O foral de Coruche de 1182

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Filipa Roldão

Joana Serafim

O Foral de Coruche de 1182 estudo, edição e tradução

Coruche 2012


Ficha técnica TÍTULO

O Foral de Coruche de 1182: estudo, edição e tradução AUTORAS

Filipa Roldão e Joana Serafim EDIÇÃO

Museu Municipal | Câmara Municipal de Coruche FOTOGRAFIAS

José António Silva | Arq. Nac. Torre do Tombo | Núcleo Antigo | Livro 479 PAGINAÇÃO, REVISÃO E DESIGN GRÁFICO

Museu Municipal de Coruche IMPRESSÃO E ACABAMENTO

GIRPI 1.ª edição: 2012 ISBN 978-989-8335-02-9


Filipa Roldão

Joana Serafim

O Foral de Coruche de 1182 estudo, edição e tradução

Coruche 2012



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O FORAL DE CORUCHE DE 1182

A divulgação do foral Afonsino na obra fundadora de historigrafia local Estudo Histórico de Coruche, da autoria da Professora Margarida Ribeiro, foi à época um significativo contributo para acrescentar informação ao período de formação/afirmação do burgo coruchense nos finais do século XII. O trabalho que agora se edita surgiu de uma conversa com a Professora Doutora Adelaide Millán da Costa, docente da Universidade Aberta, que me sugeriu então as jovens investigadoras e especialistas Filipa Roldão e Joana Serafim. Às três o reconhecimento e o agradecimento do Município de Coruche. O estudo, edição e tradução do foral dado a Coruche por D. Afonso Henriques em 1182 permitirá aos estudantes, professores e investigadores da história local uma abordagem mais rigorosa e informada ao conhecimento dos princípios legais, relações sociais e atividade económica desta urbe desde o período de “reconquista cristã”. Como sabemos esta carta de Foral foi depois confirmada por D. Manuel I (1513), que manteve no essencial o texto e os princípios nele estabelecidos. Sem entrar em considerações técnicas e interpretativas, diremos que obviamente o que somos


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hoje como comunidade radica em grande parte no conteúdo deste texto fundacional. Lê-lo é recuar no tempo e entender como chegámos aqui... Estudar o passado ajuda-nos a compreender o presente e a preparar melhor o nosso futuro coletivo como concelho. Dionísio Simão Mendes O Presidente da Câmara Municipal de Coruche

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A proposta da Câmara Municipal de Coruche de edição e estudo do foral afonsino de Coruche constituiu para nós um desafio que, desde início, abraçámos com superior interesse e empenho. Na verdade, o estudo do foral de Coruche não só nos permitiu perseguir um filão de investigação, ao qual temos vindo a dedicar alguns artigos de especialidade – isto é, a produção foralenga do Reino –, mas também conhecer um caso específico desta produção, o texto de Coruche. Com o estudo, edição e tradução deste foral procurámos contribuir para o conhecimento, divulgação e valorização do património escrito da vila, que é, para todos nós, um património histórico a preservar. Agradecemos, pois, ao Museu Municipal, na pessoa da Dra. Ana Correia, toda a colaboração e interesse postos no nosso trabalho, assim como à Prof. Doutora Adelaide Millán da Costa, que propiciou o feliz encontro entre o interesse municipal e a nossa investigação. Finalmente, o nosso agradecimento ao Centro de História da Universidade de Lisboa.

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O FORAL DE CORUCHE DE 1182

Introdução





A 26 de Maio de 1182 o rei D. Afonso Henriques outorgava aos habitantes de Coruche aquele que viria a ser o documento escrito mais importante da vila durante os séculos seguintes e, ainda hoje, um dos mais emblemáticos: a carta de foral de Coruche. Estabelecendo as principais normas de relacionamento entre os seus habitantes, e entre estes e o rei, o foral de Coruche consistia num monumento jurídico de especial relevância para a vila, que, ao longo dos tempos, procurou conhecê-lo e conservá-lo. Por este motivo se justifica que, passados mais de oito séculos sobre a outorga do foral afonsino, a vila de Coruche queira promover a sua divulgação e o seu estudo.

1. Coruche e a “militarização do espaço” A atribuição da carta de foral aos habitantes de Coruche deverá ser compreendida no seio da conjuntura político-militar do período da Reconquista cristã e, especificamente, à luz das estratégias territoriais de domínio e de ocupação do vale do rio Sorraia, onde a vila se localizava.1 Para um conhecimento global sobre Coruche e o seu território, uide RIBEIRO (2009).

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I. Estudo Histórico do Foral Afonsino de Coruche


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Com efeito, e sobretudo a partir da conquista da cidade de Évora, em 1165, Coruche detinha um lugar de destacada importância na ocupação pelas forças cristãs de um espaço de fronteira a Sul, com pretensões no Além-Tejo meridional, que articulava as cidades de Santarém e Évora, precisamente através da vila de Coruche.2 A função estratégica e militar desta vila foi reconhecida por D. Afonso Henriques, logo quando em 1176 doava à Ordem dos Freires de Évora o castelo de Coruche, concedendo a esta milícia a defesa do oppidum e do espaço envolvente, presumindo-se igualmente o povoamento e a rentabilização económica da várzea.3 Segundo Hermenegildo Fernandes, o rei promoveria aqui «um procedimento depois tantas vezes repetido em Além-Tejo, assente no domínio régio sobre os centros urbanos nucleares e na atribuição do espaço periférico e escassamente urbanizado às ordens militares».4 No entanto, as posições militares cristãs e muçulmanas na ocupação do território de fronteira a Sul alterar-se-iam abruptamente com a contra-ofensiva almôada, em 1180 ou 1181, que se traduziu, entre outras acções que visavam atacar a cidade de Évora, na destruição do castelo e de parte da vila de Coruche, assim como na morte, na redução a cativeiro e fuga de muitos dos seus habitantes. As narrativas disponíveis que relataram estes acontecimentos permitem entrever não só a natureza militar desta expedição como também os seus propósitos económicos, já que, 2

Cf. CORREIA (2003) e FERNANDES (2005).

Sobre esta doação e o seu contexto histórico, uide CUNHA (1995), CORREIA (2003) e FERNANDES (2005).

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FERNANDES (2005), p. 456. 12


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Cf. CORREIA (2003) e FERNANDES (2005).

Em 1181, com certeza após a grande investida almôada, o rei faz algumas doações à Ordem de Avis de terras e bens no termo de Évora, provavelmente também em áreas contíguas a Coruche, como que dotando o seu entorno de alguma estabilidade. Cf. CUNHA (1995) e VILAR (1999), pp. 245-252.

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COSTA (1965), pp. 279-281. 13

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para o lado islâmico, fora abundante a riqueza gerada pela apropriação de bens, de pessoas, de animais e de meios de rentabilização do espaço agrícola. Coruche seria, nos primeiros anos da década de 80 do século XII, um território arrasado e, comprovadamente até cerca de 1189, um espaço humana e economicamente fragilizado, sujeito ainda a esporádicas incursões militares muçulmanas. Dos episódios de guerra deste período resulta que o papel crucial desempenhado pela vila de Coruche na articulação do território de fronteira era reconhecido quer por cristãos quer por muçulmanos, pelo que a sua ocupação era considerada vantajosa para ambos.5 Logo após a grande ofensiva de 1181 e a retoma da vila às mãos dos cristãos, D. Afonso Henriques procurou dotar Coruche de meios humanos e materiais capazes de recuperar a vila da destruição recente e, sobretudo, torná‑la atractiva do ponto de vista social e económico.6 A atribuição de um foral ou carta de foral – isto é, um «diploma concedido pelo rei, ou por um senhor laico ou eclesiástico, a determinada terra, contendo normas que disciplinam as relações dos seus povoadores ou habitantes entre si e destes com a autoridade outorgante»7 – consistia numa das estratégias políticas amplamente praticadas pelos reis, mas também por outros poderes, como as Ordens Militares e os bispos, com vista à defesa e ao povoamento


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do território conquistado, sobretudo durante o século XII e a centúria seguinte.8 Foi neste contexto que, a 26 de Maio de 1182, o rei outorgou aos habitantes de Coruche uma carta de foral com o seguinte desígnio: «Ego rex alfonsus filius henrici. Comitis. et Regine. Tharasie. una cum filiis meis. Rege Sancio. et Regina Vrraca. et Regina Tharasia. uolumus restaurare atque populare Culuchi. que a sarracenis abstulimus.» «Eu, el-rei D. Afonso, filho do conde D. Henrique e da rainha Dona Teresa, juntamente com os meus filhos, el-rei D. Sancho, rainha Dona Urraca e rainha Dona Teresa, queremos restaurar e povoar Coruche, que tomámos aos Sarracenos.»

2. A reconstrução de Coruche a partir do modelo de Évora Se, no ano de 1182, D. Afonso Henriques pretendia restaurar e povoar Coruche, atribuindo-lhe para tal uma carta de foral, o rei que se seguiu, o seu filho, D. Sancho I, revalidou aos habitantes de Coruche esse mesmo desígnio, na carta de confirmação do foral da vila, na mesma década, em 1189, numa conjuntura ainda caracterizada pela guerra. O repovoamento do território de Coruche consistia, naturalmente, numa tarefa prioritária na qual o poder régio se encontrava bastante empenhado, sobretudo pela estabilização militar e pela organização do espaço e das actividades económicas que daí deveriam resultar. Sobre a importância da defesa e do povoamento do território no processo de Reconquista, uide MARQUES (1988).

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Sobre a transmissão do foral de Évora, como modelo, a outras terras, uide CAETANO (1967), CUNHA (1988), REIS (2002), max. pp. 153161; e ROLDÃO e SERAFIM (2006).

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Cf. REIS (2002), max. pp. 163-174; para uma abordagem global sobre a concessão de forais, uide COELHO (1996).

