empobrecedor que leva o ser humano ao sofrimento. Ao deixar o ferro de suas esculturas oxidarem naturalmente, revela a ausência de maquilagem sobre a superfície material e ainda em se tratando

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de óxido, ferrugem, suscita-nos também a idéia de finitude das coisas materiais que tanto seduzem o homem de hoje. JÚLIO MARTINS é Mestre em Artes Plásticas pela Escola de Belas Artes - UFMG. Participou em 2009 do Programme Courants du Monde, na Maison des Cultures du Monde (Paris). De 2008 a 2011 foi Curador Geral do Museu Inimá de Paula (Belo Horizonte). Foi Curador Viajante do Rumos Artes Visuais 2011-2013, Instituto Itaú Cultural (São Paulo). Em 2012 realizou a exposição “through the surface of the pages ...” no DRCLAS, Harvard University (Cambridge). LINCOLN GUIMARÃES DIAS nascido em Cachoeiro de Itapemirim/ES (1962). É artista plástico, professor adjunto do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo. Possui graduação em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo (1988), mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997) e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Como artista, trabalha com pintura a óleo, acrílica e vinílica. Como docente, atua em disciplinas de pintura e desenho para graduação em Artes

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Plásticas. Como pesquisador, tem como referencial teórico a semiótica discursiva e como objeto geral de estudo as artes visuais, especificamente a pintura e suas relações com a contemporaneidade. LUCAS BAMBOZZI produz vídeos, instalações, obras sitespecific, performances audiovisuais e projetos interativos. Seus trabalhos já foram mostrados em mais de 40 países. Foi curador de projetos como Life Goes Mobile (2004-2005), ON_OFF (Itaú Cultural, 2012-2015), Multitude (Sesc Pompeia, 2014) e Visualismo (espaços públicos no RJ, 2015). É um dos criadores do Festival arte.mov (2006-2012) e do Labmovel (2012-2015). Concluiu seu MPhil na Universidade de Plymouth, Inglaterra, é doutorando na FAU-USP e professor na FAAP, em São Paulo. POLLIANA DALLA BARBA (1988) vive e trabalha em Vitória - ES. É graduada em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo. Seu trabalho envolve o universo das viagens, deslocamentos e derivas. Utilizando de meios como o desenho, colagem, vídeo, fotografia e instalação para criar narrativas de trânsito. Participou de exposições coletivas: “Imaginar Geografias”, Museu de Arte do Espírito

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Santo, (2016); “cordilheira elefante”, Centro Cultural Elefante, Brasilia (2015); “Independência: quem troca?”, Galeria Arte e Pesquisa, Vitória (2014). E também exposições individuais: “Serendipidade”, Galeria de Arte Espaço Universitário, Vitória (2016), “Movimentos Contrários”, Memorial da Paz, Vitória (2014); “Entre Santas”, Museu do Colono de Santa Leopoldina, ES (2013); “E você sai caminhando em dia vermelho”, Galeria Homero Massena, Vitória (2012). Participou do 20º Salão de Arte de Anápolis, Goiás (2014) e o foi premiada pelo edital de pesquisa Bolsa-Ateliê, Vitória (2014) e Setorial de Artes Visuais (2015). E de residências artísticas no Uruguai (El deseo de Otro, La pedrera - 2014), Brasilia (Centro Cultural Elefante - 2015) e Chile (Social Summer Camp - Villa Alegre, Chile, 2015). RAFAEL PAGATINI (Caxias do Sul - RS, 1985). Vive e trabalha em Vitória - ES. É mestre em poéticas visuais e bacharel em artes plásticas pelo Instituto de Artes da UFRGS. Seu trabalho faz uso principalmente de mídias associadas a linguagens da gravura e fotografia. Sua produção recente se caracteriza pela crítica da sociedade contemporânea, através da investigação das relações entre arte, memória e política. Pagatini é professor e pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo. Realizou exposições individuais e coletivas, tais como Fissuras (2016), “Conversas com a Paisagem (Galeria Virgílio, 2013)”,

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“Rumos Itaú Cultural (2013)”, “Em Suspensão (Santander Cultural, 2012)”. Possui obras em coleções públicas e privadas. Recebeu o Prêmio Energisa Artes Visuais, Bolsa Estímulo a Produção em Artes Visuais (FUNARTE), Bolsa Iberê Camargo Ateliê de gravura e V Prêmio Açorianos de Artes Plásticas. ROSANA PAULINO Doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/ USP, é especialista em gravura pelo London Print Studio, de Londres e bacharel em Gravura pela ECA/USP. Foi bolsista do Programa Bolsa da Fundação Ford nos anos de 2006 a 2008 e CAPES de 2008 a 2011. Em 2014 foi agraciada com a bolsa para residência no Bellagio Center, da Fundação Rockefeller, em Bellagio, Itália. Possui obras em importantes museus tais como MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo; UNM – University of New Mexico Art Museum, New Mexico, USA e Museu Afro-Brasil – São Paulo. Tem participado ativamente de diversas exposições, tanto no Brasil como no exterior, das quais se destacam as individuais na Galeria Superfície (ATLANTICO VERMELHO, 2016); Mulheres Negras – Obscure Beuaté du Brésil. Espace Cultural Fort Grifoon à Besançon, França (2014); ASSENTAMENTO. Museu de Arte Contemporânea de Americana, São Paulo, (2013) Tecido Social – Galeria Virgílio, São Paulo, (2010); Rosana Paulino:

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Obra Gráfica. Galeria Nello Nuno, Fundação de Arte de Ouro Preto (2007) e Centro Cultural São Paulo , (2000). SANDRO NOVAES Natural de Vila Velha, vive e trabalha em Vitória - ES. Mestre em Arte pela UFES. Trabalha com desenho no plano e no espaço. Explora os conceitos de tridimensionalidade e imaterialidade em suas criações.

