História da Fundição Sineira em Portugal

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SUBS¸DIOS PA R A A H I S T Ł R I A DA FUNDIÇ‹O SINEIRA E M P O RT U G A L Do sino medieval da Igreja de São Pedro de Coruche à actualidade

Luís Sebastian

Museu Municipal de Coruche 2008


F I C H A T ÉC NIC A T Í T ULO

Subsí dios para a História da fundição sineira em Portugal

D o si n o m ed i e v a l d a Ig r ej a d e S ã o Pedr o d e Co r uc he à a c tua l i d a d e AU TO R Lu í s S eb as ti an

COL ABO RADO R Paul o Fe r r e ir a d a C o s t a CONTRI BU I Ç ÃO Ana S a m p a i o e C a s t r o Cri st i n a Ca l a i s Elin Fi g u e ir e d o Lídia Ca t a r i n o Rui J or g e Cor d e i r o S i l v a Sar a Fr a g oso FOTO GRAF I AS, D ES E N H O S E IM AGE N S Ant ónio Ba c a l h a u Ant ónio Ca b e ç o H ug o Pe r e ir a Jo sé Lu í s Ma d e ir a Paul o Lon g o Pedr o Ma r t ins L AYO U T DA C O LEC Ç Ã O Car los J a n e ir o REVI S ÃO E PAG I N A Ç Ã O Ana Pa i va

E DIÇ Ã O C âmar a Muni c i p a l de Co r uc he M us eu Muni c i pal d e Co r uc he O utubr o 2008 PAT ROC ÍNIO Fundaç ão Cal o us te Gul b enki an MEC ENATO Fundi ç ão d e Si no s Car l o s & Luí s Jer ó ni mo , L da. APOIO I ns ti tuto de Ges tão d o Patr i mó ni o Ar qui tec tó ni c o e A r queo l ó gi c o IM PRES S Ã O Pa l mi g r á fi c a D EPÓS ITO LEG A L 279405/08 IS B N 978- 972- 99637- 7- 3

COL E CÇÃO Tra j e c t os na H i st ó r i a , 3

FOTO GRAF I AS DA S C A PA S Cab ra d a Tor r e da Un i v e r s i d a d e d e C o i m b r a, fundi da em 1741 p o r Jo an n e s Fe rre i ra L im a , d e Br a g a , r ef u n d i d a e m 1 9 0 0 p el o s s eus s uc es s o r es e r emo vi d a em 1952 po r que b r a ( P. M a r t in s © ) Sin o d e 1 2 8 7 d a Ig r ej a d e S ã o Ped r o d e C o r uc he ( P. Mar ti ns ; Mus eu Muni c i pal de Co r u c h e © )

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SUBS¸DIOS PA R A A H I S T Ł R I A DA FUNDIÇ‹O SINEIRA E M P O RT U G A L Do sino medieval da Igreja de São Pedro de Coruche à actualidade

Luís Sebastian

E D IÇ Ã O

PATR O C ÍNIO

MECENATO

A POI O



Um feliz acaso proporcionado por uma escavação de emergência no decurso de uma obra particular trouxe à luz do dia uma das peças arqueológicas mais significativas no acervo patrimonial do concelho de Coruche. Ainda que o contexto onde se registou o achado – centro histórico, o casco urbano mais antigo do burgo, na proximidade de um dos templos de mais longínqua fundação – seja potencialmente dos mais ricos, constituiu ainda assim uma grande surpresa, que depressa se transformou n u m e n o r m e o r g u l h o q u a n d o s e c o n f i r m o u t r a t a r- s e d o sino português mais antigo até ao momento conhecido. Se o valor patrimonial é inquestionável, quer pela antiguidade quer pela qualidade e bom estado da peça, queremos aqui destacar o valor simbólico que lhe atribuímos. Como era Coruche na Idade Média? Como vivia a população coruchense? Quais os seus rituais, as crenças, as manifestações religiosas? O conjunto do espólio encontrado na escavação levantou um pouco da ponta do véu, mas não tenhamos ilusões porque a ignorância sobre esta época é quase total para nós homens do século XXI. A obra fundadora da história local – Estudo Histórico d e C o r u c h e , d e a u t o r i a d a s e m p r e r e c o r d a d a Pr o f. ª M a rgarida Ribeiro – abriu algumas pistas a partir de documentos escritos e alguns achados ocasionais. Só um trabalho de investigação, alicerçado no estudo de documentação escrita e em campanhas arqueológicas sistemáticas, proporcionará uma visão mais aproximada do nosso passado e assim entenderemos o percurso dos que nos antecederam, o caminho percorrido por muitas 5


gerações de homens e mulheres que antes de nós const r u í r a m o l e g a d o q u e t e m o s o b r i g a ç ã o d e p r e s e r v a r, p r o mover e finalmente transmitir às gerações vindouras. Uma palavra de apreço a toda a equipa do Museu Municipal, aos que participaram na escavação e aos q u e a g o r a m o n t a r a m a e x p o s i ç ã o S ã o Pe d r o – E n t r e o C é u e a Te r r a . A o D r. Lu í s S e b a s t i a n u m a p a l a v r a d e a d m i r a ç ã o e congratulação pelo excelente trabalho científico que des e n v o l v e u e m t o r n o d o s i n o d e S ã o Pe d r o e m C o r u c h e . À Fu n d a ç ã o C a l o u s t e G u l b e n k i a n u m a p a l a v r a d e r e conhecimento pela parceria que abraçou na publicação deste livro, o que significa também uma certificação do excelente trabalho que aqui se apresenta.

Dionísio Simão Mendes O Pr e s i d e n t e d a C â m a r a M u n i c i p a l d e C o r u c h e

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Em mem贸ria de Domingos Francisco



D e s o c u p a d o l e i t o r, s e m j u r a m e n t o m e p o d e r ĂĄ s c r e r q u e quisera que este livro, como filho do entendimento, fora o mais formoso, o mais galhardo e o mais discreto que pudera imaginar-se. Mas eu nĂŁo pude contravir a ordem da natureza, na qual cada coisa engendra a sua semelhante. Miguel de Cer vantes Saavedra, O engenhoso Fidalgo Dom Quixote da Mancha

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Agradecimentos Num percurso tão longo e multifacetado como foi o que levou a esta obra, são sempre muitos aqueles a quem devemos a nossa homenagem pela colaboração, apoio e incentivo que, à parte das esperadas formalidades, constituem, sinceramente, parte integrante do processo de criação. Começamos por agradecer a colaboração mais directa dos restantes autores, Dra. Ana Sampaio e Castro, Dr. Paulo Ferreira da Costa, Eng.ª Lídia Catarino, Dra. Cris tina Calais, Eng. Rui Silva, Dra. Elin Figueiredo e Dra. Sara Fragoso, por terem abraçado o projecto com igual vontade e determinação. À primeira devemos igualmente o apoio prestado à realização do registo dos processos de fabrico nas fundições sineiras de Braga e Rio Tinto, a colaboração na realização de muitos dos registos gráficos apresentados e, não menos, as revisões constantes à elaboração do texto final. Pelo enorme trabalho de registo visual implicado, faze mos seguir aos autores o envolvimento dos ilustradores Dr. Paulo Longo, Hugo Pereira, Dr. José Luís Madeira, António Bacalhau e Luísa Ba talha e dos fotógrafos Pedro Martins e António Cabeço que, tanto de forma profissional como meramente pessoal, souberam tornar mais fácil uma tarefa que parecia a princípio ser impossível. Essencial como suporte a todo o trabalho de investigação realizado, o estudo comparado dos métodos tradicio nais de laboração conservados na Fundição de Sinos de Rio Tinto e na Fundição de Sinos de Braga de Serafim da Silva Jerónimo & Filhos, Lda., apenas foi possível graças à disponibilidade que demonstraram e a forma como soube ram receber as nossas visitas e intromissões na sua rotina diária. Destacamos por isso, na primeira, as contribuições do Dr. Alberto Costa, da Sra. Ana Dias Vieira e do seu funcionário Sr. Agostinho e, na segunda, do Sr. Arlindo Jerónimo e Eng. Carlos Jerónimo da fundição Carlos & 11


Luís Jerónimo, Lda., sendo que a este último devemos ainda o registo fo tográfico de muitas das fases de produção descritas e uma estreita colaboração em todo o processo, tendo sido o garante do cunho prático que tentámos incutir à investigação realizada, inclusive at ravés de inúmeros ensaios experimentais. Ainda que já extinta, o estudo da antiga fundição sineira da Granja Nova obriga a um especia l agradecimento à Sra. Ângela Ribeiro, actual proprietária das ruínas e sem a colaboração da qual esse trabalho teria sido impossível, à qual juntamos o testemunho oral do Prof. António João Pinto Bernardo Ferreira, último descendente directo da família de fundidores Pinto Loureiro. Nas mesmas condições apenas nos foi possível aceder a informação relativa à extinta fundição sineira de Trancoso através do Sr. Germano Augusto Santiago Rodrigues Fernandes, quer ao nível do registo oral quer no acesso a parte dos registos de vendas e, não menos importante, ao conjunto de ábacos que sobreviveram em sua posse. O esforço contínuo pela busca e obtenção de bibliografia que versasse, ou meramente referisse, o tema do sino e da sua fundição representou desde o início uma das principais dificuldades deste trabalho, tanto pela falta de atenção a que tem sido votado em trabalhos monográficos, como pelo enorme número e dispersão de pequenas referências indirectas. Sendo a maior parte da bibliografia técnica utilizada de produção além-fronteir a s , e s t e f a c t o f o i i g u a l m e n t e u m a b a r r e i r a a v e n c e r. N e s se esforço de reunião de informação foram essenciais p e s s o a s c o m o o D r. J o s é J o r g e A r g ü e l l o M e n é n d e z , D r. R i c a r d o E r a s u n , D r a . B e t â n i a S e b a s t i a n Lo p e s , D r. A l f r e d o M o r a z a B a r e a , D r a . D á l i a Pa u l o , D r. N u n o B e j a , D r. R i c a r d o G a i d ã o , A n d r é La p a C a r n e i r o e A d r i a n a C a s t r o , C o r o n e l N u n o Va r e l a Ru b i m , D r. A n t ó n i o Lu í s Pe r e i r a , D r. Lu í s Fo n t e s , D o u t o r Fr a n c i s c o Pa t o M a c e d o , Pa d r e A n t ó n i o J o s é Fe r r e i r a S e i x e i r a , D r. Ru i A r a ú j o , D o u t o r a Ro s a Va r e l a G o m e s e D r. N u n o Re s e n d e . Alguns destes nomes, deram-nos igualmente oportunidade de observar diversos vestígios arqueológicos de fundição sineira: Dr. José Jorge Argüello Menéndez, Dr. Ricardo Erasun, Dr. António Luís Pereira e Dr. Luís Fontes, 12


aos quais juntamos o Dr. Ernesto Vaz, Dra. Susana Bailarim e Dra. Isabel Alexandra Resende Justo Lopes. Pelo acesso ao sino da Torre da Universidade de Coimbra, tradicionalmente alcunhado de Cabra, agradecemos ao Museu Académico da Universidade de Coimbra, na pes soa do seu Director Dr. Artur Trindade Ribeiro, tal como ao Padre Luís Pedro da paróquia de Almoster pelo acesso ao sino do Mosteiro de Santa Maria de Almoster. Ao Museu Nacional de Etnologia, na pessoa do seu director Prof. Joaquim Pais de Brito, agradecemos espe cificamente a cedência do registo fotográfico da Casa do Touro do Povo em Travassos do Rio em Montalegre, da autoria de Benjamim Pereira. D e f o r m a m a i s p a r t i c u l a r, a g r a d e c e - s e a i n d a a o D o u tor Mário Barroca o apoio ao nível epigráfico, à Doutora Eugénia Cunha o apoio na obtenção das datações por C a r b o n o 1 4 e a o D r. V i c e n t e Ro v a s O r t i z a s a n á l i s e s A n tracológicas no fosso de fundição sineira do Mosteiro de S ã o J o ã o d e Ta r o u c a . Prestado o devid o tributo a todos quantos contribuíram para a elaboração do conteúdo desta obra, fica por fim a homenagem àqueles que souberam fazer sua a res ponsabilidade da sua divulgação, tendo a visão de reco nhecer a pertinência do tema e vencer o preconceito que sempre tem de ser vencido por quem abre caminho por temas inéditos: ao Programa de Apoio a Edições nas Áreas da Arqueologia, Hist ória da Arte e Património (Estudos de Arte), da responsabilidade do Serviço de Belas -Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, e, sobretudo, à Câmara Municipal de Coruche e seu Museu Municipal, não podendo deixar de destacar nestes dois últimos as figuras do Dr. Dionísio Simão Mendes e da Dra. Cristina Calais. Ao nível dos apoios agradecemos ao Igespar a cedência de parte dos registos fotográficos da autoria do f o t ó g r a f o Pe d r o M a r t i n s , d e s t a c a n d o o a p o i o f i n a n c e i r o p r e s t a d o p e l a f u n d i ç ã o s i n e i r a C a r l o s & Lu í s J e r ó n i m o , L d a . , r e s p o n s á v e l p e l a e d i ç ã o c o n j u n t a e m DV D I n t e r a c tivo do registo dos toques sineiros da igreja do Mosteiro de Santa Maria de Salzedas, onde, mais uma vez, temos a a g r a d e c e r t o d a a c o l a b o r a ç ã o d o Pa d r e A n t ó n i o J o s é Fe r r e i r a S e i x e i r a . 13



CONTEÚDOS

A p r e s en t a ç ã o [5] A g r a d eci m e n to s [11] Pr e f á ci o [17] Pe r cu r s o d e i n v es ti g a ç ã o [21] C A P Í T U LO I A f u n d i çã o s i n e i r a : d a H i s t ó r i a à i nves ti gaç ão [29] C A P Í T ULO II S on s d o t e mp o : u s o s s o ci a i s e s i m b ó l i co s d o s i no na c ul tur a p o p ul ar [79] Pa ul o Fer r ei r a da C ost a C A P Í T ULO III G l os s á r i o t e r m i n o l ó g i co el e m en tar na fund i ç ã o s i nei r a [111] C A P Í T ULO IV D e ca m p a n i s f u n d e n ti s : a f undi ç ão d e s i no s na o b r a d e T h e o p h i l u s Lo m bardi c u s [123] C A P Í T U LO V A f á b r i ca d e s i n o s d a G r a n j a N o va , Tar o uc a [141] C A P Í T ULO VI A t é c nic a a r t es a n a l d e f u n d i çã o d e s i n o s em Po r tug a l : a s d uas úl ti mas fundi ç õ es p o r t u g u es as [177] C A P Í T ULO VII U m fosso d e f u n d i çã o s i n ei r a d o s é cul o XIV no Mo s tei r o de S ã o Jo ã o d e Ta r o u ca [213] Co n t ri b u i çã o d e L í d i a C a t a r i no, A na Sam pai o e C ast ro C A P Í T ULO VIII O s i n o d e 1 2 8 7 d a Ig r ej a d e São Ped r o de Co r uc he [271] Contr ib uiç ã o d e C r i sti n a C a l a i s, Rui J. C . Si l va, El i n Fi gue i re do, Sara Fragoso B i b l i o g r a f i a ger al [309]


S i n o s d a B a s í l i c a d a E s t r e l a , L i s b o a , p a r a r e s t a u r o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a ( P. M a r t i n s ; I g e s p a r © )


Prefácio Caracterizada por uma actividade familiar com tradições milenares, a fundição de sinos na Europa inicia, com o fim da Segunda Grande Guerra, um profundo processo de industrialização, do qual a perca do seu cunho artesanal será, talvez, e em termos históricos, a mais marcante consequência. Pe r i f é r i c o a e s t e p r o c e s s o , Po r t u g a l m a n t e v e a t é à s cinco últimas décadas um considerável número de fundições em laboração. Se bem que na sua generalidade circunscritas a um limitado universo de famílias, as cíclicas fundações, aquisições e extinções souberam, ainda a s s i m , m a n t e r v i v a e s t a t r a d i ç ã o v á r i a s v e z e s s e c u l a r. A limitação do mercado interno, aliada a uma complexa trama de factores indirectos, gerados pela profunda revolução de mentalidades, hábitos e gestos verificada sobretudo após a queda do Estado Novo, levaram a uma gradual e geral redução de produção, com a consequente extinção de muitas das fundições sobreviventes. Ironicamente, o facto de o território nacional ter sido poupado durante o século XX aos horrores da guerra, contrariamente à maioria dos países europeus, incluindo Espanha com a sua guerra civil entre 1936 e 1939, retirou-lhe igualmente o impulso que o dantesco trabalho de reconstrução europeia representou a todos os níveis industriais. Basta para tal relembrar o incalculável esforço de refundição dos milhares de sinos destruídos durante os bombardeamentos a cidades, na sua maioria, e, por força das circunstâncias, cidades históricas. 17


I n c o n t o r n á v e l p a r e c e s e r o f a c t o d e o s é c u l o X X I s e r, provavelmente, o último no que diz respeito às técnicas tradicionais de fundição de sinos, acarretando para as gerações actuais o dever histórico e científico de proceder ao registo etnográfico das técnicas e fundições ainda existentes. Se tal tem vindo a ser realizado na generalidade dos países europeus, o mesmo não pode ser apontado para Po r t u g a l , o n d e , s e m d e t r i m e n t o d o s e s f o r ç o s d e a l g u n s poucos autores, são ainda tímidos os registos realizados, prementes pela limitação que a imperdoável evolução dos tempos impõe. A par deste facto, temos assistido nos últimos anos e m Po r t u g a l a u m c r e s c e n d o n a á r e a d a i n v e s t i g a ç ã o arqueológica do período medieval, moderno e contemporâneo, ao qual não será alheio o grande investimento sentido na área da salvaguarda e valorização de conjuntos monásticos, implicando a criação de equipas pluridisciplinares de investigação como suporte à definição de lógicas de intervenção. Inserida na diversidade e riqueza das manifestações humanas associadas a edifícios religiosos, a identificação de vestígios de fundição sineira em contexto de intervenção arqueológica tem-se por isso multiplicado, constituindo progressivamente um valor patrimonial e científico d e e l e v a d o v a l o r, i m p e r a t i v a m e n t e n ã o n e g l i g e n c i á v e l . Além de se tratarem normalmente de estruturas precárias, concebidas unicamente para servir os seus fins sem exceder no tempo a sua funcionalidade, integram-se maioritariamente em contextos de obra, cuja finalização acarreta por regra a sua destruição. O seu intencional desmantelamento, tendo por fim a manutenção do segredo profissional, que sempre caracterizou esta arte, é outro dos factores que contribui, em muito, para que estas estruturas sejam de rara e difícil identificação. Apesar da descoberta de alguns vestígios de fundição sineira um pouco por todo o país, infelizmente estes não têm por regra sido alvo de estudo aprofundado e de publicação, ou por se revelarem fora do âmbito de trabalhos arqueológicos ou por constituírem achados periféricos em relação aos objectivos principais e inicialmente gizados. 18


Como que num ciclo vicioso, a total ausência de dados disponíveis sobre a matéria e o lógico desconhecimento geral têm igualmente contribuído para dificultar os primeiros esforços dos investigadores nacionais, sem com isto constituir crítica, mas sim a constatação da necessidade de acorrer à resolução deste estado estagnante que lesa o conhecimento do nosso passado num importante aspecto, reclamando para nossa identidade o que nos pertence em herança do passado. Fa z - s e p o r i s s o s e n t i r a o s i n v e s t i g a d o r e s e t é c n i c o s n a área do património a necessidade de acederem a informação de cariz técnico e generalista que verse esta matéria, até ao momento quase ausente da língua portuguesa. Nesse sentido, a actual obra surge como resultado de um esforço heterogéneo e descontínuo, ao longo de cinco anos, passando por áreas complementares como História, Arqueologia e Etnologia, não aspirando inicialmente a constituir mais que uma primeira achega para o desenvolvimento e consciencialização do sino como tema de investigação e bem patrimonial, contribuindo para a criação de uma dialéctica de debate.

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Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a ( P. M a r t i n s ; I g e s p a r © )


PERCURSO DE INVESTIGAÇÃO

O actual trabalho nasce, inicialmente, como uma necessidade pessoal imposta pelo nosso primeiro confronto c o m v e s t í g i o s a r q u e o l ó g i c o s d e f u n d i ç ã o s i n e i r a , o c o rrido entre Junho e Agosto de 2002, durante os trabalhos de escavação arqueológica do Mosteiro de São João d e Ta r o u c a , i n i c i a d o s e m A b r i l d e 1 9 9 8 . C o m a d e t e c ção e imediata escavação arqueológica destes vestígios compreendeu-se estarmos perante o local de fundição, por um fundidor itinerante, de um dos primeiros sinos d o m o s t e i r o , p o s t e r i o r m e n t e d a t a d o d o s é c u l o X I V. S e n d o este tipo de achado raro por natureza, quer por motivos de fragilidade dos vestígios deixados quer devido à sua i n t e n c i o n a l d e s t r u i ç ã o p o r p a r t e d o f u n d i d o r, d e m o d o a proteger um conhecimento apenas passado de pai para

Fi g. 1 – A s p e c t o geral dos trabalhos arqueológicos no Mosteiro de São João de Ta r o u c a d u r a n t e a escavação, em 2002, do fosso de fundição sineira de século XIV identificado no interior do refeitório (L. Sebastian) 21


Fi g. 2 – A s p e c t o d o i n t e r i o r d a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga, durante a fase de fabrico de moldes (L. Sebastian)

filho ou de mestre para discípulo, à constatação do seu estado de quase perfeita conservação juntou-se, pela primeira vez, o acesso a informação de cariz técnico passível de contribuir para a definição da evolução do método d e f u n d i ç ã o s i n e i r a e m Po r t u g a l . Na continuidade do estudo então iniciado, ainda em Agosto de 2002, procurou-se contextualizar regionalmente o achado estendendo os trabalhos à vizinha fundição de sinos da Granja Nova que, abandonada em meados do século XX, aparecia já referenciada como d a t á v e l d o s é c u l o X V I p e l o A b a d e Va s c o M o r e i r a n a s u a M o n o g r a f i a d o C o n c e l h o d e Ta r o u c a , d e 1 9 2 4 ( M o r e i r a , 1924: 24, 149). Deste esforço resultou a identificação do local da fundição, registo e estudo do edifício, instrumentos associados e, de longe o mais surpreendente, do forno, miraculosamente conservado sobre as ruínas do t e l h a d o e n t r e t a n t o d e s a b a d o . Te n d o a i n d ú s t r i a s i n e i r a sofrido nos últimos cinquenta anos um brusco processo de renovação técnica ao nível da fusão do metal, o forno de revérbero, empregue nestas fundições desde o século XVI, viu-se substituído por novos métodos industriais, com a destruição de quase todos os exemplares históricos. Neste contexto, o forno conservado nas ruínas da fundição de sinos da Granja Nova assumiu-se não só como o último exemplar histórico de forno de revérbero e m Po r t u g a l , m a s c o m o u m d o s ú l t i m o s a n í v e l e u r o peu. Ao seu consequente valor científico, não só para o estudo da fundição sineira, mas para toda a história metalúrgica, juntou-se um forte significado patrimonial, infelizmente em risco de perda eminente. A acumulação de dados gerada pelos registos então efectuados levantou, quase de imediato, a dificuldade da 22


sua interpretação. Esta levou-nos a procurar na comparação etnográfica uma primeira solução para as questões então levantadas, o que foi inicialmente conseguido com a c o l a b o r a ç ã o e e n v o l v i m e n t o p e s s o a l d o E n g. C a r l o s J e r ó n i m o , e n t ã o u m d o s r e s p o n s á v e i s d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga. Daqui partiu-se para visitas regulares a essa f u n d i ç ã o e , p o u c o m a i s t a r d e , à Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , s e n d o e n t ã o e s t a s a s d u a s ú l t i m a s f u n d i ç õ e s s i n e i r a s e m Po r t u g a l . E s t e n d e n d o - s e e s s e t r a b a l h o p e l o s anos de 2003 e 2005, dos imensos levantamentos então efectuados resultou, de forma natural, a necessidade de coligir de forma organizada e apreensível toda a informação, resultando no registo dos métodos artesanais ainda em uso.

Fi g. 3 – A s p e c t o d o i n t e r i o r d a Fu n d i ç ã o de Sinos de Rio Ti n t o , d u r a n t e a fase de fabrico de moldes (L. Sebastian)

Desde o início uma das nossas maiores dificuldades, a recolha de bibliografia subordinada ao tema da fundição sineira levou-nos a importar grande parte das publicações a que recorremos. Sendo esta na sua maioria de difícil, s e n ã o i m p o s s í v e l , o b t e n ç ã o e m Po r t u g a l , p r e o c u p o u - n o s igualmente de imediato o facto de a qualquer publicação da nossa parte não corresponder a necessária disponibilidade das obras eventualmente citadas. Sofremos então a tentação de avançar com a tradução documentada dos principais tratados históricos relacionados com a fundiç ã o s i n e i r a , s e n d o e s t e s : o c a p í t u l o L X X X V, i n t i t u l a d o D e C a m p a n i s Fu n d e n t i s , d o L i v r o I I I d o t r a t a d o D e D i v e r s i s A r t i b u s , d a t a d o d o s é c u l o X I -X I I e a s s i n a d o p e l o m o n g e b e n e d i t i n o T h e o p h i l u s , d a Lo m b a r d i a ; o c a p í t u l o X I I d o 23


t r a t a d o d e m e t a l u r g i a d e 1 5 4 0 , i n t i t u l a d o D e l a Pi r o t e c h n i a , d o i g u a l m e n t e i t a l i a n o Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o ; o volume III da enciclopédia francesa Encyclopédie ou Dict i o n n a i r e Ra i s o n n é d e s S c i e n c e s , d e s A r t s e t d e s M é t i e r s , d a r e s p o n s a b i l i d a d e d e D e n i s D i d e r o t e J e a n l e Ro n d B. d’Alembert, de 1759. A crescente disponibilidade on line dos três textos levou-nos a desistir de tal intento, ficando contudo a noção de que, à importância do primeiro não correspondia uma versão devidamente comentada, tornando clara a leitura de um documento que, aos evidentes equívocos o r i g i n a i s p o r p a r t e d o a u t o r, s e t e r ã o j u n t a d o p o s t e r i o rmente possíveis erros de transcrição. A dificuldade de interpretação que sentimos pessoalmente levou-nos então, despretensiosamente, a elaborar a nossa própria versão, a p r i n c í p i o p a r a u s o p a r t i c u l a r, m a s q u e a c a b a m o s a q u i por tornar pública. Em 2005, aproveitando a oportunidade oferecida pela realização em território nacional do 3.º Simpósio sobre Mineração e Metalurgia Históricas no Sudoeste Europeu, organizado pela Sociedad Española para la Defensa del Pa t r i m ó n i o G e o l ó g i c o y M i n e r o e m c o n j u n t o c o m a U n i v e r s i d a d e d o Po r t o e o I n s t i t u t o Po r t u g u ê s d o Pa t r i m ó n i o Arquitectónico, realizado entre 21 e 23 de Junho, organ i z o u - s e n a Fa c u l d a d e d e E n g e n h a r i a d o Po r t o a p r i m e i r a exposição nacional subordinada ao tema sineiro, intitul a d a S i n o s , a Pa r t i r d a Fu n d i ç ã o , a q u a l d e c o r r e u e n t r e 2 1 de Junho e 2 de Dezembro. Nesta foi-nos possível, pela primeira vez, reunir alguns dos mais representativos sinos conservados em território nacional, sugerindo o primeiro e n s a i o d a e v o l u ç ã o f o r m a l e e s t i l í s t i c a d o s i n o e m Po rtugal, traduzida em esboço já nas actas desse encontro, 24

Fi g s . 4 e 5 – Aspectos do interior d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , durante a fase de fundição (L. Sebastian)


c o m o t í t u l o A Fu n d i ç ã o S i n e i r a e m Po r t u g a l , d a H i s t ó r i a à Investigação, publicadas em 2006. Como consequência indirecta deste esforço de divulgação, foi-nos encetado pelo Museu Municipal de Coruche um primeiro contacto, no sentido de realizarmos o estudo de um pequeno sino exumado em escavações a r q u e o l ó g i c a s n a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , r e alizadas pela Dra. Cristina Calais ainda em 2001. Este estudo, realizado entre Setembro de 2005 e Março de 2006, resultou na sua surpreendente afirmação como o e x e m p l a r m a i s a n t i g o e m Po r t u g a l . A s u a d a t a , d e 1 2 8 7 , agora aliada à de 1292 do sino do Mosteiro de Santa Maria de Almoster (Barroca, 2000: vol. III, tomo I, 1080-1085) e à de 1294 dos sinos do Mosteiro de Santa

Fi g s . 6 e 7 – Convite de inauguração e aspecto da exposição Sinos, a Pa r t i r d a Fu n d i ç ã o , p a t e n t e n a Fa c u l d a d e d e Engenharia da Universidade do Po r t o e n t r e 2 1 de Junho e 2 de Dezembro de 2005 ( f o t o d e P. M a r t i n s )

Cruz de Coimbra (Dias, Coutinho, 2003: 148) e da Sé de É v o r a ( Va l d e z , 1 9 1 1 a : 1 0 4 - 1 0 5 ) , v e i o p e l a p r i m e i r a v e z oferecer uma visão completa do sino medieval do século XIII, justificando em Março do mesmo ano a apresentação da comunicação O Sino de 1287 da Igreja de São Pe d r o d a Vi l a d e C o r u c h e , n o â m b i t o d o C o l ó q u i o M a r g a r i d a R i b e i r o – U m a Vi d a D e d i c a d a à C u l t u r a , d a r e s p o n s a b i l i d a d e d a m e s m a i n s t i t u i ç ã o . Te n d o - s e e n t r e g u e n a mesma altura uma versão revista do relatório do estudo realizado para publicação nas actas do mesmo encontro, os dados posteriormente obtidos, com destaque para a soma e repetição de análises laboratoriais anteriormente feitas, levaram-nos a apresentar aqui uma nova versão do estudo então produzido, desta feita com a mais-valia 25


Fi g. 8 – A s p e c t o geral das escavações arqueológicas realizadas junto à igreja de São Pe d r o d e C o r u c h e em 2001, da responsabilidade da Dra. Cristina Calais do Museu Municipal de Coruche (C. Calais)

do envolvimento directo de todos os intervenientes que lhe deram apoio. Pr e s e r v a n d o - s e d i v e r s o s e x e m p l a r e s d e s i n o s d o s é c u l o XVII e, progressivamente mais frequentes, do século XVIII em diante, reconhece-se para pelo menos a segunda metade do século XVII a afirmação do perfil moderno, mantido nos sinos de hoje. Contudo, a reduzida identificação e quase total ausência de estudos de exemplares dos séc u l o s X I V, X V e X V I d e i x a r a m - n o s u m h i a t o q u e d i f i c u l t a o esforço de traçar a completa evolução morfológica do s i n o e m Po r t u g a l , d o e x e m p l a r m a i s a n t i g o c o n h e c i d o , d e 1287, ao presente. Pr o c u r a n d o c o n t r i b u i r p a r a r e d u z i r e s t e h i a t o c o m u m olhar sobre o que terá sido o sino na viragem do século XV para XVI, estabelecendo a ponte entre as morfologias conhecidas para os quatro exemplares conservados do século XIII e os ainda, mais ou menos, frequentes sinos do século XVII, aproveitou-se o contacto da Diocese de La m e g o , n o â m b i t o d o Pr o j e c t o d e I n v e n t á r i o d e A r t e S a c r a M ó v e l d o s A r c i p r e s t a d o s d e La m e g o e Ta r o u c a , p a r a a realização do estudo exaustivo do sino manuelino da S é d e La m e g o , i n i c i a d o e m Fe v e r e i r o d e 2 0 0 6 e c o n c l u ído com a publicação do correspondente texto no catál o g o O C o m p a s s o d a Te r r a . A A r t e E n q u a n t o C a m i n h o para Deus. Nesta adiantou-se já uma revisão do texto A Fu n d i ç ã o S i n e i r a e m Po r t u g a l , d a H i s t ó r i a à I n v e s t i g a ção, procurando fazer um ponto de situação dos já então quatro anos de investigação. Po r f i m , e c o m o r e s u l t a d o d a a s s o c i a ç ã o d e s t e l o n g o e descontínuo percurso de investigação com o empenho do Museu Municipal de Coruche em valorizar o seu acervo 26


museológico, surge aqui a opção de reunir em formato de colectânea a totalidade dos trabalhos produzidos, completamente inéditos ou parcialmente já divulgados, de modo a facultar numa só obra o maior número de abordagens possível. É também com esta preocupação q u e s e p r o c u r o u d e s d e i n í c i o a p a r t i c i p a ç ã o d o D r. Pa u l o Fe r r e i r a d a C o s t a , a u t o r d o t e x t o O S i n o : Vo z d a A l d e i a , Vo z d e D e u s , o r i g i n a l m e n t e p u b l i c a d o e m 1 9 9 7 e a q u i convidado a republicar em versão revista e actualizada.

Fi g. 9 – C a r t a z d o Colóquio Margarida Ribeiro – Uma Vida Dedicada à Cultura, realizado no dia 15 de Março de 2006 no Museu Municipal de Coruche 27


Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o ( P. M a r t i n s ; I g e s p a r © )


C A P Í T U LO I A FUNDIÇÃO SINEIRA: DA H I S T Ó R I A À I N V E S T I G A Ç Ã O

1. Introdução Quando em 2005, no âmbito da realização em território nacional do 3.º Simpósio sobre Mineração e Metalurgia Históricas no Sudoeste Europeu, se nos proporcion o u o r g a n i z a r n a Fa c u l d a d e d e E n g e n h a r i a d o Po r t o a e x p o s i ç ã o i n t i t u l a d a S i n o s , a Pa r t i r d a Fu n d i ç ã o , t o r n a n d o possível pela primeira vez reunir e estudar alguns dos sinos mais representativos do território nacional, propusemo-nos aproveitar o ensejo para elaborar um primeiro e s b o ç o d a e v o l u ç ã o f o r m a l e t é c n i c a d o s i n o e m Po r t u g a l , publicado em acta já com o título que aqui repetimos: A Fu n d i ç ã o S i n e i r a e m Po r t u g a l , d a H i s t ó r i a à I n v e s t i g a ç ã o . E r a j á e n t ã o n o s s a i n t e n ç ã o q u e e s s e t r a b a l h o s e rvisse de ensaio para uma posterior tentativa mais séria, conscientes de que faltava então preencher importantes hiatos de informação para o território nacional. A primeira oportunidade para desenvolver o esboço então apresentado surgiu quase de imediato, com o convite do Museu Municipal de Coruche no sentido de realizarmos o estudo do sino exumado em 2001 nas escavaç õ e s a r q u e o l ó g i c a s n a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , fornecendo-nos assim o acréscimo de informação necessário para caracterizar de forma suportada a evolução do sino medieval português. J á e m 2 0 0 6 , a g o r a p o r c o n t a c t o d a D i o c e s e d e La m e g o , n o â m b i t o d o Pr o j e c t o d e I n v e n t á r i o d e A r t e S a c r a M ó v e l d o s A r c i p r e s t a d o s d e La m e g o e Ta r o u c a , f o i - n o s por sua vez dada a oportunidade de estudar um exemplar m a n u e l i n o , s i t o n a S é d e La m e g o , e m c u j a p u b l i c a ç ã o 29


voltamos a fazer novo ensaio sobre a evolução formal e t é c n i c a d o s i n o e m Po r t u g a l , c o m a e d i ç ã o d o t e x t o O S i n o M a n u e l i n o d a S é d e La m e g o . Fe c h a n d o u m c i c l o d e c i n c o a n o s d e i n v e s t i g a ç ã o , pretendemos agora reunir num só a informação dispersa por estes dois textos, mantendo simbolicamente o mesmo título empregue na primeira tentativa, que cremos ser agora possível completar de forma mais satisfatória. Nessa mesma lógica, coibimo-nos de voltar a apresentar os mesmos dados em novo formato, limitando-nos a repetir o que já antes foi escrito, dando antes atenção à sua actualização à luz dos novos conhecimentos reunidos, ao acréscimo de nova informação quando totalmente nova e, se caso disso, a rectificação de interpretações então apresentadas e entretanto desmentidas pela continuidade da investigação.

2. Fontes para o estudo d a a c t i v i d a d e s i n e i r a e m Po r t u g a l O percurso do sino como objecto de estudo científic o e m Po r t u g a l t e m - s e c a r a c t e r i z a d o , i n f e l i z m e n t e , p o r esforços isolados e intermitentes, sem a desejável continuidade necessária ao seu desenvolvimento como verdad e i r a f o n t e d e c o n h e c i m e n t o h i s t ó r i c o . Po r f a l t a d e s t e , a imposição do sino como elemento de valor patrimonial t e m t a r d a d o a v e r i f i c a r- s e , n ã o s ó c o m o c o n s e q u e n t e empobrecimento do património histórico nacional, mas, de forma mais grave, pelo seu carácter de irreversibilidade, com o comprometimento efectivo do seu futuro reconhecimento, dada a constante e progressiva refundição de sinos rompidos enquanto em actividade. A primeira afirmação é facilmente constatável na análise da bibliografia existente em língua portuguesa sobre o tema, dentro da qual encontramos como uma das primeiras abordagens à fundição de sinos a obra Artistas e A r t i f i c e s d e G u i m a r ã e s : N o t i c i a D o c u m e n t a l , d e Fr a n c i s c o Marques de Sousa Viterbo, publicada em 1897. O mesmo autor viria de novo a abordar mais directamente o tema em 1915, com a publicação póstuma da obra Artes e I n d ú s t r i a s M e t á l i c a s e m Po r t u g a l , Re l o j o a r i a , S i n o s e 30


S i n e i r o s . A i n d a a n t e s , i n i c i a r a m - s e c o m o Pa d r e Pe d r o Fe r n a n d e s T h o m a z o s p r i m e i r o s e s f o r ç o s n o s e n t i d o d e contribuir para a realização de um inventário do património sineiro nacional, com o texto Inscripções e Emblemas E x i s t e n t e s n o s S i n o s d a s E g r e j a s d o C o n c e l h o d a Fi g u e i r a , d e 1 8 9 9 , c o n t i n u a d o p o r G a b r i e l Pe r e i r a e m 1 9 0 1 , c o m o texto Os Sinos da Sé de Évora, e por José Joaquim de A s c e n s ã o Va l d e z , c o m a p u b l i c a ç ã o e n t r e 1 9 1 0 e 1 9 1 6 d e u m a s é r i e d e t e x t o s i n t i t u l a d o s C a m p a n á r i o s e m Po rtugal. A este mesmo autor se pode atribuir o primeiro estudo monográfico de um sino, com o ensaio d’ O Sino d e C e u t a : D o c u m e n t o s d o A r q u i v o N a c i o n a l d a To r r e d o To m b o , p u b l i c a d o e m 1 9 1 4 . Te r í a m o s n o e n t a n t o q u e e s p e r a r p o r 1 9 3 6 p a r a q u e fosse publicada a primeira obra que de facto assumiu o sino, o fundidor e as tradições sineiras como um tema a v a l o r i z a r, p a r a l á d a m e r a c u r i o s i d a d e h i s t ó r i c a , c o m a o b r a A s Vo s e s d o s S i n o s n a I n t e r p r e t a ç ã o Po p u l a r e a I n dústria Sineira em Guimarães, por Alberto Vieira Braga. A i n d a u m a o b r a d e r e f e r ê n c i a , a e s t a v e i o j u n t a r- s e e m 1938 novo estudo monográfico de um sino, com o texto d e F é l i x A l v e s Pe r e i r a A n t i q u i t u s , S i n o Ve l h o d e S a n t a M a r i a d e S i n t r a , p a r a e m 1 9 4 7 , c o m o Pa d r e J o s é A n t ó n i o Pi n h e i r o e Ro s a , s e r p u b l i c a d o o a i n d a m a i s c o m p l e t o i n v e n t á r i o s i n e i r o e m t e r r i t ó r i o n a c i o n a l , i n t i t u l a d o Vo z e s d e B r o n z e , o s S i n o s d a s To r r e s d o A l g a r v e . Ta l v e z i n s p i r a do por este esforço, em 1964 dá-se a publicação de Insc r i ç õ e s S i n e i r a s d o s C o n c e l h o s d e A l a n d r o a l , B o r b a , Vi l a Vi ç o s a e Re g u e n g o s d e M o n s a r a z , p o r m ã o d o Pa d r e H e n r i q u e d a S i l v a Lo u r o , à q u a l o m e s m o a u t o r j u n t o u , e m 1969, as Inscrições Sineiras da Arquidiocese de Évora. Re c e n t e m e n t e , a p e n a s d e f o r m a i n d i r e c t a o s i n o t e m sido alvo de atenção, em textos como Salvamento Arqueo l ó g i c o d e D u m e ( B r a g a ) . Re s u l t a d o s d a s C a m p a n h a s d e 1 9 8 9 - 1 9 9 0 e 1 9 9 1 - 1 9 9 2 , p o r Lu í s Fo n t e s , r e p e t i d o p e l o m e s m o a u t o r e m c o n j u n t o c o m Fr a n c i s c o S a n d e Le m o s e M á r i o C r u z n o t e x t o M a i s Ve l h o q u e a S é d e B r a g a , d e 1 9 9 8 . E m 1 9 9 9 , C a r l o s A m a d o , J o r g e C u s t ó d i o e Lu í s M o t a d e d i c a m a l g u m a s p á g i n a s a o t e m a , n a o b r a To r r e d a s C a b a ç a s , Re l ó g i o d o M u n i c í p i o : E x p o s i ç ã o D o c u m e n tal, datando de 2002 o primeiro texto debruçado sobre questões de conservação de sinos históricos, por Carlos 31


da Costa Jerónimo em Diagnóstico aos Sinos, repetido e m 2 0 0 3 c o m Re s t a u r o d o s S i n o s d o M o s t e i r o d e S ã o M a r t i n h o d e Ti b ã e s . Já no âmbito da oportunidade oferecida em 2005 pela r e a l i z a ç ã o e m Po r t u g a l d o 3 . º S i m p ó s i o s o b r e M i n e r a ç ã o e Metalurgia Históricas no Sudoeste Europeu, dá-se a pub l i c a ç ã o n a r e s p e c t i v a a c t a d o s t e x t o s U m N o v o Fo s s o d e Fu n d i ç ã o d e S i n o s n o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a a M a i o r d e Po m b e i r o , A e s c a m p a n u m . H i s t ó r i a d e u m a A r t e e M é t o d o s y T é c n i c a s p a r a l a E x c a v a c i ó n d e u n Fo s o d e Fu n d i c i ón de Campanas, da responsabilidade de Ricardo Erasun C o r t é s , a r q u e ó l o g o e s p a n h o l r a d i c a d o e m Po r t u g a l , e La Pr o d u c c i o n d e C a m p a n a s e n l a Pe n i n s u l a I b e r i c a e n E p o ca Medieval y Moderna. Contexto Arqueologico de una A c t i v i d a d M e t a l u r g i c a Pr o t o i n d u s t r i a l , p o r A l f r e d o M o r a z a B a r e a e S ó n i a S a n J o s é S a n t a m a r t a , a r q u e ó l o g o s d o Pa í s B a s c o , a o s q u a i s s e j u n t o u d a n o s s a a u t o r i a o t e x t o A Fu n d i ç ã o S i n e i r a e m Po r t u g a l , d a H i s t ó r i a à I n v e s t i g a ç ã o . Invariavelmente apontadas como fontes documentais incontornáveis no estudo técnico da fundição sineira e sua evolução, os capítulos que lhe são referent e s n o s t r a t a d o s d e T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s , Va n n o c c i o Biringuccio e na enciclopédia francesa de Diderot et d’Alembert, continuam a carecer de tradução para a língua portuguesa, se não apenas publicação no mercado i n t e r n o . O t r a t a d o t é c n i c o d o s s é c u l o s X I -X I I d o m o n g e T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s , c o n s t a n t e d o L i v r o I I I , c a p í t u l o L X X X V, i n t i t u l a d o D e C a m p a n i s Fu n d e n t i s , d a s u a o b r a De Diversis Artibus, encontra-se actualmente apenas disponível de forma relativa nas versões Theophilus, on D i v e r s A r t s , t h e Fo r e m o s t M e d i e v a l Tr e a t i s e o n Pa i n t i n g, Glass Making and Metalwork, de John Hawthorne e Cyril S t a n l e y S m i t h , e La Fu n d i c i ó n d e C a m p a n a s e n l a O b r a d e Te ó f i l o Lo m b a r d o D e D i v e r s i s A r t i b u s L i b r i I I I , d e S a n t i a g o I b á ñ e z L l u c h e S a l v a d o r-A r t e m i M o l l á i A l c a ñ i z , a m b o s n ã o p u b l i c a d o s e m Po r t u g a l . O m e s m o a c o n t e c e c o m o t r a t a d o d e Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o , D e l a Pi r o t e c h n i a ( f i g. 1 0 ) , d i s p o n i b i l i z a d o n a v e r s ã o T h e Pi r o t e c h n i a o f Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o , T h e C l a s s i c S i x t e e n h - C e n t u r y Tr e t i s e o n M e t a l s a n d M e t a l l u r g y, n o v a m e n t e p o r C y r i l S t a n l e y S m i t h e M a r t h a Te a c h G n u d i . D i s s e m i n a d a p e l a s mais diversas bibliotecas, a Encyclopédie ou Dictionnai32


r e Ra i s o n n é d e s S c i e n c e s , d e s A r t s e t d e s M é t i e r s , d e 1759 e da responsabilidade de Denis Diderot e Jean le Ro n d B. d ’ A l e m b e r t , n ã o é c o n t u d o d e f á c i l c o n s u l t a , pelo carácter histórico da própria publicação, tendo-se como melhor alternativa a sua versão informática, novamente não disponível no mercado português. Apelando para o contributo da Arqueologia portuguesa temos, infelizmente, poucos vestígios de fundição sineira estudados em contexto arqueológico e, salvo honrosas excepções, bem menos alvo de publicação, pelas mais diversas contingências. É no entanto possível, graças à amável colaboração de alguns investigadores, identificar

Fi g. 1 0 – C a p a do tratado de metalurgia De l a Pi r o t e c h n i a , d e Va n n o c c i o Biringuccio, publicado pela primeira vez em 1540

já quinze fossos de fundição sineira escavados em territór i o p o r t u g u ê s , s e n d o e l e s o d a I g r e j a Pa r o q u i a l d e D u m e e m B r a g a , d o s s é c u l o s X-X I ( ? ) e d a r e s p o n s a b i l i d a d e d o D r. Lu í s Fo n t e s ; o d a I g r e j a d e S a n t a M a r i a d e Po v o s e m V i l a Fr a n c a d e X i r a , d o s s é c u l o s X I I -X I I I e d a r e s p o n s a b i l i d a d e d a D r a . C r i s t i n a C a l a i s e D r a . Pi l a r Re i s ; o d a I g r e j a d e V i l a Ve l h a d e M o u r ã o , d o s s é c u l o s X I I -X V e d a r e s p o n s a b i l i d a d e d a D r a . H e l o i s a Va l e n t e d o s S a n t o s ; o d a a n t i g a I g r e j a Pa r o q u i a l d e S ã o J o ã o d e C a m p o e m Te r r a s d e B o u r o , d o s s é c u l o s X I I I -X I V ( ? ) e d a r e s p o n s a b i l i d a d e d o D r. Fr a n c i s c o S a n d e l e m o s e D r. A n t ó n i o M a r t i n h o B a p t i s 33


t a ; o d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , d o s é c u l o X I V e da responsabilidade do autor e da Dra. Ana Sampaio e Castro; o da Igreja de São João Baptista do Castelo de A n s i ã e s , d o s s é c u l o s X I I I -X V e d a r e s p o n s a b i l i d a d e d o D r. A n t ó n i o Lu í s Pe r e i r a ; d o i s n o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a a M a i o r d e Po m b e i r o , s e n d o o p r i m e i r o d o s s é c u l o s X I I -X I I I e o s e g u n d o d o s é c u l o X V, d a r e s p o n s a b i l i d a d e d o D r. Ricardo Erasun Cortés (Erasun Cortés, 2006b: 293-310); o d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e N u m ã o e m V i l a N o v a d e Fo z C ô a , d o s s é c u l o s X I V-X V I e d a r e s p o n s a b i l i d a d e d a D r a . Pa u l a B a r r e i r a A b r a n c h e s , D r a . H e l o i s a Va l e n t e d o s S a n t o s e D r a . I s a b e l A l e x a n d r a Re s e n d e J u s t o Lo p e s ; o d a S é d e B r a g a , d o s s é c u l o s X V-X V I e d a r e s p o n s a b i l i d a d e d o D r. Lu í s Fo n t e s ( Fo n t e s , Le m o s , C r u z , 1 9 9 7 - 1 9 9 8 : 1 4 3 - 1 4 4 ) ; o da Igreja de São Salvador do Castelo de Ansiães, do século XVI e da responsabilidade da Dra. Isabel Alexand r a Re s e n d e J u s t o Lo p e s ; o d a S é d e M i r a n d a d o D o u r o , d o s é c u l o X V I I e d a r e s p o n s a b i l i d a d e d o D r. E r n e s t o Va z ; o do Colégio dos Jesuítas de Bragança, do século XVIII e d a r e s p o n s a b i l i d a d e d o D r. J o s é J o r g e A r g ü e l l o M e néndez; o da Igreja de São Martinho de Mancelos em Amarante, de cronologia incerta e da responsabilidade da Dra. Susana Bailarim; e o da Igreja de Santa Cristina de Serzedelo em Guimarães, de cronologia incerta e da r e s p o n s a b i l i d a d e d o D r. Fr a n c i s c o Fa u r e . De extrema importância, é o facto de podermos aind a c o n t a r e m Po r t u g a l c o m d u a s f u n d i ç õ e s s i n e i r a s e m l a b o r a ç ã o , s e n d o e l a s a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , d a f a m í l i a C o s t a , e a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , d a família Jerónimo. Apesar desta ter passado nos últimos anos por um processo de industrialização, sobretudo ao nível das instalações, o essencial dos métodos de trabalho mantém-se fiel à tradição, preservando-se intact a n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o t o d a a a t m o s f e r a a r t e s a n a l ( f i g. 1 1 ) . C o n s t i t u i n d o a o b s e r v a ç ã o d i r e c t a e a análise etnográfica comparativa uma ferramenta indispensável no estudo de qualquer actividade artesanal, a possibilidade dessa experiência oferecida por estas duas fundições reveste-se de supra importância na compreens ã o e i n t e r p r e t a ç ã o d e d a d o s d e o r i g e m d o c u m e n t a l e a rq u e o l ó g i c a , r e p r e s e n t a n d o p a r a Po r t u g a l o m e s m o p a p e l 34


q u e a s f u n d i ç õ e s Q u i n t a n a e Po r t i l l a t ê m r e p r e s e n t a d o para a investigação campanológica em Espanha. Aspecto igualmente importante e totalmente carecido d e a t e n ç ã o e m Po r t u g a l é a i n v e n t a r i a ç ã o d o s e u p a trimónio sineiro, sendo a sua realização condição sine qua non para o estudo e compreensão deste fenómeno. Apenas baseando-nos em referências bibliográficas e pontuais observações directas, foi-nos possível reunir até ao momento para o território português 635 sinos

Fi g. 1 1 – A s p e c t o i n t e r i o r d a Fu n d i ç ã o de Sinos de Rio Ti n t o , d u r a n t e a secagem intermédia do macho de diversos moldes de sino (L. Sebastian)

com indicação do nome do seu fundidor e respectiva data de fundição, constituindo uma das ferramentas às quais recorremos continuamente em todos os trabalhos por nós realizados. Te n d o j á s e r v i d o d e b a s e a u m a s u c i n t a a n á l i s e g e nealógica de algumas das mais importantes famílias de f u n d i d o r e s s i n e i r o s e m Po r t u g a l , a p r e s e n t a d a n a e x p o s i ç ã o S i n o s , a Pa r t i r d a Fu n d i ç ã o , a s s u a s r a í z e s p a r e c e m i n v a r i a v e l m e n t e l i g a r- s e , d i r e c t a o u i n d i r e c t a m e n t e , a famílias de fundidores sineiros em Espanha. O estudo desta interligação entre os dois países ibéricos, indiscutivelmente essencial na compreensão da actividade sineira e m Po r t u g a l , t o r n a - s e t a n t o m a i s p e r t i n e n t e q u a n t o o i n ventário sineiro de Espanha se encontra desde há muitos anos em elaboração, sendo mesmo alguns dos seus dados disponibilizados on line, quase em tempo real, pelo G r é m i o d o s Fu n d i d o r e s d e Va l ê n c i a .

3. Síntese histórica Re c u a n d o a s p r i m e i r a s r e f e r ê n c i a s à u t i l i z a ç ã o d e s i nos de bronze ao culto do deus Osíris, no Egipto faraónico do segundo milénio antes de Cristo, entre os séculos 35


VI e III é-lhes já reconhecida a prática de aplicar a estas campânulas de reduzida dimensão motivos decorativos, segundo o método de cera perdida (Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 9). Contudo, terão sido os chineses, no século V a.C., os primeiros a definir a liga de quatro partes de cobre para uma de estanho, genericamente a mais apropriada em termos sonoros e actualmente designada por bronze camp a n i l . Po d e n d o p o s s i v e l m e n t e r e c u a r- s e o s p r i m ó r d i o s d a fundição sineira na China ainda a meados do terceiro m i l é n i o a n t e s d e C r i s t o ( Pe r e i r a , 1 9 9 6 : 7 ) , é a í q u e a s s u mirá igualmente pela primeira vez a sua configuração de campânula circular (Miguel Hernandez, 1990: 146), com o s s i n o s b u d i s t a s d o s é c u l o I I I , e n t ã o p e r c u t i d o s e x t e r i o rmente por um maço de madeira (Salmon, 2002: 44). Defendendo alguns autores que a introdução do sino na região europeia se terá dado cerca de 1000 a.C., através d a m i g r a ç ã o d e p o v o s i n d o - e u r o p e u s , é c o m u m r e f e r i r- s e a actividade de fundição de pequenos sinos desde o século VI a.C. em Nola, na região da actual Nápoles, como o r i g i n á r i a d e u m a t r a d i ç ã o n o r t e a f r i c a n a ( V i o l l e t- l e - D u c , Eugène-Emmanuel, 1924: 281; Almeida, 1966: 341-342; Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 9). Certa é a larga divulgação da crença profilática e do conceito simbólico da sonância do metal entre a cultura romana, sobretudo através de campainhas utilizadas nos cultos sagrados, mas também na já então constante presença na organização da vida quotidiana, marcando eventos de carácter profano, judicial e político, a cuja tradição não podemos sonegar algum carácter clássico p e l o f a c t o d e a m e s m a p o d e r s e r, a t é c e r t a m e d i d a , r e ferenciada na cultura grega (Almeida, 1966: 341-342; M a r c o s V i l l á n , M i g u e l H e r n a n d e z , 1 9 9 8 : 9 ; V i o l l e t- l e - D u c , Eugène-Emmanuel, 1924: 281). Tr a d i c i o n a l m e n t e a t r i b u í d a a o b i s p o S ã o Pa u l i n o d e Nola (353-431) a imposição do sino no rito cristão ocid e n t a l n o s é c u l o V, n ã o s e p o d e e s v a z i a r d e s i g n i f i c a d o o facto de essa iniciativa partir de uma região de reconhecida tradição sineira pré-cristã, para a qual talvez a a s s o c i a ç ã o d o n o m e d o d e s t a c a d o b i s p o , s a n t o e e s c r i t o r, tenha vindo como uma necessidade de legitimação (Nozal Calvo, 1984: 158). 36


Ao nível filológico, é de realçar a relação do termo campana, palavra para sino na língua italiana, com a região da Campânia, onde Nola se insere, tendo-se posteriormente estendido à língua castelhana, havendo ainda que registar a utilização do termo nola para sinos de p e q u e n o p o r t e ( V i o l l e t- l e - D u c , E u g è n e - E m m a n u e l , 1 9 2 4 : 2 8 1 ; M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 4 ; M a r c o s V i l lán, Miguel Hernandez, 1998: 10). Ainda que indirectamente essa origem possa ser igualmente atribuída, na língua portuguesa, às palavras como campainha ou camp â n u l a , a p e n a s n e s t a l í n g u a e u r o p e i a p e r m a n e c e u o t e rmo latino signum, predominantemente empregue desde pelo menos o século VI ao século VII, significando símbolo ou sinal, usando-se o termo bell na língua anglo- s a x ó n i c a e c l o c h e o u g l o c h e n a s l í n g u a s f r a n c e s a e g e rmânica correspondentemente, estando estes dois últimos relacionados com o termo clocca utilizado pelo menos desde o século VIII nas regiões gálica e renana (Miguel Hernandez, 1990: 145; Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 10-11). Mais consensual é o papel da regra beneditina e da expansão do fenómeno monástico na afirmação do sino, como elemento caracterizador da paisagem e ambiente sonoro europeu. Com a fundação da casa mãe beneditina em Monte Cassino, em plena região campaniense, a utilização do sino no quotidiano claustral vê-se inst i t u í d a n a Re g r a d e S ã o B e n t o d e 5 2 9 - 5 4 3 , a c o m p a nhando desde então todas as edificações monásticas, transversalmente à sua filiação nas futuras e sucessivas r e f o r m a s à r e g r a b e n e d i t i n a ( M a r c o s V i l l á n , M i g u e l H e rnandez, 1998: 11). Não será alheio a esta circunstância o facto de, à maior e rápida expansão da ordem beneditina na região Centro e Norte da Europa, corresponder um maior n ú m e r o d e e x e m p l a r e s d e s i n o s a l t o - m e d i e v a i s c o n s e rv a d o s ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 5 ; A r g ü e l l o Menéndez, 1998: 4). E m 6 0 4 , c o m o Pa p a S a b i n i a n o , d á - s e , s e g u n d o a l guns autores, a imposição do toque dos sinos durante as horas canónicas, afirmando-se definitivamente a sua indissociabilidade do rito cristão ocidental, atribuindo-se a o Pa p a J o ã o X I I I o e s t a b e l e c i m e n t o d a c e r i m ó n i a d e 37


b a p t i s m o d o s s i n o s , e m 9 6 8 ( A s c e n s ã o Va l d e z , 1 9 1 0 : 2 8 ; V i o l l e t- l e - D u c , E u g è n e - E m m a n u e l , 1 9 2 4 : 2 8 1 ) . Culminando assim o que se pode entrever como um movimento progressivo, provavelmente desigual regionalmente, no espaço ibérico terá prematuramente logrado uma considerável aceitação, se tivermos em conta a referência ao uso de sinos no rito visigótico desde o século V (Miguel Hernandez, 1990: 145), ainda que especificamente para o território português a referência m a i s r e c u a d a à u t i l i z a ç ã o d o s i n o s e r e p o r t e a 8 7 0 ( H e rculano, 1867: 46).

4. O bronze A utilização do bronze como matéria preferencial no fabrico de sinos é, talvez de todos os aspectos, o mais consensual. Empregue o ferro forjado no sino suíço do Mosteiro de São Gall, de finais do século VI, e no sino alemão da igreja de Santa Cecília, de 613 e actualmente sito no Museu de Colónia, e tendo como exemplo para o u s o d o c o b r e o s i n o f r a n c ê s d e S t i v a l e m Po n t i v y d o s é c u lo VII, os primeiros sinos cristãos de bronze conhecidos s e r ã o o s i n o d a a b a d i a f r a n c e s a d e F l e u r y, p r o v a v e l m e n t e datável dos séculos VIII-IX, o sino italiano de Canino, dos s é c u l o s V I I I - I X , 1 e o s i n o i r l a n d ê s d e C h u m a s c a h e m A n n g, do século IX, permanecendo como exemplar de data mais r e c u a d a p a r a a Pe n í n s u l a I b é r i c a o s i n o d e 9 2 5 2 c o n s e rvado no Museo Arqueológico de Córdoba (Manzanares Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 5 - 2 2 7 ; B a y l e y, B r y a n t , H e i g h w a y, 1 9 9 3 : 2 3 2 ; H o m o - Le c h n e r, 1 9 9 6 : 1 2 4 - 1 2 5 ; M a r c o s V i l lán, Miguel Hernandez, 1998: 11). Contrária à inicial ligeira hesitação na adopção do bronze como matéria pelo sino cristão, e como já acima indicado, a liga usada na fundição sineira define-se já na China do século V a.C., com a solução de quatro partes de cobre para uma de estanho, como a mais apropriada e m t e r m o s s o n o r o s ( N o z a l C a l v o , 1 9 8 4 : 1 5 7 ) . Pa r a o mundo cristão, temos como dados mais recuados as análises realizadas em Inglaterra aos vestígios arqueológicos d e f u n d i ç ã o s i n e i r a d e H e d e b y, d o s s é c u l o s V I I I -X I , G l o u c e s t e r, c o m d u a s o c o r r ê n c i a s d e c e r c a d e 9 0 0 , e Wi n c h e s 38


t e r, d o s é c u l o X , o n d e s e v e r i f i c a m c o r r e s p o n d e n t e m e n t e 75,98% de cobre para 17,37% de estanho, 83,2% para 13,9% e 84,1% para 14,2% e, no último caso, 76,8% p a r a 1 8 , 7 5 % 3 ( B a y l e y, B r y a n t , H e i g h w a y, 1 9 9 3 ) . Pa r a Po r t u g a l , i g u a l m e n t e c o m b a s e e m v e s t í g i o s a rq u e o l ó g i c o s , t e m o s p a r a o s s é c u l o s X-X I a f u n d i ç ã o d e u m s i n o n a I g r e j a d e D u m e e m B r a g a 4 ( Fo n t e s , 1 9 9 1 -1992), onde se registam os valores de 74% de cobre para 25% de estanho. Apesar de qualquer um destes resultados com origem arqueológica poder aparentar um significativo desvio em relação à liga corrente, nestes casos, como por regra na maioria das amostras recolhidas em contexto arqueológico, a determinação da liga do sino fundido fez-se com base na análise de pingos de fundição conservados no local, pelo que se deve sempre considerar a elevada possibilidade de esses não corresponderem exactamente à liga empregue, devendo ser vistos apenas como aproximações. Mais seguros, temos para o sino de 1287 da Igreja de S ã o Pe d r o d e C o r u c h e o s v a l o r e s d e 7 2 - 7 9 , 2 % d e c o b r e para 19,2-23,4% de estanho, com uns residuais 1,44-4,64% de chumbo. Ainda que as análises de 86,54% de cobre para 12,57% de estanho, com apenas 0,88% de chumbo, sejam anómalas no fragmento recuperado d o s i n o o r i g i n a l d o s s é c u l o s X I I -X I I I d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , c o n s t i t u i n d o t a l v e z a r a z ã o d a s u a r e f u n d i ç ã o n o s é c u l o X I V, o s 7 5 , 1 7 - 7 6 , 1 8 % d e c o b r e p a r a 21,93-22,79% de estanho, com uma média de 1,96% de chumbo, obtidos através da análise de diversos pingos de fundição, voltam a colocar dentro dos valores esperados a liga empregue nessa refundição trecentista. Estendendo-se a possibilidade da sua cronologia do s é c u l o X I I I a o s é c u l o X V, o s v e s t í g i o s d e f u n d i ç ã o s i n e i r a da Igreja de São João Baptista do Castelo de Ansiães v o l t a m a d a r- n o s u m a l i g a d e 7 4 % d e c o b r e p a r a 2 3 % d e e s t a n h o 5 ( f i g. 1 2 ) . Re c o r r e n d o à s f o n t e s e s c r i t a s , j á o m o n g e b e n e d i t i n o T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s r e f e r e n a s u a o b r a d o s s é c u l o s X I -X I I a l i g a d e 8 0 % d e c o b r e p a r a 2 0 % d e e s t a n h o (Hawthorne, Smith, 1979: 173; Donati, 1981: 109; Ibáñez Lluch, Mollà i Alcañiz, 1997: 431). Apesar de no trata39


Local

Hedeby (Ing)

Cronologia

Cu%

Sn%

VIII-XI

75,98

17,37

Referência bibliográfica

Bayley, Bryant, Heighway, 1993

Gloucester 1 (Ing)

c. 900

83,2

13,9

Bayley, Bryant, Heighway, 1993

Gloucester 2 (Ing)

c. 900

84,1

14,2

Bayley, Bryant, Heighway, 1993

Winchester (Ing) Igreja de Dume (Port) San Andrea di Sarzana (Esp) Cheddar (Ing) Thurgarton (Ing)

X

76,8

18,75

X-XI (?)

74

25

XI-XII

70,54

28,68

XII

80

20

XII

73,5-68

22-25,5

São João de Tarouca (Port)

XII-XIII

86,54

12,57

Santa Maria de Pombeiro (Port)

XII-XIII

73,6-79,5

17,3-20,9

São Pedro (Port)

1287

72-79,2

19,2-23,4

Winchester (Ing)

XIII

77

23

Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Informação oral Bonora, Castelletti, 1975 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Análise directa Erasun Cortés, 2006c Análise directa Bayley, Bryant, Heighway, 1993

São João Baptista de Ansiães(Port)

XIII-XV

74

23

Informação oral

Exeter (Ing)

1372

77

23

Blagg, 1974

Santa Maria del Micalet (Esp)

1405

76,6-77,5

23,3

São João de Tarouca (Port)

XIV

75,17-76,18

21,93-22,79

Chichester (Ing)

XIV

73,27

24

Bayley, Bryant, Heighway, 1993

Zamora (Esp)

XIV

96,7

3,3

Jorda Pardo, 1991

XIV-XV

77,3

20,1

Norton Priory (Ing)

Stabio (Su)

Medieval

80

20

Tintern Abbey (Ing)

XV

80-90

10-20

San Paolo di Valdiponte (It)

XV

70-71,5

22,4-23,4

XV

80,07

18,50

1617

76

23

Valdiponte 2 (It) Wharram Percy (Ing)

Sanchez Real, 1982 Análise directa

Donati, 1981 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Courtney, 1989 Blagg, 1974 Mannoni, 1978 Bayley, Bryant, Heighway, 1993

Bozzo (It)

1736

75,6

15,8

Donati, 1981

Valduggia (It)

1980

74,9

17,6

Donati, 1981

Fondería Bianchi en Varese (It)

Actual

75-78

22

Donati, 1981

Fundiciones Quintana (Esp)

Actual

78

22

Nozal Calvo, 1984

Fundiciones Portilla (Esp)

Actual

80

20

Informação oral

Fundição de Rio Tinto (Port)

Actual

77

23

Informação oral

Fundição de Braga (Port)

Actual

78

22

Informação oral

d o d e m e t a l u r g i a d e 1 5 4 0 D e l a Pi r o t e c h n i a , d o i t a l i a n o Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o , n ã o s e r e m r e f e r i d a s p e r c e n t a g e n s (Smith, Gnudi, 1990: 226), em 1759 voltamos a encontrar as proporções de 75% de cobre para 25% de estanho no capítulo referente à fundição de sinos na enciclopédia f r a n c e s a d e 1 7 5 9 E n c y c l o p é d i e o u D i c t i o n n a i r e Ra i s o n n é des Sciences, des Arts et des Métiers (Diderot, d’Alembert, 1759: 447-451). Pa r a o Po r t u g a l M o d e r n o e n c o n t r a m o s e m 1 7 8 7 , n o Compêndio de Operações de Geometria e das Medidas e Fa b r i c a d o s S i n o s , M u i t o Ú t i l a o s Fu n d i d o r e s q u e o s Fu n d e m , d e M . d e O. Po m b o e C . B. Po m b o ( f i g. 1 3 ) , 40

Fi g. 1 2 – Q u a d r o de ligas metálicas empregues como bronze campanil


a indicação de que seriam utilizadas paralelamente por diferentes fundidores as ligas de 75% para 25%, 80% p a r a 2 0 % e m e s m o 8 3 , 3 3 % p a r a 1 6 , 6 6 % ( Po m b o , Po m b o , 1787: fl. 15, 1). Já no século XX, encontramos referida a liga de 80% p a r a 2 0 % e m u s o n a d é c a d a d e q u a r e n t a n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s N o v a Lu s i t â n i a , e m E r m e s i n d e , d e H e n r i q u e d a S i l v a J e r ó n i m o ( Ro s a , 1 9 4 7 : 3 0 ) , p a r a v i r m o s a e n c o n t r a r p o u c o m a i s t a r d e , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , d e s e u filho Serafim da Silva Jerónimo, a liga de 78% de cobre p a r a 2 2 % d e e s t a n h o . A p a r d e s t a , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , d e s d e 1 9 1 0 , c o m o s e u r e - f u n d a d o r H e rm í n i o Ro c h a C o s t a , q u e a l i g a e m p r e g u e é n o v a m e n t e a solução de 77% para 23%.

Fi g. 1 3 – C a p a d a obra manuscrita e inacabada Compêndio de operações de geometria e das medidas e fabrica dos sinos, muito útil aos fundidores que os fundem, d e M . d e O. Po m b o e C . B. Po m b o , datada de 1787 (Biblioteca Nacional)

Te m o s n o e n t a n t o a i n d a q u e j u n t a r a e s t a i n f o r m a ç ã o a persistente referência à introdução de metais preciosos na liga sineira, segundo a crença de que tal contribuiria para uma melhoria de sonoridade. Ainda que presente por toda a Europa, falta ainda juntar à tradição oral um caso comprovado por análises, tendo todas as tentativ a s , p e l o c o n t r á r i o , d e s m e n t i d o t a l p r á t i c a ( S a n c h e z Re a l , 1982: 22; Braga, 1936: 7). Considerando o carácter empírico do conheciment o d o f u n d i d o r, a s s e n t e n a o b s e r v a ç ã o e n a t r a n s m i s são oral, é apenas natural a introdução de determinadas crenças erradas no saber acumulado. A título de exemp l o r e f i r a - s e a c o n v i c ç ã o d e Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o d e 41


que a sonoridade do sino melhoraria com o primeiro ano de uso (Smith, Gnudi, 1990: 270-271), ou do monge T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s e m q u e o n ã o i m e d i a t o d e s e n terramento do sino após o vazamento do bronze resultaria na sua fractura pela expansão do barro do macho em contacto com a humidade da terra, quando, na verdade, é do rápido esfriamento do metal que podem resultar roturas (Hawthorne, Smith, 1979: 175).

5. O perfil De entre os diferentes elementos e características através dos quais podemos definir um sino, estabelecendo agrupamentos de passível correspondência cronológica, geográfica ou criativa, o perfil será dos que mais se destacará, sobretudo até à imposição do perfil moderno. Sendo este uma certeza já no século XVII, a sua i m p o s i ç ã o t e r á t i d o l u g a r e m Po r t u g a l a l g u r e s a o l o n g o do século XVI, a partir do qual os principais elementos e características de distinção das diferentes escolas se fará sobretudo pela decoração, conteúdo e forma das inscriç õ e s ( f i g. 1 4 ) . Se bem que não vejamos este processo de afirmação do perfil moderno como acto único e imediato, mas sim como um movimento lento e progressivo permitindo sobrevivências, experimentações e convivências, será teoricamente possível reconhecer no geral uma tendência e v o l u t i v a l i n e a r, n o s e n t i d o d a p r o g r e s s i v a a p r o x i m a ç ã o ao modelo actual. Pa r a Po r t u g a l e s t a i d e i a t e m , n o e n t a n t o , q u e s e r a c e i te com as naturais reservas impostas pelos poucos dados que possuímos actualmente, fruto da ausência de qualquer esforço sério e exaustivo de investigação, expondo-se assim qualquer interpretação a constantes contraditos com a sucessiva (re)descoberta de novos exemplares nas tão desconhecidas torres sineiras portuguesas. A c e i t a n d o q u e a p e n a s p o s s u í m o s c o n s e r v a d o s e m Po rtugal seis sinos integráveis no período medieval, sendo e l e s o s s i n o s d e 1 2 8 7 , d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e ( f i g. 1 5 ) , d e 1 2 9 2 , d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r ( f i g. 1 6 ) , d e 1 2 9 4 , d o M o s t e i r o d e S a n t a C r u z 42


Fi g. 1 4 – Q u a d r o de relação dimensional entre alguns dos sinos mais determinantes conservados

Local

Cronologia

Altura

Largura

Metal

Referência bibliográfica

Santa Cecília (Al)

613

42cm

?

Ferro

Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 11

Stival (Fr)

séc. VII

25cm

20cm

Cobre

Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 225

Fleury (Fr)

séc. VIII-IX

34cm

31cm

Bronze

Homo-Lechner, 1996: 125

Canino (It)

séc. VIII-IX

37cm

39cm

Bronze

Bayley, Bryant, Heighway, 1993: 232

Hedeby (Ing)

séc. VIII-XI

39,3cm

42,5cm

Bronze

Bayley, Bryant, Heighway 1993: 232

Chumascah (Irl)

séc. IX

30,5cm

20,3cm

Bronze

Espasa Calpe, 1930: 1197

Córdoba (Esp)

955

19,5cm

19,5cm

Bronze

Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 225

San Isidoro (Esp)

1086

63cm

57cm

Bronze

Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 227

St. OswaldÊs (Ing)

séc. X

32,2cm

34,6cm

Bronze

Bayley, Bryant, Heighway, 1993: 232

Bremen (Ing)

séc. XII

30,4cm

33,2cm

Bronze

Bayley, Bryant, Heighway, 1993: 232

Harescombe (Ing)

séc. XII

41,7cm

44,1cm

Bronze

Bayley, Bryant, Heighway, 1993: 232

Oviedo (Esp)

1219

123cm

119cm

Bronze

Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 235-236

Celón (Esp)

1222

48cm

38,7cm

Bronze

Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 236-237

Cazanes (Esp)

1267

60cm

55cm

Bronze

Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 237

São Pedro (Port)

1287

29,2cm

22cm

Bronze

-

Almoster (Port)

1292

75cm

54cm

Bronze

Amado, Custódio, Mota, 1999: 50

Santa Cruz (Port)

1294

60cm

51cm

Bronze

Dias, Coutinho, 2003: 148

Corias (Esp)

séc. XIII-XIV

21cm

17,5cm

Bronze

Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 237-238

Corias (Esp)

1327

60cm

55cm

Bronze

Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 237

Mora (Port)

1391

?

50cm

Bronze

Espanca, 1975: 415

Sintra (Port)

1468

70cm

65cm

Bronze

Pereira, 1938: 3

Arraiolos (Port)

1495-1521

?

61cm

Bronze

Espanca, 1975: 25

Lamego (Port)

1495-1521

79,3cm

60,3cm

Bronze

-

1539

74cm

74cm

Bronze

Louro, 1964: 12

Vila Viçosa (Port)

de Coimbra e da Sé de Évora, aos quais podemos acrescentar o sino de 1391 do Convento de São Bento de Cástris, hoje conservado na Igreja da Misericórdia de Mora (Espanca, 1975: 415, est. 70; Barroca, 2000: vol. III, tomo II, 1934-1936), e o sino de 1468 de Santa Maria d e S i n t r a ( Pe r e i r a , 1 9 3 8 ; B a r r o c a , 2 0 0 0 : v o l . I I , t o m o I , 1 0 8 2 ) . Fa l t a a i n d a , n o e n t a n t o , d e s e n v o l v e r s o b r e o s t r ê s últimos o necessário estudo exaustivo já realizado para os restantes exemplares. Pr o c u r a n d o c o n t e x t u a l i z a r o s e x e m p l a r e s r e c o n h e c i dos em território nacional, colmatando o seu insuficiente número e distribuição temporal para a obtenção duma i m a g e m c r e d í v e l d o q u e t e r á s i d o a e v o l u ç ã o d o p e rfil do sino, será necessário atender aos principais sinos 43


Fi g s . 1 5 e 1 6 – Re p r e s e n t a ç õ e s esquemáticas dos sinos da Igreja d e S ã o Pe d r o d e Coruche, de 1287, e do Mosteiro de Santa M a r i a d e A l m o s t e r, d e 1 2 9 2 ( J. L . M a d e i r a )

conservados um pouco por toda a Europa, com especial atenção aos exemplares espanhóis, pela sua proximidade geográfica e afinidades culturais, ainda mais determinante se considerarmos que grande parte das famílias de fundidores nacionais encontram aí as suas raízes. Numa análise alargada vamos encontrar uma fase inicial de grande diversidade, com tendência para perfis v e r t i c a i s d e s e c ç ã o q u a d r a n g u l a r, c o m o o s i n o s u í ç o d o Mosteiro de São Gall, de finais do século VI, e o sino alemão da Igreja de Santa Cecília de Colónia, de 613 ( f i g. 1 7 ) , a m b o s a i n d a e m f e r r o f o r j a d o , a o s q u a i s j u n t a mos o sino francês de Stival, do século VII, já em cobre. As formas semiesféricas simples aparecem-nos paralelamente já no século IX,6 com o igualmente francês sino de N o t r e - D a m e d e Ro c a m a d o u r ( f i g. 1 8 ) , e m f e r r o f o r j a d o , reaparecendo no sino espanhol de 925 conservado no M u s e o A r q u e o l ó g i c o d e C ó r d o b a ( f i g. 1 9 ) , j á a s s u m i n d o o bronze como matéria. Estas formas esféricas parecem

Fi g. 1 7 – S i n o alemão, de ferro forjado, da Igreja de Santa Cecília de Colónia, de 613 (Aigrain, 1943: 240)

Fi g. 1 8 – S i n o francês, de ferro forjado, de Notre-Dame de Ro c a m a d o u r, d o século IX (Aigrain, 1943: 240) Fi g. 1 9 – Re p r e s e n t a ç ã o esquemática do sino espanhol, de bronze, conservado no Museo Arqueológico de Córdoba, de 925 ( J. L . M a d e i r a )

44


Fi g s . 2 0 e 2 1 – Re p r e s e n t a ç õ e s esquemáticas do sino francês, de bronze, da a b a d i a d e F l e u r y, provavelmente datável dos séculos VIII-IX, e do sino italiano, de bronze, de Canino, dos séculos VIII-IX ( J. L . M a d e i r a )

n o e n t a n t o t e r- s e m a n t i d o p e l o m e n o s a t é a o s é c u l o X I I I , como prova o sino francês de Melun, ainda que todos se caracterizem por pequenos sinos de asa em pega ajustável tanto à sua suspensão como ao uso manual (Aigrain, 1 9 4 3 : 2 4 0 ; M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 5 ; H o m o - Le c h n e r, 1 9 9 6 : 1 2 4 - 1 2 5 ; M a r c o s V i l l á n , M i g u e l H e rnandez, 1998: 11). Já com a plena afirmação do bronze como matéria ideal, pode-se reconhecer a fase de transição entre os perfis esféricos e os campanulares no sino francês da a b a d i a d e F l e u r y ( f i g. 2 0 ) , p r o v a v e l m e n t e d a t á v e l d o s séculos VIII-IX, e, ainda que mais tardiamente, no sino alemão de Graitschen, datado de cerca de 1038,7 com a interessante presença no primeiro de uma primitiva asa singela e bordo timidamente extrovertido e, no segundo, de uma asa singela medieval plena e bordo marcad a m e n t e e x t r o v e r t i d o c o m d o i s c o r d õ e s ( H o m o - Le c h n e r, 1996: 124-125). Assumindo um perfil já campanular com extroversão da boca e dimensão apenas ajustável ao uso por suspensão, temos como exemplar mais recuado o sino italiano d e C a n i n o ( f i g. 2 1 ) , d o s s é c u l o s V I I I - I X ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 6 - 2 2 7 ; B a y l e y, B r y a n t , H e i g h w a y, 1 9 9 3 : 2 3 2 ; H o m o - Le c h n e r, 1 9 9 6 : 1 2 4 ) . É a i n d a u m p e r f i l de barriga convexa sem definição do ombro que voltamos a encontrar nos dois sinos que figuram na representaç ã o d a t o r r e d e T á v a r a e m Z a m o r a ( f i g. 2 2 ) , c o n s t a n t e

Fi g. 2 2 – Re p r o d u ç ã o d a representação da torre sineira de Távora em Zamora, Espanha, retirada de um códice do século X (L. Sebastian, com base em Manzanares Ro d r i g u e z M i r, 1951: figura 1) 45


n u m c ó d i c e d o s é c u l o X , e n o s i n o d e 1 0 8 6 d a To r r e d e S a n I s i d o r o e m Le ã o ( f i g. 2 3 ) ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 7 ; H o m o - Le c h n e r, 1 9 9 6 : 1 2 7 ) . E s t a s o l u ç ã o d e topo semicircular sem acentuamento do ombro parece t e r- s e m a n t i d o c o m o p r e f e r e n c i a l n a l g u m a s c o r r e n t e s e u ropeias, a acreditar no método de perfilamento de sinos a p o n t a d o p e l o i t a l i a n o Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o e m 1 5 4 0 (figs. 24 e 25) (Smith, Gnudi, 1990: 275). D o s q u a t r o s i n o s d o s é c u l o X I I I c o n s e r v a d o s e m Po rtugal foi-nos, até ao momento, dada a possibilidade de a n a l i s a r d i r e c t a m e n t e o s e x e m p l a r e s d a I g r e j a S ã o Pe d r o de Coruche, Mosteiro de Santa Maria de Almoster e Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Através destes podemos já com algum grau de certeza entender que o perfil aí observado corresponderá à generalidade dos sinos fundidos em território nacional, admitindo sempre a convivência com algumas produções divergentes, inclusive pela imigração de fundidores de além-fronteiras. Mesmo admitindo que os três exemplares observados possam correspond e r, p o r c o i n c i d ê n c i a , a u m a m e s m a e s c o l a , r e f o r ç a d a sobretudo pelo facto dos sinos de Coruche e Almoster se apresentarem quase como exemplares idênticos próximos d a m e i a d i m e n s ã o u m d o o u t r o , p o d e n d o c o m o t a l c o rr e s p o n d e r m e s m o a o t r a b a l h o d e u m s ó f u n d i d o r, a t é à identificação e observação de novos exemplares somos obrigados a entender esta reduzida amostra como repres e n t a t i v a d o p e r f i l c o r r e n t e d o Po r t u g a l m e d i e v a l . De utilização mais limitada por não apresentar uma data concreta, podemos ainda apontar a existência de um sino de mais que provável integração medieval, pela primeira vez (re)descoberto por Alberto Vieira Braga na Capela de Santa Catarina da Serra em Guimarães e re-

Fi g. 2 3 – Re p r e s e n t a ç ã o esquemática do sino espanhol, de b r o n z e , d a To r r e de San Isidoro em Le ã o , d e 1 0 8 6 ( J. L . M a d e i r a )

Fi g. 2 4 – M é t o d o de perfilamento de sinos apontado pelo i t a l i a n o Va n n o c c i o Biringuccio, na sua obra de 1540 De la Pi r o t e c h n i a (Smith, Gnudi, 1990: 275) 46


Fi g. 2 5 – M é t o d o de perfilamento de sinos sugerido na Encyclopédie ou Dictionnaire Ra i s o n n é d e s Sciences, des Arts et des Métiers, de 1759

Fi g. 2 6 – Re p r e s e n t a ç ã o esquemática do sino medieval (?) da Capela de Santa Catarina da Serra em Guimarães (L. Sebastian)

estudado por Ricardo Erasun (Braga, 1936: 88, 104; Almeida, 1966: 355; Erasun Cortés, 2006a: 291). Neste apresenta-se-nos um perfil distinto do observado para os sinos de Coruche, Almoster ou Coimbra, com maior aproximação entre os diâmetros da boca e do ombro, e perfil d a b a r r i g a r e c t o e d i a g o n a l e m v e z d e a b a u l a d o ( f i g. 2 6 ) . Ainda que de data incerta, a existência deste exemplar volta a deixar em aberto a apenas natural hipótese de coexistência de diferentes perfis durante pelo menos parte do período medieval, devendo-se manter esta maior ou menor diversidade até ao século XVI. Contudo, a observação, ainda que indirecta, dos sin o s d e 1 3 9 1 d e M o r a e d e 1 4 6 8 d e S i n t r a p a r e c e d a r f o rça à ideia de que o perfil observado nos três exemplares do século XIII se terá mantido sem grandes alterações até a o s f i n a i s d o s é c u l o X V, r e s e r v a n d o a s s i m p a r a o p r i n c í pio do século XVI o momento de revolução no sentido do perfil moderno, para o qual encontramos nos sinos do período manuelino os melhores exemplos de transição. Contando infelizmente já com poucos exemplares, podemos ainda assim identificar treze sinos quinhentistas, n o m e a d a m e n t e o s i n o d e 1 5 1 1 d a S é d e E l v a s ( Lo u r o , 1969: 13; Barroca, 2000: vol. II, tomo I, 1082-1083), os três sinos do Convento das Chagas em Vila Viçosa, e s t a n d o u m d e l e s d a t a d o d e 1 5 3 9 ( Lo u r o , 1 9 6 4 : 1 2 ) , o s i n o c o n s e r v a d o n o s Pa ç o s d o C o n c e l h o d e A r r a i o l o s ( E s panca, 1975: 25, est. 87; Barroca, 2000: vol. II, tomo I , 1 0 8 2 - 1 0 8 3 ) , o s i n o Pr i m á s d a S é d e É v o r a ( Va l d e z , 1 9 1 1 a : 1 0 6 ) , o s i n o d o C o n v e n t o d e S ã o Fr a n c i s c o d e Évora, do 1.º quartel do século XVI e originalmente da I g r e j a d a G r a ç a d e É v o r a ( Va l d e z , 1 9 1 1 a : 1 0 9 ; B a r r o c a , 47


2000: vol. II, tomo I, 1082-1083), os dois sinos da Igreja de Santo Antão de Évora, originalmente da Igreja de São D o m i n g o s d e É v o r a ( Va l d e z , 1 9 1 1 b : 1 3 9 ) , o s i n o d a I g r e j a d e S ã o N i c o l a u d e L i s b o a ( Va l d e z , 1 9 1 2 a : 4 1 7 ) , o s i n o d a I g r e j a d e S a n t a M a r i a d e Ó b i d o s 8 ( Va l d e z , 1 9 1 2 a : 4 2 4 ) , o s i n o d a I g r e j a d a C o n c e i ç ã o Ve l h a e m L i s b o a ( Va l d e z , 1 9 1 0 : 3 7 ) , o s i n o d a I g r e j a d e S a n t a M a r i a d e To r r e s N o v a s ( Va l d e z , 1 9 1 6 : 2 0 6 ) e , p o r ú l t i m o , o s i n o m a n u e l i n o d a S é d e La m e g o ( f i g. 2 7 ) , c u j o e s t u d o a p r o f u n d a d o v e i o pela primeira vez fazer a ponte entre o perfil medieval e moderno português, ostentando como principal inovação u m o m b r o j á c l a r a m e n t e m a i s q u a d r a n g u l a r, m a i s d e s t a c a d o p e l a r á p i d a t r a n s i ç ã o e m r e l a ç ã o a o p e r f i l d a b a rriga, que vingará a partir de então até aos nossos dias, apenas com um ainda maior aligeiramento da diferença e n t r e o d i â m e t r o d o o m b r o e d a b o c a ( f i g. 2 8 ) . Pu r a m e n t e m e d i e v a l é a p r á t i c a d e a c r e s c e n t a r p e rfurações na zona do ombro do sino, pretensamente melhorando-lhe a sonoridade. É pelo menos essa a crença d e T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s a o i n d i c a r n a s u a o b r a d o s s é c u l o s X I -X I I a n e c e s s i d a d e d e e f e c t u a r q u a t r o p e r f u r a ções triangulares no pescoço do sino (Hawthorne, Smith, 1979: 169). De facto, encontramos uma perfuração triangular junto à asa do sino de Canino dos séculos VIII-IX, passando a quatro perfurações, ainda que circulares, na zona superior do sino de 925 do Museo Arqueológico de Córdoba, e quatro quadrangulares no sino de 1086 d a To r r e d e S a n I s i d o r o e m Le ã o ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 5 - 2 2 7 ; M a r c o s V i l l á n , M i g u e l H e r n a n d e z , 1998: 11). No entanto, a convicção de que esta prática melhoraria realmente a sonoridade final do sino é, cientificamente, um erro, provavelmente um equívoco fruto de má interpretação, natural numa actividade baseada n o e m p i r i s m o t é c n i c o . Po d e m o s a p e n a s e s p e c u l a r s o b r e os factores que terão levado ao desenvolvimento de tal crença, destacando-se talvez a possibilidade de, originalmente, estas perfurações terem resultado da necessidade de criar pontos de ligação entre os elementos interior e exterior do molde, conferindo maior estabilidade ao conjunto, registando-se este método na fundição de sinos na China da dinastia Chou e no Japão pré-budista, ao qual podemos ainda juntar o mesmo método utilizado na fundi48

Fi g. 2 7 – Re p r e s e n t a ç ã o esquemática do sino manuelino d a S é d e La m e g o (L. Sebastian)


Córdoba (Esp) Cronologia: 925 Altura: 19,5cm Largura: 19,5cm Fleury (Fr) Cronologia: séc. VIII-IX Altura: 34cm Largura: 31cm Graitschen (Al) Cronologia: 1038 (?) Altura: (aproximada) Largura: (aproximada) Canino (It) Cronologia: séc. VIII-XI Altura: 37cm Largura: 39cm

San Isidoro (Esp) Cronologia: 1086 Altura: 63cm Largura: 57cm

Almoster (Port) Cronologia: 1292 Altura: 75,3cm Largura: 53,8cm

Lamego (Port) Cronologia: 1495-1521 Altura: 79,3cm Largura: 60,8cm

São João Tarouca (Port) Cronologia: 1908 Altura: 97cm Largura: 89cm

Fi g. 2 8 – Pr o p o s t a d e e v o l u ç ã o m o r f o l ó g i c a do sino cristão (L. Sebastian)

ç ã o d e c a n h õ e s d e s c r i t o p o r Va n n u c c i o Biringuccio no século XVI (Hawthorne, Smith, 1979: 169). Pa r a Po r t u g a l e s t a p r á t i c a m a n t é m - s e p o r p r o v a r, o q u e n ã o é i m p e ditivo de que tal venha a suceder com o desenvolvimento da investigação, sobretudo considerando as cronologias dos exemplares conservados, por demais tardios em relação aos períodos para os quais já se fez prova do seu emprego.

