Francisco de Brito Freire: Subsídios para a sua História

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Heraldo Bento

FRANCISCO DE BRITO FREIRE Subsídios para a sua história

Coruche 2016


Ficha técnica Título Francisco de Brito Freire: subsídios para a sua história Autor Heraldo Bento Ilustrações Heraldo Bento Revisão e paginação Ana Paiva Edição Câmara Municipal de Coruche | Museu Municipal de Coruche | 2016 Impressão Sersilito Depósito Legal 407479/16 ISBN 978-989-8335-06-7 Abril 2016


Heraldo Bento

FRANCISCO DE BRITO FREIRE Subsídios para a sua história

Câmara Municipal de Coruche 2016



Heraldo Bento, ou tão só o sr. Heraldo, como é conhecido por todos em Coruche, é uma figura incontornável desta terra. Há cerca de 20 anos editou O rio Sorraia e Coruche, o seu primeiro livro, onde, em tom despretensioso, resgata do passado histórias e episódios da sua meninice e juventude, tema que retoma em Um olhar sobre Coruche, editado em 2003. Percorrer estes livros é como estar à conversa com o seu autor e fazer uma viagem ao quotidiano coruchense do passado. Francisco de Brito Freire, nascido em 1623 na freguesia de São Tomé, atualmente integrada em São Vicente de Fora, teve um percurso de vida muito ligado a D. João IV e ao Brasil. Mereceu esta figura a atenção de Heraldo Bento em 2000, quando publica a primeira obra homónima. Dezasseis anos passados, em busca de informação que complementasse a antecessora, levando o autor a estabelecer contactos no Brasil, na procura de dados acrescidos, publica-se agora este livro que reforça a importância que Francisco de Brito Freire teve no percurso da história de Portugal e, não menos relevante, a forte ligação a Coruche testemunhada pelo cumprimento da sua última vontade, o de ser sepultado, sem epitáfio, em Vila Nova da Erra. Reconheça-se pois o esforço e empenho de Heraldo Bento em transportar do passado esta figura, contribuindo uma vez mais para o enriquecimento cultural de Coruche. 7


O amigo Heraldo tem esta particularidade única de reter na sua memória histórias e relatos da sua experiência de vida, transmitindo-nos de forma singular e muito real as suas vivências. Pela amizade e pelo trabalho desenvolvido deixo aqui um abraço de reconhecimento pela sua obra. Francisco Silvestre de Oliveira

Presidente da Câmara

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Heraldo Bento é um autodidata apaixonado pela sua terra, que orgulhosamente gosta de dar a conhecer, tanto amor lhe tem, pela sensibilidade do seu olhar de artista ou pelos escritos ditados pelo mais íntimo da sua alma. Um coruchense que leia um livro seu absorve o texto palavra a palavra, de tanto mergulhar nas memórias deste rincão transtagano, no sul do Ribatejo. O autor habituou-nos a entregar-se de corpo e alma a tudo o que faz e o entusiasmo que ele sente ao contar as suas vivências ou ao partilhar as descobertas das suas pesquisas é contagiante e impulsiona-nos a dar mais valor à nossa terra. Heraldo Bento, homem de figura delicada, tez morena, de cuidada apresentação, de trato afável, sempre disposto a aumentar o seu saber, mas também enérgico, como são os coruchenses de gema, que não gostam de pessoas pouco ativas, grande apreciador da ética do seu povo, nomeadamente dos valores da retidão e da honestidade de que é herdeiro, é no nosso tempo um dos melhores intérpretes da identidade cultural de Coruche. Dá gosto ver o seu olhar atento e profundo, pois a criação principia na visão, e perceber que ele sente com ardor que deve erguer a sua voz para enaltecer o património de Coruche, cujo valor e cuja beleza são tantas vezes embaciados pela cinzenta rotina dos dias. Um homem com quem dá gosto conversar e com 9


quem temos a sensação de que estamos sempre a aprender alguma coisa e que nos faz gostar ainda mais do meio onde nascemos e crescemos. Neste livro aprofunda o seu estudo sobre um herói da História de Coruche, de Portugal e do Brasil do século XVII, Francisco de Brito Freire, cujo nome e feitos chegaram até nós pela toponímia do Terreiro do Brito, o largo fronteiro à Igreja Matriz de São João Batista. Um herói que Heraldo Bento admira pelo prisma dos valores éticos, os valores mais nobres para o autor. Uma homenagem que gostava de ver feita a outros patriotas, filhos da terra ou com laços coruchenses, citando a este respeito Diogo de Coruche. Um gesto de louvar que convida a ter seguidores, pois a tarefa do historiador está sempre incompleta e tanto que há para recordar ou descobrir e contar. A par disso, são também sempre dignas de realce outras ações de divulgação e valorização do nosso património: colóquios, exposições, cortejos históricos e etnográficos ou encenações, especialmente aquelas que permitem o diálogo entre gerações e o reforço do sentimento de pertença. Coruche é uma vila bonita, cheia de recantos com uma história secular, coroada pelo encanto do Santuário de Nossa Senhora do Castelo, donde se vislumbra a fecunda e sedutora lezíria do Sorraia. Paisagens que o nosso Heraldo gosta de retratar com a pureza embevecida de um eterno namorado, emoções que não quer só para si, pois a essência da arte está na comunicação. Por isso, na sua prosa salta a vivacidade e o rigor da verdade, tantas vezes sofrida, mas acima de tudo vivida. Ele que tanto tem pugnado para tirar do esquecimento personalidades de Coruche que marcaram a época em que viveram, será certamente alguém que o tempo há-de consagrar. António Gil Malta 10




Depois da primeira experiência escrita,1 na tentativa de contribuir para o conhecimento do homem que foi Francisco de Brito Freire, regressamos ao mesmo tema, com mais informação do percurso e vivência de tão ilustre coruchense que viveu no século XVII. Procuramos nestas crónicas relatar episódios vividos por Brito Freire ao serviço da pátria e da fidelidade ao seu Rei D. João IV. Este homem, segundo os historiadores, foi um fiel servidor de D. João IV, de quem foi conselheiro militar após a independência de Portugal. Foi também Almirante da Armada Portuguesa no Brasil, onde se distinguiu nas lutas contra os holandeses, que então ocupavam algumas regiões no Nordeste brasileiro, como o Recife (Baía). Foi ainda capitão no exército, onde serviu combatendo os espanhóis, lutando bravamente, em especial na batalha do Montijo (Espanha), na qual as forças espanholas foram derrotadas. É pois pelos factos acima citados, assim como outros episódios da sua vida ao serviço da pátria, que nos atrevemos a escrever estas crónicas, tentando dar a conhecer aos nossos conterrâneos a existência de Francisco de Brito Freire e o seu papel na História de Portugal e também as razões do esquecimento a que foi votado.