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GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Governador do Estado Paulo César Hartung Gomes Vice-Governador do Estado César Colnago Secretário de Estado da Cultura João Gualberto Moreira de Vasconcellos Subsecretário de Estado de Gestão Administrativa Ricardo Pandolfi Assessoria de Comunicação Carol Veiga Danilo Ferraz Erika Antonia Piskac Museóloga Paula Nunes Costa

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MUSEU DE ARTE DO ESPÍRITO SANTO DIONÍSIO DEL SANTO Diretoria Renan Andrade Núcleo de Ação Cultural e Educativa Coordenação e Curadoria Educativa Vanderson S. C. dos Passos Estagiários Educadores Fernanda Antônia da Silveira Gessiane Breda Renalia Delboni Renata Rosetti Rita Araújo Rosiane Silva Núcleo de Pesquisa e Documentação Matheus Boni Bittencourt Bibliotecário Renato Luiz Duarte de Morais Estagiária Biblioteca Karla Sessa

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Núcleo Administrativo Assessoria Rosane Baptista Supervisão de Espaço Cultural Ivone Carvalho Assistente Renato Sodré de Abreu Apoio Técnico Edson da Silva Equipe de Apoio José Luiz C. Macedo José Renato Carneiro José Waldyr Gomes Jussara Rodrigues Viana Rita de Cássia Lima Sandra Maria Conquista Equipe de Segurança Ailton Marques Costa Júnior Erasmo Vasconcelos Fernanda Rangel Vieira Luana de Cássia Alves Roberval Ramon Tarcísio Pereira dos Santos

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EXPOSIÇÃO “TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR” Curadoria Júlio Martins Artistas André Arçari BeatriZanchi Charlene Bicalho Gabriel Menotti Polliana Dalla Barba Sandro Novais Orientadores Gabriel Borem José Carlos Vilar Lincoln Guimarães Lucas Bambozzi Rafael Pagatini Rosana Paulino Projeto Expográfico Edição do catálogo Júlio Martins Projeto Gráfico OPARQUE

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Programa Educativo Coordenação e Produção Ludmila Costa Cayres Ação Educativa Carla Borba Fernanda Antônia da Silveira Juan Victor Gonçalves Ludmila Costa Cayres Rafael Dias Renata Rosetti Rosiane Silva Vanderson S. C. dos Passos MAES em Libras Jefferson Santana – Centro de Educação/UFES

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Agradecimentos Altair Malacarne, André Vechi, Anna Saiter, Baile, Bartolo Malacarne, Bené, Bitú Cassundé, Carla Martins, Carolina Martins, Caú, Clara Sampaio, Clarissa Diniz, Eduardo Glazar, Fabiano Teixeira, Fabianne Azevedo, Francisco Malacarne, Graça Aranha, Gui Castor, Hilal Sami Hilal, Ignez Capovilla, Isabela Martins, Ivna Messina, Jiulia Caliman, Júlia Rebouças, Jorge Corona, Jorginho Corona, José Barcelos, José Irmo Gonring, Julio Tigre, Laboratório de Pesquisa em Teorias da Arte e Processos em Artes (LabArtes), Ludmila Cayres, Maria Célia Dalmazio, Marta Mestre, Maurício Salgueiro, Miro Soares, Neusa Mendes, O Parque, Paulo Miyada, Rafael Pagatini, Rosindo Torres, Rossana Miglio, Rubiane Maia, Santina Zanqui, Sandra Corona Simone Nascimento Arçari, Shima, Thais Hilal, ‘Tijolo’, Tito, Vilar, Zenóbio Corona.

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A exposição TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR reuniu no MAES alguns dos trabalhos desenvolvidos ao longo da Bolsa Ateliê pelos artistas André Arçari, BeatriZanchi, Charlene Bicalho, Gabriel Menotti, Polliana Dalla Barba e Sandro Novaes, selecionados pelo Edital 011/2014 da Secult - ES. Durante três dias de outubro, em 1974, o escritor Georges Perec dedicou-se a observar a Praça de Saint-Sulpice em Paris e tentar registrar em sua escrita tudo aquilo que seu olhar alcançava dali, observando o cotidiano mais simples e insuspeito em seu livro “Tentativa de esgotar um lugar parisiense” como forma de exercício de “descrever o resto: aquilo que geralmente não se nota, que passa despercebido, que não tem importância: o que se passa quando nada se passa, senão o tempo, as pessoas, os carros, as nuvens.” A partir de outubro de 2015 em Vitória, sob curadoria de Júlio Martins, a exposição TENTATIVAS DE ESGOTAR UM LUGAR apresentou trabalhos em que os artistas capixabas lidaram com perguntas e exigências semelhantes ao experimento literário de Georges Perec: O que acontece quando nada acontece?

André Arçari BeatriZanchi Charlene Bicalho Gabriel Menotti Polliana Dalla Barba Sandro Novaes curadoria

Júlio Martins

Secretaria da Cultura


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