6. A asa A asa do sino, como elemento de fixação ao cabeçalho, aparenta ter encontrado precocemente as suas duas soluções actuais, a asa singela de dois cotos e a asa dobrada de seis, evoluindo quase apenas estilisticamente e de forma gradual. Assim, já no sino da abadia francesa de Fleury dos séculos VIII-IX encontramos uma asa singela, repetida no sino italiano de Canino dos séculos VIII-IX, no sino alemão de Graitschen de cerca de 1038 e, para Espanha, no s i n o d e 1 0 8 6 d a To r r e d e S a n I s i d o r o e m Le ã o , p a r e c e n d o s e r e s t a a s o l u ção de asa mais representada no sino m e d i e v a l . N ã o c o n s t i t u i n d o Po r t u g a l uma excepção, encontramos a asa singela nos exemplares da Igreja de S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , d e 1 2 8 7 , e d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r, de 1292, apenas provável no sino do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, de 1294, pelo facto de se encontrar ausente por fractura, repetindo-se nos sinos do Convento de São Bento de 49


Fi g. 2 9 – Po r m e n o r da asa singela do sino de 1287 da I g r e j a d e S ã o Pe d r o de Coruche e do sino de 1292 do Mosteiro de Santa Maria de Almoster ( P. M a r t i n s )

Cástris, conservados na Igreja da Misericórdia de Mora, d e 1 3 9 1 , e d e S a n t a C a t a r i n a d a S e r r a ( f i g. 2 9 ) . Se bem que não possamos ainda determinar o momento da introdução da asa dobrada em território nacional, a sua utilização nos exemplares manuelinos demonstra q u e s e r i a j á c o n h e c i d a d e s d e p e l o m e n o s o s é c u l o X V. Considerando que no sino espanhol de 1219 da Catedral de Oviedo é já empregue uma asa dobrada (Manzanares Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 3 5 - 2 3 6 ) , e c o n h e c e n d o - s e o s f o rtes paralelismos entre os reinos ibéricos, mantidos pela constante migração de fundidores sobretudo da região d e Va l l a d o l i d e S a n t a n d e r, p a r e c e p o u c o c r e d í v e l q u e a asa dobrada não fosse ao mesmo momento já conhecida e m t e r r i t ó r i o p o r t u g u ê s ( f i g. 3 0 ) . Pr e s e n t e m e n t e , a u t i l i z a ç ã o d a a s a s i n g e l a e d a a s a dobrada subsistem em função da dimensão do sino, ou seja, em sinos de menor dimensão é empregue a asa singela, que passa a dobrada nos de maior dimensão, por motivos de maior resistência mecânica e consequente complexidade de elaboração e investimento de metal. No c a s o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , p o r e x e m p l o , e s t a d i s t i n ç ã o é f e i t a a o s 1 5 0 k g.

Fi g. 3 0 – Po r m e n o r da asa dobrada do sino de 1998 da torre civil do C a s t e l o Ro d r i g o , e m Fi g u e i r a d e C a s t e l o Ro d r i g o , apresentando uma decoração invulgar para o território português (L. Sebastian) 50


Fi g. 3 1 – A s p e c t o geral do sino de tipo romano, tendo por exemplo um dos dois conservados na torre sineira do Convento de Cristo e m To m a r. D e v i d o ao seu perfil, estes sinos ganharam a designação popular de sino baleia ou sino balão (L. Sebastian)

S e m q u a l q u e r r e g i s t o a t é a o m o m e n t o e m Po r t u g a l , encontramos no entanto com alguma frequência em Espanha sinos com asas de apenas quatro cotos. Este facto é sintomaticamente constatável na colecção de sinos do M u s e o C o l e c c i ó n Q u i n t a n a U r u e ñ a , e m Va l l a d o l i d , o n d e se identificam quatro exemplares com estas características, do princípio do século XVI, de 1657, de 1703 e d e 1 7 2 5 ( A l o n s o Po n g a , S a n c h e z d e l B a r r i o , 1 9 9 7 : 1 2 2 , 1 2 8 , 1 3 0 , 1 3 4 ) . Ta l v e z n ã o s e j a n o e n t a n t o c o i n c i d ê n c i a o facto de a maioria destes exemplos, com excepção do de 1703, acontecerem em sinos de perfil romano, um perfil que curiosamente parece nunca se ter fundido em Po r t u g a l , a p o n t a n d o - s e a p e n a s q u a t r o e x e m p l a r e s e m t e rritório nacional, de mais que provável autoria de fundid o r e s e s p a n h ó i s , n o m e a d a m e n t e d o i s e x e m p l a r e s c o n s e rv a d o s n a t o r r e s i n e i r a d o C o n v e n t o d e C r i s t o e m To m a r, u m n a To r r e d a U n i v e r s i d a d e d e C o i m b r a e u m ú l t i m o n o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Devido ao seu perfil e invulgaridade, estes sinos ganharam popularmente a d e s i g n a ç ã o d e s i n o b a l e i a o u s i n o b a l ã o ( f i g. 3 1 ) . Apesar de a decoração dos cotos da asa não parecer ser frequente no sino português, encontramos um friso ao longo dos cotos da asa do sino de 1287 da Igreja de São Pe d r o d e C o r u c h e e , m a i s c o m p l e x a , u m c o r d ã o n o s c o t o s da asa do sino de 1292 do Mosteiro de Santa Maria de A l m o s t e r, r e f e r i n d o - s e a p r e s e n ç a d e c a r r a n c a s n o s c o tos da asa do sino do século XVI da Igreja da Conceição Ve l h a e m L i s b o a ( Va l d e z , 1 9 1 0 : 3 7 ) . B e m m a i s f r e q u e n te nos sinos espanhóis, a decoração da asa aparece já naquele que é igualmente o exemplo bibliográfico mais r e c u a d o p a r a a a s a d o b r a d a n a Pe n í n s u l a I b é r i c a , o s i n o de 1219 da Catedral de Oviedo.

7. Os cordões Pr o v a v e l m e n t e o m a i s e m b l e m á t i c o d o s p r o c e s s o s d e c o r a t i v o s n a i n d ú s t r i a s i n e i r a , o s c o r d õ e s ( f i g. 3 2 ) s ã o j á o b s e r v á v e i s n o s i n o e s p a n h o l d e 1 0 8 6 d a To r r e d e S a n I s i d o r o e m Le ã o , p r o v a n d o o s e u e m p r e g o p e l o m e n o s d e s d e o s é c u l o X I ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 227). Ainda assim, a provavelmente rara ausência de 51


cordões no sino da Capela de Santa Catarina da Serra prova que tal solução poderá ter sido empregue de forma paralela durante o período medieval português, ainda que de forma minoritária, já sugerido pela ausência de m e n ç ã o a o s c o r d õ e s n o c a p í t u l o D e C a m p a n i s Fu n d e n t i s d o t r a t a d o , d o s s é c u l o s X I -X I I , D e D i v e r s i s A r t i b u s , d o m o n g e b e n e d i t i n o T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s ( H a w t h o r n e , Smith, 1979; Donati, 1981: 99-114). Sendo o cordão o elemento decorativo mais constante no percurso evolutivo do sino, o seu surgimento pode ter originalmente acontecido, contudo, por motivos funcion a i s , c o m o r e f o r ç o d a e s t r u t u r a c a m p a n u l a r, f r a g i l i z a d a pela progressiva redução da espessura das suas paredes por razões de eficácia sonora, ao qual se junta o seu igualmente importante papel como elemento ordenador na composição decorativa e epigráfica do sino. O b s e r v a n d o o s e x e m p l a r e s d i s p o n í v e i s p a r a o t e rritório português, constatamos a tendência para que a disposição dos cordões seja concordante em todos os exemplares, dos séculos XIII a XVI, com a sua distribuição, contribuindo para formar duas cintas, ou faixas de inscrição, sendo uma colocada ao nível superior junto a o o m b r o e a o u t r a a o n í v e l i n f e r i o r, n o p o n t o d e e x t r o versão da barriga, às quais se junta um quinto e último conjunto de cordões junto ao bordo, sem resultar aí na c r i a ç ã o d e u m e s p a ç o d e i n s c r i ç ã o . Fi c a a p e n a s c o m o dado diferenciador o facto de nos três exemplares do s é c u l o X I I I , d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , d o M o s teiro de Santa Maria de Almoster e do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, os cordões serem organizados em conjuntos de três, reduzidos no período manuelino para conjuntos de dois. Esta disposição geral dos cordões com criação de duas faixas de inscrição, podendo a superior ser ou não preenchida, parece pois prevalecer durante os séculos XIII-X V I I e , a i n d a q u e b a s t a n t e f r e q u e n t e a t é h o j e , a g r a n d e variedade de disposições que constatamos daí em diante deverá ter sido resultado da introdução da rendilha como elemento decorativo de presença obrigatória. Ainda que aceitando esta leitura geral, ressalva-se q u e n o s i n o m a n u e l i n o d e A r r a i o l o s o n ú m e r o d e c o rdões por conjunto chega a ser inclusive de três, à seme52

Fi g. 3 2 – Po r m e n o r dos cordões como elemento decorativo e organizador num sino da Capela da Nossa Senhora do C a r m o , Ta r o u c a , fundido em 1890 por José Correia Lo u r e i r o , d a fundição da Granja N o v a ( P. M a r t i n s )


lhança dos sinos indicados para o século XIII, apresentando o sino de 1391 de Mora um conjunto isolado de três cordões ao centro da barriga, em substituição do conjunto de cordões que nos restantes exemplares nos aparece no bordo. Estes factos provam que qualquer tentativa de redução das soluções empregues a modelos rígidos deve ser considerada com cautela, devendo ant e s a d m i t i r- s e u m a c o n s i d e r á v e l m a r g e m d e c r i a t i v i d a d e r e c l a m a d a p e l o f u n d i d o r, a i n d a q u e c e r t a m e n t e d e n t r o de tendências dominantes.

8. Os elementos gráficos Po d e - s e c o n s i d e r a r q u e , d e e n t r e a t e m á t i c a c o m u m de elementos ornamentais observados em sinos, podemos fazer a distinção entre elementos decorativos e elementos simbólicos. Debruçando-nos antes de mais sobre os elementos decorativos, podemos quase sempre apenas referir a pres e n ç a d e b a n d a s r e n d i l h a d a s ( f i g. 3 3 ) . E s t a s t o r n a m - s e presença comum provavelmente a partir do século XVII, conhecendo-se raros exemplos da sua utilização para o período medieval, como o fragmento de molde de sino e x u m a d o n o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a M a i o r d e Po m b e i -

Fi g. 3 3 – Po r m e n o r da aplicação de rendilha como motivo decorativo ( P. M a r t i n s ) 53


r o , d a t a d o d o s s é c u l o s X I I -X I I I , n o q u a l s e p o d e e n t r e v e r a aplicação entre cordões de um sistema de repetição de um elemento de tipo cuneiforme, aproximando-se por isso da solução que conheceremos mais tarde de forma plenamente desenvolvida como rendilha (Erasun Córtes, 2 0 0 6 b : 3 0 9 ) . M a i s d i s c u t í v e l , p e l a f a l t a d e p o r m e n o r, podemos ainda indicar uma pequena representação francesa do baptismo de um sino, com a aparente figuração d e r e n d i l h a s , n u m a i l u m i n u r a d o Po n t i f i c a l , d e G u i l l a u m e D u r a n d , d o s é c u l o X I V, d e v e n d o n o e n t a n t o s e r a c e i t e c o m a s d e v i d a s r e t i c ê n c i a s ( H o m o - Le c h n e r, 1 9 9 6 : 2 0 ) . Po r o p o s i ç ã o a o s e l e m e n t o s d e c o r a t i v o s , c o n s i d e r a mos elementos simbólicos aqueles cuja presença se faz de forma a comunicar uma ideia, por regra de índole religiosa, mas à qual devemos ainda juntar a ocorrência de simbologia pessoal ou político-administrativa. Como principal elemento simbólico religioso temos, muito naturalmente, a cruz. É este elemento que vamos encontrar já no sino italiano de Canino dos séculos VIII-IX, com duas cruzes em relevo junto à base da asa, repetindo-se no sino espanhol de 925 do Museo Arqueológico de Córdoba, onde a sua inscrição votiva c o m e ç a p o r u m a p e q u e n a c r u z ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 5 , 2 2 7 ) . No entanto, a par da cruz, encontramos insistentem e n t e n o s s i n o s d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r ( f i g. 3 4 ) , M o s t e i r o de Santa Cruz de Coimbra e Santa Catarina da Serra o pentagrama, associado à cruz latina nos três primeiros e à cruz grega dobrada no último (Braga, 1936: 88,

Fi g. 3 4 – Po r m e n o r da utilização do pentagrama no sino de 1292 do Mosteiro de Santa Maria de Almoster ( P. M a r t i n s ) 54


104; Almeida, 1966: 355; Erasun Córtes, 2006a: 280), a o s q u a i s p o d e m o s a i n d a j u n t a r a r e c o l h a d e u m f r a gmento de molde de sino do século XIV nas escavações a r q u e o l ó g i c a s n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , n o qual é visível o negativo de um pentagrama, sem que para este seja possível determinar se se tratava de um elemento único ou não. Originado pela estrela salomónica, o pentagrama como símbolo apotropaico encontrou vasta aceitação no mundo mediterrânico, tornando-se o seu uso como m o t i v o s i m b ó l i c o , d e c o r a t i v o o u i n s í g n i a p a r t i c u l a r, c o mum a todo o mundo romano, daí passando necessariamente ao medieval, não sendo por isso totalmente surpreendente virmos a encontrá-lo como um dos símb o l o s p r e f e r e n c i a i s d o f u n d i d o r s i n e i r o m e d i e v a l ( Va s concelos, 1996: 66-88). Fi c a p o i s p r o v a d a q u e a a s s o c i a ç ã o d o p e n t a g r a m a à cruz terá sido solução corrente no século XIII português, impondo como hipótese mais que viável ser já essa a prát i c a c o m u m d e s d e p e l o m e n o s o s é c u l o a n t e r i o r. Pr o v a d a a s u a c o n t i n u i d a d e p a r a o s é c u l o X I V, c o m o s r e s u l t a d o s a r q u e o l ó g i c o s d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , constatamos que quase todos os exemplares manuelinos observados apresentam já apenas a tradicional custódia,9 transportando para o século XV o momento de supressão d o p e n t a g r a m a d o e l e n c o s i m b ó l i c o s i n e i r o . Po r o p o s i ção, daqui se pode depreender igualmente que a imposição da custódia como elemento quase obrigatório se terá dado no mesmo momento, encontrando-se desde então ausente em poucas excepções, sobretudo quando em sin o s d e m e n o r d i m e n s ã o o u s i n e t a s ( f i g. 3 5 ) . 1 0

Fi g. 3 5 – Po r m e n o r da utilização da custódia num sino de 1918 da Fu n d i ç ã o d e S i n o s L . F. Ro c h a , Po r t o ( P. M a r t i n s ) 55


Como elemento pessoal podemos apontar já no sino de 1292 do Mosteiro de Santa Maria de Almoster a aplic a ç ã o d o e s c u d o d e a r m a s d e D. B e r e n g á r i a A i r e s d e G o s e n d e ( f i g. 3 6 ) , f u n d a d o r a d o m e s m o c e n ó b i o ( B a r r o c a , 2000: vol. II, tomo I, 1081). Não podendo apontar mais paralelos, prova no entanto a sua possibilidade desde data recuada. A inserção de simbologia pessoal parece ter sido em regra preterida em benefício da inscrição, essa sim prática comum até aos nossos dias, em que à identificação da paróquia, comissão fabriqueira ou cenóbio se seguem tantas vezes a dos párocos, elementos fabriqueiros ou abades responsáveis, para além dos casos de benfeitor ou benfeitores. Apesar de não podermos apresentar nenhum exemplar observado com introdução de escudo de armas de outra instituição que não a da coroa portuguesa, pensamos ser mais que provável tal ocorrência em sinos de encomenda p o r p a r t e d e e s t a b e l e c i m e n t o s c o m o o s d a s d i v e r s a s O rd e n s Re l i g i o s a s . O f a c t o d a n ã o c o n s t a t a ç ã o d e n e n h u m exemplar apenas deverá ser entendido como indicador da sua pouca vulgaridade, e dificilmente da sua inexistência. É-nos difícil crer que grandes ordens monásticas, como a beneditina ou a cisterciense, não tivessem em tempo algum recorrido a tal solução identificativa, ficando contudo para já como uma hipótese apenas. Como elemento simbólico político, ainda que o mais correcto deva talvez ser político-administrativo, temos e n t ã o o e s c u d o d e a r m a s d e Po r t u g a l . A i n d a q u e p e r a n t e a premente falta de um inventário do património sineiro

Fi g. 3 6 – Po r m e n o r da aplicação do escudo de armas d e D. B e r e n g á r i a Aires de Gosende no sino de 1292 do Mosteiro de Santa Maria de Almoster ( P. M a r t i n s ) 56


nacional, a ocorrência do escudo de armas real em sinos parece não ter sido corrente em período algum, talvez c o m a e x c e p ç ã o d o r e i n a d o d e D. M a n u e l I , p o r r e g r a r e c o n h e c i d a m e n t e a s s o c i a d o à e s f e r a a r m i l a r. E n c o n t r a m o s esta ocorrência nos sinos manuelinos de Arraiolos, do C o n v e n t o d e S ã o Fr a n c i s c o d e É v o r a , d a I g r e j a d e S a n t a M a r i a e m Ó b i d o s , d a I g r e j a d e S a n t a M a r i a e m To r r e s Novas, da Sé de Évora e nos dois sinos da Igreja de Santo Antão em Évora, aos quais podemos juntar o sino manuel i n o d a S é d e La m e g o ( f i g. 3 7 ) .

Fi g. 3 7 – A s p e c t o geral do escudo de a r m a s d e D. M a n u e l I, ladeado por duas esferas armilares, no sino da S é d e La m e g o (L. Sebastian)

Fi g. 3 8 – A s p e c t o geral das armas reais no sino de 1829 do Mosteiro d e S ã o Vi c e n t e d e Fo r a , e m L i s b o a , associadas ao nome da então rainha-mãe D. C a r l o t a J o a q u i n a de Bourbon (L. Sebastian)

Pa r a a l é m d o s e x e m p l a r e s m a n u e l i n o s r e f e r i d o s , p o d e mos ainda, a título de exemplo, identificar tal ocorrência no sino de 1611 da Igreja da Graça em Lisboa, do reinad o d e D. Fi l i p e I I ( Va l d e z , 1 9 1 1 c : 2 7 9 ) , n o s i n o r e f u n d i d o em 1746 da Igreja dos Agostinhos em Vila Viçosa, com a s a r m a s r e a i s d e D. J o ã o V ( Lo u r o , 1 9 6 4 : 1 3 ) , n o s o n z e s i n o s d e 1 7 8 8 d a B a s í l i c a d a E s t r e l a e m L i s b o a c o m D. Maria I (Cidade, 1926: 37) e no sino de 1829 do Most e i r o d e S ã o V i c e n t e d e Fo r a , t a m b é m e m L i s b o a , q u e , s e b e m q u e i n t e g r á v e l n o r e i n a d o d e D. M i g u e l , a p r e s e n t a as armas reais associadas ao nome da então rainha-mãe D. C a r l o t a J o a q u i n a d e B o u r b o n ( f i g. 3 8 ) .

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Sem associação do escudo de armas real, mas com alusão directa ao envolvimento da coroa, temos o caso d o s i n o d e 1 6 9 2 d a To r r e d o Re l ó g i o d e M o n s a r a z , c o m a i n s c r i ç ã o “ P. 2 D. G. P O RT U G. E T A L G. R E X S. M . O. D O M I N G O D E L A S T R A I . D I DAG U S B A L L E M E F E C I T … A N N O / 1 6 9 2 ” . H e n r i q u e d a S i l v a Lo u r o n ã o h e s i t a e m i n t e rp r e t a r a i n s c r i ç ã o “ Pe d r o I I p o r g r a ç a d e D e u s Re i d e Po r t u g a l e d o s A l g a r v e s ” c o m o i n d i c a d o r a d e “ o f e r t a d o S o b e r a n o o u f e i t o c o m s u a a j u d a” ( Lo u r o , 1 9 6 4 : 1 5 ) .

9. A inscrição Pr e m a t u r a m e n t e o s i n o c r i s t ã o s e f e z a c o m p a n h a r d e inscrições, sendo bibliograficamente apontada como a inscrição sineira de data mais recuada a do sino francês d e c o b r e d e S t i v a l , e m Po n t i v y, d o s é c u l o V I I , c o n s t i t u i n d o - s e a p e n a s d a i d e n t i f i c a ç ã o d o f u n d i d o r, d e n o m i n a d o Pi r t u r 1 1 ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 5 ) . Como mais antiga inscrição de invocação cristã, no caso não acompanhada pelo ano de fundição, identificaç ã o d o f u n d i d o r o u d o e n c o m e n d a d o r, t e m o s o e x e m p l o d o s i n o i t a l i a n o d o s s é c u l o s V I I I - I X d e C a n i n o . 12 J á c o m i d e n t i f i c a ç ã o d o a n o e e n c o m e n d a d o r, t e m o s o s i n o e s p a n h o l d e 9 2 5 c o n s e r v a d o n o M u s e o A r q u e o l ó g i c o d e C ó rd o b a 1 3 ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 6 ; M a r c o s Villán, Miguel Hernandez, 1998: 11). D o s q u a t r o s i n o s d o s é c u l o X I I I c o n h e c i d o s p a r a Po r t u gal, todos apresentam inscrição: nos casos dos sinos de 1 2 8 7 d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e e d e 1 2 9 4 d o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, apenas referente ao ano de fundição, e, nos casos do sino de 1294 da Sé de É v o r a 1 4 ( Va l d e z , 1 9 1 1 a : 1 0 5 ) e d e 1 2 9 2 d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r, o a n o d e f u n d i ç ã o , u m a f ó r m u l a apotropaica de invocação cristã e identificação do encom e n d a d o r, n o p r i m e i r o o B i s p o D. Pe d r o I e n o s e g u n d o D. B e r e n g á r i a A i r e s d e G o s e n d e , 1 5 s e n d o e s t a f e i t a a t r a vés da reprodução do seu sinete (Barroca, 2000: vol. II, tomo I, 1080-1088). Com indicação completa do ano de fundição, fundidor responsável, fórmula apotropaica e identificação d o e n c o m e n d a d o r, n o c a s o D. Fe r n a n d o I , o C a b i d o e 58


os Homens Bons da cidade, temos o sino de 1377 da Sé d e L i s b o a , 16 n o e n t a n t o d e s a p a r e c i d o c o m o t e r r a m o t o d e 1 7 5 5 ( Va l d e z , 1 9 1 0 : 3 5 ; V i t e r b o , 1 9 1 5 : 4 8 ; B a r r o c a , 2000: vol. III, tomo II, 1934-1936). No sino de 1391 do Convento de São Bento de Cástris, c o n s e r v a d o n a I g r e j a d a M i s e r i c ó r d i a d e M o r a , 17 v o l t a mos a encontrar apenas a indicação do ano de fundição, f ó r m u l a a p o t r o p a i c a e i d e n t i f i c a ç ã o d o e n c o m e n d a d o r, a A b a d e s s a D. M a i o r. Apenas com fórmula apotropaica e indicação do ano, temos ainda o sino de 1468 de Santa Maria de S i n t r a 1 8 ( f i g. 3 9 ) . Esta ausência de identificação do fundidor fica pois como quase certa na maioria das fundições medievais portuguesas, prolongando-se mesmo de forma corrente até ao século XVII, a partir do qual se começa a impor exponencialmente como presença obrigatória. Acompanhando esta tendência, a referência ao ano de fundição aparece intermitentemente até ao século XVIII, tornando-se desde então quase regra. Sendo a presença de inscrições indiscutivelmente precoce, a predominância de legendas votivas em relação às demais, como encomendador ou uso de fórmulas apotropaicas, terá sido u m a r e a l i d a d e t a l v e z j á d e s d e o s é c u l o X I I I -X I V. Ainda assim, é apontada para Espanha a presença corrente de inscrições de invocação religiosa já a partir do século XII, desenvolvendo-se a par com a identificação d o e n c o m e n d a d o r, c o m o s e n d o c e n ó b i o , i g r e j a , p a r ó q u i a o u b e n f e i t o r ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 8 ) . Certo é que com a maior frequência da identificação do fundidor sentiu-se a necessidade de individualizar esta informação, deixando o nome do mestre sineiro de aparecer indistintamente entre as demais inscrições. Aparentemente, pela observação de diversos exemplares ainda em uso, esta individualização parece começar a d a r- s e d e f o r m a m a i s s i s t e m á t i c a a p a r t i r d o s é c u l o X V I I I , primeiro como informação isolada numa só linha de inscrição, marcada por dois ou mais cordões, podendo mesm o i n s c r e v e r- s e o n o m e d o f u n d i d o r n a z o n a d o b o r d o sem qualquer enquadramento, mas sempre recorrendo de forma indiferenciada aos mesmos caracteres empregues nas restantes inscrições. 59


Local

Localidade

Cronologia

Inscrição

Igreja de São Pedro Mosteiro de Santa Maria

Coruche Almoster

1287 1292

Mosteiro de Santa Cruz

Coimbra

1294

E(r)a M a CCC a XX a V a + SIGILLUM : BERENGARIE : ARIE :* / + MENTEM : SAncTAm : SPOnTANEAm : HONOREm : DEO : ET PAT(ri)E : LIBERACIONEM : / + Era : M a : CCC a : XXX a : E(r)a M a CCC a XXX a II a

Évora

1294

Lisboa

1377

Igreja da Misericórdia (do antigo Convento de São Bento de Cástris) Santa Maria

Mora

1391

Sintra

1468

Elvas

1511

Convento das Chagas

Vila Viçosa

1539

Convento das Chagas Convento das Chagas Paços do Concelho

Vila Viçosa Vila Viçosa Arraiolos

séc. XVI séc. XVI 1495-1521

Sé Convento de São Francisco Igreja de Santo Antão Igreja de Santo Antão Igreja de São Nicolau

Évora Évora Évora Évora Lisboa

séc. XVI 1495-1521 1495-1521 1495-1521 séc. XVI

Igreja de Santa Maria Igreja da Conceição Velha

Łbidos Lisboa

séc. XVI séc. XVI

Torres Novas Lamego

séc. XVI 1495-1521

Igreja de Santa Maria Sé

Barroca, 2000: vol. III, tomo I, 1080 Dias, Coutinho, 2003: 148 + HOC : SIGNUM : FECIT : ODNO : PET : EPO Ω : E : M : CCC : XXX : II / + Valdez, 1911a: 105 :UENI : CREATOR : SPIRIT : METES : TUOR : UISITA : IMPLE : SUPNA : GRA Ω : Q Ω : TU : CRETI : PECTORA : HEC IN CAMPANA SICUNTUR COMMODA SANA / LAUDO DEUM VERUM Barroca, 2000: VOCO PLEBEM CONGREGO CLERUM / DEFUNCTOS PLORO SATAN FUGO vol. III, tomo II, FESTA DECORO / ANGELE QUI MEUS ES CUSTOS PIETATE SUPERNA / 1856-1857 ME TIBI COMMISSIUM SANA DEFENDE GUBERNA / MENTEM SANCTAM SPONTANEAM HONOREM / DEO ET PATRIE LIBERATIONEM / EN NA ERA De MCCCCXV ANNOS FOY FEYTO ESTE SINO DO RE / LOGIO [da] MUY NOBRE CIDADE DE LIXBOA POR MANDADO DO / MUY NOBRE REY DOM FERNANDO DE PORTUGAL ET DO MUYTO HONRADO CABIDO DA DICTA CIDADE DE LIXBOA X DOS HOMES / BOOS [da] DICTA CIDADE MAISTRE IOHAM FRANCES ME FES DA : MAIOR : ABADESA : MEnTEM : S‹NCTA + / ERA DE : MIL : E CCCC : Barroca, 2000: XXIX : ANOS : ME M‹DO : FAZER : D : + vol. III, tomo II, 1934-1935 + MENTEM SAnCTAm SPONTANEAm HONOREm / + DEO : PATRIE Pereira, 1938: 3; LYBERACIONEM : Era : M : CCCC : L : VIII : A(nos) Barroca, 2000: vol. III, tomo I, 1083 IHS / MENTEM SANCTAM SPONTANEA / HONOREM DEO PATRIE LIBERACIONE Louro, 1969: 13 / ANO MCXI JUNII SENDO MAIO / RDOMO BEMTO SANCHES SUEVA / AVE MARIA GRACIA PLENA LABOR DE LANSEL ALTO / MIDXXXIX / Louro, 1964: 12 ET ADORABO AD TENPLVM SANTVM TVVM ET CONFITE + TUR NOMINI TVO IN CONSPECTV A FVLGVRE ET TEMPESTATE LIBERA NOS DNE Louro, 1964: 12 TE DEVM LAVDAMVS TE DEVM LAVDAMVS / IHS PON TSR XV ML A CB FED Louro, 1964: 12 + MENTEM SANCTAM APONTANEA HONOR / EM DEO ET PATRIE Espanca, 1975: 25 LIBERATIONEM... + ENCINBALIS * BENE SONAMTIBUS * LAUDATE DOMINO * ALELUYA * Valdez, 1911a: 106 MEMTE SAMTAM ESPOMTANIA ONORE / DEU PATER LIBARACIONE Valdez, 1911a: 109 EMITTE SPIRITUM TUUM ET CREABURTUR ET REAOBADIS FACIEM TERRE Valdez, 1911b: 139 (sem inscrição) Valdez, 1911b: 139 ORABOALAI : ORAOOALE Ω : ORABOALAI : ORABOALE : / + IHS : UIRTOMA Valdez, 1912a: 417 + BOALAI : ORABOALE Ω : TERDEI : ORA : PRONOBIS : / ORABOALAI : ORAOOALE Ω : ORABOALAI : ORABOALE IHS J(?)EF SROP / SROP FB(?)HI SRDP B(?)HII Valdez, 1912a: 424 AVE . MARIA . GRASIA . PLENA . DOMINOS . CEOLO . BENEDITA . CUI Valdez, 1910: 37 . IMO . SANTAMARIALIERIBUS . EBENEDITUS . FRUTOS . VEMTRES . TUI . IHUX / CRIELEIXAM . PATRE . NOSTRE . QUIES . DIMCELIS . SAMTIFISETUR . NOMEN . TUAM . AVENIA . REINAMEUAM . LIAS . VOLUMTAS . TUAS . SIQU . DIMCELO . EDIMTERA . PANEM . NOTRAM . IHS + BAR + SANTISIMA + SERVA + DEI Valdez, 1916: 206 IHS BATA LISI RA : AM(ou B)I : ORA : POR : NOBIS / IHS : BAR : BORA : SEAN – : TI : SEI : MASER : VA:DEI.

Fi g. 3 9 – Q u a d r o d e r e l a ç ã o d o s s i n o s m e d i e v a i s e m a n u e l i n o s i d e n t i f i c a d o s p a r a Po r t u g a l , c o m d e s c r i ç ã o d a s r e s p e c t i v a s i n s c r i ç õ e s 60

Referência bibliográfica


Fi g. 4 0 – A s p e c t o de pormenor do sinete de João Fe r r e i r a L i m a , d e Braga, no sino de 1 7 4 1 d a To r r e d a Universidade de Coimbra, alcunhada de Cabra, refundido em 1900 pela mesma fundição respeitando cópia do original, ao qual acrescentaram réplica de medalha de Diploma de Mérito obtida na Exposição Industrial Po r t u g u e s a d e 1 8 8 7 n o Pa l á c i o de Cristal do Po r t o . A p ó s o s e u rompimento, a Cabra foi removida em 1952, sendo substituída pelo sino idêntico chamado de Cabrão, encontrando-se hoje no Museu Académico de C o i m b r a ( P. M a r t i n s ) Fi g. 4 1 – A s p e c t o de pormenor do sinete de Adriano Pi n t o Lo u r e i r o d a Fu n d i ç ã o d a G r a n j a N o v a e m Ta r o u c a , no sino de 1925 da colecção da Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga – sino n . º 2 9 3 ( P. M a r t i n s ) Fi g. 4 2 – A s p e c t o de pormenor do s i n e t e d a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga, no sino utilizado em 2004 na abertura da primeira edição de Lisboa do Fe s t i v a l Ro c k i n R i o ( P. M a r t i n s )

Fórmula obrigatória desde o início e constante a qualq u e r u m a d a s s o l u ç õ e s , é f a z e r- s e s e g u i r o n o m e d o f u n didor por me fecit, ou fic isti, como no sino francês de c o b r e d e S t i v a l d o s é c u l o V I I ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1951: 225). Este apenas desaparece a partir do momento em que o nome do fundidor passa a ser inscrito num sinete, comummente de forma oval (figs. 40, 41 e 42). Não p o d e m o s p r e c i s a r p a r a Po r t u g a l o m o m e n t o e x a c t o e m que esta solução actual surge, podendo-se apontar talvez c o m o e x e m p l a r d e d a t a m a i s r e c u a d a o s i n o d a Pa r ó q u i a d e S ã o Pe d r o d e M ó s d o D o u r o d e 1 6 9 3 , i n f e l i z m e n t e

d e l e i t u r a i l e g í v e l , m a s c u j a m o r f o l o g i a i m p õ e t r a t a r- s e d e f a c t o d e u m s i n e t e d e f u n d i ç ã o ( Fe r r ã o , 2 0 0 0 : 2 1 5 ) . Certa é a sua crescente imposição ao longo do século XVIII, sendo já no século XX uma redundância, para não dizer mesmo uma obrigatoriedade. Colocado por regra n a f a c e v i r a d a a o i n t e r i o r d o c a m p a n á r i o e j u n t o a o b o rdo, é igualmente sugestiva a tendência, clara a partir do s é c u l o X V I I I , d e r e s e r v a r a l i n h a d e i n s c r i ç ã o s u p e r i o r, ao nível do ombro, para inscrições de índole religiosa, t e n d e n d o a l i n h a i n f e r i o r, a o n í v e l d o b o r d o , a s e r o c u pada com inscrições informativas, como a identificação d o f u n d i d o r o u e n c o m e n d a d o r. 61


Atendendo à recorrência de inscrições de invocação religiosa nos sinos portugueses já desde pelo menos o século XIII, verificamos que a fórmula mais recorrente até ao século XVI é Mentem Sanctam Spontaneam Honorem D e o e t Pa t r i e L i b e r a t i o n e m , c o r r e s p o n d e n t e a o e p i t á f i o de Santa Ágata, martirizada em 251, ligada à protecção contra as forças do fogo pela tradição da sua intervenção miraculosa em defesa de Catânia durante uma erupção do Etna. Acreditando-se que o som do sino tinha a propriedade de afastar tempestades e trovoadas, a legenda de Santa Ágata deve ter sido naturalmente adoptada a p a r t i r d o s s é c u l o s X I I -X I I I , q u a n d o s e d á o g r a n d e i n c r e mento do seu culto, iniciado no século VI e introduzido na Pe n í n s u l a I b é r i c a p r o v a v e l m e n t e n o s é c u l o I X , v i n d o p o r tudo isto a ser esta Santa a eleita pelos sineiros como sua padroeira (Barroca, 2000: vol. II, tomo I, 1084-1085). Pe l a a n á l i s e g e r a l d a s i n s c r i ç õ e s e m s i n o s o b s e r v a d o s e bibliograficamente referenciados, fica-nos para já a impressão de que esta invocação de Santa Ágata, aparent e m e n t e p r e d o m i n a n t e a o l o n g o d o s s é c u l o s X I I I e X V, começa a cair em desuso ao longo do século XVI, não devendo atingir o século XVII. Ve r i f i c a m o s e s t e f a c t o n a u t i l i z a ç ã o d e s t a f ó r m u l a j á no sino de 1292 do Mosteiro de Santa Maria de Almost e r, c o m o e x e m p l o d e d a t a m a i s r e c u a d a p a r a o t e r r i t ó r i o nacional, mas igualmente nos sinos de 1377 da Sé de Lisboa, de 1391 de Mora e de 1468 de Sintra, estando também presente em território espanhol nos exemplares d a C a t e d r a l d e O v i e d o , 19 d e 1 2 1 9 , d e S a n t a M a r i a d e Célon, de 1222, da Igreja de San Jilián de Cazanes, de 1267, e, já do século XVI, de 1500, num segundo sino m e n o r d a m e s m a C a t e d r a l d e O v i e d o 2 0 ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 3 8 ) , e d e p r i n c í p i o s d a c e n t ú r i a d e quinhentos, num sino conservado no Museo Colección Q u i n t a n a U r u e ñ a , e m Va l l a d o l i d ( A l o n s o Po n g a , S a n c h e z d e l B a r r i o , 1 9 9 7 : 1 2 2 ) . Ta m b é m e m Fr a n ç a e s t a f ó r m u l a é a mais frequente no reportório sineiro a partir do séc u l o X I I I , c o m o s i n o d e S ã o J o ã o E v a n g e l i s t a d e Ra v e n a , subsistindo até ao século XVIII (Barroca, 2000: vol. II, tomo I, 1084-1085). Já para o período manuelino, encontramos ainda a m e s m a i n v o c a ç ã o n o s s i n o s d o s Pa ç o s d o C o n c e l h o d e 62


A r r a i o l o s 2 1 e d o C o n v e n t o d e S ã o Fr a n c i s c o d e É v o r a , 2 2 a o q u a l s e j u n t a o s i n o d a t a d o d e 1 5 1 1 d a S é d e E l v a s . 23 Sintomaticamente únicos, enquanto exemplares manuelinos identificados com invocação a Santa Bárbara em detrimento de Santa Ágata, temos os sinos da Igreja d e S a n t a M a r i a d e To r r e s N o v a s 2 4 e d a S é d e La m e g o , 2 5 como tal igualmente as duas mais recuadas referências sineiras a essa invocação em território português. Atendendo aos restantes sinos quinhentistas identificados bibliograficamente, pós-manuelinos, temos a i n s c r i ç ã o “ S U E VA / AV E M A R I A G R AC I A P L E N A L A B O R D E L A N S E L A LTO / M I D X X X I X / E T A D O R A B O A D T E N P LV M S A N T V M T V V M E T C O N F I T E + T U R N O M I N I T VO I N C O N S P E C T V A N G E LO R V M P S A L A M T I B I ” n o s i n o d e 1539 do Convento das Chagas em Vila Viçosa, cujos d o i s p a r e s a p r e s e n t a m a s i n s c r i ç õ e s “A F V L G V R E E T T E M P E S TAT E L I B E R A N O S D N E ” e “ T E D E V M L AV DA M V S T E D E V M L AV DA M V S / I H S P O N T S R X V M L A C B F E D” , a i n s c r i ç ã o “ + E N C I N B A L I S * B E N E S O N A M T I B U S * L AUDAT E D O M I N O * A L E LU YA * ” n o s i n o Pr i m á s d a S é d e É v o r a , a i n s c r i ç ã o “ E M I T T E S P I R I T U M T U U M E T C R E AB U RT U R E T R E AO B A D I S FAC I E M T E R R E ” n o s d o i s s i n o s d a I g r e j a d e S a n t o A n t ã o d e É v o r a , a i n s c r i ç ã o “O R A B OAL A I : O R AO OA L E Ω : O R A B OA L A I : O R A B OA L E : / + I H S : U I RTO M A + B OA L A I : O R A B OA L E Ω : T E R D E I : O R A : P R O N O B I S : / O R A B OA L A I : O R AO OA L E Ω : O R A B OA L A I : O R A B OA L E ” n o s i n o d a I g r e j a d e S ã o N i c o l a u e m L i s b o a , e a inscrição “IHS J(?)EF SROP / SROP FB(?)HI SRDP B(?) HII” no sino da Igreja de Santa Maria em Óbidos. A i n s c r i ç ã o d o s i n o d a I g r e j a d a C o n c e i ç ã o Ve l h a e m Lisboa, à altura da complexa decoração que ostenta, a p r e s e n t a a l o n g a i n s c r i ç ã o : “AV E . M A R I A . G R A S I A . P L E N A . D O M I N O S . C E O LO . B E N E D I TA . C U I . I M O . S A N TA M A R I A L I E R I B U S . E B E N E D I T U S . F R U TO S . V E M T R E S . T U I . I H U X / C R I E L E I X A M . PAT R E . N O S T R E . Q U I E S . D I M C E L I S . S A M T I F I S E T U R . N O M E N . T UA M . AV E N I A . R E I N A M E UA M . L I A S . VO LU M TA S . T UA S . S I Q U . D I M C E LO . E D I M T E R A . PA N E M . N OT R A M . ” , c o r r e s p o n d e n t e à A v e M a r i a e Pa t e r N o s t e r. Ainda que de provável produção estrangeira, pela a n á l i s e g e r a l f e i t a p o r A s c e n s ã o Va l d e z , é a i n d a d e r e f e rir o sino de 1546 da Capela do Hospital das Caldas da 63


Ra i n h a : “ I H U S N A Z A R E N U S R E X I N D E O R I Ü . T I T U LU S . T I T U V E R B O N AT U S . E S T . E TA B I TAV I T . I N N O B I S . X P U S . V I N C I T . X P U S . R E G N AT . X P U S . I M P E R AT . I N E T E R N I Ü ” ( Va l d e z , 1 9 1 2 a : 4 2 2 ) . Mesmo numa rápida leitura das diversas inscrições descritas, fica não só clara a predominância de fórmulas litúrgicas, mas igualmente a sua enorme disparidade, dentro da qual verificamos o gradual desaparecimento da invocação a Santa Ágata. Vo l t a n d o a n o s s a a t e n ç ã o p a r a a i n v o c a ç ã o a S a n t a B á r b a r a , p r e s e n t e n a i n s c r i ç ã o d o s i n o d a S é d e La m e g o e com paralelo no sino manuelino da Igreja de Santa Maria d e To r r e s N o v a s , n ã o s ó n ã o e n c o n t r a m o s p a r a Po r t u g a l outros anteriores exemplos desta invocação, como parece clara a sua crescente utilização desde então até aos nossos dias, em progressivo detrimento de Santa Ágata. Sendo a crença de que esta Santa do século IV teria sido entregue para martírio pelo próprio pai, que por tal teria sido fulminado por um raio, esta tornou-se advogada nas trovoadas e padroeira das artes metalúrgicas e do fogo, c o m o o s m i n e i r o s , e s t e n d e n d o - s e a s u a p r o t e c ç ã o a o s e xplosivos e artilheiros com o século XIV (Oliveira, 1965). O s e u e m p r e g o n o s s i n o s p r e n d e r- s e - á n o e n t a n t o c o m a primeira qualidade, a de afastar as trovoadas, genericamente estendida a condições meteorológicas adversas e, de forma ainda mais extrapolada, a qualquer tipo de praga (Braga, 1936: 34-39). A s s i m , é a p e n a s l e g í t i m o e n t e n d e r- s e q u e a o p e r í o d o inicial de invocação a Santa Ágata, até ao século XVI, esta o era especialmente em protecção ao trabalho do fundid o r, c o n t r a r i a m e n t e à i n v o c a ç ã o a S a n t a B á r b a r a , s o b r e t u do direccionada não ao momento da feitura do sino mas à protecção da sua utilização e da comunidade que servia. C u r i o s a é a o b s e r v a ç ã o q u e Fe r n a n d D o n n e t f a z e m 1912, sobre o trabalho de inventário de José Joaquim de A s c e n s ã o Va l d e z n o s s e u s t e x t o s i n t i t u l a d o s C a m p a n á r i o s e m Po r t u g a l , c o n s i d e r a n d o q u e a s i n s c r i ç õ e s n o s “ s i n o s portugueses são geralmente extraídas dos livros sagrados, dos textos religiosos e das fórmulas litúrgicas, sendo mais correctas que as dos sinos da Bélgica; ao passo que ali abundam as legendas laudatórias em honra do cura ou parocho da egreja para a qual o sino foi fundido, o nome 64


e diocese do bispo, que presidiu ás cerimónias da bênção do sino, os nomes do padrinho e da madrinha, e os dos magistrados comunaes ou membros da fábrica da egreja; de egual forma se encontram também muitos sinos em Fr a n ç a” ( Va l d e z , 1 9 1 2 b : 5 4 3 ) . M e s m o p e r a n t e a f a l t a d e um levantamento completo do património sineiro nacional, pode-se reconhecer que a observação não é de todo infundada, ainda que conscientes de que as situações a p o n t a d a s c o m o m a i s c o m u n s p a r a a B é l g i c a e Fr a n ç a n ã o d e i x a m d e s e r e g i s t a r e m Po r t u g a l .

10. A técnica de modelação As técnicas empregues no fabrico do molde necessário ao vazamento do bronze na feitura de um sino aparentam t e r- s e l i m i t a d o a t r ê s : a m o d e l a ç ã o h o r i z o n t a l c o m f a l s o sino em cera, a modelação horizontal com falso sino em barro e a modelação vertical com falso sino em barro. A p r i m e i r a s u r g e - n o s d e s c r i t a n a o b r a d o s s é c u l o s X I -X I I d o m o n g e T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s e c o n s i s t e n u m t o r n o de madeira horizontal sobre o qual se vai acumulando e moldando o barro até este assumir a forma do macho, correspondente ao perfil interior do sino. Sobre este é moldado a exacta réplica do sino em cera, designado por f a l s o s i n o , a p ó s o q u e é , p o r s u a v e z , a p l i c a d o m a i s b a rro, formando a capa. Seguindo o princípio da técnica da cera perdida, coze-se o conjunto do molde, dando resistência ao barro e expelindo a cera através de dois orifícios deixados para o efeito. Apesar de, em termos gerais, esta técnica ser tida como possivelmente correspondente à prática inicial para o período medieval, encontramos apenas provas da sua utilização para a Itália dos séculos X I -X I I n a r e f e r ê n c i a d e T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s e , p a r a a I n g l a t e r r a d o s s é c u l o s X-X V, e m d i v e r s o s v e s t í g i o s a r q u e o lógicos, aos quais se junta a representação de tal método n o s v i t r a i s d e 1 3 3 0 d a C a t e d r a l d e Yo r k ( C o u r t n e y, 1 9 8 9 : 1 2 7 ; B a y l e y, B r y a n t , H e i g h w a y, 1 9 9 3 : 2 2 8 - 2 3 3 ; M a r c o s Villán, Miguel Hernandez, 1998: 25). A s e g u n d a t é c n i c a é - n o s d e s c r i t a p o r Va n n o c c i o B i ringuccio no seu tratado de metalurgia de 1540 De la 65


Pi r o t e c h n i a ( f i g. 4 3 ) . E s t a v a r i a d a p r i m e i r a p e l o f a c t o da modelação do barro não ser feita directamente pela mão, mas sim recorrendo a uma cércea de madeira fixada ao torno, substituindo-se ainda a cera no falso sino pelo barro, implicando que após a cozedura do molde a capa fosse temporariamente levantada para remoção do falso sino em barro. Esta técnica parece contudo c i n g i r- s e à p e n í n s u l a i t á l i c a , n ã o h a v e n d o r e g i s t o d o seu uso na restante Europa e sobrevivendo aí até aos dias de hoje (Donati, 1981: 117; Smith, Gnudi, 1990: 260-306; Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 13). A terceira técnica recorre novamente ao falso sino em barro em detrimento da cera, mas o torno horizontal é a b a n d o n a d o e m f a v o r d o t o r n o v e r t i c a l ( f i g. 4 4 ) , e m q u e

Fi g. 4 3 – To r n o horizontal de modelação, de acordo com a descrição d e Va n n o c c i o Biringuccio no seu tratado de metalurgia de 1540 D e l a Pi r o t e c h n i a (Smith, Gnudi, 1990: 270; Donati, 1981)

Fi g. 4 4 – To r n o vertical de modelação, de acordo com a descrição da Encyclopédie ou Dictionnaire Ra i s o n n é d e s Sciences, des Arts et des Métiers, de 1759, da responsabilidade de Denis Diderot e J e a n l e Ro n d B. d ’ A l e m b e r t 66


durante todo o processo de modelação o molde é fixo, cabendo à cércea de madeira a rotação que imprimirá o perfil desejado ao barro (figs. 45 e 46). O emprego desta técnica em território nacional, correspondente à prática ainda hoje em uso, está provado já para o século X I V, a t r a v é s d o s v e s t í g i o s a r q u e o l ó g i c o s d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , a o s q u a i s s e j u n t a , s e m i g u a l g r a u de certeza, a análise feita aos sinos de 1287 da Igreja d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , d e 1 2 9 2 d o M o s t e i r o d e S a n t a Maria de Almoster e de 1294 do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde a sempre discutível observação dos vestígios e marcas deixados pelo processo de modelação apontam o que se torna evidente com a sobreposição dos três perfis: uma analogia proporcional apenas possível através do emprego de cérceas, difícil de entender como p r o d u t o d a m o d e l a ç ã o d i r e c t a p e l a m ã o d o f u n d i d o r. Assim, ainda que longe de reunir consenso, dada a relativa insipiência da investigação científica nesta área, tende-se hoje a propor em largos traços uma linha evolutiva na qual a técnica de fundição sineira terá apenas sof r i d o u m a l e n t a e v o l u ç ã o a t é a o s s é c u l o s X I I I -X I V, c a r a c terizando-se até então pela fundição de exemplares de limitada proporção e pela ineficiência técnica, mantidas pela conformidade dos meios em relação às necessidades (Nicourt, 1971: 77; Miguel Hernandez, 1990: 146). Fi g. 4 5 – M o l d e de falso sino em barro, de acordo com a descrição da Encyclopédie ou Dictionnaire Ra i s o n n é d e s Sciences, des Arts et des Métiers, de 1759, da responsabilidade de Denis Diderot e J e a n l e Ro n d B. d ’ A l e m b e r t Fi g. 4 6 – M o l d e de falso sino em barro seccionado, proveniente da Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga ( P. M a r t i n s ) 67


Pe r a n t e a d i s p o n i b i l i d a d e d o s d a d o s a c t u a i s , à i m a gem que permite esboçar as alterações volumétricas, estilísticas e, consequentemente, técnicas do sino nesta fase final do mundo medieval, poderemos talvez associar as novas necessidades arquitectónicas e cerimoniais impostas pelo movimento gótico, então crescente. Esta associação pressente-se sobretudo se entendermos o sino como elemento arquitectónico, para além da sua reconhecida função, integrando-se obrigatoriamente como tal no estilo e proporção do campanário, directamente derivado das características da torre sineira, por sua vez resultante do estilo e proporções empregues no alçado e m q u e s e i n s e r e . Po d e m o s p o r i s s o c o n s i d e r a r, s e m s e n t i r necessidade de desenvolver esta óbvia relação, que a um crescendo da dimensão das torres sineiras e alongamento das suas dimensões verticais terá correspondido uma igual evolução dimensional e formal do sino. Q u a s e a c t o c o n t í n u o , a e s t a e v o l u ç ã o p o d e r á t e r c o rrespondido a respectiva adaptação dos métodos às novas n e c e s s i d a d e s , o q u e p a r a a Pe n í n s u l a I b é r i c a , c a s o s e considere a hipótese da utilização do método do torno horizontal com falso sino em cera ainda por provar aí c a b a l m e n t e , t e r á c o n d u z i d o à s u a s u b s t i t u i ç ã o p e l o t o rno vertical com falso sino em barro. Este facto é mais peremptório no que diz respeito à concepção em cera do falso sino do molde, o que para sinos de grandes dimensões se apresenta quase como uma impossibilidade (Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 13).

11. A técnica de aplicação de elementos gráficos A técnica de aplicação de inscrições e elementos simb ó l i c o s a s i n o s a p r e s e n t a - s e d í s p a r, a t é à s u a a p a r e n t e u n i f o r m i z a ç ã o n o s é c u l o X V. Os exemplares conservados sugerem a coexistência de pelo menos três técnicas distintas: por incisão directa no metal após a fundição, por incisão directa no barro, quer da face interna da capa quer da face externa do falso sino do molde, e por caracteres móveis em cera reproduzidos em carimbos de madeira e aplicados à face externa do falso sino. 68


Fi g. 4 7 – C a r i m b o de madeira, utilizado para imprimir em cera elementos decorativos de tipo rendilha, originalmente proveniente da Fu n d i ç ã o d e S i n o s de José Gonçalves Coutinho, de Braga, actualmente em p o s s e d a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga ( P. M a r t i n s ) Fi g. 4 8 – C a r i m b o de madeira, utilizado para imprimir em cera o sinete da Fu n d i ç ã o d e S i n o s de José Gonçalves Coutinho, de Braga, actualmente em p o s s e d a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga ( P. M a r t i n s )

A primeira técnica encontra-se patente no sino italiano de Canino, do século VIII, e nos sinos espanhóis de 925, do Museo Arqueológico de Córdoba, e de 1086, da To r r e d e S a n I s i d o r o e m Le ã o 2 6 ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 6 - 2 2 7 ; M a r c o s V i l l á n , M i g u e l H e r n a n d e z , 1998: 11, 13), podendo-se apenas apontar como caso provado para a segunda técnica o sino fundido no século X I V n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a e , d o m e s m o s é culo, o sino espanhol da Igreja de Santa Cruz de Medina de Rioseco, tratando-se neste caso de uma inscrição man u s c r i t a ( A l o n s o Po n g a , S a n c h e z d e l B a r r i o , 1 9 9 7 : 6 2 ) . A terceira técnica, correspondente à técnica ainda actual, é apontada como tendo surgido no século XIII, impondo-se totalmente apenas no século XV (Manzanares Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 6 ) . A l é m d e s t e m é t o d o d e c a r i m bos de madeira (figs. 47, 48, 49 e 50) ter convivido pelo menos durante os séculos XIII e XIV com as restantes soluções, podemos ainda apontar o que parece ter sido uma

Fi g. 4 9 – C a r i m b o de madeira, utilizado para imprimir em cera a tradicional custódia, e m u s o n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga ( P. M a r t i n s ) Fi g. 5 0 – Fr a g m e n t o de capa de molde, após fundição, onde é visível a impressão no barro do elemento decorativo de tipo rendilha, proveniente da Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga ( P. M a r t i n s ) 69


variante de transição, em que, após a obtenção dos motivos em cera através da impressão, estes eram recortados, eliminando o contorno quadrangular típico do uso de carimbo. Acreditamos ter sido essa a técnica empregue nas i n s c r i ç õ e s d o s s i n o s d e 1 2 8 7 d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , d e 1 2 9 2 d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r ( f i g. 5 1 ) e de 1294 de Santa Cruz de Coimbra, apontando-se para Po r t u g a l o s i n o d e 1 4 6 8 d e S a n t a M a r i a d e S i n t r a c o m o o exemplar de data mais recuada com uso de carimbos sem p o s t e r i o r r e c o r t e ( f i g. 5 2 ) , a i n d a q u e u m f r a g m e n t o d e capa de molde recuperado nas escavações arqueológicas da Igreja de São Salvador do Castelo de Ansiães, da r e s p o n s a b i l i d a d e d a D r a . I s a b e l A l e x a n d r a Re s e n d e J u s t o Lo p e s , d e m o n s t r e q u e a t é c n i c a d e r e c o r t e d a s l e t r a s s e t e r á p r o l o n g a d o a i n d a p e l o s é c u l o X V I ( f i g. 5 3 ) .

Fi g. 5 1 – A s p e c t o de pormenor da inscrição do sino de 1292 do Mosteiro de Santa Maria de A l m o s t e r, o n d e é visível a técnica de aplicação de letras recortadas ( P. M a r t i n s ) Fi g. 5 2 – A s p e c t o de pormenor da inscrição do sino manuelino da Sé d e La m e g o , o n d e é visível a técnica de aplicação de letras mantendo as margens do carimbo de madeira empregue na concepção em cera das mesmas ( P. M a r t i n s ) Fi g. 5 3 – Fr a g m e n t o de capa de molde do século XVI, proveniente das escavações arqueológicas da Igreja de São Salvador do Castelo de Ansiães, da responsabilidade da Dra. Isabel A l e x a n d r a Re s e n d e J u s t o Lo p e s , o n d e é visível parte do negativo utilizado para imprimir no sino fundido uma inscrição de conteúdo indefinido, utilizando a técnica do recorte das l e t r a s ( P. M a r t i n s )

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À semelhança do descrito para os motivos decorativos f l o r a i s r e f e r i d o s n a o b r a d e T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s , é mencionada ainda nessa mesma passagem, e de forma não menos ambígua, a inscrição de elementos decorativos ou epigráficos na face do falso sino em cera do molde, não se especificando contudo se por incisão ou modelação relevada, resultando na exacta reprodução dos mesmos (Hawthorne, Smith, 1979: 169). Contudo, não se enc o n t r a n d o a c t u a l m e n t e p r o v a d a p a r a a Pe n í n s u l a I b é r i c a a p r á t i c a d o m é t o d o d e s c r i t o p o r T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s de falso sino em cera com modelação de torno horizontal, esta possível técnica apenas se poderá aplicar aos territórios italianos e ingleses, onde tal se comprova. 12. A técnica de fusão do bronze À semelhança do descrito para a técnica de moldação, também para a de fusão do bronze encontramos mais que um método. O primeiro corresponde ao cadinho, constituído por um receptáculo no qual o metal é fundido em contacto directo com o carvão em brasa, inflamado em contínuo p e l o a c c i o n a m e n t o d e u m o u m a i s f o l e s . Re g r a g e r a l , este seria obtido a partir de um simples recipiente metálico recoberto com barro ou mesmo um receptáculo totalmente concebido em tijolo, pedra e barro, sendo imperativo que o metal apenas entrasse em contacto com o último, dadas as suas características refractárias. A primeira referência ao uso do cadinho na fundição sineir a é f e i t a n a o b r a d o s s é c u l o s X I -X I I d e T h e o p h i l u s Lo m bardicus, tendo ficado provado o seu uso nos vestígios arqueológicos do século XIV do Mosteiro de São João de Ta r o u c a ( f i g. 5 4 ) . Fi g. 5 4 – C a d i n h o utilizado na fusão do bronze, de acordo com a descrição d e Va n n o c c i o Biringuccio no seu tratado de metalurgia de 1540, D e l a Pi r o t e c h n i a (Smith, Gnudi, 1990: 270) 71


O segundo corresponde ao forno de revérbero (figs. 55, 56 e 57), constituído pela câmara de combustão, onde é consumida a lenha, o cinzeiro, onde a cinza resultante é depositada, e a câmara de fundição, onde o metal é fundido. Sendo geralmente concebido em tijolo e barro, ao contrário do cadinho, o metal encontra-se sep a r a d o d a f o n t e d e c a l o r, a g i n d o e s t e d e f o r m a i n d i r e c t a por reverberação. A primeira representação conhecida d e u m f o r n o d e r e v é r b e r o d e v e - s e a Le o n a r d o d a V i n c i e a primeira descrição técnica pormenorizada à obra de Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o , s e n d o u m f a c t o i n d i s c u t í v e l a s u a imposição desde o século XVI. Na génese da emergência do forno de revérbero esteve a necessidade de fundir grandes quantidades de metal, para as quais o cadinho se revelava impróprio, imposta pela substituição do ferro pelo bronze no fabrico da artilharia e das elevadas tonelagens envolvidas, quanto aos pesos correntemente verificados nos sinos em relação aos canhões (Smith, Gnudi, 1990: 281). Esta transposição do forno de revérbero da fundição p i r o b a l í s t i c a p a r a a f u n d i ç ã o s i n e i r a t e r- s e - á d a d o d e forma rápida e natural, primeiro pelo facto de, sobretudo inicialmente, as duas actividades serem partilhadas pelos mesmos mestres fundidores e, segundo, por o forno de revérbero garantir maior capacidade de vazamento, faci72

Fi g s . 5 5 , 5 6 e 5 7 – Fo r n o d e revérbero utilizado na fusão do bronze, de acordo com a descrição da Encyclopédie ou Dictionnaire Ra i s o n n é d e s Sciences, des Arts et des Métiers, de 1759, da responsabilidade de Denis Diderot e J e a n l e Ro n d B. d ’ A l e m b e r t


litando o fabrico de sinos de maior dimensão e em maior número, com vazamentos simultâneos. Ainda que inicialmente este envolvimento do fundidor sineiro na área pirobalística possa parecer anormal, é consequência da grande similaridade ao nível das formas e técnicas envolvidas no fabrico do sino e do canhão de bronze, levando a que por toda a Europa essa actividade d u p l a f o s s e m u i t a s v e z e s r e g r a . Po r t u g a l f o i n e s t e c a m p o excepção, sobretudo no que diz respeito aos fundidores itinerantes, dado o monopólio exercido pela coroa no fabrico de peças de artilharia não permitir a sua produção fora das fundições reais olisiponenses de Cataquefarás e d a s Po r t a s d a C r u z , 2 7 a i n d a q u e c o m o c o m p l e m e n t o diversas fundições particulares distribuídas pela cidade laborassem directamente para a coroa, sendo muitas vezes as instalações de propriedade real dadas a exploração a fundidores mediante contrato. Assim, esta duplicação da actividade do fundidor português terá sobretudo acontecido nestas últimas, sem prejuízo de se constatar igualmente nas próprias fundições reais, onde se encont r a c a b a l m e n t e p r o v a d a p a r a o r e i n a d o d e D. J o ã o I I I (Braga, 1936: 82; Nicourt, 1971: 77; Miguel Hernandez, 1990: 146; Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 13, 3 3 - 3 4 ; Ru b i m , 2 0 0 0 : 2 3 7 - 2 3 8 ; V i t e r b o , 1 9 0 1 : 7 - 8 ; Va l dez, 1910: 30). Pa r a a l é m d e s t a r e l a ç ã o c o m a f u n d i ç ã o d e a r t i l h a r i a , esta dispersão de actividades do fundidor sineiro por diferentes áreas metalúrgicas deverá ser vista apenas como natural, dada a intermitência das solicitações para fundições ou refundições de sinos, rentabilizando os seus c o n h e c i m e n t o s t é c n i c o s , p o d e n d o m e s m o a p o n t a r- s e o caso de um fundidor espanhol que terá estendido a sua actividade à cunhagem de moedas no século XVII (Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 34). Esta adopção do forno de revérbero, pelas suas inegáveis vantagens, terá implicado por lógica a crescente s e d e n t a r i z a ç ã o d o f u n d i d o r, i n i c i a l m e n t e p o r r e g r a i t i n e rante, dada a sua incomparável complexidade construtiva relativamente ao cadinho, ainda que este facto não tenha implicado a extinção imediata deste, tendo o modus itinerante sobrevivido até ao século XIX, com possibilidade de por vezes implicar a recorrência ao cadinho. Esta 73


coexistência encontra-se novamente patente na obra de Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o , o n d e a p a r d o f o r n o d e r e v é r b e r o refere igualmente a possibilidade de se recorrer ao cadinho (Smith, Gnudi, 1990: 288-290). Genericamente, e seguindo a atracção sentida pelos primeiros fundidores itinerantes, as primeiras fundições f i x a s p a r e c e m t e n d e r a f i x a r- s e n a s p r o x i m i d a d e s d e m o s teiros, para gradualmente, talvez a partir do século XVII, se aproximarem dos centros urbanos, ao que não será alheia a laicização do uso do próprio sino, dentro da qual se destacará a marcação do tempo (Amado, Custódio, Mota, 1999: 48).

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Notas 1

A p e s a r d e M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r d e i x a r e m a b e r t o a h i p ó t e s e d e a c r o n o l o g i a d o s i n o italiano de Canino poder ser dos séculos VII-IX, ampliando assim a baliza cronológica primeiramente dada dos séculos VIII-IX, optamos aqui pela segunda leitura, já à semelhança do feito p o r C a t h e r i n e H o m o - Le c h n e r.

2

A leitura da data no sino conservado no Museo Arqueológico de Córdoba apresenta-se ambígua, lendo-se “ERA DCCCCLXLIII”. Segundo alguns autores esta deverá corresponder ao ano 913, 955 ou ainda 963, optando-se aqui no entanto pela interpretação de 925, primeiro indic a d a p o r E m i l H ü b n e r ( H ü b n e r, 1 8 7 1 : 7 3 ) .

3

Os valores aqui apresentados não perfazem por regra os 100%, devendo-se entender a sobrante percentagem como presença residual de outros metais, entre os quais o chumbo é o mais frequente, nem sempre indicado pelos diversos autores.

4

Agradecemos toda a informação referente aos trabalhos arqueológicos realizados na Igreja Pa r o q u i a l d e D u m e , e m B r a g a , a o a r q u e ó l o g o r e s p o n s á v e l , D r. Lu í s Fo n t e s .

5

Agradecemos toda a informação referente aos trabalhos arqueológicos realizados na Igreja de S ã o J o ã o B a p t i s t a d o C a s t e l o d e A n s i ã e s a o a r q u e ó l o g o r e s p o n s á v e l , D r. A n t ó n i o Lu í s Pe r e i r a .

6

A d a t a ç ã o d o s i n o f r a n c ê s d e N o t r e - D a m e d e Ro c a m a d o u r, d a d a n a o b r a d i r i g i d a p e l o Abade Aigrain em 1943, é do século VI, tendo contudo esta data sido revista por Catherine H o m o - Le c h n e r, n a s u a o b r a d e 1 9 9 6 , p a r a o s é c u l o I X .

7

A d a t a d o s i n o d e G r a i t s c h e n é a p o n t a d a p o r C a t h e r i n e H o m o - Le c h n e r c o m o s e n d o p r o v a v e l m e n t e d e 1 0 3 8 , m a s s e g u r a m e n t e d o s s é c u l o s X I -X I I .

8

Apesar de incluirmos aqui o sino da Igreja de Santa Maria de Óbidos, o facto da reconstruç ã o d o a c t u a l i m ó v e l t e r- s e i n i c i a d o e m 1 5 7 1 c o n s t i t u i f o r t e i n d í c i o d e s e p o d e r t r a t a r d e u m sino pós-manuelino, ainda que do século XVI. O facto de não apresentar qualquer data ou simbologia, apenas uma lacónica e contraditória inscrição votiva, impede para já de esclarecer completamente esta questão.

9

Po d e m o s a p e n a s c o n f i r m a r a a u s ê n c i a d e c u s t ó d i a n o s s i n o s m a n u e l i n o s d o C o n v e n t o d e S ã o Fr a n c i s c o d e É v o r a , d a I g r e j a d e S a n t o A n t ã o e m É v o r a e d a I g r e j a d e S a n t a M a r i a e m Ó b i d o s .

10 É s i n t o m á t i c o c o n s t a t a r m o s e s t a m e s m a i d e i a n a c o l e c ç ã o d e s i n o s d a f u n d i ç ã o d o s i r m ã o s Q u i n t a n a , e m U r u e ñ a , E s p a n h a , e m q u e n o s e u e x e m p l a r m a i s a n t i g o , d o s é c u l o X V, a i n d a a p e nas nos aparece uma cruz latina de pequena dimensão, observando-se a primeira custódia num s i n o j á d o s é c u l o X V I ( A l o n s o Po n g a , S a n c h e z d e l B a r r i o , 1 9 9 7 : 1 2 2 - 1 2 4 ) . 1 1 O s i n o d o s é c u l o V I I d e S t i v a l a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ V I I P I RT U R F I C I S T I ” ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 5 ) . 12 O s i n o d o s s é c u l o s V I I I - I X d e C a n i n o a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ ( I n h o n o r e m ) D N I . N ( r i I e s u ) C R I S T I E T S C I ( M i c h a e l ) I S A R H A N G E L I ( o f f e r t ) V I V E N T I V ( S … ) ” ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1951: 226). 13 O s i n o d e 9 2 5 c o n s e r v a d o n o M u s e o A r q u e o l ó g i c o d e C ó r d o b a a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ + O F F E RT H O C M V N V S S A M S O N A B B AT I S I N D O M V M S C I S E B A S T I A N I M A RT I R I S X P I E R A D C C C C L X L I I I ” ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 6 ) . 14 O s i n o d e 1 2 9 4 d a S é d e É v o r a a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ + H O C : S I G N U M : F E C I T : O D N O : P E T : E P O Ω : E : M : C C C : X X X : I I / + : U E N I : C R E ATO R : S P I R I T : M E T E S : T U O R : U I S I TA : I M P L E : S U P N A : G R A Ω : Q Ω : T U : C R E T I : P E C TO R A : ” ( Va l d e z , 1 9 1 1 a : 1 0 5 ) . 1 5 O s i n o d e 1 2 9 2 d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ + S I G I L LU M : B E R E N G A R I E : A R I E : * / + M E N T E M : S A n c TA m : S P O n TA N E A m : H O N O R E m : D E O : E T PAT ( r i ) E : L I B E R AC I O N E M : / + E r a : M a : C C C a : X X X a : ” ( B a r r o c a , 2 0 0 0 : v o l . I I I , t o m o I , 1 0 8 0 ) . 1 6 O s i n o d e 1 3 7 7 d a S é d e L i s b o a a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ H E C I N C A M PA N A D I C U N T U R C O M M O DA S A N A / L AU D O D E U M V E R U M VO C O P L E B E M C O N G R E G O C L E R U M / D E F U N C TO S P LO R O S ATA N F U G O F E S TA D E C O R O / A N G E L E Q U I M E U S E S C U S TO S P I E TAT E S U P E R N A / M E T I B I C O M M I S S I U M S A N A D E F E N D E G U B E R N A / M E N T E M S A N C TA M S P O N TA N E A M H O N O R E M / D E O E T PAT R I E L I B E R AT I O N E M / E N N A E R A D e M C C C C X V A N N O S F OY F E Y TO E S T E S I N O D O R E / LO G I O [ d a ] M U Y N O B R E C I DA D E D E L I X B OA P O R M A N DA D O D O / M U Y N O B R E R E Y D O M F E R N A N D O D E P O RT U G A L E T D O M U Y TO H O N R A D O C A B I D O DA D I C TA C I DA D E D E L I -

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X B OA X D O S H O M E S / B O O S [ d a ] D I C TA C I DA D E M A I S T R E I O H A M F R A N C E S M E F E S ” ( B a r r o c a , 2000: vol. III, tomo II, 1856-1857). 17 O s i n o d e 1 3 9 1 d o C o n v e n t o d e S ã o B e n t o d e C á s t r i s , a c t u a l m e n t e c o n s e r v a d o n a I g r e j a d a M i s e r i c ó r d i a d e M o r a , a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ DA : M A I O R : A B A D E S A : M E n T E M : S Ã N C TA + / E R A D E : M I L : E C C C C : X X I X : A N O S : M E M Ã D O : FA Z E R : D : + ” ( B a r r o c a , 2 0 0 0 : v o l . I I I , tomo II, 1934-1935). 1 8 O s i n o d e 1 4 6 8 d e S a n t a M a r i a d e S i n t r a a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ + M E N T E M S A n C TA m S P O N TA N E A m H O N O R E m / + D E O : PAT R I E LY B E R AC I O N E M : E r a : M : C C C C : L : V I I I : A ( n o s ) ” ( Pe r e i r a , 1 9 3 8 : 3 ; B a r r o c a , 2 0 0 0 : v o l . I I , t o m o I , 1 0 8 3 ) . 19 O s i n o d e 1 2 1 9 d a C a t e d r a l d e O v i e d o a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ + : M E N T E M : S a n C t A m : S P O N TA N E A M : H O N O R E M : D E O : E T : PAT R I E : L I B E R AC I O N I M [ S i c ] : X P S : TO N AT : X P S : S O N AT : X P S : V I N C I T : X P S : R E G N AT : X P S : I M P E R AT : + I N N o M i N E : D o m i N I : A M E N : E G O : P E T R U S : P E L AG I I : C A B E S Z A : C A N o n I C u s H O C O P U S : F I E R I : I U S S I : I N H O N O R E M : S a n C t I : S A LVATO R I S : E R A : M I L Le s i m A : C C a : L a : V I I a : ” ( B a r r o c a , 2 0 0 0 : v o l . I I , t o m o I , 1 0 8 4 ) . 2 0 O s i n o d e 1 5 0 0 d a C a t e d r a l d e O v i e d o a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ M E N T E M S A N C TA M S P O N TA N E A M / O N O R E M D E O E T PAT R I E L I B E R AT I O N E M A N O D M D” ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1951: 238). 2 1 O s i n o m a n u e l i n o d o s Pa ç o s d o C o n c e l h o d e A r r a i o l o s a p e n a s p e r m i t e a l e i t u r a p a r c i a l d e “ + M E N T E M S A N C TA M S P O N TA N E A H O N O R / E M D E O E T PAT R I E L I B E R AT I O N E M … ” , f i c a n do ainda assim clara a utilização da fórmula Mentem Sanctam Spontaneam Honorem Deo et Pa t r i e L i b e r a t i o n e m . 2 2 O s i n o m a n u e l i n o d o C o n v e n t o d e S ã o Fr a n c i s c o d e É v o r a a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ M E M T E S A M TA M E S P O M TA N I A O N O R E / D E U PAT E R L I B A R AC I O N E ” . 2 3 O s i n o d e 1 5 1 1 d a S é d e E l v a s a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ I H S / M E N T E M S A N C TA M S P O N TA N E A / H O N O R E M D E O PAT R I E L I B E R AC I O N E / A N O M C X I J U N I I S E N D O M A I O / R D O M O B E M TO S A N C H E S ” . 2 4 O s i n o d a I g r e j a d e S a n t a M a r i a d e To r r e s N o v a s a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ I H S + B A R + S A N T I S I M A + S E R VA + D E I ” . 2 5 O s i n o m a n u e l i n o d a S é d e La m e g o a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ I H S B ATA L I S I R A : A M R ( o u B ) I : O R A : P O R : N O B I S / I H S : B A R : B O R A : S E A N : T I : S E I : M A S E R : VA : D E I ” . 2 6 O s i n o d e 1 0 8 6 d a To r r e d e S a n I s i d o r o a p r e s e n t a a i n s c r i ç ã o : “ + I N N M E D N I O B H O N O R E M S C I L AV R E N T I A R C E D C N I R V D E R I C V S G V N D I S A L B I Z H O C S I G N V M F I E R I I V S I T I N E R A C a XXa IIIa P Ta Sa”. 2 7 A c o n s t r u ç ã o d a s o f i c i n a s d e f u n d i ç ã o d e C a t a q u e f a r á s e d a s Po r t a s d a C r u z é i n i c i a d a e m 1 5 1 7 p o r D. M a n u e l , f i c a n d o c o n c l u í d a s a p e n a s c o m D. J o ã o I I I . A n t e r i o r m e n t e e s t a a c t i v i d a d e f u n d i d o r a e r a d e s e n v o l v i d a n a s a n t i g a s Te r c e n a s N a v a i s e Fe r r a r i a s , s i t u a d a s j u n t o a o s e s t a leiros da Ribeira das Naus desde a primeira dinastia. Contudo, após esta deslocação, é muito p r o v á v e l q u e a a c t i v i d a d e m e t a l ú r g i c a t e n h a c o n t i n u a d o a d e s e n v o l v e r- s e n e s t a p r i m e i r a l o c a l i zação, ficando a sua produção restritamente afecta ao Arsenal da Marinha, contrapondo-se às Te r c e n a s d a Fu n d i ç ã o , a f e c t a s a o A r s e n a l d o E x é r c i t o ( M o i t a , 1 9 8 3 : 1 2 , 8 4 , 8 8 ) .

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S i n e t a d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e S a l z e d a s , Ta r o u c a ( P. M a r t i n s ; I g e s p a r © )


Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a ( P. M a r t i n s ; I g e s p a r © )


C A P Í T U LO I I SONS DO TEMPO: USOS SOCIAIS E SIMBÓLICOS DO SINO N A C U LT U R A P O P U L A R Paulo Ferreira da Costa Têm-se discutido os sinos, como se discute quanto há no universo [...], que resta ainda ahi para se lhe trazerem á praça os prós e os contras? (Alexandre Herculano, O Pároco da Aldeia, 1844)

1. Introdução1

Fi g. 5 8 – S i n e t a no portão do Pa l á c i o d o C o n d e de Carvalhal (construído em finais do século X V I I I ) , E s t ó i , Fa r o ( P. C o s t a )

Com maior ou menor expressão visual e sonora, o sino marca presença um pouco por toda a parte, não apenas nos campanários e torres das igrejas mas em edifícios de diversificadas tipologias e funcionalidades, desde há muito associado ao relógio e, sobretudo em meio rural, sempre assumindo um papel de particular importância nos ritmos individuais e colectivos, quer na esfera do quotidiano quer em tempos de festa e ritual. Não obstante a relativa singularidade de cada estrutura que em particular os suporta, frequentemente os protege e, quase invariavelmente, os ostenta e torna proeminentes relativamente ao edifício ou conjunto arquitectónico em que se inserem, e independentemente ainda das suas maiores ou menores dimensões, os sinos apresentam uma grande uniformidade, quer quanto à sua forma quer quanto aos modos e técnicas da sua produção, uniformidade extensiva a todas as culturas ocidentais, em evidente associação com a disseminação do cristianismo.2 Nos planos simbólico e do seu uso ritual, os sinos apresentam evidentes afinidades com outros idiofones, como as campainhas, os chocalhos e os guizos, designadamente enquanto instrumentos de protecção contra entidades nefastas e como emblemas distintivos de agentes cerimoniais, sendo exemplo destes últimos os personagens mascarados que marcam presença nas festividades do ciclo do Inverno um pouco por toda a Europa. 79


No universo das relações sociais, o sino tem sido objecto constante de discursos de poder e de tensões políticas, meio de afirmação de identidades e recurso da memória colectiva, pelo que tem constituído meio de perspectivação da história social e das mentalidades (vd. Corbin, 1994), em particular as que se prendem com as técnicas de mensuração e os modos de representação do tempo cronológico. Inequivocamente associado pelas suas dimensões e funções ao património arquitectónico, tem também vindo a ser chamado para a reflexão museol ó g i c a e m e s m o a c o n s t i t u i r- s e c o m o m ó b i l , c o n s i d e r a d o individualmente ou inserido em programas comparativistas, para a constituição de museus dedicados ao tema ( C u i s e n i e r, 1 9 8 0 ; A m a d o , C u s t ó d i o , M o t a , 1 9 9 9 ) . Contudo, entre nós o tema tem despertado pouco interesse na produção antropológica, tendo sido abordado, quase invariavelmente, como elemento residual ou episódico no âmbito da análise das sociedades rurais e, também quase sem excepção, apenas do ponto de vista estritamente descritivo. O maior interesse pelo tema data, aliás, das primeiras fases do desenvolvimento da d i s c i p l i n a a n t r o p o l ó g i c a e m Po r t u g a l , c o n t e x t u a l i z a n d o - s e na atenção então dedicada de modo quase exclusivo ao mundo rural, de que o sino frequentemente se assume como ícone. Na literatura relativa ao caso português, o que nos chega são sobretudo notas etnográficas avulsas, conhecimentos difusos, reportando-se a particularismos históricos ou a especificidades locais, reais ou aparentes, destacando-se como excepções, da rara bibliografia e x c l u s i v a m e n t e d e d i c a d a a o t e m a , A s Vo s e s d o s S i n o s n a I n t e r p r e t a ç ã o Po p u l a r e a I n d ú s t r i a S i n e i r a e m G u i m a r ã e s ( 1 9 3 6 ) , Vo z e s d e B r o n z e … ( 1 9 4 7 ) 3 e C a r á c t e r M á g i c o d o To q u e d a s C a m p a i n h a s ( 1 9 6 6 ) . J á n a f a s e d e c o n s o l i d a ç ã o d a a n t r o p o l o g i a e m Po rtugal, a década de 1960 é marcada, no plano do estudo dos instrumentos musicais populares, pelo importante projecto de investigação e recolha no terreno conduzido entre 1960 e 1963 pelo então embrionário Museu Nac i o n a l d e E t n o l o g i a e s u b v e n c i o n a d o p e l a Fu n d a ç ã o C a louste Gulbenkian. Deste projecto, realizado por Ernesto Ve i g a d e O l i v e i r a e B e n j a m i m Pe r e i r a , v e m a r e s u l t a r a constituição de uma importante colecção, informada por 80


um extenso e sistemático estudo (Oliveira, 2000) que, à semelhança dos demais trabalhos do Centro de Estudos de Etnologia, se constitui como obra de referência para o e n t e n d i m e n t o d a c u l t u r a m a t e r i a l p o p u l a r. E m I n s t r u m e n t o s M u s i c a i s Po p u l a r e s Po r t u g u e s e s a c a t e g o r i a d o s idiofones é integrada por campainhas, sinetas e chocalhos, mas tal não sucede com o sino, intencionalmente excluído por se considerar que, no plano do seu uso pop u l a r, e a i n d a q u e d e s e m p e n h a n d o e v i d e n t e s f u n ç õ e s d e sinalização acústica nas comunidades, não se encontra associado a manifestações musicais, ao invés do que sucede nos planos do seu uso erudito.4 Os imaginários e as práticas sociais desenvolvidas em torno do sino, em particular em meio rural, encontram-se, p o r é m , a m p l a m e n t e d o c u m e n t a d o s p e l a e t n o g r a f i a p o rtuguesa. É sobre eles que se constrói este texto, propondo pistas para a interpretação dos dados etnográficos e planos de leitura para as várias dimensões que o tema evoca, como cerzidura dos materiais avulsos que acima r e f e r i m o s . É t a m b é m e s t a a r a z ã o p e l a q u a l o t e m p o v e rbal aqui privilegiado é o do presente etnográfico, mesmo quando muitos dos materiais coligidos se reportam a um pretérito mais-que-perfeito.