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Cf. CAETANO (1967), CUNHA (1988), REIS (2002), max. pp. 153161; e ROLDÃO e SERAFIM (2006).

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O processo de reconstrução de Coruche, a que se dava início legal com a carta de foro, alicerçava-se, juridicamente, num exemplo já conhecido e que se constituía como modelo para a vila de Coruche, e depois desta para tantas outras. Referimo-nos ao foral de Évora, cujo conteúdo foi amplamente reproduzido na carta de foral de Coruche.9 Aliás, o prólogo desta é bem explícita quanto à proveninência das normas escolhidas: «Damo-vos, a vós, presentes e futuros, o foro e costume de Évora.» Apesar de se encontrarem outorgados e em reprodução para diferentes terras outros tipos de forais, como o do modelo de Salamanca ou o do tríplice foral de Coimbra, Santarém e Lisboa,10 o rei opta por dotar Coruche das mesmas disposições jurídicas seguidas pelo foral de Évora, as quais, por sua vez, seguiam um modelo de foral exterior ao Reino conquistado, proveniente de Castela: o modelo do foral de Ávila.11 A normativa do foral de Évora, que então incorporava o modelo castelhano, seria a que melhor cumpriria os objectivos definidos por D. Afonso Henriques para a reconstrução de Coruche. Com efeito, a vontade ou o interesse do outorgante da carta de foral, neste caso do rei, seria pois um dos principais – se não o principal – factores de decisão sobre as características do conteúdo legal do documento.


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Nesse sentido, e não obstante a proximidade geográfica entre Évora e Coruche (argumento que, de resto, também poderia ter fundamentado a adopção do modelo de foral de Santarém, dada a curta distância desta cidade a Coruche), a escolha do modelo de Évora justificava-se, no caso coruchense, sobretudo por se tratar de um foral «particularmente adequado à sociedade militarizada da fronteira e que dava aos milites uma clara hegemonia na hierarquia social».12 Com efeito, assegurava-se, com este foral, a sobrevivência e reprodução de um grupo social vocacionado para a defesa de um espaço-fronteira, onde Coruche, já antes de 1182, se constituía como «(...) uma chave para o acesso tanto aos campos da zona de Évora como ao vale do Tejo e à cidade de Santarém».13 Esta posição-chave, que servia os interesses régios, seria pois mantida por milites (cavaleiros) a quem se deveriam atribuir funções e regalias capazes de os motivar na defesa da vila contra as investidas inimigas e de os considerar como membros privilegiados de Coruche. Por esta razão podemos ler no foral de Coruche, decalcando a letra do foral de Évora, o seguinte: «Milites de Culuchi sint in iudicio pro podestades et infanzones de portugal».14 Com esta determinação, os cavaleiros da vila seriam equiparados a nobres do Reino em situações de litígio. Apesar de a terminologia utilizada nas fontes documentais sobre categorias sociais ser quase sempre difícil de percepcionar e reduzir a um significado único e consensual, designada12

FERNANDES (2005), p. 459.

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CORREIA (2003), p. 75.

Tradução: «Que os cavaleiros de Coruche sejam equiparados em juízo a podestades e infanções de Portugal.»

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MATTOSO (1995), p. 115.

Os infanções eram tradicionalmente os senhores privilegiados ou nobres que tinham alcançado esse estatuto por via do nascimento, independentemente da sua riqueza ou função. Cf. MATTOSO (1995), pp. 104-106.

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mente nos indivíduos de estratos superiores na centúria de undecentos, a verdade é que esta passagem do foral de Coruche parece corroborar a seguinte afirmação de José Mattoso: «a categoria de miles ou cavaleiro não era, por si só, durante todo o século XII, sinal de nobreza ou de preeminência social, mas do poder que advém da profissão, do uso das armas, da capacidade de coagir, com razão ou sem ela».15 Com efeito, foi necessário atribuir aos milites de Coruche uma categoria social adicional superior, portadora de qualificativos inerentes aos senhores nobres, a de «potestates» e de «infanziones»,16 provavelmente equiparável à nobilitação por nascimento, sem a qual se presume que não teriam direito a gozar de semelhantes privilégios. Num contexto em que os reis estariam interessados em constituir e promover milícias urbanas capazes de conter as investidas muçulmanas e proteger os concelhos recém‑formados, faz sentido que se beneficiem social e juridicamente os homens em posse de armas, independentemente da sua condição social de origem. Estes milites que iriam usufruir de uma condição superior como infanções parecem, no entanto, gozar de uma posição privilegiada comparativamente a outros cavaleiros referenciados na carta de foral. Esta interpretação baseia‑se no facto de, em circunstâncias de litígio, no mesmo foral se atribuir aos peões da vila a condição de cavaleiros-vilãos de outras terras – «Pedones sint iudicio pro caballariis uilla-


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nis de altera terra»17 –, não se utilizando para tal o termo milites mas sim caballarii uillanes. Com efeito, a distinção literal que se encontra presente neste foral entre milites e cabalarii uilanes parece configurar uma hierarquização social destes grupos, na qual os milites deteriam alguns atributos de nobreza, provavelmente de estirpe baixa e não de sangue, por oposição aos cavaleiros-vilãos, que se encontrariam numa posição inferior. Segundo José Mattoso, há «uma certa tendência para designar cavaleiro-vilão pelo termo cabalarius, e o cavaleiro nobre pelo termo milites, mas o uso de um e de outro, só por si, não permite conclusões quanto à categoria social. A partir de meados do mesmo século [XII], quando se pretende distinguir o cavaleiro nobre do não nobre, utilizam-se qualificativos como bonus, melior, per naturam ou, pelo contrário, cives, vilanus, minor».18 Contudo, a fluidez e a polifonia de sentidos que estas designações sociais apresentam na documentação escrita sobrevivente deverão alertar-nos para a fragilidade da formulação contemporânea de conceitos e generalizações sobre a categorização social dos indivíduos, sobretudo em contexto urbano, onde, segundo o mesmo autor, se verifica não raras vezes uma «verdadeira osmose entre a nobreza e a cavalaria vilã».19 De qualquer forma, não podemos deixar de notar que no foral de Coruche existe um nítido cuidado na hierarquização dos homens em posse de armas, nobres ou não Tradução: «Que os peões sejam equiparados em juízo a cavaleiros‑vilãos de outra terra.»

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MATTOSO (1995), p. 117.

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MATTOSO (1995), p. 115. 18


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Tradução: «E que os clérigos tenham os costumes dos cavaleiros.»

Segundo afirma António Matos Reis, «Uma das características principais desta carta de foro, que faz dela um típico foral de terra de fronteira (...) é a leveza da carga fiscal imposta aos moradores»: REIS (2002), p. 155.

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Cf. MATTOSO (1989), p. 20 e REIS (2002), pp. 163-174. 19

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nobres, e na atribuição de privilégios aos quais originalmente não teriam direito, transparecendo aqui o papel fundamental que estes indivíduos deteriam numa sociedade e num território fortemente militarizados, como já vimos. Aliás, esta premente matriz guerreira verifica-se igualmente na atribuição aos clérigos dos costumes militares: «Clerici uero habeant mores militum.»20 Se a defesa do território de Coruche se cumpria, em grande medida, através da atribuição de privilégios aos grupos de homens armados, o seu povoamento e organização económica só se poderiam pôr em prática por meio de benesses do foro económico e fiscal, dadas aos habitantes da vila.21 Com efeito, o foral de Coruche estabelecia um conjunto restrito de agentes e actividades económicas sujeito ao pagamento de impostos, isentando mesmo de qualquer tributo fiscal lojas e oficinas, onde se desenvolvia comércio, e ainda moinhos e fornos: «Que as tendas, os moinhos e os fornos dos homens de Coruche fiquem livres de foro.» Segundo José Mattoso, tratava-se de um foral aliciante para os mercadores, precisamente pelo menor peso que a carga fiscal representava para as actividades comerciais, em oposição à quantidade e exigência dos tributos aplicados a semelhantes actividades nos forais saídos do modelo do tríplice foral de Coimbra, Santarém e Lisboa, de 1179, por exemplo.22 Em Coruche verificamos


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igualmente que o grupo dos mercadores se encontrava protegido, por exemplo, em casos de penhora sem justificação: «Na verdade, atestamos e confirmamos para a posteridade que quem penhorar mercadores ou almocreves cristãos, judeus ou mouros, salvo se for fiador ou devedor, pague sessenta soldos ao paço e duplique o gado que tomou ao seu dono; e pague ainda cem morabitinos pelo compromisso que quebrou; e que o rei tome metade e o concelho outra metade.» Por outro lado, as práticas agrícolas e a caça também não se encontravam taxadas, e os impostos sobre a pastorícia, tal como os relativos à portagem, apenas se aplicavam aos habitantes de outras vilas que se encontrassem em Coruche. Na verdade, somente os dividendos da guerra eram tributados de modo abrangente. Os montantes pecuniários ou os bens e géneros resultantes do exercício da fiscalidade reverteriam para o rei e para alguns agentes no concelho de Coruche, numa proporção variável: no caso dos impostos sobre as actividades militares, ao rei caberia um quinto do tributo («Relativamente às azarias e guardas, dai-nos a quinta parte sem qualquer oferta.»), mas, no que concerne às portagens cobradas, ao rei caberia dois terços da taxa e um terço reverteria para o hóspede do mercador na vila: «Esta é a portagem para os homens de fora da vila, um terço para o seu hóspede e duas partes para o rei.» O quadro fiscal saído do foral de Coruche era, por conseguinte, propício à fixação de população e ao desenvolvimento de actividades económicas na vila, de acordo com os principais objectivos visados pelo rei no momento de atribuição do foral à vila. 20


A carta de foral, enquanto documento jurídico com aplicação numa área geográfica delimitada e a seus habitantes, caracterizava-se, maioritariamente, por ser um documento fundacional que atribuía reconhecimento legal a comunidades de homens livres, criando leis e normas ou legalizando práticas e costumes desse grupo, em diversas áreas da sua existência, como os conflitos sociais e o exercício de poderes, a justiça, as actividades económicas e a relação com os habitantes de outras terras. Com a atribuição de cartas de foral estabeleciam-se as bases de um concelho, contudo sempre ao serviço dos interesses dos seus outorgantes.23 Se o foral de Coruche é, disto tudo, um bom exemplo, não podemos deixar de notar que as informações que este documento nos transmite sobre a administração municipal e os seus agentes são quase sempre lacunares e pouco precisas. Com efeito, a dinâmica concelhia coruchense poderá ser aqui percepcionada somente de modo aproximativo e genérico.24 Assim, sobre os três únicos oficiais de actuação concelhia referenciados – o juiz, o meirinho e o saião – sabemos muito pouco. Sobre o juiz reconhecemos-lhe o seu papel como principal decisor na aplicação do Direito e como representante do rei em qualquer litígio («Que o juiz seja vozeiro por todas as querelas do paço.»); sobre o meirinho apenas sabemos que, para desempenhar as suas funções, não deveria ser um gentil-homem ou herdador («Quem 23

Cf. COELHO (1996).