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Bento, 2000. 13


Francisco de Brito Freire, que foi um defensor da sua pátria, um homem digno e merecedor do respeito dos seus compatriotas pela sua vivência, acreditando sempre nas suas convicções, merece ser recordado e por todos nós homenageado em louvor de sua memória. Foi Almirante da Armada Portuguesa no Brasil, Capitão no exército português, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Conselheiro do Rei D. João IV, Governador de Pernambuco, Beja e Juromenha, escritor, Juiz dos Órfãos de Coruche, no Brasil participou nas lutas para a expulsão dos holandeses, enfim, um homem de coragem e saber. Com ascendência coruchense, pois seus antepassados eram oriundos de Coruche, Francisco de Brito Freire nasceu e faleceu em Lisboa. Em 9 de novembro de 1692, dia seguinte ao da sua morte, foi aberto o testamento, em Lisboa, onde residia na Boa Vista. Nele instituiu um morgado, assim como outras benesses. Foi sepultado, por sua vontade, na capela-mor do Convento de Nossa Senhora do Vale, da Ordem de São Francisco, sito em Vila Nova da Erra, freguesia do concelho de Coruche. Filho de António Fróis de Andrade e de D. Catarina Freire, casou com D. Maurícia de Meneses, filha de Pedro Álvares Cabral, senhor de Azurara. Do casamento teve vários filhos, nomeada14


Portão que existiu até à década de 1960. Atualmente há uma rua de acesso à urbanização da Quinta do Lago, Coruche. Brasão de armas da Casa Lagos e Fróis, hoje na residência do Eng. Pedro Barata

mente António Brito Meneses, que foi Governador do Rio de Janeiro, D. Leonor de Meneses, D. Josefa Gabriela Maurícia de Parma e Gaspar de Brito Freire. Este último chegou a estar preso na Baía e vir para Portugal por ordem de seu pai em 1690. Francisco de Brito Freire teve um irmão, José Fróis de Andrade, que foi Governador das Armas da Comarca de Avis. Chegou a entrar na Comarca de Coruche em dia de vereação, acompanhado de alguns soldados, exigindo a devolução a seu irmão, entretanto já falecido, das terras e charneca da Agolada, assim como a Quinta do Lago, pertencentes a sua cunhada, D. Maurícia de Meneses. Entretanto, sabe-se que aquelas terras eram muito desejadas, inclusive por Santarém, que as cobiçava. 15


RODRIGO ESTEVES (do CAMPO?) n. 13.. e † cerca 1450 c.c. MARGARIDA GONÇALVES Amo do Infante Santo

Ama do Infante Santo

Sr da Vila da Erra por Carta de D. João I de 1422, Escrivão da Chancelaria, Fidalgo da Casa de D. Duarte (1435), Cativo em Tanger em 1437

JOÃO ROIZ DO CAMPO

Irmão Colaço do Infante Santo Camareiro Mor da sua Casa Cativo em Tanger e Fez de 1437 a 1450

PERO ROIZ DO CAMPO

Irmão Colaço do Infante Santo Reposteiro Mor da sua Casa

FERNÃO ROIZ DO CAMPO

Irmão Colaço do Infante Santo Reposteiro Mor da sua Casa. Embaixador de D. Afonso V a Arzila para resgate dos cativos. Fidalgo da Casa del Rei D. Sr da Vila de Erra (28.4.1451) D. ELENA FROES

ÁLVARO DO CAMPO

Sr da Vila de Erra (1478 ), Fidalgo da Casa do Infante D. Pedro e de seu fo o Condestável Rei de Aragão. Esteve na Batalha de Toro c D. Afonso V, do Conselho do Rei D. Manuel. Casou 2 vezes. Sepultado em 1507 em Túmulo armoreado na Matriz da Vila de Erra

ANDRÉ DO CAMPO

Sr da Vila de Erra, que vendeu a D. Nuno Manuel. Fidalgo da Casa del Rei D. Manuel (1515) C. 1o c D. Maria, fa do Alm. D. Lopo de Azevedo C. 2a vez c D., fa D. João Pacheco

PEDRO ÁLVARES DO CAMPO

c.c. D. Leonor de Mariz, fa do Dezembor do Paço Afonso Annes de Andrade

D. MÉCIA DE AZEVEDO, Ha

c.c. seu primo Afonso de Mariz, ho do Morgado de seus pais

Árvore genealógica publicada por João Diogo Alarcão em “O Amo e os Irmãos Colaços do Infante Santo e o Senhorio da Vila de Erra”, 2009 16


DIOGO LOPES DE BRITO

n. 13.. e † cerca de 1446 Cavaleiro da Ordem de Aviz, Comendador de Coruche de 1405 a 1446 Claveiro da dita Ordem p. Carta do Infante Santo de 11.12.1436. Sr da Torre do Lago, em Coruche Teve de Isabel André, solteira

ESTEVÃO ROIZ DO CAMPO Irmão Colaço do Infante Santo Reposteiro Mor da sua Casa

LOPO DIAS DE BRITO

Legitimado por D. João I a 3.4.1417 para suceder nos bens de seu pai. Cavaleiro da Ordem de Avis, já Comendador de Coruche e Claveiro da dita Ordem em 7.7.1456

D. ELENA ROIZ FROES

MARTIM LOPES DE BRITO D. LEONARDA FROES DO CAMPO

Sr da Torre do Lago, em Coruche, Provedor da Misericórdia, etc.

LUÍS LOPES FROES DE BRITO, Sr da Quinta e Torre do Lago

F.C.R, Provedor da Misericórdia, Juiz dos Órfãos e Monto Mor de Coruche, c.c. D. Joana de Andrade, fa Pedro de Andrade, Vedor do Inf D. Duarte

ANTÓNIO FROES DE ANDRADE, Sr da Quinta e Torre do Lago F.C.R, Fronteiro de Tanger em 1608, Cap. Armada de Socorro a Ceuta em 1635. Provedor da Misericórdia, Juiz dos Órfãos, etc. c.c. D. Catarina Freire de Andrade, fa de Manuel de Andrade, Cava O Xo FRANCISCO DE BRITO FREIRE, General da Armada, Governador e Restaurador do Pernambuco, Conselheiro de Guerra, Juiz dos Órfãos de Coruche, † 1692 c.c. D. Maurícia de Menezes, filha de Pedro Álvares Cabral, Alc Mor de Belmonte c.g. em Britos de Menezes e Alarcão, de Coruche

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Vista exterior e pátio do edifício ainda hoje existente no Terreiro do Brito, Coruche. Residência de família de Francisco de Brito Freire 18


Tinha residência na Quinta do Lago, no largo que ainda hoje tem o nome de Terreiro do Brito. O edifício, ainda existente, que já vinha dos seus avoengos, até há poucos anos era ainda conhecido pela Casa das Fidalgas e atualmente pertence ao Eng. Pedro Barata. Ainda existem, em Coruche, descendentes da família de Francisco Brito Freire, como por exemplo os Alarcões ou os Meneses.

Habitação medieval, Erra. Francisco de Brito Freire foi sepultado na capela-mor do Convento de Nossa Senhora do Vale, da Ordem de São Francisco, em Vila Nova da Erra, mas infelizmente não existem memórias ou vestígios do seu túmulo

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Francisco de Brito Freire ainda jovem seguiu a carreira militar, tradição familiar. Seu avô Estêvão de Brito Freire embarcara em 1624 na Armada de D. Manuel de Meneses para tentar a recuperação da Baía. Homem muito rico, possuía várias fazendas e engenhos de açúcar, queria defender os seus interesses mas também colaborar com o seu capital em defesa dos interesses do Reino. O neto, herdeiro de tal fortuna, quando da aclamação de D. João IV, prestou grande ajuda ao seu Rei e ao Reino. Num documento da época referente a Francisco de Brito Freire, uma carta régia de 6 de agosto de 1646, na qual se diz que serviu “depois de minha aclamação no exercito na cavallaria com dois cavallos a sua custa, e actualmente o esta fazendo na Infantaria”. Em paga disso o Rei nomeia-o capitão de uma das cinco companhias de infantes que se hão de levantar na Corte e se destinam às “fronteiras de Alentejo ou onde se lhe ordenar”. No ano imediato de 1647, em 29 de outubro, foi-lhe passada carta do hábito de Cristo, em cuja ordem Brito Freire “tinha deuasão de servir em toda sua uida e permanecer”, e no mesmo dia recebeu o alvará de cavaleiro e ainda o alvará de profissão. No ano seguinte, aos 24 de dezembro de 1648, é passado a favor de Brito Freire um alvará de promessa de comenda da 20


Carta dos castelos de Portugal. Almeida d'Eça, 1920, p. 3. 21


Juromenha. Praça Forte. Século XVI. Vistas do norte e do sul [Documentos cedidos pelo ANTT. Duarte de Armas, 1990] 22