2. Cronologia e meteorologia No âmbito das sociedades rurais, o sino é expressão de diferentes modos de organização e planos de representação do tempo cronológico. Desde logo, e em h a r m o n i a c o m o t e m p o s o l a r, r e g u l a o q u o t i d i a n o d a s populações, anunciando o início e o fim do trabalho nos campos, convocando regularmente os fiéis à oração pel a s Tr i n d a d e s , a s s i m c o n f i g u r a n d o u m t e m p o c í c l i c o , d e c u r t a d u r a ç ã o , p o r s e u t u r n o i n t e g r a d o n o c i c l o m a i s e xtenso do calendário anual, cujos principais momentos cer i m o n i a i s o s i n o s i n a l i z a d e m o d o p a r t i c u l a r. Marcador por excelência do tempo cronológico, o sino está também, no caso das culturas populares de carácter rural, intimamente associado ao tempo meteorológico (associação também sublinhada pela presença frequente do catavento nos campanários), sendo utilizado quer 81


como instrumento divinatório dos diferentes estados deste quer como instrumento para o seu controlo e, enquanto tal, como meio de reposição da ordem cósmica. No primeiro plano, o som do sino é objecto de avaliação enquanto indicador da intensidade e da direcção do vento que o propaga: como tal, segundo seja identificado como proveniente de povoação mais ou menos próxima, e segundo seja escutado de forma mais ou menos perceptível ou contínua, assim é utilizado como meio de prognóstico de alterações de temperatura, aproximação de chuvas e tempestades, num determinado contexto geográfico e no âmbito do corpus de saberes empíricos desenvolvidos pela avaliação permanente das especificidades dessa p a i s a g e m . S e g u n d o o Pe . J o s é A n t ó n i o Pi n h e i r o e Ro s a , a própria afinação do sino, no âmbito do conjunto de técnicas da sua produção, deverá ser efectuada de acordo com aquelas mesmas particularidades territoriais: Os sinos podem ser fundidos segundo o sistema antigo ou segundo o afinado. / O sistema antigo, de som mais agudo, deve ser preferido quando haja necessidade de o u v i r- s e o s i n o a g r a n d e d i s t â n c i a , o u q u a n d o o a c i dentado do terreno quebre ou abafe o som. / O sistema afinado, de som mais doce e harmonioso, deve ser preferido para as povoações em que as habitações se agrupam num limitado raio. ( Ro s a , 1 9 4 7 : 2 8 )

No segundo plano, enquanto instrumento de controlo do estado do tempo, e através da sua sonoridade (a voz de Deus, como é popularmente designada), o sino é considerado eficaz para afastar ventos, nevoeiros, granizos e, sobretudo, trovoadas,5 estendendo-se a sua acção esconjuratória, fruto também do seu carácter bento, até o n d e a l c a n ç a r o s e u s o m . Tr a t a - s e e s t e d e u m p o d e r q u e a própria doutrina católica reconhece – fugo fulmina, ventos dissipo, é uma das inscrições que se podem ler em muitos sinos –, ainda que faça notar que ele não advém das propriedades físicas do sino ou da propagação do seu som, mas efeito da bênção que lhe é concedida. Pa r a o m e s m o f i m u t i l i z a m - s e t a m b é m p e q u e n a s c a m painhas benzidas, que tomam o nome de Santa Bárbara ou São Jerónimo (os santos mais frequentemente invocados em fórmulas esconjuratórias da trovoada e do raio, 82

Fi g. 5 9 – C a p a d o Re g u l a m e n t o d o Concurso A Aldeia m a i s Po r t u g u e s a d e Po r t u g a l (ed. Secretariado d e Pr o p a g a n d a Nacional, 1939)


Fi g. 6 0 – S a n t a Bárbara, padroeira de múltiplas actividades ligadas à metalurgia, protectora contra as manifestações meteorológicas mais violentas, representada com a torre onde o pai a tornou reclusa. Museu Municipal de M a r v ã o ( P. C o s t a )

sendo aquela também a padroeira dos ofícios ligados à metalurgia), o disparo de balas benzidas às nuvens de t r o v o a d a ( Pi r e n é u s ) o u , c o m o r e g i s t a d o n o R i b a t e j o , a simples percussão de panelas e outros objectos de metal. Pa r a a l é m d a s c a p a c i d a d e s d e a c t u a ç ã o s o b r e a s m a n i festações atmosféricas, o poder esconjuratório do sino estende-se, enfim, às próprias entidades sobrenaturais por aquelas responsáveis: assim, na Galiza utiliza-se o sino para afastar as bruxas e os nubeiros (homólogos dos polvorinhos nacionais), demónios que produzem e dirigem as trovoadas e fazem cair o granizo. É ainda com o s i n o q u e s e e s c o r r a ç a m a l m a s p e n a d a s , e s p í r i t o s m a l i gnos e mesmo o próprio Diabo, sendo crença popular que, no dobrar a finados, para mais longe foge aquele quanto mais toca o sino. Pa r a a l é m d a d i m e n s ã o e s c o n j u r a t ó r i a q u e a c a b a m o s d e e x e m p l i f i c a r, à s o n o r i d a d e d o s i n o a t r i b u e m - s e t a m bém propriedades terapêuticas e profilácticas nas patol o g i a s a u d i t i v a s : c o m e l a s e c u r a m e m Fr a n ç a d o e n ç a s d e cabeça e de ouvidos, conhecendo-se entre nós o costume de, nos baptizados, o próprio padrinho tocar o sino para que o afilhado não fique surdo. Ta i s p r o p r i e d a d e s d e p r o t e c ç ã o d a s s i n e t a s e d o s s i nos identificam-se igualmente no contexto de determinados rituais agrários, sendo exemplos da utilização das primeiras as rogações e rezadas, deambulações rituais p e l o s c a m p o s r e a l i z a d a s n a Pr i m a v e r a , c o m v i s t a a a f a s tar as pragas das colheitas, e, dos segundos, o costume d e , e n t r e o d i a d e P á s c o a e o d i a d e S ã o Pe d r o , m a r c a dor em certas regiões do início das colheitas, se tocar “ s e m p r e à s Tr i n d a d e s u m r e p i q u e d e s e g u n d a c l a s s e p e l o s f r u t o s d o m a r e d a t e r r a” ( B r a g a , 1 9 3 6 : 4 6 ) . S e n d o r e a l i z a d o s n u m m o m e n t o d o c a l e n d á r i o d e p a rticular vulnerabilidade das produções agrícolas face às infestações (e também a fenómenos meteorológicos violentos), tais rituais, independentemente do seu carácter esconjuratório ou propiciatório, inserem-se ainda, claramente, num complexo festivo popular mais amplo de celebração do fim do Inverno e de expulsão das suas múltiplas personificações, ainda que o seu sancionament o p o r p a r t e d a I g r e j a o s f a ç a d e s l o c a r, a p a r e n t e m e n t e , p a r a f o r a d o p l a n o d a c u l t u r a p o p u l a r. C o m e f e i t o , n o 83


Fi g. 6 1 – E r m i d a da Senhora da Conceição de A l c a m é , Vi l a Fr a n c a d e X i r a ( P. C o s t a ) Fi g. 6 2 – S i n o e m campanário de igreja quinhentista, Fu n d ã o ( P. C o s t a )

contexto europeu multiplicam-se as referências à utilização de sinos e sinetas em determinados momentos cerimoniais do calendário, associados ao fim do Inverno e a certas entidades que o personificam, como as bruxas, que se expulsavam na Calábria em todas as sextas-feiras do mês de Março, ou, no mundo germânico, na noite de Va l p u r g i s e n o d i a 1 d e M a i o , 6 d a t a s e m q u e s e q u e i m a m e f í g i e s d e s s a s e n t i d a d e s ( Fr a z e r, 1 9 9 0 : 5 6 0 - 5 6 1 ) . Pr á t i c a s i d ê n t i c a s t o m a v a m l u g a r, e m I t á l i a , e m i n í c i o s d e s t e século, já no dia de São João, festividade coincidente c o m o s o l s t í c i o d e Ve r ã o e o f i m d e f i n i t i v o d o I n v e r n o , e também aí as bruxas se expulsavam ao som de sinetas de barro (Marcuse, 1975: 55), podendo, nestes procedimentos rituais de fecundidade e regeneração da terra e d o t e m p o , a s s o c i a r- s e a o p o d e r e s c o n j u r a t ó r i o d o s i n o , por vezes substituído por chocalhos de animais, outros sons como os de gritos, do bater de panelas ou outros objectos metálicos.

3. Interditos e práticas rituais O sino foi sempre objecto de tensões entre a Igreja, as populações e os poderes administrativos, e se aquela permitiu determinados toques – como o rebate a fogo, obrigando os mordomos e sineiros a alertar a população por esse meio e penalizando com multas aqueles que não acudissem no seu combate – e legitimou ou se apropriou de outros – como no caso dos esconjuros de trovoadas e outras pragas das colheitas –, o domínio eclesiástico 84


sobre o sino tendeu, desde cedo, a excluir qualquer outro seu uso profano, o que deu origem a múltiplos tipos de c o n t e n d a s ( C o r b i n , 1 9 9 4 ; D o h r n -Va n Ro s s u n , 1 9 9 7 ) . No entanto, no quadro das populações rurais são múltiplos os exemplos do uso social do sino em esferas absolutamente díspares dos cânones prescritos pela Igreja. Em primeiro lugar o das próprias formas populares de c r í t i c a s o c i a l , c o m o o u s o d e t o c a r- s e o s i n o n a n o i t e d a boda, nos casamentos das viúvas ou dos velhos, quando os padrinhos não distribuem o vinho aos rapazes da aldeia, numa outra forma de vindicta popular semelhante às das assuadas ou das pulhas e testamentos do Entrudo. Ta m b é m a s s i n a l a n d o a p a s s a g e m d e e s t a t u t o d e s o l t e i r o a casado tocam-se “a finados, por irrisão, os sinos das egrejas nos casamentos” (Alves, 1913: tomo II, 179). Fi g. 6 3 – M e r c a d o da Ribeira, Lisboa ( P. C o s t a ) Fi g. 6 4 – A l ç a d o principal da Fábrica da Pólvora N e g r a . Fu n d a d a no século XVI, a fábrica encerrou em 1988, vindo posteriormente a ser adquirida pela Câmara Municipal de Oeiras e abrir ao público em 1998, como Museu da Pólvora Negra. Barcarena, Oeiras ( P. C o s t a )

No plano simbólico, e no âmbito dos poderes que se atribuem ao sino, este é utilizado como instrumento em práticas de feitiçaria, como a de “atirar três vezes com u m o s s o d e d e f u n t o p o r c i m a d o c a m p a n á r i o d a i g r e j a” para curar sezões (Braga, 1936: 45). Determinadas práticas mágico-rituais são realizadas em momentos assinal a d o s q u o t i d i a n a m e n t e p e l o s i n o , c o m o a s Tr i n d a d e s ( a alvorada, o meio-dia e o crepúsculo), horas abertas que permitem a invocação de espíritos e a utilização do seu p o d e r. E n t r e a s m u i t o v a r i a d a s c r e n ç a s r e l a t i v a s a e s t e s interstícios no tempo conta-se, por exemplo, a de que 85


“q u a n d o o s s i n o s d e d u a s t ô r r e s t o c a m a - p a r, à s Tr i n d a des ou ao Meio-Dia, haverá nesse dia incêndio ou morte de padre, numa das freguesias” (Braga, 1936: 45). Mas se o sino assinala esses momentos de potencial perigo, em que sustos, coisas ruins e muitas outras personificações demoníacas por eles podem irromper e ameaçar a comunidade, concebe-se também que essas entidades são repelidas pelo seu som, fechando esses tempos de anarquia com o seu poder sagrado e esconjuratório. Entre as várias representações construídas em torno do sino destacam-se as que se prendem com a gravidez e o parto. Entre estas conta-se o uso ritual do sino, com semelhanças com os ritos de couvade,7 com vista a facilitar um parto trabalhoso, e que consiste em “uma creança chamada Maria tocar nove badaladas seguidas no sino de uma igreja da localidade” (Adrião, 1900-1901: 100). Se o sino é concebido popularmente como a voz através da qual Deus faz conhecer os seus desígnios, ele é também entendido como meio de comunicação com a divindade, clamando, com a sua voz sonante, para a intervenção do poder divino num fenómeno fora do controlo humano, tendo igualmente este procedimento sido justificado, sobretudo na esfera eclesiástica, como mobilizador da fé da comunidade, para que, escutando o toque, “todas as mulheres rezem pela parturiente” (Dias, 1990-1991: vol. III, 222). O sino deve ser tocado geralmente por nove vezes, tantas quantos os meses de gestação, esperando-se que ao fim do nono toque nasça a criança. Como agente na comunicação com diversas potências divinas (como a S e n h o r a d o s Pa r t o s , a S e n h o r a d a s D o r e s o u a S e n h o ra do Ó),8 socorre-se este procedimento de uma personagem que deve preencher dois requisitos: ser menina e c h a m a r- s e M a r i a , r e m e t e n d o , r e s p e c t i v a m e n t e , p a r a a exigência de um agente ritual moralmente puro, sexualmente incorrupto, ainda não tocado pelo pecado e pela impureza inerentes ao acto sexual de que o parto se assume como signo em extremo, e para a invocação do arquétipo da maternidade. Em determinados locais, a tarefa de tocar o sino cabe ao marido da parturiente, sendo por vezes executada puxando a corda com os dent e s ( Va s c o n c e l o s , 1 9 8 2 a : 1 3 ) , p o s s i v e l m e n t e q u e r e n d o 86


Fi g. 6 5 – E x e m p l o da presença do sino na arquitectura religiosa contemporânea. S a n t a C r u z , To r r e s Ve d r a s , 2 0 0 0 ( P. C o s t a )

p r o p i c i a r, c o m o n o u t r a s p r á t i c a s a s s o c i a d a s a o p a r t o , a libertação do cordão umbilical que pode tolher o nascimento da criança. A i n d a n o q u e r e s p e i t a a o p a r t o , r e f e r e n c i a - s e a i n t e rd i ç ã o r i t u a l d o t o q u e d o s i n o p o r p a r t e d a m u l h e r, p o i s “se casar e tiver filhos, não parirá enquanto o marido n ã o f e r r a r o s d e n t e s n o b a d a l o ” ( Va s c o n c e l o s , 1 9 8 2 a : 12), medida indispensável de reposição da ordem social, uma vez que o papel de sineiro é, quase invariavelmente, no plano das representações, um atributo do género masculino. Em contexto rural, o uso do sino é igualmente interditado em determinados momentos do calendário cerimon i a l , c o m o e m a l g u n s l o c a i s d a i l h a Te r c e i r a n a s n o i t e s d e A n o B o m e D i a d e Re i s ( R i b e i r o , 1 9 4 9 : 3 1 8 ) , m a s , d e u m a forma mais generalizada, na Semana Santa,9 quando a Igreja (ao mesmo tempo que desencoraja a realização de matrimónios e quaisquer manifestações de alegria) proíbe o s e u t o q u e , e a Vo z d e D e u s , s i l e n c i a d a a t é a o s r e p i q u e s c o n t í n u o s e f e s t i v o s d a A l e l u i a e a c e l e b r a ç ã o d a Re s s u rreição, é substituída durante aquele período por ruídos como o das matracas, cegarregas, relas e zaclitraques. A o i n v é s d o s i n o , q u e , c o m e x c e p ç ã o d o To q u e d a s Almas, exorta à oração durante o dia, as matracas e instrumentos congéneres – em certos casos, sobretudo em meio urbano (Dias, Dias, 1953: 75), substituídos por campainhas de barro – reúnem os fiéis à noite para os cortejos processionais da Encomendação das Almas, durante os quais se reza pelas almas do purgatório e se e n c h e a n o i t e c o m a v o z d o e n c o m e n d a d o r, a d v e r t i n d o sobre a brevidade da vida e a certeza da morte. Assim, a s m a t r a c a s , q u e p o d e m t a m b é m e s t a r a s s o c i a d a s à s i r87


mandades ou confrarias e às formas de solidariedade que estas organizam em torno da morte, contrastam com o sino e constituem-se numa espécie de anti-sino, não apenas pela matéria de que são feitas mas igualmente pelo som que produzem, opondo-se “os sons de bronze agudos, claros e nobres [do sino], aos sons de madeira g r a v e s , l ú g u b r e s e v i s [ d a s m a t r a c a s ] ” ( C u i s e n i e r, 1 9 8 0 : 41). Em São Miguel d´Acha (concelho de Idanha-a-Nova) os cânticos polifónicos da Encomendação das Almas são realizados exclusivamente pelas mulheres, no alto d a To r r e d o Re l ó g i o , f a z e n d o d o b r a r o s s i n o s a f i n a d o s no termo do cântico.

4. Sonoridade e memória colectiva No contexto do seu uso social, o sino reveste-se de um papel particularmente importante enquanto voz da comunidade e, à semelhança do santo padroeiro, como signo do seu ethos e da sua identidade. No plano da mem ó r i a c o l e c t i v a o s i n o é , e m p r i m e i r o l u g a r, o b j e c t o d e particular evocação enquanto sinalizador dos momentos marcantes da história de um grupo, sendo recordada a sua presença acústica na mobilização no socorro a u m d e t e r m i n a d o n a u f r á g i o , 10 n o c o m b a t e a u m i n c ê n dio, numa batida aos lobos, na perseguição de ladrões e quaisquer outras ameaças à comunidade, mas também na contestação dos poderes externos à comunidade – uma portaria camarária, uma decisão judicial, etc. – e n a d e f e s a d o s v i z i n h o s p o r a q u e l e s a m e a ç a d o s . Po r exemplo, na memória, largamente mitificada, sobre a fuga da população da Gouxaria (Cadaval) aos invasores franceses, marcam presença ainda hoje a referência ao toque a rebate do sino da capela de Santo António e o papel da heroína que soou o alarme. Ao invés, o sino assinala também a integração da comunidade num contexto identitário alargado, na celebração do Estado e da c o e s ã o n a c i o n a l , f a z e n d o - s e “r e p i c a r e m c o r d a s s o l t a s e cordas livres por monarquias e repúblicas”, como referiu Alberto Vieira Braga (1936: 26), exemplificando um dos seus usos profanos. 88


Fi g. 6 6 – C a s a d o To u r o d o Po v o e m Tr a v a s s o s d o R i o , Montalegre. O sino, no cimo de uma torre semelhante a um campanário de igreja, na qual se encontra esculpida a cabeça de um boi, é tocado para sair a vezeira do gado, mas também como sinal para a reunião dos vizinhos ( B e n j a m i m Pe r e i r a , 1975 – Centro de Estudos de Etnologia / Museu Nacional de Etnologia)

Pa r a a l é m d e s s a s s i t u a ç õ e s c r í t i c a s o u e x c e p c i o n a i s , o uso social do sino pela comunidade enquadra-se, evidentemente, no quotidiano daquela, não apenas nos c h a m a m e n t o s à m i s s a e n a s s i n a l i z a ç õ e s d a s Tr i n d a d e s , Ave-Marias, etc., mas também, muitas vezes, na mobilização dos vizinhos para actividades produtivas ou adm i n i s t r a t i v a s . E m Tr a v a s s o s d o R i o , M o n t a l e g r e , o s i n o d a C a s a d o To u r o d o Po v o , i n s t a l a d o n o c i m o d e u m a torre semelhante a um campanário de igreja, é tocado para sair a vezeira do gado, mas também como sinal para a reunião dos vizinhos. Em Rio de Onor toca-se o sino para a reunião do Conselho e a convocação para as malhas (Brito, 1996: 134). Na esfera do modelo de organização social que configura a equidade das suas 89


Fi g. 6 7 – Po r m e n o r da fachada da Igreja Matriz de Vi l a N o v a d e Fo z Côa, mandada e d i f i c a r p e l o Re i D. M a n u e l . O s sinos convivem com figuras fantásticas inscritas em meio relevo no granito do campanário ( P. C o s t a )

casas, o toque do sino regula-se igualmente por um mecanismo de rotatividade – a roda –, cujo turno cabe mensalmente a cargo de um vizinho – o lampadário –, d e m o r a n d o a r o d a c e r c a d e t r ê s a n o s a c o m p l e t a r- s e . No entanto, “até cerca de 1956-57 esta obrigação era desempenhada por cada vizinho durante um ano, numa lenta sequência de turnos que só ao fim de 40 anos se c o m p l e t a v a m” ( B r i t o , 1 9 9 6 : 2 1 7 ) . Po r v e z e s s ã o a i n d a determinados sinos de uma igreja que se investem desta missão mobilizadora, como um dos quatro sinos da igreja de Nossa Senhora dos Mártires, em Castro Marim, d e s i g n a d o p o r Pa r ó q u i a , u t i l i z a d o p a r a a n u n c i a r a s r e u n i õ e s d a J u n t a ( Ro s a , 1 9 4 7 : 7 7 ) . Contudo, o cargo de sineiro, que também podia ser desempenhado pelo mordomo da igreja, acumulava-se de uma forma geral com o de sacristão, cabendo-lhe muitas vezes uma remuneração pelo desempenho daquela função, como sucedia em Guimarães, sendo o seu pagamento, de um quarto de milho por casa (Braga, 1936: 49), efectuado pelo São Miguel (29 de Setembro), marcador no calendário do fim das colheitas e demais trabalhos estivais e data usual do pagamento dos foros ou rendas anuais. * * * O carácter de que se reveste o sino enquanto emblema da comunidade revela-se igualmente nos discursos produzidos acerca da sua individualidade, expressa, em p r i m e i r o l u g a r, n a s u a s o n o r i d a d e , a s u a v o z p r ó p r i a , q u e permite distinguir cada sino no interior de uma freguesia ou de um concelho. Essa individualidade exprime-se tam90


bém no seu carácter volitivo, afirmando-se que os sinos podem tocar espontaneamente, assinalando milagres e entradas de relíquias de santos nas igrejas, rejubilando pela entrada no Céu de pessoas virtuosas, pressagiand o “d e s g r a ç a s , m a r t í r i o s , p r i s õ e s ” ( B r a g a , 1 9 3 6 : 2 8 ) , e , enquanto manifestação do seu poder sagrado e índice da ordem social e cósmica, prognosticando falecimentos de reis e celebrando restaurações da realeza e da independência da Nação (como se afirma que sucedeu com o sino de Sacóias, “por occasião do feliz grito de 1 de Dezembro de 1640” – Alves, 1910: 76). Esta vontade própria dos sinos pode, enfim, manif e s t a r- s e n a s u a r e c u s a e m p e r m a n e c e r e m n a t o r r e d a igreja onde são colocados, fugindo em noites sucessivas (com capacidade idêntica às imagens de santos q u e d e s e j a m s e r c u l t u a d o s e m d e t e r m i n a d o l o c a l ) , n o rmalmente para fora da aldeia, onde são encontrados a tocar sozinhos e para cujo local se desloca a igreja ou se constrói novo templo, condição necessária para o silenciamento daqueles. Em determinados casos, considerados no âmbito de uma memória local construída no decurso de um tempo longo e reproduzida no contexto da oralidade, tais rel a t o s r e l a t i v o s à f u g a d e s i n o s p a r e c e m r e p o r t a r- s e a e exprimir registos efectivos de rivalidades entre comunidades vizinhas, de ordem administrativa ou eclesiástica. Esses relatos são, por exemplo, em tudo idênticos aos de roubos de pias baptismais (e à recusa destas em permanecer nas igrejas ou freguesias para onde são levadas por aqueles que as reclamam), que frequentemente traduzem memórias de antigos conflitos entre aldeias que disputam entre si o privilégio de sede paroquial, ou muitas vezes derivam de situações históricas concretas de criação de novas paróquias a partir do desmembramento de outras (Costa, Galante, 1995: 264-265). Motivo de orgulho da aldeia ou da freguesia que o exibe do alto da torre da igreja, o seu axis mundi, o sino é, enfim, também pelas suas dimensões e pela sua amplitude sonora ou pela sua presença com outros no c a m p a n á r i o , í n d i c e d a s u a i m p o r t â n c i a e n q u a n t o c i rcunscrição religiosa, tal como o exemplificam as próprias posturas da Igreja: 91


Os sinos, & campanario, ou torre são também requisit o n e c e s s á r i o p a r a p e r f e i ç ã o d o s Te m p l o s , p o r t a n t o o s deve haver em todas as Igrejas, & na nossa Sè Cathedral seráõ sette, ou ao menos sinco, & na collegiada ao menos três de differente grãdeza, & som, de que resulte boa consonancia, para com elles se fazerem sinais diversos, segundo a diversidade dos officios Divinos; & n a s o u t r a s I g r e j a s Pa r o c h i a i s d o s l u g a r e s g r a n d e s p o d e rá haver também os dittos três sinos, & necessariamente haverá ao menos dous, excepto, se forem taõ pobres, q u e o s n a õ p o s s a õ t e r, p o r q u e n e s t e c a s o s e p e r m i t t i r à , q haja somente hum, q bem possa ser ouvido em toda, ou na mayor parte da freguesia, & procurarse-há, quando for possível, que os sinos sejaõ bentos na forma do Po n t i f i c a l . ( C o n s t i t u i ç õ e s S y n o d a e s d o B i s p a d o d o Po r t o , 1 7 3 5 : 3 6 8 )

O sino assume-se também como emblema do poder administrativo, entre outros, da população que o detém e, assim, torna-se motivo de invejas por aquelas em que está ausente, sendo por vezes objecto de tentativa de destruição pelos rivais – colocando no local da boca do sino onde percute o badalo um cabelo com azeite (Almeida, 1966: 344) para o partir – e o seu roubo entendido como um atentado à honra e à integridade da comunidade: S ã o M a r t i n h o d e S a n d e – Re v o l t a d o s i n o – A c a b a d a a tôrre em 1791, veio pouco depois um sino novo, cujas vozes muito sonoras o fizeram conhecido a tal ponto que o capitão-mór de Guimarães o quis usurpar para aquela vila. Com o pretexto de servir nuns festejos que ali havia, t o c a n d o n o C a m p o d a Fe i r a , c o n s e g u i u d o s m e s á r i o s d o Senhor que o emprestassem. As mulheres, homens e rapazes da freguesia, armados de paus, fouces, forcados, etc., l e v a n t a r a m - s e p a r a o d e f e n d e r, a p r e s e n t a n d o - s e n o a d r o e não consentindo que os encarregados de o desmontar e levar para Guimarães, cumprissem a sua missão. ( A b a d e d e Ta g i l d e , c i t . i n B r a g a , 1 9 3 6 : 2 5 )

Fi g. 6 8 – S i n o encastrado no pano de muralha interior d a Fo r t a l e z a d e Pe n i c h e ( P. C o s t a ) 92


Fi g. 6 9 – Campanário no alçado lateral da capela de São João Baptista (Boiça do Lo u r o , C a d a v a l ) . Ao lado do novo sino, colocado quando das obras na capela, conserva-se o mais antigo, agora sem a corrente com a qual s e t a n g i a ( P. C o s t a )

Ainda que seja propriedade da comunidade, considerado como seu património, herança (e, nesta medida, rem e t a p a r a o s e u p a s s a d o ) , l e g a d o a t r a n s m i t i r, e u t i l i z a d o no presente como meio de afirmação e projecção (e delimitação) sonora do seu território, uma outra categoria de s i n o s p a r e c e c o n f i g u r a r- s e n o i n v e r s o d a v o z d a a l d e i a . Tr a t a - s e d o s s i n o s q u e , c o m o o u t r o s g é n e r o s d e t e s o u r o s , sobretudo mouros, se encontram submersos em lagos ou rios ou, mais comummente, enterrados ou no interior de penedos ou minas na periferia das povoações e cuja existência, como as moiras encantadas, faz-se sentir nas man h ã s d e S ã o J o ã o , q u a n d o s e o u v e m t o c a r. Po d e n d o p o r vezes ser substituídos neste tipo de lendas por recipientes e n c a n t a d o s ( p i p a s , b a r r i c a s , t a l h a s , e t c . ) , e s t e s s i n o s s u rgem normalmente em número de três, um de ouro, outro de prata e o restante de peste. No concelho do Cadaval, por exemplo, a presença desta tríade nas entranhas da S e r r a d e To d o - o - M u n d o c o n f e r e a e s t a o n o m e d e S e r r a Mal-Arrecadada e diz-se ali que ninguém procura os sinos de ouro e prata com medo de descobrir o de peste. No relato da lenda, recolhida em 1989/90, determinados informadores substituem os sinos por talhas, outros, ainda, localizam o sino de ouro nas imediações de uma ermida já desaparecida – que, no imaginário local, coincide com o centro da serra e o local onde confluem três freguesias, três concelhos e três distritos – e diz-se que “já tem a asa g a s t a d e l h e p a s s a r e m p o r c i m a s e m s a b e r e m” . Este género de sinos remete, por um lado, sobretudo quando a sua produção se associa explicitamente aos mouros, para o tempo longínquo das origens da comunidade ou, pelo menos, do território em que ela se insere e p a r a o t e m p o d o s s e u s m í t i c o s d e t e n t o r e s . Po r o u t r o lado, a sua localização no exterior das povoações, onde apenas podem ser ouvidos (como as moiras encantadas 93


Fi g. 7 0 – S i n o n o alçado principal da Câmara Municipal d a Lo u r i n h ã ( P. C o s t a )

que interpelam homens, mulheres e crianças nos campos e nos caminhos fora das aldeias, pedindo-lhes parte do leite dos rebanhos que guardam ou que transportam em bilhas para a feira), exclui-os, pelo seu topos por vezes impreciso, do seu território e afasta qualquer pretensão sobre a sua propriedade, uma vez que podem ser reclamados pelas comunidades vizinhas. Enfim, a própria procura individual de apropriação do tesouro é desencorajada, uma vez que, ao sino ou ao par de sinos que o constituem, associa-se, regra geral, o sino de peste, funcionando o medo que este incute como inibidor da procura de riqueza e, como tal, preventivo de qualquer t e n t a t i v a d e d i f e r e n c i a ç ã o s o c i a l . 11

5. Metalurgia e ritual Pa t e n t e n a s s u a s p r o p r i e d a d e s v o l i t i v a s e s o n o r i d a d e (ou voz) única, as particularidades que um grupo atribui ao seu sino articulam-se, igualmente, com o acto d a s a g r a ç ã o d a q u e l e : 12 o s e u b a p t i s m o ( d e s i g n a ç ã o corrente) ou bênção. Po r e s t a o c a s i ã o , o s i n o é o r n a m e n t a d o c o m f l o r e s e vegetação e, de entre as componentes do ritual eclesiástico que visam assegurar o carácter qualitativo das propriedades sonoras do sino, destacamos as quatro cruzes que o oficiante desenha com o Santo Crisma no interior do sino, querendo significar “os quatro pontos cardiais aos quais se deve difundir o som dos mesmos s i n o s ” ( Ro s a , 1 9 4 7 : 1 4 ) . Em homilia, oficiada preferencialmente pelo bispo (ou, em representação daquele, pelo pároco local), o sino é objecto de orações, bênçãos, abluções e unções e, ainda que a prática não seja reconhecida oficialmente pela liturgia, recebe um padrinho e uma madrinha. São 94


estes que lhe atribuem o nome pelo qual é referenciado e tornado distinto de outros sinos pela comunidade, nome esse que toma de um santo (o orago da igreja, da confraria, ou outro) e que figura entre as inscrições que p o d e a p r e s e n t a r, j u n t a m e n t e c o m a i m a g e m d e s s e s a n t o ou da cruz, salmos, orações, passagens das Escrituras ou de outros textos litúrgicos, o nome dos padrinhos ou dos ofertadores à igreja onde é colocado, a data e local do seu fabrico ou da sua bênção, a marca do seu fabricante, entre outras (Braga, 1936: 87-91). Pe l a s u a b ê n ç ã o , a I g r e j a t r a n s m u t a o s i n o d e s i m p l e s instrumento sonoro em alfaia religiosa, marca-o como sua propriedade e assume-se como a única fonte de legitimação do seu uso, quer para fins sagrados/religiosos

Fi g. 7 1 – S i n o s n o alçado principal da Câmara Municipal de Barcelos ( P. C o s t a )

(o anúncio da eucaristia e demais celebrações religiosas) quer para fins profanos/civis (o alarme em caso de fogo ou outros perigos). No entanto, se, como as populações o reconhecem, é pelo baptismo que o sino adquire as s u a s p r o p r i e d a d e s s a g r a d a s o u b e n t a s , t a m b é m e m t o rno do próprio acto da sua fundição se desenvolveu um conjunto de crenças e práticas que tendem a sublinhar o carácter sagrado do sino e, sobretudo, do momento em q u e , d e a c o r d o c o m a t r a d i ç ã o p o p u l a r, s e s i t u a a f o n t e da sua sonoridade. Mais do que uma operação técnica, a fundição de um sino revela-se, como muitos outros exemplos de produç ã o d e m e t a i s , u m a c t o d e m a r c a d a c e r i m o n i a l i d a d e , 13 a e l a s e n d o c h a m a d a p o r v e z e s a I g r e j a a i n t e r v i r, m e d i a n t e a bênção do bronze em fusão no momento de verter o 95


metal no molde, e dela se interditando a presença fem i n i n a , c o m o s u c e d e n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n to, situando a manipulação do sino na esfera da estrita competência masculina, como o reforça a tradição que prenuncia esterilidade para a mulher que se atrever a s o á - l o . Po r o u t r o l a d o , a i n d a q u e o t i m b r e d e u m s i n o dependa da sua forma, dimensão, peso, características d a l i g a , 14 e q u e a s c o r r e c ç õ e s e a s a f i n a ç õ e s d a s s u a s t o nalidades se efectuem após a fundição e a sua separação d o m o l d e , 15 é , d e f a c t o , a o p e r a ç ã o d a f u n d i ç ã o q u e s e e n t e n d e c o m o c r u c i a l n a p r o d u ç ã o d a s u a s o n o r i d a d e . 16 Entre as tradições contam-se as de se inventar e fazer circular mentiras, pelos próprios operários da fundição, para um sino tocar bem. E, quando se deseja obter um timbre argentino do sino, um dos índices da sua qualid a d e s o n o r a , p o d e a i n d a , s e g u n d o a t r a d i ç ã o , a t i r a r- s e moedas de prata ou ouro para dentro da fornalha durante a fundição do metal, devendo esta acção ser efectuada p e l o s s e u s p a d r i n h o s 17 e m s i m u l t a n e i d a d e c o m a b ê n ç ã o

do bronze por parte do sacerdote. Acerca desta prática, assim como a de as senhoras que desejavam concorrer para o mesmo fim lhe juntarem alguns “objectos de val o r, c o m o b r i n c o s e a n é i s ” , o a u t o r d a e n t r a d a “ S i n o ” d a G r a n d e E n c i c l o p é d i a Po r t u g u e s a e B r a s i l e i r a a f i r m a p o rém que essa “prata e ouro metiam-se num buraco aberto no cimo da fornalha incandescente, buraco por onde se introduzia também o combustível e, portanto, caíam no borralho e não no banho de metal. Depois da operação, o fundidor recolhia o dinheiro e pagava-se, assim, de parte do seu trabalho” (s/d: 178). 96

Fi g s . 7 2 e 7 3 – Po l i m e n t o e afinação de sino recém-fabricado, Fábrica Serafim da Silva Jerónimo e Fi l h o s , L d a . , B r a g a ( P. C o s t a )


Fi g. 7 4 – To q u e d e Pa r t o D i f í c i l , recolhido em Évora pela empresa Serafim da Silva J e r ó n i m o e Fi l h o s , Lda., incluído no repertório de toques do relógio computorizado da Sé daquela cidade ( P. C o s t a )

6. Diferenciação social e codificação acústica Além da analogia da cerimónia da sua bênção com um baptismo comum, a forma do sino e a designação dos elementos que o constituem concorrem igualmente para a sua personificação e antropomorfização: assim, a s u a s e c ç ã o s u p e r i o r, q u e s e s u s p e n d e d a c a b e ç a o u c a b e ç a l h o , g e r a l m e n t e e m m a d e i r a , p o d e d e s i g n a r- s e p o r cérebro, e o seu corpo (o sino propriamente dito), entre o cérebro e a boca ou borda, pode também ser chamado de s a i a ( p a r a o c o n t e x t o f r a n c ê s , v d . C u i s e n i e r, 1 9 8 0 : 3 8 ) . À s e m e l h a n ç a d a l i t e r a t u r a o r a l p o p u l a r, t a m b é m d e t e r m i nada literatura etnográfica tem investido na analogia do s i n o c o m o c o r p o h u m a n o . D e l a s ã o e x e m p l o Te r e s a J o aquim, que nele entrevê um simbolismo fálico (Joaquim, 1983: 75), e Moisés Espírito Santo, em cuja perspectiva etnopsicanalítica a forma e o funcionamento do sino sugerem “imagens parentais: uma matriz batida pelo badalo, que em gíria pode equivaler ao pénis. O sinal do sino é a voz do pai” (Espírito Santo, 1990: 89). Enfim, tal como os homens, também os sinos se distinguem uns dos outros pelo modo como se exprimem, isto é, pelo seu timbre e pela altura, intensidade e duração do som que emitem e, ritmando o tempo e assinalando cada momento específico da vida do indivíduo ou da com u n i d a d e , t o c a m o u f a l a m d e m o d o p a r t i c u l a r. Se, como os búzios ou canadas dos moinhos de vento ou outros instrumentos musicais populares, se diz que os sinos têm voz, os toques destes revelam-se particularmente codificados, e a adequação de cada toque específico à sinalização acústica de cada momento diferenciado do tempo da comunidade encontra expressão na multiplicid a d e d e d e s i g n a ç õ e s 18 q u e s e r e f e r e m a o t o q u e d o s i n o : c a n t a r, c h o r a r, p i c a r, r e p i c a r, b a d a l a r, b a t e r, r e b a t e r, t a n g e r, d e s t a n g e r, c o r r e r, b o m b e a r, a b o m b a r, b a m b o a r, b a n d e a r, d o b r a r, e t c . 97


Algumas destas designações correspondem a técnicas particulares de percussão do sino, com diversificações respectivas dos ritmos, intensidades e números (parciais – singelos ou dobrados, i.e., compostos, etc. – e totais) dos toques. Assim, por exemplo, o termo picar usa-se geralmente para o toque individual de um sino, fazendo o badalo percutir apenas um dos seus lados, enquanto repicar designa o toque simultâneo de vários sinos, ainda que por vezes seja distinto o modo de percussão de cada um e, neste caso, diz-se que os sinos tocam ajustados a várias vozes. Outros toques podem ainda ser obtidos a partir d a o s c i l a ç ã o d o s i n o , c o m o b a m b o a r, f a z e n d o o b a d a l o percutir o lado oposto ao sentido desse movimento, ou d o b r a r, i n v e r t e n d o a p o s i ç ã o d o s i n o s o b r e o s e u e i x o . No contexto do seu uso civil, o sino assumiu um papel de relevância na distinção acústica dos vários espaços de uma comunidade urbana. Assim o exemplifica a implementação, ocorrida em determinadas cidades entre os s é c u l o s X V I I e X V I I I ( Pe r e i r a , 1 9 9 6 : 6 7 ) , d e s i s t e m a s d e identificação sonora de locais de ocorrência de incêndio. Pa r a e s t e f i m , p r o c e d e u - s e à d e f i n i ç ã o d e c i r c u n s c r i ç õ e s urbanas identificadas por um número específico de badaladas, segundo a codificação estipulada nas tabelas do respectivo regulamento municipal sobre incêndios, por vezes também afixadas junto das torres sineiras ou junto das fachadas das igrejas, em placas de metal fundidas. Em caso de sinistro, cada torre sineira participava na propagação do alarme, repetindo o número de badaladas dado inicialmente, identificador da área onde aquele ocorrera. Ta m b é m a s i n a l i z a ç ã o d e i n c ê n d i o s n o e x t e r i o r d a c i d a d e , 98

Fi g. 7 5 – C a i x a , e m ferro fundido, para acesso ao cabo de percussão de sinos do campanário na fachada da igreja do Carmo, Guimarães, ostentando na portinhola a Ta b e l a d e S i n a i s de Incêndio para a cidade de Guimarães, C.M. Guimarães – 1883, e utilizada para identificar acusticamente a estação da cidade de Guimarães na qual se verificava o sinistro, através do número de badaladas que correspondia a essa mesma circunscrição, e aí fazer acorrer os socorros necessários. Objecto de regulamentos municipais, tal sistema de alarme acústico estipulava que todas as torres das igrejas da cidade deveriam j u n t a r- s e a o alarme, repetindo o mesmo número de badaladas dado inicialmente ( P. C o s t a )


bem como a sinalização da extinção daqueles, eram objecto de regulamentação nestes códigos acústicos. No âmbito da função litúrgica do sino, de carácter quotidiano ou festivo, a diversidade de toques prescritos pela Igreja articula-se com o grau de solenidade ou importância atribuído a cada celebração e, deste modo, as particularidades acústicas estabelecidas para cada toque p r e t e n d e m e x p r i m i r, e m e s m o d e s p e r t a r, a s e m o ç õ e s q u e , a nível individual ou colectivo, se codificam para cada sit u a ç ã o , m a n i f e s t a n d o t r i s t e z a p e l a Pa i x ã o , p e l a s a í d a d o Viático, ou nos sinais aos mortos, e alegria pelo Natal, pela Aleluia, em dias de festa da povoação e de nascimentos, baptizados e casamentos. No entanto, se, enquanto expressão da vontade e sentimento colectivo, o sino é concebido como voz do povo, e, nos seus múltiplos usos, sobretudo aqueles que decorrem da esfera da liturgia, ainda que ele se dirija à comunidade como um todo e aparentemente ajude a configurar a sua concepção como a de um tecido social uniforme, por outro lado, pelos seus toques em determinados momentos se revelam, ritualizam e proclamam no espaço sonoro de uma comunidade as diferenças estatutárias dos seus membros. Assim, anunciando um nascimento ou celebrando um baptismo, pelo toque do sino se distingue o sexo da criança, sendo as badaladas geralmente em maior número quando se trata de um rapaz, ou, em certos casos, em número ímpar para um rapaz e em número par para uma r a p a r i g a . Ta m b é m n o d o b r e a f i n a d o s o s i n o d i s t i n g u e e n tre homens e mulheres, como entre nós se regista na Obrig a ç ã o d o s S i n o s e d o s S i n e i r o s d o Re g i m e n t o d o s S e r v o s da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, de 1722: E sendo irmão lhe fara 3 sinais tangendo o sino grande meyo coarto de ora so, e depois todos juntos hum bom pedaço e fazendo pausa com os mais sinos hira continuando com o sino grande so outro meyo coarto de ora e depois com todos, athe fazer na d.a forma 3 sinais. E sendo irmã lhe fara so dois sinais tangendo na mesma maneira o sino.

O inventário do código de sinais convencionais real i z a d o p a r a o A l g a r v e p e l o Pe . J o s é A n t ó n i o Pi n h e i r o e Ro s a , c o m p l e t a n d o a c o m p i l a ç ã o d e d a d o s a n t e r i o r m e n t e 99


Fi g. 7 6 – M a r c a s d a corrente de tanger o sino no campanário quinhentista da igreja da Misericórdia de Pr o e n ç a - a -Ve l h a , Idanha-a-Nova ( P. C o s t a )

e f e c t u a d a p e l o C ó n e g o J o s é B e r n a r d o d a Ve i g a , p e r m i t e apurar no código do Cabido do Algarve uma geral distinção acústica, nos dobres a finados, entre os géneros masculino e feminino (respectivamente três e dois dobres, ou nove e seis dobres), sendo que, após a implantação da Re p ú b l i c a , t a l d i s t i n ç ã o p a r e c e d e s a p a r e c e r, r e c e b e n d o homens e mulheres três ou quatro dobres cada. Após esta data permanece explícita a diferenciação dos indigentes, que recebem apenas três toques, assim como as crianças com idade inferior a sete anos, cuja classificação acústica, nos dobres a finados, é geralmente idêntica à das mulheres no que respeita ao número de dobres, sendo diferenciada da classificação destas pelo uso de repiques s i m p l e s . Ta m b é m o e s t a t u t o d o a s s i s t e n t e a o r i t o c o n s t i t u i factor de complexificação da codificação acústica, dado que, consoante assista o Pároco, o Meio Cabido ou o Cabido, assim se utiliza sucessivamente maior número de sinos numa mesma igreja. No nascimento, como no casamento e na morte, o toque do sino é ainda expressão da posição social do indivíduo e da sua família, variando o número de badaladas em função do montante pago ao sineiro, como nos repiques de baptizado em Idanha-a-Nova, em que se distingue se o sino toca a rico ou a pobre, segundo o sacristão recebe muito ou pouco do padrinho. Contrastando com a escassa informação de carácter etnog r á f i c o d i s p o n í v e l p a r a Po r t u g a l n o q u e r e s p e i t a à a r t i culação entre a codificação dos toques do sino e os ritos de passagem do indivíduo, a grande diversidade de t o q u e s d o s i n o r e g i s t a d a p o r A r n o l d Va n G e n n e p p a r a o contexto francês conduziu a considerá-la como sendo “ c l a r a m e n t e d e o r i g e m n ã o l i t ú r g i c a , m a s p o p u l a r ” ( Va n Gennep, 1943: 135). 100


Re v e l a d o r a d e u m a g r a n d e d i v e r s i d a d e r e g i o n a l , e s s a multiplicidade de combinações sonoras indicia, na sinalização acústica do nascimento e da morte do indivíduo, a recorrência da associação de masculino a toques de sinos de grandes dimensões, a sons graves e a badaladas longas, bem como a de feminino a toques de sinos de menores dimensões, a sons agudos e a badaladas curtas ( Va n G e n n e p , 1 9 4 3 : 1 3 5 ; 1 9 4 6 : 6 9 0 , 6 9 5 ) . N o s r e p i q u e s d e b a p t i z a d o s a e x i s t ê n c i a d e u m c a rrilhão pode permitir diferentes arranjos melódicos consoante o sexo da criança, além de (de acordo com a capacidade financeira, ou a generosidade, do padrinho) se poderem “produzir todos os tipos de variações secund á r i a s , m a i s e s p o n t â n e a s d o q u e t r a d i c i o n a i s ” ( Va n G e n nep, 1943: 135-136). Nos dobres a finados, de acordo com a posição social e e c o n ó m i c a d o f a l e c i d o , p o d e t a m b é m r e t i r a r- s e d e u m sino um som principal para umas exéquias opulentas, um som secundário para a classe média e um tilintar para os

Fi g. 7 7 – C a p e l a d e São Sebastião, Aldeia Galega, Alenquer ( P. C o s t a )

i n d i g e n t e s ( Va n G e n n e p , 1 9 4 6 : 6 9 0 ) , r e g i s t a n d o a i n d a Va n G e n n e p u m c a s o e m q u e , n a l i n g u a g e m f u n e r á r i a d o sino, os celibatários distinguem-se dos adultos em geral e são classificados acusticamente como jovens, recebendo o s m e s m o s t o q u e s q u e e s t e s ( Va n G e n n e p , 1 9 4 6 : 6 9 2 ) . Quando negada a sepultura pela Igreja, e o defunto não é reconhecido como elemento da comunidade cristã, o t o q u e d o s i n o e n c o n t r a - s e i n t e r d i t o . Pa r a o c o n t e x t o f r a n c ê s , Va n G e n n e p n o t a q u e n ã o s e d e v e m t o c a r o s s i nos para os bastardos, de modo a que o seu nascimento e b a p t i s m o p a s s e m d e s p e r c e b i d o s ( Va n G e n n e p , 1 9 4 3 : 101


136), assim como, em certos casos, não devem tocar pelos anjinhos, isto é, as crianças que morrem antes dos s e t e a n o s ( Va n G e n n e p , 1 9 4 6 : 6 9 8 ) . D e e n t r e o s r i t o s d e passagem da vida do indivíduo, que o sino marca perante a comunidade, parece ser no da morte que o sino, certamente também pelas emoções construídas em torno desse momento que pode despertar ou enfatizar na esfera do colectivo, mais se assume como instrumento do sagrado e de comunicação com o Além. Assim o revela também o conjunto de crenças em que ao sino se confere, quer o p a p e l d e i n s t r u m e n t o d e e x o r c i z a ç ã o d o s p e r i g o s d a m o rte e dos seus agentes sobrenaturais, como a de quanto maior o sino e mais dobrar a finados para mais longe fogem o Diabo e os espíritos malignos que rodeiam o morto, quer de voz pela qual se manifesta a vontade divina, como os presságios de morte pelo toque simultâneo de duas torres de igreja (vd. supra), ou quando o relógio dá horas enquanto os sinos dobram (Dias, 1990-1991: vol. III, 231). * * * No contexto da mudança das sociedades rurais e concomitante desaparecimento de muitos dos seus múltiplos saberes tradicionais, podemos incluir também, de uma forma geral, os relativos à função de sineiro, designadamente no que respeita ao domínio das codificações a c ú s t i c a s q u e a c a b a m o s d e r e f e r i r. M a s m e s m o q u a n d o tais saberes desaparecem e, com eles, as diferenciações acústicas de género, classe, etc., persiste “a valorização do sineiro como músico, capaz de ser comprado,

102

Fi g. 7 8 – Fa c h a d a da Biblioteca Municipal João Brandão, instalada no edifício da antiga prisão municipal de Tábua, e a cuja edificação popularmente se atribui o propósito do encarceramento daquele vilão/herói. Sobre a estrutura de suporte do sino, catavento com a efígie do Borda de Á g u a ( P. C o s t a ) Fi g. 7 9 – S i n o d a t o r r e d o Re l ó g i o d o Po v o e m S e v i l h a , Tábua, que, não sendo efectivamente dotado de qualquer relógio, ostenta catavento com a efígie do Borda de Á g u a ( P. C o s t a )


Fi g. 8 0 – Campanário da Igreja de São S i m ã o , Ve r m e l h a , C a d a v a l ( P. C o s t a )

ao mesmo tempo que a sua capacidade interpretativa e d e a u t o r i d a d e s ã o a s s u m i d o s p e l a c o m u n i d a d e ” ( La b a j o Va l d e s , 1 9 8 4 : 1 5 ) . Sinais de modernidade das comunidades, os relógios electromecânicos, introduzidos ainda na primeira metade do século XX, e depois os electrónicos, que passaram a controlar os sinos e os carrilhões um pouco por todo o mundo rural, concorreram de modo substancial para o desaparecimento desta arte campanária, bem como para o desaparecimento da possibilidade de avaliação, por parte do grupo, da maior ou menor excelência dos sineiros. Os sinos, agora quase indissociáveis dos relógios de torre, assumem-se como instrumentos de mensuração de u m t e m p o e m i n e n t e m e n t e c r o n o l ó g i c o e s e c u l a r, a n u n ciando automática e repetidamente, de dia como de noite, e sem necessidade de intervenção do sineiro/sacrist ã o , h o r a s , m e i a s h o r a s ( e p o r v e z e s q u a r t o s d e h o r a ) . 19 Os novos mecanismos de percussão automática dos sinos (ou de simulação das sonoridades destes) vieram ainda permitir a inclusão nos repertórios campanários de composições musicais religiosas totalmente alheias às autóctones, destinadas a ser tocadas em determinadas celebrações (dias de festa, peregrinações, etc.), previamente gravadas em cilindros, no caso dos relógios electroestáticos, ou armazenadas em bancos de memória digitais. Dispensando os códigos sonoros locais, no primeiro caso, ou reproduzindo-os sem necessidade de intervenção humana, no segundo, tais tecnologias concorreram, também elas, para além do desaparecimento dos saberes dos sineiros, para uma maior uniformização da paisagem sonora do mundo rural. 103


Fi g. 8 1 – Campanário, possivelmente do século XVI, independente do corpo da igreja da Fa t e l a , Fu n d ã o ( P. C o s t a )

7. Sonoridade, territorialidade e identidade Sendo as capacidades performativas dos sineiros avaliadas pelo modo como tocam os sinos, também assim se distinguem as povoações umas das outras, como escrev e u M i g u e l To r g a n u m d o s N o v o s C o n t o s d a M o n t a n h a , no qual o sino domina de tal modo a paisagem sonora da p o v o a ç ã o d e Vi l a l v a , a s s o l a d a p o r u m a e p i d e m i a , q u e u m dos protagonistas, debelando em casa a doença, por ele vai vigiando o mundo e sabendo, pelos dobres a finados, de quantos homens e mulheres a epidemia vai ceifando: Pe l a c o r a g e m c o m q u e p u x a v a m a c o r d a d o b a d a l o , p e l a maneira como repicavam ou dobravam, sabia-se a que t e r r a p e r t e n c i a o c a d á v e r q u e b a i x a v a à c o v a . O s d e Le i rosa, bonacheirões, pacíficos, pobres, tocavam pouco, d e v a g a r, s e m v o n t a d e e s e m b r i o . M a s j á o s d e Fe r m e n tões, espadaúdos, carreiros e jogadores de pau, homens de bigodaça e de mau vinho, davam sinais de outro modo, viril e triunfalmente. ( To r g a , 1 9 9 1 : 1 3 7 - 1 3 8 )

No plano sociológico o sino é, de facto, utilizado não apenas como instrumento de diferenciação interna de uma comunidade, distinguindo acusticamente a posição social dos seus elementos, mas também como instrumento discursivo da identidade do grupo, que se utiliza do sino e das particularidades sonoras que lhe atribuem para se distinguir das comunidades vizinhas. É o que se v e r i f i c a n u m g é n e r o p a r t i c u l a r d a l i t e r a t u r a o r a l p o p u l a r, o dos diálogos (de fundamento onomatopaico) mantidos entre sinos de diferentes comunidades, dos quais o mais r e c o r r e n t e é “ – Te m l ê n d e a s ! Te m l ê n d e a s ! … / – S e a s 104


Fi g. 8 2 – A To r r e d e Lu c a n o ( s é c u l o XIV), ostentando a réplica (ampliada) do galo de prata conquistado por Monsanto no concurso A Aldeia m a i s Po r t u g u e s a d e Po r t u g a l , e m 1 9 3 8 , promovido pelo S P N. O c o n c u r s o , com fins claros de promoção dos valores ideológicos do Estado Novo referentes à c u l t u r a p o p u l a r, destinava-se a s e l e c c i o n a r, como ícone do mundo rural tradicional, uma aldeia considerada resistente a quaisquer influências estranhas e cristalizada no estado de conservação no mais elevado grau de pureza das suas características o r i g i n a i s ( P. C o s t a )

tem, tira-las!.. Se as tem, tira-las!...”, mas com inúmeras outras versões registadas pelos levantamentos etnográfic o s u m p o u c o p o r t o d o o Pa í s . Em muitos exemplos destes diálogos (ou interpretação das vozes dos sinos), de carácter marcadamente lúdico, nos quais a sonoridade particular que se atribui a cada sino é reproduzida supostamente de modo fiel, referem-se, no entanto, a sinos de aldeias ou freguesias (ou, mais raramente, concelhos) contíguas. Nestes diálogos cada sino, e n q u a n t o r e p r e s e n t a n t e d a r e s p e c t i v a c o m u n i d a d e , i n t e rvém geralmente apenas uma vez, seguindo-se-lhe o sino da aldeia ou freguesia vizinha, que lhe responde, o contesta ou, com frequência, o injuria (“– Tão bêbedos!... Tão bêbedos!...”; “– Calões!... Calões!...”; etc.). Nesta sucessão de comentários entre sinos, cada um destes é dotado de uma sonoridade particular que o indiv i d u a l i z a e p o r e l a p a r e c e m e x p r i m i r- s e a s e s p e c i f i c i d a des do ethos da povoação que o possui, o ostenta e dele se serve para, por intermédio dessa individualidade acúst i c a , d a s u a v o z p r ó p r i a , r e s p o n d e r e a f i r m a r- s e p e r a n t e os comentários, as insinuações e as provocações das povoações próximas. A relação destes diálogos entre sinos com as relações territoriais entre comunidades vizinhas resulta, enfim, particularmente destacada quando, em v á r i o s e x e m p l o s d e s t e g é n e r o d o c a n c i o n e i r o p o p u l a r, s e percebe que o percurso narrativo dos comentários entre povoações não é aleatório mas sim coincidente com um trajecto geográfico bem definido, geralmente no sentido 105


Oeste-Norte-Este-Sul. De facto, o acompanhamento de tais diálogos com a sinalização cartográfica dos sucessivos intervenientes (sinos/povoações) permite perceber ainda como aqueles podem, inclusive, ter correspondência na configuração de círculos perfeitos num mapa de uma determinada região (Costa, Galante, 1995). O sino reveste-se, pois, de um papel identitário de particular relevância para o respectivo grupo, como o e x e m p l i f i c a m , e m p r i m e i r o l u g a r, a s p r á t i c a s d e m o b i l i zação para a sua aquisição e a negociação com o fabric a n t e d o p e s o e d a n o t a d e s e j a d o s ( La u r e n c e , 1 9 9 1 : 3 3 ) , mas também para a sua modernização, através da instalação de sistemas de amplificação sonora, assim promovendo uma projecção acústica mais eficaz da sua presença, quer no interior da comunidade quer para as comunidades vizinhas, que pelo seu som permanentemente se apercebem da existência do sino e do grupo a que este se refere (diz-se que uma comunidade é atrasada quando não tem sino ou ainda quando este toca mal). Pa r a a m a r c a ç ã o d a s u a i n d i v i d u a l i d a d e e s t é t i c a s o nora na paisagem a comunidade socorre-se não apenas da intensidade acústica do sino mas também da própria especificidade da sua sonoridade, e mesmo, como sucede no caso dos relógios electromecânicos – cujo som, propagado por altifalantes, alterou qualitativa e quantitativamente a paisagem sonora das comunidades com a sua introdução –, quando não é o som do sino da aldeia q u e s e o u v e , m a s u m s e u a v a t a r, o q u e p a r e c e i m p o r t a r, todavia, é que ele chegue mais além. 106

Fi g. 8 3 – I g r e j a Matriz de Cabanas d e To r r e s , A l e n q u e r ( P. C o s t a ) Fi g. 8 4 – Po r m e n o r d a To r r e d a s Cabaças, antiga To r r e - Re l ó g i o filipina de Santarém, cuja requalificação constituiu o pretexto para a constituição do Núcleo Museológico d o Te m p o d o M u s e u Municipal. Sobre a estrutura de suporte do sino, as oito cabaças, em cerâmica, para amplificação do som d a q u e l e ( P. C o s t a )


Notas 1 O p r e s e n t e a r t i g o c o n s t i t u i u m a v e r s ã o r e v i s t a e a m p l i a d a d e O S i n o : Vo z d a A l d e i a , Vo z d e D e u s , p u b l i c a d o o r i g i n a l m e n t e n a Re v i s t a S í t i o s e M e m ó r i a s ( I I / S, n . o s 3 e 4 ) , e m 1 9 9 7 . A q u i r e g i s t o o d e v i d o a g r a d e c i m e n t o a J o a q u i m Pa i s d e B r i t o e a Lu í s S e b a s t i a n p e l a l e i t u r a a t e n t a daquela primeira versão, de que o texto agora publicado beneficiou. Agradeço ainda ao Museu Nacional de Etnologia, pela gentil cedência de imagem do arquivo MNE/CEE. 2

É, de facto, ao campanário (ou à torre sineira) da igreja, em que se instala a partir do século VI, e ao seu uso cerimonial pelo Cristianismo que o sino está mais fortemente associado e, no tipo de sinos que desempenham esta função, desde os séculos XIII ou XIV que a sua forma e técnicas de fabrico se encontram estabilizadas. Assim o entende, por exemplo, Jacques Nicourt, que, cruzando dados arqueológicos, levantamento das técnicas usadas contemporaneamente e vários tipos de registos escritos relativos ao seu fabrico, conclui que a evolução de técnicas a que se assiste entre os séculos XII e XIV se prende com o início da produção de sinos de grandes dimensões e que a sua posterior permanência se deve, por um lado, à ausência de estruturas corporativas entre os fabricantes de sinos e, por outro, aos seus modos de transmissão dos saberes e seus segredos, que se efectuavam oralmente, de pais para filhos (Nicourt, 1971: 78). Pi e r r e La u r e n c e m o s t r a , p o r é m , p a r a u m c a s o r e c e n t e e m Fr a n ç a , c o m o u m a o f i c i n a f a m i l i a r q u e em inícios deste século produzia chocalhos para gado, em chapa batida, passou, a partir dos anos 30, a fabricar sinos, tendo as técnicas implicadas por esta nova produção sido obtidas pela aquisição de um manual de fundição de sinos elaborado por monges Beneditinos e pela i m p o r t a ç ã o d e s a b e r e s d a A l e m a n h a ( La u r e n c e , 1 9 9 1 : 3 0 ) .

3

E s t e t í t u l o , d a a u t o r i a d o Pe . J o s é A n t ó n i o Pi n h e i r o e Ro s a , c o n s i s t e n u m p o r m e n o r i z a d o i n v e n tário (identificando as dimensões, inscrições e datas de fabrico) dos sinos (e dos campanários e m q u e e s t e s s e i n t e g r a m ) d a e n t ã o Pr o v í n c i a d o A l g a r v e , c o n t e x t u a l i z a n d o - o s t a m b é m , s e m p r e q u e p o s s í v e l , a p a r t i r d e d o c u m e n t o s c o m o C o n s t i t u i ç õ e s d o B i s p a d o , r e l a t ó r i o s d e Vi s i t a ç õ e s e A r q u i v o s Pa r o q u i a i s .

4

I n f o r m a ç ã o d e B e n j a m i m Pe r e i r a ( 2 0 0 4 ) . D e e n t r e o c o n j u n t o d e m o t i v o s q u e j u s t i f i c a r ã o a exclusão do sino de torre da categoria dos instrumentos musicais populares portugueses apontamos o facto de o seu fabrico se encontrar na esfera da indústria metalúrgica e não, ao cont r á r i o d o s c h o c a l h o s ( v d . Pi n h e i r o , s / d ; C a s q u e i r a , 2 0 0 1 ) , p o r e x e m p l o , e n t r e o s p r o c e s s o s d e f a b r i c o d e s e n v o l v i d o s p e l a s c o m u n i d a d e s l o c a i s , à e s c a l a d a s p r ó p r i a s n e c e s s i d a d e s . Po s i ç ã o d i v e r s a é , c o m o v e r e m o s , a d e A r n o l d Va n G e n n e p .

5

Alberto Vieira Braga escreve, em 1936, que este costume teria desaparecido “há meio século” (Braga, 1936: 33). Contudo, Jorge Dias refere-o para o presente etnográfico em Rio de Onor e a c r e s c e n t a q u e “ e s t e c o s t u m e t e m p o u c o s a n o s e f o i i m p o r t a d o d o s l a d o s d e Vi n h a i s , o n d e é tradicional” (Dias, 1984: 165).

6

Entre nós, esta data é assinalada com a colocação de cruzes de flores nos campos, com a feitura de efígies com matérias vegetais que tomam o nome do mês ou, ainda, com o consumo ritual de castanhas para afastar a fome, doenças e entidades malignas (o burro, etc.).

7

Neste género de ritos, o pai participa simbolicamente no nascimento da criança, podendo m i m e t i z a r a s d o r e s e a s c o n t o r ç õ e s d a m ã e , o u , n o u t r o s c a s o s , d e i t a r- s e , a p ó s o p a r t o , j u n t o d o f i l h o r e c é m - n a s c i d o , p a r a o c h o c a r ( c o u v e r, e m f r a n c ê s ) , a í r e c e b e n d o a s a t e n ç õ e s e f e l i c i tações que se dirigem à mãe.

8

É n e s t a i n v o c a ç ã o q u e C a r l o s A l b e r t o Fe r r e i r a d e A l m e i d a f u n d a m e n t a a l ó g i c a d o r i t u a l ( A l meida, 1966: 357-358).

9

“ N a d a m a i s l e g i s l a o C ó d i g o s ô b r e s i n o s a n ã o s e r a p r o i b i ç ã o d e o s t o c a r n o t e m p o d e i n t e rd i t o l o c a l g e r a l , e x c e p t o n o s d i a s d e N a t a l , P á s c o a , Pe n t e c o s t e s , C o r p o d e D e u s e A s s u n ç ã o d e Nossa Senhora, em que o interdito se suspende por direito.[…] É ainda em virtude de prescrições desse livro litúrgico [Cerimonial dos Bispos], do Missal ou do Ritual, que no último tríduo d a s e m a n a s a n t a n ã o s e p o d e m t o c a r. O ú l t i m o t o q u e é f e i t o a o G l o r i a d e q u i n t a f e i r a s a n t a e só se torna a tocar ao Gloria de Sábado de Aleluia, em que todas as igrejas devem esperar que a m a i s d i g n a d o l o g a r d ê o s i n a l p a r a f a z e r e m o u v i r o s s e u s s i n o s ” ( Ro s a , 1 9 4 7 : 1 8 ) .

10 U m a d e s t a s c i r c u n s t â n c i a s , o c o r r i d a n a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o X V I I I , e n c o n t r a - s e , n a m e m ó r i a c o l e c t i v a d e Fe r r a g u d o , a t e s t a d a p e l a p r ó p r i a s i n e t a d o n a v i o o f e r e c i d a p e l o r e s p e c t i v o

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capitão à igreja desta povoação, em sinal de reconhecimento pelo salvamento da tempestade ( Ro s a , 1 9 4 7 : 8 5 ) . 11 A c e r c a d a p o s s i b i l i d a d e d e i r r u p ç ã o d e d e s o r d e m n o t e c i d o s o c i a l d e c o r r e n t e d a d e s c o b e r t a d o s t e s o u r o s , v d . B r i t o , 1 9 9 2 , e Pr o v a n s a l , 1 9 9 5 . 12

Pa r a u m a d e s c r i ç ã o p o r m e n o r i z a d a d a s c o m p o n e n t e s d e s t e r i t u a l , v d . Ro s a , 1 9 4 7 : 1 1 - 1 6 .

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Ta l c o m o e m m u i t o s o u t r o s c o n t e x t o s c u l t u r a i s , t a m b é m a s t é c n i c a s m e t a l ú r g i c a s o c i d e n t a i s relativas à produção de sinos se revestem, no plano simbólico, de um carácter obstétrico (Eliade, 1956). 14 M a s t a m b é m , d e p o i s d e s u b i d o a o c a m p a n á r i o , d a s c a r a c t e r í s t i c a s a r q u i t e c t ó n i c a s d e s t e e do espaço envolvente do respectivo edifício. 15 É n e s t a f a s e f i n a l q u e a p r o d u ç ã o d o s i n o t r a n s i t a d o d o m í n i o m e t a l ú r g i c o p a r a o d a s t é c n i c a s e s a b e r e s p r ó p r i o s d a a c ú s t i c a ( La u r e n c e , 1 9 9 1 ) . 16 E m d e t e r m i n a d o s m i t o s r e f e r e n t e s à f u n d i ç ã o d e s i n o s , o p r ó p r i o s u c e s s o d e s t a o p e r a ç ã o requer mesmo a realização de um sacrifício, animal ou humano (Sachs, 1940: 170-171). 1 7 E m Fr a n ç a , p a r a d a r a p a l a v r a a o s i n o , c o m o s e d e s i g n a v a e s t a p r á t i c a n a t r a d i ç ã o m e d i e v a l , são ainda os padrinhos que, juntamente com o padre, devem tocá-lo três vezes depois de finda a c e r i m ó n i a d o s e u b a p t i s m o ( C u i s e n i e r, 1 9 8 0 : 3 8 - 3 9 ) . 1 8 Ta i s d e s i g n a ç õ e s e , s o b r e t u d o , a p r ó p r i a d i v e r s i d a d e d e t o q u e s , c o n h e c e m e m Po r t u g a l v a riações regionais que carecem ainda de ser cartografadas, e que poderiam sê-lo, por exemplo, numa primeira fase, a partir das recolhas efectuadas pelas empresas de produção de sinos que mantêm bancos de dados digitais dos toques específicos realizados nas comunidades para as quais fornecem sinos. 19 D e s d e c e d o , p o r é m , o s i n e i r o , p e l o m e n o s n o s t e m p l o s d e m a i o r i m p o r t â n c i a , r e c o r r i a a o relógio com vista à regulação dos momentos de soar o sino. Num destes casos, identificado e m Vo z e s d e B r o n z e … p a r a 1 7 0 2 , o s i n e i r o d e v e r i a u t i l i z a r u m “r e l ó g i o d e a r e i a p a r a c o r r e r a h o r a d e Pr i m a” ( Ro s a , 1 9 4 7 : 4 2 ) .

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Santuårio de Nossa Senhora do Castelo de Coruche ( P. M a r t i n s ; M u s e u M u n i c i p a l d e C o r u c h e Š )


C a b r a d a To r r e d a U n i v e r s i d a d e d e C o i m b r a , f u n d i d a e m 1 7 4 1 p o r J o a n n e s Fe r r e i r a L i m a , d e B r a g a , r e f u n d i d a e m 1 9 0 0 p e l o s s e u s s u c e s s o r e s e r e m o v i d a e m 1 9 5 2 p o r q u e b r a ( P. M a r t i n s © )


C A P Í T U LO I I I G LO S S Á R I O T E R M I N O L Ó G I C O E L E M E N TA R N A F U N D I Ç Ã O S I N E I R A

1. Introdução A fundição artesanal de sinos, mesmo nas suas diferentes fases iniciais, constitui já uma actividade industrial complexa no sentido técnico e, logo, terminológico. Consequentemente, o primeiro contacto com este tema implica o reconhecimento e acepção de uma vasta terminologia técnica específica, justificando-se como vantajos a a e l a b o r a ç ã o d e u m g l o s s á r i o a u x i l i a r. Vindo ao encontro desta necessidade, o presente trabalho não aspira, no entanto, a assumir um lugar de referência terminológica, mas apenas a criar esse espaço, esperando contribuir com este modesto esforço para a simplificação do domínio vocabular e técnico essencial à correcta compreensão desta matéria. No actual panorama de investigação internacional, crescentemente caracterizado pelo multinacionalismo do discurso científico em que se sublinha a interacção dos diferentes agentes culturais e científicos europeus, entendemos como indispensável a introdução da correspondência dos termos definidos em formato bilingue, elegendo para o efeito o castelhano, dada a proximidad e c u l t u r a l e n c o n t r a r, t a m b é m a q u i , r e f l e x o s a o n í v e l d a sua evolução histórica e tecnológica, impondo por isso que o estudo desta matéria seja sempre equacionado em termos peninsulares. A q u a n d o d a i m p o s s i b i l i d a d e d e i d e n t i f i c a ç ã o d e t e rmos correspondentes, optou-se simplesmente pela sua omissão. 111


2 . Te r m i n o l o g i a Aduela (ladrilho de chaflan, pie e chaflan al reves) – E l e m e n t o s e m a r g i l a c r u a , d e s e c ç ã o s e m i c i r c u l a r, d e e s pessura variável de acordo com a dimensão do molde, int e g r a d o s n a c o n s t r u ç ã o d o m a c h o d e f o r m a a c o n f e r i r- l h e maior consistência e estabilidade durante o processo de modelação. É produzido propositadamente para o efeito, normalmente recorrendo-se a uma caixa de madeira sem fundo para produzir numa primeira fase um tijolo maciço, seguidamente seccionado na forma pretendida com auxíl i o d e u m a l â m i n a s e m i c i r c u l a r. Antoninho – Estaca de madeira, com cerca de 50cm, cuja extremidade inferior é afiada e envolta em fio de sisal e mergulhada numa pasta de cinza e água, seca nat u r a l m e n t e a o a r, f o r m a n d o u m r e v e s t i m e n t o r e f r a c t á r i o resistente ao contacto com o bronze fundido. É utilizado para tapar os gitos no momento do vazamento do bronze para o canal, dando-se a passagem para o interior do molde através da sua rápida remoção. Argila (arcilla) – Material sedimentar de grão muito fino (inferior a 0,005mm) e que é uma rocha constituída essencialmente por silicatos de alumínio hidratados; terra de composição variável que forma pasta com a água, se molda facilmente e endurece ao fogo; constituinte base empregue na feitura das diversas partes do molde do sino, na construção dos fornos de fundição e, geralmente, na estruturação interior de fossos de fundição abertos na terra, caso em que é normalmente utilizada como ligamento entre pedras. O mesmo que barro. Armadura (bóveda de horno) – A estrutura maciça que compõe o forno de fundição, interiormente revestida pela camisa. Asa (asas) – Elemento do sino através do qual este é fixado ao cabeçalho. É composta pelos cotos e pelo padrão central. Asa singela – Asa composta por dois cotos. Asa dobrada – Asa composta por seis cotos. Badaleira (embrilla o anilla) – Elemento de ferro; g e n e r i c a m e n t e d e f o r m a a n e l a r, i n s e r i d o n o c o r p o d e bronze do sino aquando da sua fundição, centralmente 112


p o s i c i o n a d o n o s e u i n t e r i o r, a o q u a l é f i x a d o o b a d a l o através de tiras de pele ou tendões de animal. B a d a l o ( b a d a j o ) – Pe ç a , g e r a l m e n t e d e f e r r o q u e , suspensa da badaleira do sino, o faz soar por percussão. Existem três tipos de badalos: o badalo de forquilha, fixo através de tiras de pele ou tendões de animal, o badalo de gancho, que se ferra em quente à badaleira, e o badalo de martelo que, assumindo esta forma, faz vibrar o sino percutindo o lado exterior do bronze. Barriga (panza) – Zona côncava, correspondente à curvatura do perfil do sino, situada entre o ombro e o bordo.

Fi g. 8 5 – To r n o d e modelação vertical ( J. L . M a d e i r a )

Barro – O mesmo que argila. Beiça (diente) – Extremidade do bordo do sino. O mesmo que dente. Boca (boca) – Designação correspondente à abertura inferior do sino, delimitada pelo dente ou beiça. Boca de carga de combustível (puerta de alimentación de la leña) – Acesso à câmara de combustão do forno de fundição, através do qual o combustível é introduzido. Boca de carga de metal (puerta de carga) – Acesso à câmara de fundição do forno, através do qual o metal é introduzido. Boca de descarga das cinzas (deposito de escoria o foso de cenicero) – Acesso ao cinzeiro do forno de fundição, através do qual a cinza é removida. 113


Bolo – Designação referente a um elemento discóide, c o n c e b i d o e m a r g i l a c r u a s e c a a o a r, c o r t a d o e m d u a s m e t a d e s i g u a i s d e c o n f i g u r a ç ã o s e m i c i r c u l a r, e m p r e g u e s no fecho superior do macho, recebendo ao centro a cesta e servindo-lhe de apoio. As duas metades são fixas entre si e ao macho através de uma cinta de arame. Bordo (punto o borde) – Zona inferior do perfil do sino, correspondente ao seu maior diâmetro e espessamento, situada abaixo da barriga. Bronze (bronce) – Liga metálica que inclui o cobre e o estanho à proporção aproximada de 78% e 22% respectivamente, atingindo o ponto de fusão a cerca de 900ºC. Cabeçalho (yugo) – Elemento fixado ao sino através da asa deste, elaborado exclusivamente em madeira ou madeira e pedra, de forma variada, decorado ou não, que constitui o contrapeso necessário à oscilação do sino. C a d i n h o ( c r i s o l ) – Re c i p i e n t e e m q u e s e f u n d e m metais. Cadinho – O mesmo que soleira. C a l h a ( c a n a l d e c o l a d a ) – Pe ç a c o n s t i t u í d a p o r u m ou mais elementos articulados, geralmente de secção de meia cana, que conduz o metal da boca de descarga da câmara de fundição do forno à(s) boca(s) de carga do(s) molde(s) aterrado(s) no interior do fosso de fundição, directamente ou através de um canal, múltiplo ou único. Câmara de combustão (hogar) – Câmara do forno de fundição onde se dá a combustão. Geralmente situado sobre o cinzeiro, possui um ou mais acessos através dos quais é introduzido o combustível. Inferiormente é composto por uma grelha, através da qual a cinza acede ao cinzeiro e se estabelece o constante afluxo de ar necessário à combustão. O mesmo que fornalha. Câmara de fundição (cámara de fundición) – Câmara do forno de fundição onde o metal é depositado e se dá a sua fundição através da elevada temperatura i n t r o d u z i d a a p a r t i r d a c â m a r a d e c o m b u s t ã o . Po s s u i u m a ou mais bocas de carga para introdução do metal, acessos através dos quais este é revolvido e, superiormente, uma ou mais chaminés. C a m i s a ( e n l u c i d o ) – Re v e s t i m e n t o i n t e r n o d o f o r n o de fundição, geralmente obtida através de uma camada de argila de espessura variável. 114


Fi g. 8 6 – M o l d e d e um sino ( J. L . M a d e i r a )

Camisa (camisa) – O mesmo que falso sino. Canal (canal de fundición) – Comunicação mais ou menos estreita e alongada, geralmente construída sobre o solo com recurso a tijolos e argila, com que, através da adequada pendente e dos ramais necessários, direcciona e distribui o metal, que da boca de descarga da câmara de fundição do forno, passando pela calha, atinge aqui a boca de carga (gito ou gitagem) do(s) molde(s) do(s) sino(s) aterrado(s) no interior do fosso de fundição. Capa (capa) – Designação da moldação exterior do molde cujo contorno interior corresponde ao negativo do perfil exterior do sino. Geralmente obtida misturando materiais fibrosos à argila para lhe conferir maior resistência, pode por último ser envolvida em grossas cordas ou em aros de ferro. C a r i m b o ( p l a n t i l l a ) – Pe ç a , g e r a l m e n t e e m m a d e i r a , onde se encontram gravados em negativo os motivos decorativos, letras e números, através da qual se imprime em cera a decoração a aplicar sobre o falso sino. Cera (cera) – Designação genérica a substâncias gordurosas de origem animal e vegetal de características plásticas reactivas a alterações de temperatura. O mesmo que sebo. C é r c e a ( t e r r a j a ) – Pe ç a , g e r a l m e n t e e m m a d e i r a , c o m ou sem lâmina metálica, onde o perfil exterior ou interior do sino se encontra recortado e que, girando em torno do eixo ao qual é acoplada, transmite ao macho ou ao falso sino o contorno desejado. 115


C e s t a ( c r u z o b a r r e t a ) – Pe ç a d e f e r r o q u e f i x a o e i x o à coluna permitindo que este gire aquando da elaboração do molde do sino. O mesmo que cruzeta. Chaminé (chimenea) – Abertura de evacuação, geralmente na parte superior da câmara de fundição do forno, com ou sem prolongamento, para condução de gases. Chumaceira – O mesmo que mancal. Cinzeiro (cenicero) – Câmara do forno de fundição, geralmente situada sob a câmara de combustão, onde se acumulam as cinzas daí resultantes através da grelha que as divide e sobre a qual o combustível é consumido. Po s s u i u m o u m a i s a c e s s o s a t r a v é s d o s q u a i s a c i n z a é removida e o afluxo de ar à câmara de combustão se estabelece. Coluna (baston) – Estaca de madeira, cravada verticalmente no solo, no topo da qual é fixada a cesta, onde o eixo e, consequentemente, a cércea giram, aquando da elaboração do molde do sino. Cordão (cordón) – Elemento essencialmente decorativo, de secção variada e disposto na horizontal, podendo desempenhar um relativo papel de reforço estrutural do sino. É o resultado directo do correspondente entalhe e l a b o r a d o n a c é r c e a , r e s p o n s á v e l p e l a d e f i n i ç ã o d o p e rfil do sino. Coto (brazos) – Elemento individual que constitui a asa do sino. Geralmente em número de dois (asa singela) ou seis (asa dobrada), consoante a dimensão do sino, assumem diversas secções, podendo mesmo ostentar decoração e/ou inscrições. Cova de fundição – O mesmo que fosso de fundição. Cozedura (recocido o estufado) – Designação atribuída à cozedura final da moldação do sino, sineta ou asa, realizada geralmente pela combustão de lenha ou carvão. Cruzeta (cruz o barreta) – O mesmo que cesta. Cúpula (bóveda) – Cobertura superior da câmara de combustão do forno de revérbero, abobadada e semicónica, direccionando o calor aí produzido para a câmara de fundição. Custódia (custódia) – Objecto do culto católico no qual se expõe à adoração dos fiéis a hóstia consagrada. 116


A sua representação como elemento central é muito vulgar na decoração de sinos. Dente (diente) – O mesmo que beiça. E i xo ( p e o n o e j e ) – Pe ç a d e f e r r o e m f o r m a d e D , à qual é acoplada a cércea, permitindo a sua rotação aquando da elaboração do molde do sino. A extremidade inferior do seu eixo, pontiaguda, encaixa na cesta e a s u a e x t r e m i d a d e s u p e r i o r, d e s e c ç ã o c i r c u l a r, e n c a i x a no mancal. Estilete (estilete) – Instrumento de ferro, de forma alongada, pontiagudo, de secção circular ou quadrangul a r, u t i l i z a d o e m t r a b a l h o s d e p o r m e n o r, c o m o r e t o q u e s ao nível da modelação do falso sino ou dos elementos decorativos em cera. Falso sino (falsa campana) – Designação do elemento do molde que corresponde exactamente ao sino a fund i r. G e r a l m e n t e m o d e l a d o e m a r g i l a f i n a , r e c e b e a d e c o ração previamente concebida em cera. Após a cozedura do molde, a capa é cuidadosamente removida e o falso sino destruído, permanecendo assim o espaço correspondente à fundição do sino em si. O mesmo que camisa. Fornalha – O mesmo que câmara de combustão. F o r n o d e r e v é r b e r o ( h o r n o d e r e v e r b e r o ) – Fo r n o destinado a produzir elevadas temperaturas, que age de f o r m a i n d i r e c t a s o b r e a s u b s t â n c i a a a q u e c e r p o r r e v e rberação, dando-se a combustão em câmara separada à de fundição, sem que esta se misture com os gases daí resultantes, permitindo ainda aumentar ou diminuir o g r a u d e c a l o r a t r a v é s d a m a i o r o u m e n o r e n t r a d a d e a r.

Fi g. 8 7 – Fo r n o d e revérbero e fosso de fundição ( J. L . M a d e i r a ) 117


Fosso de fundição (hoyo, fosa o foso de fundición) – Designação genérica para a abertura realizada no solo, estruturada interiormente ou não, na qual é colocado o m o l d e , j á c o z i d o o u p a r a c o z e r, s e n d o s e g u i d a m e n t e aterrado de forma a melhor suportar a pressão da descarga do bronze. O mesmo que cova de fundição. Fu n d i ç ã o ( f u n d i c i ó n ) – A c t o o u e f e i t o d e f u n d i r. Fu n d i ç ã o ( f u n d i c i ó n ) – F á b r i c a o u o f i c i n a d e f u n d i r. Fu n d i d o r ( c a m p a n e r o ) – A q u e l e q u e f u n d e . O m e s m o que sineiro. Fu n i l ( e m b u d o ) – U t e n s í l i o c ó n i c o d e m e t a l u t i l i z a d o no transvasamento do bronze, como por exemplo no enchimento do molde de pequenas sinetas. Grelha (ladrillos de pilar) – Conjunto de tijolos maciços, dispostos circularmente na vertical e pouco espaçados entre si, fixados ao solo com barro e sobre os quais se eleva o molde durante a moldação. Ocupando o espaço entre o solo e o percurso rotativo da cércea, define a zona de combustão para secagem da moldação. Gitagem – O mesmo que gito. G i t o ( e m b u d o d e c o l a d a , b e b e d o r o b e b e d e r o ) – Pe rfuração efectuada na moldação da asa e prolongada, ou não, por canal moldado em argila, através do qual se dá a introdução do metal no interior do molde. O mesmo que gitagem. G r e l h a ( p a r r i l l a ) – Fu n d o g r a d e a d o , o u p e r f u r a d o , constituindo a base da câmara de combustão do forno de fundição, sobre a qual o combustível é consumido, a cinza acede ao cinzeiro e se estabelece o constante afluxo de ar necessário à combustão. L a d r i l h o ( l a d r i l h o s d e m u e l a ) – Ti j o l o m a c i ç o , d e u s o comum ou especificamente produzido para o efeito, recto o u s e m i c i r c u l a r, u t i l i z a d o n a c o n s t i t u i ç ã o d a m ó . Lisa (lisa o lis) – Designação atribuída ao barro aplicado directamente sobre o falso sino, correspondendo à primeira camada constituinte da capa e responsável por reproduzir em negativo toda a decoração elaborada em cera e aplicada sobre o falso sino, caracterizando-se em termos genéricos por uma granulometria extremamente fina e grande plasticidade, conseguida pela adição de uma maior quantidade de água e, comummente, de claras de ovos. 118


Macho (macho) – Designação da moldação interior do molde cujo contorno exterior corresponde ao negativo do contorno interior do sino. Maço (macho) – Instrumento de madeira, composto p o r u m p a r a l e l e p í p e d o , e n c a b a d o a o m e i o p o r c a b o c u rt o d e s e c ç ã o c i r c u l a r, d e u s o s i m i l a r a o d o m a r t e l o . M a n c a l ( t a r e s t a ) – Pe ç a , g e r a l m e n t e e m m a d e i r a , fixa na horizontal por cima do local de modelação do sino, à qual é fixada a extremidade superior do eixo, permitindo a sua rotação entre o mancal e a cesta. O mesmo que chumaceira. Mó (zocalo o muela) – Base do molde, constituída por tijolos maciços denominados ladrilhos, de uso comum ou especificamente produzidos para o efeito, ass u m i n d o u m a c o n f i g u r a ç ã o r e c t a o u s e m i c i r c u l a r. E s t á estruturalmente na continuação do macho do molde, assumindo contudo o diâmetro necessário para abranger inferiormente todo o molde. Moldação – O mesmo que molde. Molde (molde) – Moldação concebida com diferentes argilas, ajustadas a cada fase da concepção, constituída essencialmente por três elementos: o macho, ou moldação interior correspondente ao negativo do contorno interior do sino; a capa, ou moldação exterior do molde cujo contorno interior corresponde ao negativo do perfil exterior do sino; e o falso sino ou camisa, correspondente ao sino a fundir e podendo ser concebido totalmente em cera, segundo o método medieval descrito pelo monge Theophilus d e c e r a p e r d i d a , o u e m a r g i l a , s e g u n d o o m é t o d o m o d e rno e contemporâneo. O mesmo que moldação. M u r o ( a l t i l l o o e s c u d i l l o ) – Re b o r d o , m a i s o u m e n o s sobrelevado, que divide a soleira, ou cadinho, da câmara de fundição, da câmara de combustão do forno. Ombro (vuelta de hombros) – Zona convexa correspondente à curvatura superior do perfil do sino. Pa d r ã o – E l e m e n t o c e n t r a l d a a s a , a o q u a l s e j u n t a m superiormente os cotos da asa. Pe r f i l ( p e r f i l ) – D e s i g n a ç ã o e s p e c í f i c a d o c o n t o r n o ou delineação exterior do sino, resultado morfológico directo da cércea empregue na modelação. Pr a t o ( c o r o n i l l a e c a s q u e t e ) – Z o n a d e r e f o r ç o p o s i cionado entre a asa e o sino. 119


Fi g. 8 8 – E l e m e n t o s do perfil de um sino ( J. L . M a d e i r a )

Pr a t o – D e s i g n a ç ã o r e f e r e n t e a u m e l e m e n t o d i s c ó i d e , c o n c e b i d o e m a r g i l a c r u a s e c a a o a r, c o r t a d o e m quatro quadrantes de igual configuração, empregues no fecho superior do macho, recebendo ao centro a cesta e servindo-lhe de apoio. As quatro partes são fixas entre si e ao macho através de uma cinta de arame. Pi s ã o ( p i s ó n ) – Pe q u e n o m a ç o d e m a d e i r a , e m p r e g u e para amassar e misturar o barro utilizado no molde, bem como na compactação da terra da cova de fundição. Re n d i l h a s ( c e n e s a ) – E l e m e n t o d e c o r a t i v o p r o f u s a mente utilizado na decoração de sinos e sinetas, disposto em bandas horizontais cuja ordem se conjuga com a dos cordões. São concebidas em cera, obtidas através de carimbos em madeira e aplicadas sobre o falso sino. Re s p i r o ( r e s p i r o o r e s p i r a d e r o ) – Pe r f u r a ç ã o e f e c t u a da na moldação da asa, prolongada por canal moldado em argila, através do qual se dá a evacuação do ar e gases do interior do molde aquando do seu enchimento. O mesmo que suspiro. Ro l h o ( t a p o n ) – Pe q u e n a p e ç a d e c e r â m i c a , n o r m a l mente conseguida a partir de um fragmento de telha, t a l h a d a e m f o r m a c i r c u l a r, u t i l i z a d a p a r a t a p a r o g i t o n o momento da cozedura do canal. Sebo – O mesmo que cera. S e c a g e m ( e n j u g a r ) – D e s i g n a ç ã o a t r i b u í d a à s d i v e rsas secagens, efectuadas em diferentes fases durante a realização do molde do sino, executadas geralmente pela combustão de lenha no interior do macho. Sineiro (campanero) – Aquele que funde. O mesmo q u e f u n d i d o r. 120


Sineiro – Aquele que toca o sino. Sineta (campanillo, cimbalillo, campanilla, campaneta) – Sino de pequenas proporções. S i n e t e ( p l a n t i l l a d e s e l l o ) – Pe ç a , g e r a l m e n t e e m m a deira, onde se encontra gravada em negativo a identific a ç ã o d o f u n d i d o r, a t r a v é s d a q u a l s e o b t é m o p o s i t i v o em cera a aplicar no falso sino. Sinete (sello) – Marca identificativa do fundidor e/ou fundição, impressa em relevo, geralmente posicionada na área inferior da barriga do sino virada ao interior do campanário, enquadrando-se normalmente a inscrição numa cartela aproximadamente oval. Sino (campana) – Instrumento, geralmente de bronze, em forma de campânula, que produz sons mais ou menos fortes quando percutido. Soleira (suela o lecho de fundición) – A parte inferior da câmara de combustão onde o metal repousa aquando da sua fundição. O mesmo que cadinho. Suspiro (suspiral) – O mesmo que respiro. Te n a z ( t e n a z a ) – I n s t r u m e n t o d e f e r r o , c o m p o s t o p o r duas peças cruzadas, móveis em torno de um eixo, cujas extremidades se ajustam de forma a apreender outros objectos. Quando empregues na fundição de metais assumem comprimentos relativamente superiores ao comum noutras actividades, ajustando-se ao manuseamento de materiais a altas temperaturas. T i r a n t e – Pe ç a d e f e r r o , a p l i c a d a g e r a l m e n t e e m n ú mero de quatro, de forma aproximadamente anelar que, f i x a d a à c a p a d o m o l d e , s e d e s t a c a o s u f i c i e n t e p a r a p e rmitir a suspensão desta aquando da extracção do falso sino, utilizando-se para isso cordas ou correntes.