Como, de resto, já notara, por exemplo, CUNHA (1988); cf. CORREIA (2003).

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3. O foral e a criação da norma


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for gentil-homem ou herdador não seja meirinho.»); sobre o saião conhecemos a sua actividade como executor de sentenças judiciais e de penhoras, sendo a sua presença essencial sobretudo neste último caso («Aquele que não comparecer ao sinal do juiz e resistir às penhoras do saião pague um soldo ao juiz.»). Na verdade, todos os restantes oficiais municipais se encontravam ausentes deste foral, ao contrário do que sucedia noutros forais igualmente descendentes do modelo de Évora, nomeadamente o de Penamacor, nos quais estava presente, por exemplo, o alcaide.25 No entanto, a centralidade que é aqui conferida sobretudo ao papel do juiz e do saião compreende-se à luz da natureza das disposições normativas de que se compõe o próprio foral. De facto, é a esfera da justiça que ocupa a maior parte do texto deste foral, estabelecendo-se um conjunto de normas para, por um lado, redimir conflitos surgidos dos interesses pessoais e/ou económicos entre habitantes da vila, e entre estes e os de fora da vila, e, por outro lado, regular as obrigações e os deveres dos habitantes para com os agentes de poder municipal. O dispositivo do foral apresenta um elenco diversificado de delitos e as respectivas penas ou coimas a aplicar, na exacta proporção da sua gravidade, cabendo, com efeito, ao juiz e ao saião as funções essenciais de decisores e executores de justiça, respectivamente. Cf. CUNHA (1988), pp. 82-87. Uma das diferenças apontadas por António Matos Reis entre os forais do modelo de Évora e os forais saídos do tríplice foral de Coimbra, Santarém e Lisboa assenta precisamente na maior importância que é dada à instituição municipal nestes últimos por oposição à maior dependência régia pressentida no modelo eborense: cf. REIS (2002), p. 172.

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O conjunto de delitos referentes ao desrespeito pela vida e pela integridade física – quer por meio do homicídio quer por meio de rapto, de violação de mulheres e de agressões com consequências físicas incapacitantes – ocupa claramente o lugar cimeiro dos crimes mais graves e, em consequência, das penas mais avultadas. De menor gravidade são considerados o não cumprimento de algumas disposições concelhias, mesmo as que implicam o não cumprimento de obrigações militares, os crimes contra o lar (como o abandono ou a infidelidade) ou os furtos. No entanto, o desrespeito pela posse e usufruto das propriedades (nomeadamente entre habitantes da vila de Coruche e outros de outras vilas) e dos direitos adquiridos inerentes à prática de actividades económicas, como o comércio ou a pastorícia, constituem igualmente crimes que eram severamente punidos. As penas estabelecidas para cada delito eram maioritariamente pecuniárias e revertiam, numa proporção variável e de modo concomitante, para as vítimas ou lesados, para o concelho e para o rei (por exemplo: «Aquele que roubar pague nove por cada um e o que o prender tenha dois quinhões e o paço uma sétima parte.»; «A mulher que deixar o seu marido pague trezentos soldos e a sétima parte ao paço. E aquele que deixar a sua mulher pague um dinheiro ao juiz.»; «Quem ferir um olho ou partir um braço pague cem soldos ao lesado por cada membro e dê a sétima parte ao paço.»). A variação da gravidade das penas num mesmo tipo de delito poderia dever-se, pelo menos, a dois factores: por um lado, verifica-se que a posição social da vítima podia introduzir modificações na fórmula de indemnização


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a pagar, uma vez que, por exemplo, qualquer atentado contra a vida de um dependente daria direito a que o seu senhor também recebesse uma parte da indemnização pelo crime («Se alguém matar o condutário de outrem, que o seu amo receba como homicídio e dê a sétima parte ao paço. Que o mesmo se aplique em relação ao seu hortelão, ao rendeiro, ao moleiro e ao seu solarengo.»); por outro lado, é bem patente a distinção estabelecida entre os crimes que ocorriam no interior da vila, envolvendo os seus habitantes, e os crimes que tinham lugar fora da vila. Segundo o texto do foral, o local de reunião dos habitantes no concelho, o mercado e a igreja parecem constituir os lugares mais importantes da vila, onde qualquer delito aí ocorrido detinha uma maior gravidade («Aquele que ferir alguém no concelho, no mercado ou na igreja pague sessenta soldos, metade ao paço e metade ao concelho; e da metade do concelho, a sétima parte ao paço.»). Pelo contrário, a maioria dos crimes ocorridos fora da vila, envolvendo homens de outras terras, ou perpetrados em defesa da própria vila de Coruche contra os de fora (como no caso da defesa da integridade do montado ou dos bens da vila) não daria lugar a qualquer tipo de pena para os prevaricadores, mesmo nos casos tidos por mais graves, como o homicídio e a agressão física («Se um mancebo matar um homem fora da vila e fugir, que o seu amo não pague o homicídio.»). Desta circunstância específica ressalta, pois, uma ideia importante para a constituição do concelho de Coruche: trata-se da noção de fronteira que se parece querer estabelecer entre «os da nossa vila» e «os de fora da vila», não só do ponto de vista territorial, mas também 24


A expressão «de fora da vila», aplicada a um indivíduo, ocorre, no texto do foral, nas seguintes passagens: «Todo o homem de Coruche que encontrar homens de outras cidades nas suas terras partindo ou levando madeira do montado, tome tudo o que conseguir sem coima.»; «Quem vier como vozeiro contra o seu vizinho em defesa de um homem de fora da vila pague dez soldos e a sétima parte ao paço.»; «Se um mancebo matar um homem fora da vila e fugir, que o seu amo não pague o homicídio»; «Esta é a portagem para os homens de fora da vila, um terço para o seu hóspede e duas partes para o rei.» Por outro lado, a noção da propriedade e dos seus limites encontra-se igualmente presente: «Quem mudar a estrema de outrem na sua herdade pague cinco soldos e a sétima parte ao paço. Aquele que quebrar o marco alheio pague cinco soldos e a sétima parte ao paço.»

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Cf. COSTA (2011). 25

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do ponto de vista sociológico e jurídico.26 O território da vila de Coruche e os habitantes que nele habitam constituíam um corpo juridicamente diferenciado dos territórios e dos habitantes das restantes vilas. Um mesmo delito era tratado pela justiça de modo distinto, precisamente de acordo com o argumento de pertença ou não pertença à vila de Coruche. Provavelmente, o foral de Coruche e, em geral, todos os forais deste tipo constituem um dos primeiros indícios da construção teórica de uma identidade à escala local e concelhia, concebida e desejada do topo para a base (do rei, outorgante do foral, para os seus súbditos), alimentada no futuro, em moldes diferentes, da base para o topo.27 O quadro jurídico que definia os delitos cometidos dentro ou fora da vila alicerçava-se na comprovada existência de provas da prática de determinado crime, exigindo, para isso, um conjunto de evidências que, maioritariamente, correspondiam à obtenção da confissão dos criminosos, à abonação testemunhal dos factos pelos queixosos e, ainda, à inquirição de outras testemunhas. Genericamen-


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te, podemos afirmar que o foral de Coruche apresentava quer os cenários de delito mais comuns e/ou mais graves e as respectivas medidas de coerção quer o modo de instrução de cada processo. Apesar de predominante, a dimensão jurisdicional não é a única a estabelecer normas no interior do texto do foral. Na verdade, e de acordo com o acima exposto, a dimensão fiscal presente, por exemplo, na enunciação dos bens taxados na vila, era ela mesma reguladora das actividades económicas. Assim, sobretudo através das portagens cobradas aos mercadores de fora da vila, deparamo-nos com a forte dinâmica comercial da vila, onde circulam animais de pequeno porte, panos, couros, vinho, azeite, cera, mas igualmente mouros. Numa outra vertente, as medidas protectoras do montado e do seu usufruto indicam-nos claramente o papel da pastorícia e de todos os bens materiais que o campo poderia oferecer à vila.

4. A língua do foral Já vimos que, em termos de conteúdo, o foral de Coruche adopta as disposições jurídicas e normativas do foral de Évora, mas interessa-nos também verificar até que ponto a transmissão de conteúdos corresponde a uma transmissão da expressão linguística, isto é, de que modo o texto-base de Évora se mantém quando é transmitido e adaptado à realidade coruchense. Foi, para tal, feita uma comparação pormenorizada entre os dois textos e constatou-se que o texto de Coruche reproduz o texto de Évora modificando quase exclusiva26


Por exemplo, onde consta «uolumus restaurare atque populare Elboram» (foral de Évora) lê-se «uolumus restaurare atque populare Culuchi» (foral de Coruche).