Aspeto atual da fortaleza de Juromenha, considerada na época das mais importantes pelo que representava na defesa do território. Em primeiro plano vê-se a Igreja de São Francisco de Assis e, em segundo, a Igreja de Nossa Senhora do Loreto, ambas em ruínas

Ordem de Cristo [...] [onde] se memoram os serviços que prestou logo nos primeiros anos da Aclamação. D. João IV, governador e perpétuo administrador do mestrado daquela Ordem, faz saber “que tendo respeito aos serviços que depois de recuperado o Reino me fez Francisco de Brito Freire, fidalgo de minha caza e filho de Antonio Froes de Andrade [...].2

Francisco de Brito Freire frequentou a Escola da Marinha Portuguesa, tendo sido duas vezes Almirante da Armada da Companhia de Comércio do Brasil. A sua importante carreira ficou ligada à consolidação da Restauração da Independência portuguesa. Era então um jovem com 25 anos quando D. João IV o escolhe para Almirante da Armada Portuguesa no Brasil e aos 26 anos era General das Armadas. 2

Almeida, 1952, pp. 5-6. 23


Aspeto atual do castelo de Beja, onde Francisco de Brito Freire foi governador em 1665

De regresso a Portugal governou a Praça da Juromenha em 1658. Voltou ao Brasil em 1661-1664, onde administrou a capitania de Pernambuco. Regressado a Portugal, governou a Praça de Beja em 1665.

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Mas recuemos um pouco na história de Portugal. Em 1639‑1640 aconteceram desacatos contra o domínio espanhol em Serpa, Beja e Coruche; o descontentamento estava em crescendo. Em 1 de dezembro de 1640 Portugal reconquista a sua independência, depois de sessenta anos de reinado dos Filipes de Espanha. Não foi fácil nem pacífico manter o que foi conquistado: a bem preciosa liberdade e identidade do povo português! Aconteceram graves problemas internos, pois alguns fidalgos e classes altas, embora se iniciasse uma prudente tolerância em relação a eles, tinham simpatia por Espanha. Houve alguns que não participaram no movimento de libertação do domínio espanhol e abandonaram a pátria em 1641, deixando os seus bens, o que levou o povo de Lisboa a grandes manifestações de repúdio por tal traição. Alguns fidalgos e eclesiásticos ainda conspiraram para restituir o trono do reino de Portugal aos Filipes de Espanha. Portugal estava exausto, pobre, com enormes dificuldades. As colónias portuguesas eram alvo dos ataques holandeses em Angola, assim como no Brasil. A Holanda, já em maio de 1624, com a sua poderosa Armada da Companhia das Índias Ocidentais, organizada para a 25


conquista do Brasil, tinha conquistado São Salvador da Baía, Recife e Maranhão. Sucederam-se várias batalhas entre os portugueses e os holandeses, até que em 1630 estes últimos fogem derrotados. Mais tarde regressam e tomam Pernambuco e, em 1638, tentam recuperar a Baía. Em 1642 deu-se uma grande revolta contra os holandeses no Maranhão. Portugal já tinha conquistado a independência, mas a Holanda ignorava por conveniência tal facto, pois só queria saquear as riquezas do Brasil, em especial o açúcar e as madeiras, e não acreditava que Portugal se tivesse libertado definitivamente do domínio espanhol; e, como era inimiga destes, convinha-lhe tal situação. Em Portugal as escaramuças e algumas batalhas iam acontecendo, pois os espanhóis ainda mantinham o desejo e a esperança da reconquista de Portugal. No Brasil os portugueses continuavam a expansão da colónia, explorando o território, enquanto as lutas com os holandeses continuavam. Na Europa, Portugal estava praticamente só. A Espanha, nossa inimiga, a Holanda também inimiga dos espanhóis e cobiçando as riquezas do Brasil, a Inglaterra com comportamento dúbio e a França, que já ocupara o Maranhão no princípio do século XVII, estava na expectativa. Portugal continuava lutando com os espanhóis, com grande dureza, até que sucedeu a batalha do Montijo (Espanha), em 26 de maio de 1644. Contenda feroz, com grande bravura e sacrifício, na qual os espanhóis foram vencidos, pois sofreram pesada derrota. Nesta batalha distinguiu-se o nosso conterrâneo Francisco de Brito Freire, que ao tempo era capitão. Espanha estava assoberbada com a luta contra os catalães, pois estes queriam tornar-se independentes, o que foi uma grande oportunidade para Portugal. 26


Entretanto, no Brasil havia um homem de grande prestígio e enorme envergadura moral, extraordinário orador, grande humanista e diplomata. Padre António Vieira fez amizade com Francisco de Brito Freire, pois reconheceu nele um homem vertical, leal e de força moral, do qual foi amigo pessoal. Em 1643 Padre António Vieira faz uma proposta ao Rei D. João IV, apresentando um Padre António Vieira plano para a recuperação da economia do País, o qual incluía financiamento hebraico. Apesar de D. João IV aceitar discretamente a ideia, tal plano não foi aceite pelo Santo Ofício e Santa Sé. Foi então que Padre António Vieira idealizou a Armada da Companhia Geral do Comércio do Brasil, em 1649. D. João IV aceitou tal sugestão e foi criada a Frota da Companhia Geral do Comércio do Brasil, da qual foi Almirante Francisco de Brito Freire. Esta frota também estava preparada para o combate, apesar de aparentemente ser só de comércio. Ainda aconteceram algumas lutas com os holandeses. Em 1649 deu-se a batalha de Guararapes, na qual os holandeses tiveram pesada derrota, sendo o começo da sua expulsão. Transcrevemos a interessante opinião do ilustre escritor brasileiro Sérgio Buarque de Holanda a propósito dos holandeses e das suas ações, assim como as razões da sua estrondosa derrota na batalha de Guararapes. 27


Não há dúvida, porém, que o zelo animador dos holandeses na sua notável empresa colonial só muito dificilmente transpunha os muros das cidades e não podia implantar-se na vida rural de nosso Nordeste, sem desnaturá-la e perverter-se. Assim, a Nova Holanda exibia dois mundos distintos, duas zonas artificiosamente agregadas. O esforço dos conquistadores batavos limitou-se a erigir uma grandeza de fachada, que só aos incautos podia mascarar a verdadeira, a dura realidade económica em que se debatiam. Seu empenho de fazer do Brasil uma extensão tropical da pátria europeia sucumbiu desastrosamente ante a inaptidão que mostraram para fundar a prosperidade da terra nas bases que lhe seriam naturais, como, bem ou mal, já o tinham feito os portugueses. Segundo todas as aparências, o bom êxito destes resultou justamente de não terem sabido ou podido manter a própria distinção com o mundo que vinham povoar. Sua fraqueza foi sua força.3

Os holandeses eram constantemente fustigados com ataques dos portugueses, dos colonos e da população brasileira, que não os suportavam. Havia nesta época um acordo com a Holanda no qual foi negociada uma trégua. Mas a diplomacia portuguesa habilmente dizia aos holandeses não ser culpa de Portugal a revolta dos colonos e ameríndios, embora sabendo dos factos. Em 1650 a primeira frota da Armada da Companhia Geral do Comércio deixou mercadorias na sua escala por Pernambuco, mas não deixou armas para os colonos, embora estes continuassem lutando em forma de guerrilha, destruindo as cargas prontas a embarcar na frota holandesa. 3