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Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a ( P. M a r t i n s ; I g e s p a r © )


C A P Í T U LO I V D E C A M PA N I S F U N D E N T I S : A FUNDIÇÃO DE SINOS N A O B R A D E T H E O P H I L U S LO M B A R D I C U S

1. Introdução No sentido de divulgar e disponibilizar aquele que será, com toda a certeza, o documento mais importante para o conhecimento das técnicas de fundição sineira no período medieval, propusemo-nos realizar uma abordagem despretensiosa e directa ao seu conteúdo, procurando com este pequeno esforço contribuir para a sua acessibilidade através de um texto simples, que explane o essencial dos métodos e técnicas expostos na obra de Theophilus. Não pretendendo, nem podendo, aspirar a apresentar uma tradução do texto original, limitamo-nos a fazer uma recolha do essencial da informação de cariz técnico, pondo de parte as complexas questões que uma tradução e suas normas colocariam. Assim, para a caracterização do método de fundição exposto por Theophilus no seu tratado De Diversis A r t i b u s , L i v r o I I I , c a p í t u l o L X X X V, D e C a m p a n i s Fu n d e n t i s , s o c o r r e m o - n o s p r i n c i p a l m e n t e d o t e x t o d e J o h n G. Hawthorne e Cyril Stanley Smith, Theophilus, on Divers A r t s , t h e Fo r e m o s t M e d i e v a l Tr e a t i s e o n Pa i n t i n g, G l a s s Making and Metalwork, na sua reedição de 1979 pela D o v e r Pu b l i c a t i o n s , I n c . , d e N o v a I o r q u e , r e v i s t a d o o r i g i n a l d e 1 9 6 3 p e l a T h e U n i v e r s i t y o f C h i c a g o Pr e s s , a o qual contrapusemos ainda o texto, de Santiago Ibañez L l u c h e d e S a l v a d o r-A r t e m i M o l l á i A l c a ñ i z , La Fu n d i c i ó n d e C a m p a n a s e n l a O b r a d e Te ó f i l o Lo m b a r d o “ D e D i v e rs i s A r t i b u s L i b r i I I I ” , t e n d o p o r b a s e a e d i ç ã o d e Ro b e r t H e n d r i e , T h e o p h i l i q u i e t Ru g e r u s Pr e s b y t e r i e t M o n a c h i : Libri III de Diversis Artibus seu Diversarum Artium Sched u l a , Lo n d i n i , J o h a n n e s M u r r a y, 1 8 4 7 . 123


À semelhança dos autores que nos precederam e dado o t e x t o o r i g i n a l d e i x a r e m a b e r t o a l g u m a s q u e s t õ e s f o rmais e funcionais, por lapso de Theophilus ou por perca de informação nas sucessivas cópias e transcrições, vimo-nos forçados à resolução de pormenores técnicos não totalmente esclarecidos e essenciais à compreensão do processo, colmatando hiatos com informação de origem arqueológica e etnográfica, sempre devidamente assinalada, onde se destaca a análise comparativa realizada entre os dados bibliográficos e a experiência artesanal a i n d a e x i s t e n t e n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a e n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o . 2. O autor e a obra Se bem que se tenham poucas certezas em relação à figura de Theophilus, este parece ter sido um nome rel i g i o s o a d o p t a d o p o r a l g u é m c h a m a d o Ro g e r u s , m o n g e beneditino que viveu provavelmente entre os séculos XI e XII e a que comummente se atribui a proveniência da Lo m b a r d i a , d e v i d o a o t í t u l o d e Tr a c t a d u s Lo m b a r d i c u s do manuscrito da obra preservado na University Library of Cambridge. Além deste manuscrito, datado do século XIII e do q u a l o B r i t i s h M u s e u m p o s s u i c ó p i a , o Tr i n i t y C o l l e g e Library of Cambridge possui ainda um outro exemplar do mesmo século. A National Bibliothek de Viena detém um exemplar dos finais do século XII, princípios do século X I I I , d o q u a l s e f e z c ó p i a c e r c a d o s é c u l o X I V, p o s s u í d o p e l a B i b l i o t e c a N a c i o n a l d e Pa r i s , e n o v a m e n t e n o s é c u l o X V I I , p r e s e n t e m e n t e e m Ve n e z a . A m a i s a n t i g a c i t a ç ã o que se conhece a esta obra surge já nos princípios do s é c u l o X I V, n o t e x t o d o Pa p a J o ã o X X I I , Lu m e n A n i m a e . A primeira edição impressa foi a do alemão Matthias Fa r i n a t o r, e m 1 4 7 7 . E m 1 7 7 6 J a c o p o M o r e l l i p u b l i c a e m Ve n e z a a s u a a n á l i s e d a o b r a e m C o d i c e s M a n u s c r i p t i La t i n i B i b l i o t h e c a e N a n i a n a e , s e g u i d a p e l o c o m p ê n d i o d e Ra s p e , e m 1 7 8 1 , A C r i t i c a l E s s a y o n O i l - Pa i n t i n g, “ D i v e r s a r u m A r t i u m S c h e d u l a” , p u b l i c a d o e m B r u n s w i c k . E m 1 8 4 3 o C o n d e C h a r l e s d e l ’ E s c a l o p i e r p u b l i c a e m Pa r i s e e m 1 8 4 7 Ro b e r t H e n d r i e p u b l i c a e m Lo n d r e s o s e u T h e o p h i l i q u i e t Ru g e r u s p r e s b y t e r i e t M o n a c h i : L i b r i I I I d e 124


Fi g. 8 9 – To r n o d e modelação ( P. Lo n g o )

Diversis Artibus seu Diversarum Artium Schedulla, talvez a fonte mais reutilizada pelos sequentes autores durante o século XX (Ibáñez Lluch, Mollà i Alcañiz, 1997: 429).1 Apesar da obra Diversarum Artium Schedulla se destacar como compêndio técnico e artístico, dedicando os dois primeiros livros à pintura e ao vidro, correspondentemente, o autor dedica o terceiro e último livro a um extenso e diversificado número de ofícios dentro da metalurgia, intitulado De Diversis Artibus, no qual o capítulo LXXXV é dedicado ao tema específico da fundição de sinos, nomea d o p e l o s e u a u t o r c o m o D e C a m p a n i s Fu n d e n t i s . 3. A caracterização do método de fundição de Theophilus Lombardicus 3.1. O torno de modelação A primeira fase consiste na construção do torno para fabrico do molde de fundição. Este é composto por dois elementos: a base do torno e o eixo. O eixo consiste numa peça de madeira de carvalho seca, cujo comprimento corresponde à altura do sino a f u n d i r, m a i s u m p a l m o p a r a c a d a l a d o . N u m d o s e x t r e mos é talhada uma secção quadrada, com um entalhe circular de dois dedos de largura, de forma a assentar no entalhe semicircular correspondente na base do torno. O outro extremo é talhado de forma circular e mais estreito, p e r m i t i n d o - l h e a s s i m e n c a i x a r n a p e r f u r a ç ã o q u e l h e c o rr e s p o n d e n o l a d o o p o s t o d a b a s e d o t o r n o ( f i g. 8 9 ) . 125


O segmento do eixo equivalente ao molde do sino deve ser de configuração cónica, progressivamente mais estreito no sentido do último extremo descrito, de forma a facilitar a sua remoção no fim da moldagem.2 Ao extremo mais grosso de secção quadrada é por fim fixada uma outra peça de madeira curva, a jeito de manivela. A base é composta por duas estacas de madeira de altura e largura iguais,3 lateralmente unidas e mantidas à distância correcta por duas peças de madeira em cada lado, com o comprimento igual à altura do molde do sino.4 3.2. O molde A segunda fase corresponde à concepção do molde, composto essencialmente por três secções: o macho, correspondente ao espaço vazio no interior do sino; o falso sino ou camisa, correspondente ao próprio sino em bronze; e a capa, responsável por modelar a face exterior deste. O macho começa pela colocação de uma primeira camada com cerca de dois dedos de espessura de argila fortemente macerada em redor do eixo, deixando secar muito bem antes de repetir a operação. Após a acumulação da argila suficiente para a moldagem, coloca-se o eixo envolvido em argila na base do torno. Re c o r r e n d o - s e a u m a j u d a n t e - a p r e n d i z , 5 p a r a i m p r i mir um movimento rotativo e constante ao torno, apropriadamente sentado para o efeito, molda-se o macho com auxílio de um pano embebido em água.

Fi g. 9 0 – Maceração da cera para concepção do f a l s o s i n o ( P. Lo n g o ) 126


Pa r a o f a l s o s i n o , o u c a m i s a , u t i l i z a - s e s e b o e c e r a , 6 macerados finamente, empregando-se primeiro para o efeito as mãos e em seguida um rolo de madeira entre duas tábuas, recorrendo-se a água para que não pegue a e s t a s ( f i g. 9 0 ) . S e g u i d a m e n t e e s t e n d e - s e o s e b o e a c e r a por camadas sobre o macho, utilizando um ferro quente ( f i g. 9 1 ) . Q u a n d o s e a t i n g i r a e s p e s s u r a d e s e j a d a m o l d a -

Fi g s . 9 1 e 9 2 – Concepção do falso sino em cera e elaboração dos elementos decorativos sobre a face exterior do falso sino em cera ( P. Lo n g o )

Fi g. 9 3 – M o l d e do sino após remoção do eixo de madeira do torno de modelação ( P. Lo n g o )

-se o sino, torneando o sebo frio com a ajuda de instrumentos metálicos aguçados,7 esculpindo-se na superfície e l e m e n t o s d e c o r a t i v o s s e p r e t e n d i d o ( f i g. 9 2 ) . É n o e n t a n t o n e c e s s á r i o , p a r a q u e o s i n o s o e m e l h o r, e f e c t u a r q u a t r o perfurações triangulares8 na parte superior do ombro.9 Fi n a l m e n t e , o b t é m - s e a c a p a c o b r i n d o o f a l s o s i n o , ou camisa, com uma primeira camada de argila crivada e bem amassada, que após a sua total secagem será recoberta por nova camada. Concebido assim o molde, é removido do torno e o eixo de madeira é-lhe extraído, soltando-se através de s u a v e s p a n c a d a s ( f i g. 9 3 ) . Po s i c i o n a n d o o m o l d e n a v e rtical, preenche-se a abertura superior resultante da subtracção do eixo com argila macia, à qual se fixa a badal e i r a p r e v i a m e n t e f o r j a d a e m f e r r o 10 n a s u a p o s i ç ã o f i n a l . Uma vez seca a argila, é preciso alisá-la em conformid a d e c o m o m a c h o 11 e c o m p l e t a r o f a l s o s i n o c o b r i n d o - a convenientemente com sebo, ficando a badaleira parcialmente inserida neste. 127


Fi g. 9 4 – C o l o c a ç ã o do molde das asas ( P. Lo n g o )

C o l o c a - s e e n t ã o n a s u a p o s i ç ã o o m o l d e d a s a s a s , 12 cobrindo-o de seguida com argila e tendo o cuidado de d e i x a r n o t o p o a a b e r t u r a q u e s e r v i r á d e b o c a d e c a r g a 13 p a r a a e n t r a d a d o b r o n z e f u n d i d o ( f i g. 9 4 ) . Quando o molde se encontrar bem seco, envolve-se a capa com aros de ferro com a equidistância da largura de uma mão, cobrindo-se por sua vez estes com duas n o v a s c a m a d a s d e a r g i l a ( f i g. 9 5 ) .

Fi g. 9 5 – Re f o r ç o d o molde com aros de f e r r o ( P. Lo n g o )

Seca toda a estrutura, é necessário ainda posicioná-la na horizontal para retirar o excesso de argila do i n t e r i o r d o m a c h o ( f i g. 9 6 ) , r e d u z i n d o - o à e s p e s s u r a d e u m p é , 14 s e m o q u a l e s t e n ã o f i c a r i a t o t a l m e n t e c o z i d o e o transporte não seria possível devido ao excesso de p e s o 1 5 ( f i g. 9 7 ) . Fi g. 9 6 – Re m o ç ã o do excesso de argila do interior do m a c h o ( P. Lo n g o ) Fi g. 9 7 – Re p r e s e n t a ç ã o esquemática, seccionada, dos diferentes componentes do m o l d e ( P. Lo n g o ) 128


3.3. O fosso de fundição (e o cozimento d o m o l d e c o m ex t r a c ç ã o d a c e r a ) Esta terceira fase passa por abrir no solo um fosso c u j a p r o f u n d i d a d e é i g u a l à a l t u r a d o s i n o a f u n d i r. D e seguida, recorrendo a pedras e argila, constrói-se no seu fundo uma base forte para assentamento do molde, com um pé de altura e separada por um canal com um pé e meio de largura. Fi x a n d o - s e a o a l t o q u a t r o e s t a c a s d e m a d e i r a , c o m a altura da profundidade do fosso, dispostas de forma a condicionar o posicionamento do molde da maneira pretendida, preenche-se o fosso com terra até ao nível do topo do solo. Colocando o molde no centro das quat r o e s t a c a s d e m a d e i r a ( f i g. 9 8 ) , i n i c i a - s e a p r o g r e s s i v a remoção do enchimento de terra, fazendo o molde descer de forma equilibrada até à sua posição no centro da base, podendo-se então remover as estacas de madeira.

Fi g. 9 8 – C o l o c a ç ã o do molde no centro de quatro estacas de madeira, iniciando-se a sua progressiva descensão através da remoção do enchimento de terra ( P. Lo n g o )

Re c o r r e n d o - s e n o v a m e n t e a p e d r a s e a r g i l a , i n i c i a -se a elevação das paredes da câmara em que o molde será cozido, forrando-se o interior do fosso até metade da altura do molde, guardando em relação a este uma d i s t â n c i a d e m e i o p é . Po d e - s e e n t ã o p e r f u r a r s i m e t r i c a mente o bordo inferior do molde, atingindo o falso sino ou camisa, situando-se as perfurações em lados opostos m a s a l i n h a d a s a o c e n t r o d o c a n a l d e p é e m e i o d e l a rgura que divide a base em duas. No sentido de reaver a cera, colocam-se dois recipientes sob estes orifícios, empilhando de seguida lenha seca no interior do canal da base e sob o molde. 129


Iniciada a sua combustão e a extracção progressiva da cera, pode-se então terminar de forrar o fosso de fund i ç ã o a t é a o s e u t o p o ( f i g. 9 9 ) , c o m p l e t a n d o a c â m a r a de cozimento do molde e colocando sobre a sua boca u m a t a m p a d e a r g i l a o u f e r r o ( f i g. 1 0 0 ) . 1 6 Q u a n d o c o m pletamente extraída a cera tapam-se as duas perfurações c o m a r g i l a a m a s s a d a , 17 d e f o r m a a r e c o n s t i t u i r o m o l de interior agora vazio e acrescenta-se abundantemente mais lenha, mesmo em redor do molde, para que a sua combustão se prolongue até ao dia seguinte, cozendo-o t o t a l m e n t e . 18

Fi g. 9 9 – I n í c i o d a cozedura do molde e extracção da cera ( P. Lo n g o )

Fi g. 1 0 0 – C o z e d u r a do molde no interior do fosso, fechado superiormente por tampa de ferro ( P. Lo n g o )

3.4. O primeiro sistema de fundição enunciado por Theophilus 3.4.1. O cadinho O cadinho consiste numa caldeira de ferro, concebida para o efeito, de fundo esférico e com duas ou mais asas consoante o seu volume, recobrindo-se interior e exteriormente três vezes com argila amassada, até esta capa atingir a espessura de dois dedos. 130


Caso a grande dimensão do sino o obrigue, recorre-se a dois ou três cadinhos, dispondo-os em ambos os lados, f r e n t e a f r e n t e , p e r m i t i n d o q u e s e c i r c u l e e n t r e e l e s . 19 Fo r m a n d o c o m t e r r a u m a b a s e p a r a a s s e n t a r c a d a c a dinho, garante-se a sua fixação através de duas ou três e s t a c a s d e m a d e i r a c r a v a d a s e m r e d o r. N o s í t i o a c o l o car os foles, em número de dois, ou três se necessário, cravam-se duas estacas para cada um, de alturas iguais, as quais lhes servirão de suporte, elevando-os. Constrói-se, então, com pedra e argila, uma parede em redor de cada cadinho, excedendo-os em pé e meio de alto, recobrindo-se internamente com argila amassada. Na face virada aos foles de cada estrutura destas faz-se uma perfuração ao nível do bordo do cadinho, de m a n e i r a a q u e o a r a t i n j a d i r e c t a m e n t e o s e u i n t e r i o r, fixando-se firmemente os tubos dos dois ou três foles c o r r e s p o n d e n t e s n a s u a r e s p e c t i v a a b e r t u r a . Pa r a o e f e i t o cria-se o encaixe ajustado em ferro maleável e leve.

3.4.2. A fundição do bronze e a preparação do fosso para a fundição Colocando carvões em brasa no fundo de cada cadinho, distribuem-se dois homens fortes por fole, accionand o - o s a t é a t e m p e r a t u r a i n t e r i o r s e e l e v a r. Pe s a m - s e e n t ã o t o d o s o s o b j e c t o s d e b r o n z e d i s p o n í v e i s , 20 o u s e n e c e s s á r i o p r e p a r a - s e o b r o n z e r e c o r r e n d o a q u a t r o p a r t e s d e c o b r e e u m a d e e s t a n h o , 21 dividindo-se o metal por cada cadinho consoante a sua capacidade. Le v a n t a n d o a t a m p a d a c â m a r a d e c o z e d u r a d o m o l d e confirma-se se a temperatura interior é elevada. Se sim, coloca-se o cobre de forma ordenada em cada cadinho, misturando-lhe carvões de grandes dimensões. Aumentando gradualmente a acção dos foles aumenta-se a temperatura até a chama atingir uma cor esverdeada, indicando que a fundição do cobre se iniciou, acrescentando carvões em abundância por cima. Po d e - s e e n t ã o i n i c i a r o d e s m a n t e l a m e n t o d a c â m a ra de cozedura do molde, passando pela remoção do seu interior dos restos de madeira e carvão ainda em 131


combustão, recorrendo-se para o efeito a operários ágeis e experientes munidos de grandes tenazes, tendo o cuidado de não danificar o molde. Completada esta operação segue-se o aterro total do fosso de fundição, preenchendo-o gradualmente com terra cuidadosamente prensada em redor do molde, utilizando para isso um maço de madeira e os próprios pés, de forma a reforçar o molde e impedir que quebre com a pressão dos gases e d a e l e v a d a t e m p e r a t u r a d o b r o n z e l í q u i d o . 22 A b o c a d e carga para entrada do bronze fundido, situada no topo do molde, deve ser resguardada neste processo, ficando e x p o s t a ( f i g. 1 0 1 ) .

Fi g. 1 0 1 – A t e r r o d o fosso de fundição ( P. Lo n g o )

De seguida, utilizando uma vara de madeira comprida e q u e i m a d a , 23 r e m e x e - s e o c o b r e n o s c a d i n h o s . Q u a n d o a sua fundição for completa acrescenta-se o estanho e remexe-se cuidadosamente, induzindo a perfeita ligação entre os metais.

3.4.3. O enchimento do molde Desmantelando as paredes de pedra e argila que rodeiam o cadinho, passam-se duas varas compridas e resistentes de madeira pelas suas asas, sendo este elevado e t r a n s p o r t a d o c u i d a d o s a m e n t e p o r h o m e n s f o r t e s e e xp e r i e n t e s . Re t i r a m - s e o s c a r v õ e s e b r a s a s d o i n t e r i o r 2 4 e , e m p r e g a n d o u m t r a p o c o m o c o a d o r, 2 5 v e r t e - s e o b r o n z e através da boca de carga deixada para o efeito no topo d o m o l d e ( f i g. 1 0 2 ) . 132


Fi g. 1 0 2 – Enchimento manual do molde ( P. Lo n g o )

A entrada do bronze deve ser vigilantemente acompanhada, auscultando e observando o comportamento do metal no interior do molde, garantindo que não se ouça u m a e s p é c i e d e f r a g o r n o i n t e r i o r, c a s o e m q u e s e d e v e fazer uma breve pausa no processo de vertedura, retom a n d o - o d e s e g u i d a . 2 6 Pr o c e d e - s e a s s i m a t é a o c o n t e ú d o do cadinho ser inteiramente vertido, ao que se passa ao cadinho seguinte, repetindo toda a acção. No terceiro c a d i n h o 27 o l í q u i d o d e v e a s s o m a r à b o c a d e c a r g a , t e n d o o c u i d a d o d e m a n t e r a i n d a a l g u m b r o n z e e e s p e r a r, p o i s poderá haver ainda possibilidade do metal descer uma última vez no interior do molde. 3.5. O segundo sistema de fundição enunciado por Theophilus 3.5.1. O cadinho No entanto, de modo a evitar a fundição e carga em separado, pode-se ainda recorrer a um segundo método. Utilizando uma caldeira de grandes dimensões, de fundo plano, faz-se-lhe uma perfuração lateral ao nível da base, recobrindo-a seguidamente com argila pelo interior e e x t e r i o r, à s e m e l h a n ç a d o d e s c r i t o a n t e r i o r m e n t e . Po s i c i o n a - s e a c a l d e i r a n ã o m a i s d e c i n c o p é s e m relação ao molde, fixando-a em redor com estacas de madeira e orientando a sua perfuração para a boca de carga. Após encher o cadinho com carvões em brasa t a p a - s e a s u a s a í d a c o m a r g i l a , c o n s t r u i n d o - s e e m r e d o r, t a l c o m o n o m é t o d o a n t e r i o r, u m a p a r e d e d e p e d r a e a rgila recoberta interiormente com argila amassada. 133


Uma vez colocado o cobre nos carvões e estando estes em combustão, dispõem-se três foles na sua posição e accionam-se energicamente. Re c o r r e n d o a u m a p e ç a d e m a d e i r a d e s e c ç ã o a m p l a mente côncava, cujo comprimento seja igual à distância entre a saída do cadinho e a boca de carga do molde, cobre-se completamente com argila, tendo o cuidado de r e f o r ç a r a f a c e s u p e r i o r, c o r r e s p o n d e n t e à s u p e r f í c i e c ô n cava da peça. Esta será colocada na sua posição escavando para esse efeito a terra entre o cadinho e o molde, de forma rampeada, pendendo da saída do cadinho para a b o c a d e c a r g a , c o b r i n d o p o r f i m e s t a c a l h a c o m c a rv õ e s e m b r a s a . 28

3.5.2. A fundição do bronze e o enchimento do molde Acrescentado o estanho, conclui-se a ligação dos metais remexendo cuidadosamente. Com um ferro curvo, fortemente fixado na ponta de uma vara de madeira, quebra-se a selagem de argila d a s a í d a d o c a d i n h o , 29 d e i x a n d o c o r r e r o b r o n z e , c o a d o por ajudantes munidos com dois panos, não deixando de intervalar o processo de enchimento do molde com os c o m p a s s o s d e e s p e r a n e c e s s á r i o s . 30 A o e s t a r e s t e c o m -

Fi g. 1 0 3 – M o m e n t o da fundição do bronze e enchimento do molde através de c a l h a ( P. Lo n g o ) 134


pletamente cheio, encerra-se a saída do cadinho com argila, aplicada com a ponta de uma vara de madeira grossa, tendo o cuidado de manter ainda algum bronze no cadinho, para a possibilidade do metal descer uma ú l t i m a v e z n o i n t e r i o r d o m o l d e ( f i g. 1 0 3 ) .

3 . 6 . A ex t r a c ç ã o d o s i n o Uma vez o bronze endurecido na boca de carga, remove-se a terra do interior do fosso de fundição, permitindo que o molde arrefeça ligeiramente, iniciando-se então os trabalhos de remoção do molde e respectivo sino do i n t e r i o r d o f o s s o d e f u n d i ç ã o . Pa r a i s t o e m p r e g a - s e o inverso do método utilizado para a descida do molde: inclinando-o de um dos lados coloca-se terra por baixo, elevando-o ligeiramente, procedendo da mesma maneira no lado contrário, alternando de forma equilibrada até o molde assomar à superfície. D e i m e d i a t o é n e c e s s á r i a a r e m o ç ã o d o m a c h o d e a rgila, de modo a evitar que com a humidade da terra ele inche, quebrando o sino. Isto pode ser feito empregando instrumentos de ferro cortantes que possuam cabos de madeira longos, inclinando para isso o molde na horizontal. Erguido novamente o molde na vertical, assim p e r m a n e c e a t é e s f r i a r c o m p l e t a m e n t e . 31 Soltam-se os aros de ferro e, com martelos aguçados, q u e b r a - s e a c a p a d e a r g i l a , l i b e r t a n d o o s i n o ( f i g. 1 0 4 ) .

Fi g. 1 0 4 – Destruição do molde para extracção do sino ( P. Lo n g o ) 135


Fi g. 1 0 5 – To r n o d e limpeza do sino ( P. Lo n g o )

3.7. O torno de limpeza e a limpeza do sino O torno para limpeza do sino consiste num eixo de madeira à semelhança do torno de modelação, mas contando para fixar o bordo do sino com duas peças de m a d e i r a c o l o c a d a s e m c r u z , 32 s e n d o o e x t r e m o o p o s t o do eixo substituído pela coluna de bronze resultante do enchimento da boca de carga. Aplicando ao eixo outra peça de madeira curva, a jeito de manivela, pode-se então tornear o sino, regular i z a n d o - o c o m u m a p e d r a d e g r ã o g r o s s o ( f i g. 1 0 5 ) . Fi n a l m e n t e e l i m i n a - s e c u i d a d o s a m e n t e a b o c a d e c a rg a , l i m a n d o e m r e d o r a t é s e d e s t a c a r.

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Notas À s e m e l h a n ç a d e S a n t i a g o I b a ñ e z L l u c h e d e S a l v a d o r-A r t e m i M o l l á i A l c a ñ i z , o p t a m o s a q u i por uma mais que breve resenha da já extensa e complexa teia de relações entre as diversas cópias manuscritas, traduções e reedições de que a obra de Theophilus foi alvo, de acordo com formato sucinto do texto apresentado. No entanto, para o desenvolvimento desta temática, a p o n t a m o s o m i n u c i o s o t r a b a l h o d e p e s q u i s a d e J o h n G. H a w t h o r n e e C y r i l S t a n l e y S m i t h n a i n t r o d u ç ã o d a s u a o b r a d e 1 9 6 3 ( H a w t h o r n e , S m i t h , 1 9 7 9 : X V-X X X V ) .

1

2

S e b e m q u e T h e o p h i l u s n ã o o d e f i n a , a s e c ç ã o d e v e r i a s e r a q u i p o l i g o n a l , g a r a n t i n d o a c o rrecta fixação do molde no momento da rotação (Donati, 1981: 99-100).

3

Theophilus descreve estas duas estacas de madeira como tendo larguras e alturas iguais, o que seria impeditivo do correcto funcionamento do torno. A descrição correcta, já apontada por Pi e r a n g e l o D o n a t i ( 1 9 8 1 : 1 0 0 - 1 0 2 ) , d e v e r i a a p r e s e n t a r a e s t a c a p e r f u r a d a d e f o r m a a r e c e b e r o extremo circular e estreito do eixo como tendo cerca de um palmo a mais na altura.

4

Este torno seria provavelmente cravado no solo através da base aguçada das duas estacas de madeira, não excluindo a possibilidade de, em casos de moldagem no interior de edifícios, como no interior de igrejas onde os vestígios de fundição são tão comuns, estas estacas assumirem formas que oferecessem uma base ampla para assentamento.

5

Theophilus indica a utilização do que se poderia traduzir por um rapaz, jovem ou criança. Ent e n d e m o s a q u i t r a t a r- s e d e u m a c l a r a r e f e r ê n c i a a u m a j u d a n t e , t a m b é m e x t e n s í v e l a a p r e n d i z , papel muito naturalmente preenchido pelo filho e/ou herdeiro profissional do artesão.

6 Aparece-nos no texto sebo, cera e graxa, sendo impossível destrinçar o significado de cada diferenciação. Deve-se entender cada termo como uma referência específica a diferentes produtos obtidos a partir de substâncias gordurosas de origem animal ou vegetal de características plásticas facilmente reactivas a alterações de temperatura e de uso comum neste período histórico, como por exemplo a cera apicultural, também passível de substituir ou adulterar através de ceras vegetais provenientes de árvores resinosas, ou ainda a segregação gordurosa d a s g l â n d u l a s s e b á c e a s e x t r a í d a d a s v í s c e r a s a b d o m i n a i s d o s a n i m a i s r u m i n a n t e s ( Le l l o , Le l l o , 1974: vol. I, 1159, 520; vol. II, 863). 7

Estes seriam provavelmente diferenciados na forma e na função.

8

A convicção de melhorar a sonoridade através de perfurações no sino corresponde a uma crença errada de Theophilus e, provavelmente, dos seus contemporâneos. De facto, podemos apontar pelo menos dois exemplares conhecidos em que esta técnica foi aplicada, nomeadam e n t e o s s i n o s d e C a n i n o , V i t e r b o , e d e S a n I s i d o r o d e Le ó n ( M a r c o s V i l l á n , M i g u e l H e r n a n d e z , 1998: 11). No entanto, sendo certo que qualquer acrescento ou subtracção à massa total do sino implica alterações de sonoridade, a pretensão de controlar a qualidade sonora através de perfurações localizadas é com certeza produto de uma interpretação empírica em que casos de bons resultados sonoros foram erradamente atribuídos a essa prática. Sendo o conhecimento técnico necessário ao controlo tónico incipiente no período medieval, apenas no século XVII, com o aperfeiçoamento do relógio de torre e dos carrilhões, e com especial contributo da região flamenga, o controlo tonal e afinação plenos do sino se tornaram possíveis, ainda que c a r r i l h õ e s p o r t á t e i s d e q u a t r o e s e t e s i n o s s e j a m c o n h e c i d o s d e s d e o s é c u l o X I I ( H o m o - Le c h n e r, 1996: 38; Carvalho, Novaes, 2001). Encontramos outros casos semelhantes em crenças como a d e q u e a m i s t u r a d e m e t a i s p r e c i o s o s n o b r o n z e m e l h o r a r i a o s o m f i n a l ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 22; Braga, 1936: 7), ou que a sua sonoridade melhoraria ao longo do primeiro ano de uso, c o m o n o s d e s c r e v e Va n n u c c i o B i r i n g u c c i o n o s e u Pi r o t e c h n i a ( S m i t h , G n u d i , 1 9 9 0 : 2 7 0 - 2 7 1 ) . J o h n G. H a w t h o r n e e C y r i l S t a n l e y S m i t h a v a n ç a m a i n d a n a s u a o b r a a p o s s i b i l i d a d e d e e s t a s perfurações poderem servir para criar pontes de ligação em barro entre o macho e a capa, conferindo maior estabilidade ao molde, à semelhança do observado em sinos chineses da dinastia Chou e japoneses da época pré-budista. Esta ideia ganha sobretudo força com a descrição de i g u a l m é t o d o n o f a b r i c o d e c a n h õ e s n a o b r a q u i n h e n t i s t a d e Va n n u c c i o B i r i n g u c c i o .

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O t e r m o c a s t e l h a n o u t i l i z a d o n a t r a d u ç ã o d e S a n t i a g o I b a ñ e z L l u c h e d e S a l v a d o r-A r t e m i M o l lá i Alcañiz é cuello, tradução literal do termo latino original collum, traduzível por pescoço e relativo à área mais estreita do ombro, também designável por meseta (Santiago Ibáñez Lluch e t a l i i , 1 9 9 7 : 4 3 3 ) , t e n d o J o h n G. H a w t h o r n e e C y r i l S t a n l e y S m i t h o p t a d o p e l o t e r m o n e c k . E m 137


português actual apenas encontramos o termo prato, referindo-se no entanto de forma específ i c a à á r e a e n t r e o o m b r o e a a s a q u e a s s u m e u m a c o n f i g u r a ç ã o s a l i e n t e e c i r c u l a r. 10 T h e o p h i l u s n ã o r e f e r e n o s e u t e x t o o f a b r i c o d o b a d a l o , p o d e n d o - s e p r e s u m i r q u e f o s s e c o n cebido junto com a badaleira, visto tratarem-se de dois elementos de ferro obrigatoriamente produzidos à parte, podendo mesmo envolver o trabalho de um ferreiro especializado (Miguel Hernández, 1990: 151). 11 É c o n t r a d i t ó r i o o f a c t o d e s e e s p e r a r q u e a a r g i l a s e q u e p a r a p o r f i m l h e d a r f o r m a , q u a n d o logicamente já perdeu as suas qualidades plásticas. 1 2 Pr e s u m e - s e q u e m o l d a d o i n d i v i d u a l m e n t e e n e c e s s a r i a m e n t e u s a n d o s e b o o u c e r a , n a c o n t i nuação e à semelhança da concepção do falso sino. 13 O t e r m o o r i g i n a l u t i l i z a d o p o r T h e o p h i l u s é i n f u s o r i u m , u s a n d o - s e t a m b é m a c t u a l m e n t e a a d a p t a ç ã o d e s t e t e r m o , i n f u s o r i o . N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a e n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o u s a - s e a c t u a l m e n t e o t e r m o g i t o . 14 A s u n i d a d e s d e m e d i d a e m p r e g u e s p o r T h e o p h i l u s s ã o o p é e a l a r g u r a t r a n s v e r s a l d a m ã o . Não cremos que quisesse com cada um destes valores de medida respeitar nenhuma norma métrica fixa, utilizando-os antes como valores relativos e por isso aproximados, à semelhança do que era prática comum no período medieval. 15 S u b e n t e n d e - s e p e l a a d v e r t ê n c i a à n e c e s s i d a d e d e r e d u z i r p e s o p a r a f a c i l i t a r o t r a n s p o r t e , pois essa operação seria provavelmente realizada manualmente, sem recurso a engenhos de elevação ou transporte. 16 A d e s c r i ç ã o d e T h e o p h i l u s n o q u e d i z r e s p e i t o à c o n c e p ç ã o d o q u e p o d e r í a m o s c h a m a r d e câmara de cozedura do molde, designada mesmo por forno de fundição por diversos autores espanhóis, é em certos aspectos lacónica e inconclusiva. Além da remoção da terra para assentamento do molde no fundo do fosso de fundição e sobre a base parecer de difícil execução, a necessidade de permitir a entrada de ar no canal de tiro da base, sob pena de sufocar a cozedura do molde, obriga à existência de um espaço no prolongamento deste canal. Não cabendo aqui estabelecer relações de contradição ou concordância entre o método descrito por Theophilus e os dados fornecidos pela Arqueologia ou a Etnografia, somos obrigados a abrir excepção neste ponto, sem o qual a descrição desta fase dos trabalhos se tornaria incompreensível: os vestígios arqueológicos de fossos de fundição, apesar de diferenciados, apresentam regra geral uma forma oval e alongada, ocupando a câmara de cozedura do molde um extremo, permanecendo o restante espaço livre para a realização das diversas fases do trabalho e permitir a circulação do ar até ao canal de tiro, conseguida através da permanência de uma abertura na correspondente parede da câmara de cozedura. A ideia da concepção fechada e logo reduzida da câmara de cozedura é reforçada pela referência à colocação de uma tampa de ferro ou de argila, individualizando-a volumetricamente dentro do espaço bem mais amplo que constituiria o fosso de fundição. 17 A o i n d i c a r a c o n c l u s ã o d a c â m a r a d e c o z e d u r a d o m o l d e a n t e s d e r e c o l h e r o s r e c i p i e n t e s recuperadores e tapar as duas perfurações para saída da cera, Theophilus omite que o acesso à perfuração mais próxima da entrada de ar do canal de tiro fica dificultado, tornando mesmo impossível o acesso à saída de cera mais distante. 18 O f a c t o d e a c â m a r a d e c o z e d u r a d o m o l d e c o n t a r a p e n a s c o m a e n t r a d a d e a r f o r n e c i d a pelo canal de tiro, com um pé de altura por pé e meio de largura, estando mesmo o topo da câmara fechado por tampa de ferro ou argila, levaria provavelmente a que a renovação do oxigénio fosse insuficiente, sufocando a combustão. 19 N e s t a f a s e d a d e s c r i ç ã o T h e o p h i l u s p a s s a a c o n j u g a r o t e x t o n o p l u r a l , r e f e r i n d o - s e s e m p r e a diversos cadinhos. 20

A alusão à recolha do bronze ou à sua obtenção através da mistura de cobre e estanho deve-se talvez entender como referência à prática comum de refundir o sino rompido para fundição do seu substituto e, caso se tratasse de uma fundição ex nihil, à recolha e entrega de objectos de cobre, estanho e bronze para fundição, o que ficaria ao encargo da entidade contratadora ( S a n c h e s Re a l , 1 9 8 2 : 1 8 - 2 2 ) . 21 A s p o r ç õ e s a p o n t a d a s p o r T h e o p h i l u s t r a d u z e m - s e e n t ã o e m 8 0 % d e c o b r e p a r a 2 0 % d e estanho.

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22 A t e m p e r a t u r a m é d i a a q u e o b r o n z e f u n d e é d e c e r c a d e 9 0 0 º C ( N o z a l C a l v o , 1 9 8 4 : 1 5 7 ) , dependendo da percentagem dos elementos constituintes. A temperatura média de entrada no m o l d e p r a t i c a d a n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a é d e c e r c a d e 1 0 5 0 º C , v a r i a n d o d e a c o r d o c o m a d i m e n s ã o d o o b j e c t o a f u n d i r. 23 E m p i r i c a m e n t e , T h e o p h i l u s i n d i c a q u e a m a d e i r a e m p r e g u e n e s t a v a r a t e m q u e s e r p r e v i a mente queimada. Este facto deve-se a que o contacto do bronze com qualquer objecto potencialmente portador de hidrogénio, como matéria vegetal rica em água no seu estado natural, pode ser altamente nocivo para a sua resistência final. 24 E s t a a c ç ã o é p o s s í v e l d a d a a d e n s i d a d e d o m a t e r i a l o r g â n i c o e m p r e g u e c o m o c o m b u s t í v e l s e r menor em relação ao metal fundido, concentrando-se os detritos da combustão à superfície. 25 A r e f e r ê n c i a à u t i l i z a ç ã o d e u m t r a p o c o m o c o a d o r é v a g a q u a n t o à f o r m a e s p e c í f i c a c o m o este deve ser empregue. No entanto, qualquer acto de retenção de impurezas envolvendo um material tão facilmente inflamável como um tecido, quando a temperatura do bronze é de aproximadamente 1200ºC, torna-se inviável. 26 O f r a g o r a q u e T h e o p h i l u s a l u d e c o r r e s p o n d e à f o r t e p r e s s ã o q u e a r á p i d a e n t r a d a d o m e t a l n o m o l d e e x e r c e s o b r e o a r n o i n t e r i o r, i n c a p a z d e s a i r v i s t o a e n t r a d a d o m e t a l e a s a í d a d o a r se fazerem pela mesma abertura. As pausas na vertedura permitem essa evacuação. Este cuidado por parte de Theophilus é plenamente justificado, na medida em que esta pressão poderia danificar o molde ou, em excesso, causar mesmo uma forte explosão. No entanto, deve-se acrescentar que o enchimento interrompido do molde resultaria na criação de interfaces na secção do bronze, constituindo linhas de menor resistência mecânica propensas a fracturação. Este factor é de tal forma vital à durabilidade do sino que, à parte o acrescento de uma segunda abertura para a saída de gases na moldação moderna, designada por suspiro ou respiro, o fornecimento contínuo do bronze ao interior do molde é das maiores preocupações do fundidor actual. 27

Nesta fase do texto Theophilus refere concretamente a utilização de um terceiro cadinho.

28

Este procedimento explica-se pela necessidade de evitar que o bronze esfriasse na calha. Se no primeiro método descrito por Theophilus o bronze entra quase directamente no molde, neste segundo caso tem que percorrer a distância da calha, pelo qual Theophilus impõe cinco pés e meio de distância máxima entre a boca de carga e o cadinho. Se considerarmos que o comprimento médio do pé de um homem de mediana estatura é de 25cm, então estaremos perante uma distância máxima de cerca de 137,5cm. O bronze tem por isso que atingir no cadinho uma temperatura aproximada de 1200-1300ºC, de forma a entrar no molde entre os 900º e os 1150ºC. 29 A u t i l i z a ç ã o d e u m a v a r a d e m a d e i r a , c o m u m f e r r o c u r v o n a p o n t a , p a r a r o m p e r a s e lagem de argila da saída do bronze do cadinho, parece desapropriada, visto que no seguim e n t o d o s p a s s o s a n t e r i o r e s s e r i a n e c e s s á r i o g o l p e a r e n ã o p u x a r. A p e n a s s e c o m p r e e n d e r i a esta opção no caso da selagem de argila ser realizada fixando no seu centro um gancho metálico, que ao ser puxado arrastaria consigo o selo de argila. Apresentamos esta hipótese n o s e g u i m e n t o d o q u e n o s f o i d a d o a o b s e r v a r n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , o n d e e s t e método é ainda hoje usado. 3 0 Fi c a p o r e x p l i c a r o p r o c e s s o a t r a v é s d o q u a l a v e r t e d u r a d o b r o n z e é i n t e r r o m p i d a q u a n d o necessário. O mais viável seria obstruir de alguma forma a saída do cadinho. 31 A c r e n ç a d e q u e o m a c h o d e a r g i l a i n c h a r i a n o i n t e r i o r d o s i n o c o m a h u m i d a d e d a t e r r a , condicionando mesmo que a remoção do molde do fosso de fundição fosse imediata, estando o bronze ainda quente, é não só errada como potencialmente nociva: o rápido arrefecimento d o b r o n z e p o d e l e v a r a q u e a b r u s c a c o n t r a c ç ã o d o m e t a l p r o v o q u e f i s s u r a s n o s i n o . To d a a informação documental e etnográfica aponta para o arrefecimento total e prolongado no interior do fosso de fundição, conhecendo-se mesmo casos em que foi condição contratual o seu a r r e f e c i m e n t o p o r d o i s d i a s n o f o s s o d e f u n d i ç ã o ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 6 6 ) . 32 A d e s c r i ç ã o d o t o r n o a s e r v i r n a l i m p e z a d o s i n o é l a c ó n i c a , c o n t r a s t a n d o c o m a d o t o r n o d e m o d e l a ç ã o . C o m p l e m e n t a m o s a i n f o r m a ç ã o d e T h e o p h i l u s s e g u n d o s u g e s t ã o d e Pi e r a n g e l o Donati (1981: 114).

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Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a ( P. M a r t i n s ; I g e s p a r © )


C A P Í T U LO V A F Á B R I C A D E S I N O S DA G R A N J A N OVA – TA R O U C A

1. Introdução No âmbito dos trabalhos arqueológicos realizados n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a d e s d e A b r i l d e 1998, foi identificado e escavado, entre Junho e Agosto d e 2 0 0 2 , u m f o s s o d e f u n d i ç ã o d e s i n o d o s é c u l o X I V, situado no interior do que teria sido originalmente o refeitório do século XII. No sentido de contextualizar este vestígio de produção sineira, procurou-se identificar a origem do único sino existente no mosteiro, situado na torre sineira de 1786-89. Segundo o sinete que o próprio sino ostenta, foi possível identificar a oficina de fundição como sendo d e A d r i a n o P. Lo u r e i r o , G r a n j a N o v a , 1 9 0 8 . Na sequência desta informação e dada a proximidade desta localidade, procedeu-se a uma rápida prospecção à povoação da Granja Nova, na qual localizámos a oficina como sendo a actualmente sita na Estrada Nacional 226, n.º 32, pertença da Sra. Ângela Ribeiro ( c o o r d e n a d a s - φ - 4 1 º 0 1 ’ 5 1 ” , 8 N - λ - 7 º 4 3 ’ 0 5 ” , 3 W, M e ridiano Internacional). Visto o estado de ruína da oficina e a acumulação de lixos no seu interior não permitir confirmar cientificam e n t e q u a i s q u e r d a d o s , m a s c o n v e n c i d o s a i n d a d a p e rmanência de vestígios estruturais, optámos por contactar a proprietária no sentido de obter autorização para a remoção parcial dos detritos e cobertura vegetal. Conseguida esta, procedeu-se à limpeza e registo parcial da oficina entre os dias 6 e 7 de Agosto de 2002. 141


Como resultado, confirmou-se a conservação total do edifício que albergou a oficina, com excepção do telhado, tendo sido recolhidos diversos instrumentos ligados à actividade sineira entre os lixos que aí se acumularam. A sobrevivência do forno de fundição em excelente estado foi, no entanto e de longe, a mais importante revelação. Após o seu registo fotográfico e gráfico, procedeu-se à reposição dos materiais removidos, correspondendo ao aprovado pela proprietária, optando-se por proteger o forno de fundição com tela geotêxtil antes de o cobrir novamente.

2. A Granja Nova A povoação da Granja Nova localiza-se em freguesia h o m ó n i m a , c o n c e l h o d e Ta r o u c a , d i s t r i t o d e V i s e u . Situando-se num contraforte setentrional da Serra da Nave, à altitude média de cerca de 750m, a povoação encaixa-se entre duas colinas, a do Outeiro, a Sul, e a de Santa Catarina, a Norte. Não estando nas prox i m i d a d e s i m e d i a t a s d o r i o Va r o s a ( B a r o s a s e g u n d o a população local), principal curso de água da região, conta com a ribeira da Galhosa,1 que passa ao largo da p o v o a ç ã o a N o r o e s t e , d e s a g u a n d o n o r i o Va r o s a j u n t o a M u r g a n h e i r a ( f i g. 1 0 6 ) .

Fi g. 1 0 6 – Lo c a l i z a ç ã o cartográfica 142


O termo granja, designador de propriedade agrícola, tem origem na palavra francesa grange (Costa, Melo, 1992: 271, 845). Sendo apontada por alguns autores c o m o t e n d o s i d o i n t r o d u z i d a e m Po r t u g a l p e l a o r d e m d e C l u n y ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 1 4 6 ) , c h e g a i g u a l m e n t e a ser definida como instituição predial agrária cisterciense ( Fe r n a n d e s , 1 9 9 9 : 3 6 4 ) . O termo Grãia Noua aparece, já em 1504, no foral d e D. M a n u e l a o M o s t e i r o d e S a l z e d a s , r e f e r i n d o - s e a o terreno que este cenóbio tinha em 1295 aforado a uma d e z e n a d e m o r a d o r e s ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 7 0 - 7 4 ) . Originalmente terá feito parte do termo da vila de Ucanha, igualmente nascida do aforamento feito pelo M o s t e i r o d e S a l z e d a s e m 1 2 9 5 , q u e n o C a d a s t r o d a Po pulação, em 1527, aparece como vila e concelho, figurando então a Granja Nova como parte integrante dos s e u s l i m i t e s ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 2 7 8 ) . Em 1836, com a profunda reestruturação administrativa que se sobrepôs à extinção das ordens religiosas e confiscação dos seus vastos coutos, o concelho de Ucanha vê-se incorporado no novo concelho de Mondim da B e i r a , n o q u a l s e i n t e g r a i g u a l m e n t e a G r a n j a N o v a ( Va s concelos, 1933: 295), para em 1893, com a restauração d o e n t ã o t a m b é m e x t i n t o c o n c e l h o d e Ta r o u c a , i n g r e s s a r neste como freguesia (Moreira, 1924: 13). A p e s a r d o Pa d r e Va s c o M o r e i r a r e m o n t a r, n a s u a M o n o g r a f i a d o C o n c e l h o d e Ta r o u c a , a o r i g e m d a p o v o a ç ã o a o p e r í o d o G o d o - Á r a b e - Le o n e z ( M o r e i r a , 1 9 2 4 : 3 3 ) e d e atribuir a sua fundação a uma das ordens militares do tempo (Moreira, 1924: 148), estas são suposições que carecem de argumentação. De facto, é ainda hoje notória a profunda marca toponímica deixada pela estrada romana que originalmente percorreria o troço da actual Estrada Nacional 226 q u e a t r a v e s s a a G r a n j a N o v a . To p ó n i m o s c o m o La j e s , C h ã o d e C o i t o o u a i n d a Po n t e d a s T á b u a s a s s i n a l a m o q u e t e r á s i d o u m r a m a l d a v i a i m p e r i a l G u a r d a - La m e g o ( S a a , 1 9 5 6 - 1 9 6 4 : v o l . 4 , 3 4 7 ) . Pr o v a v e l m e n t e o s e u p e r c u r s o o r i g i n a l a p r o x i m a r- s e - i a m a i s d a a n t i g a e s t r a d a r e a l ( o u m a c a d a m e ) q u e i a d e La m e g o a M o i m e n t a d a B e i r a , p a s s a n d o p o r Fo r m i l o , c a p e l a d a S e n h o r a d o 143


C a r m o e G r a n j a N o v a ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 1 5 1 e 3 1 6 ) , perpetuando o que deve ter sido sempre um percurso natural de passagem. Ve s t í g i o s d e c a l ç a d a d e m o n s t r a m a i n d a a c t u a l m e n t e que a ligação entre esta importante via de comunicação e Cimbres se fazia no local onde mais tarde o couto da G r a n j a N o v a s e r i a f o r m a d o ( f i g. 1 0 7 ) . A i s t o n ã o s e r á alheio o facto da origem de Cimbres se situar ainda no povoado pré-histórico da Senhora da Graça (Silva, 1986: 106), que naturalmente se terá deslocado progressivamente para o vale, tendo eventualmente sido integrado no couto do Mosteiro de Salzedas. Po d e m o s e n t ã o c o n c l u i r q u e , c o m o o s e u p r ó p r i o nome indica, a Granja Nova tenha sido das últimas granjas a serem constituídas entre o vasto conjunto que compõe o couto contíguo de Salzedas, reaproveitando a crescente e natural fixação num cruzamento de fluxos, de gentes e bens.

Fi g. 1 0 7 – A s p e c t o do troço da via Cimbres- Granja Nova na zona da Cascalheira (L. Sebastian)

3. A fábrica de sinos da Granja Nova 3.1. Origem, evolução e ocaso A mais antiga referência à fundição de sinos na Granja Nova refere o estabelecimento na povoação de uma família espanhola de nome Sorrilla, que no século XVI aí terá fundado uma oficina de fundição de sinos (Moreira, 1924: 24, 149). O apelido Sorrilha, que originalmente se terá escrito Zorrilla, ainda perdura hoje na Granja Nova sobre a forma Sorrilho, resultado da sua natural assimilação e evolução, 144


e n q u a n t o e m E s p a n h a e n a A m é r i c a La t i n a s u b s i s t e a i n d a na forma inicial. Este sobrenome parece ser originário da região das Montañas de Cantabria, antiga província de S a n t a n d e r, s e n d o b a s t a n t e c o m u m n a s z o n a s l i m í t r o f e s d o Pa í s B a s c o e d e B u r g o s , a p e s a r d e a p e n a s n o s s e r p o s s í vel indicar a existência de um sino assinado por um Juan Zorrilla em território espanhol, datado de 1677 e sito na i g r e j a S a n t a M a r i a e m La S e c a , Va l l a d o l i d . Se considerarmos a secular característica itinerante desta profissão e a profunda transformação, quer técnica quer social, que sofreu com a sua gradual sedentarização a partir do século XVI (Miguel Hernandez, 1990: 146; Nozal Calvo, 1984: 159), podemos apenas supor que a chegada deste fundidor terá sido resultado da sua deslocação directa para realização de uma ou várias encomendas de fundição, ou da conclusão indirecta da sua errância, que gradualmente o terá atraído para a grande concentração de igrejas, mosteiros e capelas desta região. A esta convergência de campanários numa área tão reduzida, carecendo os seus sinos de constantes refundições pelo desgaste natural do uso, junta-se o permanente potencial de mercado oferecido por mosteiros como o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a o u d e S a n t a M a r i a d e S a l z e d a s , responsáveis, só no século XVIII, pela edificação de dez e n a s d e c a p e l a s n o s s e u s c o u t o s m o n á s t i c o s . Po r f i m , o excelente posicionamento da Granja Nova permitia-lhe beneficiar não só de uma via principal de comunicação mas também da excelente rede viária que ligava o couto monástico de Salzedas entre si. C o m c e r t e z a u m a a c t i v i d a d e f a m i l i a r, a o f i c i n a p a r e c e ter transitado de família, pelo menos desde 1884, uma vez que encontramos esta data associada à fundição da Granja Nova no sinete de um dos sinos da igreja paroquial de São Joaninho, onde consta o nome de José C o r r e i a Lo u r e i r o , p a r a a p a r t i r d e 1 8 8 9 , e a t é à ú l t i m a f u n d i ç ã o , c o r r e s p o n d e n t e a o s i n o d a i g r e j a d e Pa ç ô e m 1 9 4 7 , r e g i s t a r m o s a p e n a s o a p e l i d o Pi n t o Lo u r e i r o . Re c o r r e n d o a o r e g i s t o d a m e m ó r i a l o c a l r e a l i z a d o p o r M o r e i r a Lo p e s e m 1 9 5 3 ( Lo p e s , 1 9 5 3 : 1 5 0 ) , a o e s p a n h o l de nome Sorrilha responsável pela fundação da oficina 145


t e r ã o s u c e d i d o d o i s f i l h o s , s e n d o u m o Fr a n c i s q u i n h o S o rr i l h a . C e r c a d e 1 8 5 0 , “J o s é C o r r e i a Lo u r e i r o , n a t i v o d a Granja Nova, que aprendeu a arte de fundidor para os lados de Amarante, veio fazer concorrência aos Sorrilhas. ( … ) M o r r e m o s S o r r i l h o s , s e m d e s c e n d ê n c i a , e o Lo u r e i r o fica só, em regime de monopólio”. Serão filhos deste os f u n d i d o r e s Fr a n c i s c o e A d r i a n o Pi n t o Lo u r e i r o , q u e c o n s tarão em todos os sinetes da Granja Nova entre 1889 e 1928, substituídos entre 1932 e 1947 pelo filho do últim o , Â n g e l o Pi n t o Lo u r e i r o . 2 Sabemos no entanto serem frequentes as transições de propriedade por cruzamento de famílias por casamento, levando a que de forma cíclica, provavelmente pela inexistência de filho varão ou pelo maior empenho de novos elementos masculinos introduzidos por matrimónio, a fundição transitasse de família, desaparecendo o apelido anterior por imposição patronímica. A existência de um sino de 1747, assinado por um Joseph Sorilla, no campanário da igreja de São Sebastião em La g o s ( Ro s a , 1 9 4 7 : 6 7 ) , c o l o c a - n o s a i n d a a h i p ó t e s e d e , cedo, membros desta família se terem distanciado do núcleo original, criando as suas próprias fundições noutras regiões do país, à semelhança do que, por exemplo, p o d e m o s o b s e r v a r c o m a f a m í l i a J e r ó n i m o , d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , o u a f a m í l i a C o s t a , d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o . Detectámos diversas referências a indivíduos de apelido Sorrilha na Granja Nova do século XIX, onde por exemplo, no decorrer de um longo processo que opôs a Granja N o v a a Pa ç ô e V i l a C h ã , f o i e l e i t o e m 1 8 2 2 c o m o r e p r e s e n t a n t e d a p o v o a ç ã o u m M a n u e l S o r r i l h a ( O M o n s e n h o r, pequena história de um grande homem, 1986: 110). Po r s u a v e z , n o A u t o d e r e m a t a ç ã o d o s b e n s m ó v e i s d o e x t i n t o C o n v e n t o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , r e a l i z a d o e m 1 8 3 4 c o m a e x t i n ç ã o d a s o r d e n s r e l i g i o s a s e m Po r t u g a l , c o n s t a t á m o s n a Fo l h a 1 a r e f e r ê n c i a a u m J o a q u i m S o r r i l h a , r e p e t i d a n a Fo l h a 4 : 3 “A p a r e s e o J o a q u i m S o r r i l h a d a Granja Nova rematou hua bacia de cobre grande, duas d’estanho de barba com seos competentes jarros pella quantia de mil sincoenta reis e huas carbalheiras por quatrocentos noventa reis e asignou – Joaquim Gomes 146


S o r r i l h a” ( … ) “ Re m a t o u J o a q u i m G o m e s S o r r i l h a G r a n j a Nova sinco taxos velhos, duas colheres, duas facas, hua grade de ferro, hua gadanha, hua bacia de pés velha por mil quatrocentos oitenta reis e asignou – Joaquim Gomes S o r r i l h a” . A i n d a q u e e s t a r e f e r ê n c i a n ã o p r o v e e s t a r e s t e Sorrilha ainda ligado à fundição sineira, não deixa de ser sintomático o facto de aparentar ter apenas comprado objectos metálicos, sendo alguns claramente de cobre e estanho, passíveis de serem refundidos. No entanto, a memória da actividade e ascendência originais desta família perdeu-se totalmente, mesmo para os seus próprios membros actuais. No seguimento da tendência geral à região desde meados do século XIX, a Granja Nova sofreu um acelerado processo de desertificação devido à forte emigração, indicadora de profundas dificuldades e transformações e c o n ó m i c a s ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 3 5 5 - 3 6 0 ) . O ocaso da oficina de sinos parece representar exemplarmente esta tendência. Dependendo em muito da potência económica que as comunidades monásticas representariam, a sua extinção em 1834 terá constituído um golpe quase que capital a longo prazo. No contexto de c a r ê n c i a g e r a l q u e m a r c o u a p r o f u n d a f a s e d e t r a n s f o rmação do mundo rural português após a guerra civil, sofreu o mesmo fim de outras indústrias locais, como a da telha, sendo o seu estado já agonizante na terceira década do século XX (Moreira, 1924: 24, 149). A última fundição de um sino na oficina, em 1947, terá mesmo levado à altercação entre o fundidor Ângelo Pi n t o Lo u r e i r o e a p a r ó q u i a d e Pa ç ô , q u e i x o s a d a s u a má sonoridade. A actividade deste último fundidor ficou acima de tudo marcada na memória dos locais pelos trabalhos de fundição menores que realizava com alfaias agrícolas, possuindo paralelamente uma destilaria de aguardente. De idade já avançada e com o casamento da sua única f i l h a Ro s i n d a Pi n t o Lo u r e i r o c o m u m i m i g r a n t e n o B r a s i l , Â n g e l o Pi n t o Lo u r e i r o j u n t a - s e - l h e n a d é c a d a d e c i n q u e n ta, abandonando a Granja Nova e concluindo definitivamente os cerca de quatrocentos anos de laboração desta oficina de fundição. 147


3.2. Caracterização 3.2.1. O edifício O edifício que alberga a oficina de fundição encontra-se junto à actual Estrada Nacional 226, correspondente à principal via de comunicação que desde sempre terá atravessado a povoação. Se bem que esta se situe quase na sua totalidade a nordeste desta estrada, o seu c r e s c i m e n t o t e r- s e - á f e i t o t e n d o c o m o c e n t r o a i g r e j a p a r o q u i a l e o t e r r e i r o ( La r g o d a Fe i r a ) q u e à s u a f r e n t e s e desenvolve, igualmente orientados ao longo da estrada. Esta igreja, consagrada a São Sebastião, apresenta hoje todo o aspecto setecentista cujas datas de 1783, visível na face exterior Oeste do braço direito do transepto, 1733 e 1781, ostentadas pelos seus dois sinos, confirmam. No entanto, a data de 1668, visível num silhar interior à direita da porta da sacristia, recua já ao século d a s u a f u n d a ç ã o ( f i g. 1 0 8 ) .

Fi g. 1 0 8 – I g r e j a Pa r o q u i a l d a G r a n j a Nova (L. Sebastian)

Independentemente do edificado actual, podemos considerar com relativa segurança a probabilidade da const r u ç ã o d e u m p r i m e i r o t e m p l o a i n d a n o s s é c u l o s X I I I -X I V. Atendendo ao conceito de sacralidade que envolveria a sua localização original, é legítimo depreender que esta se tenha mantido. De acordo com esta lógica de sobreposição está a altimetria do terreno envolvente à igreja, s e n d o s i n t o m á t i c o o a l t e a m e n t o d a e s t r a d a a c t u a l e m c e rca de 2,5m em relação à cota do pavimento da igreja. Quanto à oficina de fundição, podemos aplicar o mesmo princípio, situando-se a sua cota de circulação com igual desnível em relação à cota da estrada actual. Como resultado, o acesso do passeio que ladeia a Estra148


Fi g. 1 0 9 – P l a n t a d a oficina de fundição (L. Sebastian) Fi g. 1 1 0 – Vi s t a geral da fachada Sudoeste da oficina e do estado actual do alpendre (L. Sebastian)

da Nacional 226 à soleira da oficina é feito através de um acentuado desnivelamento do terreno, caracterizando a área que decorre entre estas duas estruturas anacronicamente relacionadas. Considerando que a oficina se integra num conjunto – oficina, habitação, anexo e horto –, e no seguimento d o r a c i o c í n i o a n t e r i o r, p o d e m o s r e l a c i o n a r a c o n s t r u ção da habitação actual com um momento próximo ao d a ú l t i m a e l e v a ç ã o d o t e r r e n o e x t e r i o r, c o n s t i t u í d o p e l a corrente reformulação em estrada nacional, acatando contudo o princípio da continuidade da sua localização e disposição. O restante conjunto permanece, grosso modo, bem mais próximo do que deve ter sido a sua c o t a o r i g i n a l ( f i g. 1 0 9 ) . O edifício da oficina compreende duas partes distintas, mas relacionadas: a construção que alberga o forno e toda a área de manufactura e, adossado ao seu alçado Sudoeste, um alpendre, constituído por duas bases rectangulares de granito sobre as quais assentam aprumados dois pilares de madeira que suportam o telhado de apenas uma água. Assumindo logicamente a pendente no sentido contrário ao do edifício, cobre uma área de 5,6m para além dos 8m da largura do alçado, resultando em c e r c a d e 4 4 , 8 m 2 ( f i g. 1 1 0 ) . As suas existência, configuração e disposição relacionam-se com a necessidade absoluta de prover ao enorme consumo de combustível que a fundição do bronze no forno de revérbero implica. Aqui se terão armazenado as grandes quantidades de lenha que serviriam à constante alimentação do forno durante a fundição. 149


De paredes em pedra granítica, toscamente aparelhada, a entrada na fábrica faz-se por porta única, aberta no alçado Sudeste, com portadas duplas e atingindo as medidas aproximadas de 1,8m de largura por 2m de altura. Sendo óbvia a relação destas medidas com as dimensões máximas que permitem a fundição de objectos n o i n t e r i o r, p o d e m o s s u p o r q u e n u n c a a í s e f u n d i u s i n o superior a esta relação de grandeza. Quanto a janelas, conta com duas, uma maior no alçado Sudeste, à direita da porta, com portadas duplas, cerca de 0,9m de altura por 0,7m de largura, e uma men o r, a b e r t a n o a l ç a d o N o r d e s t e . S e b e m q u e a l i m p e z a parcial da oficina não nos tenha permitido medi-la com exactidão, podemos constatar que se trata de um vão relativamente pequeno, de aproximadamente 0,7m de altura por 0,5m de largura, situando-se a cerca de 2,5m do actual nível de circulação. Mesmo não tendo a limpeza parcial possibilitado a confirmação, ou não, da existência de uma terceira janela no alçado Noroeste, que a existir seria sempre de pequenas dimensões, podemos afirmar que a entrada de luz no interior era reduzida, tal como a comunicação visual e n t r e o e x t e r i o r e o i n t e r i o r, d e a c o r d o c o m o c a r á c t e r discreto da actividade. A análise dos vestígios do telhado, único elemento totalmente destruído pelo abandono, revelou a não existência de guarda-pó, expondo pelo interior o vigamento de suporte à telha, neste caso de meia cana. Com apenas duas águas, de pendentes orientadas a Sudeste e Noroeste, atingia o seu ponto máximo de cerca de 5m de altura no eixo longitudinal. Notória é a existência de quatro encaixes para a colocação de duas traves transversais, anormalmente próximas do centro do edifício. Não pondo de parte a possibilidade de terem feito igualmente parte da estrutura de suporte da cobertura, a sua disposição coincidente com o local natural de fundição sugere que tenham servido de base ao sistema de elevação do molde e do sino, o que está de acordo com a memória local da existência de cordas e roldanas fixadas ao tecto. A presença de um poço central, próximo à entrada da oficina, terá sido fruto da constante necessidade de água no trabalho do barro e execução do molde, com certeza 150


servindo igualmente a irrigação do pequeno horto que o c u p a t o d a a á r e a N o r d e s t e d o c o m p l e x o ( f i g. 1 1 1 ) . A fase final de funcionamento da oficina, adaptada a outros fins que não os da fundição de sinos, parece ter acarretado algumas alterações, das quais se destaca o alteamento do nível de circulação. Naturalmente sempre em terra batida, passou pelo aterro total do interior do edifício, com excepção da área à esquerda do forno, frente às bocas de alimentação e limpeza de cinzas, pela óbvia razão de que a sua total obstrução impossibilitaria o seu uso. Este aterro pode ser confirmado comparando a altura a c t u a l d o f o r n o e a q u e é v i s í v e l n a f o t o g r a f i a q u e Va s c o Moreira publicou na sua obra de 1924, revelando a cota de circulação a essa data como sendo cerca de 0,5m abaixo da actual (Moreira, 1924: 29). Po r o u t r o l a d o , c o m o c o n s e q u ê n c i a i m e d i a t a e m a i s significativa deste aterro, temos o facto incontornável de que o fosso para colocação do molde aquando da fund i ç ã o d e i x a c o m p l e t a m e n t e d e e x i s t i r. A l i m p e z a q u e r e alizámos insistiu cuidadosamente na área imediatamente defronte à saída do metal do forno, não se tendo confirmado a presença de tal fosso, exceptuando finas fendas na terra compactada que, no seu todo, assumiam u m a c o n f i g u r a ç ã o c i r c u l a r. E s t a s p o d e m s e r i n t e r p r e t a d a s como resultado do abatimento natural do terreno numa zona em que a compactação artificial do aterro foi dificultada pela presença deste fosso. Considerando ainda a última fundição de 1947, podemos supor que esta alteração do piso da oficina terá

Fi g. 1 1 1 – Vi s t a parcial da fachada Nordeste da oficina, vendo-se em primeiro plano a roda elevatória de águas do poço, a entrada da oficina e , j á n o s e u i n t e r i o r, o forno de fundição (L. Sebastian) 151


acontecido entre esta data e o seu abandono definitivo na década de cinquenta. De menor expressão é a presença de uma pia de pedra junto ao forno. Se bem que possa ter sido utilizada no apoio aos trabalhos de fundição de sinos, o seu emprego final, ao qual deverá a sua corrente localização, r e l a c i o n a r- s e - á c o m o s t r a b a l h o s d e f a b r i c o e m a n u t e n ção de alfaias agrícolas que caracterizou o último período de laboração. A destilaria que os populares apontam ter também a q u i e x i s t i d o n o p e r í o d o d e  n g e l o Pi n t o Lo u r e i r o , s e g u n do a memória actual, terá funcionado no piso térreo da casa de habitação.

3.2.2. O forno O forno da oficina da Granja Nova é, em geral, um exemplo paradigmático do forno de revérbero empregue na fundição de sinos um pouco por toda a Europa, definindo-se como forno de elevada temperatura que

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Fi g. 1 1 2 – Le v a n t a m e n t o gráfico do forno de fundição (L. Sebastian)


Fi g. 1 1 3 – Vi s t a geral do forno de fundição (L. Sebastian)

age sobre a substância a aquecer por reverberação, sem mistura desta com os gases ou combustível da comb u s t ã o 4 ( f i g. 1 1 2 ) . Pa r a i s s o c o m p õ e - s e d e t r ê s c â m a r a s , a d e f u n d i ç ã o , a de combustão e o cinzeiro: – O cinzeiro situa-se sob a câmara de combustão, recebendo a cinza produzida nesta através da grelha que as divide e sobre a qual o combustível é consumido. Po s s u i a p e n a s u m a c e s s o , a m p l o , d e f o r m a a f a c i l i t a r a contínua remoção das cinzas e o constante afluxo de ar à câmara de combustão. – A câmara de combustão, ou fornalha (Cardoso, 1976: 307), é composta inferiormente pela grelha sobre a qual o combustível é consumido, contando para a sua alimentação com duas bocas laterais, reduzidas ao estritamente necessário para que a introdução de combustível se faça com a mínima saída possível de c a l o r. S u p e r i o r m e n t e é c o m p o s t a p o r u m a c ú p u l a s e micónica, que recebe e concentra o calor e a chama numa saída única que faz a comunicação entre esta e a câmara de fundição. – A câmara de fundição tem como função receber o bronze e expô-lo à reverberação. Esta é produzida pela indução directa de calor por irradiação e chama que, reflectido na cúpula da câmara de combustão, atravessa a de fundição lambendo o metal e saindo p e l a c h a m i n é . Pa r a a l é m d a c o m u n i c a ç ã o c o m a c â mara de combustão conta ainda com dois estreitos acessos laterais, destinados ao revolvimento e ligação do estanho com o cobre, duas bocas de carga para introdução do metal, com portas ajustáveis para

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evitar perca de calor e, frontalmente, com a abertura única de evacuação do metal. Superiormente, a cham i n é l i m i t a - s e a u m v ã o s e m c o n t i n u i d a d e ( f i g. 1 1 3 ) . A base inferior do forno é construída com pedras graníticas disformes ou apenas parcialmente aparelhadas, unidas por argila crua, englobando o cinzeiro, as paredes laterais da câmara de combustão e a soleira da câmara de fundição, sobre a qual o metal é depositado, separado da câmara de combustão por um leve rebordo denominado muro (Cardoso, 1976: 307). Superiormente, a cúpula reflectora da câmara de combustão e a cobertura cupular da câmara de fundição são constituídas por tijolo cozido unido por argila, que com as e l e v a d a s t e m p e r a t u r a s d e f u n d i ç ã o t e r á c o z i d o ( f i g. 1 1 4 ) . Esta estrutura compósita, no seu todo designável por a r m a d u r a , f o i p o r s u a v e z r e v e s t i d a i n t e r i o r m e n t e p o r a rg i l a , c r i a n d o o q u e s e p o d e d e n o m i n a r d e c a m i s a . Po demos apenas supor que a camisa incluía igualmente a s o l e i r a d a c â m a r a d e f u n d i ç ã o , v i s t o e s t a e n c o n t r a r- s e totalmente coberta por restos de fundição. A grelha entre o cinzeiro e a câmara de combustão, sobre a qual o combustível é consumido, é composta por u m a p l a c a ú n i c a d e a r g i l a , p e r f u r a d a e m t o d a a s u a e xtensão, permitindo a circulação descendente da cinza e ascendente da corrente de ar que, aspirado naturalmente, alimenta de forma contínua a combustão. A argila empregue na construção deste tipo de forno deveria ser sempre de boa qualidade, semelhante à utilizad a p e l o s o l e i r o s ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 4 7 ) , o q u e n o c a s o concreto da oficina da Granja Nova podemos supor como p r o v á v e l o r i g e m o s b a r r e i r o s s i t u a d o s e m Fo r m i l o , c o m u n s à indústria da produção de telha que aí terá sobrevivido até inícios do século XX (Themudo, 1905: 154). O combustível utilizado na combustão, comprovado pela informação oral recolhida, consistia em lenha, previamente cortada para o efeito. Entre as espécies arbóreas locais encontramos o castanheiro, o carvalho negral e o p i n h e i r o b r a v o ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 4 0 4 ) , s e n d o o p r i meiro predominante na região pelo menos desde o século X V I I I ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 4 0 6 ) . A possibilidade de todas estas espécies poderem ter sido utilizadas está de acordo com testemunhos documentais de outras oficinas de fundição, em que ficou re154


Fi g. 1 1 4 – A s p e c t o da técnica construtiva utilizada na concepção das cúpulas das câmaras de combustão e de fundição do forno (L. Sebastian)

gistado o uso quer de pinheiro quer de oliveira (Sanchez Re a l , 1 9 8 2 : 6 1 - 6 3 ) , s e n d o a l e n h a d e c a r v a l h o a p o n tada por alguns autores como a mais indicada (Nozal Calvo, 1984: 157).5 Contudo, não é de excluir a utilização simultânea de carvão no processo de fundição. Os registos documentais d e 1 4 0 5 d a f u n d i ç ã o d e u m s i n o , e m Va l ê n c i a , r e f e r e m a utilização prévia do forno para produção de carvão (Sanc h e z Re a l , 1 9 8 2 : 4 8 ) , u t i l i z á v e l e m d i f e r e n t e s f a s e s d o fabrico do molde, como a sua cozedura ou a preparação da cera, com a possibilidade acrescida de ser adicionado ao metal na câmara de fundição para a sua desoxidação6 ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 6 1 ) . 7 A principal desvantagem da fundição por reverberaç ã o , o u i n d u ç ã o d i r e c t a d e c a l o r, é o f a c t o d e g e r a r d i versas reacções químicas potencialmente adversas, como a oxidação do metal e a absorção de gases dos produtos de combustão. Entre estes gases contam-se os vapores de água e o hidrogénio que, solúveis no metal líquido, se tornam insolúveis aquando da sua solidificação, causando o aparecimento de porosidades interiores (Mesq u i t a , 1 9 7 8 : 6 1 ) . Pe l o c o n t r á r i o , n a i n d u ç ã o i n d i r e c t a d e c a l o r, p e l a i n t e r p o s i ç ã o d o c a d i n h o c o n v e n c i o n a l , e s t e fenómeno é diminuto. No entanto, a maior rapidez de fundição do forno de revérbero diminui a possibilidade de perda por queima, sobretudo com a evaporação do estanho por exposição prolongada a altas temperaturas (Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 57-58). Nesta sequência, o cuidado a ter na não introdução de hidrogénio no metal impõe cuidados diversos, como a não utilização de madeira verde nas varas que se empregam no agitar do metal, potencialmente possuidora de água. 155


Sendo a temperatura genérica de fusão do bronze de cerca de 900ºC (Nozal Calvo, 1984: 157), a temperatura atingida pelo metal na câmara de fundição devia ser em média de 1200º-1300ºC, de forma a atingir o molde perto dos 1050ºC, garantindo não só a sua não s o l i d i f i c a ç ã o a n t e s d e a l c a n ç a r o i n t e r i o r, m a s t a m b é m a fluidez necessária ao perfeito preenchimento dos motivos decorativos. De modo a atingir estas elevadas temperaturas, a exposição do metal à reverberação durava em média entre quatro a doze horas8 (Nozal Calvo, 1984: 157), sendo estes valores, naturalmente, proporcionais à percentagem dos elementos constituintes do bronze, à qualidade de construção do forno e ao número e dimens ã o d e s i n o s a f u n d i r. O c á l c u l o d a q u a n t i d a d e m á x i m a d e b r o n z e a f u n d i r, comportada pelo forno de uma só vez, é também por i s s o u m f a c t o r d e ó b v i a i m p o r t â n c i a . Pa r a o o b t e r m o s teríamos que considerar o volume máximo da soleira, multiplicando-o pela massa volúmica do bronze, que é de 8448kg/m3:9 volume de metal = volume da soleira (raio2 x π x espessura) x massa volúmica do bronze. Infelizmente, o facto da soleira se encontrar completamente preenchida com metal solidificado, fruto dos últimos trabalhos aí realizados, impossibilita a avaliação correcta d o s e u v o l u m e , p o d e n d o - s e a p e n a s e s t i m a r, a d i a n t a n d o o pressuposto de que a sua profundidade seria de aproximadamente 0,12m por 1,2m de diâmetro, que esse valor rondaria os 1146,53kg: (0,62 x π x 0,12) x 8448. Ainda assim, teríamos que considerar que o bronze nunca era totalmente escoado numa fundição, permanecendo sempre no interior do forno alguns resquícios. A acção reverberatória de altas temperaturas no interior do forno, repetida de forma prolongada, teve como consequência visível a vitrificação localizada de dois pontos, o muro e o bordo da chaminé, traduzindo o percurso e orientação do calor produzido na câmara d e c o m b u s t ã o ( f i g. 1 1 5 ) . O p o s i c i o n a m e n t o d a c h a m i n é , imediatamente acima da câmara de fundição, é, contud o , p e c u l i a r, l i m i t a n d o a a c ç ã o d a r e v e r b e r a ç ã o d o c a l o r, produzido na câmara de combustão, a cerca de metade da soleira, resultando num claro desperdício de combustível e tempo. A maior vitrificação da primeira metade da boca da chaminé, em relação à câmara de combustão, atesta bem este facto. 156


Fi g. 1 1 5 – Po r m e n o r do bordo da chaminé e do muro, vitrificados, podendo-se entrever o aspecto actual do interior da câmara de fundição, preenchida com restos de bronze e desprendimentos da argila da cúpula da câmara de fundição (L. Sebastian)

A não vitrificação dos bordos interiores das duas bocas de carga para o metal, descritas para a câmara de fundição, indica que a sua abertura aquando do funcionamento do forno não resultava no redireccionamento d i v i d i d o d a i r r a d i a ç ã o d e c a l o r. A i n d a a s s i m , a q u a n d o da sua abertura para introdução do estanho após a fusão do cobre, que seria depositado previamente ao início da combustão, a temperatura rondaria aí os 1100ºC. A presença destas duas portas pode igualmente ser explicada pela necessidade de se observar a evolução do metal na soleira, essencial à avaliação dos tempos correctos para cada fase. Visto a irradiação do calor sair de forma concentrada pela chaminé e as aberturas para revolvimento do metal serem demasiado estreitas, estas portas constituiriam o único acesso visual ao interior da câmara de fundição, encerráveis de modo a manter as características herméticas necessárias. Quanto à abertura de evacuação do metal, única e frontal, situa-se ao nível mais baixo da soleira da câmara de fundição, não podendo ser posta de parte a possibilidade de esta possuir mesmo uma ligeira pendente no sentido do escoamento do metal (Cardoso, 1976: 307), impossível de confirmar devido à actual cobertura de restos sólidos de fundição. Dada a estreiteza desta boca de escoamento, podemos supor que a sua obrigatória selagem, durante todo o processo prévio à libertação do bronze, se terá feito com argila, quebrada no momento do enchimento do molde. Não temos, infelizmente, dados definitivos sobre o tipo de calha empregue no momento da vertedura, que comunicaria entre a boca de escoamento do metal, no forno, e a boca de carga, no molde, ou, ainda, com o canal, construído com tijolo e barro sobre o aterro do fosso de fundição. Esta poderia consistir numa peça única em madeira, recoberta por argila cozida pela co157


locação directa de brasas (Ibáñez Lluch, Mollà i Alcañiz, 1 9 9 7 : 4 3 5 ; S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 6 1 ) , n ã o e x c l u i n d o o u tras hipóteses, como o encadeamento de várias telhas, sendo sempre essencial o seu aquecimento antecipado, de forma a não reduzir drasticamente a temperatura do bronze à saída. Esta última hipótese foi-nos sugerida pela memória d e S r. C â n d i d o Te i x e i r a d o s S a n t o s q u e , c i t a n d o s e u p a i António de Oliveira Santos, barbeiro que trabalhou temp o r a r i a m e n t e c o m o a j u d a n t e d o f u n d i d o r  n g e l o Pi n t o Lo u r e i r o , i n d i c a v a e s t a s o l u ç ã o p a r a c a l h a . No entanto, a vertedura directa do bronze apenas através de uma calha fica comprometida quando consideramos a altura da boca de escoamento do metal em r e l a ç ã o a o s o l o , o n d e s e s i t u a r i a o f o s s o d e f u n d i ç ã o , 10 calculável em cerca de um metro, atendendo à fotografia p u b l i c a d a e m 1 9 2 4 p o r Va s c o M o r e i r a ( M o r e i r a , 1 9 2 4 : 29). Devido à obrigatoriedade da pendente ser ligeira, de forma a evitar a excessiva velocidade de saída do bronze, talvez se entreveja aqui a imposição de uma solução mais p r ó x i m a à o b s e r v a d a n a Fu n d i ç ã o d e R i o Ti n t o , o n d e o bronze simplesmente escorre da boca de escoamento para o canal, posicionado imediatamente abaixo e encostado ao forno, logo empregue tanto em fundições múltiplas como individuais. O facto de não termos detectado vestígios da escorrência de bronze na correspondente parede do forno pode, contudo, contrariar esta hipótese. Tr a t a n d o - s e d a f u n d i ç ã o d e m a i s d e u m s i n o s i m u l t a neamente teríamos, obrigatoriamente, a construção de múltiplos canais, igualmente fabricados em tijolo maciço e recobertos interiormente por argila, também cozida e aquecida pelo contacto directo de brasas. O molde, ou moldes, no momento do seu enchimento estariam enterrados no fosso de fundição, aberto defronte à boca de descarga do forno, cobertos por terra fortemente compactada, sobre a qual correriam então os diversos canais em caso de fundição múltipla (Nozal C a l v o , 1 9 8 4 : 1 6 2 ) . Te n d o q u e s e r r e u t i l i z a d o e m c a d a fundição, este fosso aberto no piso da oficina poderia, o u n ã o , s e r e s t r u t u r a d o , 11 r e f o r ç a n d o - s e a s s u a s p a r e d e s interiores com pedra e talvez argila. Este esforço seria compensatório na medida em que criaria um espaço de trabalho mais seguro e facilitaria o seu constante aterro e d e s a t e r r o ( f i g. 1 1 6 ) . 158


Fi g. 1 1 6 – E s q u e m a de funcionamento da oficina de fundição (L. Sebastian)

Considerando a exiguidade do espaço interior da oficina, manter aberta a área correspondente ao fosso de f u n d i ç ã o e n t r e c a d a u t i l i z a ç ã o s e r i a , n o m í n i m o , i n o p o rtuno. A possibilidade de resolver este problema cobrindo o fosso com uma estrutura removível, por exemplo em madeira, implicaria ainda ter que manter um enorme vol u m e d e t e r r a p r o t e g i d o d a s c h u v a s . Pe n s a m o s p o r i s s o que o fosso de fundição seria aterrado entre fundições, obrigando ao esforço extra de o desaterrar para colocaç ã o d o s m o l d e s n o s e u i n t e r i o r. 1 2

3.2.3. Os moldes Apesar de não ter sido possível recolher qualquer vestígio material referente aos moldes em si, os dados obtidos pela recolha de alguma da utensilagem abandonada entre os detritos são contundentes em relação ao método de modelação empregue na oficina da Granja Nova, em tudo similar à modelação vertical com uso de cércea empregue na Europa desde pelo menos o século XIV até à actualidade. Menos clara é a localização do fabrico do molde. Existindo diversos dados arqueológicos que apontam o trabalho de modelação no interior do fosso, já no local final da fundição (Donati, 1981: 16) muitos são os dados etnográficos que indicam o fabrico do molde fora do f o s s o , s e n d o p o s t e r i o r m e n t e t r a n s p o r t a d o ( S a n c h e z Re a l , 1982: 56; Nozal Calvo, 1984: 160). A f o t o g r a f i a q u e o Pa d r e Va s c o M o r e i r a p u b l i c o u n a sua obra de 1924, figurando o forno da oficina, apresenta igualmente três moldes de sino e um de sineta (Moreira, 1924: 29). O facto de estes três moldes de sino apare159


Fi g. 1 1 7 – Fo t o g r a f i a d o interior da oficina, publicada em 1924 (Moreira, 1924: 29)

cerem concluídos e sobre a área do fosso de fundição, aparentemente coberto, indica-nos que o local da sua mod e l a ç ã o s e r i a o u t r o q u e n ã o o i n t e r i o r d e s t e ( f i g. 1 1 7 ) . Utilizando o forno como referência de escala aproximada, podemos igualmente, através desta fotografia, apontar que a altura média dos respiros seria de cerca de 20cm, o que os colocaria à mesma altura aproximada do topo do canal de distribuição do bronze. Este facto obrigaria, forçosamente, a que os respiros tivessem que ser cobertos durante a cozedura do canal, impedindo a penetração de cinzas e detritos no interior do molde, a t e r r a d o n a f o s s a d e f u n d i ç ã o . 13 Ta l c o m o a c i m a i n d i c a d o p a r a a c o n s t r u ç ã o d o f o r n o , a argila para concepção dos moldes seria de boa qualidade e semelhante à empregue nas olarias em geral (Sanc h e z Re a l , 1 9 8 2 : 4 7 ) , c o n s i d e r a n d o - s e a p o s s i b i l i d a d e d e esta ter origem nos barreiros que forneciam a indústria d e t e l h a d e Fo r m i l o , s i t u a d o s a c e r c a d e 1 5 0 0 m d o l o c a l de produção, para onde era transportada em burros. Esta é descrita como sendo de cor vermelha, descorada e tendo já no seu estado natural a plasticidade necessária ao fabrico da telha (Themudo, 1905: 154). 3.2.4. A utensilagem Durante a limpeza efectuada ao interior da oficina, essencialmente preenchida pelo abatimento do seu próprio telhado, algum lixo das casas circundantes e abundante vegetação arbustiva, foram recolhidos diversos objectos em madeira e metal. 160


Fi g. 1 1 8 – C o n j u n t o de três eixos (desenho de A. Castro, fotografia de P. M a r t i n s )

A par de alguns claramente recolhidos no exterior para refundir com o intuito de reaproveitar o metal (entre os quais restos de canalização e fivelas de cintos), encontraram-se outros cuja presença era dúbia, podendo corresponder à fase final de laboração da oficina (como maços, machados e sachos) ou, ainda, à própria desintegração do edifício (como dobradiças, pregos, trincos, etc.). O lixo acumulado era regra geral recente e, por isso, distinto, indicando que o abatimento do telhado e consequente condição de ruína teria acontecido há cerca de duas décadas. Impôs-se por isso uma selecção no sentido de identificar o que poderia corresponder a instrumentos ligados à actividade sineira, baseada principalmente na capacidade de estabelecer a relação entre um instrumento específico e uma determinada acção. De realçar ainda que tendo sido realizada apenas uma limpeza parcial, com certeza muitos instrumentos mais terão permanecido no interior do lixo e da vegetação. Eixo – Ainda que não se tenha recolhido qualquer vest í g i o d e u m a c é r c e a , p o d e m o s i d e n t i f i c a r t r ê s e i x o s e m f e rro. Apesar de serem na generalidade idênticos em termos funcionais, apresentam entre si diferenças ao nível estilíst i c o q u e p e r m i t e m a f i r m a r t r a t a r- s e d e t r ê s e l e m e n t o s c o n cebidos em diferentes momentos, ainda que simultaneamente utilizadas num determinado período. No momento da modelação, as cérceas utilizadas seriam aparafusadas a estes eixos, restando ainda vestígios da madeira em que o p e r f i l d o s i n o s e e n c o n t r a v a d e f i n i d o ( f i g. 1 1 8 ) .