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O «romance» corresponde a uma língua falada de base latina; assim, o vocabulário «romanceado» será o conjunto de termos que, derivando do latim, já estariam mais próximos do que viria a ser o português.

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EMILIANO (2003), p. 17, nota 3. 27

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mente os termos relativos à cidade alentejana, que substitui pelos vocábulos respeitantes a Coruche.28 Constata-se também que os documentos eborense e coruchense apresentam uma tendência para empregar vocabulário romanceado,29 que muitas vezes não é se não a simples latinização de palavras próprias da língua vulgar, fenómeno que é, de resto, característico desta época: «Uma análise superficial da documentação notarial e foral latino-portuguesa do século XII […] permite detectar secções profundamente romanceadas nesses textos para além das formas e estruturas ocasionais e recorrentes que evidenciam um processo de vernacularização da scripta latina até o século XIII […].»30 Um exemplo bem claro deste fenómeno diz respeito aos vocábulos relativos às profissões, como o «ortolano», o «quarteiro» ou o «molneiro» (hortelão, rendeiro e moleiro, respectivamente); a certos cargos, como o «sagione» ou «saione» (saião); ou ainda ao dinheiro, como o «solidum» (soldo), os «denarios» (denário) ou o «morabitinum» (morabitino). Como se pode verificar, estes vocábulos, próprios da gestão da vida corrente, de pessoas e bens, são utilizados como termos específicos para a descrição do quotidiano, por isso são quase sempre empregados em romance ou numa forma que funde o latim com o vernáculo, uma vez que o seu emprego na linguagem usada no dia-a-dia facilitaria a


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interpretação do texto e a sua forma latina ou não existia ou já não seria entendida. Esta coexistência, num mesmo documento, de vocábulos latinos e portugueses ou romanceados justifica-se por estarmos numa época em que o português já se encontrava constituído enquanto língua falada31 e em plena emergência enquanto língua escrita, já que os primeiros textos em português surgem no início do século XIII com a «Notícia de Torto» e o testamento de Afonso II. Aliás, D. Dinis decreta o uso do português como língua oficial pouco depois, o que significa que o português já era uma língua autónoma e com prestígio suficiente para constar nos documentos produzidos pela corte. As restantes diferenças existentes nos dois forais são relativas a ligeiras modificações da forma lexical original, nomeadamente alterações da grafia, do caso32 ou do número, ou seja, aspectos meramente gramaticais que, à época, pouca ou nenhuma influência tinham na interpretação do texto. Vejamos alguns exemplos: a forma verbal «outorget» surge como «autorguet» no foral de Coruche, não havendo qualquer dúvida de que se trata da mesma palavra escrita de duas maneiras distintas; a expressão «de tres homines» presente no foral de Évora encontraSegundo José Geraldes Freire, «é legítimo pensar que desde o século VIII a linguagem popular se distanciou bastante do latim» (FREIRE (1982), p. 22), ainda que os primeiros textos em português tenham surgido apenas no século XIII: a «Notícia de Torto», provavelmente de 1211, e o testamento de D. Afonso II, escrito em 1214. Sobre as diferenças entre o latim e o romance veja-se também EMILIANO (2003).

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Em latim as palavras terminam de forma diferente consoante a função sintáctica que desempenham na frase; a esta variação na terminação dá-se o nome de «caso». Hoje em dia algumas línguas mantêm esta característica, como o alemão ou o checo.

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se, no de Coruche, sob a forma «de tribus hominibus», correspondendo a primeira aos casos nominativo ou acusativo e a segunda ao ablativo; ou ainda «habeantur» (terceira pessoa do plural) e «habeatur» (terceira pessoa do singular) surgem no mesmo lugar no texto de Évora e Coruche, respectivamente, não alterando de forma relevante o seu sentido. Da comparação dos dois forais verifica-se ainda um outro fenómeno: o foral de Évora não só apresenta termos mais próximos do português do que o texto coruchense como também emprega os vocábulos latinos mais correctamente, respeitando as regras da gramática latina, mesmo quando tal não acontece no foral-base de Évora. Atentemos nos seguintes exemplos: a palavra marido, usada no foral de Évora, surge no foral de Coruche sob a forma maritum, que retoma a forma latina e o caso acusativo, correspondente à respectiva função de complemento directo; também a expressão pro cauallarios uillanos é substituída por pro caballariis uillanis no foral de Coruche, que recupera, por um lado, o termo mais próximo do latim caballariis e, por outro, emprega correctamente o caso ablativo pedido pela preposição pro, usada de forma menos correcta com o caso acusativo no foral de Évora; um último exemplo é o da expressão al quereloso do texto eborense, que é substituída por ad querelosum no de Coruche, restituindo, assim, a preposição latina ad e o caso acusativo que ela exige. A atitude observada no foral de Coruche demonstra, portanto, que há não só plena consciência das diferenças entre a língua latina e o português, mas também uma correcção intencional do texto que servia de modelo àquele


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que se estava a copiar, apesar de este procedimento nos parecer pouco habitual num período de florescimento do português, uma vez que contraria a já referida tendência de vulgarização do latim. Importa, por fim, questionar a razão pela qual estas diferenças ocorrem em documentos elaborados a partir de um mesmo texto, que, neste caso, é o foral de Évora. Uma hipótese será essas diferenças deverem-se ao facto de os textos terem sido produzidos em diferentes chancelarias e, consequentemente, sob a égide de diferentes chanceleres: na verdade, mestre Alberto foi o chanceler responsável pela produção do foral de Évora, enquanto Pedro Feijão era o chanceler do rei no período da redacção do documento de Coruche.33 No entanto, um estudo realizado sobre o léxico dos forais portugueses do modelo Ávila‑Évora34 demonstra que as diferenças existentes entre os vários documentos não dependem da chancelaria por eles responsável, uma vez que forais produzidos numa mesma chancelaria apresentam diferenças muito acentuadas entre si,35 mas antes do próprio escrivão, que introduziria as alterações à medida que fazia o traslado do foral original. Neste caso em particular sabe-se que o foral de Évora foi redigido por Gonçalo, diácono, mas desconhece-se o autor material do de Coruche. A ideia de que a responsaSobre os chanceleres deste período vejam-se as seguintes obras: Costa (1992), Ventura (1992) e Vilar (2005).

33

34

Cf. ROLDÃO e SERAFIM (2006), pp. 823-831.

Veja-se, por exemplo, o caso dos forais de Penamacor e Covilhã, ambos elaborados a partir do foral de Évora, que substituem frequentemente termos próprios do vernáculo por vocábulos latinos. O chanceler Julião Pais foi o responsável pela emissão destes dois forais, mas também de outros do mesmo modelo (como o de Palmela ou Montemor‑o‑Novo) que não apresentam esta característica.

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5. A sobrevivência documental do foral afonsino de Coruche: de 1182 ao século XXI Quando, na segunda metade do século XIX, Alexandre Herculano publicou uma transcrição do foral afonsino de Coruche na sua obra Portugaliae Monumenta Historica, informou logo de início os seus leitores dos testemunhos do foral que havia utilizado na preparação desta edição, tomando-os como os mais antigos testemunhos sobreviventes, através da seguinte nota: «Ex Lib. Foral. Antiquor. S. Crucis Conimbr. Decerpsimus. Lectiones varias addidimus ex Lib. Regestor. Alphonsi II.»37 36

PEREIRA (1974), p. 400.

Portugaliae Monumenta Historica. Leges et consuetudines, vol. 1, fasc. III, Lisboa, 1863, pp. 426-428.

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bilidade das alterações introduzidas nos forais copiados a partir do modelo de Évora se deve atribuir ao escrivão (que, como referimos, no caso do foral de Coruche é anónimo) é corroborada por Marcelino Pereira: «Também os forais de D. Sancho I apresentam uma redacção muito diferente da dos anteriores que nos impressiona, em alguns, pela correcção com que o escriba soube modificar a língua da fórmula modelo.»36 Uma outra hipótese é a existência de um outro testemunho do foral de Évora que teria as variantes presentes no foral de Coruche, copiadas, então, a partir desse outro modelo. Esta teoria parece-nos, no entanto, mais improvável, uma vez que as diferenças existentes entre estes dois textos, por um lado, não são substantivas, ou seja, são pouco relevantes, e, por outro, correspondem aos padrões das alterações que os copistas ou escrivães introduziam nos textos quando os copiavam.


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Fazendo fé nas palavras escritas por Alexandre Herculano, poderíamos pensar que os mais antigos testemunhos deste foral se encontrariam no referido Livro dos Forais Antigos de Santa Cruz de Coimbra e no Livro de Registo de Afonso II, ambos conservados à época no Arquivo Nacional, por esta mesma ordem de antiguidade e, por conseguinte, de maior proximidade ao original. No entanto, uma investigação levada a cabo, já no século XX, por Rui de Azevedo,38 e secundada por estudos mais recentes da autoria de Maria José Azevedo Santos39 e de Hermínia Vilar,40 provaram que o Livro de Registo de Afonso II, provavelmente elaborado entre 1217 e 1222, é um original a partir do qual, mais tarde, entre 1222 e 1223, se redigiria uma cópia que, de modo erróneo, veio a ser conhecida por Livro dos Forais Antigos de Santa Cruz de Coimbra, não se tratando se não de um Livro Novo. Esta precisão ou correcção à informação deixada por Alexandre Herculano permite-nos atentar em dois aspectos: por um lado, constatamos a existência de dois testemunhos do foral de Coruche, escritos em latim, sendo o mais antigo o testemunho incluído no Livro de Registo de Afonso II e o outro uma cópia deste; por outro lado, ressalvamos a necessidade de considerar que o conjunto de variantes de conteúdo lexical e/ou formais dadas em nota de rodapé por Alexandre Herculano correspondem às formas mais próximas do original do foral de Coruche, uma vez que dizem respeito ao Livro de Registo de Afonso II, contrapondo-se assim às soluções adoptadas no corpo 38

Cf. AZEVEDO (1967).