Holanda, 2004, pp. 63-64. 28


Entretanto, a Holanda e a Inglaterra estavam em guerra. Portugal, sabendo do litígio entre os dois países, aproveitou a ocasião para aumentar a luta contra os holandeses e provocar a sua expulsão. Foi então sugerido que a Armada Portuguesa do Almirante Brito Freire, em acordo com Francisco Barreto, então comandante do Quartel General Militar situado em Olinda, atacasse por terra e mar o reduto holandês no Recife. Em fins de 1653 foi iniciado um grande ataque, como estava planeado, sendo os holandeses apanhados de surpresa. Estavam desgastados e desmoralizados pelos ataques constantes dos colonos e da população. Não conseguiram resistir e renderam-se a 6 de janeiro de 1654. Foram assinados os termos da rendição, em nome do Rei D. João IV, por Francisco de Brito Freire e, em nome da Holanda, por Maurício de Nassau. As condições para a retirada dos holandeses determinaram o prazo de 90 dias para venderem os seus bens, podendo depois regressar ao seu país em paz, terminando assim a ocupação holandesa. O grande sonho de Francisco de Brito Freire estava prestes a ser realizado. Na época idealizava o Obelisco erguido no Recife onde os holandeses Brasil como sendo uma Nova Lusitâdepuseram as armas e nia – a grandeza do Brasil, as suas foi assinada a respetiva rendição em 1654 potencialidades e desenvolvimento. 29


Tinha a perceção do futuro, augurando que o Brasil viria a ser um grande país, como se fosse um grande Portugal. Também Padre António Vieira desenvolvia esforços junto do Rei e da Corte portuguesa, chamando a atenção para as excelentes condições para a prosperidade e o futuro do grande país, sugerindo o cultivo e a plantação de várias espécies e especiarias e outros frutos ou vegetais oriundos do Oriente, pois já tinham sido feitas experiências positivas. Francisco de Brito Freire e Padre António Vieira colaboraram em diferentes atividades com os colonos e ameríndios, resolvendo várias situações. Trocaram diversa correspondência, sempre em prol do progresso do Brasil. A grande amizade entre estes dois homens diz-nos ter sido de ampla importância na época, pois foram de grande dignidade e de força moral, o que a nós coruchenses nos deve honrar. Padre António Vieira, então já com 83 anos, ainda escreveu uma carta ao seu amigo Brito Freire. Nascido em Lisboa no ano 1608, faleceu na Baía em 1697. Padre António Vieira, jesuíta, figura importante na História de Portugal. Senhor meu. — Que novas darei de mim a V. S.a depois de tantos anos, senão que ainda sou vivo? Parece que me guarda Deus para testemunha das variedades e mudanças do mundo nêste século, depois de ter corrido e visto tanta parte dêle. Em um deserto, aonde me retirei até da Baía, não sei mais dela que o que ouço. Se V. S.a, como noutro tempo, governando alguma armada, entrara no seu formoso pôrto, não a conhecera. Eu a desconheci, quando depois de quarenta anos de ausência a tornei a ver muito acrescentada e enobrecida de casas, mas totalmente despovoada de homens. Todos os que V. S.a na 30


sua ilustre História canonizou de heróis acabaram, e também não existem já as memórias daquela arte ou desconcêrto militar com que defendemos esta praça, e restaurámos tantas de Pernambuco. Não se falta ao exercício, mas não da milícia do Brasil. Oh! quanto tomara eu ver a V. S.a desta banda! Lembro-me agora de quando a Rainha mãe, por conselho dos Condes de Cantanhede e Soure, enviou a V. S.a não só a governar Pernambuco, mas para prevenir a seus filhos uma retirada segura, no caso em que algum sucesso adverso, que então muito se temia, necessitasse dêste último remédio. E também V. S.a estará lembrado de que S. M. me mandou passar do Maranhão, onde então estava, para assistir a V. S.a, e se seguir o roteiro que El-rei, que Deus tem, tinha prevenido, como tão prudente, para o caso de semelhante tempestade, e se achou depois de sua morte em uma gaveta secreta, rubricado de sua real mão com três cruzes. Hoje, a Deus graças, não temos que temer ao reino, mas pode o mesmo reino temer que lhe falte a melhor jóia que tem fora das correntes do Tejo. Para anacoreta de um deserto me tenho alargado muito fora da minha profissão; mas quem há-de tapar a boca ao amor da pátria, e mais falando com V. S.a? V. S.a me guardará segredo, e eu, como mais próprio do meu estado, não faltarei à obrigação de rogar a Deus pela felicidade e vida de V. S.a, que sua Divina Majestade prospere por muitos anos como desejo. Baía, 24 de Iunho de 1691. — De V. S.a obrigadíssimo servo. António Vieira4

Almeida, 1952, pp. 50-51 [Cartas, ed. J. L. de Azev.do, Tomo III, Coimbra, Imp.a da Univ.de, 1928, pp. 609-610]. 4

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Padre António Vieira, na carta que escreve a Francisco de Brito Freire, recorda os momentos maus e perigosos para o reinado, pois Portugal está acossado pelos inimigos do Reino, que eram vários, que entretanto se guerreavam na Europa e tentavam saquear no Brasil, cuja população resistia enquanto os corsários também assaltavam as rotas das naus. Curiosamente, é bom lembrar, enquanto se lutava no Brasil, outros homens, portugueses e aborígenes, iam-se internando, criando novas fronteiras, o que fez com que o Brasil, país irmão, fosse o quinto país do mundo graças a homens como Rapozo Tavares. Mas, abordando o tema da missiva de António Vieira para o nosso patrício Brito Freire, regressemos à carta. Em 1658 Francisco de Brito Freire governava em Juromenha, praça forte situada no Alto Alentejo, uma fortaleza muito importante na fronteira com Espanha, construída na margem direita do Guadiana, no alto de um morro. Em 1660 a situação de Portugal estava difícil na Europa e a agravar-se, pois Espanha e França tinham feito as pazes. Alguns nobres tinham abandonado o país, o que levou Portugal a tomar providências para proteger a Rainha e filhos. Foi então de Francisco de Brito Freire foi nomeado governador de Pernambuco, para estabelecer um plano de segurança da família real. Padre António Vieira recorda então a Francisco de Brito Freire que este fora enviado “não só a governar Pernambuco mas para prevenir... uma retirada segura” à família real no caso de se necessitar deste último remédio.5

5

Almeida, 1952, p. 10. 32


Juromenha. A fortaleza e o rio Guadiana; no horizonte avista-se Espanha

Juromenha. Outro aspeto da fortaleza 33


Fortaleza de Juromenha. Uma das portas. Ruínas das igrejas de São Francisco de Assis e de Nossa Senhora do Loreto

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Fortaleza de Juromenha. Entrada principal. Vista parcial do interior. Igreja de São Francisco de Assis 35


Em 1665 Francisco de Brito Freire era governador militar da cidade de Beja, ameaçada do inimigo, e por ser praça tão importante – diz o Rei – “vos escolhi e nomeei”. Dois anos depois [...] andava embarcado na “Almiranta Real o Galeão Sacramento”, em guarda das costas de Portugal para que “ficassem as bocas das barras dos portos desempedidas de Corsarios...”.6

Até 1640, quando da independência de Portugal, o Brasil era governado por portugueses, colonos e ainda alguns espanhóis. Nesta data já havia grande disputa entre os ingleses e corsários franceses que atacavam as naus do comércio holandês e dos portugueses, enquanto os holandeses ocupavam, rapinando, o Nordeste brasileiro, embora tivessem pouco apoio dos aborígenes. Estes já tinham tomado consciência do que lhes interessava, colaborando, sim, mas com os colonos. No Portugal europeu as dificuldades eram imensas. Enquanto estes acontecimentos sucediam, homens dotados de grande coragem e astúcia iam desbravando o território brasileiro, alongando os limites e alargando o espaço que fez do Brasil um dos maiores países do mundo. Enquanto foi Governador de Pernambuco, após a expulsão dos holandeses, Brito Freire enfrentou muitas dificuldades, pois encontrou a Capitania desorganizada, a sofrer os efeitos da guerra contra os holandeses e a consequente expulsão. Teve de tomar medidas duras para que não houvesse violência entre a população, uma vez que quase todos tinham armas, e também para evitar o massacre dos índios Tapuías, que eram acusados de colaborarem com o inimigo. 6

Almeida, 1952, p. 10. 36


Juromenha. Igreja de Nossa Senhora do Loreto. Vista do interior

Juromenha. Igreja de Nossa Senhora do Loreto. Ruínas. Vista frontal

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Pernambuco no século XVII. Habitação de proprietário de engenho de açúcar

Restaurou os edifícios públicos, usando até recursos próprios, pois era um homem rico mas generoso. Preservou a influência arquitetónica portuguesa e holandesa, usando grande sensatez na reorganização e restauração de Pernambuco.