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C h a v e s d e p o r c a s – C o i n c i d e n t e m e n t e , e n t r e o s d i v e rsos utensílios recolhidos encontram-se duas chaves de porcas, uma para porcas de orelhas e outra para porcas quadradas. O simples exercício de experimentar estas chaves directamente nos eixos comprovou a sua exacta correspondência, demonstrando que esta seria, entre out r a s , u m a d a s r a z õ e s p a r a a s u a p r e s e n ç a ( f i g. 1 1 9 ) .

Fi g. 1 1 9 – C o n j u n t o de duas chaves para porcas (desenho de A. Castro, fotografia d e P. M a r t i n s )

Cesta (ou cruzeta) – Apesar de mantermos algumas reservas em relação à correcta identificação funcional destes elementos, avançamos com a hipótese de terem sido utilizados com esta função. Constituindo a recolha mais completa, contamos com quatro cestas, ordenadas crescentemente. Sendo proporcionais ao tamanho do s i n o a m o d e l a r, d e f o r m a a a j u s t a r- s e c o n v e n i e n t e m e n t e à coluna, mais grossa quanto maior for o sino, as cestas usadas teriam necessariamente diversas dimensões, não possuindo no entanto medidas rigorosas de correspondência obrigatória, mas sim relativas e aproximadas seg u n d o u m c r i t é r i o m e r a m e n t e p e s s o a l ( f i g. 1 2 0 ) .

Fi g. 1 2 0 – C o n j u n t o de quatro cestas (desenho de A. Castro, fotografia d e P. M a r t i n s ) 162


Fi g. 1 2 1 – C o n j u n t o de cinco estiletes (desenho de A. Castro, fotografia de P. M a r t i n s )

Estiletes – Se bem que cumprindo diferentes funções, patente na sua diferenciação morfológica e dimensional, reunimos aqui um grupo de cinco objectos enquadráveis no conceito de estilete, todos elaborados em ferro. Não podendo aspirar a definir as diferentes funções e modos de emprego de cada uma destas ferramentas, podemos pressupor a sua utilização na concepção dos moldes, mais provavelmente nos trabalhos de pormenor que os cordões e decoração em geral implicariam, tanto sobre a c e r a c o m o s o b r e a a r g i l a ( f i g. 1 2 1 ) .

Maço de madeira – O único maço de madeira recolhido teria um uso obviamente generalista, sendo improdutiva qualquer tentativa de isolamento de uma ou mais acções em que estaria envolvido. É no entanto tentadoramente intuitiva a hipótese de que tenha sido utilizado, igualmente, na destruição do molde e recuperação do s i n o a p ó s a f u n d i ç ã o e s t a r c o n c r e t i z a d a ( f i g. 1 2 2 ) . Fi g. 1 2 2 – M a ç o d e madeira (desenho de L. Sebastian, fotografia de P. M a r t i n s )

Fi g. 1 2 3 – M a r t e l o (A. Castro)

Martelo – No caso do único martelo em ferro encontrado, pode-se aplicar o mesmo princípio indicado para o m a ç o d e m a d e i r a ( f i g. 1 2 3 ) . Te n a z – S e b e m q u e a t e n a z , n a s s u a s d i f e r e n t e s f o rmas, seja uma das ferramentas mais óbvias no contexto de qualquer atelier de fundição, apenas recolhemos um e x e m p l a r. S e m a p r e s e n t a r q u a l q u e r c a r a c t e r í s t i c a m o r f o 163


lógica tradutora de uma aplicação específica, como as tenazes de garganta ou para cadinhos, o longo comprim e n t o d a s s u a s h a s t e s d e f e r r o i n d i c a m q u e a d a p t a r- s e - i a de forma genérica à manipulação de objectos quentes. O facto de uma das suas pontas se enrolar para o interior pode ser um ajuste para facilitar a apreensão de recip i e n t e s , c o m o p o r e x e m p l o u m c a d i n h o ( f i g. 1 2 4 ) . Fu n i l – O p e q u e n o f u n i l a q u i a p r e s e n t a d o é c o n s t i tuído por dois elementos acoplados, o copo em folha e o canal em ferro. O copo encontra-se interiormente e exteriormente coberto por vestígios de bronze, evidenciando ter sido este o líquido a cujo transvazo este funil s e r v i u ( f i g. 1 2 5 ) . B a d a l o d e s i n o – Fo r a m r e c o l h i d o s d o i s b a d a l o s d e sino, bastante similares, o que nos leva a pensar que t e r ã o s i d o f e i t o s n u m m e s m o m o m e n t o e p e l o m e s m o f e rreiro. O facto de termos encontrado este conjunto de badalos, ainda para mais sabendo que se deixou de fundir sinos no último período de funcionamento da oficina, indica que muito provavelmente seriam encomendados previamente ao ferreiro local, constituindo um estoque adiantado, não excluindo a hipótese de serem fruto de uma encomenda não concluída. Correspondem tipologicamente a badalos de forquilha, a serem atados à badal e i r a c o m p e l e d e c a b r a o u n e r v o d e b o i ( f i g. 1 2 6 ) . Badalo de sineta – O único badalo de sineta recolhido foi concebido provavelmente na própria oficina, r e c o r r e n d o a u m f e r r o d e s e c ç ã o c i r c u l a r, c u j o e x t r e m o superior assume a forma de gancho, de modo a encaixar

Fi g. 1 2 4 – Te n a z (desenho de A. Castro, fotografia d e P. M a r t i n s )

Fi g. 1 2 5 – Fu n i l (A . Castro)

Fi g. 1 2 6 – Re g i s t o gráfico e fotográfico dos dois badalos de sino recolhidos (desenho de A. Castro, fotografia d e P. M a r t i n s ) 164


Fi g. 1 2 7 – B a d a l o de sineta (desenho de A. Castro, fotografia d e P. M a r t i n s )

Fi g. 1 2 8 – C a r i m b o com módulo de repetição para rendilhas e brasão nacional oitocentista (L. Sebastian)

Fi g. 1 2 9 – C a r i m b o com simbologia referente a São Pe d r o ( L . S e b a s t i a n )

na badaleira, tendo sido o extremo inferior envolvido em bronze, de maneira a constituir o martelo. No caso concreto deste pequeno badalo, o desgaste que apresenta na cintura do bojo que contacta com a sineta no momento da percussão demonstra que foi utilizado, provavelmente até ao gancho de suspensão se ter quebrado, razão pela qual se poderá explicar a sua presença na oficina, para r e p a r a ç ã o o u r e a p r o v e i t a m e n t o ( f i g. 1 2 7 ) . Carimbo – No contacto com a população da Granja N o v a f o m o s i n f o r m a d o s d e q u e o S r. H é l i o J o r g e N a s c i mento, habitante local, tinha em sua posse quatro carimbos em madeira, que teria recolhido nas ruínas da casa q u e p o r ú l t i m o  n g e l o Pi n t o Lo u r e i r o h a b i t o u . O S r. H é l i o Jorge Nascimento, a quem muito agradecemos a simpatia e disponibilidade, permitiu que realizássemos o seu registo fotográfico e análise. O primeiro carimbo incluía um módulo de repetição para r e n d i l h a s e u m b r a s ã o n a c i o n a l o i t o c e n t i s t a ( f i g. 1 2 8 ) . O segundo carimbo inclui um motivo único, figurando um par de chaves cruzadas sob a mitra papal, símbolo d e S ã o Pe d r o , e n v o l t o e m m o t i v o s f i t o m ó r f i c o s , e s t r e l a s e uma concha, talvez alusiva à rota de Santiago de Comp o s t e l a , q u e i n c l u i a c i d a d e d e La m e g o ( f i g. 1 2 9 ) . O terceiro carimbo corresponde ao sinete de Ângelo Pi n t o Lo u r e i r o , o n d e s e p o d e l e r Fu n d i ç ã o d e s i n o s d e A n g e l o Pi n t o Lo u r e i r o , La m e g o , G r a n j a N o v a ( f i g. 1 3 0 ) . O quarto e último carimbo apresenta decoração em ambas as faces. Numa aparece uma custódia como elemento decorativo único, enquanto na outra temos dois m ó d u l o s d e r e p e t i ç ã o p a r a r e n d i l h a s ( f i g. 1 3 1 ) . A cronologia destes carimbos não é fácil de definir apenas através da sua análise estilística, impondo-se a identificação de sinos datados na decoração dos quais estes tenham sido empregues. Infelizmente, a refundição 165


Fi g. 1 3 0 – C a r i m b o ostentando o sinete do fundidor Ângelo Pi n t o Lo u r e i r o (L. Sebastian) Fi g. 1 3 1 – C a r i m b o com decoração em ambas as faces, apresentando uma custódia e dois módulos de repetição para rendilhas (L. Sebastian)

c í c l i c a d e m u i t o s d o s s i n o s d a G r a n j a N o v a n ã o n o s p e rmitiu estabelecer a relação mínima entre cada um destes carimbos e um exemplar de fundição contemporâneo. Conseguimos, no entanto, estabelecer relação entre as rendilhas que constam no carimbo da figura 128 e o sino da igreja paroquial de Ucanha, datado de 1927, da aut o r i a d e A d r i a n o Pi n t o Lo u r e i r o ( f i g. 1 3 2 ) . O f a c t o d e e s t e carimbo contar igualmente com um brasão real de cunho oitocentista leva-nos a crer na possibilidade destes carimbos se manterem em uso durante longos períodos de t e m p o , p a s s a n d o d e f u n d i d o r p a r a f u n d i d o r, o q u e e s t á de acordo com o facto dos mesmos estarem ainda em p o s s e d e  n g e l o Pi n t o Lo u r e i r o . O carimbo da figura 131, respeitante ao módulo para rendilha que apresenta na metade inferior de uma das suas faces, constitui, infelizmente, um caso mais complicado. Viemos a identificar um dos sinos da igreja paroq u i a l d e Ta r o u c a c o m o t e n d o s i d o f u n d i d o e m 1 9 1 4 , p e r í o d o c o r r e s p o n d e n t e à l a b o r a ç ã o d e A d r i a n o Pi n t o Lo u r e i r o , r e f u n d i d o e m 1 9 5 6 p e l a F á b r i c a d e S i n o s d e R i o Ti n t o ,

Fi g. 1 3 2 – S i n o d a i g r e j a Pa r o q u i a l d e Ucanha, fundido por Adriano Pi n t o Lo u r e i r o e m 1927, onde se vê o seu sinete e a rendilha obtida pela aplicação do módulo constante do carimbo da figura 128 (L. Sebastian) 166


segundo inscrição que o próprio ostenta. As rendilhas deste exemplar apresentam uma interessante semelhança com o módulo em causa, pondo-se a hipótese de que tenham sido reproduzidas de acordo com o original, o que aconteceu sem dúvida com a inscrição “PRO NOBIS A N N O D E 1 9 1 4 ” . 14 Menos questionável é o sinete do carimbo da figura 1 3 0 . Pu d e m o s c o n s t a t a r p e s s o a l m e n t e a s u a u t i l i z a ç ã o n o s i n o d e 1 9 3 6 d a i g r e j a d e S a n t a C r u z d e La m e g o e d e 1 9 4 7 d a i g r e j a p a r o q u i a l d e Pa ç ô .

Fi g. 1 3 3 – Ti j o l o utilizado na constituição da grelha (L. Sebastian)

Ti j o l o s d e g r e l h a – N o i n t e r i o r d a c â m a r a d e f u n d i ç ã o estavam armazenados oito tijolos curvos, estando a superfície da sua face côncava vitrificada. Estes elementos seriam usados na constituição da grelha sobre a qual o molde se elevaria, permitindo as várias secagens que certamente ocorreriam durante a sua elaboração, bem como a cozedura final, permitindo ainda por último a elevação e transporte do molde para o interior do fosso de fundição. A sua vitrificação interior deve-se à repetida exposição ao fogo aquando das secagens e cozeduras do m o l d e ( f i g. 1 3 3 ) . Eixo com manivela de torno horizontal para sinetas – Re c o l h e r a m - s e d o i s e i x o s d e f e r r o , c o m m a n i v e l a i n c l u í d a , que serviriam à modelação de pequenas sinetas, devendo p r o v a v e l m e n t e s e r- l h e s e n c a i x a d a u m a p e ç a d e m a d e i r a cónica multifacetada, sobre a qual se acumularia o barro do molde, para que este não patinasse. Esta modelação seria feita na horizontal, girando o molde sobre uma mesa onde os dois extremos do eixo encaixariam e à qual as cérceas seriam fixadas, tal como descrito por Biringuccio para a modelação de sinos (Smith, Gnudi, 1990: 270). Não se tendo identificado vestígios de uma destas mesas, podemos apenas supor que seria concebida em 167


Fi g. 1 3 4 – C o n j u n t o de dois eixos com manivela de torno horizontal para sinetas (desenho de A. Castro, fotografia d e P. M a r t i n s )

madeira ou ferro. À semelhança dos eixos de modelação vertical de sinos, estas duas peças são funcionalmente análogas, constituindo variantes estilísticas tradutoras de d i f e r e n t e s m o m e n t o s d e c o n c e p ç ã o ( f i g. 1 3 4 ) . Á b a c o – Po s t e r i o r m e n t e à r e a l i z a ç ã o d o s r e g i s t o s n o l o c a l , j á e m 2 0 0 8 , o c o n t a c t o c o m o Pr o f. A n t ó n i o J o ã o Pi n t o B e r n a r d o Fe r r e i r a , ú l t i m o d e s c e n d e n t e d i r e c t o d a f a m í l i a d e Pi n t o Lo u r e i r o , p e r m i t i u - n o s a i n d a o r e g i s t o de um ábaco de madeira, certamente parte de um conjunto infelizmente perdido, correspondendo um ábaco a cada modelo fundido, neste caso concreto identificado pelo número vinte e três, em numeração romana, ao qual aparenta ter sido posteriormente acrescentado o número 25 em numeração árabe. Estas pequenas ferramentas de medida comportariam numa só peça as diversas unidades de medida através das quais se conceberia o desenho dos diversos sinos, correspondendo a sua maior dimensão à espessura do bordo, medida que, nos seus múltiplos e submúltiplos, estaria na base de toda a relação de proporção das diferentes partes constituintes do sino a desen h a r, g a r a n t i n d o a s u a e f i c á c i a s o n o r a e a f i n a ç ã o c o r r e c t a . Re s u l t a d o d a e x p e r i ê n c i a e m p í r i c a a c u m u l a d a a t r a v é s de gerações, estas relações de medida estavam na base da sonoridade e mais ou menos correcta afinação que caracterizavam o trabalho de determinada fundição, mant e n d o - s e p o r i s s o s e m p r e n a m e s m a f a m í l i a ( f i g. 1 3 5 ) .

168

Fi g. 1 3 5 – Á b a c o utilizado como base no desenho de um sino (L. Sebastian)


3.2.5. Atitudes e comportamentos A fundição de sinos rodeou-se, ao longo de toda a História da Europa cristã, de uma áurea contraditória de secretismo profano, próximo da alquimia e, simultaneamente, do sagrado (Nozal Calvo, 1984: 160). A par da complexidade e impressionabilidade de todo o processo de fabrico, o valor simbólico e sagrado do s i n o , i n d i s s o c i á v e l d o q u o t i d i a n o d a s p o p u l a ç õ e s , m a rcante nas suas vidas do nascimento à morte, colocou naturalmente esta actividade num lugar de singularidade. O fenómeno do secretismo profissional, que sempre rodeou as actividades tecnicamente mais complexas, atravessa todos os séculos e profissões. Na garantia da manutenção da actividade profissional e familiar da qual certamente dependia a sobrevivência de toda a família, o secretismo foi uma reacção natural, à qual não será alheia alguma aspiração de reforço social (Sanchez Re a l , 1 9 8 2 : 1 3 ) . A longa dinastia de fundidores da oficina da Granja Nova não parece ter sido excepção, permanecendo ainda hoje na memória popular o respeito e a admiração, sempre marcados pelas especulações que rodearam o secretismo da actividade. O S r. E r n e s t o M a t i a s C r u z , q u e n a f a s e f i n a l d a d é c a d a de quarenta alugou o edifício de habitação do complexo para sua própria moradia, nunca ao longo desse período entrou na oficina, só o tendo feito aquando da nossa intervenção de limpeza e registo. Como último reflexo desta atitude mantida por gerações, o fundidor Ângelo Pi n t o Lo u r e i r o , q u e q u a n d o i d o s o e m i g r o u p a r a o B r a sil abandonando definitivamente a Granja Nova, fechou alguns dos utensílios mais significativos num compartimento da casa que por último habitou, da ruína da qual a p e n a s f o r a m s a l v o s , p e l o S r. H é l i o J o r g e N a s c i m e n t o , alguns carimbos em madeira, perdendo-se para sempre a informação da restante utensilagem. Pe l a m e m ó r i a j á t é n u e d o s m a i s i d o s o s , ú l t i m o s d e t e n tores de um passado próximo que se apressa a distanciar da possibilidade de registo, entrevêem-se ainda alguns dos traços que ajudaram a desenhar a relação da oficina com a povoação. Se bem que completamente integrada na indústria local, peculiarmente diversa até ao início do s é c u l o X X , 15 d i s t i n g u i a - s e p e l a n o t o r i e d a d e q u e t r a z i a à 169


localidade, razão de orgulho, ainda hoje ostentado no b r a s ã o d a f r e g u e s i a ( f i g. 1 3 6 ) . Na pacatez dos dias que se repetem numa pequena povoação como a da Granja Nova eram marcantes os momentos como o da chegada de um sino para refundição, transportado em carros de bois, levando os populares a reunirem-se, saciando a curiosidade e participando num processo a que, até estar finalizado, não teriam acesso. A laboração em si era um trabalho exclusivamente realizado no interior da oficina, dependendo apenas do exterior para o fornecimento da matéria-prima, como a argila e o combustível para o forno. Como ajudantes o fundidor contaria preferencialmente com os elementos familiares que naturalmente lhe sucederiam, não excluindo a i n d a a s s i m a n e c e s s i d a d e d e e m p r e g a r, e m d e t e r m i n a d o s momentos, ajudantes contratados entre a população. Fo i d e s t e c o n t e x t o q u e m a i s i n f o r m a ç ã o r e c o l h e m o s , visto o momento da fundição do bronze implicar a aliment a ç ã o a b u n d a n t e e c o n s t a n t e d o f o r n o . Pa r a r e s p o n d e r à grande necessidade de lenha recorria-se à sua aquisição a lavradores locais, envolvendo-os no seu corte e transporte até à oficina. No transporte final e introdução no forno era exclusivamente empregue mão-de-obra infantil, normalmente filho de quem vendia, em média com quinze a n o s d e i d a d e , p o r i m p l i c a r u m p a g a m e n t o m e n o r, m a s , acima de tudo, por representar um perigo reduzido para a manutenção do segredo de fabrico. Nesta escolha contemplava-se ainda um último requisito: o de que o adolescente não apresentasse qualquer sinal na face, entendido como passível de atrair o azar s o b r e o p r o d u t o f i n a l d a f u n d i ç ã o . 16 Re f e r ê n c i a s a s u p e r s t i ç õ e s d e s t e g é n e r o s ã o u m a c o n s tante associada à fundição de sinos. Dada a sua sonoridade responder a complexas e sensíveis condicionantes físicas e químicas que escapavam completamente ao entendimento empírico do fundidor artesanal, o seu sucesso dependia da repetição de gestos e opções seleccionados pela acumulação de experiências. Esta fazia-se pela associação directa de causalidade, em que a um vasto grupo de acções com fins específicos, mesmo que não compreendidos na sua essência, se juntavam diversas práticas de vago conteúdo técnico, pretensamente responsáveis pela boa sonoridade final. 170

Fi g. 1 3 6 – B r a s ã o da freguesia da Granja Nova


E s c r e v e n d o n a p r i m e i r a p e s s o a , M o r e i r a Lo p e s d i z - n o s : “ Le m b r o o v e l h o A d r i a n o n a o c a s i ã o d a a b e r t u r a do metal, de sangrador na mão, dizer para os operários, depois de os chamar ao silêncio com aquele nome que é p o u c o l i s o n j e i r o p a r a a s m ã e s – Re z a i u m a S a l v e - Ra i n h a” ( Lo p e s , 1 9 5 3 : 1 5 2 ) . O j á a c i m a r e f e r i d o S r. A n t ó n i o d e O l i v e i r a S a n t o s , d a s u a e x p e r i ê n c i a c o m o a j u d a n t e d e  n g e l o Pi n t o Lo u r e i r o , referia como essencial a permanência do sino no interior do fosso de fundição durante uma a duas semanas, sob pena da sua sonoridade ficar comprometida. De facto, o total arrefecimento do bronze no interior do fosso é vantajoso, no sentido em que garante que este processo aconteça de forma lenta e progressiva, evitando fissuras provocadas pela brusca contracção do metal. No entanto, estes valores empregues na oficina da Granja Nova são de longe excessivos e sem qualquer consequência p r á t i c a , s e n d o f r u t o d e u m a i n t e r p r e t a ç ã o e r r a d a . 17 Após todo o longo processo de fundição, que poder i a d u r a r d e u m a d o i s m e s e s , 18 s e g u i a - s e a r e c u p e r a ç ã o e limpeza do sino, restando então apenas o dramático m o m e n t o d e o t e s t a r, f a z e n d o - o s o a r p e l a p r i m e i r a v e z . A desastrosa hipótese de o resultado não ser satisfatório significaria a refundição completa, custeada pelo fundid o r, e n q u a n t o o s u c e s s o s e r i a p a r t i l h a d o c o m a p o p u l a ção, marcado na memória dos contemporâneos como um evento de grande alegria para a comunidade em geral, festejado efusivamente ao som do recém fundido sino. A f o t o g r a f i a p u b l i c a d a p e l o Pa d r e Va s c o M o r e i r a e m 1924 (Moreira, 1924: 29), já acima referida, ilustra o momento intermédio entre a modelação dos moldes e a sua colocação no interior do fosso de fundição, constituindo talvez este registo fotográfico uma indiscrição excepcional só possível a alguém tão respeitado localmente. Os três moldes de sino e um de sineta que aí são visíveis corresponderiam com certeza a um ou mais trabalhos de fundição encomendados. Contudo, segundo os testemunhos orais recolhidos, existiam sinetas penduradas no tecto e por isso previamente concebidas, com o que poderão estar de acordo as duas sinetas já concluídas que se vêem igualmente na fotografia. O pequeno investimento que estas implicariam e a maior procura que teriam, por se aplicarem a diversos fins para além dos 171


N.À

Ano

Fundidor

Localização

1

1733

(não identificado)

Igreja Paroquial de Granja Nova

2

1781

(não identificado)

Igreja Paroquial de Granja Nova

3

1843

(não identificado)

Mosteiro de Santa Maria de Salzedas

4

1845

(não identificado)

Igreja Paroquial de Paçô

5

1848

Joaquim Gomes Sorilha

Igreja Paroquial de São Pedro do Sul

6

1872

(não identificado)

Capela de Santo António – Granja Nova

7

1884

José Correia Loureiro

Igreja Paroquial de São Joaninho

8

1889

Adriano Pinto Loureiro

Moledo – Peso da Régua

9

1889

Adriano Pinto Loureiro

Seminário de Lamego

10

1890

José Correia Loureiro

Capela da Senhora do Carmo – Granja Nova

11

1898

Francisco Pinto Loureiro

?

12

1898

Francisco Pinto Loureiro

Igreja Paroquial de Barrô

13

1901

Francisco Pinto Loureiro

?

14

1901

Francisco Pinto Loureiro

Capela de ? – Gouvinhas – Sabrosa

15

1906

Francisco Pinto Loureiro

Capela da Senhora do Desterro – Granja Nova

16

1908

Adriano Pinto Loureiro

Igreja Paroquial de São João de Tarouca

17

1908

Adriano Pinto Loureiro

Capela da Senhora do Desterro – Granja Nova

18

1910

Adriano Pinto Loureiro

Igreja Paroquial do Souto – Penedono

19

1914

Adriano Pinto Loureiro

Capela da Senhora do Carmo – Granja Nova

20

1914

(refundido em 1956)

Igreja Paroquial de Tarouca

21

1915

Adriano Pinto Loureiro

Ericeira ?

22

1922

Adriano Pinto Loureiro

?

23

1923

Adriano Pinto Loureiro

Capela de São Marcos – Valdevez

24

1925

Fundição de P. Loureiro

?

25

1925

Adriano Pinto Loureiro

Abaças – Vila Real

26

1927

Adriano Pinto Loureiro

Igreja Paroquial de Ucanha

27

1928

Adriano Pinto Loureiro

Igreja de ? – Gouvinhas – Sabrosa

28

1932

˜ngelo Pinto Loureiro

Igreja Matriz de Penedono

29

1936

˜ngelo Pinto Loureiro

Igreja de Santa Cruz – Lamego

30

1947

˜ngelo Pinto Loureiro

Igreja Paroquial de Paçô – Moimenta da Beira

religiosos, tornaria a sua fundição mais comum, o mesmo não se passando com sinos propriamente ditos, comportando um investimento de matéria-prima, combustível, argila, esforço e tempo consideráveis. As grandes encomendas não se fariam de forma contínua, mas por vezes intercaladas com longos períodos de inactividade. Estes seriam preenchidos com fundições menores, como o de sinetas para diversos fins, desenvolvendo sempre paralelamente uma agricultura de auto-suficiência, registada na memória local, mas também d o c u m e n t a l m e n t e c o m a p a r t i c i p a ç ã o d o f u n d i d o r Fr a n c i s c o Pi n t o Lo u r e i r o n u m a c o m i s s ã o d e c o - p r o p r i e t á r i o s d a G r a n j a N o v a e m 1 9 0 4 ( O M o n s e n h o r, p e q u e n a h i s t ó ria de um grande homem, 1986: 110). 172

Fi g. 1 3 7 – Le v a n t a m e n t o d e sinos fundidos na oficina da Granja Nova

Sinos ainda em uso Informação recolhida n a Fu n d i ç ã o Serafim da Silva Jerónimo Fi l h o s , de Braga


Os já referidos trabalhos de fabrico e manutenção de alfaias agrícolas, que caracterizaram a última fase de laboração da oficina, poderão ser também uma indicação de que esta era uma actividade secundária ou esporadicamente explorada, podendo contribuir para compensar o s p e r í o d o s d e m e n o r s o l i c i t a ç ã o ( f i g. 1 3 7 ) .

4. Considerações finais Mesmo considerando a hipótese de a actual localização da oficina da Granja Nova não ser a mesma que a original, criada no século XVI pela família Sorrilha, estamos, ainda assim, perante um singular caso de long e v i d a d e d e u m m e s m o c e n t r o p r o d u t o r. Q u a t r o s é c u l o s de produção contínua serão talvez um dos mais extensos períodos de laboração conhecidos na Europa. Seria por isso essencial que a este trabalho, resumido e incompleto pelas limitações a que esteve sujeito, se seguisse o registo e a investigação aprofundada dos vestígios materiais e da memória local, sendo esta última a que mais depressa se esvai, para além da possibilidade de registo. A escavação arqueológica do edifício da oficina ser i a , o b v i a m e n t e , u m d o s p a s s o s e s s e n c i a i s a d a r- s e n e s t e p r o c e s s o , q u e a q u e r e r- s e c o m p l e t o t e r i a a i n d a q u e e n globar todo o conjunto. A juntar à sua importância histórica, arqueológica, antropológica e etnológica a nível local e nacional, a oficina da Granja Nova integra-se num vasto complexo patrimonial, de cariz essencialmente monástico, correspondente ao que teria sido originalmente o couto do Mosteiro de Santa Maria de Salzedas, ao que se soma ainda o c o n t í g u o c o u t o d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a . A forte expressão desta arte e ofício, desenvolvida por tantos séculos nesta localidade, traduz-se ainda actualmente através de dezenas de sinos aí produzidos, distribuí d o s p o r m o s t e i r o s , i g r e j a s e c a p e l a s e m r e d o r, i n c l u s i v e em templos classificados, como são os casos dos mencionados Mosteiros de Santa Maria de Salzedas e de São J o ã o d e Ta r o u c a , c o n t a n d o c o m e x e m p l a r e s e m a c t i v i d a d e c o m d a t a s c o m p r e e n d i d a s e n t r e 1 7 3 3 e 1 9 4 7 ( f i g. 1 3 8 ) . 173


É por isso justificável e compreensível que no seguimento da identificação se tenha iniciado a sua classific a ç ã o p e l o I n s t i t u t o Po r t u g u ê s d o Pa t r i m ó n i o A r q u i t e c t ó nico, por despacho de 22 de Outubro de 2002, através do processo n.º 18/20/03 (001 CLS/02), conferindo assim protecção jurídica ao conjunto, não só pelo seu bom estado de conservação mas pelo que pode representar como fonte de informação para futuras investigações.

Fi g. 1 3 8 – Re g i s t o gráfico do sino da igreja do Mosteiro de São J o ã o d e Ta r o u c a , encomendado p e l o Pa d r e Va s c o Almeida Moreira e fundido por Adriano Pi n t o Lo u r e i r o e m 1908 (A. Castro, L. Sebastian)

Notas 1

N a C a r t a M i l i t a r Po r t u g u e s a , e s c . : 1 / 2 5 0 0 0 , f o l h a n . º 1 3 8 , A r m a m a r, 3 . ª e d i ç ã o , 1 9 9 7 , d o Instituto Geográfico do Exército, esta linha de água aparece como ribeira de Salzedas.

2

S e g u n d o i n f o r m a ç ã o o r a l d o Pr o f. A n t ó n i o Pi n t o B e r n a r d o Fe r r e i r a , J o s é C o r r e i a Lo u r e i r o t e r i a n a s c i d o a 1 0 d e Fe v e r e i r o d e 1 8 6 0 e c a s a d o c o m J o s e f a d a N a t i v i d a d e Pi n t o , t e n d o t i d o q u a t r o f i l h o s , A d r i a n o , Fr a n c i s c o , A n t ó n i o e M a n u e l Pi n t o Lo u r e i r o , t e n d o a p e n a s o s d o i s p r i m e i r o s continuado a exercer a profissão de fundidores sineiros.

3

A r q u i v o N a c i o n a l d a To r r e d o To m b o , C a i x a 2 2 5 5 d o A r q u i v o H i s t ó r i c o d o M i n i s t é r i o d a s Fi n a n ç a s .

4

É extensa e variada a bibliografia existente sobre fornos de revérbero. Apontamos aqui algumas das referências que pensamos serem, no conjunto, mais ajustadas para consulta dentro do tema específico da fundição artesanal de sinos: Barjona, 2001: 61-62; Costa, Melo, 1992: 1 4 5 0 ; D i d e r o t , d ' A l e m b e r t , 1 7 5 9 : p l a n c h e I V; M i g u e l H e r n a n d e z , 1 9 9 0 : 1 6 1 ; N o z a l C a l v o , 1984: 157; Cardoso, 1976: 307.

5

N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a e n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o a p e n a s o p i n h o e r a u t i lizado na alimentação do forno.

174


6

A desoxidação do metal, ou redução, refere-se à extracção do oxigénio ao óxido metálico d e f o r m a a o b t e r o m e t a l p u r o . Pa r a t a l e m p r e g a m - s e s u b s t â n c i a s q u e t e n h a m c o m o p r o p r i e dade a apropriação do oxigénio, tal como o carbono, contido em elevadas percentagens n o c a r v ã o ( Le l l o , Le l l o , 1 9 7 4 : v o l . I I , 7 1 7 ; C o s t a , M e l o , 1 9 9 2 : 1 4 1 2 ; C a r d o s o , 1 9 7 6 : 3 0 8 ; Mesquita, 1978: 62).

7

Esta informação, possível graças ao interessante levantamento documental de José Sanchez Re a l n o s e u t e x t o Fu n d i c i ó n d e u n a C a m p a n a e n 1 4 0 5 , t e m q u e s e r c o n s i d e r a d a c o m a l g u m c u i dado, visto o documento original referir o emprego de uma dezena de foles no momento da fundição, o que está de acordo com a utilização de um cadinho e não de um forno de revérbero.

8

A média de doze horas, apontada por Nozal Calvo, não deve ser extrapolada sem as devidas precauções. Baseando-se na observação directa do funcionamento das fundições Quintana e S a l d a ñ a , o v a l o r a p r e s e n t a d o c o i n c i d e c o m o s r e c o l h i d o s n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , m a s d i s t a , p o r e x e m p l o , d o s v a l o r e s r e c o l h i d o s n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , o n d e s e l e v a r i a entre quatro a oito horas para atingir a temperatura necessária, variando de acordo com a t o n e l a g e m a f u n d i r.

9 O valor de 8448kg/m3, empregue nos cálculos apresentados, é baseado na liga utilizada na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , c o n s t i t u í d a p o r 7 8 % d e c o b r e e 2 2 % d e e s t a n h o , c o n s i d e r a n d o o s v a l o r e s d e t o n / m 3 d e 7 , 2 p a r a o e s t a n h o ( S n ) e d e 8 , 8 p a r a o c o b r e ( C u ) ( Fe r r e i r a , 1 9 7 7 : 6 8 ) . 1 0 N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a e n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o a d e s i g n a ç ã o d e f o s s o de fundição é substituída pelo termo cova. 1 1 Q u e r n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o q u e r n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a o f o s s o d e f u n d i ç ã o , r e c t a n g u l a r, p o s s u i p a r e d e s e m a l v e n a r i a , c o n s t i t u i n d o u m e s p a ç o d e t r a b a l h o c o n c r e t o , organizado e seguro. 1 2 Q u e r n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a q u e r n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o p u d e m o s o b servar o mesmo processo. 1 3 Pu d e m o s c o n s t a t a r o m e s m o p r o c e s s o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , o n d e d u r a n t e a cozedura do canal, construído com tijolos maciços colocados na horizontal, unidos e forrados com barro, os respiros eram cobertos com uma tampa improvisada em barro cru, morfologicamente próxima a uma meia esfera com a face plana para baixo. 1 4 Pu d e m o s m a i s t a r d e c o n f i r m a r n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o o h á b i t o d e p o r v e z e s f a z e r cópias de elementos decorativos de sinos entregues para refundição. 15 A t é m e a d o s d o s é c u l o X X p r o d u z i a - s e , n a G r a n j a N o v a , t e l h a ( T h e m u d o , 1 9 0 5 : 1 5 4 ) , m e i a s ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 1 3 1 ) , c a r r o s d e b o i e p i õ e s . D e s t e s d o i s ú l t i m o s n ã o e n c o n t r a m o s r e f e r ê n cia bibliográfica para além da informação oral que recolhemos, restando apenas a presença do p i ã o n o b r a s ã o d a f r e g u e s i a . Re g i s t á m o s a i n d a a e x i s t ê n c i a d e c a r p i n t e i r o s e f e r r e i r o s , t a m b é m então desaparecidos. 1 6 A i n d a h o j e , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , é e x p r e s s a m e n t e p r o i b i d a a p r e s e n ç a d e i n divíduos do sexo feminino no momento da fundição e enchimento dos moldes, sendo a oficina encerrada nesse momento. 1 7 O s t e m p o s d e a r r e f e c i m e n t o p r a t i c a d o s n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a s ã o d e u m a t r ê s d i a s , r e d u z i d o s p a r a d o i s n o c a s o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , s e n d o c o n h e c i d o s c a s o s , p e l o m e n o s d e s d e o s é c u l o X V, e m q u e o s t e m p o s p r a t i c a d o s e r a m i g u a l m e n t e d e d o i s d i a s ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 6 6 - 6 7 ) . 18 O t e m p o n e c e s s á r i o p a r a a r e a l i z a ç ã o d e u m a f u n d i ç ã o d e p e n d e r i a , l o g i c a m e n t e , d a d i m e n são e número de sinos a ser produzidos. Os períodos excessivos de arrefecimento aplicados na oficina da Granja Nova, entre uma a duas semanas, dificultam igualmente uma avaliação a p r o x i m a d a . C o m p a r a t i v a m e n t e p o d e m o s a p o n t a r c o m o e x e m p l o a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , o n d e a f u n d i ç ã o d e u m s i n o d e 8 0 0 k g l e v a e m m é d i a o i t o d i a s . A i n d a q u e t r a t a n d o - s e de fundições realizadas localmente por fundidores itinerantes, não deixa de ser interessante a p o n t a r o c a s o d a f u n d i ç ã o e m 1 4 0 5 d e u m s i n o e m Va l ê n c i a , e s t u d a d o p o r J o s é S á n c h e z Re a l e i m p l i c a n d o q u a s e d o i s m e s e s d e t r a b a l h o c o n t í n u o ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 8 4 ) e d e u m o u t r o , d e 1 5 8 5 e m Va l l a d o l i d , c u j a f u n d i ç ã o t e r á d u r a d o a p e n a s 1 6 d i a s ( M a r c o s V i l l á n , M i g u e l H e rnandez, 1998: 37).

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A f i n a ç ã o d e c a r r i l h ã o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a ( P. M a r t i n s ; I g e s p a r © )


C A P Í T U LO V I A TÉCNICA ARTESANAL DE FUNDIÇÃO DE SINOS EM PORTUGAL: A S D UA S Ú LT I M A S F U N D I Ç Õ E S PORTUGUESAS

1. Introdução E x i s t i n d o a c t u a l m e n t e e m Po r t u g a l a p e n a s d u a s f u n d i ç õ e s e m l a b o r a ç ã o , A Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o e A Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a d e S e r a f i m d a S i l v a J e r ó n i m o & Fi l h o s L d a . , c o n s i d e r á m o s e s s e n c i a l p r o c e d e r a í a o registo dos métodos e técnicas artesanais ainda em uso, o que no caso da primeira corresponde praticamente ao todo, tendo a fundição bracarense sofrido uma acentuada industrialização na última década. Não pretendendo realizar um levantamento cabal do processo de fabrico em ambas as fundições, não pudemos deixar de realizar o que entendemos ser o resumo essencial do mesmo, omitindo novas técnicas ou materiais que se tenham imposto recentemente, não sem deixar de indicar quando tal aconteceu, recuperando os processos artesanais recorrendo àqueles em cuja memória ainda perduram. Infelizmente impossíveis de recuperar actualmente são as tradições e superstições que secularmente rodearam o fabrico de sinos, agora praticamente extintas. Limitamo-nos a registar o antigo hábito de se realizar u m a m e r e n d a c o m u m n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , aquando da recuperação dos moldes da cova de fundiç ã o , e , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , o f a c t o d a presença de indivíduos do sexo feminino, de facto, ainda não ser permitida no momento do vazamento do bronze, de acordo com uma das mais antigas e generalizadas crenças ligadas a esta arte. 177


A opção de reunir num só texto ambas as fundições impôs-se por si só durante o trabalho de campo, uma vez que a herança comum de ambas se espelha claramente no seu método de fabrico, tendo este apenas vindo a dist a n c i a r- s e r e c e n t e m e n t e , l o g o , f o r a d o u n i v e r s o a r t e s a n a l q u e p r e t e n d e m o s r e c u p e r a r. N o e n t a n t o , e c o n s i d e r a d a s d e n t r o d o e s p a ç o t e m p o r a l e m q u e a m b a s l a b o r a r a m a rtesanalmente, procurou-se identificar e definir divergências, indicadoras dos ritmos e processos de evolução.

2. As famílias Costa e Jerónimo Ta n t o q u a n t o n o s f o i p o s s í v e l d e t e r m i n a r, p r e c i s a m o s de recuar até aos finais de século XIX para estabelecer o início do processo que estará na génese do estabelecimento de ambas as fundições aqui em estudo. Tr a t a n d o - s e i n v a r i a v e l m e n t e d e u m a h i s t ó r i a c o n s tituída por complexas ligações familiares, constantes migrações de fundidores entre fundições já existentes e novas fundações, limitámo-nos apenas a proceder a uma recolha oral, baseada na memória ainda conservada em ambas as famílias. Naturalmente, esta esbate-se ao recuar no tempo, criando inúmeras situações de contradição que apenas servem para levantar maiores dúvidas sobre as informações recolhidas. No entanto, sendo esta memória uma fonte em constante desvanecimento, considerámos útil o seu registo, salvaguardando a sua fragilidade factual. A s s i m , p o d e m o s c o n s i d e r a r, e m t e r m o s d i r e c t o s , q u e o processo histórico que deu origem a ambas as fundições s e i n i c i a c o m a f u n d a ç ã o , e m 1 8 8 9 , d a Fu n d i ç ã o Ro c h a e C o m p a n h i a , p o r H e r m í n i o Ro c h a C o s t a , j u n t a m e n t e c o m a l g u n s s ó c i o s , s e d i a d a n a Ru a d o H e r o í s m o n o Po r t o . Em relação a esta fundição talvez possamos relacionar a e x i s t ê n c i a d e s i n e t e s r e f e r e n t e s a R O C H A E C O M PAN H I A ( s e m d a t a ) , R O C H A- P O RTO - S U C E S S O R E S 1 ( s i n o datado de 1918), LF ROCHA2 (sem data) e LF ROCHA S U C E S S O R E S P O RTO 3 ( s i n o d a t a d o d e 1 9 2 8 ) , p o d e n d o o p a t r o n í m i c o Ro c h a s e r e n c o n t r a d o j á d e s d e 1 7 3 0 , e m AU G O S T I N H O F R A R O C H A B R AC AU G FAC I E N T, l i g a n d o -se também assim a Braga (Braga, 1936: 101). 178


Fi g s . 1 3 9 e 1 4 0 – Vi s t a s g e r a i s do exterior e do i n t e r i o r d a Fu n d i ç ã o de Sinos de Rio Ti n t o ( L . S e b a s t i a n )

C e r c a d e 1 9 1 0 , H e r m í n i o Ro c h a C o s t a d e s l o c a - s e p a r a R i o Ti n t o , 4 i n i c i a l m e n t e i n s t a l a n d o - s e j u n t o à e s t a ç ã o f e rr o v i á r i a , p a r a e m 1 9 4 7 , j á c o m La u r e n t i n o M a r t i n s d a C o s ta como proprietário,5 se fixar definitivamente no actual n . º 1 0 8 d a Ru a D r. G u i l h e r m e C i r n e ( f i g s . 1 3 9 e 1 4 0 ) . A La u r e n t i n o M a r t i n s d a C o s t a s u c e d e u s e u f i l h o H e n rique Marques da Costa e, a este, por sua vez, o seu filho e a c t u a l p r o p r i e t á r i o A l b e r t o d a C o s t a ( f i g. 1 4 1 ) . É c o n q u a n t o n a f u n d i ç ã o Ro c h a e C o m p a n h i a q u e H e n rique da Silva Jerónimo se emprega nos inícios do século X X , t o r n a n d o - s e m a i s t a r d e c u n h a d o d e La u r e n t i n o M a rt i n s d a C o s t a , f i l h o e h e r d e i r o d e H e r m í n i o Ro c h a C o s t a . Cerca de 1917 Henrique da Silva Jerónimo emigra para o Brasil, de acordo com a tendência migratória da época, retornando para fundar a sua própria fundição, s i t u a d a e m A l f e n a , l u g a r d e Re g u e n g o s , n a p e r i f e r i a d e E r m e s i n d e , d e s i g n a d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s H e n r i q u e d a S i l va Jerónimo. Em 1923 Henrique da Silva Jerónimo transfere-se definitivamente para Ermesinde, fundando a denom i n a d a A N o v a Lu s i t â n i a d e E r m e z i n d e , n a Ru a Ro d r i g u e s

Fi g. 1 4 1 – Fo t o g r a f i a d e La u r e n t i n o M a r t i n s da Costa, à direita, e de seu filho Henrique Marques da Costa, à esquerda (gentilmente cedida p o r D r. A l b e r t o da Costa) 179


d e Fr e i t a s , n . º 8 7 0 - 8 7 2 ( f i g. 1 4 2 ) , o n d e d e s e n v o l v e a s u a a c t i v i d a d e e m c o n j u n t o c o m o s s e u s f i l h o s ( f i g. 1 4 3 ) . O s u c e s s o d e s t a f u n d i ç ã o f i c o u p a t e n t e n a o b r a d o Pa d r e J o s é A n t ó n i o Pi n h e i r o e Ro s a , q u e n a s u a o b r a s o b r e os sinos do Algarve escreve: “Nesta fundição, que tive o prazer de visitar em 1944, têm sido executados quase todos os sinos, que nos últimos tempos se têm adquirido para o Algarve [...]. A sua competência e seriedade justif i c a m b e m e s t a p r e f e r ê n c i a” ( Ro s a , 1 9 4 7 : 2 9 , 3 0 ) .

Fi g. 1 4 2 – Cabeçalho de documentação oficial da fundição A N o v a Lu s i t â n i a de Ermezinde, de Henrique da Silva Jerónimo, usado durante a década de quarenta do século XX

Fi g. 1 4 3 – Vi s t a geral do exterior d a Fu n d i ç ã o A N o v a Lu s i t â n i a de Ermezinde, de Henrique da Silva Jerónimo, situada n a Ru a Ro d r i g u e s d e Fr e i t a s , n.º 870-872, provavelmente durante a década de quarenta do século XX

Em 1932 o seu filho, Serafim da Silva Jerónimo, adq u i r e a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a a J o s é G o n ç a l v e s C o u t i n h o , 6 e s t a b e l e c i d a e m 1 9 2 6 n a Ru a A n d r a d e C o r v o , 7 2 - 7 8 , p a s s a n d o a d e n o m i n a r- s e e n t ã o A Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , d e S e r a f i m d a S i l v a J e r ó n i m o ( f i g. 1 4 4 ) . 7 Após o falecimento de Henrique da Silva Jerónimo em 1952, na fase final a laborar apenas em conjunto com 180


Fi g. 1 4 4 – Fo t o g r a f i a , d e 1947, do carrilhão de dezanove sinos fundido para a Igreja de Santa Lu z i a e m Vi a n a d o Castelo, tendo por f u n d o A Fu n d i ç ã o de sinos de Braga, Serafim da Silva Jerónimo, situada n a Ru a A n d r a d e Corvo, 72-78 Fi g. 1 4 5 – Fo t o g r a f i a publicada no dia 17 de Novembro de 1945, em jornal não identificado, onde surge Henrique da Silva Jerónimo à esquerda, o seu filho Manuel Martins da Silva à direita e o carrilhonista José Lu í z R i b e i r o A l v e s Po n t e s a o c e n t r o , fotografados junto ao carrilhão de oito sinos fundido para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima em São Martinho, Covilhã

o s e u s e g u n d o f i l h o M a n u e l M a r t i n s d a S i l v a 8 ( f i g. 1 4 5 ) , Serafim da Silva Jerónimo adquire todo o material da Fu n d i ç ã o d e S i n o s N o v a Lu s i t â n i a a o s r e s t a n t e s h e r d e i ros, cessando esta o seu último período de actividade, correspondente à laboração independente de Manuel da Silva durante as décadas de cinquenta e sessenta. Em 1964 Serafim da Silva Jerónimo deixa de laborar n a s i n s t a l a ç õ e s o r i g i n a i s n a Ru a A n d r a d e C o r v o , 7 2 - 7 8 , demolidas apenas em 2003, construindo as actuais inst a l a ç õ e s n a Ru a d a C i d a d e d o Po r t o ( f i g. 1 4 6 ) . E m 1 9 7 4 os seus filhos, até aí colaboradores, passam a ser sócios d a e m p r e s a , p a s s a n d o e s t a a d e n o m i n a r- s e A Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , d e S e r a f i m d a S i l v a J e r ó n i m o & Fi l h o s Lda. Até 1958 Serafim da Silva Jerónimo dirige o sector da fundição e restantes sectores (órgãos e relojoaria) com a colaboração dos seus filhos, assumindo o seu filho

Fi g. 1 4 6 – Vi s t a geral do exterior da Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga (L. Sebastian) 181


Fi g. 1 4 7 – Vi s t a geral do interior da Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga (L. Sebastian)

Arlindo Martins da Silva Jerónimo o sector da fundição dessa data até 1993, quando passa a partilhar a direcção deste sector com o seu filho Carlos Manuel da Costa J e r ó n i m o ( f i g. 1 4 7 ) .

3. O molde 3.1. Os materiais As matérias-primas base empregues na elaboração do molde do sino são, convencionalmente, a argila e a cera, contudo conjugadas nas diversas fases de elaboração com diferentes materiais secundários, ainda assim funcionalmente essenciais. Em destaque, pela sua presença em quantidade, temos o saibro, associado à argila de forma a obter a conveniente pasta de moldação. Com o mesmo fim, mas com prestações funcionais distintas, são ainda matérias recorrentes três produtos de origem vegetal, todos desempenhando diferentes papéis estruturais na elaboração do molde. O sisal, utilizado diferenciadamente em rama e em corda, o algodão, apenas usado em fio, e a palha, habitualmente de feno e localmente moída. Na mesma linha funcional, mas materialmente distinto, temos ainda o arame de ferro recozido. A d q u i r i d o a o e x t e r i o r, o t i j o l o m a c i ç o i n d u s t r i a l , v u l garmente chamado tijolo burro, é utilizado com duas c o n f i g u r a ç õ e s , a r e c t a e a s e m i c i r c u l a r, r e c e b e n d o a q u i a designação de ladrilho. 182


A importância e complexidade no processo de moldação do papel desempenhado pela argila e pela cera justificam, só por si, que sejam tratadas individualmente neste texto, constituindo talvez um dos factores mais essenciais na definição e distinção da herança tecnológica entre fundidores. 3.1.1. O barro Sendo a argila a matéria-prima base na concepção convencional de qualquer molde para a fundição de sinos, recebe aqui a designação de barro, apropriada ao facto de o seu emprego se dar quase invariavelmente como uma das partes constituintes da massa utilizada na elaboração do molde. Assim, o barro é o produto recorrente da combinação de argila com saibro e/ou palha, diferenciando-se a respectiva dosagem de acordo com o fim pretendido. Re p r e s e n t a n d o a a r g i l a o p a p e l d e a g e n t e a g l u t i n a d o r, entende-se aqui o saibro como o elemento resistente, controlando-se o índice de plasticidade pelo teor de humidade, com a maior ou menor adução de água. A introdução de palha na mistura funciona por sua vez como elemento de reforço, conservando contudo as características plásticas necessárias à sua aplicação e adesão, contribuindo ainda, com a sua desintegração durante a cozedura do molde, para a formação de microcanais que a u m e n t a r ã o a p e r m e a b i l i d a d e g a s o s a d o m e s m o , i m p o rtante durante e após o vazamento do metal líquido. A a r g i l a u t i l i z a d a é a d q u i r i d a a o e x t e r i o r, s e n d o n o c a s o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o p r o v e n i e n t e d a r e g i ã o d e Á g u e d a e , n o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , da zona de Aveiro. Ainda que dependentes da existência de filões de argila em exploração, tanto quanto possível é evitada a alteração de origens, uma vez que os diversos níveis de plasticidade inerentes às distintas proveniências obrigariam ao reajustamento das quantidades na elaboração dos diferentes barros ou, no mínimo, a alterações no procedimento de aplicação.9 Indiferentemente a esta q u e s t ã o , d e p o i s d e b e m s e c a a o a r, o s e u t r a t a m e n t o c o n siste na sua maceração em pequenos fragmentos com um martelo, ficando de molho em água até ficar moldável. 183


A p a l h a , u n i c a m e n t e u s a d a n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e Braga, é actualmente moída com um comprimento médio de 8mm, para tal recorrendo-se a um moinho de martelos. Este sistema veio substituir recentemente o método original, em que se empregavam os excrementos de cavalo, designados nessa condição por figos. A utilização destes excrementos resultaria ainda numa maior plasticidade da mistura final, pelo que as quantidades actualmente emp r e g u e s n o s d i f e r e n t e s b a r r o s d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a d e v e r ã o e n t e n d e r- s e c o m o a p r o p r i a d o s a o s m a t e riais actualmente em uso, devidamente adaptadas. Quanto ao saibro, depois de adquirido é crivado em duas diferentes granulometrias, o saibro fino, de 0 a 1 m m , e o s a i b r o g r o s s o , d e 0 a 2 , 2 m m , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , e d e 0 a 5 m m n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o . E s t a i n t r o d u ç ã o d e s a i b r o n a a r g i l a p o r p a r t e do ramo profissional-familiar dos Jerónimos é já docum e n t a d a , p e l o Pa d r e J o s é A n t ó n i o Pi n h e i r o e Ro s a , e m 1 9 4 4 , r e f e r i n d o - s e à Fu n d i ç ã o d e S i n o s N o v a Lu s i t â n i a , de Ermesinde, propriedade de Henrique da Silva Jerónim o ( Ro s a , 1 9 4 7 : 2 9 , 3 0 ) . A preparação do barro propriamente dito obedece ao fim a que se destina nas diferentes fases da moldação, apropriando-se as suas características em termos de res i s t ê n c i a , p l a s t i c i d a d e e a d e r ê n c i a . Le v a d a a c a b o n u m pequeno tanque com a altura média de cerca de 30cm, é primeiro misturado com os restantes elementos com auxílio de uma enxada e, de seguida, amassado com pisões, termo correspondente a pequenos maços de madeira. Como já anteriormente referido, a não introdução de p a l h a p o r p a r t e d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o c o n s titui uma excepção ao habitualmente registado em fundições, sendo todo o processo de moldação realizado com o mesmo barro, formado por três partes de saibro grosso para uma de argila. Apenas constitui excepção o barro denominado lisa, obtido com as mesmas quantidades, mas usando saibro fino e claras de ovos. De resto, a adaptação às diferentes fases de moldação é feita apenas através da maior ou menor plasticidade do barro, conseguida pela correspondente introdução de água. 184


N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a a d i f e r e n c i a ç ã o e n t r e os diferentes barros utilizados é mais acentuada, podendo-se no todo definir cinco tipos de barros: - O barro, de uso mais generalizado, é empregue no enchimento da estrutura dos três elementos da moldação, sendo composto por doze partes de saibro grosso, três partes de argila, uma parte de palha e água. - O barro de afinar é, como o nome indica, utilizado n a a f i n a ç ã o , o p r o c e s s o d e a c a b a m e n t o e u n i f o rmização das superfícies em contacto directo com o bronze, que definirão o aspecto do sino fundido. É c o m p o s t o p o r d o z e p a r t e s d e s a i b r o f i n o , t r ê s p a rtes de argila e uma maior quantidade de água em r e l a ç ã o a o b a r r o a n t e r i o r, d e f o r m a a a t i n g i r u m elevado estado de plasticidade. - A l i s a é i d ê n t i c a a o b a r r o d e a f i n a r, m a s d e g r a n u lometria ainda mais fina, misturada com água e claras de ovos. Esta última confere uma plasticidade e a d e r ê n c i a m á x i m a a o b a r r o , e s p e c i a l m e n t e i m p o rtante na adesão à cera do falso sino e aos motivos decorativos, garantindo uma boa reprodutibilidade dos relevos e resistência ao contacto com o bronze líquido a cerca de 1050ºC. - O barro das asas é empregue na moldação das asas do sino, sendo composto por doze partes de saibro grosso, três partes de argila, duas partes de palha e água. Esta maior inserção de palha relaciona-se com as características formais e dimensionais deste elemento do sino, requerente de maior resistência e plasticidade na sua moldação. - O r e l á b i o é c o n s e g u i d o a p a r t i r d o b a r r o d e a f i n a r, acrescentando-lhe água até se tornar mais macio, voltando a ser crivado para se lhe retirar as areias de maior granulometria provenientes da crivagem do saibro. As suas características destinam-se a criar uma camada que adira bem à lisa, mantendo contudo a flexibilidade necessária para que não exerça tenções capazes de a estalar ou descolar da cera, contribuindo ainda para uma boa inserção do sisal em rama e uma boa ligação às subsequentes camadas de barro duro. 185


- O barro das aduelas e bolos é obtido da mistura das aparas do barro de afinar com uma parte de argila e água. Com este barro são concebidos em moldes próprios os tijolos maciços, ligeiramente curvos, que são inseridos no enchimento da estrutura do macho do molde, designados por aduelas, e os bolos, elementos semidiscóides utilizados apenas no fecho superior do macho. Estes elementos não são c o z i d o s , s e n d o s i m p l e s m e n t e s e c o s a o a r. N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o e s t e s e l e m e n t o s e s t r u t u r a n t e s s ã o c o n c e b i d o s d e f o r m a a n á l o g a ( f i g. 1 4 8 ) , no mesmo barro utilizado no molde, diferenciando-se contudo nos bolos, denominados pratos e assumindo aí a f o r m a d e q u a r t o d e c í r c u l o ( f i g. 1 4 9 ) .

3.1.2. A cera Actualmente as ceras empregues em ambas as fundições são de fabrico industrial, adquiridas de acordo com as suas características e os fins a que se destinam. Va r i a n d o c o n s o a n t e a d i s p o n i b i l i d a d e d o m e r c a d o , e s t e s p r o d u t o s v i e r a m s u b s t i t u i r, n a ú l t i m a d é c a d a d o s é c u l o XX, o tradicional sebo de origem animal, adquirido nos matadouros locais, aqui designado por cera. Este facto deve-se não só à crescente dificuldade na sua obtenção, devido ao seu amplo uso na indústria alim e n t a r, m a s s o b r e t u d o à s u a d i f í c i l a p l i c a ç ã o . E n t r e o s principais inconvenientes, nos meses mais quentes, encontra-se a baixa viscosidade que o sebo adquiria, criando especiais dificuldades ao nível dos motivos decorativos, obrigando a que fossem realizados apenas nos períodos 186

Fi g s . 1 4 8 e 1 4 9 – Po r m e n o r d e u m conjunto de aduelas e elemento que compõe o prato, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)


m a i s f r e s c o s d o d i a . Po r o u t r o l a d o , a s u a c o n s e r v a ç ã o constituía igualmente um inconveniente. No entanto, não deixa de ser pertinente colocar a q u e s t ã o s e a s p r o f u n d a s a l t e r a ç õ e s a o n í v e l a l i m e n t a r, n a criação industrial de animais, não terá tido como consequência a adulteração do consequente sebo, não se podendo extrapolar comportamentos e características materiais a períodos anteriores.

3.2. O processo de moldação 3.2.1. A cércea Ta l c o m o a d e s i g n a ç ã o i n d i c a , a c é r c e a é o e l e m e n t o m a t r i z q u e d e t e r m i n a o p e r f i l d o m o l d e d o s i n o a f u n d i r, condicionando o seu contorno pela sua rotação sobre um e i x o a x i a l ( f i g. 1 5 0 ) . A sua montagem consiste em cravar verticalmente no chão uma estaca de madeira, designada por coluna, sobre a qual será por sua vez fixada a cesta (termo usado n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a ) o u c r u z e t a ( t e r m o u s a d o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o ) , p e ç a e m f e r r o q u e recebe estas designações devido à sua forma. Esta cesta, ou cruzeta, tem ao centro a perfuração na qual encaixará o aguçado extremo inferior do eixo, uma peça igualment e d e f e r r o , d e f o r m a v a g a m e n t e s i m i l a r a u m “ D” c o m prolongamento da haste vertical em ambos os sentidos. A s u a e x t r e m i d a d e s u p e r i o r, d e s e c ç ã o c i r c u l a r, e n c a i x a p o r s u a v e z n o m a n c a l , 10 u m a p e ç a d e m a d e i r a p o s i c i o n a d a

Fi g. 1 5 0 – Aspecto geral do armazenamento de cérceas, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (A. Castro) 187


na horizontal por cima do local de modelação, permitindo assim a rotação do eixo entre si e a cesta. A cércea propriamente dita consiste num elemento de madeira com o perfil aproximado do sino, sendo-lhe fixado o perfil exacto recortado em chapa metálica, recebendo a mesma peça de madeira o perfil metálico do interior e do exterior do sino. É a rotação deste conjunto que vai retirar os excessos de barro durante a moldação de cada uma das três partes do molde, forçando a sua adaptação ao perfil desejado. O espaço entre a cércea e o chão é reservado para a c o n s t r u ç ã o d e u m a g r e l h a c i r c u l a r, a t r a v é s d a q u a l s e define a zona de combustão responsável pela posterior secagem da moldação. Esta é construída com ladrilhos rectos, colocados na vertical e pouco espaçados entre si, garantindo a sua estabilidade com a prévia compactação do terreno de assentamento e fixação dos mesmos ao s o l o c o m b a r r o ( f i g. 1 5 1 ) . Pa r a p e r m i t i r a i n t r o d u ç ã o d e l e n h a n o s e u i n t e r i o r são deixados, em posições diametralmente opostas, espaços de maior distanciamento entre os ladrilhos, variando o seu número consoante o diâmetro da boca do sino a f u n d i r, d o i s p a r a o s m a i s p e q u e n o s , p o d e n d o c h e g a r a doze nos maiores.

3.2.2. O macho O macho corresponde ao interior do molde, definindo o s e u c o n t o r n o e x t e r i o r o p e r f i l i n t e r i o r d o s i n o a f u n d i r. O facto de ser dos três componentes constituintes do molde o mais volumoso e pesado, reflecte-se na sua técnica de construção, implicando a introdução de elementos estruturantes sólidos previamente concebidos, como já acima descrito para as aduelas e os bolos ou pratos. Sobre a grelha inicial de tijolos maciços inicia-se a elaboração da mó, correspondente à base da moldação e estruturalmente na continuação do macho, responsável por suportar toda a carga e servir de guia de centragem do conjunto. Esta é concebida através da colocação de ladrilhos semicirculares previamente molhados e colados com barro, variando vertical e horizontalmente o número d e f i a d a s d e a c o r d o c o m a d i m e n s ã o d o s i n o a f u n d i r, p o 188


Fi g s . 1 5 1 e 1 5 2 – Aspecto geral da grelha, coluna, eixo, cércea e cesta; aspecto geral da mó e elevação inicial do macho, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga (C. Jerónimo)

dendo-se utilizar ladrilhos rectos no anel interior quando a largura o permite. Orientando a colocação destes ladrilhos pela passagem da cércea, é acautelado o espaço necessário para o seu posterior revestimento, feito com a criação de uma malha de arame e uma resistente camada de barro. O macho é então iniciado elevando-se as suas paredes com aduelas previamente molhadas e coladas com b a r r o , o r i e n t a n d o - s e s e m p r e a s u a c o l o c a ç ã o p e l a c i rculação da cércea. Existindo em duas diferentes espess u r a s n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , d e 2 5 e 5 0 m m , a s a d u e l a s s ã o e m p r e g u e s n a m o l d a ç ã o d e s i n o s a t é 4 5 0 k g, acima dos quais são completamente substituídas por lad r i l h o s ( f i g. 1 5 2 ) . Pe l o c o n t r á r i o , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o a s a d u e l a s u t i l i z a d a s s ã o s e m p r e d e 2 5 m m , i n d e p e n d e n t e m e n t e d a d i m e n s ã o d o s i n o a m o l d a r. Chegando-se ao topo do macho, o seu fecho é feito c o m u m b o l o , n o c a s o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , o u c o m u m p r a t o , n o c a s o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , r e s u l t a n d o s e m p r e n u m d i s c o d e b a r r o c r u s e c o a o a r, cortado em duas ou quatro partes iguais, fixas entre si e ao macho por uma cinta de arame, recebendo ao centro a cesta ou cruzeta e servindo-lhe de apoio para as fases seguintes. Seguidamente procede-se à secagem do bolo ou prato e da sua ligação ao macho, o que é realizado através da combustão de lenha directamente em cima da z o n a a c o z e r ( f i g. 1 5 3 ) . 189


Com o bolo ou prato bem seco, é criada uma malha d e a r a m e e m t o r n o d e t o d o o m a c h o ( f i g. 1 5 4 ) , c o b e r t a por uma espessa camada de barro moldado pela passagem da cércea, após o que esta pode ser removida para se proceder à primeira secagem por combustão de lenha n o i n t e r i o r d a g r e l h a 1 1 ( f i g. 1 5 5 ) . Depois de seca, a camada de barro que cobre o macho contrai-se, devido à evaporação de água, pelo que, após remover as marcas de fumo e humedecer o barro seco, de forma a garantir uma boa adesão, é aplicada nova camada de barro. O acabamento final do macho, ou afinação do macho, é cuidadosamente realizado, uma vez que corresponderá à s u p e r f í c i e i n t e r n a d o s i n o a f u n d i r. Pa r a i s s o , n a Fu n dição de Sinos de Braga são dadas várias camadas de b a r r o d e a f i n a r, b a s t a n t e m a c i o e f l u i d o , c o m a m o l d a ç ã o ainda bastante quente, cerceando com o necessário intervalo de tempo entre elas para que sequem, enquanto n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o e s t a o p e r a ç ã o é r e a l i zada com o mesmo barro de enchimento do molde, mas muito fluido. Ta n t o n u m a c o m o n o u t r a f u n d i ç ã o , e s t e é u m p r o c e s s o contínuo até se atingir o acabamento superficial desejad o , e q u i v a l e n t e a u m p o l i m e n t o ( f i g. 1 5 6 ) , d e i x a n d o - s e e n t ã o a m o l d a ç ã o a r r e f e c e r. 190

Fi g s . 1 5 3 , 1 5 4 e 155 – Secagem do bolo e da sua ligação ao macho; malha de arame criada em torno do macho; primeira secagem do macho, através da combustão de lenha no interior da g r e l h a , n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga (C. Jerónimo)

Fi g. 1 5 6 – M a c h o após o acabamento f i n a l , n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga (C. Jerónimo)


3.2.3. O falso sino ou camisa

Fi g s . 1 5 7 , 1 5 8 e 1 5 9 – Re v e s t i m e n t o do macho com cera, aplicada com auxílio de um pano; início da aplicação de uma primeira camada de barro sobre o revestimento de cera; malha de fio de algodão criada em torno do falso s i n o , n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga (C. Jerónimo)

O falso sino ou camisa corresponde exactamente ao s i n o a f u n d i r, m o d e l a d o e m b a r r o e c e r a , i n c l u i n d o m o t i vos decorativos e inscrições, que, destruído após a cozedura do molde, resultará no espaço vazio, no interior do molde, a preencher pelo vazamento do bronze. A p ó s a c o n c e p ç ã o d o m a c h o , o p e r f i l m e t á l i c o c o rrespondente é removido da cércea, passando a funcionar com o perfil metálico relativo ao contorno exterior do falso sino. De forma a garantir a correcta separação entre o falso sino e o macho, reveste-se este último com cera, d e s i g n a d a a q u i p o r c e r a d e a f i n a r, u t i l i z a n d o p a r a i s s o u m p a n o ( f i g. 1 5 7 ) . Te n d o c r i a d o e s t a c a m a d a d e s e n formadora, inicia-se então a aplicação de uma primeira c a m a d a d e b a r r o d e a f i n a r, e m p e q u e n a s p o r ç õ e s e b e m compactadas contra o macho, cerceando constantemente, sendo aqui o barro de afinar usado num estado mais d u r o , o u s e j a , m e n o s l í q u i d o ( f i g. 1 5 8 ) . N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a é c r i a d a e m s e g u i d a uma malha de fio de algodão, envolvendo todo o molde, primeiro na horizontal e por último nas diagonais, ficand o o f i o e m b u t i d o n a c a m a d a i n i c i a l d e b a r r o d e a f i n a r, conferindo a resistência estrutural necessária para que o f a l s o s i n o n ã o s e d e s i n t e g r e ( f i g. 1 5 9 ) . Seguidamente aplica-se uma nova camada de barro d e a f i n a r, d e s t a v e z m a c i o , p o d e n d o - s e p r o c e d e r à s e g u n -

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da secagem por combustão do molde, introduzindo-se a necessária lenha no interior do macho através da grelha. Uma vez seco, retoma-se uma nova camada de barro de afinar e terceira secagem por combustão. Re c o r r e n d o n o v a m e n t e a b a r r o d e a f i n a r, m u i t o m a cio, procede-se à afinação do falso sino, à semelhança do descrito para a afinação do macho. Como o perfil metálico do contorno exterior do sino conta já com os cordões decorativos, estes encontram-se nesta fase em relevo no próprio barro. Assim, após a afinação e arrefecimento do falso sino, removem-se estes cordões de barro através de raspagem, limpando-se cuidadosamente quaisquer detritos resultantes, com passagem final de um pano húmido. Os motivos decorativos em alto-relevo a aplicar são previamente elaborados em cera, empregando-se para isso carimbos em madeira, onde se encontram gravados em negativo os motivos decorativos, como rendilhas ou custódias, caracteres, entre letras e números, e o próprio sinete identificativo do fundidor (figs. 160 e 161). Na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o p o d e m o s m e s m o c o n s t a t a r que, ao extenso repertório decorativo, estão constantemente a ser acrescentados novos motivos, com base na cópia de elementos retirados aos sinos que são refundid o s ( f i g. 1 6 2 ) . 192

Fi g. 1 6 0 – S i n e t e d e Henrique Marques da Costa, da Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o ( L . Sebastian) Fi g. 1 6 1 – S i n e t e a c t u a l d a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga (L. Sebastian) Fi g. 1 6 2 – C o n j u n t o de carimbos e rolos para cera na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)


Fi g. 1 6 3 – C e r a vertida em estado líquido sobre o falso sino, criando os cordões e afinando a sua superfície, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga (C. Jerónimo)

A cera utilizada, designada então por cera de imprim i r, a d e q u a - s e à c o r r e c t a r e p r o d u ç ã o d o s m o d e l o s e m carimbo pela sua aplicação em estado pastoso, a cerca de 50ºC, pressionando-se até garantir o total preenchimento. Em seguida o molde devidamente preenchido é submergido em água fria, solidificando a cera, que pode então ser removida e os excessos recortados. Quando o motivo a conseguir é uma escultura, como por exemplo a figura de um santo padroeiro, a sua dimensão e volume implica que a cera de vazar seja vertida em estado líquido, a cerca de 80ºC, sendo nestes casos o molde concebido em gesso. De forma a reproduzir o molde com a espessura necessária, a cera é vazada mantendo o molde em constante movimento, para que cubra uniformemente o carimbo, criando uma escultura não maciça, mas resistente, bastando em seguida recortar os e x c e s s o s e a p l i c a r. A aplicação dos motivos decorativos passa, em prim e i r o l u g a r, p o r t r a ç a r a l á p i s n a f a c e e x t e r i o r d o f a l s o sino guias auxiliares, de acordo com a decoração previamente decidida. Em seguida, premindo um movimento constante à cércea, verte-se cera em estado líquido sobre t o d o o f a l s o s i n o , d e s i g n a d a p o r c e r a d e a f i n a r, t e n d o especial atenção para que assuma a forma correcta na zona dos cordões, o que implica que este processo se realize com pontuais tempos de espera, permitindo que a c e r a a r r e f e ç a e s e a v o l u m e p r o g r e s s i v a m e n t e ( f i g. 1 6 3 ) . Concluída esta operação, colocam-se finalmente os motivos decorativos previamente concebidos em carimbos, colando-os literalmente à cera do falso sino, pod e n d o , p a r a o s m o t i v o s d e m a i o r d i m e n s ã o , r e c o r r e r- s e à pontual aplicação de cera de afinar em estado pastoso e n t r e o m o t i v o e a z o n a a a p l i c a r. Este sistema de concepção dos elementos decorativos no falso sino é geralmente designado por cera perdida, uma vez que, cumprida a sua função de imprimir em negativo a decoração na face interior da capa, l o g o c o r r e s p o n d e n t e à f a c e e x t e r i o r d o s i n o a f u n d i r, aquando da seguinte secagem do molde, derrete e é absorvida pelo barro.

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Fi g s . 1 6 4 e 1 6 5 – Aplicação de sisal em rama sobre a capa; após a colocação de uma grossa camada de barro duro, envolta por corda de sisal, é aplicada nova camada de barro, n a Fu n d i ç ã o d e Sinos de Braga (C. Jerónimo)

3.2.4. A capa A capa corresponde à moldação exterior do molde, cujo contorno interior definirá o perfil exterior do sino, comportando por isso os negativos dos ornamentos e inscrições impressos em negativo no falso sino. A sua concepção inicia-se cobrindo o falso sino a pincel com sucessivas camadas de lisa, intercalando com sucessivas secagens, resultando numa fina, mas compacta, carapaça de 2 a 6mm, reproduzindo em negativo os altos-relevos do falso sino. N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a é a p l i c a d a à m ã o , sobre esta cobertura de lisa, uma primeira camada de r e l á b i o q u e , a p ó s s e c a r, r e c e b e p o r s u a v e z u m a s e g u n d a camada. Estando esta ainda húmida, aplica-se em toda a s u p e r f í c i e s i s a l e m r a m a ( f i g. 1 6 4 ) , c o b e r t o p o r u m a terceira camada de relábio que, de modo a garantir a correcta adesão das seguintes camadas, recebe em toda a superfície sulcos circunferenciais produzidos pela pressão em movimento dos dedos da mão. Depois da secagem lenta por combustão de lenha no interior da grelha, seguida da sempre necessária limpeza de fuligem e humectação do molde, é aplicada uma camada de barro macio, sobre a qual se aplica uma grossa camada de barro duro, envolta por corda de sisal colocada tendencialmente na horizontal, revestida por sua vez e m n o v a c a m a d a d e b a r r o ( f i g. 1 6 5 ) . 194


E s t e p r o c e d i m e n t o d i f e r e n c i a - s e d o p r a t i c a d o n a Fu n d i ç ã o d e R i o Ti n t o p e l o f a c t o d o s i s a l e m r a m a s e r a í aplicado directamente sobre a lisa, coberto em seguida por nova camada de barro antes de se proceder à secagem por combustão. As seguintes camadas de barro são igualmente aplicadas sem introdução de corda de sisal. Te n d o a t i n g i d o a n e c e s s á r i a e s p e s s u r a , s ã o f i x a d o s quatro tirantes, constituídos por peças de ferro fixadas à capa com auxílio de uma malha de arame, destacando-se apenas a parte anelar por onde a capa será suspensa p a r a e x t r a c ç ã o d o f a l s o s i n o . Fe i t o i s t o , é a p l i c a d a n o v a camada de barro, usando-se nesta fase uma cércea simplesmente de madeira, cujo perfil conta com os necessários recortes para a passagem dos tirantes.

3.2.5. A asa

Fi g. 1 6 6 – C o n j u n t o de moldes em cera, de asas singelas, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)

A asa corresponde ao elemento superior do sino através do qual este é fixado ao cabeçalho, sendo composta pelos cotos, assumindo estes diversas secções, podendo mesmo ostentar complexas decorações. Po d e m - s e e n t ã o d e f i n i r d o i s t i p o s d e a s a s , a s i n g e l a e a dobrada, adequando-se a sua selecção de acordo com o peso do sino. A singela aplica-se aos sinos de menor porte, sendo uma asa simples de dois cotos simétricos com abertura para a passagem do eixo, em torno do qual se dará a rotação do sino quando definitivamente posicionado nos respectivos entalhes na janela do campanário. A dobrada aplica-se por sua vez aos sinos de grande porte, possuindo seis cotos: dois cotos individuais simétricos, à semelhança da asa singela, e dois pares simétricos de cotos paralelos posicionados perpendicularmente em relação aos dois cotos individuais. Neste aspecto, encontramos nas duas fundições métodos completamente díspares no fabrico da moldação da a s a , c o n s e r v a n d o - s e a p e n a s n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o o t r a d i c i o n a l p r o c e s s o d e c e r a p e r d i d a . E s t e c o n s i s te simplesmente na elaboração em cera de uma réplica e x a c t a d a a s a a f u n d i r ( f i g. 1 6 6 ) , s e g u i d a m e n t e e n v o l t a n o mesmo barro usado no molde e cozida, resultando o negativo a preencher pelo bronze da expulsão da cera. Este 195


processo implica obviamente a cozedura prévia da moldação da asa para recuperação da cera, antes da sua colocação no molde do sino, o que é realizado simplesmente numa grelha suspensa sobre a combustão de lenha. N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a e s t e m é t o d o é s u b s t i t u ído pela utilização de modelos em madeira, reutilizáveis. Assim, dada a sua simplicidade, a asa singela é moldada de uma só vez em duas metades simétricas, usando-se p a r a t a l u m m o d e l o e x a c t o d a a s a p r e t e n d i d a ( f i g. 1 6 7 ) . A asa dobrada, dada a sua complexidade, implica que as duas metades simétricas do molde sejam moldadas, por sua vez, em três partes distintas. A primeira corresponde à moldação do perfil exterior do par de cotos paralelos, enquanto a moldação do seu perfil interior é feita de forma análoga, mas dividindo-se a meio em duas partes iguais e simétricas. A zona de junção entre os dois conjuntos de três partes que formam a totalidade da asa possui, por sua vez, metade do molde dos dois cotos individuais, que se completam no momento da junção das duas metades. O modelo de madeira usado, ao contrário do descrito para a asa singela, não corresponde ao m o d e l o e x a c t o d a a s a a f u n d i r, e x i s t i n d o a p e n a s u m c o t o r e u t i l i z a d o s e i s v e z e s ( f i g. 1 6 8 ) . O padrão central ao qual se ligam os cotos é obtido, em ambas as asas, escavando simplesmente a moldação da asa, constituindo igualmente passagem para a entrada do bronze no interior do molde do sino. O barro empregue nesta fase é o designado barro das a s a s q u e , d e p o i s d e s e c a g e m n a t u r a l a o a r, d e f o r m a a c o n f e r i r- l h e a r e s i s t ê n c i a n e c e s s á r i a a o m a n u s e a m e n t o , é alisado interiormente recorrendo-se a espátulas de madeira fabricadas localmente para o efeito, após o que recebe uma camada de lisa. Depois deste processo, as 196

Fi g s . 1 6 7 e 1 6 8 – Molde de asa singela; molde de asa dobrada, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga (C. Jerónimo)


Fi g. 1 6 9 – Montagem da moldação da asa, na parte superior do molde do sino, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga (C. Jerónimo)

diferentes partes que compõem o molde são coladas com barro e travadas com uma cinta de arame Em ambas as fundições e em ambos os tipos de asa a moldação inclui a gitagem, os respiros e os tirantes, ou seja, o gito ou entrada para introdução do metal no mold e , q u e é s e m p r e ú n i c o , o r e s p i r o , 12 c a n a l p o s i c i o n a d o acima do gito e através do qual se dá a evacuação de ar e gases do interior do molde aquando do seu enchimento, variando o seu diâmetro proporcionalmente à dimensão d o s i n o a f u n d i r, e q u a t r o t i r a n t e s , à s e m e l h a n ç a d o d e s c r i t o p a r a a c a p a . N o c a s o d e s i n o s s u p e r i o r e s a 2 6 0 k g, p a r a a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , e 8 0 0 k g, p a r a a Fu n d i ç ã o d e R i o Ti n t o , o n ú m e r o d e r e s p i r o s s o b e p a r a d o i s . Concebida a moldação da asa, esta é montada no seu respectivo lugar na parte superior da moldação do sino, constituindo assim uma peça única, a vazar simultaneam e n t e ( f i g. 1 6 9 ) . Estando assim a moldação completa, o seu interior é enchido com carvão coque e iniciada a cozedura completa, que demora em média dois a três dias, extraindo-lhe toda a humidade e conferindo-lhe maior resistência mecânica.