39

Cf. SANTOS (2000).

40

Cf. VILAR (2004). 32


41

Cf. ROLDÃO e SERAFIM (2006).

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VILAR (2004), p. 35. 33

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do texto, que correspondem, como já vimos, a uma cópia. Este último aspecto é particularmente relevante para uma análise linguística destes textos.41 Se a partir da obra de Alexandre Herculano podemos, assim, identificar estes dois testemunhos quase contemporâneos do foral de Coruche, a verdade é que, verificando o conteúdo do Livro de Registos de Afonso II, constatamos que estamos perante um códice elaborado para albergar confirmações de bens e direitos contidos em documentos avulsos que a chancelaria régia teria à sua disposição. As cartas de foral constituem o grupo mais representado neste livro de registo. Atentemos nas palavras de Hermínia Vilar sobre este ponto: «(...) um dos objectivos do registo poderá ter sido o de coligir as cartas apresentadas por senhores, concelhos e instituições para confirmação, cartas que teriam sido copiadas e transcritas nos diferentes cadernos identificados por Rui de Azevedo e que vieram a dar origem ao volume do registo. Muitos desses documentos, após serem confirmados, terão sido sujeitos a um processo de eliminação, razão pela qual muitas das doações e dos forais coligidos no registo apenas nos são conhecidos através do exemplar aí incluído e não de qualquer outro original anterior guardado nas instituições de origem ou na chancelaria régia».42 Este parece ter sido, com efeito, o caso do foral afonsino de Coruche. Levado à chancelaria régia, provavelmente pelas mãos de um oficial da vila, em torno de 1218, numa conjuntura de alguma reorganização do património escrito contendo os bens e os direitos do monarca, o testemunho do foral


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de Coruche terá sido confirmado e, logo depois, quase certamente destruído, por presumida perda da sua utilidade. No entanto, o testemunho confirmado no Livro de Registos de Afonso II não diz repeito ao foral outorgado por D. Afonso Henriques, em 1182, mas sim ao testemunho da primeira confirmação que obteve, em 1189, do seu sucessor, D. Sancho I. Isto significa que o testemunho mais antigo do foral afonsino de Coruche sobrevivente até hoje é a confirmação de 1189, tendo sido provavelmente este o exemplar que durante mais tempo pertenceu à vila e aos seus habitantes até à data da sua inclusão no Livro de Registos ducentista. O testemunho do foral de Coruche, elaborado ao tempo da confirmação dada por D. Afonso II, corresponde ao texto que terá servido de base à tradução quatrocentista do foral, de latim para vernáculo, incorporada num caderno em pergaminho, datável do ano de 1454.43 Este caderno, actualmente em muito mau estado de conservação, era já ilegível para a câmara de Coruche, no ano de 1684, como se afirma no prólogo do Tombo da Vila de Coruche, que então se compunha: «Dizem os officiaes da Camara da Villa de Curuche que no cartorio della estão os dous cadernos que offerecem escriptos em pergaminho e porque são muito antigos e de ruim letra e se não sabe o que conthem por sua antiguidade, por cuia 43 Museu Municipal de Coruche, Pergaminho com o Foral Afonsino de Coruche (1454), caderno 1, fls. 2 e 3. Desconhecemos se terão existido outras traduções em séculos anteriores. No entanto, a data de elaboração desta tradução parece coincidir, genericamente, com o momento em que terá sido produzida a primeira cópia da tradução que se conhece do foral de Évora, conservada nos livros da câmara da mesma cidade, igualmente em torno de meados do século XV – cf. CID (2009), pp. 52-54.

34


«(...) o qual treslado eu Andre Vaz de Araujo que sirvo de publico teballião de notas na Villa de Santarem e seus termos per provimento do corregedor da comarca tresladei bem e fielmente sem huam couza que duvida faca de outro que estava escripto em pergaminho com outras escrituras e papeis antigos que nos foi aprezentado pellos vereadores e mais officiais da camara da dicta villa de Curuche que hasinou hum delles de como ho tornou a reçeber com o qual este treslado consertei escrevi e asinei com outro official aqui asinado e ao proprio me reporto o que fiz em vertude do despacho dado ao pe da petição que vai no rosto deste livro pello juiz de fora desta villa o doutor Jorge Gomes Leitão com fee do que me asinei meu publico sinal que tal he hem Santarem aos vinte e dous dias do mes de Mayo de mil e seis centos outenta e quatro annos (...).»45

Com efeito, ressalta destas palavras que, a pedido do juiz de fora de Coruche, o tabelião André Vaz de Araújo terá redigido o traslado do foral da vila a 22 de Maio de Museu Municipal de Coruche, Tombo da Villa de Curuche (1684), fl. 1.

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Museu Municipal de Coruche, Tombo da Villa de Curuche (1684), fl. 15v.

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cauza esta muy deminuta em suas jurdiçõis e bems a dita Villa e seu concelho os querem reduzir a hum so livro de boa letra (...).»44 Por conseguinte, no ano de 1684, o Tombo da Vila de Coruche reproduzia em pública forma o testemunho em vernáculo do foral da vila, do século XV, pelas mãos do tabelião das notas de Santarém, André Vaz de Araújo, que nos indicava em anotação final os procedimentos tomados nessa iniciativa:


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1684 no Tombo da Vila, com base num testemunho antigo em pergaminho (indentificável com o texto do século XV) e ainda noutras «escrituras e papeis antigos», fornecidos ao tabelião pela câmara da vila, unicamente para esse fim. Apesar de desconhecermos quais terão sido as referidas escrituras adicionais usadas na redacção deste traslado, parece-nos que, no essencial, este testemunho do Tombo da Vila se trata de uma cópia autêntica do testemunho do século XV, sendo neste caso de presumir uma transmissão directa a partir desse testemunho quatrocentista. Esta tem sido, de resto, a opinião unânime de todos os investigadores que se têm dedicado ao estudo do foral de Coruche.46 Como já referimos, no século XIX a monumental obra de Alexandre Herculano traria à estampa a versão latina do foral de Coruche, cabendo à edição que agora se publica um contributo para o conhecimento deste texto, quer na sua versão original em latim quer sobretudo através da sua tradução para português moderno. Em pleno século XXI, a edição do foral afonsino de Coruche pretende, antes de mais, contribuir para a preservação do património escrito da vila, realçando o papel que a memória histórica pode e deve desempenhar no mundo contemporâneo.

46

Cf. sobretudo RIBEIRO (2009) e CORREIA (2003). 36




Critérios de transcrição Esta transcrição pretende aproximar-se o mais possível da escrita que consta no foral afonsino, por isso respeitámos a grafia original e mantivemos a oscilação gráfica, de acordo com o texto manuscrito, assim como não fizemos qualquer actualização quanto ao uso de maiúsculas e minúsculas; a pontuação também foi mantida conforme consta no original. Por uma questão de facilidade de leitura as abreviaturas foram desenvolvidas de acordo com a sua forma extensa mais frequente no texto, sem assinalar a forma restituída; o grafema <j> (“i” longo) foi reduzido a <i>. No entanto, os nomes próprios que se encontram abreviados com a respectiva inicial permanecem abreviados, com excepção para os casos em que nos foi possível identificar o nome a que correspondiam.

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II. Transcrição



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In nomine sancte et indiuidue trinitatis patris et filii et spiritus sancti. Amen. Ego rex alfonsus filius henrici. Comitis. et Regine. Tharasie. una cum filiis meis. Rege Sancio. et Regina Vrraca. et Regina Tharasia. uolumus restaurare atque populare Culuchi. que a sarracenis abstulimus. damus uobis forum et costume de elbora. tam presentibus quam futuris. ut duas partes dos caualeiros uadant in fossatum. Et tercia pars remaneat in Ciuitate. et una uice faciant fossadum in anno. Et qui non fuerit ad fossadum pectet pro foro v solidos pro fossadeira. Et pro homicidio pectet c solidos ad palatium. Et pro casa derrota. cum armis. scutis. et spadas. pectet ccc solidos et vii.a ad palatium. Et qui furtauerit. pectet pro uno nouem. et habeat intentor duos quiniones. et viiem partes ad palatium. Et qui mulierem afforciauerit et illa clamando dixerit quod ab illo quod afforciata. et ille negauerit det illa autorgamentum de tribus hominibus tales qualis ille fuerit. ille iuret cum xii. Et si non habuerit autorgamentum. iuret ipse solus. Et si non potuerit iurare. pectet ad illam ccc solidos et vii.a ad palatium. Et testimonia mentirosa. et fidele mentiroso. pectet lx solidos et vii.a ad palatium. et duplet el auer. Et qui in concilio aut in mercato uel in ecclesia feriuerit pectet lx solidos. medios ad palatium et medios ad concilium. et de medio de concilio vii.a ad palatium. Et homine gentile qui fuerit aut herdador quod non sedeat meirino. Et qui in uilla pignos afflando et fiador et ad montem fuerit et pendrar. duplet la pendra. et lx solidos