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Francisco de Brito Freire, homem dotado de grande personalidade, incomodou certamente muita gente, despertando invejas e até ódios. Não era homem palaciano mas sim de ação e grande patriota, prestando estrema fidelidade ao seu Rei D. João IV. Foi conselheiro militar do Rei e manteve grande estima pelo príncipe D. Teodósio, do qual foi mestre. Infelizmente o príncipe faleceu jovem, com apenas 19 anos, pois nasceu em 8 de novembro de 1634 e morreu em 15 de maio de 1653. Tal drama consternou o país, pois havia grande esperança no futuro rei. Em 1656 morre D. João IV. Foi coroado o seu segundo filho, o príncipe D. Afonso, com apenas 13 anos. Devido à sua menoridade, foi sua mãe, D. Luísa de Gusmão, nomeada Regente do Reino. O jovem D. Afonso VI tinha pouca saúde. Doente problemático, coxeava de uma perna, era muito instável, caprichoso, enfim, um rebelde com problemas do foro psicológico. Sentia-se atraído por jovens de baixa condição que frequentavam as imediações do Paço Real, incitando-os a lutarem entre si e até chegaram a lutar dentro do Paço Real. Foi o jovem Rei avisado e aconselhado dos inconvenientes de tais amizades. Entre aqueles rapazes havia um mais maduro e esperto, um tal Conti, italiano aventureiro, vendedor de ren39


das, bordados e adornos. Novamente Afonso VI foi chamado e aconselhado a ter cuidado com tal relacionamento, pois até já o tinha convidado a viver no Paço. Não acatou os conselhos. Mais tarde a Corte afastou o tal Conti, desterrando-o para o Brasil. Foi planeado casar o Rei Afonso VI, embora sabendo da sua incapacidade Bandeira de Portugal de para tal compromisso, pois era impotenD. João IV a D. João VI te e incapaz para governar. Acertou-se o seu casamento com D. Maria Francisca de Sabóia, o qual acabou mal para o pobre D. Afonso VI, tendo sido esta união anulada em 1668. D. Maria Francisca de Sabóia voltou a casar com o cunhado, o príncipe D. Pedro II, mais tarde rei de Portugal. Esta época foi fértil em intrigas na Corte, devido a várias influências junto de D. Afonso VI e as pretensões do seu irmão, príncipe D. Pedro, ao trono. Entretanto, a nação lutava com grandes dificuldades, pois o erário do Reino estava empobrecido. Na Corte o ambiente não era favorável a Francisco de Brito Freire, pois não era homem palaciano, mas a sua conduta irrepreensível de patriota deveria ter criado engulhos a alguns fidalgos apoiantes do príncipe D. Pedro.

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Comendador da Ordem de Cristo, Capitão nas batalhas contra os espanhóis, distinguindo-se sobretudo na batalha do Montijo, Almirante da Armada Portuguesa no Brasil, amigo pessoal de Padre António Vieira, seria o suficiente para despertar invejas. Homem prestigiado pelas campanhas no Brasil, tudo isto criou grande incómodo a alguns fidalgos, os quais aproveitaram para denegrir a figura de Francisco de Brito Freire junto do príncipe D. Pedro, usando vários argumentos, entre os quais o facto de Francisco de Brito Freire se recusar a levar o pobre D. Afonso VI para o exílio Laço da faixa da nos Açores, ilha Terceira; para tal D. Pedro Gran‑Cruz da Ordem de II, seu irmão, ofereceu ao Almirante Brito Cristo Freire várias honrarias e regalias, entre outras o título de Visconde de Juromenha e Governador perpétuo da Praça. Recusou terminantemente esta afronta à sua dignidade, pois não era homem para aceitar tal ofensa. Esta recusa levou-o à prisão na torre de São Julião, onde esteve seis anos. Foram várias as malfeitorias a este ilustre coruchense, como por exemplo, entre outras afrontas, uma que o magoou demasiado e que atingiu a sua dignidade: 41


Numa das viagens de regresso da Armada a Portugal, o Rei D. Pedro II ordenou que o Almirante Brito Freire trouxesse D. Francisco Manuel de Melo, que tinha sido desterrado para o Brasil por ordem de D. João IV. Por esta época as relações entre Francisco de Brito e D. Manuel de Melo eram tensas. A ordem em si já tinha algo de humilhante e agravada com a afronta de ser forçado a trazer tal fidalgo no navio almirante e ceder-lhe o seu camarote. Este episódio causou-lhe grande desgosto pela ingratidão de D. Pedro II que, talvez motivado por intrigas que exploraram certa animosidade do Rei, teria algum ciúme pela grande amizade que Francisco de Brito Freire teve pelo seu irmão D. Teodósio, do qual foi mestre. Homem probo e digno que tinha sido Conselheiro do Rei D. João IV, sentiu-se ferido com a atitude de D. Pedro II e abandonou a vida militar. Qual teria sido a razão da deportação para o Brasil de Francisco Manuel de Melo? Julgamos ser negócio de saias, como é uso dizer-se. Quando D. João IV subiu ao trono de Portugal, após a independência, o rei andava de amores com a Condessa Vila Nova e Figueiró, mas também Francisco Manuel de Melo, homem da Corte, fidalgo, requestava tal senhora. Numa noite, quando D. João IV saía de casa da Condessa, eis que surge Francisco Manuel de Melo para entrar no palácio. Não se reconheceram e, no escuro, bateram-se em duelo. O rei consegue identificar o adversário que, apesar do seu grande talento e da sua nobreza, é enviado preso para a torre de São Gião, acusado de intrigas com Castela, sendo deportado para o Brasil por ordem de D. João IV. Acontece que o rei ficou ferido numa mão e não perdoou.7 7

Martins, 1906, pp. 673-680. 42


Francisco Manuel de Melo nasceu em Lisboa a 23 de novembro de 1608, de ascendência luso-espanhola. Foi diplomata, escritor, poeta. O seu temperamento versátil custou-lhe alguns dissabores, pois chegou a ser desterrado para o Norte de África e para o Brasil. Quando os Filipes de Espanha dominavam Portugal, este fidalgo movimentava-se bem na Corte espanhola, ou portuguesa, e talvez suscitasse alguma desconfiança aos homens de ação seus compatriotas que labutavam e combatiam bravamente contra os inimigos. Faleceu a 24 de agosto de 1666.