4. A fundição 4.1. A cova (e a preparação para o vazamento) Concluída a secagem final da moldação, esta encontra-se a uma temperatura de cerca de 800ºC, sendo então elevada e transportada para o interior da cova, onde se dará o vazamento do bronze. A cova é constituída por uma abertura quadrangular no chão de terra batida da fundição, sem fundo estruturado mas cujas paredes interiores são forradas a pedra, sendo a sua dimensão de 4m de largura por 3m de comp r i m e n t o c o m 2 , 5 m d e p r o f u n d i d a d e , n a Fu n d i ç ã o d e S i nos de Braga, e de 2m de largura por 2m de comprimento c o m c e r c a d e 2 , 5 m 1 3 d e p r o f u n d i d a d e , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o . É no interior desta cova que a moldação é colocada na sua posição, considerando que uma fundição corresponde geralmente a vários sinos de uma só vez, impli197


Fi g. 1 7 0 – Po r m e n o r da badaleira de um sino, após a sua fragmentação para refundição, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)

cando a distribuição decrescente dos moldes no interior da cova de acordo com o espaço disponível, volume dos sinos a fundir e configuração do canal responsável pela condução e distribuição do bronze pelos diversos moldes, garantindo invariavelmente que a altura dos gitos e dos respiros seja a mesma. Depois de se nivelar o posicionamento da moldação, é fixada a badaleira na sua posição no interior do macho, consistindo num elemento de ferro em forma de “U”, inserido no espaço deixado vazio pela remoção da cesta ou cruzeta, completando-se com barro. De forma a melhorar a fixação da badaleira e a aumentar a resistência do mac h o , e s t e é i n t e r i o r m e n t e e n c h i d o c o m t e r r a ( f i g. 1 7 0 ) . A capa do molde é então elevada através de cordas ou correntes fixas aos tirantes, expondo assim o falso sino, que nos aparece agora completamente negro devid o à q u e i m a d a c e r a a a l t a s t e m p e r a t u r a s ( f i g. 1 7 1 ) . A s inscrições e ornamentos, originalmente concebidos em cera e aplicados sobre o falso sino, desapareceram naturalmente durante as secagens por combustão, sendo a cera absorvida pelo barro do molde. O falso sino é então removido quebrando-se cuidadosamente, de forma a não d a n i f i c a r o m a c h o ( f i g. 1 7 2 ) . Segue-se uma cuidadosa inspecção à moldação, rasteando quaisquer tipos de imperfeições que possam comprometer a sua resistência no momento do vazamento e garantindo a correcta criação, no interior da capa, dos negativos que resultarão nas decorações e inscrições. A p ó s i s t o , é r e a l i z a d a a l i m p e z a c o m p i n c é i s d a f a c e e xterior do macho e interior da capa, retocando com barro 198


Fi g s . 1 7 1 e 1 7 2 – Elevação da capa, expondo o falso sino; remoção do falso sino, através da sua fragmentação, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga (C. Jerónimo)

Fi g. 1 7 3 – M o l d e s no interior da cova durante o seu a t e r r o , n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga (C. Jerónimo)

d u r o e , n o c a s o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , c o m t i n t a de cinza, designação da mistura de água com cinza, recolocando em seguida a capa na sua posição inicial na modelação, resultando da ausência do falso sino o espaço a ocupar pelo bronze aquando do vazamento. Antes do preenchimento da cova com terra, aterrando os moldes e conferindo-lhes assim maior resistência à pressão da entrada e elevada temperatura do bronze, é aplicado barro fresco nas zonas de possível fuga do bronze em estado líquido, nomeadamente ao nível da mó na ligação da capa com o macho e na ligação entre a c a p a e a a s a ( f i g. 1 7 3 ) . Após o total aterro da cova, cuidadosamente prensado com pequenos pisões de madeira, é necessário construir o canal através do qual o bronze será conduzido aos gitos. Este é construído sobre o próprio aterro da cova recorrendo a tijolos maciços e barro, com o qual é rev e s t i d o o i n t e r i o r, c o n f i g u r a n d o - s e g e r a l m e n t e u m c a n a l central com ligeira pendente e o número de ramificações correspondente à quantidade de gitos. De forma a conferir maior resistência ao canal e para que o bronze não arrefeça rapidamente antes de entrar na moldação, este é cozido cobrindo-se com lenha de f á c i l e r á p i d a c o m b u s t ã o ( f i g. 1 7 4 ) , s e n d o a i n d a a c r e s c e n t a d a g i e s t a n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , a p ó s a 199


Fi g. 1 7 4 – C o z e d u r a do canal, com lenha de fácil e rápida combustão, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)

inflamação da qual o canal tem que ser totalmente limpo e varrido, eliminando-se cinzas e detritos passíveis de penetrar no molde no momento do vazamento. É também neste sentido que, durante a cozedura do canal, os gitos são tapados com rolhos, discos de cerâmica talhados a partir de fragmentos de telha, podendo ir de 2 a 8cm, de acordo com o diâmetro do gito. O método utilizado nas duas fundições diverge, contudo, na forma como é salvaguardada, antes do vazamento, a penetração de lixos através dos respiros para o i n t e r i o r d a m o l d a ç ã o . N o c a s o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga os respiros elevam-se cerca de 30cm acima do canal, logo salvaguardando a penetração de lixos pela distância que mantêm em relação à combustão respons á v e l p e l a c o z e d u r a d o c a n a l . Po r s e u l a d o , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o o t o p o d o s r e s p i r o s e s t á a o n í v e l d a altura máxima das paredes do canal, correspondentes à altura dos tijolos maciços colocados na horizontal, tendo por isso que ser bloqueados aquando da cozedura do canal, o que é feito com um rolho concebido toscamente em barro cru, com uma morfologia próxima a uma meia esfera, colocando-se a face plana para baixo. Esta relação de proximidade altimétrica entre o topo dos respiros e o bronze vazado no canal é aproveitada pelo fundidor para confirmar se e quando a moldação está completamente cheia, pelo facto do bronze aflorar simultaneamente nos respiros. S e r á a i n d a d e r e f e r i r, e m r e l a ç ã o à q u e s t ã o d o b l o q u e i o d o r e s p i r o e d o g i t o , q u e n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e Braga observámos que, antes da cozedura final de todo 200


o conjunto da moldação, estes são tapados com rolos de cartão ou papel, improvisados na altura, contribuindo também para aumentar a temperatura de cozedura no interior da moldação. Este bloqueio é mantido no momento do transporte da moldação para o interior da cova e seu respectivo aterro, dando-se a sua remoção apenas antes da cozedura do canal, pelo motivo óbvio de que a sua combustão resultaria na introdução de cinzas no interior da moldação. Fi n a l m e n t e , a p ó s a c o z e d u r a e c o n s e q u e n t e l i m p e z a d o c a n a l , o s g i t o s s ã o t a p a d o s p o r a n t o n i n h o s 1 4 ( f i g. 175), estacas de madeira com cerca de 80cm, com a extremidade inferior afiada e envolta em fio de sisal. Na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , n a v é s p e r a d a f u n d i ç ã o , estes são ainda mergulhados numa pasta de tinta de cin-

Fi g. 1 7 5 – A elaboração dos antoninhos, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)

z a . U m a v e z s e c a n a t u r a l m e n t e a o a r, e s t a p a s t a f o r m a r á um revestimento refractário, resistente ao contacto com o bronze fundido no momento imediatamente anterior à desobstrução do gito e consequente entrada do bronze no interior da moldação. Obrigatoriamente comum a ambas as fundições, este tempo de espera, entre o total enchimento do canal e a entrada do bronze no interior da moldação, é importante na medida em que permite que as escórias da fundição assomem à superfície devido à sua menor densidade, garantindo igualmente que o metal líquido chegue de forma contínua ao interior dos moldes, até ao seu completo enchimento, pois uma única interrupção poderia criar uma junta fria no sino, podendo provocar a sua posterior fractura. 201


Fi g. 1 7 6 – A s p e c t o geral do forno da Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga (L. Sebastian)

4.2. O forno e o bronze Em ambas as fundições o tradicional forno de revérbero a lenha é hoje substituído por sistemas de fundição a nafta e g a s ó l e o . N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o e s t a a c t u a l i zação deu-se em meados da década de setenta do século X X , c o m d e s t r u i ç ã o d o f o r n o a n t e r i o r, d a t a d o d e 1 9 4 7 , t e n d o a p e n a s o c o r r i d o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a n o s princípios da década de oitenta do mesmo século. O forno de Braga, apesar de já não se encontrar em uso, mantém-se intacto, tendo sido construído em 1964 ( f i g. 1 7 6 ) c o m t i j o l o r e f r a c t á r i o e p o s t e r i o r m e n t e r e c o berto com cimento. Apresentando a capacidade máxima p a r a 8 0 0 0 k g, t e m a s a í d a d e b r o n z e p o s i c i o n a d a l a t e ralmente em relação ao eixo de reverberação, constituído pelo alinhamento do cinzeiro, câmara de combustão, câmara de fundição e chaminé, situando-se à cota do n í v e l d e c i r c u l a ç ã o , l o g o , d o t o p o d a c o v a q u a n d o a t e rr a d a ( f i g. 1 7 7 ) . O c o m b u s t í v e l u t i l i z a d o e r a , à s e m e l h a n ç a d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , l e n h a d e p i n h o r e s i n o s o , n e cessitando entre quatro a seis horas para o bronze atingir a temperatura de 1200-1300ºC, de forma a entrar no molde a cerca de 1050ºC, podendo variar ligeiramente a d u r a ç ã o d e a c o r d o c o m a t o n e l a g e m a f u n d i r. N o e n tanto, a duração média de doze horas para a capacidade máxima de 2500kg de bronze, conservada na memória d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , r e a l ç a a s i n ú m e r a s variantes a que a prestação destes fornos estava sujeita. N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o p u d e m o s c o n f i r m a r que o forno desaparecido teria aproximadamente a mesm a c o n f i g u r a ç ã o d o o b s e r v a d o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e 202


Fi g. 1 7 7 – E s q u e m a de funcionamento do forno da Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga (L. Sebastian)

Braga, encontrando-se contudo encostado a uma parede. Em termos funcionais e à semelhança do que acontece ainda hoje com o actual forno, apenas identificámos, entre as duas fundições, assimetrias em relação ao posicionamento da boca de saída do bronze. Contrariamente a o o b s e r v a d o e m B r a g a , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o e s t e s i t u a - s e s e m p r e a c e r c a d e u m p a l m o d e a l t u r a em relação ao topo da cova quando aterrada. Este facto implica que, após a abertura, o bronze simplesmente escorra pela parede do forno até ao canal. O bronze utilizado apresenta igualmente pequenas v a r i a n t e s n a s u a c o m p o s i ç ã o . N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o a l i g a u s a d a é d e 7 7 % d e c o b r e p a r a 2 3 % d e e s t a n h o , e n q u a n t o a u s a d a n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a ga é de 78% de cobre para 22% de estanho. Sendo que e m 1 9 4 4 o Pa d r e J o s é A n t ó n i o Pi n h e i r o e Ro s a ( Ro s a , 1947: 30) nos descreve que Henrique da Silva Jerónim o , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s N o v a Lu s i t â n i a , e m E r m e s i n d e , usava a liga de 80% de cobre para 20% de estanho, esta variação de 2% em três gerações demonstra já que se trata de um valor aproximado, passível de pequenas e constantes oscilações. 203


No entanto, não se tratando da fundição de raiz de um sino, mas sim da refundição de um sino danificado, a proveniência de grande parte do bronze vem exactamente d o s i n o a s u b s t i t u i r, q u e b r a d o c o m u m m a ç o e m d i v e r s o s f r a g m e n t o s ( f i g. 1 7 8 ) . D a d a a p e r d a p o r o x i d a ç ã o d e parte do bronze durante a sua fundição, é por regra introduzida no forno uma quantidade ligeiramente superior à necessária, sendo comum a mistura de bronze velho com bronze novo.

Fi g. 1 7 8 – S i n o a ser quebrado, para refundição, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)

Esta questão da evaporação do bronze, durante a fund i ç ã o d o m e s m o , a s s u m e c a p i t a l i m p o r t â n c i a n a d e t e rminação do tempo de fusão e correcta temperatura. Se b e m q u e p r e s e n t e m e n t e , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , sejam utilizados aparelhos actuais de medição da temperatura do bronze, o método artesanal, ainda em uso na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , i m p l i c a a a v a l i a ç ã o s u b j e c t i v a d o f u n d i d o r, b a s e a d a a p e n a s n a s u a e x p e r i ê n c i a transmitida e acumulada. Assim, a correcta fusão do bronze é calculada pela observação directa do metal no interior da câmara de fundição, recorrendo em determinados momentos a uma longa vara de madeira bem seca, de forma a evitar a introdução de hidrogénio através de humidade, com a qual o bronze é brevemente revolvido, dada a rápida combustão da madeira em contacto com o metal incandescente. A avaliação é feita considerando diversos factores, como a cor do metal e das chamas, a liquidez e a textura. 204


Fi g s . 1 7 9 e 1 8 0 – Aspecto geral da fusão do bronze e cozedura do canal; remoção dos antoninhos, na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)

4.3. O vazamento Estando o bronze à temperatura indicada, inicia-se a operação de vazamento. Contrariamente ao longo período correspondente à fusão do bronze, esta desenrola-se num curto espaço de tempo, no qual os breves momentos i n i c i a i s s ã o v i t a i s ( f i g. 1 7 9 ) . Po s i c i o n a n d o , j u n t o a o s d i v e r s o s a n t o n i n h o s q u e o b s truem os gitos, o número necessário de pessoas para que a sua remoção se efectue de forma rápida, é rompida a selagem do forno, correndo o bronze rapidamente pelo canal ( f i g. 1 8 0 ) . E s t a n d o e s t a t o t a l m e n t e c h e i a , a f l o r a n d o à s u a superfície as escórias resultantes da fusão, os antoninhos s ã o r e t i r a d o s ( f i g. 1 8 1 ) , g a r a n t i n d o q u e a i n t r o d u ç ã o d o bronze no interior dos moldes se realize sem quaisquer interrupções, fatais para a boa constituição do sino. A ordem de remoção dos antoninhos está sujeita a algumas variações, no entanto, em termos gerais, corres-

Fi g. 1 8 1 – Fi n a l i z a ç ã o d o rompimento da selagem do forno, n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian) 205


p o n d e à s e q u ê n c i a d e c r e s c e n t e d o s s i n o s a f u n d i r, a b r i n d o - s e p r i m e i r o o s g i t o s d o s m o l d e s m a i o r e s ( f i g. 1 8 2 ) . No sentido de retardar o mais possível o esfriamento d o b r o n z e n o c a n a l , o b s e r v a m o s a i n d a n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a o d e p o s i t a r d e p a l i t o s ( l e n h a f i n a ) e c a rvão sobre o bronze incandescente que, inflamando-se rapidamente, mantêm a liquidez necessária do bronze para que a sua introdução no interior dos moldes seja a mais completa possível, uma vez que o arrefecimento do metal e sua consequente contracção podem levar ao não total p r e e n c h i m e n t o d a a s a ( f i g. 1 8 3 ) .

Fi g s . 1 8 2 e 1 8 3 – Aspecto do vazamento do bronze no canal; pormenor do canal e respiros dos moldes soterrados, após o vazamento, n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)

5. A desmoldagem e acabamento Após o vazamento do bronze, é iniciado o período de e s f r i a m e n t o , c o r r e s p o n d e n t e n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o a u m p e r í o d o d e u m a d o i s d i a s , p o d e n d o n a Fu n d i ção de Sinos de Braga chegar a três ou mais, de acordo com a dimensão dos sinos fundidos. Ao término deste período segue-se o desaterro e elevação do molde, que uma vez fora da cova é cuidadosamente quebrado com auxílio de martelos, descasc a n d o - s e 1 5 o s i n o ( f i g. 1 8 4 ) . Este é então limpo dos vestígios de barro do molde, recorrendo-se para isso à sua escovagem, podendo mesmo ser necessária a utilização de cinzéis, percutidos cuidadosamente com um martelo, para a remoção de pontuais vestígios de barro de maior dimensão e dureza. Seguidamente é rebarbado, ou seja, todas as possíveis rebarbas de bronze, devido a pequenas imperfeições 206

Fi g. 1 8 4 – S i n o a ser libertado do m o l d e , n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga (C. Jerónimo)


do molde, são eliminadas, recorrendo-se a pequenas talhadeiras bem afiadas, percutidas cuidadosamente, especialmente na zona dos motivos decorativos. Um último acabamento final é realizado através do polimento uniforme da superfície exterior do sino, usando duras escovas ou mesmo uma lixa fina. Po r f i m é f i x a d a à a s a d o s i n o o c a b e ç a l h o e m m a d e i ra, previamente encomendado a uma carpintaria, calculado de forma a constituir o exacto contrapeso necessário à e q u i l i b r a d a o s c i l a ç ã o d o s i n o s o b r e o s e u e i x o . N o rmalmente constituído por diferentes partes, unidas por cintas de ferro e parafusos, a necessidade de acrescentar peso ao cabeçalho pode, por vezes, levar a que parte deste seja concebido em pedra. Se bem que apresente sempre, em termos gerais, o mesmo tipo de perfil, o recorte exacto e decoração do cabeçalho assume variadas soluções, de acordo com o gosto d o f u n d i d o r, d o c l i e n t e e d o c o n t e x t o a q u e s e d e s t i n a . Geralmente, apenas estando o sino colocado no campanário a que se destina, é então fixado o badalo de ferro, previamente encomendado a uma fundição. Este assume tradicionalmente a configuração de badalo de forquilha, possuindo na sua extremidade superior duas hastes curvas em “U” invertido, a fixar à badaleira através de tiras de pele ou tendões de animal. No entanto, existem ainda duas soluções recorrentes: o badalo de gancho, a ferrar a quente em torno da badaleira, ainda na oficina de fundição; e o badalo de martelo que, assumindo esta forma e posicionado junto a o s i n o , o p e r c u t e d o e x t e r i o r, d i s p e n s a n d o o u s o d a b a daleira. Esta última solução associa-se normalmente a sistemas automáticos de relógios de campanário.

6. As sinetas A modelação das sinetas, ou sinos de pequena dimensão, corresponde de forma geral ao mesmo processo descrito para os sinos. No entanto, algumas diferenças significativas obrigam-nos ao acréscimo deste último capítulo, onde entendemos ser suficiente, para o seu completo entendimento, a indicação de fases ou passos 207


Fi g. 1 8 5 – C o n j u n t o de moldes de sineta p r o n t o s a f u n d i r, n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o (L. Sebastian)

unicamente quando estes se revelem divergentes, caracterizando assim a modelação de sinetas pela sua compar a ç ã o c o m a d o s s i n o s ( f i g. 1 8 5 ) . Dada a sua reduzida dimensão, a modelação de uma sineta desajusta-se em termos práticos do uso da cércea vertical, pelo que é empregue um torno horizontal. Este consiste num eixo de ferro com manivela numa extremidade, tendo encaixada ao centro uma peça de madeira c ó n i c a , d e s e c ç ã o q u a d r a n g u l a r n o c a s o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o ( f i g. 1 8 6 ) e o c t o g o n a l n o d a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga, de forma a evitar que durante a rotação da modelação esta patine e que possa ser facilmente removida após a sua conclusão. O extremo do eixo junto à manivela e o seu oposto apresentam, por sua vez, uma s e c ç ã o c i r c u l a r, p e r m i t i n d o a s u a c o r r e c t a r o t a ç ã o q u a n do colocada na horizontal sobre a correspondente mesa. Esta mesa é concebida em ferro ou madeira, consistindo numa moldura quadrangular sobre quatro pernas, possuindo ao centro das suas duas maiores faces os elem e n t o s p a r a e n c a i x e d o e i x o , n a s z o n a s d e s e c ç ã o c i rc u l a r. Fi x a h o r i z o n t a l m e n t e n a m e s a , n u m d o s l a d o s d o

Fi g. 1 8 6 – E i x o s para modelação de s i n e t a s , n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Rio Ti n t o ( L . S e b a s t i a n ) 208


Fi g. 1 8 7 – C o n j u n t o de cérceas, para modelação de s i n e t a s , n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Rio Ti n t o ( L . S e b a s t i a n ) Fi g. 1 8 8 – M e s a de modelação de s i n e t a s , n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga (A. Castro)

e i x o , f i c a a c é r c e a ( f i g. 1 8 7 ) , o n d e s e r e c o r t a o p e r f i l d a sineta em chapa, substituída de acordo com a fase de m o d e l a ç ã o d o m a c h o o u d a f a l s a s i n e t a ( f i g. 1 8 8 ) . Este processo é, no essencial, análogo ao descrito para a m o d e l a ç ã o d e s i n o s p o r Va n n u c c i o B i r i n g u c c i o , n o s e u t r a t a d o d e 1 5 4 0 D e l a Pi r o t e c h n i a , s e n d o j á u m a p e r f e i ç o amento do método, por sua vez, descrito no século XII pelo m o n g e T h e o p h i l u s , n o s e u t r a t a d o D e C a m p a n i s Fu n d e n tis. No entanto, a modelação horizontal de sinos acarreta implicações de ordem técnica bastante limitativas, tanto m a i s q u a n t o m a i o r f o r a d i m e n s ã o d o s i n o a f u n d i r, p e l o q u e , e m t e r m o s g e r a i s , e s t e m é t o d o p a r e c e t e r- s e c i n g i d o à região da península itálica, onde ainda se preserva. Dada a modelação ser feita na horizontal, não permitindo as secagens por combustão através da introdução de combustível no interior do macho, estas são feitas através da combustão directamente por baixo da modelação, tendo o cuidado de expor todas as faces através de rotações intervaladas. Aquando da modelação simultânea de várias sinetas, ou utilização de mesa em madeira, estas secagens por combustão são realizadas à parte, retirando o eixo da mesa e colocando-o sobre dois apoios elaborados com vários tijolos sobrepostos, permitindo assim que durante o processo de secagem de uma modelação, a mesma mesa possa ser utilizada na modelação de outra sineta, ou, no caso da mesa de madeira, evitando que esta seja cauterizada. O factor dimensional torna também desnecessária a colocação de tirantes, para elevação, ou mesmo a construção da mó na base do macho, sendo o manuseamento e transporte, do todo ou de parte da modelação, feito directamente à mão. 209


Assim, após a conclusão do molde, este é retirado da mesa, sendo-lhe por sua vez extraído o eixo. No entanto, nesta fase as duas fundições divergem no número de cozeduras e momento de remoção da falsa sineta. Na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , s e p a r a n d o m a n u a l m e n t e a s diferentes partes da modelação, o falso sino é retirado antes da cozedura final, contrariamente ao descrito para os sinos, sendo o macho e a capa retocados nesta fase. Po r s u a v e z , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o é r e a l i z a da uma primeira cozedura do conjunto do molde, após a qual se dá a remoção da falsa sineta, realizando-se só então a cozedura final. A cozedura das sinetas, independentemente da fundição, é realizada no interior de um improvisado forno de s i n e t a s , 16 c o n s i s t i n d o n a c r i a ç ã o d e u m c o m p a r t i m e n t o quadrangular elaborado com tijolos maciços, encostado à p a r e d e n o c a s o d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o . Dadas as múltiplas secagens intercalares serem efectuadas apenas exteriormente, com excepção da cozedura p r é v i a à r e m o ç ã o d o m a c h o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , a s e c a g e m i n t e r i o r d a m o l d a ç ã o é i m p e r f e i t a , p e l o que nesta fase o macho e a capa são cozidos separadam e n t e . Pa r a t a l o m a c h o é c o l o c a d o s o b r e u m a g r e l h a d e tijolos, elevando-se a capa da sua posição original pelo m e s m o p r o c e s s o . Fe i t o i s t o , t o d o o i n t e r i o r d o f o r n o é preenchido com lenha e tapado superiormente com uma chapa, prolongando-se a combustão em média entre três a quatro dias.

Notas 1

I n f o r m a ç ã o g e n t i l m e n t e c e d i d a p e l o E n g. C a r l o s J e r ó n i m o .

2

Po r g e n t i l e z a d o D r. A l b e r t o C o s t a , t i v e m o s o p o r t u n i d a d e d e o b s e r v a r u m c a r i m b o d e m a d e i r a p a r a r e p r o d u ç ã o d e s t e m e s m o s i n e t e , a c t u a l m e n t e e m p o s s e d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , provando assim que esta adquiriu, em parte ou na totalidade, o recheio desta fundição aquando da sua extinção, prática comum entre fundições.

3

A p ó s a i n f o r m a ç ã o g e n t i l m e n t e c e d i d a p e l o E n g. C a r l o s J e r ó n i m o d a e x i s t ê n c i a d e s t e s i n e t e , t i v e m o s o p o r t u n i d a d e d e o b s e r v á - l o n o s i n o d e 1 9 2 8 d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e M a r i a l v a .

210


4

E s t a d e s l o c a ç ã o d o s C o s t a p a r a R i o Ti n t o , a o c o n t r á r i o d a m e m ó r i a a c t u a l d a f a m í l i a , d i f i cilmente terá levado a uma fundação ex nihil, uma vez que encontramos notícia da existência d e u m a f u n d i ç ã o l o c a l d e u m A l e x a n d r e A n t ó n i o Le m o s , f a l i d a e m 1 8 9 7 ( V i t e r b o , 1 9 1 5 : 5 4 ) . A esta gerência deve ter sucedido uma terceira e intermédia, indicada pela existência dos sinetes S I N O S M O D E R N O S, S Y S T E M A L E Ã O & F I L H O S, R I O T I N TO, d e 1 9 0 3 ( i n f o r m a ç ã o g e n t i l m e n t e c e d i d a p e l o E n g. C a r l o s J e r ó n i m o ) , d e 1 9 0 8 ( Lo u r o , 1 9 6 4 : 5 ) e d e 1 9 0 9 , e n c o n t r a n d o - s e e s t e ú l t i m o e m e x p o s i ç ã o n o Fo r t e d e Pe n i c h e . Po d e m o s a i n d a a p o n t a r a e x i s t ê n c i a d e u m a o u t r a f u n d i ç ã o o l i s i p o n e n s e à q u a l o p a t r o n í m i c o Le ã o a p a r e c e a s s o c i a d o , c o m A L E X A N D R E A N T Ó N I O L E Ã O, d e 1 8 9 7 , s e d e a d a n a Ru a A u g u s t a , n . º 2 3 5 ( Lo u r o , 1 9 6 4 : 1 6 ) .

5

Fo i - n o s i n d i c a d a a e x i s t ê n c i a d e s i n e t e s d e 1 9 4 9 , 1 9 5 7 , 1 9 6 2 e 1 9 6 8 o n d e s e p o d e l e r : L . M . DA C O S TA , R I O T I N TO, a o q u a l p o d e m o s a i n d a j u n t a r a e x c e p ç ã o d e L . R . DA C O S TA , R I O T I N TO ( Ro s a , 1 9 4 7 : 5 5 )

6

Fo i - n o s i n d i c a d a a e x i s t ê n c i a d e s i n e t e s o n d e s e p o d e l e r : F U N D I Ç Ã O D E S I N O S D E B R AG A , J O S É G O N Ç A LV E S C O U T I N H O & C A , a o s q u a i s p o d e m o s j u n t a r J O S É C O U T I N H O F U N D I Ç Ã O D E S I N O S D E B R AG A , o b s e r v á v e l n u m s i n o d e 1 9 2 6 d a I g r e j a M a t r i z d e C a m i n h a . A p ó s a aquisição, José Gonçalves Coutinho permaneceu na fundição como empregado, tendo saído p a r a r e a l i z a r, c o m s e u f i l h o , o c a r r i l h ã o d o S a n t u á r i o d e N o s s a S e n h o r a d e F á t i m a , f u n d i d o localmente. Apesar de não termos conseguido identificar o nome do filho de José Gonçalves C o u t i n h o , p u d e m o s r e g i s t a r u m s i n e t e d e 1 9 5 1 o n d e s e p o d e l e r : M A N U E L G O N Ç A LV E S, M E F E C I T, F Á T I M A ( i n f o r m a ç ã o g e n t i l m e n t e c e d i d a p e l o E n g. C a r l o s J e r ó n i m o ) .

7

D e r e f e r i r a i n d a a e x i s t ê n c i a e m B r a g a d e u m a f u n d i ç ã o d e n o m i n a d a F á b r i c a d e Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e J o s é Fr a n c i s c o G o n ç a l v e s & C ª , s i t a n a A n t i g a Ru a d a s Á g u a s , i d e n t i f i c á v e l p o r u m d o s s e u s a n ú n c i o s p u b l i c i t á r i o s d e 1 9 1 7 ( Pe r e i r a , 1 9 9 6 : 7 3 ) . A l é m d a s e m e l h a n ç a d e s t e n o m e com o de José Gonçalves Coutinho, o logótipo desta fundição surpreende por ser idêntico ao u t i l i z a d o n a d é c a d a d e q u a r e n t a p o r H e n r i q u e d a S i l v a J e r ó n i m o n a s u a f u n d i ç ã o A N o v a Lu s i tânia de Ermezinde! Ainda nesta linha pode-se referir o sinete, datado exactamente de 1932, a n o e m q u e S e r a f i m d a S i l v a J e r ó n i m o a d q u i r e a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a a J o s é G o n ç a l v e s C o u t i n h o , e m q u e s e l ê J O S É F. G O N Ç A LV E S F I L H O & R E B E LO DA S I LVA ( Ro s a , 1 9 4 7 : 6 9 ) .

8

Fo i - n o s i n d i c a d a a e x i s t ê n c i a d e u m s i n e t e d e 1 9 5 5 d e M a n u e l M a r t i n s d a S i l v a , c o r r e s p o n dente por isso aos primeiros anos da sua laboração independente (informação gentilmente ced i d a p e l o E n g. C a r l o s J e r ó n i m o ) , a o q u a l p o d e m o s j u n t a r o s i n e t e O f i c i n a s d e M a r t i n s d a S i l v a n u m c a r r i l h ã o d o m e s m o a n o , r e f e r i d o n o I n v e n t á r i o A r t í s t i c o d e Po r t u g a l , r e f e r ê n c i a 0 1 3 1 2 .

9

N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a a a d u l t e r a ç ã o d a s c a r a c t e r í s t i c a s d o b a r r o , p o r a l t e r a ç ã o d e p r o v e n i ê n c i a , a c a r r e t a a c o r r e c ç ã o d a s q u a n t i d a d e s n a m i s t u r a , e n q u a n t o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o a s u a a p l i c a ç ã o é a d a p t a d a à s n o v a s c a r a c t e r í s t i c a s , a l t e r a n d o - s e t e m p o s d e espera e técnicas de deposição.

10

N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a o m a n c a l p o d e r e c e b e r a i n d a o n o m e d e c h u m a c e i r a .

11

A d u r a ç ã o d e s t a s s e c a g e n s p o r c o m b u s t ã o v a r i a b a s t a n t e n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , e n q u a n t o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o s ã o e m m é d i a d e d u a s h o r a s . 12

N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a o r e s p i r o p o d e r e c e b e r a i n d a o n o m e d e s u s p i r o .

13

O valor de 2,5m pôde apenas ser estimado, uma vez que os actuais funcionários confessaram nunca ter atingido o limite de profundidade. 14

N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o e s t e s e l e m e n t o s n ã o p o s s u e m q u a l q u e r d e s i g n a ç ã o , referindo-se-lhes apenas como paus. 15 O t e r m o d e s c a s c a r o s i n o , d e s i g n a n d o o a c t o d e l i b e r t a r o s i n o a t r a v é s d a q u e b r a d o m o l d e , a p e n a s s e u s a n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , n ã o e x i s t i n d o t e r m o e s p e c í f i c o n a Fu n d i ç ã o de Sinos de Braga. 1 6 N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o e s t e s i s t e m a d e c o z e d u r a d a s s i n e t a s a s s u m e a i n d a a designação de armário.

211


Re l 贸 g i o e s i n o f u n d i d o e m 1 7 9 1 p o r M a t h e u s G o m e s n o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e S a l z e d a s , Ta r o u c a ( P. M a r t i n s ; I g e s p a r 漏 )


C A P Í T U LO V I I UM FOSSO DE FUNDIÇÃO SINEIRA D O S É C U LO X I V N O M O S T E I R O D E S Ã O J O Ã O D E TA R O U C A

Com a contribuição de: Lídia Catarino* Ana Sampaio e Castro**

1. Introdução No âmbito da intervenção arqueológica realizada no M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , i n i c i a d a e m A b r i l d e 1998, muitos e diversos foram os vestígios exumados. Dada a larga extensão da área intervencionada, foi possível reunir um amplo e completo conjunto de dados, quer ao nível da história da arquitectura e engenharia empregues na construção e alteração do vasto complexo monástico quer dentro do variado mundo de utensilagem quotidiana, com particular destaque para a cerâmica (Castro, Sebastian, 2002, 2004, 2006). No entanto, impondo-se pela peculiaridade do achado, a identificação, e resultante escavação de um fosso de fundição sineira no interior do refeitório, destaca-se pela sua raridade e consequente importância a nível nacional. Aliada à singularidade dos vestígios, a perfeita conservação da estrutura de vazamento coloca-a, provavelmente, entre as mais bem conservadas da Europa. Desejando retirar o máximo partido desta oportunidade de investigação, optou-se por explorar o maior número possível de abordagens científicas, cruzando os dados arqueológicos recolhidos no terreno com os de natureza etnográfica e laboratorial.

* E n g e n h e i r a G e ó l o g a ; Pr o f. A u x i l i a r d o D e p a r t a m e n t o d e C i ê n c i a s d a Te r r a ; G M E S – I C E M S C o i m b r a , Fa c u l d a d e d e C i ê n c i a s e Te c n o l o g i a d a U n i v e r s i d a d e d e C o i m b r a . * * A r q u e ó l o g a ; D i r e c ç ã o d a i n t e r v e n ç ã o a r q u e o l ó g i c a d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a . 213


Fi g. 1 8 9 – P l a n t a d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a e d a s s u a s diferentes fases de construção (L. Sebastian e A. Castro) 214


2 . C o n t ex t o a r q u e o l ó g i c o S e b e m q u e a i n d a n ã o c o n c l u í d a , a i n v e s t i g a ç ã o a rq u e o l ó g i c a d e s e n v o l v i d a n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta rouca deixa já entrever a possibilidade de três grandes fases construtivas: a fase inicial de construção, iniciada em 1154 (Barroca, 2000: vol. II, tomo 1, 254-258), uma primeira fase de expansão das dependências monásticas na primeira metade do século XVII e uma segunda grande fase de remodelação na primeira metade do século XVIII ( f i g. 1 8 9 ) , i m p l i c a n d o e m a m b a s a c o n s t r u ç ã o d e n o v o s edifícios e a reorganização de espaços já existentes (Castro, Sebastian, 2002: 33-42). No entanto, a escavação do edifício correspondente ao refeitório deixa-nos entrever uma outra acção de remodel a ç ã o , d a t á v e l d o s é c u l o X I V, a t é a o m o m e n t o c r o n o l o g i camente isolada e circunscrita a este espaço, passando concretamente pela elevação e uniformização altimétrica d o s e u p i s o ( f i g. 1 9 0 ) . A natureza declivosa do terreno de implantação das d e p e n d ê n c i a s d o m o s t e i r o p a r e c e t e r, a o n í v e l d a s c o t a s de circulação, imposto uma solução de compromisso, em que se reduziu a recorrência a aterros escalonando diferentes níveis de movimentação por altimetrias progressivamente inferiores, descendentes no sentido contrário ao da igreja. Dada a maior extensão do refeitório se encontrar orientada no sentido descendente do terreno, ao qual se soma o facto de se tratar de um volume interior amplo e não compartimentado, a diferenciação de pisos revelou-se aí incapaz de se solucionar de forma discreta, traduzindo-se numa cota de circulação desigual, impondo a presença de um degrau transversal ao centro do compartimento. A eliminação deste degrau central e dos patamares diferenciados parece ter sido uma das razões que levaram à realização desta remodelação, à qual podemos acrescentar a reestruturação da cobertura. Estes dois objectivos deixam-se entrever no aterro do patamar inferior do r e f e i t ó r i o , d e f o r m a a e l e v a r- s e à m e s m a c o t a q u e o p a t a m a r s u p e r i o r, e n a c o l o c a ç ã o d e d o i s p i l a r e s d e s u s t e n 215


Fi g. 1 9 0 – P l a n t a d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a n o s é c u l o X I V (L. Sebastian e A. Castro) 216


Fi g. 1 9 1 – Pr o p o s t a de reconstituição esquemática do Mosteiro de São J o ã o d e Ta r o u c a n o s é c u l o X I V: corte Norte-Sul do refeitório e claustro, com projecção da ala dos monges e fachada da igreja (L. Sebastian)

tação da cobertura, no eixo central do refeitório, antes inexistentes. A identificação de um elemento de nervura românica no material de aterro confirma o desmantelamento, no mínimo parcial, do sistema de cobertura orig i n a l , q u e s e r i a p o r i s s o a b o b a d a d o ( Ro d r i g u e s , S o u s a , Bonifácio, 1996: 196). A abertura do fosso de fundição fez-se no patamar s u p e r i o r, n a m e t a d e s u l d o r e f e i t ó r i o , a d o s s a d o a o a l i c e rce do pilar de sustentação da cobertura aí acrescentado ( f i g. 1 9 1 ) , a p o n t a n d o o s d a d o s r e c o l h i d o s n o s e n t i d o d e uma abertura simultânea para colocação do alicerce do pilar e construção do fosso de fundição, o que, a ser considerado, denuncia a completa integração dos trabalhos de fundição na obra de remodelação do edifício. Po r o u t r o l a d o , n o s e g u i m e n t o d o m e s m o r a c i o c í n i o , impõe-se a possibilidade de os trabalhos de fundição terem decorrido antes da colocação do pilar e, logo, da conclusão da nova cobertura. A hipótese da fundição ter lugar a descoberto impõe, por sua vez, a possibilidade desta ter decorrido fora da época das chuvas, o que seria normal em qualquer contexto de obra e apontado por alguns autores como o período de maior actividade dos fundidores sineiros itinerantes (Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 37). A e x i s t ê n c i a d e m a n c h a s d e a r g i l a e d e c o n j u n t o s o rganizados de elementos pétreos sobre a camada de pedras com que se concluiu a elevação do patamar inferior setentrional do refeitório denuncia que o aterro deste foi executado previamente aos trabalhos de fundição, sendo consequentemente aproveitado como área de trabalho. 217


Fi g. 1 9 2 – P l a n t a d e p o r m e n o r d o r e f e i t ó r i o ( A . C a s t r o e L . S e b a s t i a n ) 218


Apesar de estratigraficamente nos ser impossível diferenc i a r, e m t e r m o s c r o n o l ó g i c o s , a s t r ê s m a n c h a s d e a r g a massa que aparecem associadas às de argila, ousamos afirmar que se relacionam, por sua vez, com o estaleiro da obra de ampliação do refeitório, que teve lugar na primeira metade de século XVIII. A camada de pedra e argamassa que se expôs a sul do fosso de fundição encontra-se rompida pela abertura para colocação do mesmo, não restando por isso dúvidas de se tratar da solução original, aparentemente mantida em ambas as i n t e r v e n ç õ e s s u b s e q u e n t e s ( f i g. 1 9 2 ) . Inversamente à abertura da vala de fundação para colocação do alicerce do pilar meridional, o alicerce do pilar s e t e n t r i o n a l f o i a s s e n t e d i r e c t a m e n t e s o b r e o n í v e l d e c i rculação do século XII, uma vez que o posterior aterro para elevação do piso tornaria desnecessária qualquer vala de fundação. Intencional ou irreflexa, é notória a disposição semicircular da camada de pedras, com que este aterro foi arrematado, em torno do referido alicerce. O facto da estrutura de pedra e argila, do revestimento da câmara de fundição, aflorar acima da cota de aterro, confundindo-se com a pedra colocada para preparação do piso e, acima de tudo, o facto dos alicerces dos pilares de sustentação da cobertura assomarem ainda mais acima desta cota, explica-se com a colocação de um piso em soalho, conservando uma caixa-de-ar sob o madeiramento, dispensando assim qualquer tipo de cuidado com acabamentos. Pa r e c e t e r s i d o e s t a a m e s m a s o l u ç ã o a s s u m i d a aquando da ampliação do refeitório para norte, na primeira metade do século XVIII. Ao desmantelamento do limite setentrional do dormitório, prolongamento das suas paredes laterais e elevação de nova parede mais a norte, seguiu-se o aterro do espaço daí resultante, n i v e l a n d o - o n a c o n t i n u i d a d e d o a t e r r o d o s é c u l o X I V. Novamente, a colocação de soalho sobre caixa-de-ar dispensou qualquer esforço de regularização do aterro deposto, composto essencialmente por pedras, diferenciando-se pela menor volumetria e maior desorganização dos seus elementos. 219


3. Metodologia 3.1. Técnicas de escavação, registo e conservação A escavação arqueológica do fosso de fundição efectuou-se de forma integrada em relação à restante área, prolongando-se pelos meses de Junho, Julho e Agosto de 2002. A par de um maior zelo, no que diz respeito aos processos científicos de registo comuns a uma intervenção arqueológica (Harris, 1991), apenas foram introduzidas alterações metodológicas significativas ao nível dos registos gráficos1 e dos cuidados tidos com o excesso de exposição ao sol das argilas, quer as integrantes na estruturação do fosso de fundição quer as constituintes dos diversos fragmentos de molde recolhidos. No entanto, e em retrospectiva, observou-se que o considerável mau estado dos fragmentos de molde recolhidos poderia ter justificado a sua consolidação in situ, prévia ao seu deslocamento, em oposição ao bom comportamento das argilas empregues na estruturação do fosso de fundição. Apesar de acautelada a indesejável e x p o s i ç ã o s o l a r, o a v a n ç a d o e s t a d o d e d e s i d r a t a ç ã o d o s vestígios do molde acarretou algumas perdas de material, sobretudo nas áreas de fractura, através do desgaste provocado pelo seu manuseamento. Esta questão forçou-nos a proceder à consolidação em gabinete de alguns fragmentos de molde exumados, criando as condições necessárias ao seu imediato manus e i o . N u m a l ó g i c a s i m i l a r, m a s d e c o n s e r v a ç ã o a l o n g o prazo, procedeu-se igualmente à consolidação das argilas da estrutura de fundição após o término dos trabalhos de escavação. Ambas as operações foram realizadas com a c e t a t o d e p o l i v i n i l o ( P VA ) , d i l u í d o e m á g u a n a c o n c e n tração de 5 a 10%. Após a consolidação de alguns dos fragmentos do molde do sino, pôde-se então proceder ao seu estudo, resultando numa primeira fase na sua organização em t r ê s g r u p o s : o m a c h o , a c a p a e a m o l d a ç ã o d a a s a . Pa ralelamente e por exclusão criou-se um quarto grupo, constituído por diversos vestígios de barro da estrutura de fundição do bronze, consolidando-se apenas os sujeitos a colagem e registo. 220


Se bem que a fragmentação do molde fosse grande, foi possível realizar diversas colagens, o que foi cons e g u i d o c o m Pa r a l o i d d i l u í d o e m a c e t o n a n a c o n c e n tração de 30%.

3.2. Técnicas de caracterização Antecipando a consolidação das argilas do fosso de fundição, foram recolhidas quatro amostras (números 68 a 71), seleccionadas de forma a constituir um grupo representativo dos potenciais diversos tipos de argila utilizados e / o u p o t e n c i a i s d i f e r e n t e s n í v e i s d e c o z e d u r a ( f i g. 1 9 3 ) . n.À

Fi g. 1 9 3 – Q u a d r o das amostras recolhidas para análise

u.e.

conteúdo

63

1728

Carvões

Restos de combustível usados no aterro do fosso de fundição

descrição

64

1728

Carvões

Restos de combustível usados no aterro do fosso de fundição

65

1732

Carvões

Restos de combustível usados no aterro do fosso de fundição

66

1732

Carvões

Restos de combustível usados no aterro do fosso de fundição

67

1732

Carvões

Restos de combustível usados no aterro do fosso de fundição

68

1729

Barro cru

Barro usado na construção da estrutura do fosso de fundição

69

1729

Barro cozido

70

1731

Barro cru

71

1731

Barro cozido

72

1725

Carvões

73

1727

Terra

77

1727

Bronze

80

1727

Bronze

Fragmento de sino refundido

81

1727

Bronze

Pingo de bronze usado no aterro do fosso de fundição

82

1727

Bronze

Pingo de bronze usado no aterro do fosso de fundição

83

1727

Escória

Escória do interior do cadinho usada no aterro do fosso de fundição

84

1727

Escória

Escória do interior do cadinho usada no aterro do fosso de fundição

85

1727

Escória

Escória do interior do cadinho usada no aterro do fosso de fundição

86

1727

Escória

Escória do interior do cadinho usada no aterro do fosso de fundição

108

1727

Escória

116

1725

Barro cru

Barro usado na construção da estrutura do fosso de fundição Assentamento do molde no fosso de fundição Barro usado na construção da estrutura do fosso de fundição Restos de combustível usados no aterro do fosso de fundição Terra usada no aterro do fosso de fundição Pingo de bronze usado no aterro do fosso de fundição

Escória do interior do cadinho usada no aterro do fosso de fundição Barro usado na construção da estrutura do fosso de fundição

Do material de aterro do fosso de fundição foram rec o l h i d a s a o t o d o d e z a s s e t e a m o s t r a s , s e n d o s e i s d e c a rvões, uma de terra, cinco de escória, uma de barro cru e quatro de bronze. De entre as seis amostras de carvão foi seleccionada a número 66, proveniente da unidade estratigráfica (u.e.) 1732, para ser sujeita a datação por análise de Carbo221


no 14, sendo esta realizada no laboratório Beta Analytic Inc., em Miami, Flórida, fornecendo uma datação situada entre 1280 e 1400, com uma percentagem de probabilidade de 95%. A selecção desta amostra recaiu na u.e. 1732 pelo facto de esta bolsa aparentar ser o primeiro material a d e p o s i t a r- s e n o p r o c e s s o d e a t e r r o , s e n d o c o n s t i t u í d a maioritariamente por carvões, fragmentos do molde do sino e barro cru, garantindo o mínimo risco de intrusão de materiais exteriores ao processo de fundição. Inversamente, consideradas pelo seu aparente estado de conservação e representação ao nível dos diferentes estratos identificados, as restantes cinco amostras de carvão recolhidas foram sujeitas a observação por lupa binocular com vista à identificação da sua espécie veget a l d e o r i g e m , o q u e f o i l e v a d o a c a b o p e l o D r. V i c e n t e Ro v a s O r t i z . N e s t a f a s e j u n t o u - s e - l h e s u m a s e x t a a m o s t r a de carvão, retirada do fragmento de escória, designada por amostra número 108. Dada a complexidade das questões colocadas pelo estudo dos diversos vestígios de molde e estrutura de fusão do bronze recorreram-se a três abordagens analíticas distintas, mas complementares: A análise granulométrica dos materiais, provenientes d o m a c h o , d a c a p a e d a a m o s t r a d e b a r r o c r u ( f i g. 1 9 4 ) colhida no aterro do fosso de fundição (amostra número 116), foi efectuada utilizando o equipamento Coulter LS Pa r t i c l e S i z e A n a l y s i s , n o m ó d u l o f l u i d o , c o m a p l i c a ç ã o d o m o d e l o ó p t i c o d e Fr a u n h o f e r, d e p o i s d a s p a r t í c u l a s serem desagregadas em ultra-sons durante dois minutos. Embora em pequena quantidade, as partículas de maiores dimensões dificultavam uma correcta realização e interpretação do ensaio de caracterização granulométrica. Como a maior percentagem de partículas finas apresentava dimensão inferior a 0,280mm (superior a 75% das partículas), foi decidido efectuar uma crivagem a esse valor e analisar por este método apenas a fracção fina, que se revelou mais reprodutível embora sem variações significativas no valor da mediana.2 A fracção grosseira foi observada à lupa binocular para se avaliar a dimensão máxima e a morfologia das partículas, correspondendo a designação granulométrica utilizada à classificação de U d d e n e We n t w o r t h ( 1 9 2 2 ) ( M c M a n u s , 1 9 8 8 : 7 4 ) . 222

Fi g. 1 9 4 – A m o s t r a de barro cru proveniente da estrutura de fusão do bronze, designada por amostra número 116 (L. Sebastian)


A determinação das fases mineralógicas presentes no molde e no barro foi, por sua vez, efectuada recorrendo à difracção de raios X (DRX), tendo-se utilizado um difractómetro de marca Philips modelo PW3710 Based, c o m a n t i c á t o d o d e c o b r e . Fo i r e a l i z a d o u m v a r r i m e n t o contínuo da amostra com o ângulo 2θ a variar entre 2º e 60º. No caso da amostra de barro cru número 116 foi efectuado também o difractograma da amostra com as partículas orientadas em lâmina, obtida por suspensão e s e c a g e m d o m a t e r i a l . Pa r a m e l h o r d e t e r m i n a ç ã o d o s m i nerais argilosos essa lâmina foi ainda submetida a vapores de etileno glicol durante 24h e aquecimento a 550ºC durante 2 horas, efectuando-se um difractograma depois de cada um dos tratamentos. Numa tentativa de determinação das temperaturas a que o molde esteve sujeito, foram ainda efectuados ensaios de calorimetria diferencial de varrimento (Differential Scan i n g C a l o r i m e t r y - D S C ) à v e l o c i d a d e d e 1 0 º C . m i n -1 a t é à temperatura máxima de 1000ºC em atmosfera estática. Esta técnica tem como princípio base de funcionamento a medição do fluxo de calor em função da temperatura. Po r ú l t i m o , s e l e c c i o n a r a m - s e c i n c o a m o s t r a s d e b r o n ze, três de pingos de bronze (amostras números 77, 81 e 82), provenientes do enchimento do molde e, logo, representativos da liga metálica utilizada, uma do único fragmento de sino encontrado (amostra número 80), com certeza relacionado com um sino refundido, tendo-se-lhes juntado nesta fase uma quinta amostra, consistindo num nódulo de bronze extraído directamente da escória de fundição, designada por número 83. Com excepção da amostra número 82, que se revelou inadequada para análise, a determinação da composição química do bronze foi efectuada por microanálise elementar qualitativa e quantitativa das amostras em superfície polida, com recurso a micro-sonda electrónica ( E l e c t r o n Pr o b e M i c r o - a n a l y s i s – E P M A ) C A M E C A m o d e l o SX50, com os espectrómetros de dispersão de comprim e n t o d e o n d a ( Wa v e l e n g t h D i s p e r s i v e X- r a y S p e c t r o m e t e r ) . Fo i e f e c t u a d a i n i c i a l m e n t e u m a d e t e r m i n a ç ã o q u a litativa, tendo-se identificado, na gama de detecção do equipamento, apenas os elementos cobre (Cu), estanho (Sn) e chumbo (Pb), dos quais se fez em seguida uma 223


análise quantitativa de percentagem ponderal em áreas c o m c e r c a d e 0 , 2 5 0 m m 2, u t i l i z a n d o p a d r õ e s m e t á l i c o s dos respectivos elementos. Os resultados obtidos foram convertidos para um total de 100%. Neste equipamento foram ainda efectuadas fotos em m o d o B S E ( B a c k- s c a t t e r e d e l e c t r o n ) , p e r m i t i n d o e v i d e n ciar as diferenças de composição química na área em e s t u d o , f u n ç ã o d a s u a m a s s a a t ó m i c a ( c o r e s c l a r a s c o rrespondem a minerais pesados e cores escuras a minerais mais leves).

4. Estudo material, formal e funcional do fosso de fundição O fosso de fundição sineira exumado encontra-se em óptimo estado de conservação, não tendo sido alvo, aparentemente, de qualquer acção destruidora, intencional ou não. Este facto, pouco comum, deixa entender a falta d e p r e o c u p a ç ã o , p o r p a r t e d o f u n d i d o r, e m p r o t e g e r o seu método de trabalho, pelo menos no que diz respeito à construção do fosso de fundição. No entanto, é de sublinhar que, após a utilização do fosso de fundição e seu consequente aterro, este foi por sua vez selado com uma camada de argila (u.e. 1724=1438), que se apresentava claramente cozida, o que seria apenas explicável através da combustão intencional de matéria inflamável directam e n t e s o b r e e s t a c a m a d a ( f i g. 1 9 5 ) .

Fi g. 1 9 5 – C o r t e estratigráfico do fosso de fundição ( H. Pe r e i r a e L. Sebastian) 224


Fi g. 1 9 6 – P l a n t a a n í v e l d e t o p o d o f o s s o d e f u n d i ç ã o ( H. Pe r e i r a e L . S e b a s t i a n ) 225


Fi g. 1 9 7 – P l a n t a a n í v e l d e b a s e d o f o s s o d e f u n d i ç ã o ( H. Pe r e i r a e L . S e b a s t i a n ) 226


De acordo com o descrito anteriormente, a abertura do fosso (correspondente à interface u.e. 1743) de fundição fez-se inteiramente na metade Sul do refeitório, c o r r e s p o n d e n t e a o s e u p a t a m a r s u p e r i o r. A n t e s d a c o n s trução da câmara de fundição propriamente dita, este fosso deverá ter tido, na base, pouco mais de 4m de comprimento por 2m de largura máxima, apresentando uma configuração ovalada (figs. 196, 197 e 198).

Fi g. 1 9 8 – A s p e c t o geral do fosso de fundição na fase final dos trabalhos de escavação arqueológica (L. Sebastian)

A sua possível realização simultânea à colocação do alicerce do pilar de sustentação da cobertura (u.e. 413) deixa-nos uma certeza: que as paredes em pedra e argila que compõem a câmara de fundição (u.e. 1729) foram adossadas a este alicerce, implicando a sua presença anterior e completa exposição do seu flanco oriental. Caso a abertura da vala de fundação do alicerce do pilar tenha sido anterior à abertura do fosso de fundição, esta e x p o s i ç ã o t e r- s e - i a d a d o p e l o s e u e s v a z i a m e n t o p a r c i a l , o que constituiria um contra-senso produtivo, só explicável pela descoordenação dos trabalhos de construção e d e f u n d i ç ã o , o q u e n ã o d e i x a d e s e r p l a u s í v e l . Po r o u t r o lado, a abertura simultânea de um fosso para colocação das duas estruturas terá implicado o aterro parcial da á r e a d e s t i n a d a à c o l o c a ç ã o d o a l i c e r c e d o p i l a r, d e f o rma a completar e fechar o limite interior Oeste do fosso de fundição. Infelizmente, para qualquer das duas soluç õ e s , a e x p r e s s ã o e s t r a t i g r á f i c a é i d ê n t i c a ( f i g. 1 9 9 ) . Sem que este esforço de adossamento contribua para uma maior estabilidade estrutural da câmara de fundição, somos forçados a isolar a intencionalidade da localização, aspecto desenvolvido no capítulo referente ao cadinho. 227


Após a realização desta abertura oval no terreno, o f u n d i d o r o p t o u p o r c o n s t r u i r a c â m a r a d e f u n d i ç ã o n o e xtremo Sul, tendo para o efeito revestido a parede interior de terra com uma estrutura de pedra até 0,5m de espessura e argila, na qual é ainda visível a marca dos seus dedos, demonstrando terem sido as mãos a ferramenta utilizada na aplicação da argila.3 A análise granulométrica da argila4 empregue permite constatar que apresenta partículas com dimensão máxima variável, mas geralmente inferior a 5mm, apresentando 95% da sua distribuição um valor inferior a 0,280mm. No entanto, a percentagem de argila propriamente dita (<0,004mm) é apenas de cerca de 10%, apresentando uma mediana de 0,037mm, sendo por isso constituída e s s e n c i a l m e n t e p o r a r e i a m u i t o f i n a e s i l t e g r o s s e i r o ( p a rt í c u l a s e n t r e 0 , 1 2 5 e 0 , 0 3 1 m m ) ( f i g. 2 0 0 ) . O difractograma de raios X obtido na preparação com pós orientados da fracção fina antes e após tratamento da amostra número 70 revelou a presença de ilite, caulinite, clorite e interestratificados de clorite-esmectite. Além destes minerais no difractograma de raios X de pós não orientados e onde se inclui toda a amostra, estão ainda presentes a moscovite, o quartzo e feldspatos.5 Na observação à lupa binocular são evidentes os fragmentos de moscovite, quartzo hialino e feldspato, que correspondem à fracção mais grosseira da amostra. 228

Fi g. 1 9 9 – C o r t e B-A (Sul-Norte) do fosso de fundição ( H. Pe r e i r a e L. Sebastian)


Fi g. 2 0 0 – Distribuição granulométrica diferencial e cumulativa da amostra número 116 de barro cru (L. Catarino)

Po r o u t r o l a d o , o s f r a g m e n t o s d e m i n e r a i s a p r e s e n t a m - s e muito angulosos, o que denota pouco ou nenhum transporte sofrido pelo sedimento. O conjunto de minerais presentes na amostra evidencia que este material é proveniente da alteração de uma rocha granitóide, estando ainda presentes minerais remanescentes da rocha original (quartzo, feldspato e moscovite), mas também minerais de alteração, salientando-se a clorite (mineral resultante da alteração da biotite por perca do ião ferro) e minerais argilosos. Uma vez assim concebida, esta estrutura mista de pedra e argila foi visivelmente exposta a uma cozedura oxidante, com certeza através da livre combustão de lenha n o s e u i n t e r i o r, n ã o t e n d o a c o z e d u r a a t i n g i d o c o m p l e t a m e n t e o s e u e x t r e m o N o r d e s t e ( f i g. 2 0 1 ) . De acordo com esta interpretação, os picos de difracção atribuídos à caulinite na análise das amostras números 68 e 69 apresentam menor intensidade do que a r e a l i z a d a à a r g i l a c r u a d a a m o s t r a n ú m e r o 7 0 ( f i g. 2 0 2 ) , o q u e p o d e s e r i n d í c i o d a a c ç ã o d o c a l o r, a i n d a q u e a temperatura não tenha atingido os 550ºC, temperatura a que ocorre a destruição da estrutura cristalina deste mineral. Este resultado pode ser comprovado pelo diagrama de DSC da amostra número 70, onde se observa uma grande transformação de fase entre os 400 e os 550ºC. Nesta gama de temperaturas também ocorre a primeira 229


desidroxilação da clorite, que por estar presente em menor quantidade não é tão evidente, embora a intensidade dos seus picos de difracção seja diminuída. Assim, apresentando ainda vestígios de caulinite, as amostras números 68 e 69 indicam que a temperatura a que estiveram sujeitas se terá situado entre os 450 e 500ºC, não se tendo completado a destruição deste mineral. Estes valores estão de acordo com a temperatura média atingida p e l a l i v r e c o m b u s t ã o d e l e n h a ( B l a g g, 1 9 7 4 : 1 4 7 ) . A camada de cinzas resultante desta acção foi totalmente removida, tendo sido a base do fosso preenchida

Fi g. 2 0 1 – C o r t e A-B (Norte-Sul) do fosso de fundição ( H. Pe r e i r a e L. Sebastian)

Fi g. 2 0 2 – Difractograma das amostras de barro números 68, 69 e 70 (q-quartzo, cl-clorite, c-caulinite, f-feldspato, m-mica) (L. Catarino) 230


Fi g. 2 0 3 – C o r t e C-D (Este- Oeste) do fosso de fundição ( H. Pe r e i r a e L. Sebastian)

por uma camada de terra de cor castanha, com cerca de 8cm de altura, muito compactada, homogénea, de granulometria correspondente a areia média e fina. O único indício da remoção das cinzas da cozedura da câmara de fundição está, talvez, na média quantidade de carvões, de pequena e média volumetria, contidos nesta camada (u.e. 1733). Po r ú l t i m o , a c â m a r a d e f u n d i ç ã o f o i c o m p l e t a c o m o adicionamento de uma base para assentamento do molde (u.e. 1730), com 18-25cm de altura e separada por um canal com 30cm de largura. Concebida à semelhança das paredes da câmara de fundição, diferencia-se pelo facto de não ter sido de todo cozida. To d o e s t e p r o c e s s o d e c o n c e p ç ã o d a c â m a r a d e f u n dição é contrário ao indicado na obra do monge beneditino Theophilus, em que a base para assentamento do molde é construída primeiro, seguindo-se a colocação do molde do sino ainda cru no interior e, só então, a construção das paredes da câmara de fundição. A combustão de lenha, empilhada no interior do canal da base e sob o molde, levaria à cozedura quer do molde quer da câmara d e f u n d i ç ã o ( f i g. 2 0 3 ) .

231


Assim, podemos afirmar que a cozedura do molde do sino foi feita no exterior do fosso, pois caso contrário a a r g i l a d a b a s e d a c â m a r a d e f u n d i ç ã o e n c o n t r a r- s e - i a igualmente cozida. A hipótese do molde ter sido cozido juntamente com as paredes da câmara de fundição não nos parece plausível, uma vez que implicaria a descensão do molde para o efeito, sua posterior remoção para construção da base e respectivo canal central, para novamente voltar a ser colocado no interior do fosso para o acto do vazamento do bronze. No seguimento da mesma lógica, podemos concluir então que o canal central da base para assentamento d o m o l d e n ã o f o i c o n c e b i d o c o m o e n t r a d a d e a r, p a r a alimentação da cozedura, simultânea ou não, do molde e câmara de fundição, como no processo originalmente descrito por Theophilus. A reduzida volumetria deste canal, sobretudo derivado da sua pouca profundidade, vem ao encontro desta mesma ideia, visto pôr em causa a sua capacidade de fornecer o oxigénio necessário à manut e n ç ã o d a c o m b u s t ã o ( f i g. 2 0 4 ) . Colocam-se-nos pois duas hipóteses possíveis para a presença deste canal: a permanência irreflexa de uma característica estrutural esvaziada de função pela evolução do método de trabalho, produto da herança e repetição empírica de gestos e opções, ou a readaptação a uma nova função de uma mesma solução, a qual não conseguimos definir satisfatoriamente. A i n d a a s s i m , t ê m s i d o d e t e c t a d o s e m e s c a v a ç õ e s a rqueológicas exemplos de reinterpretação funcional do mesmo canal central, como nos casos em que a descensão do molde se fez com o auxílio a uma prancha de maFi g. 2 0 4 – A s p e c t o geral da base de assentamento para o molde, onde é visível a barredura de argila colocada para a fixação do molde e impermeabilização das juntas, de forma a evitar fugas de bronze (L. Sebastian) 232


deira, colocada sob o molde e à qual teriam sido fixadas as cordas responsáveis pela suspensão e deslocação do conjunto. Nestes casos o canal central permite assentar inteiramente o molde na base e retirar a prancha de madeira após cumprir a sua função.6 Contudo, no caso concreto do nosso fosso de fundição, não conseguimos entrever uma relação plausível entre os vestígios encontrados e uma qualquer acção concreta. Invariavelmente dependente desta questão, temos a colocação de dois apoios em pedra e terra no interior do canal central, a que se junta ainda uma terceira pedra colocada de forma a bloquear a sua boca de entrada (u.e. 1735). Os dois primeiros apoios relacionam-se claramente com a necessidade de completar a base de assentamento do molde, anulando o vazio deixado pelo canal central. Po d e m o s i g u a l m e n t e c o n c l u i r q u e a s u a c o l o c a ç ã o f o i prévia ao assentamento do molde, visto a barredura de argila fina colocada para o efeito, ajudando à fixação local do molde e das suas diferentes partes com impermeabilização das juntas de forma a evitar fugas de bronze (Miguel Hernandez, Marcos Villán, 1997: 453), ter sido colocada já sobre estes dois apoios. Concordantemente, é de salientar a total ausência de exposição a temperatura revelada pela análise da amostra número 70, repres e n t a t i v a d a a r g i l a e m p r e g u e n a b a r r e d u r a ( f i g. 2 0 5 ) . O terceiro elemento é composto apenas por uma pedra e por terra, cuidadosamente ajustada, encerrando a entrada do canal. Infelizmente, na continuação do ra-

Fi g. 2 0 5 – Re p r e s e n t a ç ã o esquemática em corte e perspectiva do fosso de fundição (L. Sebastian) 233


c i o c í n i o a n t e r i o r, n ã o c o n s e g u i m o s a t r i b u i r u m a r a z ã o funcional a este facto, claramente intencional. Mais consensual é o facto de que, se o molde não foi cozido no interior do fosso de fundição, então também n ã o t e r á a í s i d o m o l d a d o , m a s s i m n o e x t e r i o r. D e a c o r d o com esta argumentação está a ausência de vestígios da fixação da coluna, a estaca de madeira que, cravada verticalmente no solo, permitiria a fixação do eixo e da cércea aquando da elaboração do molde do sino. A existirem, e s t e s v e s t í g i o s e n c o n t r a r- s e - i a m n o c e n t r o d o c a n a l c e n tral da câmara de fundição (Miguel Hernandez, Marcos Villán, 1997: 449), cuja proximidade das paredes em relação ao posicionamento do sino parece igualmente não d e i x a r e s p a ç o p a r a a p a s s a g e m d a c é r c e a ( f i g. 2 0 6 ) . Aceitando que a elaboração do molde se realizou fora do fosso de fundição, teria logicamente que ter ocorrido na sua proximidade imediata. No entanto, e apesar dos diversos vestígios dos trabalhos realizados em torno do local de fundição, é impossível associar directamente qualquer dos conjuntos organizados de pedras ou manchas de argila com a execução do molde. 5. Estudo material, formal e funcional do cadinho de fundição A identificação do sistema empregue na fundição do bronze é-nos dada pela recolha de um fragmento constituído por três tijolos, atravessados diagonalmente por uma perfuração de morfologia tronco-cónica, só relacionável com o encaixe do bico de um fole. Sendo tal mecanismo de injecção de ar apenas compatível com a utilização de um cadinho, exclui-se portanto a hipótese 234

Fi g. 2 0 6 – Re p r e s e n t a ç ã o esquemática em corte (Norte-Sul) do fosso de fundição, com sobreposição de proposta de reconstituição do sino e seu respectivo molde (L. Sebastian)


Fi g. 2 0 7 – Re g i s t o g r á f i c o do fragmento do cadinho em que é visível o orifício para encaixe do bico de um fole (L. Sebastian)

de ter sido usado um forno de revérbero, já sugerido pela anterioridade dos vestígios em relação à introdução dest e d u r a n t e o s é c u l o X V I ( f i g. 2 0 7 ) . O facto de entre o aterro do fosso de fundição se terem recolhido diversos fragmentos de tijolos similares, apresentando características mineralógicas e granulométricas idênticas às já descritas para a argila empregue no fosso, encontrando-se muitos ainda crus, indica-nos que estes elementos foram concebidos in situ e propositadamente para o efeito, com recurso à mesma argila utilizada no fosso de fundição. Se bem que o uso de um cadinho metálico pudesse implicar a associação de uma estrutura de argila e pedra (Hawthorne, Smith, 1979: 171-174; Ibáñez Lluch, Mollà i Alcañiz, 1997: 434), a presença de escória de fundição de bronze no que aparenta ser a face interna desta estrutura impõe a hipótese da fundição ter decorrido no interior de um receptáculo exclusivamente concebido em tijolo. De outro modo, seria anormal a presença de tão grande quantidade de escória em contacto com uma estrutura essencialmente limitada a conferir estabilidade a um cadin h o m e t á l i c o , n o i n t e r i o r d o q u a l a f u n d i ç ã o t e r i a l u g a r. Po r o u t r o l a d o , t e m o s i g u a l m e n t e d i f i c u l d a d e e m e xplicar a presença desta escória ao nível do fole, que em termos funcionais teria imperativamente que se posicionar acima da fusão do bronze, tal como o não menos 235


desconcertante facto da perfuração para colocação do bico do fole se encontrar intencionalmente obstruído com argila, ainda parcialmente crua, sem que a este acto seja i m p u t á v e l u m a r a z ã o p r á t i c a ( f i g. 2 0 8 ) . Po d e m o s a p e n a s a f i r m a r q u e o o r i f í c i o p a r a c o l o c a ç ã o do bico do fole chegou de facto a servir para esse fim, visto a argila das suas paredes internas se encontrar cauterizada, o que atribuímos ao estado incandescente que o bico do fole atinge ao ser exposto, durante um lato período de tempo, às elevadas temperaturas de fusão do bronze. O facto inquestionável de que, a certo momento, o fole foi retirado e o seu orifício tapado, deixa-nos apenas lugar à especulação, sendo no entanto pertinente sublinhar a provável relação entre a obstrução desta abertura e o e l e v a d o n í v e l q u e a e s c ó r i a a l c a n ç o u n o i n t e r i o r. V i s to a lógica de decomposição causal, através da relação directa entre acção e consequente vestígio material, não nos fornecer aqui qualquer hipótese explicativa, ousamos, a p e n a s n o c a m p o e s p e c u l a t i v o , c o n j e c t u r a r t r a t a r- s e d o produto de uma situação imprevista, em que a insuficiente elevação da injecção de ar possa ter obrigado ao seu reposicionamento durante a realização dos trabalhos, por exemplo aquando do acrescento do estanho ao cobre já fundido (figs. 209, 210 e 211). Têm sido identificados em contexto de escavação outros vestígios similares, relacionáveis com a fixação de bicos de foles, em que a argila aplicada para a sua imobilização se apresenta claramente vitrificada pelas altas temperaturas a que esteve sujeita (Bonora, Castelletti, 1975: 147). No entanto, não encontramos paralelos em que a escória se lhe sobreponha. A incontornável questão do número de foles usados fica igualmente sem resposta, sendo natural que o seu número fosse, no mínimo, superior a um. No sentido de responder à questão relacionada com a temperatura atingida no interior do cadinho, optou-se por analisar a amostra número 83, claramente parte da face interna do cadinho e apresentando grande quantidade de escória resultante da fundição do bronze, tendo quase sempre os seus minerais um aspecto vitrificado e v e s i c u l a r. 236

Fi g. 2 0 8 – Re g i s t o fotográfico do fragmento do cadinho em que é visível o orifício para encaixe do bico de um fole (L. Sebastian)


Fi g s . 2 0 9 , 2 1 0 e 2 1 1 – Re g i s t o s fotográficos: pormenor da zona de contacto entre a argila da estrutura do cadinho e a escória da fundição, sendo visíveis algumas zonas de vitrificação; pormenor em que é visível a permanência de carvões na escória da fundição; pormenor em que é visível a permanência de vestígios de bronze na escória da fundição (L. Sebastian)

Destes é de salientar a moscovite (mica branca), que em testes laboratoriais em amostras graníticas se verificou fundir a temperaturas superiores a 1225ºC, dando origem a um vidro branco vesicular (Abrunhosa, Gonçalves, Cruz, 1995: 175). Fr a g m e n t o s d e v i d r o a c a s t a n h a d o s , t a m b é m p r e s e n t e s nesta amostra de escória, podem estar relacionados com a fusão da biotite (mica castanha), mineral acessório de muitos granitos, embora pouco vulgar nas amostras de argila aqui analisadas por se apresentar neste caso alterada para clorite. Alguns fragmentos de quartzo apresentam também um aspecto sacaróide, o que torna evidente que todo o conjunto esteve sujeito a temperaturas superiores a 1200ºC (Abrunhosa, Gonçalves, Cruz, 1995: 175). A juntar a isto, temos ainda o facto de o feldspato potássico (microclina e ortoclase) fundir a temperaturas superiores a 1150ºC, dissolvendo os minerais que lhe estão associados e originando um vidro de cor leitosa ( Ve l h o , 2 0 0 5 : 2 0 7 ) . Assim, situando-se a temperatura de fusão do bronze no interior do cadinho acima dos 1200ºC, encontramos uma grande concordância com valores actualmente praticados que, considerando variantes como a distância entre a estrutura de fusão e o molde, procuram acautelar a temperatura mínima de enchimento de cerca de 1050ºC, garantindo a correcta reprodução dos motivos decorativos e inscrições. No seguimento da identificação do cadinho, temos obrigatoriamente como combustível o carvão, colocado 237


no interior do receptáculo e de combustão auxiliada por m e i o d e f o l e s . Re c o r r e n d o à i d e n t i f i c a ç ã o , p o r o b s e r v a ç ã o à l u p a b i n o c u l a r, d a s e s p é c i e s v e g e t a i s d o s c a r v õ e s inseridos numa das amostras de escória da parede interior do cadinho (amostra número 108), podemos reconhecer a presença da Eriça,7 do Cytisus,8 da Genista9 e d o U l e x 1 0 ( f i g. 2 1 2 ) . Salvaguardando a hipótese de esta amostra única p o d e r, c u r i o s a m e n t e , n ã o c o r r e s p o n d e r à t o t a l i d a d e d a s espécies utilizadas, tudo indica que o combustível empregue no cadinho consistiu essencialmente em espécies arbustivas. Espécies arbóreas

Espécies arbustivas

Quercus robur/pyrenaica

Erica spp.

Leguminosae (Cytisus/ Genista/Ulex)

Indefinido

n.À

u.e.

unid.

unid.

%

unid.

%

unid.

%

unid.

63

1728

10

10

100

64

1728

11

6

54,55

5

45,45

65

1732

12

12

100

Fragmentos de uma só peça, provavelmente um ramo com anéis de crescimento estreitos

67

1732

20

20

100

Fragmentos de uma única peça de carvão

72

1725

6

1

16,67

2

33,33

3

50

Fragmentos de pequenos carvões com acumulação de argila e restos vegetais carbonizados

108

1727

9

2

22,22

1

11,11

6

66,67

Escória com inclusão de carvões, muito alterados devido a exposição a elevadas temperaturas

33

12

9

Observações

% Fragmentos de uma só peça, provavelmente de raiz Fragmentos procedentes de duas peças únicas

14

Mais pacífica é a aplicação de uma calha, conduzindo o material proveniente da vertedura entre o cadinho e a boca de carga no molde. Sabemo-lo graças a um fragmento de telha recolhido, onde é claramente visível o que poderíamos considerar o negativo da passagem do metal fervente, constituído por uma faixa central de argila carbonizada, que com certeza faria parte da cobertura t o t a l d o s e u i n t r a d o r s o c o m a r g i l a ( f i g. 2 1 3 ) . O facto desta camada de argila, em tudo idêntica à utilizada no fosso de fundição e cadinho, ter desaparecido fora da área carbonizada, indica que seria aí constituída por argila semicrua, não se tendo procedido à sua total cozedura. Esta secagem simples, de acordo com o que ainda hoje é prática comum nas fundições artesanais de sinos, deveria passar pela queima de lenha de fácil combustão 238

Fi g. 2 1 2 – Q u a d r o de análises de identificação das espécies vegetais utilizadas como combustível ( V. Ro v a s O r t i z )


Fi g s . 2 1 3 e 2 1 4 – Re g i s t o s g r á f i c o e fotográfico do fragmento de uma telha empregue no canal que conduziu o bronze do cadinho ao molde do sino no momento da vertedura (L. Sebastian)

sobre a calha, vital na eliminação de humidades na passagem do bronze, evitando espirros do metal, e evitando o s e u a r r e f e c i m e n t o p r e c o c e . Ve s t í g i o s d e a r g i l a c r u a , q u e no extremo conservado do dorso da telha deixam entrever a fixação encadeada de uma outra telha para formação da c a l h a , v ê m a o e n c o n t r o d e s t a i d e i a ( f i g. 2 1 4 ) . Impondo-se a cozedura e aquecimento da calha pela necessidade de evitar que o bronze esfriasse antes de penetrar no molde, podemos supor que a extensão da mesma e, logo, a distância entre o cadinho e o fosso de fundição seria diminuta. A análise dos fragmentos de argila que estiveram em contacto directo com o bronze revela a presença de uma espinela de ferro (hercinite), resultando este mineral da transformação que ocorre na caulinite a cerca de 1000ºC e identificada em peças cerâmicas sujeitas a essas temperaturas. No entanto, o tempo durante o qual esteve a t e m p e r a t u r a s e l e v a d a s f o i n a t u r a l m e n t e c u r t o , n ã o p e rmitindo a destruição da moscovite nem a formação bem desenvolvida da espinela. Neste caso, como a mica ainda está presente, a temperatura nesta calha não deve ter ultrapassado 1150ºC, à qual perde geralmente a cristalinidade, não sendo possível a obtenção de picos identif i c a t i v o s p o r d i f r a c ç ã o d e r a i o s X ( f i g. 2 1 5 ) . 239


Fi g. 2 1 5 – Difractograma de amostras da camada de barro negra da superfície da telha usada como canal (1), da camada do macho que esteve em contacto com o bronze (2) e da amostra número 70 (3), referente ao barro de assentamento do molde no fosso de fundição (q-quartzo, cl-clorite, c-caulinite, f-feldspato, m-mica, h-hercinite) (L. Catarino)

Esta constatação leva-nos à questão da localização do cadinho. Da análise da área directamente envolvente à câmara de fundição do fosso é apenas possível afirmar não existir nenhum vestígio do local do seu assentamento, a par do que tem acontecido na maioria das escavações arqueológicas. Este facto deve-se tanto à precariedade construtiva deste género de estruturas como à posterior destruição a que naturalmente estão sujeitas, quer pela imposição da natureza do contexto de obra quer pela intencional manutenção do segredo profissional. Aplicando o princípio lógico da distância constrangida pelo imperativo da relação tempo e arrefecimento, podemos com relativa certeza situar a construção do cadinho num raio máximo de 2m em relação à boca de carga do molde, ou gito. Theophilus indica na sua obra a distância de cinco pés e meio para esta calha (Hawthorne, Smith, 1979: 174; Ibáñez Lluch, Mollà i Alcañiz, 1997: 435) que, a considerarmos 25cm como comprimento médio do pé de um homem de mediana estatura, resulta numa distância máxima de cerca de 137,5cm. Atendendo a estes dados, podemos perceber que a total ausência de quaisquer vestígios do assentamento do cadinho pressupôs a sua intencional e meticulosa remoção. Visto a sua localização estar limitada ao patamar superior do refeitório, onde a intervenção de remodelação 240


não implicou circunstâncias potenciadoras de truncamento estratigráfico, somos forçados a aceitar que os vestígios de assentamento do cadinho teriam que se situar a Este ou a Oeste da câmara de fundição, dada a natureza da área a Sul, onde a presença de uma camada irregular de pedras e argamassa implicaria inevitavelmente alteraç õ e s d e e x p r e s s ã o e s t r a t i g r á f i c a d i f í c e i s d e e l i m i n a r. Se a Este da câmara de fundição temos um espaço apenas preenchido com aterro constituído por terra, onde se torna possível a ocorrência de uma remoção profunda, a Oeste impõe-se a presença do alicerce para assentamento do pilar de sustentação da cobertura, acrescentado na mesma intervenção. A possibilidade acima colocada dos trabalhos de fundição terem ocorrido antes da colocação da cobertura cria-nos aqui uma nova hipótese de trabalho, em que o mesmo alicerce tenha sido reaproveitado como base para assentamento do cadinho, explicando-se assim a posterior necessidade da sua total remoção e o facto indiscutível do fosso de fundição ter sido clara e intencionalmente adossado a esta estrutura. 6. Estudo material, formal e funcional do molde de fundição O aterro do fosso de fundição, efectuado após a sua utilização, foi composto essencialmente por terra, de cor castanha escura (MUNSELL 2.5YR 4/2), pouco compacta, heterogénea, de granulometria correspondente a areia m é d i a e g r o s s a ( u . e . 1 7 2 7 ) . Pr e s u m i m o s q u e s e t r a t e d o mesmo material retirado aquando da abertura do fosso, aqui reposto, resultando pedologicamente na soma de todas as diferentes camadas violadas. Entre esta bolsa de aterro detectamos duas bolsas menores (u.e. 1725 e 1728), compostas exclusivamente por fragmentos do molde e de argila crua que, muito possivelmente, não chegou a ser empregue. O facto de também se terem encontrado na u.e. 1727 pontuais fragmentos de molde ou argila crua leva-nos a crer que o aterro foi executado utilizando, aleatoriamente, parte dos detritos da fundição. As pequenas e múltiplas bolsas de carvão e escória, detectadas um pouco por todo o aterro, estão de acordo com esta ideia. 241


Uma terceira bolsa, composta por fragmentos do molde e carvões (u.e. 1732), encontrava-se depositada directamente sobre o fundo do fosso de fundição. No entanto, não cremos que a sua deposição seja resultado directo de uma qualquer acção no interior do fosso, como por exemplo o quebrar do molde para libertação do sino, pois isso implicaria, no mínimo, que todos os fragmentos do macho tivessem sido aqui encontrados, o que não aconteceu, dividindo-se antes por todas as unidades estratigráficas integrantes do aterro. Atendendo a que a câmara de fundição apenas serviu o enchimento do molde, também não se explica a presença da grande quantidade de carvões aí recolhidos. Consideramos por isso que a acumulação desta bolsa se deu, à semelhança d e t o d o o m a t e r i a l d e a t e r r o , p r o v i n d o d o e x t e r i o r, n u m a acção única e contínua de aterro, incluindo indiscriminadamente fragmentos do molde, do cadinho, carvões, e s c ó r i a e t e r r a ( f i g. 2 1 6 ) . No seguimento desta lógica, pode-se subentender que não só a realização do molde se deu no exterior do fosso de fundição, como após a fundição do sino o molde foi r e t i r a d o e q u e b r a d o i g u a l m e n t e n o e x t e r i o r, o q u e c u r i o s a mente está de acordo com o que ainda é a prática comum o b s e r v a d a n a s f u n d i ç õ e s d e s i n o s d e B r a g a e R i o Ti n t o . Entre os fragmentos de molde recolhidos identificámos vestígios do macho, da capa e moldação da asa, com clara predominância do primeiro, estando completamente ausente qualquer indício de um falso sino em argil a . C o n t u d o , e s t a a u s ê n c i a n ã o p o d e s ó p o r s i l e v a r- n o s a afirmar que não tenha existido, tendo consequentemente

Fi g. 2 1 6 – A s p e c t o dos trabalhos de escavação arqueológica, em que são visíveis vários fragmentos do macho do molde (A. Castro) 242


sido utilizado o método de cera perdida, como indicado por Theophilus. O facto de o falso sino em argila ser quebrado após a cozedura do molde e tendo-se esta desenrolado fora do fosso de fundição, pode ter levado a que o espaço de tempo entre esta acção e a fragmentação da capa e do macho tenha resultado em diferentes percursos de deposição. Põe-se então a questão do tipo de moldagem empregue na concepção do molde, recorrendo a torno horizont a l , d e a c o r d o c o m o d e s c r i t o p o r T h e o p h i l u s ( H a w t h o rne, Smith, 1979: 167-168; Ibáñez Lluch, Mollà i Alcañiz, 1997: 432-433), ou ao torno vertical com uso de cércea, de acordo com o método ainda actualmente em uso (Sanc h e z Re a l , 1 9 8 2 : 2 9 - 4 6 ) . O ú n i c o d a d o c o n c r e t o d e e n t r e os vestígios exumados capaz de nos indicar a resposta consiste nos diversos fragmentos da base do macho, correspondente à mó. Nesta é claramente visível que o macho foi moldado de forma independente em relação à capa, conservando-se perfeitamente a sua face externa, c o z i d a , o n d e a b a s e d a c a p a d e v e r i a a j u s t a r. Esta característica específica do cerceamento vertical com falso sino de argila é incompatível com o que seriam os fragmentos da base de um molde de modelação horizont a l , o n d e o b a r r o d a c a p a e d o m a c h o s e f u n d e m ( C o u r t n e y, 1 9 8 9 : 1 2 7 ; B a y l e y, B r y a n t , H e i g h w a y, 1 9 9 3 : 2 2 9 ) . No que diz respeito ao material empregue no molde, a argila utilizada apresenta uma mineralogia idêntica à já referida para o fosso de fundição e cadinho, sendo composta por caulinite, ilite, moscovite, clorite, interestratificados de clorite esmectite, quartzo e feldspatos. A observação à lupa binocular da fracção superior a 0,280mm revela a ausência de partículas de dimensão superior a 2mm, continuando esta fracção a ser dominada por partículas de moscovite, com alguns fragmentos de quartzo e feldspato muito angulosos. Não se confirmando assim a existência de uma selecção diferencial da argila empregue no barro de moldação, tentou-se determinar por sua vez a eventualidade de uma s u a p r e p a r a ç ã o e s p e c í f i c a p o r p a r t e d o f u n d i d o r. N e s t e sentido, foram recolhidas para a análise granulométrica secções transversais, com cerca de 5mm de espessura, de um fragmento do macho e da capa. Inclusive, tentou-se inicialmente recolher separadamente amostras das faces 243


Fi g. 2 1 7 – Distribuição granulométrica cumulada das amostras do macho, da capa e do barro cru (amostra número 116) após desagregação e crivagem a 0,280mm (L. Catarino)

do molde que estiveram em contacto com o bronze, mas verificou-se que eram de fina espessura e difícil de desag r e g a r, o q u e i r i a f a l s e a r o s r e s u l t a d o s . A s s i m , o p t o u - s e por analisar as secções transversais completas, sendo ainda evidentes na análise à lupa binocular da fracção grosseira alguns fragmentos negros pertencentes a esta zona de c o n t a c t o q u e n ã o t i n h a m s i d o d e s a g r e g a d o s ( f i g. 2 1 7 ) . Os resultados indicaram que, na fracção menor que 0,280mm, as características granulométricas do macho e da capa continuaram igualmente semelhantes às já descritas para a argila do fosso de fundição e cadinho, isto é, apresentando uma mediana de cerca de 0,040mm e 10% de material argiloso com dimensão inferior a 0,004mm, ainda que a fracção dominante continuasse a ser areia muito fina a silte grosseiro. Este conjunto de informações permite concluir que o material utilizado, embora com a mesma origem, foi aqui sujeito a um processo de crivagem de modo a eliminar as partículas mais grosseiras. Po r o u t r o l a d o , é d e s a l i e n t a r q u e a p r e s e n ç a d e u m a elevada quantidade de materiais, constituídos por silte e areia muito fina (cerca de 70% do material), vem aumentar a porosidade e permeabilidade do barro constituinte do molde, facilitando a sua cozedura com a simultânea libertação dos gases. Observando macroscopicamente os fragmentos do molde que chegaram até nós, é ainda possível constatar em toda a pasta vestígios da introdução de matéria vegetal, no sentido de lhe conferir maior estabilidade, denunciada pelos negativos deixados pela sua desinte244


gração aquando da cozedura do molde. Apesar de este s e r u m d a d o i g u a l m e n t e c o n s t a t a d o e m d i v e r s o s c o n t e xt o s d e e s c a v a ç ã o a r q u e o l ó g i c a ( B l a g g, 1 9 7 5 : 3 6 2 ) , a especificação do tipo de matéria introduzida é de mais difícil resolução, sendo contudo várias as fontes documentais que apontam o excremento de animal ruminante como o mais indicado. Va n n u c c i o B i r i n g u c c i o , n a s u a o b r a D e l a Pi r o t e c h n i a , l i D i e c e L i b r i d e l l a Pi r o t e c h n i a , d e 1 5 4 0 , i n d i c a a mistura de excrementos de cavalo e desperdícios têxteis no barro usado nos moldes para canhões, não especificando contudo no capítulo referente à fundição de sinos a existência, ou não, de divergências no barro usado, apenas que este deveria ser de granulometria fina e de boa qualidade para o macho e falso sino, sendo no caso da primeira camada da capa peneirado e misturado com cinzas de chifres de cordeiro (Smith, Gnudi, 1990: 263; Blagg et alii, 1974: 138). A alusão à aplicação desta camada com pincel faz entrever um estado de grande plasticidade, aproximando-a da camada ainda actualmente em uso nas fundições artesanais denominada lisa, optando contudo pela introdução de cinza pelas suas qualidades refractárias. Po d e m o s a i n d a e n c o n t r a r t e s t e m u n h o d e s t a p r á t i c a n o s é c u l o X V I n a o b r a d e C i p r i a n o Pi c c o l p a s s o , L i Tr e L i b r i d e l l ' A r t e d e l Va s o i o , e s c r i t a e n t r e 1 5 5 6 e 1 5 5 9 , e m q u e o autor menciona a introdução de cinzas e esterco de burro na argila (Blagg et alii, 1974: 138). Já no século XVIII, é r e i t e r a d a n a E n c y c l o p é d i e o u D i c t i o n n a i r e Ra i s o n n é d e s Sciences, des Arts et des Métiers, de 1759, onde ao barro utilizado no macho é misturado excremento de cavalo, s u b s t i t u í d o p o r p a l h a 11 n o f a l s o s i n o e c a p a , u s a n d o m a teriais mais finos para as camadas próximas ao primeiro (Diderot, d'Alembert, 1759: 447-451). Na Espanha dos séculos XV e XVI temos, no registo de aquisição de materiais para a fundição de sinos, a compra de excremento e pêlo de animal em 1405 na Igreja d e S a n t a M a r i a d e l M i c a l e t ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 3 0 ) , e m 1550 na Igreja de San Miguel de Oñate, em Guipúcoa, e em 1555 e 1561 na Catedral de Santo Domingo de la C a l z a d a e m Lo g r o ñ o . A i s t o s ã o a i n d a a c r e s c e n t a d o s n o s e g u n d o c a s o q u a t r o l i b r a s 12 ( 1 , 8 1 3 k g ) d e f i o d e l g a d o 245


e duas libras (0,9065kg) de linho apurado para uso no macho, passando a fio delgado, cânhamo e estopa nas últimas duas fundições (Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 77-78). Te n d o o e x c r e m e n t o a n i m a l s i d o p r o g r e s s i v a m e n t e substituído por palha apenas a partir da primeira metad e d o s é c u l o X X ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 3 0 ; Ro s a , 1 9 4 7 : 29), devido à crescente dificuldade na sua obtenção e disponibilização de práticos métodos mecânicos de trituração da palha, todos os dados etnográficos e documentais apontam para que a primeira fosse a matéria de utilização preferencial, distinguindo-se da segunda pelo facto de a palha mastigada e parcialmente digerida ser m a i s f l e x í v e l e t r a b a l h á v e l ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 3 0 ) , d i s pensando ainda a sua cansativa trituração. Ao analisar à lupa binocular os fragmentos recolhidos, não podemos deixar de reparar que os negativos de palha são exclusivamente de pequena dimensão, facto igualmente concordante com a hipótese de excremento animal. A presença do que parece ser uma semente de gramínea tanto pode ter uma ou outra origem. O facto de não se ter detectado a introdução de outros materiais não elimina de todo a possibilidade de terem sido empregues, como o documentado uso de estopa ou cânhamo (Nozal Calvo, 1984: 161). No caso do cânhamo, que tivemos oportunidade de observar nas fundições d e s i n o s d e B r a g a e R i o Ti n t o , a s u a í n f i m a v o l u m e t r i a torna o negativo deixado pela sua desintegração quase i m p o s s í v e l d e d e t e c t a r. Igualmente de constante referência, é a introdução de claras de ovos na obtenção da lisa, barro de elevada plasticidade, aderência e suavidade, constituindo a primeira camada da capa em contacto com o falso sino. Te n d o a p e n a s r e c e n t e m e n t e s i d o s u b s t i t u í d a s p o r p r o dutos industriais nas fundições de sinos de Braga e Rio Ti n t o , t e m o s p e l o m e n o s d e s d e o s é c u l o X V I r e f e r ê n c i a s à sua utilização, nomeadamente nas fundições já acima referidas de 1550 na Igreja de San Miguel de Oñate, em Guipúcoa, 1555 e 1561 na Catedral de Santo Domingo d e l a C a l z a d a e m Lo g r o ñ o . C o n t u d o , a s u a d e t e c ç ã o p ó s utilização parece-nos de todo impossível, dado as suas características orgânicas e aplicativas não produzirem quaisquer vestígios consequentes. 246


Fi g. 2 1 8 – Re g i s t o fotográfico de fragmento seccionado da capa (em cima) e do macho (em baixo) do molde, sendo visível gradação de c o r, c a u s a d a p e l a infiltração de cera (L. Catarino)

Te n d o - s e d e t e r m i n a d o p e l o e s t u d o d o f o s s o d e f u n d i ção que a modelação e cozedura do molde se realizou exteriormente a este, coloca-se aqui a questão do tipo de cozedura efectuada. De acordo com todos os dados e t n o g r á f i c o s , e s t a t e r- s e - á l e v a d o a c a b o p e l a l i v r e e p r o longada combustão de lenha no interior do macho. Neste sentido, definiram-se na secção de um fragmento de macho e de capa cinco zonas de amostragem para difracção de raio X, de acordo com as suas gradações d e c o r ( d o n e g r o p a r a o v e r m e l h o ) ( f i g. 2 1 8 ) . A n a l i s a d o s desta forma os fragmentos de molde, observou-se que nas camadas interiores dos fragmentos do macho e da capa, em termos de exposição à cozedura, a presença de caulinite era ainda notória, o que quer dizer que a temperatura a que estiveram sujeitas foi inferior a 550ºC. No entanto, as camadas mais exteriores, apresentando uma cozedura oxidante em oposição ao tom negro d a s a n t e r i o r e s , d e n o t a r a m u m a q u e c i m e n t o s u p e r i o r, i n dicado pelo desaparecimento da caulinite no fragmento do macho e pela diminuição da intensidade do pico no fragmento da capa. Assim, a propagação da temperatura no conjunto do molde não terá sido uniforme, devido à espessura das peças e à má capacidade de transmissão calorífica do material cerâmico, tendo contudo atingido temperaturas acima dos 550ºC na face interior do macho, efeito sem dúvida atribuível à concentração de calor propiciada pela sua morfologia. À semelhança da abordagem tida na identificação do combustível empregue no cadinho durante a fusão do bronze, procurou-se também aqui identificar as espécies vegetais consumidas durante as possíveis diversas secag e n s i n t e r m é d i a s e a c o z e d u r a f i n a l d o m o l d e . Pa r a i s s o analisaram-se à lupa binocular cinco amostras (números 6 3 , 6 4 , 6 5 , 6 7 e 7 2 ) , n u m t o t a l d e c i n q u e n t a e n o v e c a rvões, distribuídas por todas as unidades estratigráficas definidas durante a escavação do fosso de fundição. Pu d e m o s e n t ã o c o n s t a t a r q u e , a o c o n t r á r i o d a e x c l u sividade de espécies arbustivas observada para o combustível do cadinho, encontrámos também a presença de duas espécies arbóreas, o Quercus robur e o Quercus p y r e n a i c a . 13 N ã o p o d e n d o r e l a c i o n a r a s d i v e r s a s m a n chas de carvões com as diferentes fases envolvendo a 247


combustão de lenha, podemos apenas de forma genérica considerá-las como produto das secagens intermédias do molde e da moldação da asa, presumindo que as tenha havido, e com a sua cozedura final, desconsiderando a hipótese de se incluírem nestas amostras carvões proven i e n t e s d a f u s ã o n o i n t e r i o r d o c a d i n h o , p o r r e g r a a b s o rvidos pelas escórias superficiais do bronze. Ainda que a presença de vestígios de espinela, nas faces do molde que estiveram em contacto com o bronze, nos tivessem permitido assumir que a sua temperatura de entrada foi superior a 1000ºC, de acordo com as temperaturas vulgarmente praticadas na actualidade e acima descritas para o cadinho, inesperadamente, pela insistência na diversificação das análises efectuadas ao molde, do conjunto de fragmentos analisados por difracção de raios X detectou-se um fragmento de capa no difractograma do qual era ainda indicada a presença de caulinite em todas as camadas da secção, impossibilitando de todo que tivesse estado alguma vez em contacto com o bronze líquido, ainda que a zona se apresentasse negra (o que se assumiria como consequência do contacto com o metal a alta temperatura), à semelhança dos restantes f r a g m e n t o s a n a l i s a d o s ( f i g. 2 1 9 ) . Este novo dado apenas pode ser por nós explicado pela existência de fragmentos de dois moldes, ainda que idênticos, não tendo um sido objecto de vazamento do bronze. À parte as muitas especulações a que este fact o p o d e r i a d a r a z o , e n t e n d e m o s t r a t a r- s e p o s s i v e l m e n t e de uma situação de defeito de modelagem, vulgar pelas

Fi g. 2 1 9 – Difractograma de amostras de dois fragmentos de capa em ordem sequencial desde a camada mais escura, C1 e C21, até à camada vermelha, C5 e C25 (q-quartzo, cl-clorite, c-caulinite, f-feldspato, m-mica) (L. Catarino) 248


características artesanais do processo. Não sendo ainda hoje de todo invulgar a ocorrência de defeitos de modelagem, impeditivos do vazamento, é certo que os mais habituais defeitos de fabrico ocorrem após o vazamento, resultando em sinos de reduzida resistência mecânica e, l o g o , d u r a b i l i d a d e o u , a i n d a m a i s v u l g a r, d e f i c i e n t e s o noridade (Blagg et alii, 1974: 142-143). O facto de os fragmentos de ambos os moldes apresentarem uma característica gradação de cor negra, com desenvolvimento decrescente a partir da pretensa zona de contacto com o bronze, obrigou-nos igualmente a rever a interpretação geralmente dada a este aspecto, comummente atribuível às elevadas temperaturas do metal. Sujeitando os fragmentos do macho e da capa a aquecimento em atmosfera oxidante, podemos verificar que a cor negra inicial é totalmente eliminada, assumindo todo o conjunto a característica tonalidade avermelhada do b a r r o c o z i d o . Po r e s t a e x p e r i ê n c i a p o d e m o s e n t ã o c o n cluir que a gradação de cor negra característica deste tipo de fragmento de molde não é atribuível às altas temp e r a t u r a s d o m e t a l , m a s s i m à i n f i l t r a ç ã o d a c e r a 14 a p l i cada sobre o macho e falso sino, absorvida em atmosfera redutora pelo barro aquando da cozedura do molde. Observando o comportamento destes fragmentos de molde de cor negra, revelou-se durante os ensaios de calorimetria diferencial de varrimento (DSC) que a cera se vai libertando por aquecimento até temperaturas de cerca de 550ºC, acompanhada da destruição da caulinite, em conjunto ou separadamente, em função da sua p r e s e n ç a ( f i g. 2 2 0 ) . Fi g. 2 2 0 – Diagrama de DSC das diversas amostras: 1 – barro (amostra número 70), 2 – camada interna do macho (zona vermelha), 3 – camada intermédia do macho, 4 – camada externa do macho (que esteve em contacto com o bronze) (L. Catarino) 249


A observação comparativa, que tivemos oportunidade de realizar com fragmentos de outros contextos de e s c a v a ç ã o , 15 p e r m i t i u - n o s a i n d a c o n s t a t a r u m a g r a n d e variação no comportamento e resultante aspecto da infiltração da cera nas pastas dos moldes, podendo-se definir como factores condicionantes a quantidade e características da cera, porosidade do barro, temperatura atingida e tempo de exposição durante a cozedura.