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et vii.a ad palatium. Et qui non fuerit ad sinal de iudice et pignos sacudiuerit ad saion. pectet i solidum ad iudicem. Et qui non fuerit ad apelidum caualeiros et peones exceptis hiis qui sunt in seruicio alieno. miles pectet x solidos. pedon v solidos ad uicinos. Et qui habuerit aldeiam et i iugum de bobus et xxxx oues et unum asinum et duos lectos comparet caballum. Et qui cebrantauerit sinal cum sua muliere. pectet i solidum ad iudicem. Et mulier que laxauerit suum maritum de benedictione. pectet ccc solidos et vii.a ad palatium. Et qui laxauerit mulierem suam pectet i denarium ad iudicem. Et qui caualgauerit caballum alienum pro die pectet i carneiro. Et si magis pectet las angueiras. pro uno die pectet vi denarios et pro nocte i solidum. Et qui feriuerit cum lancea aut de spada pro intrata pectet x solidos. et si trouciuerit ad alteram partem pectet xx solidos ad querelosum. Et qui crebantauerit occulum. aut brachium. aut unoquoque membro pectet c solidos ad Iisiadum. et ille det vii.a ad palatium. Qui mulierem alienam ante suum maritum feriuerit pectet xxx solidos et vii.a ad palatium. Qui moion alienum in suo ero mudauerit pectet v solidos et vii.a ad palatium. Qui limde alienum quebrantauerit. pectet v solidos et vii.a ad palatium. Qui conducteirum alienum mactauerit suus amo colligat homicidium. et det vii.a ad palatium. Similiter de suo ortolano. et de quarteiro. et de suo molneiro. et de suo solarengo. Qui habuerit uassalos in suo solar aut in sua hereditate. non seruiant ad alterum hominem de tota sua facienda nisi ad dominum de solar. Tendas et molinos et fornos de hominibus de Culuchi. sint liberi de foro. Milites de Culuchi sint in iudicio pro podestades et infanzones de Portugal. Clerici uero habeant mores militum. Pedones sint in iudicio pro cauallariis uillanis 42


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de altera terra. Qui uenerit uozeiro ad suum uicinum pro homine de foras uille. pectet x solidos et vii.a ad palatium. Ganatum de Culuchi non sit montadum in nulla terra. Et homo ad quem se anaffragauerit suus dextrarius quamuis habeat alium sit excusatus usque ad caput anni. Mancebo qui mactauerit hominem foras uille et fugerit. suus amus non pectet homicidium. Pro totis querelis de palacio. iudex sit uozeirus. Qui in uilla pignorauerit cum sagione et sacudiuerit ei pignos autorguet el saion. et prendat concilium de tribus collationibus. et pignoret pro lx solidos. mediis ad concilium. et mediis ad rancurosum. Barones de Culuchi non sint in prestimonium dati. Et si homines de Culuchi habuerint iudicium cum hominibus de alia terra. non currat inter illos firma. sed currat inter illos per squisia aut reptum. Et homines qui quesierint pausare cum suo ganato in terminis de Culuchi prendant de illis montadigo. De grege de ouibus iiiior carneiros. et de busto de uacas i uactam. Istud montadigum est de concilio. Et omnes milites qui fuerint in fossadum uel in guardia. omnes cauallos qui se perdiderint in algara uel in lide. primum erectetis eos sine quinta. et postea detis nobis quintam directam. Et totus homo de Culuchi qui inuenerit homines de aliis ciuitatibus in suis terris taliando aut leuando madeiram de monte. prendant totum quod inuenerint sine calumpnia. De azarias et de guardiis quintam partem nobis date sine ulla offrecione. Quicunque ganatum domesticum pignorare uel rapere fecerit pectet lx solidos ad palatium. et duplet ganatum suo domno. Testamur uero et perhenniter ffirmamus ut quicunque ganatum pignorauerit mercatores uel uiatores christianos. iudeos. siue mauros. nisi fuerit fideiussor uel debitor quicunque fecerit pectet lx solidos ad palatium. et duplet


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ganatum quod prendiderit ad suum domnum. et insuper pectet c morabitinos pro cauto quod fregit. et rex habeat medietatem et concilium medietatem. Siquis ad uestram uillam uenerit per uim cibos aut aliquas res accipere et ibi mortuus uel percussus fuerit. non pectent pro eo aliquam calumpniam. nec suorum parentum homicida habeatur. Et si cum querimonia de ipso ad Regem uel ad dominum terre uenerit. pectet c morabitinos medietatem Regi. et medietatem concilio. Mandamus et concedimus quod si aliquis fuerit latro. et si iam per unum annum uel duos furari uel rapere dimisit. si pro aliqua re repetitus fuerit quam comisit. saluet se. tanquam latro. Et si latro est et latro fuit. omnino pereat. et subeat penam latronis. Et si aliquis repetitur pro furto. et non est latro neque fuit. respondeat ad suos foros. Si aliquis homo filiam alienam rapere extra suam uoluntatem donet eam ad suos parentes. et pectet illis ccc morabitinos et vii.a ad palatium. et insuper sit homicida. De portagine forum de troxel de caualo. de pannis de lana uel de lana1 i solidum. De troxel de fustaes v solidos. De troxel de panno de color v solidos. De carrega de pescado i solidum. De carrega de asno vi denarios. De carrega de christianis de coniliis v solidos. De carrega de mauris de coniliis i morabitinum. Portagem de caualo quem uendiderint in azouge i solidum. De mula i solidum. De asino vi denarios. De carneiro iii mealias. De porco ii denarios. De foron ii denarios. De carrega de pane et de uino iii mealias. De carrega de peon i denarium. De mauro que uendiderint in mercado i solidum. De mauro qui se redemerit decimam. De mauro qui taliat cum suo domino decimam. De corio No original consta “lana”, mas deverá tratar-se de “lino”, de acordo com a tradição manuscrita do foral de Évora.

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Ego Sancius dei gratia Portugaliae Rex una cum uxore mea Regina domna Dulcia et filiis et filiabus meis vobis habitatoribus de Culuchi. presentibus et futuris. hanc cartam roboro et confirmo. In era m.a cc.a xx.a vii.a. Qui affuerunt. Comes domnus Menendus Maiordomus Curie. confirmauit. Alcaidus domnus M. suarii confirmauit. Magister domnus Gunsaluus qui castellum habet confirmauit. Magister domnus Gualdinus confirmauit. Egeas pelagii testis. Rodericus ege testis. Domnus Pelagius elborensis episcopus confirmauit. Domnus Suerius Vlixbonensis Episcopus. Domnus hermigius menendi confirmauit. Domnus petrus gomez confirmauit. Domnus Osoreus testis. Suarius suarii testis. Julianus notarius domini Regis. affuit. Ego Alfonsus II.us dei gratia Portugaliae Rex. una cum uxore mea Regina domna vrraca et filiis nostris Infantibus domno Sancio. et domno Alfonsus et domna Alionor. istam cartam suprascriptam quam auus meus Inclite memorie Rex domnus Alfonsus dedit uobis moratoribus de Culuchi. et pater meus Rex domnus Sancius confirmauit. concedo ego uobis et confirmo per hoc presens scriptum. Et ut hec mea concessio et confirmatio in perpetuum firmum robur optineant. 45

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de uaca aut de zeura ii denarios. De corio de ceruo. et de gamo iii mealias. De carrega de cera v solidos. De carrega de azeite v solidos. Istud portagen est de hominibus foras uille. tercia de suo hospite. et duas partes de Rege. Ego Rex Alfonsus una cum filio meo Rege Sancio hanc cartam confirmauimus et roborauimus. Quisquis hanc cartam irrumpere uoluerit. sit maledictus et excommunicatus. Amen. Facta karta vii.o kalendas iunii. Sub era m.a cc.a xx.a


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precepi fieri istam cartam. et eam feci meo plumbeo sigillo communiri. que fuit facta apud Sanctaren iiii.a kalendas Februarii. in. era M.a cc.a l.a vi.a. Nos supranominati qui hanc cartam fieri precepimus. coram subscriptis eam roborauimus. et in ea hec signa fecimus +++++. Qui affuerunt. Domnus Martinus iohannis signifer domini Regis. Domnus Petrus iohannis Maiordomus curie. Domnus L. suarii confirmauit. Domnus Gil ualasquiz confirmauit. Domnus Gomecius suarii confirmauit. Domnus J. Fernandiz. Domnus F. Fernandiz. Domnus Rodericus menendiz. Domnus Poncius alfonsi. Domnus Lopus alfonsi. Vincentius menendiz. Martinus petrii. Johanninus. Domnus Stephanus Bracharensis Archiepiscopus. Domnus Martinus Portugalensis episcopus confirmauit. Domnus Petrus Colimbriensis episcopus confirmauit. Domnus Suerius ulixbonensis episcopus confirmauit. Domnus Suerius elborensis episcopus confirmauit. Domnus Pelagius Lamacensis episcopus confirmauit. Domnus bartolomeus visensis episcopus confirmauit. Domnus Martinus Egitaniensis episcopus confirmauit. Magister Pelagius Cantor Portugalensis testis. P. garsie. testis. Petrus petri. testis. Johannes petriz testis. Gunsaluus menendi Cancellarius curie. Fernandus suarii scripsit.

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Nota à tradução Na tradução do foral de Coruche procurámos utilizar uma linguagem actualizada, quer ao nível da sintaxe quer ao nível do léxico, respeitando a solenidade própria de um documento como este. Contudo, nos vocábulos latinos sem correspondência directa em português actual, como alguns respeitantes a direitos, delitos ou grupos sociais, optámos por empregar o léxico consagrado na historiografia que se dedica ao estudo sobre forais, nomeadamente a obra de José Mattoso, António Matos Reis e Maria Cristina Cunha. Este léxico encontra-se assinalado com asterisco (*), sendo a sua explicação fornecida no glossário em anexo.