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Retornando a Francisco de Brito Freire, aos vários episódios da sua vida, damos um exemplo das intrigas, vilezas e ratoeiras a que os seus inimigos recorriam para o eliminarem. Citamos do “Jornal de Coruche”8 uma crónica de João Alarcão Carvalho Branco, investigador histórico que, nas suas pesquisas sobre a época de Francisco de Brito Freire, encontrou dois processos do Santo Ofício relacionados com uma “denúncia feita em 1656 no Tribunal da Inquisição contra a forma como Francisco de Brito Freire se referira aos inquisidores do Reino e a um edital que haviam mandado publicar”. Segundo a História, o ambiente em que se vivia após a Restauração era péssimo. D. João IV procurava o entendimento entre os portugueses para assim garantir a concórdia entre todos, incluindo os judeus de origem portuguesa. Para estes foi publicado um alvará garantindo à gente de nação, como eram designados os judeus, alguma proteção. Morreu D. João IV e a Mesa da Inquisição apressou-se a anular o Alvará Real, sem conhecimento da Rainha Regente, D. Luísa de Gusmão. Foi contra esta anulação do Alvará mandado publicar por D. João IV que Francisco de Brito Freire se indignou e, numa roda de amigos, comentou tal procedimento feito à revelia da Rainha D. 8

Alarcão, 2007. 44


Luísa de Gusmão, sendo também um desrespeito à memória do Rei D. João IV, falecido recentemente. Comentou ainda que tal edital dividiria os portugueses, pois estava ainda o país cercado pelos castelhanos e os inquisidores não tiveram coragem de o fazer em vida do Rei D. João IV. Foi Francisco de Brito Freire vítima de ataques do Inquisidor‑Mor Pedro de Castilho, levado para a Inquisição, respondendo a todas as acusações de desrespeito que lhe eram feitas, pelo próprio Inquisidor-Mor e os outros inquisidores principais, os quais tentavam transformar os comentários de Brito Freire em ataques religiosos. Demoraram alguns dias os depoimentos dos amigos que foram chamados e o de Francisco de Brito Freire que, secamente, recusou adiantar mais que as declarações iniciais, mesmo com a promessa de perdão em troca de uma confissão. A força da Inquisição condenou-o a um ano fora da Corte, obrigando-o a servir no forte de Elvas. Tinham os inquisidores grande poder, mas não era maior que o de D. Luísa de Gusmão, a Rainha Regente. Assim que Francisco de Brito Freire se apresentou em Elvas, foi chamado a Lisboa, pela Rainha, para lhe entregar o comando da Armada da Costa, mostrando assim que ela era a Soberana. Com este ato a Rainha mostrou quais aqueles que eram considerados importantes para o país. O conhecimento de vários atos de coragem, o patriotismo e a lealdade, mostram-nos ter sido o nosso conterrâneo um homem vertical de antes quebrar que torcer. Foi Francisco de Brito Freire também escritor, historiador e poeta. Seguiu a carreira militar, mas não deixou de estudar, dedicando-se e investigando a história do seu tempo. 45


Não será de mais referir a sua carreira de armas: frequentou a Escola da Marinha, sendo mais tarde Almirante, Capitão de Cavalaria no Regimento na Província da Beira, Governador da Praça de Jorumenha e Beja e, no Brasil, Governador de Pernambuco. Já retirado da vida militar e um tanto desgostoso pelas ofensas que lhe fizeram, ter-se-á desinteressado da Marinha e do Exército, dedicando-se à escrita; mas, em 1678-1682, a pedido do Rei, voltou à Armada. Em 1682 embarca na Armada que se destina a trazer o Duque de Sabóia, noivo da Infanta D. Isabel, filha de D. Pedro II. Escreveu vários livros historiando a sua vivência no Brasil, relatando vários episódios que viveu, assim como descrevendo alguns acontecimentos anteriores à sua chegada ao Brasil. Foi editado em 1675, em Lisboa, a obra com o título: “Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica”, onde estão reunidos três documentos históricos que Francisco de Brito Freire escreveu. Além da “História da Guerra Brasílica”, encontramos os textos “Viagem da Armada da Companhia do Comércio e Frotas do Frontispício da obra “Nova Estado do Brasil”, de Lusitânia: História 1655, e “Regimenda Guerra to que Francisco de Brasílica”, de Francisco de Brito Brito Freire, CapitãoFeire, editada em -Geral da Armada Lisboa em 1675 46


Igreja de São Sebastião, Recife

do Comércio e Frotas do Brasil, manda guardar aos navios de conserva”.9 Este livro relata os episódios das lutas entre portugueses e holandeses entre 1624 e 1654, o fim da ocupação holandesa. Efetivamente, um repositório histórico descrevendo a saga dos portugueses, em que Brito Freire foi protagonista. Foi extraordinária a ação dos nossos antepassados, pois um país pequeno, mas grande na ambição de crescer, tudo fez para reforçar a identidade portuguesa com o Brasil; daí o sonho do nosso conterrâneo: a Nova Lusitânia. 9

Freire, 2001. 47


Igreja no Recife

O Brasil, como território português, foi uma forma de reforçar a identidade lusitana. Foi o século dezassete marcante para a História de Portugal e do Brasil. Um século em que a cobiça de vários países europeus pelas riquezas do Brasil, em especial os holandeses mas também os corsários franceses, fazia mossa. A Holanda ocupava a Baía, Recife e Maranhão; era então poderosa e só a valentia e a bravura dos portugueses, colonos e ameríndios, conseguiu acabar com o seu domínio. É certo que os holandeses não iam para o interior do país nem se misturavam com os povos cujo território ocupavam, pois só lhes interessavam as riquezas e tudo o que fosse comerciável. Enquanto lutavam na orla atlântica, outros portugueses iam desbravando o interior até à Amazónia e outras fronteiras e erguendo fortalezas. Criaram aldeamentos e obtiveram novos conhecimentos, misturando-se com a população, criando raízes, 48


fazendo tal caldeamento humano como só estes homens seriam capazes. Com os holandeses não seria possível tal acontecer pois não tinham o calor humano dos lusitanos. Atrevemo-nos a afirmar que o Brasil não teria a grandiosidade atual se os holandeses tivessem naquela época ocupado o país irmão. Seria um país mais pequeno e menos colorido, sem o caldeamento dos vários povos oriundos de todos os continentes. O Brasil é hoje país importante, ouvido e respeitado em todo mundo. Uma peça no xadrez da política mundial. Francisco de Brito Freire dedicou o livro que escreveu, intitulado “Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica”, à Puríssima Alma e Saudosa Memória do Sereníssimo Príncipe D. Teodósio Príncipe de Portugal e Príncipe do Brasil, em 1675. Transcrevemos, da obra “Nova Lusitânia”, a carta dedicada ao falecido Príncipe D. Teodósio, por Francisco de Brito Freire. A vós, ó Herói imortal, a quem atendia perplexo o Universo e venerava embaraçada a fortuna, reconhecendo limitados seus tronos mais sublimes a vossas primeiras esperanças, excediam já das veneráveis cãs os sazonados frutos, quando, prostradas ao tributo inevitável, fizeram as eras rótulos, os séculos epitáfios e toda a posteridade de sempre viva crónica desse suspirado cadáver. A vós, ó Varão eterno, satisfazendo a dívida de que o reconhecimento universal vos aclama religiosamente credor verdadeiro, dedico este livro; que, como História do outro Mundo, vai a buscar-vos fora dele. Porque animando a porção inferior da fragilidade humana, e sendo Príncipe no nascimento de Portugal, tomastes o título do Brasil. Novidade de que, imaginou a política, procurávamos conservar o nome quando perdêssemos a posse daquele Estado: que parecia quase alheio no próprio tempo, que por tão 49