6.1. O macho Estando os fragmentos do macho do molde em maior número, foi da sua análise que provieram os poucos dados obtidos relativos ao perfil e dimensão do sino fundido. Se bem que não sejam conclusivos em relação ao tipo de sino, se de perfil antigo (ou gótico) ou afinado ( o u d e c a r r i l h ã o ) , 16 i n c l i n a m o - n o s o b v i a m e n t e p a r a a p r i meira opção, devido à sua cronologia (Miguel Hernandez, 1990: 146) e a pormenores sugestivos como o perfil interior da zona do bordo. Pe r a n t e a i n s u f i c i ê n c i a d e d a d o s , e l a b o r o u - s e u m a p r o p o s t a d e r e c o n s t i t u i ç ã o r e c o r r e n d o à r e l a ç ã o d e p e r-

Fi g. 2 2 1 – Pr o p o s t a esquemática de reconstituição do sino e seu respectivo molde (L. Sebastian)

Valores fornecidos pela observação dos vestígios materiais exumados Valores fornecidos por comparação com a tabela técnica em uso na Fundição de Sinos de Braga Valores fornecidos pelo cruzamento de dados

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Fi g. 2 2 2 – Re g i s t o fotográfico das duas faces de um fragmento do macho do molde, estando a face de contacto com o bronze na vista inferior (L. Sebastian)

f i s , d i m e n s õ e s e p e s o s p r a t i c a d o s n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s de Braga, com as quais cruzámos os valores fornecidos pela análise dos fragmentos do molde e do fosso de fund i ç ã o ( f i g. 2 2 1 ) . Dado o diâmetro de 84cm da boca do sino, fornecido pelo fragmento da base do macho do molde e confirmado pelo negativo do molde no interior do fosso de fundição, r e c o r r e m o s à r e l a ç ã o d i â m e t r o - a l t u r a 1 7 p r a t i c a d a n a Fu n dição de Sinos de Braga, cujo modelo mais aproximado em produção apresenta uma altura de 80cm para um d i â m e t r o d e 8 6 c m , 18 o q u e g e r a p a r a o n o s s o e x e m p l a r uma altura de 78,1cm. Considerando a espessura de 4cm para o macho e capa no topo do molde, a que se juntam 7,7cm de altura até início do sino no fragmento da base do macho, podemos entrever uma altura máxima de 89,8cm para o molde do sino, a que teremos que juntar a moldação das asas. Sendo a altura máxima permitida pelo fosso de fundição de cerca de 110cm, entendemos que o molde da asa se tenha contido nesta diferença a p r o x i m a d a d e c e r c a d e 2 0 c m . 19 Considerando o único fragmento de capa posicionável com o macho, o sino teria na zona do ombro 2,5cm de espessura, o que isoladamente é impeditivo de qualquer tentativa séria de cálculo do peso do sino. No entanto, r e c o r r e n d o n o v a m e n t e à t a b e l a t é c n i c a e m u s o n a Fu n d i ção de Sinos de Braga, a sua relação de altura e diâmet r o a p r o x i m a - n o s c o m p a r a t i v a m e n t e d o s 3 0 2 , 8 k g. 2 0 Característica saliente é o facto de a face interna do macho, apresentando uma cozedura oxidante, estar coberta por finas estrias paralelas, tendencialmente acompanhando o eixo de moldagem. Estas parecem ter sido provocadas pela passagem manual de um instrumento l a m i n a r, p r e n d e n d o - s e c o m o t r a b a l h o d e m o l d a g e m i n terior do macho, não convindo que este fosse demasiado espesso, sobre risco de não cozer totalmente e aumentar a d i f i c u l d a d e d e t r a n s p o r t e d o m e s m o . Po r o u t r o l a d o , a constância de espessura e paralelismo dos perfis interiores e exteriores contribui para o bom comportamento do m o l d e d u r a n t e a f u n d i ç ã o ( f i g. 2 2 2 ) . A confirmação da introdução, ou não, de aduelas na elevação do macho, consistindo estas em elementos de 251


a r g i l a c r u a , s e c a a o a r, d e s e c ç ã o d e l g a d a e s e m i c i r c u l a r (Nozal Calvo, 1984: 161), é-nos aqui dada pelo simples exercício de comparação com os fragmentos análogos p r o d u z i d o s n a s f u n d i ç õ e s d e B r a g a e R i o Ti n t o . Aí podemos observar a utilização destes elementos, consistindo o seu fabrico simplesmente na moldagem de um tijolo de argila, recorrendo-se a uma forma de madeira rectangular sem fundo, que é posteriormente cortado e m d i v e r s a s s e c ç õ e s p o r u m a l â m i n a s e m i c i r c u l a r. A p ó s s e c o s a o a r, a s u a a p l i c a ç ã o n o l e v a n t a m e n t o d o m a c h o desempenha um papel estrutural, reduzindo o tempo e grau de dificuldade necessários à realização dessa fase de modelação. Após a cozedura, enchimento e posterior destruição do molde para extracção do sino, os fragmentos resultantes do macho apresentam uma clara fragmentação de acordo com o destacamento das aduelas interiores, podendo-se mesmo em termos gerais proceder à sua recuperação. Assim, podemos afirmar que a secção perfeitamente uniforme do macho em análise é de todo incompatível com a introdução destes elementos, tendo-se a elevação do macho feito exclusivamente com o barro de modelação, sem qualquer suporte estruturante. Este facto terá com certeza obrigado o artesão a aplicar este barro num estado de reduzida plasticidade, de forma a evitar a deformação ou mesmo o colapso interior do macho, com diversos compassos de espera, no sentido de a solidificaç ã o d o ú l t i m o n í v e l d e b a r r o , s o m a d o à e s t r u t u r a , s u p o rtar nova aplicação, resultando num considerável acréscimo do grau de dificuldade e tempo necessários. Neste mesmo sentido e por comparação análoga, podemos igualmente eliminar a hipótese de a base do macho, designável por mó, ter incluído a introdução de elementos estruturantes, comummente o tijolo maciço ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 3 0 ) , d e a c o r d o c o m o j á i n d i c a d o e m 1 7 5 9 n a E n c y c l o p é d i e o u D i c t i o n n a i r e Ra i s o n n é d e s S c i e n c e s , d e s A r t s e t d e s M é t i e r s 21 ( D i d e r o t , d ' A l e m b e r t , 1759: 447-451), ainda observável nas fundições actuais e igualmente já identificado em contexto de escavação (Miguel Hernandez, Marcos Villán, 1997: 449). 252


6.2. A capa Os fragmentos da capa apresentam em média 4cm de espessura, expondo claramente, e à semelhança do macho, os vestígios da introdução de matéria vegetal na pasta. No entanto, salienta-se na construção da capa o uso de fio, introduzido com objectivos estruturais, à s e m e l h a n ç a d o q u e é a i n d a p r á t i c a c o r r e n t e , c o m c e rca de 1mm de diâmetro e enrolado em torno da capa, respeitando uma equidistância média de 5mm entre si e situando-se a igual distância da face interna da capa. Este, devido à penetração da cera na secção da capa, apresentava no momento da recolha dos vários fragmentos da capa um aspecto cauterizado. Contudo, durante os ensaios de aquecimento e consequente eliminação dos vestígios de cera, constatou-se que de facto a sua coloração negra era atribuível não a cauterização mas à presença da cera. Uma vez limpo, adquiriu o que entendemos ser a sua coloração e textura originais, tratando-se de um fio branco possivelmente coincidente com linho ou lã (figs. 223, 224 e 225). A face externa da capa apresenta por sua vez uma última camada de argila, com cerca de 4mm de espessura, que se caracteriza por profundas estrias horizontais provocadas pela passagem dos dedos da mão do fundiFi g. 2 2 3 – Re p r e s e n t a ç ã o esquemática da disposição do fio introduzido na capa do molde (L. Sebastian) Fi g. 2 2 4 – Re g i s t o fotográfico de pormenor da inserção de fio na capa do molde (A. Cabeço)

Fi g. 2 2 5 – Re g i s t o fotográfico de um fragmento de capa do molde onde é visível a inserção de fio (A. Cabeço) 253


d o r, s e n d o a q u i a s u a c o z e d u r a o x i d a n t e . E s t e t r a t a m e n t o final da última camada da capa, recorrendo apenas à passagem contínua da mão, tem sido já identificado por o u t r o s a u t o r e s ( D o n a t i , 1 9 8 1 : 1 1 3 ) ( f i g. 2 2 6 ) . O único elemento decorativo identificado consiste num pentagrama, cujo negativo num fragmento de capa deveria, obviamente, resultar no correspondente positivo no perfil exterior do sino. Apresentando uma secção em bisel, não aparenta contudo corresponder a uma impressão na face interna da capa resultante de um positivo em cera, aplicado sobre a face externa do falso sino, de acordo com o método convencional ainda actualmente p r a t i c a d o ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 4 0 ) . Ao invés, sugere, pelas suas características gerais e esp e c í f i c a s , t r a t a r- s e d e u m a i n c i s ã o r e a l i z a d a d i r e c t a m e n t e no interior da capa, através de um objecto contundente, o que a acontecer implicaria obrigatoriamente a sua separaç ã o e m r e l a ç ã o a o m a c h o a t r a v é s d e e l e v a ç ã o . Pe l o f a c t o de o método usado implicar alguma plasticidade por parte do barro, ainda que reduzida pelo que se subentende pelo arrastamento de material em torno da incisão, esta acção terá que ter tido lugar antes da cozedura final. Pe l o m é t o d o r e b u s c a d o c o m q u e e s t e m o t i v o f o i a p l i cado resultaram claras imperfeições de simetria e acabamento, reflectidas no produto final (figs. 227 e 228). Po r ú l t i m o e e m c o n s e q u ê n c i a d e s t e p r e s s u p o s t o , t e mos ainda que considerar a hipótese de a não aplicação dos motivos decorativos em cera dispensar a obrigatoriedade de a primeira camada da capa assumir característi-

Fi g. 2 2 6 – Re g i s t o fotográfico da face exterior da capa do molde onde é visível a marca da passagem de dedos (A. Cabeço)

Fi g s . 2 2 7 e 2 2 8 – Re g i s t o s g r á f i c o e fotográfico do fragmento da capa do molde onde é visível o negativo do elemento decorativo em forma de pentagrama (L. Sebastian e A. Cabeço) 254


cas especiais, no sentido de reproduzir correctamente esses mesmos motivos, de acordo com a prática corrente de aplicar como camada inicial da capa a designada lisa. Se bem que inicialmente possa parecer deslocada a opção deste motivo decorativo e simbólico num sino do mosteiro, o facto é que não é invulgar a associação do pentagrama (ou pentalfa) à arquitectura religiosa ou p o p u l a r, e s t r u t u r a s f u n e r á r i a s , u t e n s í l i o s d o m é s t i c o s o u actividades industriais, conotando-se com boa sorte e p r o t e c ç ã o m á g i c a . Te n d o o r i g e m n a e s t r e l a s a l o m ó n i c a , o s i g n u m s a l o m o n i s e n c o n t r a e x p r e s s ã o n a s m a i s d i v e rsas culturas, desde a médio-oriental, romana e medieval, não só como motivo simbólico e decorativo, mas também como sinal distintivo e individual, como em marcas de canteiro, oleiro, notário, etc., tendo-se identificado entre as diversas marcas de canteiro do Mosteiro de São João d e Ta r o u c a p e n t a g r a m a s e a l g u m a s s u a s v a r i a n t e s . Estamos assim perante duas principais hipóteses: a de que o pentagrama tenha sido aplicado à decoração do sino fundido como protecção mágica ou que represente o sinete identificativo do fabricante. Sem conseguir anular cientificamente esta segunda hipótese, comparativamente somos forçados a considerar como mais plausível a primeira, pois são diversos os paralelos nas mais diversas áreas de expressão popular e religiosa d a é p o c a ( Va s c o n c e l o s , 1 9 9 6 : 6 6 - 8 8 ) , p o d e n d o - s e m e s mo apontar o exemplo concreto do uso do pentagrama, como motivo decorativo-profiláctico, no sino de 1287 d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , d e 1 2 9 2 d o M o s t e i ro feminino de Santa Maria de Almoster (Barroca, 2000: 1080-1087), na sineta de Santa Catarina da Serra em Guimarães (Braga, 1936: 88, 104; Almeida, 1966: 355) e no sino de 1294 do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (Dias, Coutinho, 2003: 148). 6.3. A moldação da asa Contrária à maior presença de fragmentos do macho e mesmo à menor presença de fragmentos da capa, não logramos identificar nenhum dos diversos fragmentos ind e f i n i d o s c o m a e f e c t i v a m o l d a ç ã o d a a s a , s a l v a g u a rdando que esta circunstância se possa dever à grande 255


fragmentação dos poucos vestígios que, por exclusão, não foram atribuídos ao macho e capa. Po r o p o s i ç ã o , a q u i i n c l u í d o s p o r d e f a c t o s e r e m o r i g i nalmente parte integrante da moldação da asa, foram recolhidos no mínimo três respiros (ou suspiros), consistindo estes em canais ventiladores que, posicionando o seu topo a um nível acima do orifício de entrada do bronze (gito), permitem a evacuação do ar e gases do interior do molde a q u a n d o d o s e u e n c h i m e n t o ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 4 6 ) . O barro utilizado, sendo similar ao descrito para todo o molde, distingue-se de imediato pelo facto de não apresentar uma gradação de cor negra, reduzida a apenas uma fina camada de cerca de 2mm. Extrapolando os dados obtidos pela análise dos fragmentos do macho e d a c a p a , e m q u e e s t a c a r a c t e r í s t i c a s e d e v e r i a à a b s o rção de cera, podemos afirmar que a sua modelação não se terá socorrido de um positivo concebido neste material, à semelhança do que terá com certeza acontecido com a asa. Comparativamente com o que é a prática comum ainda hoje, sugerimos que estes respiros tenham s i d o m o l d a d o s e m t o r n o d e u m a p e ç a d e s e c ç ã o c i r c u l a r, provavelmente de madeira. Analisando por difracção de raio X o fino revestimento d e c o r n e g r a d o i n t e r i o r d e u m d o s r e s p i r o s ( f i g. 2 2 9 ) , p o d e m o s c o n c l u i r, p e l a p r e s e n ç a d e c a u l i n i t e , q u e e s t e não esteve sujeito a temperaturas superiores a 450ºC, concordante com a posição periférica que os respiros

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Fi g. 2 2 9 – Re g i s t o gráfico de um dos três suspiros do molde (exemplar analisado por difracção de raio X) (L. Sebastian)


Fi g s . 2 3 0 e 2 3 1 – Re g i s t o s g r á f i c o e fotográfico de um dos três suspiros do molde (L. Sebastian)

a s s u m e m e m r e l a ç ã o a o c e n t r o d e c o z e d u r a . Pr e s s u p o n do a possível relação entre esta coloração e a presença de material carbonoso, podemos apenas configurar como h i p ó t e s e t r a t a r- s e d e u m a r e a c ç ã o r e s u l t a n t e d a s e c a g e m da moldação da asa e cozedura total do molde, durante as quais, pela sua morfologia e posição, os respiros terão funcionado como vias de escape para os gases da combustão e evaporação da cera. Ainda que tendo em conta a existência de dois moldes idênticos, os resultados observados pela análise de d i f r a c ç ã o d e r a i o X r e a l i z a d a p o d e r- s e - ã o e x t r a p o l a r a o s restantes dois exemplares, uma vez que temos por pressuposto que a saída dos gases do molde durante o vazamento do bronze não terá tido influência sobre o barro do respiro em termos de cozedura. Ainda que mantendo as devidas reticências devido aos variados condicionalismos e variantes de fundição para fundição, baseamos este pressuposto na medição realizada à temperatura de saída dos gases de um respiro durante uma fundição na Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , a p r e s e n t a n d o p o r c u r t o p e ríodo de tempo o valor máximo de 570ºC, variando este mesmo período de acordo com a quantidade de bronze vazado. Assim, é indeterminável a atribuição dos dois fragmentos menores de respiro a qualquer um dos dois moldes (figs. 230, 231).

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Fi g. 2 3 2 – Re g i s t o gráfico de um dos três suspiros do molde (L. Sebastian)

O mesmo já não acontece com o exemplar melhor conservado, constituído por um conjunto de fragmentos presumivelmente atribuíveis a um mesmo respiro, com um c a n a l d e 1 6 c m d e a l t u r a ( f i g. 2 3 2 ) . Contando neste exemplar com a possibilidade de observar a base que seria adossada à restante moldação da asa, podemos afirmar que muito provavelmente terá pertencido ao molde inutilizado, pois em contrário teríamos obrigatoriamente presença de bronze no interior do respiro, no mínimo até ao nível correspondente ao topo do gito. Não possuindo dados concretos sobre a disposição altimétrica entre o respiro e o gito no conjunto do molde, podemos por comparação etnográfica constatar que, regra geral, o início do respiro se situa ligeiramente abaixo do topo do gito, resultando, pelo princípio dos vasos comunicantes, na correspondente entrada de algum bronze n o r e s p i r o . 22 D e a c o r d o c o m e s t a p r e s u n ç ã o , e s t á o f a c t o de a base de adossamento do respiro exibir uma zona de contacto boleada, demonstrando que a sua colocação na moldação da asa se faria numa zona já de perfil descendente, logo reduzida em relação à posição central e cimeira do gito. Em relação à hipótese de a ausência de bronze no interior do respiro se dever à simples eventualidade de se ter destacado do barro, à semelhança do acontecido com o macho ou a capa, conservando-se intacta a face 258


de contacto, a experiência directa do desmantelamento d e u m r e s p i r o u s a d o p r o v e n i e n t e d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e Braga permitiu-nos observar que, perante a ausência de cera ou um qualquer outro material desmoldante, o bronze adere ao barro impedindo a formação de fragmentos em que a zona de contacto se conserve. Se bem que não incluindo o fragmento menor de respiro pela impossibilidade de analisar abrangentemente o interior do seu canal, nos restantes dois respiros salienta-se sobre o fundo negro a presença de uma lista transversal vermelha, aparentemente resultante de um fenómeno de cozedura oxidante, com cerca de 2mm de espessura e situada entre 3 a 3,5cm do topo dos respiros. Na continuação do pressuposto de que o fragmento maior de respiro não terá sido sujeito ao enchimento do molde, apenas poderemos tentar explicar este facto como consequência da secagem da moldação da asa e/ou da cozedura do molde. Infelizmente não nos foi possível encontrar uma explicação plausível, não se tendo confirmad o q u a l q u e r t i p o d e r e a c ç ã o a n á l o g a n o s r e s p i r o s o b s e rv a d o s n a s f u n d i ç õ e s d e s i n o s d e B r a g a o u R i o Ti n t o . A confirmação da existência de dois moldes idênticos dificulta-nos igualmente a determinação do número de r e s p i r o s u t i l i z a d o p e l o f u n d i d o r. C o n s i d e r a n d o o c á l c u l o aproximado de 300kg sugerido pela análise dos fragmentos do macho e a prática corrente nas actuais fundições, encontramos uma grande disparidade no modus faciendi observado, subindo o número de respiros de um para d o i s a p a r t i r d e s i n o s s u p e r i o r e s a 2 6 0 k g n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a e a p e n a s a p a r t i r d e 8 0 0 k g n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o . Admitindo a inexistência de mais moldes, dos quais não nos teriam chegado outros vestígios senão dos seus respiros, podemos então assumir que na relação dos três respiros recolhidos com os dois moldes identificados se impõe um número invariavelmente superior a um respiro p o r m o l d e . Tr a t a n d o - s e a o p ç ã o d e m a i s d e d o i s r e s p i r o s desnecessária em termos práticos, podemos apenas especular que o número usado tenha sido dois, o que por exclusão de partes implicaria que os dois fragmentos menores de respiros corresponderiam ao molde utilizado. 259


7. O bronze Entre os diversos materiais recuperados do interior do fosso de fundição, muitos consistiam em pedaços disformes de bronze, por vezes associados a fragmentos de barro não identificáveis, com excepção de um pequeno fragmento com cerca de 3cm, claramente pertencente a u m s i n o ( a m o s t r a n ú m e r o 8 0 ) ( f i g. 2 3 3 ) . Assumindo que este último terá pertencido a um sino refundido, correspondente à maioria das situações de fundição (Miguel Hernandez, 1990: 146), configura-se-nos a possibilidade de estarmos perante um fragmento do s i n o o r i g i n a l d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , a q u i refundido por defeito ou quebra. Te n d o - s e i n i c i a d o a e d i f i c a ç ã o d o m o s t e i r o e m 1 1 5 4 (Barroca, 2000: vol. II, tomo 1, 254-258), podemos apenas, nesta fase da investigação arqueológica, presumir que os trabalhos de construção se tenham prolongado, n o m í n i m o , p e l o p r i m e i r o q u a r t e l d o s é c u l o X I I I . To m a n do ainda como referência a filosofia de austeridade da o r d e m c i s t e r c i e n s e , e x p r e s s a n o s C a p í t u l o s G e r a i s d a O rd e m , c o m o a d v e r s a a g r a n d e n ú m e r o d e s i n o s , s e u e xcesso de dimensões, à elevação de grandes torres sineiras ou campanários (Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 18), atrevemo-nos a adivinhar a solução inicial como tendo sido a de um só sino, de pequena dimensão, instalado num modesto campanário. Sugestivamente, é insinuante o facto de a intervenção arqueológica no Most e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a n ã o t e r r e v e l a d o a e x i s t ê n cia material de uma torre sineira medieval. Da análise quantitativa, obtida por microssonda electrónica e efectuada em dez áreas distintas da secção do fragmento, resultaram valores médios de cobre de 86,55% (Cu) para 12,57% de estanho (Sn) e 0,88% de chumbo (Pb), tendo a observação da amostra à lupa binocular revelado a presença de um elevado número de poros, não sendo por isso uma superfície homogénea e uniforme. Pe l a e l e v a d a p o r o s i d a d e d o b r o n z e d e s t e s i n o , p o d e r í amos ser então levados a crer que a razão da sua refundição se terá prendido com a sua quebra, resultado inevitável da criação de bolhas de ar pela introdução de hidrogénio durante a fusão do metal. No entanto, os ainda 260

Fi g. 2 3 3 – Re g i s t o fotográfico das duas faces do fragmento de sino refundido, designado por amostra número 80 (L. Sebastian)


mais elevados valores de cobre na liga indicam-nos que a quebra deste sino seria quase virtualmente impossível durante a sua utilização corrente, por percussão do badalo de ferro, uma vez que o seu comportamento tenderia a d e f o r m a r- s e e n ã o a r o m p e r. Po r o u t r o l a d o , e s t e e x c e s s o de cobre resultaria igual e inevitavelmente numa grave deficiência sonora, produzindo-se um som abafado e de baixo sustenido, talvez a real razão da sua refundição. Com base no diagrama de equilíbrio das ligas de cobre e estanho, é ainda curioso constatar que o bronze obtido com esta liga é constituído essencialmente pela fase α, iniciando a sua solidificação ligeiramente abaixo dos 1000ºC. Este facto terá com certeza representado uma dificuldade acrescida no momento da sua fundição, elevando as temperaturas necessárias de fusão e vazamento. No sentido de determinar qual a liga metálica empregue pelo fundidor na elaboração do bronze relacionado com o fosso de fundição em estudo, seleccionaram-se duas amostras, escolhidas por apresentarem um aspecto uniforme e uma morfologia próxima ao que genericamente se designa por pingos, pequenas porções de metal resultantes do processo de fusão durante o qual foram excluídas por expelência ou escorrimento (amostras números 77 e 81). A estas foi ainda associada uma terceira amostra, consistindo num nódulo de bronze retirado directamente de uma amostra de escória proveniente do interior do cadinho (amostra número 83). A análise de cinco áreas em cada amostra revelou valores muito semelhantes de composição química entre as números 77 e 81, revelando-se a número 83 como apenas representativa do momento de adição do estanho ao cobre, sendo mais rica em estanho 26,96%. Considerando apenas as duas primeiras amostras, constatamos que a liga usada foi de 75,17% de cobre para 22,79% de estanho, na número 77, e 76,18% de cobre para 21,93% de estanho, na número 81, resultando numa média final de 75,68% de cobre para 22,36% de estanho. A restante percentagem corresponde à presença d e c h u m b o , n u m a m é d i a d e 1 , 9 6 % ( f i g. 2 3 4 ) . Em termos gerais, esta relação de valores entre o cobre e o estanho enquadra-se perfeitamente naquilo que é designado genericamente por bronze campanil, ao qual 261


Fi g. 2 3 4 – Re p r e s e n t a ç ã o gráfica das análises químicas quantitativas das amostras de bronze (L. Catarino)

correspondem as proporções ideais de 78% de cobre para 22% de estanho (Nozal Calvo, 1984: 157), actualmente as mais praticadas, ainda que com pequenas oscilações. Re c o r r e n d o à i n f o r m a ç ã o d o c u m e n t a l d i s p o n í v e l , v e mos que, apesar de existir uma flutuação de mais ou menos 3%, esta liga se manteve relativamente constante desde o período medieval, aparecendo já indicada como 80% de cobre para 20% de estanho na obra do sécul o X I -X I I d o m o n g e T h e o p h i l u s ( H a w t h o r n e , S m i t h , 1 9 7 9 : 173; Donati, 1981: 109; Ibáñez Lluch, Mollà i Alcañiz, 1 9 9 7 : 4 3 1 ) . A p e s a r d e Va n n u c c i o B i r i n g u c c i o n ã o r e f e r i r valores para o bronze utilizado nos sinos na sua obra do século XVI (Smith, Gnudi, 1990: 266), voltamos a encontrar valores similares na enciclopédia francesa Diderot et d'Alembert, de 1759, onde é indicada como devendo ter 75% de cobre para 25% de estanho (Diderot, d’Alembert, 1759: 447-451). Não apresentando, contrariamente ao bronze do sino refundido, poros de dimensão visível à lupa binocular ( f i g. 2 3 5 ) , a f o t o g r a f i a o b t i d a e m m o d o B S E v e i o r e v e l a r a presença da fase α do bronze (cinzento escuro) bem como a fase δ (cinzento claro misturado com cinzento escuro), correspondente ao eutético. Nesta, o chumbo é visível em aglomerados de cor mais clara, correspondendo as zonas negras aos locais onde este elemento foi r e m o v i d o a q u a n d o d o p o l i m e n t o ( f i g. 2 3 6 ) .

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Fi g. 2 3 5 – Re g i s t o fotográfico, obtido à l u p a b i n o c u l a r, da superfície do fragmento de sino refundido (amostra número 80) – à esquerda – e de um dos pingos de bronze analisados (amostra número 81) – à direita –, sendo possível verificar que a porosidade é significativamente diferente a esta escala (L. Catarino)


Fi g. 2 3 6 – Micrografia obtida em modo BSE de um dos pingos de bronze analisados (amostra número 81), onde é possível identificar a fase α do bronze (cinza escuro) e a mistura das fases α e δ (cinza claro misturado com cinza escuro). A branco é possível identificar chumbo (Pb) e a negro os buracos resultantes da remoção do chumbo aquando do polimento (L. Catarino)

Com base no diagrama de equilíbrio das ligas de cobre e estanho, é ainda possível afirmar que uma liga com esta composição inicia a sua solidificação a cerca de 900ºC. A presença de chumbo na liga metálica do bronze, sendo uma constante, pode-se explicar por duas vias, a da contaminação e a da introdução, não se devendo atribuir qualquer das duas ao momento de fundição do sino, mas sim ao da extracção do metal e seu consequente trat a m e n t o ( H o o v e r, H o o v e r, 1 9 5 0 : 5 3 9 - 5 4 4 ) . A contaminação entre os diversos metais advém, numa primeira instância, do facto de muitas vezes se encontrarem já interligados no seu estado mineral natural (Hoov e r, H o o v e r, 1 9 5 0 : 4 3 9 ) , o b r i g a n d o a p ó s o p r o c e s s o d e extracção do metal do minério a elaborados processos de separação dos diversos metais. Sendo variados estes processos e conhecidos desde a alta antiguidade, o próprio monge Theophilus descreve na sua obra como purificar o cobre, extraindo-lhe o chumbo (Hawthorne, Smith, 1979: 1 4 4 - 1 4 5 ; H o o v e r, H o o v e r, 1 9 5 0 : 4 0 5 , 5 3 6 ) . N o e n t a n to, considerando as técnicas metalúrgicas medievais e mesmo modernas, é quase que inevitável a presença no bronze de vestígios de outros metais, vulgarmente chumbo, zinco (Zn) e prata (Ag), aparecendo o primeiro quase como que indissociável. A introdução intencional é igualmente um factor a ter em conta, sendo o mais comum a introdução durante os processos de separação e purificação dos diferentes metais, como por exemplo o uso do chumbo como a b s o r v e n t e d a p r a t a c o n t i d a n o c o b r e ( H o o v e r, H o o v e r, 1950: 401-402). A introdução de pequenas quantidades de metal, sobretudo de baixa fusão, com o fim de conferir maior maleabilidade ou como fundente, é igualmente u m a p r á t i c a m i l e n a r, s e n d o j á a p o n t a d a n o s é c u l o I p o r Plínio a introdução de cerca de 9% de chumbo para 91% de cobre, no sentido de lhe conferir maior maleabilidade e c o r m a i s a g r a d á v e l ( H o o v e r, H o o v e r, 1 9 5 0 : 4 0 4 ) . É neste sentido de salientar que o valor de chumbo presente nesta liga é significativamente superior ao da amostra número 80, correspondendo a um valor de cerca de 2% do total e de aproximadamente 9% da quantidade de estanho, sendo curiosamente esta relação de quantidades entre o chumbo e o estanho referida no século XVIII 263


como a utilizada em estanho impuro, para lhe melhorar as características de maleabilidade (Barjona, 2001: 283). Pa r a f i n a l i z a r, t e m o s a i n d a q u e r e f e r i r o p e q u e n o m a s possível desvio entre a liga vazada e a liga intencionada, ou seja, os valores de cobre e estanho introduzidos pelo fundidor poderão ter sido ligeiramente alterados pelas perdas ocorridas durante a fusão, actualmente estimada em cerca de 10% e já considerada nos séculos XVI e XVII como variando entre os 5% e os 7,5% (Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 57-58). Dentro destas perdas, a do estanho é a mais indicada (Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 85), o que se poderá talvez explicar pelo ponto de fusão do cobre ser aos 1083ºC e o do estanho aos 232ºC.

8. Considerações finais 8.1. Considerações para a história da fundição sineira Apesar dos reduzidos dados científicos disponíveis e consequente insipiência do conhecimento geral da evolução técnica e metodológica da fundição de sinos na Europa, tende a ser consensual considerar um primeiro mom e n t o d e v i r a g e m e v o l u t i v a p a r a o s s é c u l o s X I I I -X I V, c o m substituição do torno de modelação horizontal com falso s i n o e m c e r a , c o m o d e s c r i t o n a o b r a d o s é c u l o X I -X I I d e T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s , p e l o t o r n o d e m o d e l a ç ã o v e rtical com falso sino em barro, de acordo com a prática a i n d a c o r r e n t e p o r t o d a a E u r o p a , c o m e x c e p ç ã o d a Pe nínsula Itálica onde o torno horizontal sobreviveu, ainda que dotado de cércea e já associado ao falso sino em b a r r o . O s e g u n d o m o m e n t o d e v i r a g e m e v o l u t i v a t e r- s e - á d a d o n o s é c u l o X V I , c o m a i n t r o d u ç ã o d o f o r n o d e r e v é rbero, levando a que o carácter exclusivamente itinerante do fundidor avançasse progressivamente para a sedentarização, com a criação de ateliers fixos (Miguel Hernandez, 1990: 146, 154; Nicourt, 1971: 76-77). Assim, encontramos nos vestígios de fundição recol h i d o s n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a u m m o m e n t o cronológico ainda possivelmente de viragem no que diz 264


respeito ao método de modelação, com possível coexistência dos dois tipos de torno ao nível europeu, ou mesm o d e s o l u ç õ e s h í b r i d a s d e t r a n s i ç ã o . Re m e t e n d o - n o s e xclusivamente para a análise científica dos vestígios materiais exumados, podemos então encaixá-los perfeitamente no quadro já antes sugerido pelo cruzamento dos dados anteriormente disponíveis, de origem documental, etnográfica e arqueológica, como já plenamente enquadrável no período de introdução do torno vertical de modelação, iniciado ainda no século XIII, como já sugerido pel o s s i n o s d e 1 2 8 7 d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , d e 1292 do Mosteiro de Santa Maria de Almoster e de 1294 do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (Dias, Coutinho, 2003: 148), interpretados por nós como sendo produto de uma modelação por torno vertical, em que o perfil do sino terá sido determinado por uma matriz reutilizável. Ainda que a datação de 1280-1400 desconsidere o emprego do forno de revérbero nesta fundição no Most e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , a q u e s t ã o d a u t i l i z a ç ã o do cadinho ou do forno de revérbero na fusão do bronze em fundições in loco é, talvez, das de mais complexa resolução através da análise dos vestígios materiais a que o arqueólogo está circunscrito. Este facto deve-se à obrigatória destruição da estrutura utilizada após a finalização dos trabalhos de fundição, justificada pela sua inutilidade pós utilização e, regra geral, edificação em espaços temporariamente reservados para o efeito, após o qual restituídos às suas funções originais. Contudo, e inclusive através da interpretação errónea dos lacónicos dados documentais actualmente disponíveis, vários têm sido os autores que têm forçosamente considerado o forno de revérbero como a estrutura de fusão utilizada em exclusivo desde o fim do período medieval até à actualidade, negligenciando factos como o da utilização de carvão como combustível ou de foles não se coadunarem, de forma alguma, com o princípio d e f u n c i o n a m e n t o d o m e s m o ( M a r c o s V i l l á n , M i g u e l H e rn a n d e z , 1 9 9 8 : 8 5 ; S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 6 1 ) , s e n d o n o caso do carvão uma verdadeira impossibilidade, dada a sua incapacidade de produzir a chama necessária ao princípio de reverberação. 265


A juntar a este facto, teremos ainda que considerar a relação desajustada entre a natureza temporária das infra-estruturas criadas para uma fundição in loco e o elevado investimento que a complexa construção de um forno de revérbero implicaria, quer ao nível do investimento de tempo quer de material. Se a isto juntarmos que, na maioria dos casos, as fundições identificadas para a Época Moderna se realizaram em apenas um fosso de fundição, excluindo assim o caso de fundição simultânea, torna-se completamente desapropriada a criação de uma estrutura de reverberação, cujas características se apropriam à fusão de grandes quantidades de metal, com a consequente possibilidade de vazamentos múltiplos reduzindo a duração e recursos materiais da mesma, exceptuando-se pelo mesmo princípio os casos pontuais de fundição de sinos de dimensões excepcionais. Igualmente atribuída à necessidade de fornecer oxigénio ao forno de revérbero, tem sido a corrente localização da estrutura de fusão do bronze junto a vãos de entrada, aquando de fundições no interior de edifícios, mormente igrejas. No entanto, também aqui encontramos uma contradição em relação aos dados etnográficos, em que não se constata a necessidade de tal solução no interior dos ateliers de fundição, sem que isto resulte num deficiente funcionamento. Muito despretensiosamente, da experiência que podemos reunir nas fundições de s i n o s d e B r a g a e R i o Ti n t o , a n e c e s s i d a d e d e p r o c u r a r a fácil acessão de ar ao interior do local da fundição p r e n d e r- s e - á m u i t o s i m p l e s m e n t e c o m a n e c e s s i d a d e d e evacuar o intenso fumo provocado pela fusão do bronze, cuja concentração representaria a inevitável intoxicação d o s i n d i v í d u o s p r e s e n t e s e s é r i o s d a n o s a o i m ó v e l e c o rrespondente recheio, não menos considerável no caso de se tratar de um edifício religioso. Ainda que admitindo a introdução do forno de revérbero na fundição de sinos a partir do século XVI, parece-nos pois que, pela sua relativa complexidade construtiva, dificilmente se terá ajustado às características e necessidades inerentes à prática comum do fundidor itinerante, salvaguardando naturais excepções de opção de índole pessoal ou técnica, ficando o forno de revérbero reservado sobretudo para a fusão do bronze em ateliers fixos. 266


8.2. Considerações para a história do Mosteiro d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a Pr o c u r a n d o c o n t e x t u a l i z a r h i s t o r i c a m e n t e o f o s s o d e fundição escavado com os dados disponíveis para a hist ó r i a d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , a o i n d i s c u tível carácter itinerante deste fundidor de 1280-1400 opõem-se algumas dúvidas em relação ao enquadramento do trabalho de fundição que realizou. Se bem que os fragmentos de molde recolhidos pareçam pertencer a um só sino, não podemos asseverar cientificamente que não tenham sido fundidos outros sinos para além daquele por nós identificado. Da mesma maneira que parte do molde recolhido se perdeu por não ter acompanhado o aterro final do fosso de fundição, outros vestígios de possíveis fundições anteriores poderiam eventualmente ter seguido diferentes percursos, estando por isso ausentes. O f r a g m e n t o d e s i n o r e c o l h i d o n a u . e . 1 7 2 7 , d e s i gnado no quadro de amostras pelo número 80, indica que esta fundição implicou a refundição parcial ou total de um sino, o que corresponde a um procedimento habitual, ou por se tratar de um trabalho com o objectivo de s u b s t i t u i r u m s i n o q u e b r a d o ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 4 8 ) o u ainda por se tratar de material excedente de outras fundições, uma vez que em regra este excedente caberia ao f u n d i d o r ( S a n c h e z Re a l , 1 9 8 2 : 2 1 - 2 2 ) . Não descartando completamente esta última hipótese, e n t e n d e m o s c o m o m a i s p r o v á v e l t e r- s e t r a t a d o d a r e f u n dição de um sino preexistente que, dado o curto período de tempo decorrido entre a fundação do mosteiro e a fundição em análise, impõe a possibilidade de corresponder a um sino original. Sintomaticamente, as escavações arqueológicas foram infrutíferas na localização da(s) torre(s) sineira(s) anterior(es) à única actualmente existente, datável de 1786-1789. Segundo a planta bernardina, característica dos mosteiros medievais da Ordem de Cister e integralmente respeitada na construção original do Mosteiro de S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , e s t a s e r i a m e s m o i n e x i s t e n t e , p o dendo ser substituída por apenas um campanário colocado no telhado, à semelhança do caso do mosteiro de Fo n t e n a y, e x i s t i n d o n o e n t a n t o c a s o s m a i s t a r d i o s e m q u e 267


a torre sineira aparece adossada entre o corpo da igreja e o braço do transepto virado ao cemitério, como acontece no mosteiro vizinho de Santa Maria de Salzedas. Em jeito de conclusão, podemos entender esta fundição como parte de um processo contínuo de resposta às constantes necessidades de manutenção, reformulação e ampliação de campanários e sinos do mosteiro, vitais na organização de índole prática e simbólica do quotidiano monástico. Neste processo podemos já incluir a identificação documental de uma fundição entre os anos 1 7 5 0 - 1 7 5 3 d e u m s i n o g r a n d e ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 3 9 3 ) e uma provável fundição entre 1786-1789, aquando da c o n s t r u ç ã o d a a c t u a l t o r r e s i n e i r a ( Va s c o n c e l o s , 1 9 3 3 : 394), para além de um fragmento isolado de molde de sino recolhido nas escavações arqueológicas que, fazendo parte de um aterro correspondente ao grande período de remodelação do mosteiro na primeira metade do s é c u l o X V I I I , p a r e c e i n d i c a r- n o s u m a q u a r t a f u n d i ç ã o , realizada in loco.

Notas 1

O registo gráfico do fosso de fundição sineira foi efectuado à escala 1/10, tendo por base medições tridimensionais fornecidas por um aparelho topográfico com sistema de medição à d i s t â n c i a p o r l a s e r, o f e r e c e n d o u m a m a r g e m d e e r r o h e l i c o i d a l d a o r d e m d e u m m i l í m e t r o . Po r s u p o r t e u t i l i z o u - s e p a p e l m i l i m é t r i c o c r i a d o e s p e c i a l m e n t e p a r a o e f e i t o , e m f o l h a s A 1 e i m p r e s s o c o m a m a r g e m d e e r r o m á x i m a d e 0 , 5 m m ( S e b a s t i a n , n o p r e l o ; S e b a s t i a n , Pe r e i r a , Ginja, Castro, no prelo).

2

Pa r â m e t r o g r a n u l o m é t r i c o q u e i n d i c a o d i â m e t r o q u e d i v i d e a d i s t r i b u i ç ã o a o m e i o : m e t a d e d a distribuição apresenta diâmetro superior a este valor e a outra metade valor inferior; também d e s i g n a d o p o r d 50 p o r c o r r e s p o n d e r a 5 0 % d a d i s t r i b u i ç ã o .

3

Estas marcas de dedos na argila que compõem as paredes da câmara de fundição têm sido igualmente detectadas noutras escavações arqueológicas (Sanchez-Monge Llusa, Viñe Escartin, 1989: 127).

4

A designação de argila é aqui utilizada não na sua definição granulométrica (partículas de dimensão inferior a 0,004mm) mas no sentido comum de material que por adição de água se torna plástico e moldável.

5

Os feldspatos presentes nas várias amostras são microclina, ortoclase e albite, cuja abundância é função da sua presença aleatória nas partículas de maior dimensão.

6

O exemplo apresentado refere-se à escavação arqueológica de um fosso de fundição no Most e i r o d e S a n t a M a r i a a M a i o r d e Po m b e i r o , d a r e s p o n s a b i l i d a d e d o D r. R i c a r d o E r a s u n , a o q u a l agradecemos a disponibilidade da informação.

7

A ericácea é a família de plantas que tem por tipo a eriça, ou erice, género de plantas ao q u a l p e r t e n c e a u r z e ( Le l l o , Le l l o , 1 9 7 4 : v o l . I , 8 5 6 ) .

8

O c í t i s o é u m g é n e r o d e Fa s e o l á c e a s Pa p i l i o n á c e a s , o r n a m e n t a i s e v i z i n h a s d a g i e s t a , s e n d o u m a r b u s t o q u e d á f l o r, g e r a l m e n t e a m a r e l a s ( Le l l o , Le l l o , 1 9 7 4 : v o l . I , 5 6 3 ) .

268


9

O m e s m o q u e g i e s t a ( Le l l o , Le l l o , 1 9 7 4 : v o l . I , 1 1 1 3 ) .

10

O m e s m o q u e t o j o ( Le l l o , Le l l o , 1 9 7 4 : v o l . I I , 1 1 0 0 ) .

11

No original o termo utilizado é bourre, podendo ser empregue com o significado geral de enchimento, no qual ainda pode ser incluído crina, penugem, vagem e pêlo (Silva, 1970: 126).

12

Sendo a libra uma unidade de peso de origem romana historicamente variável, chegou a a s s u m i r o s v a l o r e s d e 4 5 9 g r a m a s n a Fr a n ç a d e C a r l o s M a g n o a t é 5 0 0 g r a m a s n a l i b r a m é t r i c a p ó s r e v o l u ç ã o d e 1 7 8 9 ( Le l l o , Le l l o , 1 9 7 4 : v o l . I I , 6 2 ) . N e s t e c a s o e s p e c í f i c o , c o n sideramo-la como mais próxima do peso de 12 onças utilizado nas áreas da farmacêutica e metalurgia, de forma já estandardizada no século XVIII e correspondente a 453,25 gramas actuais (Barjona, 2001: 137).

13 O Q u e r c u s , n o m e c i e n t í f i c o d o c a r v a l h o , é u m g é n e r o d e D i c o t i l e d ó n e a s f a g á c e a s , c o m preendendo árvores de madeira muito dura, ideais para combustível, gerando um carvão de grande densidade. De entre as espécies de carvalhos de folha caduca das regiões temperadas o m a i s c o m u m é o Q u e r c u s r o b u r, s u b d i v i d i n d o - s e a c t u a l m e n t e e m d u a s e s p é c i e s , o c a r v a l h o a l v a r i n h o ( Q u e r c u s p e d u n c u l a t a ) e o c a r v a l h o d e f l o r e s s é s s e i s ( Q u e r c u s s i s s i l i f l o r o ) ( Le l l o , Le l l o , 1 9 7 4 : v o l . I , 4 8 3 ) , s e n d o o Q u e r c u s p y r e n a i c a g e r a l m e n t e d e s i g n a d o c a r v a l h o n e g r a l o u d a s b e i r a s , u m a e s p é c i e j á m u i t o c o m u m n o p e r í o d o m e d i e v a l ( i n f o r m a ç ã o o r a l d o Pr o f e s s o r D o u t o r J o r g e Pa i v a , d o D e p a r t a m e n t o d e B o t â n i c a d a Fa c u l d a d e d e C i ê n c i a s e Te c n o l o g i a d a Universidade de Coimbra). 14 O p t a m o s p e l o t e r m o c e r a c o m o d e s i g n a ç ã o g e n é r i c a d o s d i v e r s o s p r o d u t o s p a s s í v e i s d e u t i l i zação no período histórico em causa, implicando características plásticas reactivas a alterações de temperatura. Entre estes encontram-se comummente o sebo animal e a cera apicultural, sendo no entanto o primeiro o mais referenciado etnograficamente na área da fundição sineira. 15 A g r a d e c e m o s a q u i a o p o r t u n i d a d e d e o b s e r v a r m o s o s f r a g m e n t o s d e m o l d e r e s u l t a n t e s d a s e s c a v a ç õ e s d o D r. R i c a r d o E r a s u n , D r a . S u s a n a B a i l a r i m , D r. E r n e s t o Va z e D r. A n t ó n i o Lu í s Pe r e i r a . A e s t e s , t e m o s a i n d a a j u n t a r o s f r a g m e n t o s d e m o l d e d a s f u n d i ç õ e s d e B r a g a e R i o Ti n t o . 16 O s t e r m o s a n t i g o o u g ó t i c o e a f i n a d o o u d e c a r r i l h ã o s ã o a s d e s i g n a ç õ e s a c t u a l m e n t e e m u s o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , e n q u a n t o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o a p e n a s s e empregam os termos antigo e afinado. 17

A altura do sino deve sempre ser considerada apenas da boca até à base das asas.

18

O m o d e l o p r o d u z i d o n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a q u e m a i s s e a p r o x i m a d o n o s s o e x e m p l a r apresenta uma altura de 80cm para um diâmetro de 86cm na boca e 310kg de peso. 19 N ã o p o s s u i n d o q u a l q u e r i n f o r m a ç ã o a o n í v e l d o s v e s t í g i o s e x u m a d o s r e l a t i v a m e n t e a o m o delo da asa aplicada, optou-se na proposta de reconstituição por uma representação esquem á t i c a s e g u n d o o a r g u m e n t o a p r e s e n t a d o p o r J o a q u i n M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r ( 1 9 5 1 : 2 5 6 ) e o b s e r v á v e l n o s s i n o s d e 1 2 8 7 , d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , d e 1 2 9 2 , d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r, e d e 1 2 9 4 , d o M o s t e i r o d e S a n t a C r u z d e C o i m b r a . 20 A v a r i a ç ã o e n t r e f u n d i d o r e s n a r e l a ç ã o e n t r e d i m e n s ã o , p r o p o r ç ã o e , c o n s e q u e n t e m e n t e , peso, utilizada na definição dos diferentes modelos, torna qualquer esforço comparativo limit a d o . C o m o t e r m o d e r e f e r ê n c i a , i n d i c a m o s a t í t u l o d e e x e m p l o q u e n a Fu n d i c i o n d e C a m p a n a s H i j o d e M a n u e l Ro s a s , To r r e d o n j i m e n o , J a é n , E s p a n h a , o m o d e l o m a i s a p r o x i m a d o t e m 8 5 c m d e d i â m e t r o n a b o c a p a r a u m p e s o d e 3 4 0 k g. Po r o u t r o l a d o , p o d e m o s o b s e r v a r q u e n a e s c a l a a p r e s e n t a d a p o r Va n n u c c i o B i r i n g u c c i o , n a s u a o b r a d e 1 5 4 0 , Pi r o t e c h n i a , e n c o n t r a m o s c o m o v a l o r m a i s p r ó x i m o o s 3 1 5 , 7 8 k g, a i n d a q u e c u r i o s a m e n t e a r e l a ç ã o d e a l t u r a s e j a d e a p e n a s 63,84cm, ao qual temos ainda que somar a hipótese de esta contar já com as asas, uma vez que o autor deixa esta questão em aberto (Smith, Gnudi, 1990: 271-272). 2 1 D e s a l i e n t a r q u e n o p r o c e s s o d e s c r i t o n a E n c y c l o p é d i e o u D i c t i o n n a i r e Ra i s o n n é d e s S c i e n ces, des Arts et des Métiers, a moldação é realizada já no interior do fosso de fundição, caracterizando-se a mó por ser uma estrutura pesada e imóvel, distinta por isso das empregues, por e x e m p l o , n a s f u n d i ç õ e s d e s i n o s d e B r a g a o u R i o Ti n t o , o n d e a m o l d a ç ã o e x t e r i o r a o f o s s o d e fundição e consequente transporte implica uma estrutura mais leve e movível. 2 2 N a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o c o n s t a t a m o s q u e n ã o s ó é v u l g a r o b r o n z e a f l o r a r a o t o p o dos respiros como esse facto é utilizado pelo fundidor para controlar o enchimento dos moldes.

269


I g r e j a M a t r i z d e C o r u c h e , s i n o d e 1 9 1 4 d a Fu n d i ç ã o d e S i n o s L . F. Ro c h a d o Po r t o ( P. M a r t i n s ; M u s e u M u n i c i p a l d e C o r u c h e © )


C A P Í T U LO V I I I O SINO DE 1287 DA I G R E J A D E S Ã O P E D R O D E C O R U C H E

Com a contribuição de:

1. Introdução

Cristina Calais*

Apesar de aqui nos propormos à apresentação do estudo concreto de um só sino, à partida redutor por si mesm o , o i n d i v í d u o e m f o c o d e s t a c a - s e c o m o u m p o s s í v e l a rquétipo da fundição sineira medieval portuguesa, e logo, na perspectiva da sua natural integração técnico-cultural, da fundição sineira peninsular e mesmo europeia. Ao interessante contexto da sua exumação, tradutora de uma atitude apenas inteligível ao nível da crença religiosa, junta-se o facto de a inscrição que ostenta o datar de 1287, impondo-se assim como o exemplar mais antigo reconhecido em território português. Sendo que a análise directa dos milhares de sinos conservados nos campanários portugueses continua a ser a abordagem mais acessível na obtenção de informação, perante a raridade dos dados arqueológicos e documentais, propomo-nos aproveitar a oportunidade do estudo deste exemplar emblemático para ensaiar alguns critérios de análise passíveis de contribuir para responder a questões essenciais, para lá da imediata caracterização estilística, procurando identificar soluções técnicas como as empregues na modelação ou no vazamento do metal.

Ru i J. C . S i l v a * * E l i n Fi g u e i r e d o * * * S a r a Fr a g o s o * * * *

* Arqueóloga, Museu Municipal de Coruche. * * E n g e n h e i r o M e t a l ú r g i c o ; Pr o f e s s o r A u x i l i a r ; C E N I M AT e D e p a r t a m e n t o d e C i ê n c i a d o s M a t e r i a i s , Fa c u l d a d e d e C i ê n c i a s e Te c n o l o g i a d a U n i v e r s i d a d e N o v a d e L i s b o a . * * * D o u t o r a n d a e m C i ê n c i a s d e C o n s e r v a ç ã o ; C E N I M AT e D e p a r t a m e n t o d e C o n s e r v a ç ã o e Re s t a u r o , Fa c u l d a d e d e C i ê n c i a s e Te c n o l o g i a d a U n i v e r s i d a d e N o v a d e L i s b o a . * * * * T é c n i c a S u p e r i o r d e Re s t a u r o e C o n s e r v a ç ã o ; D e p a r t a m e n t o d e C o n s e r v a ç ã o e Re s t a u r o , Fa c u l d a d e d e C i ê n c i a s e Te c n o l o g i a d a U n i v e r s i d a d e N o v a d e L i s b o a . 271


Fi g. 2 3 7 – Lo c a l i z a ç ã o cartográfica da vila de Coruche e aspecto exterior da I g r e j a d e S ã o Pe d r o (L. Sebastian)

2 . C o n t ex t o a r q u e o l ó g i c o * O sino aqui em foco surge como elemento isolado no contexto da realização de escavações arqueológicas, de salvaguarda e apoio às obras de demolição de uma c o n s t r u ç ã o r ú s t i c a , a n e x a à I g r e j a d e S ã o Pe d r o , n a v i l a d e C o r u c h e ( f i g. 2 3 7 ) . Te n d o - s e o s t r a b a l h o s d e a r q u e o l o g i a d e s e n v o l v i do entre 27 de Setembro e 7 de Novembro de 2001, da responsabilidade do Museu Municipal de Coruche, o s i n o d e S ã o Pe d r o s u r g e c o m o e l e m e n t o s e c u n d á r i o , e a princípio totalmente inusitado, no interior de uma c r i p t a - o s s á r i o ( f i g. 2 3 8 ) . Pr o v a v e l m e n t e o b t i d a p e l a a d a p t a ç ã o d e u m s i l o pré-existente, escavado no substrato saibro-argiloso e de c o n f i g u r a ç ã o t e n d e n c i a l m e n t e c i r c u l a r, a s u a a c o m o d a ç ã o à nova função passou pelo alargamento da cavidade e posterior aplicação de cobertura de taipa, ressalvando-se u m a a b e r t u r a c i r c u l a r p a r a a c e s s o a o i n t e r i o r, r e s u l t a n d o numa cripta de planta oblonga com cerca de 5m de comp r i m e n t o p o r 2 m d e a l t u r a m á x i m a ( f i g. 2 3 9 ) . A p e s a r d e não totalmente definido durante os trabalhos de escavação

Fi g. 2 3 8 – Aspecto geral da cripta-ossário durante os trabalhos de escavação arqueológica (C. Calais)

Fi g. 2 3 9 – D o i s aspectos gerais dos trabalhos de escavação arqueológica no momento da exumação do sino d e S ã o Pe d r o (C. Calais) 272


a r q u e o l ó g i c a , f o i a i n d a p o s s í v e l i d e n t i f i c a r, s e n s i v e l m e n t e a meio do espaço interior da cripta, a construção de uma estrutura similar a um muro, separando a área de deposição dos ossos da restante área de entrada da cripta, não devendo contudo atingir a altura máxima desta, permitindo assim o livre acesso e utilização da área de ossário propriamente dita, não o selando, mas estruturando-o. Encontrando-se esta cripta-ossário anexa à igreja de S ã o Pe d r o , é l e g í t i m o s u p o r- s e q u e a d e p o s i ç ã o d i r e c ta, no leito do substrato saibro-argiloso, de tão grande quantidade de elementos osteológicos sem conexão, em número mínimo de cinquenta indivíduos entre os quais cinco não adultos (Codinha, 2001), se deva à transladação de parte, ou totalidade, de uma área de enterramento, associada ao templo primitivo, datável do reinado de D. S a n c h o I I ( 1 2 2 3 - 1 2 4 7 / 8 ) p e l o s n u m i s m a s r e c o l h i d o s junto das ossadas. De destacar são ainda os vários púcaros cerâmicos de igual tipologia, datáveis dos séculos X I I I -X I V ( f i g. 2 4 0 ) .

Fi g. 2 4 0 – Pr o p o s t a de reconstituição geral da igreja d e S ã o Pe d r o d e Coruche e da cripta-ossário (A. Bacalhau)

Re l a t i v a m e n t e à i g r e j a , é p o s s í v e l g a r a n t i r a s u a e x i s tência já no período inicial do século XIII, primeiro através da referência à existência da sua paróquia, num documento d e a q u i s i ç ã o d e t e r r e n o s p e l o c o m e n d a d o r d e C o r u c h e , D. H o n ó r i o , e m 1 2 2 9 ( Fa l c ã o , 2 0 0 3 : 9 2 ) , e d e f o r m a m a i s d i recta pelo documento de 5 de Novembro de 1248, em que D. A f o n s o I I I d o a o s e u p a d r o a d o a o M e s t r e d e A v i s M a r t i m Fe r n a n d e s , j u n t a m e n t e c o m a s i g r e j a s d e S ã o M i g u e l e d e São João (Ribeiro, 1959: 100; Correia, 2003: 80). 273


Apesar da sua génese medieval, a construção actual aparenta ser inteiramente seiscentista. Ainda que não tenhamos encontrado dados claros que expliquem esta total reformulação do templo original, sabemos que o mesmo processo se terá dado com a igreja de São Miguel, incluindo nesta a mudança de orago para Santo A n t ó n i o ( Fa l c ã o , 2 0 0 3 : 9 2 ) . Po r s u a v e z , s e n d o c e r t o q u e o terramoto de 15311 foi fortemente sentido na região ribatejana, talvez mesmo mais do que os de 1755 e de 1909, o seu impacto na igreja de São João levou mesmo à transferência da Matriz para a Igreja da Misericórdia, com o seu consequente e progressivo abandono. Meramente como proposta de trabalho, esta contraposição de factos afigura-se como indicadora de que, ao terramoto de 1531, sucedeu um período de abandono de determinados edifícios mais arruinados e a progressiva reconstrução parcial ou total de outros, no qual se poderá integ r a r a p r o f u n d a r e f o r m a s e n t i d a n a I g r e j a d e S ã o Pe d r o , provavelmente ocorrida na viragem para o século XVII ( Pi n t o , 1 9 8 7 : 1 3 4 - 1 3 7 ) . 2 Se a presença prévia do silo, relativamente à cripta-ossário, indica que se trataria à altura de uma área afecta à actividade agrícola, corroborada pela provável presença d e m a i s d o i s s i l o s p a r c i a l m e n t e e s c a v a d o s , 3 o s q u a i s c o rtam o nível de ocupação romana do sítio (sendo-lhe pois posteriores), esta mesma actividade está seguramente relacionada com o período medieval, islâmico ou cristão,4 ainda que apenas tenhamos, com base no material de e n c h i m e n t o d o s i l o 2 , e s p ó l i o d a t á v e l d o s s é c u l o s X I I I -X I V, testemunhos do seu abandono e enchimento. Re l a t i v a m e n t e à c r i p t a - o s s á r i o , a i n d a q u e c o n s i d e r a n do a uniformidade cronológica do conjunto numismático r e c o l h i d o ( d i n h e i r o s d e D. S a n c h o I I ) , o f a c t o d e s e t e r e m e x u m a d o , n o s e u s e i o , f r a g m e n t o s c e r â m i c o s ( f i g. 2 4 1 ) que têm colagens com outros exumados nas camadas de enchimento dessa mesma cripta a que estão associados r e a i s d e D. J o ã o I ( 1 3 8 5 - 1 4 3 3 ) , f a z e m - n o s c o l o c a r a h i pótese da existência de um momento (quase) único, dat á v e l d a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o X V, e n t r e a d e p o s i ç ã o do ossário e a condenação da cripta. Quanto ao motivo de tão grande transladação, este p o d e t e r- s e d e v i d o à e s p e c i f i c i d a d e d a i m p l a n t a ç ã o t o p o gráfica do templo que, usufruindo de uma limitada pla274

Fi g. 2 4 1 – C a n e c a / / j a r r i n h o , n . º i n v. AC875R, século XIV (L. Batalha, L. Sebastian)


t a f o r m a s o b r a n c e i r a a o Va l e d o S o r r a i a , s u g e r i u a s u a necessidade como meio de gestão do espaço sepulcral. Assim, a este momento de ocupação (que culmina com o f e c h o / c o n d e n a ç ã o d a c r i p t a - o s s á r i o ) t e r- s e - á s u c e d i d o um último momento que revela a continuidade da utilização da área para fins sepulcrais. O espaço contíguo à igreja d e S ã o Pe d r o f o i , p o i s , u s a d o c o m o c e m i t é r i o , 5 d a t á v e l d o s é c u l o X V I p e l a s m o e d a s d e D. J o ã o I I I ( 1 5 2 1 - 1 5 5 7 ) a s s o c i a d a s a o e n t e r r a m e n t o n . º 3 ( f i g. 2 4 2 ) .

Fi g. 2 4 2 – A s p e c t o geral dos trabalhos arqueológicos correspondentes à escavação de diversos enterramentos sobrepostos à cripta-ossário (C. Calais)

Aceitando-se esta proposta interpretativa, apenas se pode entender a desafectação do sino exumado ao seu uso comum pelo facto de se encontrar inutilizado. De facto, o rompimento observável no bordo parece corresponder à típica fractura provocada pela repetida percussão do badalo, indicando que o sino, ao momento do apeamento, se encontraria já inutilizado. Contudo, a fractura completa com consequente destaque de dois fragmentos ao nível do ombro e da asa, implicando mesmo a separação desta última, não parece consistente com o período de utilização, impondo a hipótese de ser resultado de uma manipulação descuidada durante o apeamento e transporte para o interior da cripta aquando da sua cond e n a ç ã o e s e l a g e m n a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o X V. Mais difícil de explicar é o porquê da sua não refundição, de acordo com o que seria a prática comum, amplamente documentada e extensível à actualidade. Sem que encontremos paralelos exactos para esta situação, podemos apenas, a título expressivo, referir a recuperação, no século XVI, de um sino de 925 do interior de um poço, no Campo Espiel em Córdoba, hoje conservado no Museu Arqueológico de Córdoba, configurando-se no 275


entanto apenas como uma situação de pleno abandono, ou p r o p o s i t a d a o c u l t a ç ã o ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 225-226; Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 11). Esta segunda hipótese é sempre uma obrigatoriedade no contexto das lutas cristãs-muçulmanas, dada a carga simbólica do sino cedo ter resultado na prática muçulmana de furtar os sinos das povoações conquistadas ou pilhadas, muitas vezes para os reutilizar como lamparinas em mesq u i t a s , c o m o a c t o d e v e x a ç ã o ( A l o n s o Po n g a , S a n c h e z d e l B a r r i o , 1 9 9 7 : 1 2 - 1 3 ; Fe r n á n d e z - Pu e r t a s , 1 9 9 9 : 3 8 8 ) . Considerando que a hipótese de abandono é, no caso em análise, improvável, somos forçados a entender este acto como simbólico, em face do seu despropósito funcional. Estando, desde o período clássico, amplamente reconhecida a deposição de objectos de genérica carga simbólica na fundação de edifícios de carácter religioso, encontrando-se as moedas entre os mais comuns e já referenciadas no caso da construção do Artemision em Efesos em 600a.C. (Huffstot, 1998: 224-225), encontramos talvez como o mais forte exemplo desta prática, no mundo cristão medieval, o uso de introduzir anéis de oração, propositadamente fundidos para o efeito, nas fundações de espaços sagrados. Este deveria envolver mesmo a realização de uma cerimónia que, podendo não ser uma sagração, intuía um carácter apotropaico, esconjurador e purificador (Barroca, Sebastian, Castro, no prelo). Aceitando a crença de que um objecto, sagrado, transferiria os seus atributos a um local apenas pela sua presença, por vezes reforçada com a realização de um ritual de transferência, a deposição do sino no interior da cripta poderá ser entendida pela necessidade de sacralização do acto de condenação da cripta ossário. De facto, é comum a todo o universo cristão ocidental a relação do sino com a protecção e condução das almas, onde desempenha um papel central desde o leito de morte à devolução do corpo à terra, pelo que nos parece concordante o aproveitamento de um sino como objecto de sacralização de um acto desta natureza. Po r f i m , a e s t a s c o n s i d e r a ç õ e s d e v e m o s a i n d a j u n t a r a questão litúrgica, levantada pelo facto de o sino ser invariavelmente um objecto consagrado, não podendo por isto ser desafecto ao uso religioso, ainda que alterado 276


em relação à sua função original. Situações de reutilização de sinos de edifícios religiosos aparecem-nos quase única e especificamente associados a momentos históricos de recontro cultural, do qual o cristão-muçulmano é o paradigma, ou de profunda rotura social, causada por momentos de especial necessidade ou transformação mental da sociedade, de entre os quais os mais comuns são situações beligerantes e, como arquétipo do último móbil, contextos de revolução política, em que a revolução francesa se destaca pela refundição de cerca de cem mil sinos (Corbin, 1994: 33). 3. As dimensões

Fi g. 2 4 3 – Re g i s t o fotográfico geral do s i n o d e S ã o Pe d r o ( P. M a r t i n s )

As dimensões do sino exumado são de 22cm de diâmetro na boca para 29,2cm de altura total. A altura do perfil do sino, subtraída a asa, é de 21cm, resultando numa asa de 8cm de altura, representando na totalidade o p e s o d e 5 , 6 k g, c o n s i d e r a n d o j á a a u s ê n c i a d e u m p e q u e n o f r a g m e n t o e n t r e a a s a e o o m b r o ( f i g. 2 4 3 ) . Os dois cotos da asa apresentam a largura de 1,6cm para a espessura de 1,5cm, mantendo o padrão central e m t o d a a s u a a l t u r a o s 2 , 4 c m ( f i g. 2 4 4 ) . Em média, a espessura da parede do perfil do sino é de 0,5cm, atingindo no bordo, o seu ponto de maior espessura correspondente à área de percussão do badalo, os 1,8cm. Do bordo ao dente (ou beiça) dista 1cm. A altura interior do sino, do dente ao ponto de fixação da badaleira, é de 20,5cm, o que pressupõe a utilização de um badalo de aproximadamente 19cm.

Fi g. 2 4 4 – Re g i s t o gráfico do sino d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e ( H. Pe r e i r a ) 277


Pa r a l á d a p e r t i n ê n c i a d e s c r i t i v a d e s t e s v a l o r e s , l e v a n ta-se a questão de compreender o processo proporcional e dimensional por detrás do traço da secção, responsável, juntamente com a liga empregue no bronze, pela sonoridade final, definida por timbre, volume, duração e afinação. Te n d o c o m o ú n i c o t e s t e m u n h o m e d i e v a l a d e s c r i ç ã o d e i x a d a p e l o m o n g e b e n e d i t i n o T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s n a s u a o b r a d o s é c u l o X I -X I I , a d e f i c i ê n c i a d a s u a d e s c r i ção não deixa qualquer indicação sobre o ou os processos então em uso de determinação e desenho da secção de um sino, sendo certo que, pelo menos para o século X I I I , e s t e s s e r i a m j á u m a c e r t e z a . Ta l c o n c l u s ã o p o d e s e r facilmente inferida pelos vários testemunhos da utilização de carrilhões, ainda que de pequenas dimensões, desde p e l o m e n o s o s é c u l o X I I , p o d e n d o - s e i n d i c a r, a t í t u l o d e exemplo, a alegoria da música no portal real da Catedral de Chartres, de cerca de 1140, ou as três figuras tocando um carrilhão portátil num capitel de século XII da nave c e n t r a l d a C a t e d r a l d e S a i n t- La z a r e , a m b o s e m Fr a n ç a ( H o m o - Le c h n e r, 1 9 9 6 : 3 8 , 4 0 ) . Ainda que para estes exemplos pudessem restar algumas dúvidas sobre se tais instrumentos seriam constituídos por conjuntos de sinos justamente afinados entre si, remetendo-os para meros instrumentos de percussão sem capacidade melódica ou harmónica, a representação de um carrilhão de sete sinos com indicação das correspond e n t e s n o t a s m u s i c a i s n u m a i l u m i n u r a d o C o d e x Pr i n c e p s , constando das Cantigas de Santa Maria de Afonso X de Le ã o e C a s t e l a , o S á b i o , e d a t á v e l d e c e r c a d e 1 2 7 0 , é p e r e m p t ó r i a n e s t a m a t é r i a ( f i g. 2 4 5 ) . S e a i s t o j u n t a r-

Fi g. 2 4 5 – I l u m i n u r a representando um carrilhão, com indicação das correspondentes notas musicais, retirada do Codex Pr i n c e p s , d e c e r c a de 1270 278


Fi g. 2 4 6 – Escala de sinos apresentada no tratado de metalurgia de 1540, D e l a Pi r o t e c h n i a , d e Va n n o c c i o Biringuccio (Smith, Gnudi, 1990: 271-271)

mos a directa relação entre a nota a obter e a respectiv a s e c ç ã o d o s i n o a f u n d i r, p o d e m o s c o n c l u i r q u e , p e l o menos para o século XIII, a definição da secção do sino t e r i a q u e c o m p o r t a r p r o c e s s o s q u e p e r m i t i s s e m d e f o rma segura reproduzir as mesmas notas, ainda que muito provavelmente tendo por base não o domínio completo de princípios teóricos, mas sim princípios empíricos acumulados por experiência e transmitidos de geração em geração (Carvalho, Novaes, 2001). Apenas no século XVI, no tratado de metalurgia De l a Pi r o t e c h n i a , d e Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o , e d i t a d o p e l a primeira vez em 1540, é descrito, ainda que de forma incompleta, o processo de delineação da secção do sino a t r a v é s d e u m a r e l a ç ã o p r o p o r c i o n a l , o u m o d u l a r, t e n d o por base, ou módulo, a espessura do bordo, constituindo-se as restantes partes por múltiplos ou submúltiplos desta medida e, logo, com relação directa no que diz r e s p e i t o a o s e u p e s o f i n a l ( f i g. 2 4 6 ) . Vo l t a m o s a e n c o n t r a r e s t e s i s t e m a m o d u l a r, t e n d o p o r b a s e a e s p e s s u r a d o bordo, na descrição presente na Encyclopédie ou Diction n a i r e Ra i s o n n é d e s S c i e n c e s , d e s A r t s e t d e s M é t i e r s , d e 1759, aqui meticulosamente descrita, tendo em atenção não só a proporção e sonoridade mas igualmente a nota a r e p r o d u z i r ( f i g. 2 4 7 ) . Pa r a Po r t u g a l c o n t a m o s u n i c a mente com o Compêndio de Operações de Geometria e

Fi g. 2 4 7 – M é t o d o de perfilamento de sinos sugerido na Encyclopédie ou Dictionnaire Ra i s o n n é d e s Sciences, des Arts et des Métiers, de 1759 279


d a s M e d i d a s e Fa b r i c a d o s S i n o s , M u i t o Ú t i l a o s Fu n d i d o r e s q u e o s Fu n d e m , d e M . d e O. Po m b o e C . B. Po m b o , datado de 1787, onde o mesmo processo é relatado, fazendo descrição do uso de pequenos ábacos de madeira no auxílio ao processo de debuxo das secções dos sinos a f u n d i r, a í d e n o m i n a d o s d e p e t i p é s s e g u n d o o a p o r t u g u e samento do termo francês, correspondendo a sua medida máxima à espessura do bordo e subdividindo-se em difer e n t e s s u b m ú l t i p l o s ( f i g. 2 4 8 ) .

A i n d a q u e o s i s t e m a m o d u l a r, t e n d o p o r b a s e o b o r d o , seja o mesmo ainda empregue em fundições actuais como a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , o n d e o p o d e m o s c o m p r o v a r, o e m p r e g o d e s t e s p e q u e n o s á b a c o s d e m a d e i r a é j á aí uma realidade distante da qual não restou memória. Po d e m o s n o e n t a n t o c o n f i r m a r a s u a s o b r e v i v ê n c i a a t é à primeira metade do século XX nas fundições da Granja N o v a e d e Tr a n c o s o , t e n d o t i d o o p o r t u n i d a d e d e o b s e r v a r u m á b a c o d a p r i m e i r a , e m p o s s e d o Pr o f. A n t ó n i o J o ã o Pi n t o B e r n a r d o Fe r r e i r a , e u m c o n j u n t o d e d e z a s s e t e , e m p o s s e d o S r. G e r m a n o A u g u s t o S a n t i a g o Ro d r i g u e s Fe rn a n d e s ( f i g. 2 4 9 ) .

280

Fi g. 2 4 8 – C o n j u n t o de petipés apresentados em 1787 no Compêndio de Operações de Geometria e das M e d i d a s e Fa b r i c a dos Sinos, Muito Ú t i l a o s Fu n d i d o r e s q u e o s Fu n d e m , d e M . d e O. Po m b o e C . B. Po m b o

Fi g. 2 4 9 – C o n j u n t o de dezassete ábacos provenientes da fundição sineira de Tr a n c o s o , e m p o s s e d o S r. G e r m a n o Augusto Santiago Ro d r i g u e s Fe r n a n d e s (L. Sebastian)


cm Quina 125,199 Côvado 52,561 Pé de rei 32,484 Palmo 20,077 Palmo menor 12,407 Palma 7,670 Polegada 2,707 Fi g. 2 5 0 – Q u a d r o de conversão do sistema dimensional da Quina de pé de rei

cm Vara 109,999 1/2 toesa 98,999 Jarda 98,999 5/6 vara 91,666 3/4 vara 82,499 2/3 vara 73,333 Côvado 65,999 1/2 vara 54,999 2/5 vara 43,999 1/3 vara 36,999 Pé 32,999 1/4 vara 27,499 1/5 vara 21,999 Palmo 21,999 1/6 vara 18,333 3/4 palmo 16,499 Furco 16,499 2/3 palmo 14,666 1/2 palmo 10,999 Mão travessa 10,999 1/3 palmo 7,333 Palma 7,333 1/4 palmo 5,499 Polegada 3,666 Dedo 1,833 1/2 dedo 0,916 Fi g. 2 5 1 – Q u a d r o de conversão do sistema dimensional d a Va r a c r a v e i r a

N o c a s o c o n c r e t o d o s i n o d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , o facto de a espessura do bordo corresponder exactam e n t e a 1 d e d o n o s i s t e m a d i m e n s i o n a l d a Va r a c r a v e i r a n ã o p e r m i t e a f i r m a r, p a r a l á d e q u a l q u e r d ú v i d a , q u e tenha sido empregue o sistema modular tendo por base a espessura do bordo, uma vez que o produto final seria quase o mesmo se simplesmente empregues as diversas u n i d a d e s d e m e d i d a d a Va r a c r a v e i r a . Mesmo considerando que durante o período medieval, e desde pelo menos o século XIII, se empregaram em simultâneo dois sistemas dimensionais em território portug u ê s , a Q u i n a d e p é d e r e i ( f i g. 2 5 0 ) , d e o r i g e m f r a n c e s a , 6 e a Va r a c r a v e i r a ( f i g. 2 5 1 ) , d e t r a d i ç ã o h i s p a n o - á r a b e , a análise aritmológica do sino não deixa dúvidas de que a ter sido empregue um dos dois sistemas no seu desen h o e s s e t e r á s i d o o d a Va r a c r a v e i r a , a i n d a q u e t e n d o em conta que o primeiro se empregou sobretudo na área r e l i g i o s a , r e l e g a n d o - s e p o r r e g r a a Va r a c r a v e i r a p a r a fins mais profanos, pelo menos até aos séculos XV e XVI, q u a n d o a Q u i n a d e p é d e r e i c a i e m d e s u s o c o m a a f i rmação dos novos modelos estilísticos e organizativos da Re n a s c e n ç a ( B a r r o c a , 1 9 9 2 ; M e r i n o d e C á c e r e s , 1 9 9 9 : 35-38; Marques, 2001: 23; Cunha, 2003: 26, 34, 66). Considerando sempre os naturais desvios entre a int e n ç ã o e o p r o d u t o f i n a l ( f i g. 2 5 2 ) , i m p o s t o s p e l a s c o n d i cionantes do fabrico artesanal, podemos assim entrever nos 22cm de diâmetro da boca a aplicação de 1 palmo (= 12 dedos / 8 polegadas / 3 palmas) e na altura máxima de 29,2cm a intenção de aplicar 1 palmo e 1 palma, perfazendo 29,3cm. Nos 8cm de altura da asa, o mais aproximado que encontramos são os 7,33cm correspondentes à palma, relativos a um desvio de 0,67cm. Os cotos da asa poderão ter tido por base o dedo, correspondente a 1,83cm, enquanto a altura de 3,6cm do padrão se encaixa perfeitamente em 1 polegada. Se a espessura de 1,8cm para o bordo encaixa perfeitamente nos 1,83cm do dedo, a espessura média de 0,5cm para as paredes do perfil apenas de longe se aproxima dos 0,916cm correspondentes ao ½ dedo, ao contrário do 1cm de distância do vértice do bordo ao dente. 281


Fi g. 2 5 2 – D i s c r i m i n a ç ã o d a s m e d i d a s q u e e s t i v e r a m n a b a s e d o d e l i n e a m e n t o d o s i n o d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , c o m r e c u r s o à Va r a c r a v e i r a ( H. Pe r e i r a , L . S e b a s t i a n )

Fi g. 2 5 3 – D i s c r i m i n a ç ã o d a s d i s t â n c i a s m o d u l a r e s q u e e s t i v e r a m n a b a s e d o d e l i n e a m e n t o d o s i n o d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e ( H. Pe r e i r a , L . S e b a s t i a n ) 282


Fi g. 2 5 4 – Re g i s t o gráfico do sino do Mosteiro de Santa M a r i a d e A l m o s t e r, d e 1 2 9 2 ( H. Pe r e i r a )

Ainda que o número de três seja constante nos cinco conjuntos de cordões que decoram o perfil, a altura total de cada conjunto varia consoante o seu posicionamento no perfil, indo dos 0,71cm aos 0,9cm, novamente apenas consentâneo com os 0,916cm correspondentes ao ½ dedo. Seguindo o mesmo modelo de análise, mas empregando como referência o sistema modular tendo por base a e s p e s s u r a d o b o r d o ( f i g. 2 5 3 ) , c o n s t a t a m o s , c o m o s e r i a d e e s p e r a r, a m e s m a c o n c o r d â n c i a g e r a l e n t r e a s m e d i das das diferentes partes e a possibilidade de aplicação dos múltiplos e submúltiplos da espessura do bordo, uma vez que esta é de exactamente 1 dedo, podendo assim 1 palmo, por exemplo, corresponder a 12 dedos ou, no s i s t e m a m o d u l a r, a 1 2 m ó d u l o s . Aplicando o mesmo princípio de análise ao sino de 1 2 9 2 d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r ( f i g. 2 5 4 ) , v o l t a m o s a e n c o n t r a r c o r r e s p o n d ê n c i a c o m a Va r a c r a v e i ra, neste caso correspondendo a espessura do bordo a ¼ d e p a l m o ( f i g. 2 5 5 ) . A i n d a q u e a p e n a s d e f o r m a m u i t o discutível se pudesse entrever para qualquer um dos sist e m a s u m a m a i o r c o r r e s p o n d ê n c i a n o s i n o d e S ã o Pe d r o de Coruche, no sino de Almoster não passa despercebida a maior concordância entre as diferentes partes e o sistem a m o d u l a r ( f i g. 2 5 6 ) .