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III. Tradução



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Em nome da santíssima Trindade, una e indivisível, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ámen. Eu, el-rei D. Afonso, filho do conde D. Henrique e da rainha Dona Teresa, juntamente com os meus filhos, el-rei D. Sancho, rainha Dona Urraca e rainha Dona Teresa, queremos restaurar e povoar Coruche, que tomámos aos Sarracenos*. Damo-vos, a vós, presentes e futuros, o foro e costume de Évora. Que duas partes dos cavaleiros vão ao fossado* e que a terça parte permaneça na cidade; e que façam fossado uma vez por ano. E quem não for ao fossado pague cinco soldos* por foro e fossadeira*. Por homicídio, pague cem soldos ao paço*. Por forçar a entrada numa casa com armas, escudos e espadas, pague trezentos soldos e a sétima parte ao paço. Aquele que roubar pague nove por cada um e o que o prender tenha dois quinhões e o paço uma sétima parte. Se alguém violar uma mulher e ela disser, gritando, que foi violada por aquele indivíduo e este negar, ela que apresente como testemunhas três homens do mesmo nível que ele; que este jure com doze homens e, se ela não apresentar testemunhas, ele que jure sozinho; se não puder jurar, pague-lhe (a ela) trezentos soldos e a sétima parte ao paço. No caso de testemunha mentirosa ou de fiel mentiroso, pague sessenta soldos e a sétima parte ao paço, e duplique o valor. Aquele que ferir alguém no concelho*, no mercado ou na igreja pague sessenta soldos, metade ao paço e metade ao concelho; e da meta-


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de do concelho, a sétima parte ao paço. Quem for gentilhomem* ou herdador* não seja meirinho*. Se alguém vier com uma penhora e o fiador for penhorar ao monte, que a fiança duplique e pague sessenta soldos e a sétima parte ao paço. Aquele que não comparecer ao sinal do juiz e resistir às penhoras do saião* pague um soldo ao juiz. E que os cavaleiros e peões* que não forem ao apelido*, excepto os que estiverem num outro serviço, paguem aos vizinhos*: o cavaleiro dez soldos e o peão cinco soldos. Quem tiver uma aldeia*, um jugo de bois, quarenta ovelhas, um asno e dois leitos, compre um cavalo. Aquele que for infiel à sua mulher pague um soldo ao juiz. A mulher que deixar o seu marido pague trezentos soldos e a sétima parte ao paço. E aquele que deixar a sua mulher pague um dinheiro* ao juiz. Quem montar um cavalo alheio pague um carneiro por dia. E, se for durante mais tempo, pague o aluguer do cavalo: por um dia pague seis dinheiros e por noite um soldo. Aquele que ferir com lança ou com espada sem trespassar pague dez soldos; se trespassar, pague vinte soldos ao queixoso. Quem ferir um olho ou partir um braço pague cem soldos ao lesado por cada membro e dê a sétima parte ao paço. Quem ferir a mulher alheia na frente do seu marido pague trezentos soldos e a sétima parte ao paço. Quem mudar a estrema de outrem na sua herdade pague cinco soldos e a sétima parte ao paço. Aquele que quebrar o marco alheio pague cinco soldos e a sétima parte ao paço. Se alguém matar o condutário* de outrem, que o seu amo receba como homicídio e dê a sétima parte ao paço. Que o mesmo se aplique em relação ao seu hortelão*, ao rendeiro*, ao moleiro* e ao seu solarengo*. Se alguém tiver vassalos no seu solar e na sua herdade, que estes não sirvam outro homem em toda a 50


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sua fazenda* senão ao senhor do solar. Que as tendas, os moinhos e os fornos dos homens de Coruche fiquem livres de foro. Que os cavaleiros de Coruche sejam equiparados em juízo a podestades* e infanções* de Portugal. E que os clérigos tenham os costumes dos cavaleiros. Que os peões sejam equiparados em juízo a cavaleiros-vilãos* de outra terra. Quem vier como vozeiro* contra o seu vizinho em defesa de um homem de fora da vila pague dez soldos e a sétima parte ao paço. Que o gado de Coruche não seja montado em nenhuma outra terra. Que o homem que perder o seu cavalo seja escusado até ao prazo de um ano, desde que tenha outro. Se um mancebo matar um homem fora da vila e fugir, que o seu amo não pague o homicídio. Que o juiz seja vozeiro por todas as querelas do paço. Quem fizer uma penhora na vila com o saião e lhe tirar essa penhora, que o saião o consinta e que o concelho tome três porções e faça uma penhora de sessenta soldos, metade para o concelho e metade para o queixoso. Que os barões* de Coruche não sejam sujeitos a prestimónio*. Se os homens de Coruche estiverem em litígio com homens de outra terra, que não haja lugar a declarações entre eles, mas que recorram à inquirição de testemunhas ou ao duelo. Os homens que quiserem estar com o seu gado nos termos de Coruche paguem montádigo* sobre eles: sobre um rebanho de ovelhas, quatro carneiros, e sobre uma manada de vacas, uma vaca. Este montádigo é do concelho. Quanto a todos os cavaleiros que forem ao fossado ou em guarda, todos os cavalos que se perderem na algara* ou na lide, primeiro retirai-os sem a quinta parte e depois dai-nos directamente essa quinta parte. Todo o homem de Coruche que encontrar homens de outras cidades nas suas terras partindo ou levando madeira do


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montado, tome tudo o que conseguir sem coima. Relativamente às azarias* e guardas, dai-nos a quinta parte sem qualquer oferta. Qualquer pessoa que mandar penhorar ou roubar gado doméstico pague sessenta soldos ao paço e duplique o gado ao seu dono. Na verdade, atestamos e confirmamos para a posteridade que quem penhorar mercadores ou almocreves cristãos, judeus ou mouros, salvo se for fiador ou devedor, pague sessenta soldos ao paço e duplique o gado que tomou ao seu dono; e pague ainda cem morabitinos* pelo compromisso que quebrou; e que o rei tome metade e o concelho outra metade. Se alguém vier à vossa vila arrebatar alimentos pela força e tomar algumas coisas e for morto ou ferido aí, que ninguém pague por ele qualquer coima nem seja considerado homicida dos seus parentes. E se vier com queixa disso ao rei ou ao senhor da terra, pague cem morabitinos, metade para o rei e metade para o concelho. Mandamos e concedemos que, se alguém for ladrão e já tiver deixado de furtar ou roubar há um ou dois anos, se for acusado de algum acto que cometeu, defenda-se como ladrão. E se é ladrão e foi ladrão, que se considere totalmente perdido e se sujeite à pena de ladrão. E se alguém for acusado de furto e não é nem foi ladrão, responda a seus foros. Se algum homem tomar a filha de outrem contra a sua vontade, que a devolva aos seus pais e pague-lhes trezentos morabitinos e a sétima parte ao paço, e seja ainda considerado homicida. Quanto à portagem, o foro de trouxa de panos de lã ou de linho em cavalo é um soldo. A trouxa de fustões, cinco soldos. A trouxa de pano de cor, cinco soldos. A carga de pescado, um soldo. A carga de asno, seis dinheiros. A carga de coelhos por cristãos, cinco soldos. A carga de coelhos por mouros, um morabitino. A portagem de um 52


Eu, D. Sancho, pela graça de Deus, rei de Portugal, juntamente com a minha esposa, rainha Dona Dulce, e meus filhos e filhas, confirmo e roboro esta carta a vós, presentes e futuros habitantes de Coruche. Na era de 1227. Estiverem presentes: conde D. Mendo, mordomo da Cúria, confirma; alcaide D. M. Soares confirma; mestre D. Gonçalo que tem o castelo confirma; mestre D. Gualdino confirma; Egas Pais, testemunha; Rodrigo Egas, testemunha; D. Paio, Bispo de Évora confirma; D. Soeiro, Bispo de Lisboa, confirma; D. Hermígio Mendes confirma; D. Pedro Gomes confirma; D. Osório, testemunha; Soeiro Soares, testemunha; Julião, notário do senhor rei, esteve presente.

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cavalo para quem o vender no mercado, um soldo. Uma mula, um soldo. Um asno, seis dinheiros. Um carneiro, três mealhas*. Um porco, dois dinheiros. Um furão, dois dinheiros. A carga de pão e de vinho, três mealhas. A carga de peões, um dinheiro. O mouro que venderem no mercado, um soldo. O mouro que se libertar, a décima. O mouro que estabelecer um acordo com o seu senhor, a décima. O couro de vaca ou de zebro, dois dinheiros. O couro de cervo e de gamo, três mealhas. A carga de cera, cinco soldos. A carga de azeite, cinco soldos. Esta é a portagem para os homens de fora da vila, um terço para o seu hóspede* e duas partes para o rei. Eu, el-rei D. Afonso, juntamente com o meu filho, el-rei D. Sancho, confirmamos e roboramos esta carta. Aquele que destruir esta carta, seja maldito e excomungado. Ámen. Carta feita no sétimo dia das calendas de Junho na era de 1220.


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Eu, D. Afonso II, pela graça de Deus, rei de Portugal, juntamente com a minha esposa, rainha dona Urraca, e nossos filhos, os infantes D. Sancho, D. Afonso e Dona Leonor, concedo-vos e confirmo, por este presente escrito, esta carta sobreescrita que el-rei D. Afonso, meu avô, de ínclita memória, vos deu, a vós, moradores de Coruche, e que el-rei D. Sancho, meu pai, confirmou. E para que esta minha concessão e confirmação tenham uma perpétua firmidão, mandei fazer esta carta e mandei validá-la com o meu selo de chumbo. Esta carta foi feita em Santarém, no quarto dia das calendas de Fevereiro na era de 1256. Nós, acima referidos, que mandámos fazer esta carta, roboramo-la e nela fazemos este sinal +++++ Estiveram presentes: D. Martim Eanes, alferes do senhor rei; D. Pedro Eanes, mordomo da Cúria; D. L. Soares confirma; D. Gil Vasques confirma; D. Gomes Soares confirma; D. J. Fernandes; D. F. Fernandes; D. Rodrigo Mendes; D. Pôncio Afonso; D. Lopo Afonso; Vicente Mendes; Martim Peres; Joanino; D. Estêvão, arcebispo de Braga; D. Martim, bispo do Porto, confirma; D. Pedro, bispo de Coimbra, confirma; D. Soeiro, bispo de Lisboa, confirma; D. Soeiro, bispo de Évora, confirma; D. Paio, bispo de Lamego, confirma; D. Bartolomeu, bispo de Viseu, confirma; D. Martim, bispo da Guarda, confirma; mestre Paio, chantre do Porto, testemunha; P. Garcia, testemunha; Pedro Peres, testemunha; João Peres, testemunha; Gonçalo Mendes, canceler da Cúria; Fernando Soares escreveu.