alto auspício, com súbita mudança e portentosa fatalidade, quanto lhe usurpou a violência, lhe foi restituindo a razão. E tomando feliz princípio da liberdade que aclamaram seus afligidos povos, animados de vosso soberano patrocínio, o que ele então obrou na Terra e entreteceu depois no Céu, se crê piedosamente que foi a principal causa de restaurar-se a Nova Lusitânia. Onde largos anos havia que não só se conservavam mas cresciam as forças holandesas; frustradas as exactas diligências de tantas e de tão poderosas coroas, como dominava El-Rei de Espanha naquele tempo, para neste alcançar a glória de vencer uma guerra que apenas sustentava unida às armas de Castela. Porquanto Castela, acrescentando com Portugal seu poder, diminuía o nosso. Não sem alguma semelhança entre vossa grandeza e minha humildade, desta Torre de São Gião invoco neste panteão de Belém a outro sepultado, oferecendo-lhe na presente lembrança um devoto sacrifício em reconhecimento da singular honra com que, aos mesmos que lhe estávamos mais obrigados, se nos mostrava mais benignamente agradecido. Generosa indústria de tão magnânima benevolência, que nos afectos privilegiados da natureza, e isentos do supremo poder, com absoluto domínio nos corações de todos, reinava já quando, não reinando ainda a Coroa de que havia gozar a majestade humana, tresladou para a Corte Celestial. Tendo, como prenda própria sua, exercitado nos mais verdes anos as mais sinaladas virtudes e as mais dificultosas Ciências, com admiração dos professores delas, a quem as comunicava privadamente. Que as qualidades pessoais se conhecem melhor nos homens privados do que se manifestam nos príncipes soberanos: por ter menos ocasião de exercitar-se o raro de seu natural na grandeza de sua fortuna. E pois que expirando este objecto verdadeiro da saudade pública, pareceu que expirava a Lusitana Monarquia, e chorando-o a ele e a ela em uma mesma sepultura, por aquele golpe pre50


ciso não cortar a nossas prosperidades, as vitórias destinadas a seus merecimentos, se trocou a imaginada desgraça em tão ditosa sorte que descansamos com a nova paz das passadas moléstias. Resta agora, ó Alma gloriosíssima, solicitardes da Piedade Divina a conservação das presentes felicidades no felicíssimo Príncipe e amado Senhor nosso D. Pedro. Já que dispondo sua altíssima Providência não igualar menos a ambos os irmãos no grau da natureza do que no aplauso da fama, por vós conseguimos a prodigiosa Restauração do Brasil; e por ele (pois ao fim que coroa a obra se deve o louvor) gozamos a triunfante liberdade do Reino. Cujo ceptro, sucessivamente empunhado de quatro sereníssimas mãos, reservou em especial para a sua vitoriosa assinar com o sangue contrário as leis que deu nas capitulações que outorgou pelas instâncias inglesas aos rogos castelhanos. Como se verá na História da última guerra que com eles tivemos; e consagramos por dívida comum, em dedicatória particular a este florescente e único ramo, na Real Árvore de que éreis augusto tronco, a cuja sombra se abrigam as esperanças todas da Nação Portuguesa, para maior exaltação da Fé, fecunda descendência de seus reinos e glorioso aumento de seus vassalos. Francisco de Brito Freire10

Continuamos a transcrever, do mesmo livro, poemas que Francisco de Brito Freire dedicou ao Príncipe D. Teodósio: A morte do Sereníssimo Príncipe D. Teodósio No real trono, na sacra sepultura, Quem príncipe o admirou, santo o venera: E o que lisonja a cerimónia era, Culto a devoção nos assegura. 10

Freire, 2001, pp. 18-19. 51


De compaixão a pedra menos dura, O sol de mais alegre primavera, Quebrantam mágoas, na terrena esfera Adornam raios, na suprema altura. Número aos anjos cresce, os céus namora; E virtude, a virtude, ano, a ano, Muitos lustres logrou, em pouca aurora. Canta dos serafins o coro ufano; Amor sem olhos, com cem olhos chora; Mudo clama ao ceptro o desengano: Teodósio do céu digno, Como do céu retrato soberano, Restitui o divino, ao divino, Por que só em não ser, tem ser o humano? 11

Ao sentimento d' El-Rei D. João o vi lendo o soneto antecedente Vejo Tróia fumar, arder Cartago, Os bronzes das estátuas, a arrogância Dos muros de Sagunto, e de Numância, Geral despojo, do comum estrago. Vejo os heróis, que ao menor âmago De seu poder soberbo, e vã jactância, Estremeceu das orbes a distância, No silêncio jazer do estígio lago. Acaba a morte toda a humana glória; Quando na de Teodósio te desveles, Discorre (o grande rei) tão larga história: 11

Freire, 2001, p. 20. 52


Os mármores caducam; e daqueles Ilustres capitães, não há mais memória, Do que apenas haver memória deles.12 No dia aniversário da morte do Príncipe D. Teodósio. Considera as saudades, que eterniza de si nas memórias de todos, e como a nenhum permitiu que o louvasse vivo, por sua modéstia, bem se me pode desculpar que o louve defunto por minha obrigação: quando só em louvar o que perderam se acha o único alívio dos que amaram. Tem a continuação forças tamanhas, Que voraz ema de Saturno sendo, Digere o ferro, instrumento horrendo, Com que obrou o valor tantas façanhas. Nas cavernosas bocas das montanhas, Com os dentes da porfia, estamos vendo, Que a água brandamente vai roendo, Abutre de cristal, de pedras estranhas. Ao rei das feras faz pagar tributo, (nobre desprezador da dura lança) O trato repetido, em modo astuto. A tudo com o tempo, o tempo cansa, Gasta o ferro; e a pedra; doma o bruto; Mas não esquece em nós, vossa lembrança.13

12

Freire, 2001, p. 21.

13

Freire, 2001, p. 22. 53


Como introdução à sua “História da Guerra Brasílica”, Francisco de Brito Freire elucida: Ao Leitor Três razões me persuadiram a escrever as guerras do Brasil. Avantajaram-me por seus intoleráveis descómodos, extremas necessidades e contínuos perigos, no século presente às de Flandres; nos antigos pudéramos afirmar que às de Roma, se as acções dos modernos, por mais que excedam no merecimento, as não preferiram às dos passados na veneração, sem publicarmos até agora a História delas. Acumulando sobre o mesmo argumento volumes grandes as elegâncias estrangeiras, enquanto o fim do sucesso não emudeceu o orgulho de Holanda. Persuadiu-me também ter me achado nas principais ocasiões; e entender (não ignorando a diferença entre a profissão dos historiadores e o exercício dos soldados) que sendo aqueles mais para ouvir como mestres da eloquência; devem ser melhor ouvidos os outros como testemunhas da verdade. Não só esta confiança me animou esta ocupação, mas pareceram-me melhor os limitados talentos que nalguma se empregam, do que os grandes sujeitos que passam em silêncio a vida; disfarçando por encolhimento modesto, o que é frouxidão ociosa. E assim falto totalmente de arte e de ciência, se escrever bem, não merecerei louvor; se mal servirme-á de desculpa. Que ainda dos cronistas mais celebrados, pelo defeito ordinário da imperfeição humana, não lemos sem algumas faltas suas histórias. Porque as estranhas pendem da alheia notícia. As naturais se acompanham da própria afeição. Nas antigas, há pouca certeza. Nas modernas, muita lisonja. Também me persuadiu, quando costumam os mais para lhes agradecerem os seus desvelos, exagerarem o seu trabalho, não poder eu chamar trabalho este desvelo; onde em tão afligido descanso (próprio natural dos partos, nascerem entre dores) acha úni54


co alívio uma larga prisão, porque, como padecer a sua moléstia não impede gozar do meu espírito, ele me arrebatou de si mesmo a empregar-me no que me empreguei toda a vida, que antes em diferentes ocasiões com o sangue, e agora em seis anos com a tinta, foi sempre o serviço da Pátria; a qual muitas vezes tirou mais fruto do ócio ocupado de alguns que do suor inútil de outros.14

Do texto “Viagem da Armada da Companhia do Comércio e Frotas do Estado do Brasil, a cargo do General Francisco de Brito Freire. Impressa por mandado de El-Rei Nosso Senhor”, de 1655, que faz parte da edição da obra “Nova Lusitânia”: Decreto de Sua Majestade. Francisco de Brito Freire, que foi Capitão Geral da Armada da Companhia do Brasil, ofereceu a El-Rei, meu senhor e pai, que está em glória, a relação inclusa da viagem que com ela fez no ano de mil seiscentos e cinquenta e cinco e dos sucessos que teve; e porque então pareceu matéria digna de que passasse a todos, pelas notícias que dá, e que poderá servir de roteiro para outras viagens semelhantes, e por seu falecimento se não remeteu ao desembargo do Paço, se veja logo nele, e resolvendo-se que convirá imprimir-se, se passem logo para isso os despachos necessários. Lisboa em 13 de Abril de 1657. Rainha15

Nos seis anos que esteve encarcerado na Torre de São Julião, Francisco de Brito Freire dedicou-se ao estudo da História e a escrever. Foi neste período que escreveu vários livros, que foram reunidos na “Nova Lusitânia” e, como tal, é um verdadeiro espólio que enriqueceu a história dos dois países irmãos. 14

Freire, 2001, p. 23.