283


Fi g. 2 5 5 – D i s c r i m i n a ç ã o d a s m e d i d a s q u e e s t i v e r a m n a b a s e d o d e l i n e a m e n t o d o s i n o d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r, c o m r e c u r s o à Va r a c r a v e i r a ( H. Pe r e i r a , L . S e b a s t i a n )

Fi g. 2 5 6 – D i s c r i m i n a ç ã o d a s d i s t â n c i a s m o d u l a r e s q u e e s t i v e r a m n a b a s e d o d e l i n e a m e n t o d o s i n o d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r ( H. Pe r e i r a , L . S e b a s t i a n ) 284


Fi g. 2 5 7 – Re g i s t o gráfico do sino manuelino da Sé de La m e g o ( H. Pe r e i r a )

Estendendo ainda esta abordagem ao sino manuelino d a S é d e La m e g o ( f i g. 2 5 7 ) , e n c o n t r a m o s a í c o m o v a r i a n te imediata o facto de o sistema dimensional empregue ter sido a Quina de pé de rei, reservando para a espessura do b o r d o ½ p a l m o m e n o r ( f i g. 2 5 8 ) . N e s t e c a s o p a r e c e - n o s ser possível afirmar uma maior correspondência entre as d i f e r e n t e s p a r t e s d o s i n o e o s i s t e m a m o d u l a r, a i n d a q u e esta constatação perigue pela redundância da cronologia de inícios do século XVI incluir este exemplar já na

Fi g. 2 5 8 – Discriminação das medidas que estiveram na base do delineamento do sino manuelino da S é d e La m e g o , c o m recurso à Quina de pé de rei ( H. Pe r e i r a , L. Sebastian) 285


r e a l i d a d e d e s c r i t a p o r Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o n a s u a o b r a de 1540, abrangendo mesmo, e ao contrário dos dois exemplares anteriores, a delineação da secção do corpo do sino através de três segmentos de círculos, tal como viremos a encontrar na descrição de 1759 da Encyclopéd i e o u D i c t i o n n a i r e Ra i s o n n é d e s S c i e n c e s , d e s A r t s e t d e s Métiers, aos quais se junta neste caso um quarto segment o d e c í r c u l o p a r a o p e r f i l e x t e r n o d o b o r d o ( f i g. 2 5 9 ) . Assim, ainda que os dados disponíveis não o permitam afirmar peremptoriamente, não é de todo descabido aceitar a hipótese de que já no século XIII o sistema modular se encontrasse em uso, e que poderemos ter no sino d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e o m a i s r e c u a d o e x e m p l o d e s s a prática para o território nacional.

4. O perfil A r e d u z i d a d i m e n s ã o d o s i n o d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o de Coruche inscreve-se plenamente na tendência registad a p a r a o s s i n o s d o s s é c u l o s X I I -X I I I ( f i g. 2 6 0 ) , p o d e n d o ainda assim, comparativamente com os seus congéneres d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r d e 1 2 9 2 ( f i g. 286

Fi g. 2 5 9 – Discriminação das distâncias modulares que estiveram na base do delineamento do sino manuelino da S é d e La m e g o ( H. Pe r e i r a , L. Sebastian)


Local Santa Cecília (Al) Stival (Fr) Fleury (Fr) Canino (It) Hedeby (Ing) Chumascah (Irl) Córdoba (Esp) San Isidoro (Esp) St. OswaldÊs (Ing) Bremen (Ing) Harescombe (Ing) Oviedo (Esp) Celón (Esp) Cazanes (Esp) São Pedro (Port) Almoster (Port) Santa Cruz (Port) Corias (Esp) Corias (Esp) Mora (Port) Sintra (Port) Arraiolos (Port) Lamego (Port) Vila Viçosa (Port) Fi g. 2 6 0 – Q u a d r o de dimensões gerais de sinos medievais e manuelinos conservados

Cronologia 613 séc. VII séc. VIII-IX séc. VIII-IX séc. VIII-XI séc. IX 955 1086 séc. X séc. XII séc. XII 1219 1222 1267 1287 1292 1294 séc. XIII-XIV 1327 1391 1468 1495-1521 1495-1521 1539

Altura 42 cm 25 cm 34 cm 37 cm 39,3 cm 30,5 cm 19,5 cm 63 cm 32,2 cm 30,4 cm 41,7 cm 123 cm 48 cm 60 cm 29,2 cm 75 cm 60 cm 21 cm 60 cm ? 70 cm ? 79,3 cm 74 cm

Largura ? 20 cm 31 cm 39 cm 42,5 cm 20,3 cm 19,5 cm 57 cm 34,6 cm 33,2 cm 44,1 cm 119 cm 38,7 cm 55 cm 22 cm 54 cm 51 cm 17,5 cm 55 cm 50 cm 65 cm 61 cm 60,3 cm 74 cm

Metal Ferro Cobre Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze Bronze

Referência bibliográfica Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 11 Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 225 Homo-Lechner, 1996: 125 Bayley, Bryant, Heighway, 1993: 232 Bayley, Bryant, Heighway, 1993: 232 Espasa Calpe, 1930: 1197 Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 225 Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 227 Bayley, Bryant, Heighway, 1993: 232 Bayley, Bryant, Heighway, 1993: 232 Bayley, Bryant, Heighway, 1993: 232 Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 235-236 Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 236-237 Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 237 Amado, Custódio, Mota, 1999: 50 Dias, Coutinho, 2003: 148. Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 237-238 Manzanares Rodriguez Mir, 1951: 237 Espanca, 1975: 415 Pereira, 1938: 3 Espanca, 1975: 25 Louro, 1964: 12

261) e do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra de 1294, ser considerado um sino de pequenas dimensões. Este desfasamento poderá, no entanto, ser entendido dentro da presumível discrepância de importância e poder económico entre as instituições consideradas, à qual podem ainda ser somadas as naturais relações arquitectónicas entre o sino, o campanário, a torre sineira e o edifício a que se destina. Infelizmente, a ausência de conheciment o r e l a t i v o à c o n s t r u ç ã o o r i g i n a l d a I g r e j a d e S ã o Pe d r o impede-nos de desenvolver este exercício comparativo.

Fi g. 2 6 1 – S i n o d e 1292 do Mosteiro de Santa Maria de A l m o s t e r ( P. M a r t i n s ) 287


Fi g. 2 6 2 – Pe r f i s comparados entre o sino de 1287 d e S ã o Pe d r o d e Coruche e o de 1292 do Mosteiro de Santa Maria de Almoster ( H. Pe r e i r a , L. Sebastian)

Indiscutível é a imagem traçada pelos três excelentes exemplares que constituem os sinos do Mosteiro de Santa M a r i a d e A l m o s t e r, d o M o s t e i r o d e S a n t a C r u z d e C o i m b r a e d o a g o r a e x u m a d o s i n o d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , que pelas suas semelhanças e dissemelhanças permitem caracterizar entre si o perfil tipológico do sino no século X I I I e m Po r t u g a l ( f i g. 2 6 2 ) . Po r a s s e m e l h a n ç a s g e r a i s s e r e m ó b v i a s , r e a l ç a m o s como principal divergência ao nível do perfil a relação do ombro com a altura, considerada subtraindo a asa, e o d i â m e t r o d a b o c a . S e n o s i n o d e S ã o Pe d r o o o m b r o representa 51,7% do diâmetro da boca para 53,9% da altura e a altura representa 95,9% do diâmetro da boca, no sino do Mosteiro de Santa Maria de Almoster o ombro representa apenas 49,8% do diâmetro da boca e 48,4% da altura, sendo que a altura representa uns contrários 102,9% do diâmetro da boca, conferindo-lhe um perfil m a i s e s g u i o q u e o d o s i n o d e S ã o Pe d r o . 7 Mais notória é a proeminência do bordo, em relação à barriga, no caso em confrontação, relativamente ao bordo m a i s c o n t i d o d o s i n o d e S ã o Pe d r o . D i f e r e n ç a s c o m o e s t a deverão caracterizar certamente diferentes estilos pessoais e n t r e d i s t i n t a s l i n h a g e n s d e f u n d i d o r e s ( f i g. 2 6 3 ) . 288


Fi g. 2 6 3 – Re g i s t o fotográfico total do s i n o d e S ã o Pe d r o ( P. M a r t i n s )

5. A asa A a s a d o s i n o d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e c a r a c t e r i za-se, novamente, por uma asa singela tipicamente med i e v a l ( f i g. 2 6 4 ) . Pr e f i g u r a d a j á n a a s a d o s i n o d e C a nino do século VIII-IX, está claramente presente no sino d a To r r e d e S a n I s i d o r o d e 1 0 8 6 ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : f i g. 2 , 4 ) . Não é por isso surpresa ser esta a solução que encontramos no sino em análise, com enormes similaridades com a asa do sino do Mosteiro de Santa Maria de Almoster e, com toda a certeza, a que encontraríamos no sino do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, não tivesse esta desaparecido aquando da sua quebra. 289


Sabemos no entanto que, pelo menos desde 1219, como o prova a asa do sino da Catedral de Oviedo ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 3 5 - 2 3 6 ) , a a s a d o b r a d a d e s e i s c o t o s e s t a r i a j á e m u s o n a Pe n í n s u l a I b é rica. Conhecidos os fortes paralelismos entre os reinos ibéricos, mantidos pela constante imigração de fundid o r e s s o b r e t u d o d a r e g i ã o d e Va l l a d o l i d e S a n t a n d e r, parece pouco credível que a asa dobrada não fosse já então conhecida em território português. Po d e m o s e n t ã o a t r i b u i r a e s c o l h a d a a s a s i n g e l a a u m a razão puramente funcional, uma vez que, como é ainda hoje prática comum nas fundições sineiras artesanais, a asa dobrada é reservada a sinos de maiores dimensões, pela sua maior resistência mecânica e consequente complexidade de elaboração e investimento de metal. Não podemos contudo, cientificamente, afastar a hipótese de a asa dobrada ter de facto sido introduzida em território português mais tardiamente em relação ao caso espanhol, o que prefiguraria o interessante caso de o nosso fundidor desconhecer outra solução que não a da asa singela. Esta hipótese apontaria a introdução da asa d o b r a d a a p e n a s n o s s é c u l o s X I V-X V. 6. A inscrição A inscrição em causa limita-se a indicar a data de fundição do sino: E(r)a Mª CCCª XXª Vª. Correspondend o a E r a d e 1 3 2 5 a o A . D. 1 2 8 7 , c o n f i r m a - s e e s t a r m o s perante o sino de data mais recuada para o território p o r t u g u ê s ( f i g. 2 6 5 ) . 290

Fi g. 2 6 4 – Re g i s t o fotográfico da asa do sino de São Pe d r o ( P. M a r t i n s )


Fi g. 2 6 5 – Re g i s t o fotográfico da inscrição do sino d e S ã o Pe d r o ( P. M a r t i n s )

A opção de apenas assinalar a data de fundição, deix a n d o a u s e n t e a i d e n t i f i c a ç ã o d o f u n d i d o r, e n c o m e n d a d o r o u q u a l q u e r f ó r m u l a a p o t r o p a i c a , n ã o é d e t o d o i n v u l g a r, sendo igualmente o caso do sino de 1294 do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, ainda que a identificação do encomendador e o uso de fórmulas apotropaicas fossem já então correntes em território nacional, como provado pelo s i n o d e 1 2 9 2 d o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e A l m o s t e r. 7. Elementos simbólicos Contrariamente à utilização do termo decorativos, aplicado comummente aos elementos ideográficos que geralmente são aplicados ao corpo do sino, optamos aqui por designar como simbólicos o pentagrama e a cruz que acompanham a inscrição, dado o claro carácter simbólico de ambos, reforçado pela sua conjugação. Ainda que a cruz nos surja no sino de Canino, do século VIII-IX, como o mais antigo elemento gráfico utilizado, a sua imposição não aparenta ser uma realidade a n t e s d o s é c u l o X V-X V I , a t é o n d e p a r e c e p a r t i l h a r o i m a ginário sineiro com o pentagrama. Esta recorrência medieval ao pentagrama inscreve-se n a s u a c o m u m a s s o c i a ç ã o à s m a i s d i v e r s a s á r e a s d e e xpressão popular e religiosa da época, passando pela a r q u i t e c t u r a r e l i g i o s a e p o p u l a r, e s t r u t u r a s f u n e r á r i a s , utensílios domésticos ou mesmo actividades industriais, conotando-se com boa sorte e protecção mágica. Como paralelos para o uso do pentagrama na gram á t i c a s i n e i r a t e m o s o s i n o d e S a n t a C a t a r i n a d a S e rra em Guimarães, de data indefinida, mas claramente medieval, e os vestígios arqueológicos do século XIV do M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a ( B r a g a , 1 9 3 6 : 8 8 , 1 0 4 ; Almeida, 1966: 355). Se no primeiro exemplo apenas encontramos o pentagrama, e sem que para o segundo se possa provar 291


cientificamente que a cruz estivesse ausente, é um facto que o pentagrama e a cruz se conjugam tanto no sino do Mosteiro de Santa Maria de Almoster e do Mosteiro d e S a n t a C r u z d e C o i m b r a c o m o n o d e S ã o Pe d r o d e Coruche, apontando, à falta de maior número de exemp l a r e s , s e r e s t a a p r á t i c a m a i s c o m u m n o Po r t u g a l d o s é c u l o X I I I , n a q u a l o s i n o d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e s e inseriria então perfeitamente. De sublinhar é a coincidente associação do pentagrama e da cruz aos caracteres correspondentes à data de fundição, que se nos sinos do Mosteiro de Santa Cruz de C o i m b r a e d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e é u m a i n e v i t a b i l i d a de pela ausência de qualquer outra inscrição, no sino do Mosteiro de Santa Maria de Almoster se encontra realçada pela posição periférica que a data de fundição ocupa em relação à inscrição apotropaica que ostenta.

8. Os cordões O s c o r d õ e s a p r e s e n t a d o s p e l o s i n o d e S ã o Pe d r o d e Coruche encontram-se divididos por cinco conjuntos de três, perfazendo um número total de quinze cordões, repartindo-se dois conjuntos pela parte superior da barriga, imediatamente abaixo do ombro, outros dois conjuntos na parte inferior da barriga, acima do bordo, e, por fim, um último conjunto ao longo do dente. Sendo o mais constante elemento decorativo da gramática sineira, o cordão desempenha um papel decorativo s ó p o r s i , a o q u a l s e p o d e a i n d a s o m a r o d e e l e m e n t o o rdenador na composição decorativa e epigráfica, quando associado a outros motivos decorativos ou inscrições. Ainda que a aplicação de cordões não se encontre referida por Theophilus, são já observáveis no sino de 1 0 8 6 d a To r r e d e S a n I s i d o r o , s e n d o - n o s d e m o m e n t o impossível referir mais algum exemplo de inexistência de cordões para além do sino de Santa Catarina da Serra. Fi c a - n o s p o i s a i d e i a d e q u e a i m p o s i ç ã o d e f i n i t i v a d o s cordões como elementos obrigatórios no perfil do sino se terá dado, no mínimo, a partir do século XIII, o que, a ser v e r d a d e , i n c l u i r i a o s i n o d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e j á n a tendência que vingaria de aí em diante. 292


A ausência de rendilhas associadas aos cordões do s i n o d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , c o n t r á r i a à s o l u ç ã o d e corativa mais celebrizada na indústria sineira moderna e contemporânea, constitui aqui apenas mais um aspecto tipicamente medieval, que aparentemente se manterá como tendência geral até ao século XVII.

9. O bronze Apesar de aparentemente os primeiros sinos europeus não terem assumido o bronze como matéria, apontando-se os exemplares de ferro forjado do Mosteiro de São Gall, de finais do século VI, e da Igreja de Santa Cecília, de 613, aos quais se junta para o século VII o sino de cobre d e S t i v a l e m Po n t i v y, d a t a m j á d o s é c u l o V I I I - I X o s s i n o s d e b r o n z e d e F l e u r y e d e C a n i n o . Pa r a a Pe n í n s u l a I b é r i c a aponta-se como exemplar de bronze de data mais recuada o sino preservado no Museo Arqueológico de Córdoba, d e 9 2 5 ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 5 - 2 2 7 ; B a yl e y, B r y a n t , H e i g h w a y, 1 9 9 3 : 2 3 2 ; H o m o - Le c h n e r, 1 9 9 6 : 124-125; Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 11). A liga empregue na fundição sineira, designada bronze campanil, na sua solução de quatro partes de cobre para uma de estanho, é talvez dos aspectos mais prematuramente assentes e estáveis na evolução histórica do sino, não se diferenciando mesmo daquela que é a prática asiática desde o século V a.C. (Nozal Calvo, 1984: 157). J á T h e o p h i l u s r e f e r e n a s u a o b r a d o s é c u l o X I -X I I a liga de 80% de cobre para 20% de estanho (Hawthorne, Smith, 1979: 173; Donati, 1981: 109; Ibáñez Lluch, Mollà i A l c a ñ i z , 1 9 9 7 : 4 3 1 ) . A p e s a r d e n o s é c u l o X V I Va n n o c c i o Biringuccio não referir percentagens para a liga do bronz e n o s e u t r a t a d o D e l a Pi r o t e c h n i a ( S m i t h , G n u d i , 1 9 9 0 : 226), em 1759 voltamos a encontrar as proporções de 75% de cobre para 25% de estanho na enciclopédia francesa Diderot et d'Alembert (1759: 447-451). Pa r a o Po r t u g a l M o d e r n o e n c o n t r a m o s e m 1 7 8 7 , n o Compêndio de Operações de Geometria e das Medidas e Fa b r i c a d o s S i n o s , M u i t o Ú t i l a o s Fu n d i d o r e s q u e o s Fu n d e m , d e M . d e O. Po m b o e C . B. Po m b o , a i n d i c a ç ã o d e que seriam utilizadas paralelamente por diferentes fundi293


dores as ligas de 75% para 25%, 80% para 20% e mesmo 8 3 , 3 3 % p a r a 1 6 , 6 6 % ( Po m b o , Po m b o , 1 7 8 7 : f l . 1 5 , 1 ) . Já no século XX, encontramos referida a liga de 80% p a r a 2 0 % e m u s o n a d é c a d a d e q u a r e n t a n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s N o v a Lu s i t â n i a , e m E r m e s i n d e , d e H e n r i q u e d a S i l v a J e r ó n i m o ( Ro s a , 1 9 4 7 : 3 0 ) , p a r a v i r m o s a e n c o n t r a r, p o u c o m a i s t a r d e , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e B r a g a , d e s e u filho Serafim da Silva Jerónimo, a liga de 78% de cobre p a r a 2 2 % d e e s t a n h o . A p a r d e s t a , n a Fu n d i ç ã o d e S i n o s d e R i o Ti n t o , d e s d e 1 9 1 0 , c o m o s e u f u n d a d o r H e r m í n i o Ro c h a C o s t a , q u e a l i g a e m p r e g u e é n o v a m e n t e a s o l u ção de 77% para 23%. No sentido de determinar a liga do exemplar em foco foi retirada para análise uma pequena amostra do sino Local Hedeby (Ing) Gloucester 1 (Ing) Gloucester 2 (Ing) Winchester (Ing) Igreja de Dume (Port) Santo Andrea di Sarzana (Esp) Cheddar (Ing) Thurgarton (Ing) São João de Tarouca (Port) Santa Maria de Pombeiro (Port) São Pedro (Port) Winchester (Ing) São João Baptista de Ansiães (Port) Exeter (Ing) Santa Maria del Micalet (Esp) São João de Tarouca (Port) Chichester (Ing) Zamora (Esp) Stabio (Su) Norton Priory (Ing) Tintern Abbey (Ing) San Paolo di Valdiponte (It) Valdiponte 2 (It) Wharram Percy (Ing) Bozzo (It) Valduggia (It) Fondería Bianchi en Varese (It) Fundiciones Quintana (Esp) Fundiciones Portilla (Esp) Fundição de Rio Tinto (Port) Fundição de Braga (Port)

294

Cronologia séc. VIII-XI c. 900 c. 900 séc. X séc. X-XI (?) séc. XI-XII séc. XII séc. XII séc. XII-XIII séc. XII-XIII 1287 séc. XIII séc. XIII-XV 1372 1405 séc. XIV séc. XIV séc. XIV séc. XIV-XV Medieval séc. XV séc. XV séc. XV 1617 1736 1980 Actual Actual Actual Actual Actual

Cu% 75,98 83,2 84,1 76,8 74 70,54 80 73,5-68 86,54 73,6-79,5 72-79,2 77 74 77 76,6-77,5 75,17-76,18 73,27 96,7 77,3 80 80-90 70-71,5 80,07 76 75,6 74,9 75-78 78 80 77 78

Sn% 17,37 13,9 14,2 18,75 25 28,68 20 22-25,5 12,57 17,3-20,9 19,2-23,4 23 23 23 23,3 21,93-22,79 24 3,3 20,1 20 10-20 22,4-23,4 18,50 23 15,8 17,6 22 22 20 23 22

Fi g. 2 6 6 – Q u a d r o de ligas metálicas empregues como bronze campanil

Referência bibliografia Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Informação oral Bonora, Castelletti, 1975 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Análise directa Erasun Cortés, 2006c Análise directa Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Informação oral Blagg, et alii, 1974 Sanchez Real, 1982 Análise directa Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Jorda Pardo, 1991 Donati, 1981 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Courtney, 1989 Blagg, et alii, 1974 Mannoni, 1978 Bayley, Bryant, Heighway, 1993 Donati, 1981 Donati, 1981 Donati, 1981 Nozal Calvo, 1984 Informação oral Informação oral Informação oral


d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , c o n c o r d a n t e c o m a p r e o c u pação de salvaguarda do seu valor museológico. Esta revelou sem grande surpresa uma liga média de cerca de 76% de cobre para 21% de estanho, sendo os restantes 3% relativos à habitual presença residual de chumbo, provando uma vez mais o que se torna já, à luz da investigação actual, uma redundância, com a liga campanil historicamente definida muito para lá do século XIII aqui e m a n á l i s e ( f i g. 2 6 6 ) .

9.1. Análise elementar e metalográfica**/***/**** O s i n o d e C o r u c h e e n c o n t r a - s e c o m p l e t o c o m a e xc e p ç ã o d e u m a á r e a s u p e r i o r, o n d e a p r e s e n t a u m a l a c u n a d e c e r c a d e 7 5 m m 2. N o p r o l o n g a m e n t o d a á r e a e m f a l t a e no seguimento de uma fissura retirou-se com o auxílio de um disco de corte diamantado uma pequena amost r a d o s i n o ( c e r c a d e 7 , 5 m m 2 n a s u p e r f í c i e ) ( f i g. 2 6 7 ) . A amostra obtida abrangeu toda a espessura do sino, d a s u p e r f í c i e e x t e r i o r à s u p e r f í c i e i n t e r i o r, d e f o r m a a permitir: uma análise elementar do metal sem interferência dos produtos de corrosão; a observação da estrutura metálica ao longo de toda uma espessura; e a avaliação da corrosão presente em ambas as superfícies (interna e externa) do sino. Como medida de conservação, a zona amostrada foi p r o t e g i d a c o m r e s i n a a c r í l i c a , Pa r a l o i d B 7 2 ® , a 5 % e m a c e t o n a : t o l u e n o ( 1 : 1 ) . Fo i p o s t e r i o r m e n t e i n t e g r a d a c o m tintas acrílicas – Maimeri colore a vernice per restauro – e novamente protegida com uma segunda camada da resina acrílica. Uma camada protectora final de cera Fi g. 2 6 7 – Z o n a superior do sino d e S ã o Pe d r o de Coruche com existência de fractura e lacuna. Encontra-se assinalada com um rectângulo branco a área de onde foi retirada uma amostra para estudo 295


microcristalina, cosmolloid 80H em white-spirit, foi aplicada no intervalo de alguns dias. A amostra retirada foi montada num suporte em resina acrílica, de forma a ficar com a secção transversal (superfície de corte segundo a espessura do sino) correctamente posicionada para o estudo composicional e microestrutural. A secção foi polida em pasta de diamante até à granulometria de ¼ μm. Pa r a o e s t u d o c o m p o s i c i o n a l d o s i n o f o r a m e f e c t u a d a s análises por micro-fluorescência de raios X, dispersivo de energias (micro-FRX). Esta técnica de análise elementar possibilita medições sobre pequenas áreas seleccionadas. O equipamento de micro-FRX usado foi um espectróm e t r o A r t TA X Pr o q u e c o m p r e e n d e u m a a m p o l a c o m â n o d o d e m o l i b d é n i o a r r e f e c i d o a a r, f i b r a s ó p t i c a s p a r a conduzir os raios X à amostra e cujo diâmetro de análise é de cerca de 70 μm (Bronk et alii, 2001). As condições de análise utilizadas foram as seguintes: diferença de p o t e n c i a l d a a m p o l a d e 4 0 k V; i n t e n s i d a d e d e c o r r e n t e de 500 μm; e tempo de aquisição de 100s. A quantificação dos elementos foi efectuada através d o s o f t w a r e Wi n A x i l u s a n d o p a r a t a l u m a c a l i b r a ç ã o p r é via com padrões de referência, de composição semelhante à amostra. Estes padrões foram usados para determinar os limites de quantificação (Currie, 1968) associados ao método experimental, tendo-se obtido os seguintes valor e s : P b = 0 , 1 % ; A s = 0 , 1 % ; S n = 0 , 5 % ; Fe = 0 , 0 4 % . Sobre a amostra foram realizadas três medições, todas elas em diferentes pontos não afectados pela corrosão, tendo sido considerada a média das três. Os resultados obtidos são aqui apresentados em valores ponderais e normalizados para 100%, ignorando os elementos não detectáveis ou inferiores ao limite de det e c ç ã o ( f i g. 2 6 8 ) . E s t e s m o s t r a m q u e o s i n o f o i f a b r i c a d o em bronze, com cerca de 21% de estanho (Sn) e 3% de chumbo (Pb), perfazendo o cobre (Cu) a restante massa. E s t a c o m p o s i ç ã o p a r e c e a d e q u a r- s e a o u s o s i n e i r o , o n d e a proporção ponderal de cobre e estanho é, tradicionalmente, de 4:1 a 3:1, frequentemente com baixas concentrações de Pb. Pa r a o e s t u d o m i c r o e s t r u t u r a l d o s i n o f o i u t i l i z a d o u m microscópio óptico (MO) da Olympus, modelo CX40. As observações em microscopia óptica foram complemen296

Elemento Cu Sn Pb As Fe Ni

% (peso) 75,6±3,6 21,3±2,1 3,0±1,6 <0,1 <0,04 n.d.

n.d. – não detectado Fi g. 2 6 8 – Re s u l t a d o s d a análise por micro-FRX ao sino (média e desvio padrão das três análises) normalizados a 100%


Fi g. 2 6 9 – Z o n a central da secção do sino de São Pe d r o d e C o r u c h e observada por M E V, e m c o n t r a s t e de imagem por electrões retrodifundidos. A cinza escuro a fase α, a cinza claro a fase δ eutectóide, a branco os glóbulos de Pb, a negro porosidades Fi g. 2 7 0 – S e c ç ã o polida observada p o r M O. A i m a g e m da esquerda corresponde à observação em campo claro (cc) e a da direita com luz polarizada (pol). Observa-se a estrutura dendrítica constituída pela fase α-Cu, de cor amarelada clara em cc e cinzenta clara em pol e o eutectóide (α+δ), cuja fase δ confere a cor cinzenta clara em cc e cinzenta escura em p o l . Po d e m - s e ainda observar microporosidades, a negro em cc e a branco em pol

t a d a s c o m r e g i s t o s e m m i c r o s c o p i a e l e c t r ó n i c a d e v a rrimento (MEV), efectuadas num equipamento de marca Zeiss, modelo DSM 962. Sobre a secção metalograficamente preparada foram realizadas observações no MO em campo claro, com e sem luz polarizada. As primeiras observações revelaram que um contraste químico adicional para distinção entre fases cristalográficas era dispensável. A observação em luz polarizada mostrou-se importante para o reconhecimento de produtos de corrosão. O metal do sino revelou ser constituído por uma microestrutura dendrítica, muito homogénea em toda a espessura, constituída pela fase α primária e pelo eutectóide ( α + δ ) . A o m i c r o s c ó p i o e l e c t r ó n i c o p ô d e o b s e r v a r- s e g l ó bulos de Pb (a branco na figura 269). Na microestrutura destacam-se algumas porosidades normalmente resultantes de gases retidos na liga durante o processo de solidific a ç ã o ( f i g. 2 7 0 ) . Ta m b é m s e v e r i f i c o u e x i s t i r e m p e q u e n a s inclusões que sob luz polarizada sugerem ser sulfuretos d e c o b r e . Po d e - s e c o n s i d e r a r q u e a e s t r u t u r a o b s e r v a d a é típica de um objecto vazado e de boa qualidade. Quanto aos aspectos da corrosão, a observação metalográfica permitiu também a distinção de diferentes camadas de alteração. Uma vez que a recolha da amostra só foi efectuada após as intervenções de limpeza mecân i c a e c o n s e r v a ç ã o d o s i n o , p r e f e r i u u s a r- s e p a r a a d e s crição da corrosão as observações referentes à superfície interior do sino, onde se verificou existir uma estratigrafia mais completa. A estratificação da corrosão pode ser interpretada, primeiramente, como sendo constituída por duas camadas associadas a modos de precipitação distintos: - camada 1, mais externa, formada por produtos de corrosão resultantes da lixiviação dos elementos metálicos para a superfície do objecto;

297


- camada 2, mais interna, em grande parte resultante da precipitação in situ dos produtos de corrosão, sem significativa modificação morfológica da microestrutura original (pseudomorfismo). Sob luz polarizada a observação detalhada da camada (1) permitiu diferenciá-la em duas subcamadas, estas associadas a diferentes estados de oxidação do c o b r e ( f i g. 2 7 1 ) : - subcamada 1a, a mais superficial, de cor esverdeada. Dada a sua coloração, esta deverá ser composta por uma mistura de produtos de corrosão em que o cobre se encontra no estado de maior oxidação, Cu(II), como sejam os carbonatos. É esta subcamada que confere a coloração esverdeada a vastas áreas da superfície do sino. - s u b c a m a d a 1 b , s o b a a n t e r i o r, d e c o r v e r m e l h a / a l a r a n j a d a . A s u a c o l o r a ç ã o d e v e r- s e - á à f o r t e p r e s e n ç a d e c u p r i t e ( C u 2O ) , o u s e j a , a u m a r e g i ã o e m q u e prevalece o menor estado de oxidação do cobre, Cu(I). A coloração vermelho/acastanhada visível em algumas regiões da superfície do sino (vide figura 267) pode ser conferida por esta subcamada devido a destacamentos da subcamada 1a. A transição entre estas subcamadas é caracterizada por uma fina região de coloração amarelada. Po r s u a v e z , a c a m a d a 2 p o d e s e r t a m b é m d i v i d i d a em duas subcamadas, consoante o tipo de corrosão selectiva presente: - subcamada 2a, apresenta uma corrosão preferencial d a f a s e α , r i c a e m C u , c o m f o r m a ç ã o d e C u 2O ( a vermelho/alaranjado sob luz polarizada na figura 271), sendo que a fase δ não evidencia corrosão; - subcamada 2b, mais profunda, com uma corrosão preferencial da fase δ (a negro em ambos os modos de observação na figura 271). A não oxidação 298

Fi g. 2 7 1 – S e c ç ã o polida observada p o r M O. I m a g e m da esquerda corresponde à observação em campo claro (cc) e a da direita com luz polarizada (pol). Observam-se quatro subcamadas (1a, 1b, 2a e 2b) que constituem a espessura afectada pela corrosão na superfície interior do sino


d a f a s e α p o d e r- s e - á e x p l i c a r p e l o p o t e n c i a l d e O 2 nesta região ser insuficiente para oxidar o Cu. Entre as duas subcamadas 2a e 2b observam-se poros e m i c r o f i s s u r a s . Pa r t e d e s t e s e n c o n t r a m - s e p r e e n c h i d o s com o cobre removido da fase δ na subcamada 2b e redepositado na forma metálica (a rosa na observação em campo claro, figura 271). A caracterização das camadas de corrosão pode rev e l a r- s e m u i t o ú t i l p a r a f u t u r a s i n t e r v e n ç õ e s d e c o n s e rvação e restauro e/ou numa ajuda à autenticação da antiguidade da peça. No presente caso, a observação de u m a c o r r o s ã o i n t e r g r a n u l a r, c o m f o r t e c a r á c t e r s e l e c t i v o , insere-se no esperado para uma corrosão de longo curso d e o b j e c t o s a r q u e o l ó g i c o s à b a s e d e c o b r e ( Fi g u e i r e d o et alii, 2006). 10. A técnica de fusão do bronze Os mecanismos empregues na fusão do bronze na actividade sineira reduzem-se a dois: o cadinho e o forno de revérbero. O cadinho resume-se a um recipiente no qual o metal é fundido em contacto directo com o carvão em brasa, inflamado em contínuo pelo accionamento de um ou mais f o l e s . E s t e p o d e p o r i s s o s e r u m r e c i p i e n t e m e t á l i c o f o rrado com barro ou mesmo um receptáculo concebido em tijolo, pedra e barro, devendo ser sempre este último o material em contacto directo com o metal líquido, dadas as suas características refractárias. Com ampla descrição n a o b r a d o s é c u l o X I -X I I d o m o n g e T h e o p h i l u s , t e r á s i d o solução única até à introdução do forno de revérbero no século XVI, mantendo-se ainda assim provavelmente até ao século XIX, como solução de recurso para fundições de pequeno porte realizadas in loco. Quanto ao forno de revérbero, compõe-se de três câmaras: a câmara de combustão, onde é consumida a lenha, o cinzeiro, onde a cinza resultante é depositada, e a câmara de fundição, onde o metal é fundido, sendo geralmente concebido em tijolo e barro, podendo no ent a n t o r e c o r r e r- s e a p e d r a p a r a a c o n s t r u ç ã o d o m a c i ç o de elevação da câmara de fundição, no qual fica ainda inserido o cinzeiro. Ao contrário do cadinho, o metal e n c o n t r a - s e s e p a r a d o d a f o n t e d e c a l o r, a g i n d o e s t e d e forma indirecta por reverberação. 299


Apenas através da análise do sino é, por princípio, irrealizável a distinção do processo de fusão do bronze. No entanto, a análise metalográfica do metal permite-nos avaliar com considerável segurança a qualidade do vazamento através do grau de uniformidade da liga e, por consequência, da eficiência da solução empregue na fusão do metal, no qual a temperatura atingida desempenha um papel predominante. Esta abordagem baseia-se então no pressuposto que a utilização de um cadinho é mais atreita a produzir uma liga heterogénea, em contraposição ao forno de revérbero, que, pela relativa facilidade de alcançar temperaturas mais elevadas, sendo os 1250ºC o ideal para atingir uma temperatura de vazamento acima dos 1000ºC, permite maiores níveis de sucesso, aos quais estarão teoricamente relacionadas ligas mais homogéneas. Re a l ç a n d o o f a c t o d e e s t e p r i n c í p i o s e r p u r a m e n t e t e órico, salvaguardando obviamente factores como o da incorrecta utilização de qualquer uma das soluções, o estudo microestrutural da amostra retirada do sino de S ã o Pe d r o d e C o r u c h e r e v e l o u n o e n t a n t o u m a g r a n d e homogeneidade própria de um vazamento de qualidade, p o r e s t e p r i n c í p i o a s s o c i a d a m a i s à u t i l i z a ç ã o d e u m f o rno de revérbero que de um cadinho. C o n s i d e r a n d o q u e a f u n d i ç ã o d o s i n o d e S ã o Pe d r o d e Coruche se dá em 1287, cerca de duzentos anos antes das primeiras referências ao forno de revérbero, somos forçados a considerar que o método de fusão empregue terá sido o cadinho, revelando as análises realizadas a surpreendente eficiência atingida por estes fundidores medievais itinerantes no uso deste método, mesmo considerando que as reduzidas dimensões do exemplar em estudo fossem aí provavelmente determinantes. 11. A técnica de modelação Assumindo a leitura que os escassos dados actuais permitem da evolução histórica da técnica de fundição s i n e i r a , p r e f i g u r a - s e q u e a t é a o s s é c u l o s X I I I -X I V e s t a t e nha sofrido uma lenta evolução, caracterizando-se pelo fabrico de pequenos exemplares, em concordância com as limitações técnicas dominantes e mantida pelo adequado enquadramento às necessidades e solicitações (Nicourt, 1971: 77; Miguel Hernandez, 1990: 146). 300


A evolução volumétrica e estilística do sino mediev a l a p a r e n t a d a r- s e e x a c t a m e n t e n o s é c u l o X I I I , à q u a l podemos associar o então emergente movimento gótico, comportando novas necessidades arquitectónicas e c e r i m o n i a i s . A e s t a n e c e s s i d a d e p o d e r- s e - á s o b r e p o r a substituição do torno de modelação horizontal e do falso sino em cera, descritos por Theophilus no seu tratado d o s s é c u l o s X I -X I I , p e l o a i n d a a c t u a l t o r n o d e m o d e l a ção vertical e falso sino em barro, já reconhecidos nos vestígios de fundição sineira do século XIV do Mosteiro d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , a i n d a q u e a t é a o m o m e n t o o s únicos dados arqueológicos e documentais da utilização do método descrito por Theophilus apenas se cinjam à I n g l a t e r r a d o s s é c u l o s X-X V, e s t a n d o p o r i s s o p a r a j á a u s e n t e s d a Pe n í n s u l a I b é r i c a ( C o u r t n e y, 1 9 8 9 : 1 2 7 ; B a y l e y, B r y a n t , H e i g h w a y, 1 9 9 3 : 2 2 8 - 2 3 3 ; M a r c o s V i l l á n , M i g u e l Hernandez, 1998: 25). Pr e n d e n d o - s e e s t a s u b s t i t u i ç ã o c o m a s l i m i t a ç õ e s t é c nicas do torno horizontal e, sobretudo, do falso sino em cera na modelação de sinos de grande dimensão, em geral sentidas por toda a Europa, a excepção constituída pela península itálica, onde o falso sino em barro conviverá com o torno horizontal até à actualidade, fiel ao métod o d e s c r i t o p o r Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o , n ã o t e m a t é h o j e , e n o v a m e n t e , q u a l q u e r i n d í c i o d a s u a p r e s e n ç a n a Pe nínsula Ibérica (Donati, 1981: 117; Smith, Gnudi, 1990: 260-306; Marcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 13). I m p o n d o - s e e n t ã o a i n s e r ç ã o d o s i n o d e S ã o Pe d r o d e Coruche neste panorama, levanta-se a questão da possibilidade, ou não, de distinguir apenas pela observação do sino qual o tipo de torno de modelação utilizado e qual a matéria constituinte do falso sino. Sendo esta uma questão quase totalmente deixada em aberto pela investigação actual, sem que seja geralmente reconhecida uma definição de critérios e princípios object i v o s d e d i s t i n ç ã o , s o m o s a q u i f o r ç a d o s a p r o p o r, s e m p r e tensão, mas por necessidade, alguns preceitos possíveis d e t r a d u z i r u m a o u o u t r a o p ç ã o p o r p a r t e d o f u n d i d o r. No seguimento do já proposto por Thierry Gonon (2002: 145-146), elegemos como critério de distinção a caracterização dos cordões e das estrias interiores do corpo do sino, desconsiderando, contudo e ao contrário do investigador francês, a decoração e a asa, por serem estes elementos que consideramos indistintos em qual301


quer dos métodos empregues. A estes dois critérios de distinção, segundo a observação de características de execução, juntamos aqui uma terceira abordagem, basea d a n a a n á l i s e j á a c i m a r e a l i z a d a à r e l a ç ã o d e p r o p o rções das diferentes partes constituintes do sino. Considerando o método descrito por Theophilus, em que a modelação é feita directa e manualmente sobre o barro, no caso do macho e da capa, e da cera, no caso do falso sino, encontrando-se simultaneamente todo o conjunto em constante rotação imprimida ao torno horizontal por um segundo indivíduo, a delineação dos cordões tenderá, por princípio, a ser menos exacta do que quando comparada com a utilização de uma cércea, quer em rotação, como no caso do torno vertical moderno-contemporâneo, quer fixa, como no caso do torno h o r i z o n t a l d e Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o . No seguimento desta mesma lógica, as estrias da parede interior do sino, como resultado directo da model a ç ã o d a f a c e e x t e r n a d o m a c h o , p o d e r ã o c o n s i d e r a r- s e tradutoras da técnica empregue. Atentando no facto de a u t i l i z a ç ã o d i r e c t a d a m ã o n a m o d e l a ç ã o p r o v o c a r m a rcas características, por princípio distintas das deixadas pela passagem rígida do perfil da cércea, devemos contudo considerar este indicador com alguma precaução, uma vez que o próprio Theophilus refere, ainda que de forma genérica, a utilização de instrumentos metálicos aguçados como ferramentas auxiliares de modelação, levantando por isso a hipótese da produção de estrias similares às causadas pela passagem de uma cércea (Hawthorne, Smith, 1979: 169; Ibáñez Lluch, Mollà i Alcañiz, 1997: 433). Po n d o d e p a r t e a h i p ó t e s e d e m a r c a s a l o n g a d a s d a passagem de dedos, que seriam sem dúvida indicadoras da modelação manual directa, mas por demais óbvia e sem que se tenha até ao momento reconhecido quaisquer casos, encaramos usualmente a observação das estrias da parede interna do sino apenas como um indicador e não c o m o u m d e t e r m i n a d o r. E m g e r a l , a s e s t r i a s p r o d u z i d a s p e l a p a s s a g e m d a c é r c e a t e n d e r ã o a a p r e s e n t a r- s e m a i s alongadas, mais regulares e, sobretudo, mais concêntricas, assumindo uma textura padronizada, ainda que nunca uniforme a toda a superfície e sempre descontínua. A e x i s t ê n c i a d e s t a s e s t r i a s d e v e r- s e - á e m p r i m e i r o l u g a r à quase inevitável presença residual de elementos de volumetria superior à granulometria dominante do barro, indu302


zida por selecção e crivagem, que por resistência à força superior da passagem de um corpo estático, representado neste caso pela cércea, provocam com o seu arrastamento sulcos na superfície branda do barro, resultando numa posterior impressão relevada no bronze. A segunda causa prende-se com as igualmente inevitáveis imperfeições do perfil da cércea, sobretudo se totalmente concebida em madeira sem acoplamento de lâmina metálica, provocand o o a r r a s t a m e n t o r e l e v a d o d e p o r ç õ e s m a i s f i n a s d o b a rro, resultando numa posterior impressão em negativo no bronze, sendo estas tendencialmente predominantes. O terceiro critério de distinção, baseado na análise da correcta relação de proporções entre as diferentes partes constituintes do sino, segue, talvez, o mais elementar dos princípios: se a análise proporcional de um exemplar evidencia uma correcta relação de múltiplos e submúltiplos entre as suas diferentes partes, esta correcta relação apenas teria sido possível graças ao emprego de cérceas. Se tal afirmação não parecer por si só suficiente, basta tentar imaginar o grau de dificuldade que envolveria a modelação manual das diferentes partes do sino, e o difícil controlo que tal técnica teria sobretudo no que concerne a espessuras. A s s i m , n o c a s o c o n c r e t o d o s i n o d e S ã o Pe d r o d e C o ruche, tanto a observação da concentricidade dos seus cordões como das estrias da face interna, à qual juntamos o que consideramos ser uma excelente relação proporcional, parecem apontar a utilização de uma cércea, podend o p o r i s s o p r e s u m i r- s e o u s o d e u m t o r n o v e r t i c a l , à a u sência de indicadores do emprego do torno horizontal de Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o n a Pe n í n s u l a I b é r i c a . S u b l i n h a m o s , contudo e novamente, que este tipo de análise carece ainda de desenvolvimento, o que só será possível com a sua futura sistematização através de estudos comparativos. Uma vez que, mesmo no caso da utilização do falso sino em barro, a cera é empregue no acabamento da sua s u p e r f í c i e , n ã o é p o s s í v e l r e p e t i r o m e s m o t i p o d e a b o rdagem na distinção da sua matéria constituinte: cera o u b a r r o . Po d e m o s a p e n a s s u p o r q u e , p o r s i n c r o n i a , à utilização de torno vertical de modelação terá correspondido um falso sino em barro. No entanto, como não d e i x a m o s d e s a l i e n t a r, a a c t u a l i n s i p i ê n c i a d a i n v e s t i gação campanológica não permite que esta ilação seja assumida como facto, uma vez que a actual inexistência 303


de dados não pode ser entendida como prova de que o advento do torno vertical se tenha dado em exclusiva contemporaneidade com o falso sino em barro, permanecendo a possibilidade de num período de transição terem surgido soluções híbridas. Um potencial indicador da convivência e miscigenagem destes diferentes métodos é o facto de o sino de São Pe d r o d e C o r u c h e a p r e s e n t a r o n e g a t i v o d e u m ú n i c o c a nal de comunicação, partilhado como entrada do bronze, como tal designado por gito, bem como para a saída dos gases interiores, designável por respiro. Se bem que as reduzidas dimensões envolvidas permitam tecnicamente a ausência diferenciada de dois canais, esta opção acarreta o risco da rápida entrada do bronze obrigar a um ou mais curtos intervalos no vazamento, de modo a permitir a saída dos gases, resultando na criação de consequentes interfaces no corpo solidificado do bronze. Destas linhas de fragilidade resultam características fracturas horizontais, induzidas pela constante percussão do sino. E s t a o p ç ã o n ã o d e i x a d e s e r s u g e s t i v a , s e c o n s i d e r a rmos ser essa a única solução apresentada por Theophilus, que aparentemente desconhecia o uso diferenciado de dois canais. No entanto, o sino do Mosteiro de Santa M a r i a d e A l m o s t e r, q u e d i s t a a p e n a s c i n c o a n o s d o d e S ã o Pe d r o d e C o r u c h e , o p o s t a e x a c t a m e n t e p e l o f a c t o de possuir dois respiros, para além do gito, o que para a s u a d i m e n s ã o é u m n ú m e r o e x c e s s i v o , e s t a n d o e s t e e xcesso de aberturas para evacuação de gases igualmente já detectado para os vestígios de fundição sineira do séc u l o X I V d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a , o n d e s e identificaram pelo menos três respiros. 12. A técnica de aplicação de elementos gráficos A técnica de aplicação de inscrições e elementos simb ó l i c o s a s i n o s a p r e s e n t a - s e d í s p a r, a t é à s u a a p a r e n t e u n i f o r m i z a ç ã o n o s é c u l o X V. Os exemplares conservados sugerem a coexistência de pelo menos três técnicas distintas: por incisão directa no metal após a fundição, por incisão directa no barro da face interna da capa do molde e por caracteres móveis em cera reproduzidos em carimbos de madeira e aplicados à face externa do falso sino. 304


A primeira técnica encontra-se patente nos sinos de 925 d o M u s e o A r q u e o l ó g i c o d e C ó r d o b a e d e 1 0 8 6 d a To r r e d e San Isidoro, podendo-se apenas apontar como caso categoricamente provado para a segunda técnica o sino fundid o n o s é c u l o X I V n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a . Po r fim, a terceira técnica é apontada já como de utilização comum desde o século XIII, impondo-se totalmente a partir d o s é c u l o X V ( M a n z a n a r e s Ro d r i g u e z M i r, 1 9 5 1 : 2 2 6 ; M a rcos Villán, Miguel Hernandez, 1998: 11, 13). A a n á l i s e d o s e l e m e n t o s g r á f i c o s d o s i n o d e S ã o Pe d r o de Coruche sugere-nos que a técnica empregue terá sido exactamente esta terceira, passando pela sua reprodução em cera, recorrendo a carimbos de madeira, à semelhança da técnica ainda actualmente em uso, apontada pela sua relativa uniformidade e emprego da secção em bisel. Ainda que esta última não se incompatibilize de todo com a modelação relevada, é característica comum na impressão por carimbo de madeira. N o e n t a n t o , e c o n t r a r i a m e n t e a o m é t o d o m o d e rno-contemporâneo, após a impressão na cera o recorte dos elementos moldados não foi feito circunscrevendo-os a u m a l â m i n a q u a d r a n g u l a r, a b r a n g e n d o p o r e x c e s s o a letra, mas sim contornando-os. Deste processo resulta a eliminação dos contornos quadrangulares envolventes a cada elemento gráfico, típicos nos sinos desde o século X V, o b t e n d o - s e u m m e l h o r e f e i t o e m t e r m o s d a i n t e g r a ç ã o d o s m e s m o s n o v o l u m e c a m p a n u l a r d o s i n o . I n v e rsamente, como consequência deste método, dá-se a fragilização dos motivos em cera, resultando comummente na sua deformação durante o momento de destaque do carimbo e aplicação no falso sino, explicando assim as disparidades entre os elementos repetidos, nomeadamente os CC e os XX. Esta mesma interpretação pode ser aplicada aos sinos do Mosteiro de Santa Maria de Almoster e do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, impondo-se então como comum para, pelo menos, a segunda metade do s é c u l o X I I I e m Po r t u g a l .

305


Notas 1

“Dos terramotos de 1531, 1755, 1858, 1903 e 1909 apenas o primeiro teve, em Coruche, consequências ruinosas, segundo se infere da leitura dos documentos, embora os de 1903 e 1909 tivessem arruinado edifícios já abandonados, como a Matriz” (Ribeiro, 1959: 162).

2

A c u l m i n a r o c a r á c t e r s e i s c e n t i s t a d e s t a r e f o r m a e s t á o f r o n t a l d e a l t a r a z u l e j a r, d a t á v e l d o t e r c e i r o q u a r t e l d o s é c u l o ( S i m õ e s , O l i v e i r a , 1 9 9 7 : 1 6 1 ; Fa l c ã o , 2 0 0 3 : 1 2 0 ) .

3

Pe l a l e i t u r a d o c o r t e f e i t o n o t e r r e n o p e l a r e t r o e s c a v a d o r a d e a p o i o à o b r a v e r i f i c o u - s e ainda a existência de um terceiro silo, não intervencionado, preexistente à estrutura da actual igreja, nada obstando a que, após a construção desta, alguns destes silos não tenham perdurado na sua função.

4

O s s i l o s i d e n t i f i c a d o s j u n t o à i g r e j a d e S ã o Pe d r o p o d e r ã o c o n t e x t u a l i z a r- s e e m p l e n a I d a d e Média, seja no tecido da antiga malha urbana da vila de Coruche, seja no âmbito eclesiástico para arrecadação das rendas pagas em cereais.

5

To d a s a s s e p u l t u r a s i d e n t i f i c a d a s a p r e s e n t a m o r i e n t a ç ã o S u d o e s t e - N o r d e s t e , o u s e j a , c o m a cabeça tendencialmente a poente.

6

A Q u i n a d e p é d e r e i , e m u s o n a Fr a n ç a a p a r t i r d e m e a d o s d e s é c u l o X I , f o i d e s d e e n t ã o g r a d u a l m e n t e i n t r o d u z i d a e m Po r t u g a l a t r a v é s d a c o n t í n u a m i g r a ç ã o i n d i v i d u a l d e a r t í f i c e s , sofrendo um grande impulso com a presença dos cruzados em território ibérico.

7

Infelizmente, não nos foi possível desenvolver o mesmo exercício para o sino do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, por este exemplar se encontrar de momento inserido na exposição Memórias de Santa Cruz, organizada na Câmara Municipal de Coimbra (Dias, Coutinho, 2003: 148).

306


Igreja de Santo Ant贸nio, Coruche ( P. M a r t i n s ; M u s e u M u n i c i p a l d e C o r u c h e 漏 )



BIBLIOGRAFIA GERAL

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C A S Q U E I R A , Fe r n a n d o A n t ó n i o M o n t e i r o d e A l m e i d a – S o n s d e A l c á ç o v a s : e s t u d o de uma colecção de chocalhos (dissertação em Antropologia Social apresentada ao I n s t i t u t o S u p e r i o r d e C i ê n c i a s d o Tr a b a l h o e d a E m p r e s a ) , 2 0 0 1 ( t e x t o p o l i c o p i a d o ) . C A S T R O, A . S. ; S E B A S T I A N, L . – “A i n t e r v e n ç ã o a r q u e o l ó g i c a n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a : 1 9 9 8 - 2 0 0 1 ” , i n E s t u d o s / Pa t r i m ó n i o , L i s b o a , I P PA R- D e p a r t a m e n t o de Estudos, n.º 2, 2002, p. 33-42. 310


C A S T R O, A . S. ; S E B A S T I A N, L . – “ Re s u l t a d o p r e l i m i n a r d a i n t e r v e n ç ã o a r q u e o l ó g i c a n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a : 1 9 9 8 - 2 0 0 2 ” , i n A c t a s d o S e m i n á r i o I n t e rn a c i o n a l Ta r o u c a e C i s t e r : E s p a ç o , E s p í r i t o e Po d e r , Ta r o u c a , C â m a r a M u n i c i p a l , 2004, p. 163-187. C A S T R O, A . S. ; S E B A S T I A N, L . – “ Le s m a r q u e s l a p i d a i r e s d u m o n a s t è r e c i s t e r c i e n d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a ( Po r t u g a l ) ” , i n A c t e s d u X I Ve C o l l o q u e I n t e r n a t i o n a l d e G l y p t o g r a p h i e d e C h a m b o r d , B r a i n e - l e - C h â t e a u , C e n t r e I n t e r n a t i o n a l d e Re c h e r c h e s G l y p t o g r a p h i q u e s / E d i t i o n s d e l a Ta i l l e d ' A u l m e , 2 0 0 5 , p . 3 9 9 - 4 2 2 . C A S T R O, A . S. ; S E B A S T I A N, L . – “A i n t e r v e n ç ã o a r q u e o l ó g i c a n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a : 1 9 9 8 - 2 0 0 6 ” , i n A c t a s d o S e m i n á r i o I n t e r n a c i o n a l Ta r o u c a e C i s t e r : H o m e n a g e m a Le i t e d e Va s c o n c e l o s , Ta r o u c a , C â m a r a M u n i c i p a l , 2 0 0 6 , p . 1 2 5 - 1 6 6 . C A S T R O, A . S. ; S E B A S T I A N, L . ; R O D R I G U E S, M . ; T E I X E I R A , R . – “ I n t e r v e n ç ã o a r q u e o l ó g i c a n o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a” , i n C i s t e r n o Va l e d o D o u r o , G E H V I D, S a n t a M a r i a d a Fe i r a , A f r o n t a m e n t o , 1 9 9 9 , p . 2 2 2 - 2 2 5 . C ATA N A , A n t ó n i o ; F E R R E I R A , H é l d e r – M i s t é r i o s d a P á s c o a e m I d a n h a , L i s b o a , Esquilo, 2004. C H AV E S, Lu í s – “ D u a s ‘ e m p r e s a s ’ r é g i a s ( s é c u l o s X V-X V I ) : O ‘ Pe l i c a n o ’ d e D. 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C U I S E N I E R , J e a n ( c o o r d . ) – L’ i n s t r u m e n t d e m u s i q u e p o p u l a i r e : u s a g e s e t s y m b o l e s , Pa r i s , M i n i s t è r e d e l a C u l t u r e e t d e l a C o m m u n i c a t i o n , É d i t i o n s d e l a R é u n i o n d e s M u s é e s N a t i o n a u x , M u s é e N a t i o n a l d e s A r t s e t Tr a d i t i o n s Po p u l a i r e s , 1 9 8 0 . C U N H A , Ru i M a n e i r a – “A s m e d i d a s n a A r q u i t e c t u r a , s é c u l o s X I I I -X V I I I , o e s t u d o d e M o n s a r a z ” , i n Pe n s a r A r q u i t e c t u r a , C a s a l d e C a m b r a , C a l e i d o s c ó p i o , 2 0 0 3 . 311


C U R R I E , L . A . – “ L i m i t s o f q u a n t i t a t i v e d e t e c t i o n a n d q u a n t i t a t i v e d e t e r m i n a t i o n” , i n A n a l y t i c a l C h e m i s t r y , C o l u m b u s , AC S Pu b l i c a t i o n s , n . º 4 0 , 1 9 6 8 , p . 5 8 6 - 5 9 3 . D E AG A N, Ka t h l e e n – A r t i f a c t s o f t h e S p a n i s h C o l o n i e s o f F l o r i d a a n d t h e C a r i b b e a n 1 5 0 0 - 1 8 0 0 , Wa s h i n g t o n , S m i t h s o n i a n I n s t i t u t i o n Pr e s s , v o l . I I , Po r t a b l e p e r s o n a l possessions, 2000. D I A S, A . J o r g e – R i o d e O n o r : c o m u n i t a r i s m o a g r o - p a s t o r i l , 3 . ª e d . , L i s b o a , Pr e sença, (1953) 1984. D I A S, J a i m e Lo p e s – E t n o g r a f i a d a B e i r a , I d a n h a - a - N o v a , C â m a r a M u n i c i p a l , v o l s . I I , I I I , V, V I , X , e d i ç ã o f a c - s i m i l a d a r e a l i z a d a a p a r t i r d a 1 . ª ( v o l . X ) e d a 2 . ª ( v o l s . I I , I I I , V, V I ) , 1 9 9 0 - 1 9 9 1 . D I A S, M a r g o t ; D I A S, A . J o r g e – “A e n c o m e n d a ç ã o d a s a l m a s ” , i n X I I I C o n g r e s s o Lu s o - E s p a n h o l p a r a o p r o g r e s s o d a s C i ê n c i a s , t . V I I I ( 7 . ª s e c ç ã o : C i ê n c i a s h i s t ó r i c a s e f i l o l ó g i c a s ) , Po r t o , I m p r e n s a N a c i o n a l , 1 9 5 3 . D I A S, Pe d r o ; C O U T I N H O, J o s é E d u a r d o Re i s – M e m ó r i a s d e S a n t a C r u z , C o i m b r a , Câmara Municipal, 2003. D I D E R OT, D e n i s ; D ' A L E M B E RT, J e a n l e Ro n d B. – E n c y c l o p é d i e o u d i c t i o n n a i r e r a i s o n n é d e s s c i e n c e s , d e s a r t s e t d e s m é t i e r s , Pa r i s , M a r s a n n e , Re d o n , v o l . I I I , 1 7 5 9 . D O H R N -VA N R O S S U M , G e r h a r d – L ´ h i s t o i r e d e l ’ h e u r e : l ’ h o r l o g e r i e e t l ’ o r g a n i s a t i o n m o d e r n e d u t e m p s , Pa r i s , M a i s o n d e s S c i e n c e s d e l ’ H o m m e , 2 . ª edição, (1992) 1997. D O N AT I , Pi e r a n g e l o A . – “ I l c a m p a n a t o ” , i n Q u a d e r n i d ' i n f o r m a z i o n e , B e l l i n z o na, Dipartimento dell'Ambiente Ufficio e Comissione Cantonale dei Monumenti Storici, n.º 8, 1981. E L I A D E , M i r c e a – Fe r r e i r o s e A l q u i m i s t a s , L i s b o a , Re l ó g i o d e Á g u a , ( 1 9 5 6 ) s / d . E R A S U N C O RT É S, R i c a r d o – “A e s c a m p a n u m . H i s t ó r i a d e u m a a r t e ” , i n A c t a s d o 3 . º S i m p ó s i o s o b r e M i n e r a ç ã o e M e t a l u r g i a H i s t ó r i c a s n o S u d o e s t e E u r o p e u , Po rt o , S o c i e d a d E s p a ñ o l a p a r a l a D e f e n s a d e l Pa t r i m o n i o G e o l ó g i c o y M i n e r o / I P PA R , 2006a, p. 273-310. E R A S U N C O RT É S, R i c a r d o – “ U m n o v o f o s s o d e f u n d i ç ã o d e s i n o s n o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a a M a i o r d e Po m b e i r o ” , i n A c t a s d o 3 . º S i m p ó s i o s o b r e M i n e r a ç ã o e M e t a l u r g i a H i s t ó r i c a s n o S u d o e s t e E u r o p e u , Po r t o , S o c i e d a d E s p a ñ o l a p a r a l a D e f e n s a d e l Pa t r i m o n i o G e o l ó g i c o y M i n e r o , 2 0 0 6 b , p . 2 9 3 - 3 1 0 . E R A S U N C O RT É S, R i c a r d o – “ M é t o d o s y t é c n i c a s p a r a l a e x c a v a c i ó n d e u n f o s o d e fundición de campanas”, in Actas do 3.º Simpósio sobre Mineração e Metalurgia H i s t ó r i c a s n o S u d o e s t e E u r o p e u , Po r t o , S o c i e d a d E s p a ñ o l a p a r a l a D e f e n s a d e l Pa t r i monio Geológico y Minero, 2006c, p. 311-328. E R A S U N C O RT É S, R i c a r d o – “ U m f o s s o d e f u n d i ç ã o d e s i n o s n o M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e Po m b e i r o - Fe l g u e i r a s ” , i n O p p i d u m - Re v i s t a d e A r q u e o l o g i a , H i s t ó r i a e Pa t r i m ó n i o , Lo u s a d a , C â m a r a M u n i c i p a l , n . º 2 , 2 0 0 7 , p . 9 5 - 1 1 4 . E S PA N C A , T ú l i o – I n v e n t á r i o a r t í s t i c o d e Po r t u g a l – D i s t r i t o d e É v o r a , C o n c e l h o s d e A r r a i o l o s , E s t r e m o z , M o n t e m o r- o - N o v o , M o r a e Ve n d a s N o v a s , L i s b o a , A c a d e m i a N a cional de Belas Artes, vol. VIII, tomos 1 e 2, 1975. E S PA S A C A L P E - E n c i c l o p e d i a u n i v e r s a l i l u s t r a d a e u r o p e o - a m e r i c a n a , M a d r i d , E s pasa-Calpe, 1930. E S P Í R I TO S A N TO, M o i s é s – A Re l i g i ã o Po p u l a r Po r t u g u e s a , L i s b o a , A s s í r i o e A l v i m , 2.ª edição, 1990. 312


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Q U I R Ó S C A S T I L LO, J u a n A n t o n i o – “ La f a b b r i c a z i o n e d i c a m p a n e a Lu c c a n e l m e d i e v o e p o s t m e d i e v o ” , i n S u l l e v i e d e l p r i m o g i u b i l e o , C a m p a n e e c a m p a n i l i n e l t e rr i t o r i o d e l l e D i o c e s i d i Lu n i , Lu c c a , Pi s a , Lu c c a , C a s s a d i R i s p a r m i o d i Lu c c a s . p . a . , 1998, p. 44-55. R I B E I R O, L . – “O s i n o d e c o r r e r ” , i n B o l e t i m d o I n s t i t u t o H i s t ó r i c o d a I l h a Te r c e i r a , [s.l.], [s.n.], n.º 7, 1949, p. 318-319. R I B E I R O, M a r g a r i d a – E s t u d o H i s t ó r i c o d e C o r u c h e , C o r u c h e , C â m a r a M u n i c i p a l , 1 9 5 9 . R O D R I G U E S, M . J. M . ; S O U S A , P. F. d e ; B O N I F Á C I O, H. M . P. – Vo c a b u l á r i o t é c n i c o e crítico de Arquitectura, Coimbra, Quimera, 2.ª edição, 1996. R O S A , J o s é A n t ó n i o Pi n h e i r o e – Vo z e s d e b r o n z e , o s s i n o s d a s t o r r e s d o A l g a r v e , Fa r o , J u n t a d e Pr o v í n c i a d o A l g a r v e , 1 9 4 7 . R U B I M , N u n o J o s é Va r e l a – “O a r m a m e n t o p i r o b a l í s t i c o ( a t é f i n s s é c . X V / i n í c i o s s é c . X V I ) ” , i n Pe r a G u e r r e a r, a r m a m e n t o m e d i e v a l n o e s p a ç o p o r t u g u ê s , Pa l m e l a , C â m a r a Municipal, 2000, p. 223-243. S A A , M á r i o – A s g r a n d e s v i a s d a Lu s i t â n i a : o i t i n e r á r i o d e A n t o n i n o Pi o , L i s b o a , Ti p o grafia da Sociedade de Astória, vol. 4, 1956-1964. S AC H S, C u r t – T h e H i s t o r y o f M u s i c a l I n s t r u m e n t s , N e w Yo r k , W. W. N o r t o n & C o m p a n y, 1 9 4 0 . S A L M O N, C . – “ D i s s e m i n a ç ã o d e s i n o s c h i n e s e s n o s u d e s t e A s i á t i c o ” , i n Re v i s t a Q u a d r i m e s t r a l d a Fu n d a ç ã o O r i e n t e , L i s b o a , Fu n d a ç ã o O r i e n t e , n . º 2 , 2 0 0 2 , p . 4 4 - 5 8 . S A N C H E Z R E A L , J o s é – Fu n d i c i ó n d e u n a c a m p a n a e n 1 4 0 5 . E s t u d i o c i e n t í f i c o - t é c n i c o , e c o n ó m i c o , s o c i a l y v o c a b u l a r i o , Va l e n c i a , U n i v e r s i d a d d e Va l e n c i a , 1 9 8 2 . S A N C H E Z R E A L , J o s é – “ Fu n d i c i ó n m e d i e v a l ” , i n I n v e s t i g a c i ó n y C i e n c i a , B a r c e l o n a , Pr e n s a C i e n t í f i c a , n . º 8 8 , 1 9 8 4 , p . 4 3 - 4 7 . S A N C H E Z- M O N G E L LU S A , M . ; V I Ñ E E S C A RT I N, A . I . – “ D o c u m e n t a c i ó n a r q u e o l ó gica de un horno de fundir campanas en el solar de la Plaza Arias Gonzalo (Zamora)”, in Anuario, Zamora, Instituto de Estudios Zamoranos Florian de Ocampo, 1989, p. 123-132. S A N C H E Z- M O N G E L LU S A , M . ; V I Ñ E E S C A RT I N, A . I . – “ E x c a v a c i ó n a r q u e o l ó g i c a en el solar de la Plaza Arias Gonzalo (Zamora)”, in Numantia. Investigaciones a r q u e o l ó g i c a s e n C a s t i l l a y Le o n , Va l l a d o l i d , J u n t a d e C a s t i l l a y Le ó n , v o l . I V, 1993, p. 263-280. S A N C H O, M a r t a ; C A B A L L É , A n t o n i ; P U J A D E S, J o s e p – “ Le s r e s t e s a r q u e o l o g i q u e s d ' u n f o r n d e b r o n z e d ' e p o c a m e d i e v a l d e l a S e u d e M a n r e s a” , i n A c t a H i s t ó r i c a et Archaeológica Mediaevalia, Barcelona, Universidad de Barcelona, n.º 11-12, 1990-91, p. 485-493. S E A B R A , A n t e r a Va l e r i a n a – M e t a l u r g i a G e r a l , L i s b o a , La b o r a t ó r i o N a c i o n a l d e Engenharia Civil, vol. II, 1981. S E B A S T I A N, Lu í s – “A f u n d i ç ã o s i n e i r a e m Po r t u g a l , d a H i s t ó r i a à i n v e s t i g a ç ã o ” , i n Actas do 3.º Simpósio sobre Mineração e Metalurgia Históricas no Sudoeste Europ e u , Po r t o , S o c i e d a d E s p a ñ o l a p a r a l a D e f e n s a d e l Pa t r i m o n i o G e o l ó g i c o y M i n e r o , 2006a, p. 249-272. S E B A S T I A N, Lu í s – “O s i n o m a n u e l i n o d a S é d e La m e g o ” , i n O c o m p a s s o d a t e r r a . A a r t e e n q u a n t o c a m i n h o p a r a D e u s , La m e g o , D i o c e s e d e La m e g o , v o l . I , La m e g o , 2006b, p. 254-283. S E B A S T I A N, Lu í s – “O l e v a n t a m e n t o g r á f i c o d a i g r e j a d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a” , i n A c t a s d o 2 . º E n c o n t r o N a c i o n a l d e M u s e u s c o m C o l e c ç õ e s d e A r q u e ologia (no prelo). 317


S E B A S T I A N, L . ; P E R E I R A , H. ; G I N J A , M . ; C A S T R O, A . S. – “O l e v a n t a m e n t o g r á f i c o d a i g r e j a e á r e a d e e s c a v a ç ã o d o M o s t e i r o d e S ã o J o ã o d e Ta r o u c a” i n A c t a s d o 4 . º C o n g r e s s o d e A r q u e o l o g i a Pe n i n s u l a r , A D E C A P ( n o p r e l o ) . S I LVA , A r m a n d o C o e l h o F. d a – A c u l t u r a c a s t r e j a n o N o r o e s t e d e Po r t u g a l , Pa ç o s d e Fe r r e i r a , M u s e u A r q u e o l ó g i c o d a C i t â n i a d e S a n f i n s / C â m a r a M u n i c i p a l , 1 9 8 6 . S I LVA , Fe r n a n d o J. d a - D i c i o n á r i o e l e m e n t a r f r a n c ê s - p o r t u g u ê s , Po r t o , L i v r a r i a Avis, 1970. S I M Õ E S, J. M . d o s S a n t o s ; O L I V E I R A , E m í l i o G u e r r a d e – A z u l e j a r i a e m Po r t u g a l n o s é c u l o X V I I , L i s b o a , Fu n d a ç ã o C a l o u s t e G u l b e n k i a n , 2 . ª e d i ç ã o , t o m o I I ( r e v i s t a e actualizada), 1997. S M I T H, C y r i l S t a n l e y ; G N U D I , M a r t h a Te a c h – T h e p i r o t e c h n i a o f Va n n o c c i o B i r i n g u c c i o , T h e c l a s s i c s i x t e e n h - c e n t u r y t r e t i s e o n m e t a l s a n d m e t a l l u r g y , N e w Yo r k , D o v e r Pu b l i c a t i o n s , 1 9 9 0 . SOUSA, Abade António Damaso de Castro e – “Monographia da Igreja Matriz da C i d a d e d e L i s b o a” , i n Re a l A s s o c i a ç ã o d o s A r c h i t e c t o s C i v i s e A r c h a e ó l o g o s , L i s b o a , n.º 6, 2.ª série, 1875, p. 94-95. SOUSA, Mons. Manuel Baptista de – História religiosa da paróquia de Santa Maria dos A n j o s : C i d a d e d e E s p o s e n d e , E s p o s e n d e , F á b r i c a d a I g r e j a Pa r o q u i a l , v o l . I I , 1 9 9 3 . T E I X E I R A , I r e n e A v i l e z – Tr a n c o s o , t e r r a d e s o n h o e m a r a v i l h a , Tr a n c o s o , e d i ç ã o d o a u t o r, 1 9 8 2 . T H E M U D O, F. A . F. – E s t u d o s o b r e o e s t a d o a c t u a l d a i n d u s t r i a c e r a m i c a n a 2 . ª C i rc u m s c r i ç ã o d o s S e r v i ç o s Te c h n i c o s d a I n d u s t r i a , L i s b o a , I m p r e n s a N a c i o n a l , 1 9 0 5 . T H O M A Z , Pe d r o Fe r n a n d e s – “ I n s c r i p ç õ e s e e m b l e m a s e x i s t e n t e s n o s s i n o s d a s e g r e j a s d o c o n c e l h o d a Fi g u e i r a” , i n Po r t u g á l i a , L i s b o a , I m p r e n s a Po r t u g u e s a , v o l . 1, n.º 1, 1899, p. 141-144. TO R G A , M i g u e l – Re n o v o , N o v o s c o n t o s d a m o n t a n h a , C o i m b r a , [ s . n . ] , 1 5 . ª e d i ç ã o , (1944) 1991, p. 135-143. T R A N C H E F O RT, Fr a n ç o i s - Re n é – Le s i n t r u m e n t s d e m u s i q u e , Pa r i s , S e u i l , v o l . I , 1980, p. 56-65. T Y L E C OT E , R . F. – A h i s t o r y o f m e t a l l u r g y , Lo n d o n , T h e M e t a l s S o c i e t y, 1 9 7 6 . VA L D E Z , J o s é J o a q u i m d e A s c e n s ã o – “ C a m p a n á r i o s e m Po r t u g a l ” , i n B o l e t i m d a A s s o c i a ç ã o d o s A r c h a e ó l o g o s Po r t u g u e z e s , L i s b o a , A s s o c i a ç ã o d o s A r q u e ó l o g o s Po rtugueses, vol. XII, 5.ª série, n.º 1, 1910, p. 28-43. VA L D E Z , J o s é J o a q u i m d e A s c e n s ã o – “ C a m p a n á r i o s e m Po r t u g a l ” , i n B o l e t i m d a A s s o c i a ç ã o d o s A r c h a e ó l o g o s Po r t u g u e z e s , L i s b o a , A s s o c i a ç ã o d o s A r q u e ó l o g o s Po rtugueses, vol. XII, 5.ª série, n.º 2, 1911a, p. 99-110. VA L D E Z , J o s é J o a q u i m d e A s c e n s ã o – “ C a m p a n á r i o s e m Po r t u g a l ” , i n B o l e t i m d a A s s o c i a ç ã o d o s A r c h a e ó l o g o s Po r t u g u e z e s , L i s b o a , A s s o c i a ç ã o d o s A r q u e ó l o g o s Po rtugueses, vol. XII, 5.ª série, n.º 3, 1911b, p. 138-151. VA L D E Z , J o s é J o a q u i m d e A s c e n s ã o – “ C a m p a n á r i o s e m Po r t u g a l ” , i n B o l e t i m d a A s s o c i a ç ã o d o s A r c h a e ó l o g o s Po r t u g u e z e s , L i s b o a , A s s o c i a ç ã o d o s A r q u e ó l o g o s Po rtugueses, vol. XII, 5.ª série, n.º 6, 1911c, p. 274-290. VA L D E Z , J o s é J o a q u i m d e A s c e n s ã o – “ C a m p a n á r i o s e m Po r t u g a l ” , i n B o l e t i m d a A s s o c i a ç ã o d o s A r c h a e ó l o g o s Po r t u g u e z e s , L i s b o a , A s s o c i a ç ã o d o s A r q u e ó l o g o s Po rtugueses, vol. XII, 5.ª série, n.º 9, 1912a, p. 411-427. VA L D E Z , J o s é J o a q u i m d e A s c e n s ã o – “ C a m p a n á r i o s e m Po r t u g a l ” , i n B o l e t i m d a A s s o c i a ç ã o d o s A r c h a e ó l o g o s Po r t u g u e z e s , L i s b o a , A s s o c i a ç ã o d o s A r q u e ó l o g o s Po rtugueses, vol. XII, n.º 11, 1912b, p. 456-470. 318


VA L D E Z , J o s é J o a q u i m d e A s c e n s ã o – “ C a m p a n á r i o s e m Po r t u g a l ” , i n B o l e t i m d a A s s o c i a ç ã o d o s A r c h a e ó l o g o s Po r t u g u e z e s , L i s b o a , A s s o c i a ç ã o d o s A r q u e ó l o g o s Po rtugueses, vol. XII, 5.ª série, n.º 12, 1912c, p. 539-554. VA L D E Z , J o s é J o a q u i m d e A s c e n s ã o – O s i n o d e C e u t a : d o c u m e n t o s d o A r q u i v o N a c i o n a l d a To r r e d o To m b o , L i s b o a , Ti p o g r a f i a C a s a Po r t u g u e s a , 1 9 1 4 . VA L D E Z , J o s é J o a q u i m d e A s c e n s ã o – “ C a m p a n á r i o s e m Po r t u g a l ” , i n B o l e t i m d a A s s o c i a ç ã o d o s A r c h a e ó l o g o s Po r t u g u e z e s , L i s b o a , A s s o c i a ç ã o d o s A r q u e ó l o g o s Po rtugueses, vol. XIII, 5.ª série, n.º 5, 1916, p. 201-208. VA L E , H e n r i q u e Pe r e i r a d o – “ M a r c a s d e f u n d i d o r e s p o r t u g u e s e s d e a r t i l h a r i a d o s é c u l o X V I ” , i n Re v i s t a d e A r t i l h a r i a , L i s b o a , A r m a d e A r t i l h a r i a , s e p a r a t a , 1 9 6 3 . VA N G E N N E P, A r n o l d – M a n u e l d e f o l c l o r e f r a n ç a i s c o n t e m p o r a i n , Pa r i s , A u g u s t e Pi c a r d / A . e t J. Pi c a r d , t o m o I , v o l . I - I I , 1 9 4 3 - 1 9 4 6 . VA S C O N C E LO S, J o s é Le i t e d e – M e m ó r i a s d e M o n d i m d a B e i r a , L i s b o a , I m p r e n s a Nacional-Casa da Moeda,1933. VA S C O N C E LO S, J o s é Le i t e d e – E t n o g r a f i a Po r t u g u e s a , L i s b o a , I m p r e n s a N a c i o n a l -Casa da Moeda, vol. II/V/VIII/IX, 1980/1982a/1982b/1985. VA S C O N C E LO S, J o s é Le i t e d e – S i g n u m s a l o m o n i s , L i s b o a , D o m Q u i x o t e , 2 . ª edição, 1996. V E L H O, J o s é Lo p e s – M i n e r a l o g i a I n d u s t r i a l , p r i n c í p i o s e a p l i c a ç õ e s , L i s b o a , L i d e l -Edições Técnicas, 2005. V I O L L E T- L E - D U C ; E U G È N E - E M M A N U E L – D i c t i o n n a i r e r a i s o n n é d e l ' A r c h i t e c t u r e , d u X I a u X V I s i é c l e , Pa r i s , G r ü n d , v o l . I I I , 1 9 2 4 , p . 2 8 1 - 2 8 6 . V I T E R B O, Fr a n c i s c o M a r q u e s d e S o u s a – A r t i s t a s e a r t i f i c e s d e G u i m a r ã e s : n o t i c i a d o c u m e n t a l , Po r t o , Ty p o g r a p h i a d e A n t ó n i o J o s é d a S i l v a Te i x e i r a , 1 8 9 7 . V I T E R B O, Fr a n c i s c o M a r q u e s d e S o u s a – Fu n d i d o r e s d e a r t i l h a r i a , L i s b o a , Ty p o g r a phia Universal, 1901. V I T E R B O, Fr a n c i s c o M a r q u e s d e S o u s a – A r t e s e i n d u s t r i a s m e t á l i c a s e m Po r t u g a l , L i s b o a , Ty p o g r a p h i a U n i v e r s a l , 1 9 0 3 . V I T E R B O, Fr a n c i s c o M a r q u e s d e S o u s a – A r t e s e i n d u s t r i a s m e t á l i c a s e m Po r t u g a l , Coimbra, Imprensa da Universidade, 1908. V I T E R B O, Fr a n c i s c o M a r q u e s d e S o u s a – A r t e s e i n d ú s t r i a s m e t á l i c a s e m Po r t u g a l , relojoaria, sinos e sineiros, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1915. WA R D - P E R K I N S, B r y a n – “ S c a v i n e l l a t o r r e c i v i c a d i Pa v i a” , i n A r c h e o l o g i a M e d i e v a l e , Fi r e n z e , A l l ' I n s e g n a d e l G i g l i o , n . º 5 , 1 9 7 8 , p . 7 7 - 1 2 1 .

319



ÍNDICE

Apresentação ................................................................................ Agradecimentos ............................................................................. Conteúdos .................................................................................... Pr e f á c i o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

5 11 15 17

Pe r c u r s o d e i n v e s t i g a ç ã o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

21

C A P Í T U LO I A fundição sineira: da História à investigação .....................................

29

1. Introdução ........................................................................... 2 . Fo n t e s p a r a o e s t u d o d a a c t i v i d a d e s i n e i r a e m Po r t u g a l . . . . . . . . . . . . . . . . . 3. Síntese histórica .................................................................... 4. O bronze ............................................................................. 5. O perfil ............................................................................... 6. A asa .................................................................................. 7. Os cordões .......................................................................... 8. Os elementos gráficos ............................................................ 9. A inscrição .......................................................................... 10. A técnica de modelação ........................................................ 11. A técnica de aplicação de elementos gráficos ............................ 12. A técnica de fusão do bronze .................................................

29 30 35 38 42 49 51 53 58 65 68 71

C A P Í T U LO I I Sons do tempo: usos sociais e simbólicos do sino na cultura popular ........ Introdução ........................................................................... Cronologia e meteorologia ..................................................... Interditos e práticas rituais ...................................................... Sonoridade e memória colectiva ............................................... Metalurgia e ritual ................................................................ Diferenciação social e codificação acústica ................................ Sonoridade, territorialidade e identidade ...................................

79 79 81 84 88 94 97 104

C A P Í T U LO I I I Glossário terminológico elementar na fundição sineira ......................

111

1. Introdução ........................................................................... 2 . Te r m i n o l o g i a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

111 112

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

321


C A P Í T U LO I V De campanis fundentis: a fundição de sinos na obra de Theophilus Lo m b a r d i c u s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. Introdução ........................................................................... 2. O autor e a obra .................................................................. 3 . A c a r a c t e r i z a ç ã o d o m é t o d o d e f u n d i ç ã o d e T h e o p h i l u s Lo m b a r d i c u s 3.1. O torno de modelação .................................................... 3.2. O molde ....................................................................... 3.3. O fosso de fundição (e o cozimento do molde com extracção da cera) ........................................................................ 3.4. O primeiro sistema de fundição enunciado por Theophilus ...... 3.4.1. O cadinho ........................................................... 3.4.2. A fundição do bronze e a preparação do fosso para a fundição .............................................................. 3.4.3. O enchimento do molde ............................................ 3.5. O segundo sistema de fundição enunciado por Theophilus ...... 3.5.1. O cadinho ........................................................... 3.5.2. A fundição do bronze e o enchimento do molde ........... 3.6. A extracção do sino ........................................................ 3.7. O torno de limpeza e a limpeza do sino ..............................

C A P Í T U LO V A fábrica de sinos da Granja Nova, Tarouca .........................................

123 123 124 125 125 126 129 130 130 131 132 133 133 134 135 136

1. Introdução ........................................................................... 2. A Granja Nova ..................................................................... 3. A fábrica de sinos da Granja Nova ........................................... 3.1. Origem, evolução e ocaso ................................................ 3.2. Caracterização ............................................................... 3.2.1. O edifício ............................................................ 3.2.2. O forno ............................................................... 3.2.3. Os moldes ........................................................... 3.2.4. A utensilagem ....................................................... 3.2.5. Atitudes e comportamentos ...................................... 4. Considerações finais ..............................................................

141 141 142 144 144 148 148 152 159 160 169 173

C A P Í T U LO V I A t é c n i c a a r t e s a n a l d e f u n d i ç ã o d e s i n o s e m Po r t u g a l : a s d u a s últimas fundições portuguesas .......................................................

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1. Introdução ........................................................................... 2. As famílias Costa e Jerónimo ................................................... 3. O molde .............................................................................. 3.1. Os materiais .................................................................. 3.1.1. O barro ............................................................... 3.1.2. A cera ................................................................. 3.2. O processo de moldação ................................................. 3.2.1. A cércea .............................................................. 3.2.2. O macho ............................................................. 3.2.3. O falso sino ou camisa ........................................... 3.2.4. A capa ................................................................ 3.2.5. A asa .................................................................. 4. A fundição ........................................................................... 4.1. A cova (e a preparação para o vazamento) .......................... 4.2. O forno e o bronze ......................................................... 4.3. O vazamento ................................................................. 5. A desmoldagem e acabamento ................................................. 6. As sinetas ............................................................................

177 178 182 182 183 186 187 187 188 191 194 195 197 197 202 205 206 207

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C A P Í T U LO V I I Um fosso de fundição sineira do século XIV no Mosteiro de São J o ã o d e Ta r o u c a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. Introdução ........................................................................... 2. Contexto arqueológico ........................................................... 3. Metodologia ......................................................................... 3.1. Técnicas de escavação, registo e conservação ...................... 3.2. Técnicas de caracterização ............................................... 4. Estudo material, formal e funcional do fosso de fundição .............. 5. Estudo material, formal e funcional do cadinho de fundição .......... 6. Estudo material, formal e funcional do molde de fundição ............. 6.1. O macho ...................................................................... 6.2. A capa ......................................................................... 6.3. A moldação da asa ......................................................... 7. O bronze ............................................................................. 8. Considerações finais .............................................................. 8.1. Considerações para a história da fundição sineira ................. 8.2. Considerações para a história do Mosteiro de São João d e Ta r o u c a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

C A P Í T U LO V I I I O sino de 1287 da Igreja de São Pedro de Coruche .................................

213 213 215 220 220 221 224 234 241 250 253 255 260 264 264 267 271

Introdução ........................................................................... Contexto arqueológico ........................................................... As dimensões ....................................................................... O perfil ............................................................................... A asa .................................................................................. A inscrição .......................................................................... Elementos simbólicos ............................................................. Os cordões .......................................................................... O bronze ............................................................................. 9.1. Análise elementar e metalográfica ..................................... 10. A técnica de fusão do bronze ................................................. 11. A técnica de modelação ........................................................ 12. A técnica de aplicação de elementos gráficos ............................

271 272 277 286 289 290 291 292 293 295 299 300 304

Bibliografia geral .........................................................................

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1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.

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C ON TAC TOS A n a S a m p a i o e C a s t r o ( s eb a s ti a nc as tr o @o ni net. p t) A n t ó n i o B a ca l h a u ( m i r ti l us 06@gmai l . c o m) A n t ó n i o C a b eço ( t o z e cabec o @ho tma i l . pt) C r i s t i n a C a l a i s ( a n a cr i s t i na c a l a i s @gmai l . c o m) E l i n Fi g u ei r e d o ( el i n@i tn. p t) H u g o Pe r e i r a ( h u g o d es a r q @g ma i l . c o m) J o s é Lu í s M a d e i r a ( madmad@c i . uc . p t) Lí d i a C a t a r i n o ( l i d i a g i l @c i . uc . pt) Lu í s S eb a s t i a n ( s e b a s t i anc as tr o @o ni net. p t) Pa u l o Fer r ei r a d a C o s t a ( paul o fc @s apo . p t) Pa u l o Lo n g o ( p l o ngo @i o l . p t) Ped r o M a r t i n s ( k u s t o mp ho to @g ma i l . c o m) Ru i J o r g e C o r d e i r o S i l va ( r j c s @fc t. unl . pt) S a r a Fr a g o s o ( e sl f@fc t. unl . pt) M u s eu M u n i ci p al d e Co r uc he ( w w w.m u s e u - co r u ch e .o r g ; m u s e u. muni c i pal @c m- c o r uc he. p t) C â m a r a M u n i ci p al d e Co r uc he ( w w w.cm - co r u ch e.p t /co r u ch e; g er al @c m- c o r uc he. p t) Fu n d a çã o C a l o u ste Gul b enki an ( w w w.g u l b enki a n. p t) C a r l o s J er ó ni mo ( w w w.j e r o n i m o s .co m .p t ; c.j e ro ni mo @j er o ni mo s . c o m. pt) I nst it ut o d e G es t ã o d o Pa t r i m ó n i o A r qui tec tó ni c o e A r queo l ó gi c o ( w w w.i g e sp a r. pt)



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