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Este glossário foi elaborado com vista a esclarecer o significado de palavras que não têm correspondência em português moderno, uma vez que caíram em desuso ou desapareceram do vocabulário corrente, e ainda palavras cujo significado actual é diferente do que teriam à época de redacção do foral de Coruche. Ressalvamos que as definições fornecidas neste glossário atendem ao uso das palavras em causa nesta carta de foral, datada dos finais do século XII, sendo possível que algumas delas alcancem significados distintos ou aproximados noutros documentos medievais e, sobretudo, noutras cronologias. Aldeia: Propriedade agrícola. Algara: Incursão militar feita em terra inimiga. Apelido: Chamamento ao cumprimento de uma obrigação de natureza militar, mobilizando os homens de um concelho. Azaria: Equivalente a algara. Barões: Equivalente a ricos-homens e infanções. Cavaleiro-vilão: Homem livre, habitante de um concelho, que dispunha de bens e de cavalo, o que lhe permitia prestar serviço militar.

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Glossário


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Concelho: Local de reunião dos vizinhos e/ou homens‑bons (habitantes de uma cidade ou vila com importância na sociedade local) que, em assembleia, tomavam decisões sobre a vida municipal; forma de administração de um território, normalmente uma cidade, o seu território e os seus habitantes. Condutário: Dependente e assalariado de um senhor, com trabalho sazonal. Dinheiros: Moeda de cobre ou moeda de bolhão equivalente a 1/12 soldo. Fazenda: Equivalente a propriedade. Fossadeira: Imposto que recaía sobre aqueles que tinham obrigação de ir ao fossado. Fossado: Incursão militar, geralmente com elementos a cavalo, em território inimigo. Gentil-homem: Equivalente a herdador. Herdador: Indivíduo que usufrui de uma herança. Hortelão: Indivíduo, dependente de um senhor, que tem a seu cargo uma horta. Hóspede: Aquele que acolhe um forasteiro. Infanção: Nobre por nascimento, de uma estirpe inferior ao rico-homem. Mealha: Moeda de cobre ou moeda de bolhão equivalente a meio dinheiro. Meirinho: Oficial de nomeação régia, exercendo funções no âmbito judicial, responsável pela execução das cobranças de impostos e coimas, assim como das diligências ordenadas pelos magistrados. Moleiro: Indivíduo, dependente de um senhor, que tem a seu cargo um moinho. 58


Morabitino: Moeda de ouro usada na Península Ibérica pelos almorávidas, almôdas e pelos reis de Castela e Leão e de Portugal até finais do século XII. Paço: Equivalente a palácio ou rei. Peão: Indivíduo, morador e trabalhador na vila ou cidade, que não possui cavalos. Podestade: Equivalente a rico-homem, que deverá ser um indivíduo nobre com reconhecida autoridade sobre uma terra. Prestimónio: Equivalente a um tributo sobre bens próprios. Rendeiro: Indivíduo que recebia uma renda. Rico-homem: Indivíduo nobre com reconhecida autoridade sobre uma terra. Saião: Oficial de nomeação régia, exercendo funções no âmbito judicial e fiscal, responsável pela execução de decisões judiciais, nomeadamente pela aplicação de penas e execução de penhoras. Sarracenos: Equivalente a muçulmanos ou mouros. Solarengo: Indivíduo, dependente de um senhor, que tem a seu cargo um solar. Soldo: Moeda de cobre e estanho ou moeda de conta equivalente a 12 dinheiros. Vizinho: Homem livre, habitante de um concelho, que trabalhava na cidade e que nela poderia ser proprietário; participava nas actividades do concelho e podia integrar as suas assembleias. Vozeiro: Procurador do rei. 59

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Montádigo: Imposto cobrado para que os gados pudessem pastar em montes pertencentes a concelhos ou a senhorios.



I. Fontes 1. Fontes manuscritas Museu Municipal de Coruche, Pergaminho com o Foral Afonsino de Coruche, caderno 1, 1454, fls. 2 e 3. Museu Municipal de Coruche, Tombo da Villa de Curuche, 1684, fls. 13 a 15v. DGARQ (antiga IAN/TT), Núcleo Antigo, n.º 479 e 480.

2. Fontes impressas Portugaliae Monumenta Historica. Leges et consuetudines, vol. 1, fasc. III, Lisboa, 1863, pp. 426-428.

II. Estudos AZEVEDO, Rui de – «O livro de registo da chancelaria de Afonso II de Portugal (1217-1221)», Anuário de Estudios Medievales, Barcelona, n.º 4, 1967, pp. 35-74. CAETANO, Marcello – Os Forais de Évora. Separata de Boletim Cultural da Junta Distrital de Évora, n.º 8, 1967. CID, Isabel – O Foral de Évora: Estudo diplomático, codicológico e Paleográfico. Subsídios para uma Arqueologia da Cultura escrita em Portugal no tempo de Dom Manuel I. Tese de doutoramento apresentada à Universidade de Évora, Évora, vol. 1. Exemplar policopiado, 2009. 61

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Bibliografia


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COELHO, Maria Helena da Cruz – «Concelhos», Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à Crise do século XIV, vol. 3 de Nova História de Portugal (dir. de Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques), Lisboa, Editorial Presença, 1996, pp. 554-584. CORREIA, Fernando Branco – «Coruche medieval: do final do Império Romano ao crepúsculo da Idade Média», O homem e o trabalho. A magia da mão. Catálogo da exposição (coord. de Cristina Calais), Coruche, Câmara Municipal de Coruche, 2003, pp. 71-89. COSTA, Adelaide Millán da – «En busca de la identidad de las villas medievales portuguesas. El ejemplo de Coruche», La ciudad ante su identidad (coord. de José Antonio Jara Fuente), Universidad de Cuenca (no prelo), 2011. Costa, Avelino Jesus da – «La Chancellerie royale portugaise jusqu’au milieu du XIIIe siècle», Estudos de Cronologia, Diplomática, Paleografia e Histórico-Linguísticos, Porto, Sociedade Portuguesa de Estudos Medievais, 1992, pp. 137-166. COSTA, Mário Júlio de Almeida – «Forais», Dicionário de História de Portugal, vol. II, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1965, pp. 279-281. CUNHA, Maria Cristina – «Forais que tiveram por modelo o de Évora de 1166», Revista da Faculdade de Letras – História, Porto, II série, vol. V, 1988, pp. 69-94. CUNHA, Maria Cristina – «A Ordem de Avis e a monarquia portuguesa até ao final do reinado de D. Dinis», Revista da Faculdade de Letras – História, Porto, II série, vol. XII, 1995, pp. 113-123. EMILIANO, António Henrique – Latim e Romance na Segunda Metade do século XI, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. FERNANDES, Hermenegildo – «Quando o Além-Tejo era “fronteira”: Coruche da militarização à territorialização», As Or62


FREIRE, José Geraldes – «O latim medieval e o português protohistórico em dez documentos de Guimarães do séc. IX ao séc. XIII», Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua colegiada, Guimarães, 1982, pp. 21-48. MARQUES, José – «Povoamento e defesa na estruturação do Estado Medieval Português», Revista de História, Porto, n.º 8, 1988, pp. 9-34. MATTOSO, José – «Coruche na Idade Média», Boletim Cultural. Assembleia distrital de Santarém, Santarém, 1989, pp. 1321. MATTOSO, José – Identificação de um país. Ensaio sobre as origens de Portugal, 1096-1325, 5.ª edição, vol. 1, Lisboa, Editorial Estampa, 1995 (1.ª edição 1985). PEREIRA, Marcelino – «O Latim da Chancelaria de D. Sancho I», Revista Portuguesa de História, 14, 1974, pp. 399-414. REIS, António Matos – Origens dos Municípios Portugueses, 2.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, 2002. RIBEIRO, Margarida – Estudo Histórico de Coruche, Coruche, Museu Municipal de Coruche, 2009 (1.ª ed. 1959). ROLDÃO, Filipa; e SERAFIM, Joana – «Modelo e variantes: o léxico dos forais portugueses do modelo Ávila-Évora (séculos XII e XIII)», IV Congresso Internacional de Latim Medieval Hispânico, Lisboa, Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, 2006, pp. 823-831. SANTOS, Maria José Azevedo – «A chancelaria de D. Afonso II (1211-1223). Teorias e práticas», Ler e compreender a escrita na Idade Média, Coimbra, Edições Colibri, 2000, pp. 11-57. 63

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Ventura, Leontina – A nobreza de Corte de D. Afonso III, 2 vols. Dissertação de doutoramento apresentada à Faculdade de Letras de Coimbra, Coimbra (exemplar policopiado), 1992. VILAR, Hermínia Vasconcelos – As dimensões de um poder. A diocese de Évora na Idade Média, Lisboa, Editorial Estampa, 1999. VILAR, Hermínia Vasconcelos – «Do Arquivo ao Registo. O percurso de uma memória no reinado de Afonso II», Penélope, n.º 30/31, 2004, pp. 19-50. VILAR, Hermínia Vasconcelos – D. Afonso II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005.

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Índice

Introdução

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I. Estudo Histórico do Foral Afonsino de Coruche

11

1. Coruche e a “militarização do espaço”

11

2. A reconstrução de Coruche a partir do modelo de Évora

14

3. O foral e a criação da norma

21

4. A língua do foral

26

5. A sobrevivência documental do foral afonsino de Coruche: de 1182 ao século XXI

31

II. Transcrição

39

III. Tradução

47

Glossário

57

Bibliografia

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