15

Freire, 2001, p. 315. 55


Carta que Francisco de Brito Freire escreveu a D. João IV: A El-Rei Nosso Senhor. Mandou Vossa Majestade encarregar-me a Armada da Companhia do Comércio e as frotas do Estado do Brasil, onde, sem ficar em dívida à obrigação do posto o entretenimento da curiosidade, aparando a pena com a espada, escrevi da viagem presente a relação inclusa. Como fiz já, prosseguindo até o ano de cinquenta, os dez antecedentes, e continuando nos seguintes a história da guerra que moveu El-Rei Católico a Vossa Majestade, depois da sua felicíssima aclamação. Mas sempre com perigo, nestas e naquelas memórias. Porque parecerá lisonja o louvor, o vitupério ódio, quando falo dos outros. Se de mim digo bem, ou mal, condena-o a modéstia; ou sente-o o amor próprio. E alargome em nomear pessoas, navios, pareceres e disposições que houve na armada, por me encomendar Vossa Majestade desse de tudo tão inteira notícia, que ficasse o préstimo dos vassalos avaliado fielmente no conhecimento do príncipe. Ainda que entre tantas ocasiões de moléstia faltarem as da glória, fez mais desagradável do que estéril o nosso argumento, por se recrearem os leitores, como os que vêem jogar de fora os tafuis, quando ao tombo da fortuna do dado se lança todo o resto; é certo que o recolhermo-nos sem batalha foi a melhor vitória: pois custam tão mais do que valem as ganhadas com semelhantes frotas. Trazendo-me perpetuamente cuidadoso a conta que daria de mim, e delas, a Nossa Majestade, por fazerem os estorvos da sua união, quase indubitável sua ruína, como maior agora sua felicidade. Que achando dispostas todas as coisas, conseguir sem impedimentos os bons sucessos, é menos para estimar do que entre a contradição da fortuna vencer a desgraça com a diligência, 56


e o tempo com o trabalho. Guarde Deus a real pessoa de Vossa Majestade, como os bons lhe pedem e todos hão mister. Da capitânia surta no porto de Lisboa a 28 de Julho de 656. Francisco de Brito Freire16

É pois importante conhecer o passado, a história do nosso país, da nossa comunidade, e os nossos antepassados que, mercê do seu valor, contribuíram lutando em várias vertentes das suas vidas para o engrandecimento da sua pátria. Foi Francisco de Brito Freire um deles. Um homem vertical, honesto e de grande dignidade. Merece a nossa homenagem e o nosso respeito. Houve também outros coruchenses, como Diogo de Coruche, que se distinguiu na Índia no século dezasseis, acompanhando Duarte Pacheco, do qual foi amigo e companheiro, sobretudo em Cochim, onde se bateu com grande valentia.

16

Freire, 2001, p. 316. 57


Coruche, como é do conhecimento geral, é parco em memórias do passado. Há pouca memória construída, a não ser alguns brasões, as igrejas e o pelourinho; edifícios, poucos. Temos de proteger estas referências do passado. A memória de todos nós deve ser preservada e transmitida aos nossos descendentes. Povo sem memória das vivências dos antepassados perde as referências, o que o impede de compreender o futuro, não podendo tirar ilações. É provável que Francisco de Brito Freire errasse aqui ou ali, tendo até algumas contradições. Estamos escrevendo factos ocorridos no século dezassete. A vivência das comunidades era

Coruche, Castelo em 1909, antes do sismo 58


diferente da atual. Na época que sucederam os vários acontecimentos descritos nestas crónicas o relacionamento entre os povos, entre os homens, seria mais duro. A palavra, a honra, era coisa sagrada. Indivíduo que fosse justo, enérgico e vertical, certamente alguma vez faria algo que não desejasse. Francisco de Brito Freire foi um homem que mostrou grande amor pela pátria e grande fidelidade ao Rei D. João IV, prestando e respeitando os valores morais da época. Pensou sempre que a liberdade era um direito de todos os homens. Foi um homem de fé cristã. O relacionamento de amizade com Padre António Vieira julgamos ser um aval à sua personalidade. Até fins do século dezanove Francisco de Brito Freire era citado com frequência pelos cronistas e historiadores do Brasil. José de Alencar, intelectual brasileiro, recorda num dos seus textos, com entusiasmo, a leitura do original da “História da Guerra Brasílica” no seu tempo de estudante no Recife.17 Foi nosso conterrâneo ignorado, como tantos outros que se distinguiram honrando a sua pátria, lutando pelos seus ideais nas mais variadas vertentes das suas vidas. Além da História de Portugal e outras obras de diversos autores, nas quais nos socorremos em busca de informações sobre Francisco de Brito Freire, curiosamente também lemos alguns jornais e revistas que, não sendo a sua especialidade a História de Portugal, por vezes publicam algumas crónicas sobre factos históricos, onde encontrámos referências a Francisco de Brito Freire. Por exemplo, o jornal “Público”, em 15 de abril de 2000, ano das comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil, publicou várias crónicas sobre o acontecimento e factos seguintes sobre o século dezasseis e dezassete. Crónicas que tinham o título 17

Freire, 2001, p. 5. 59


“Trajectórias Luso Brasileiras”; ora numa dessas crónicas é feita referência a Francisco de Brito Freire, o que nos alegrou bastante.18 Lemos também, na revista mensal do Inatel “Tempos Livres”, de 2008, uma crónica onde é citado Francisco de Brito Freire.19 Por consequência, tudo o que conseguimos da leitura destes órgãos de comunicação social deram-nos a garantia e certezas que o nosso conterrâneo teve papel importante na História de Portugal e do Brasil. Ao terminar estas crónicas evocando Francisco de Brito Freire, depois da pesquisa possível feita apesar dos nossos poucos meios, dedicamos este trabalho a todos os coruchenses, na certeza que damos algo de positivo para a nossa terra. Sendo útil, o conhecimento, o saber, quem somos e donde viemos, é um enriquecimento para qualquer povo ciente e ávido em saber mais da História da sua terra, do seu País. Apesar da nossa modesta cultura, atrevemo-nos a abordar, pela segunda vez, Francisco de Brito Freire, o qual merece a homenagem dos coruchenses. A quem nos ler agradecemos a paciência para tal leitura, que esperamos não tenha sido em vão.

18

Ferreira, 2000, p. 35.

19

Faria, 2008, pp. 18-21. 60




Bibliografia

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Esta obra histórica foi editada no Brasil em 2001, com o mecenato da Libbs Farmacêutica Ltda., tendo como Presidente Alcebíades de Mendonça Athayde. É de louvar a ação cultural desta empresa. Também é de realçar o gesto da editora Beca ao enviar, graciosamente, esta obra histórica ao Museu Municipal de Coruche, onde se encontra acessível ao público, para consulta, no seu Centro de Documentação.

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