SE ENFIASSE OS PÉS NA TERRA
RELAÇÕES ENTRE HUMANOS E PLANTAS
PROGRAMA PÚBLICO 2022
MUSEU PARANAENSE
Ministério da Cultura e Museu Paranaense apresentam
Programa Público Janeiro — Maio 2022
PROGRAMA PÚBLICO 2022
MUSEU PARANAENSE
Ministério da Cultura e Museu Paranaense apresentam
Programa Público Janeiro — Maio 2022
MAHKU, Santídio Pereira, Alex Červený, Karen Shiratori, Marie Perennès, Vincent Zonca
Agroecologia: entre práticas e vivências
Agroecology: between practices and experiences
Alene de Godoy, SENAR-PR com Homero Cidade
Plantas, cuidado e cura: práticas das benzedeiras do Paraná
Plants, care and cure: practices of healers from Paraná
Dona Agda, Dona Evinha, Aparecida Camargo, Gilson Anastácio, Taisa Lewitzki, Zé Muniz
Mandioca: perspectivas atlânticas
Cassava: Atlantic perspectives
Jaime Rodrigues
Nessa terra, em se plantando, tudo dá: diálogos sobre arte, natureza e colonização
In this land, when planted, everything grows: dialogues on art, nature and colonization
Jaime Lauriano, Fernanda Pitta
Plantas alimentares africanas no mundo atlântico
African food plants in the Atlantic world
Judith Carney
Plantas de poder nas tradições e saberes ancestrais
Noemi Jaffe, Julie Fank Março
Plants of power in ancestral traditions and knowledge
Dalzira Maria Aparecida (Iya Gunã), Karoliny Martins, Juliana Rodrigues
LINNAEUS e Pau-Brasil
Marcelo Moscheta
POLVO
Bia Figueiredo
Central do Abacaxi
Amanda Kosinski, Camila Frankiv
Vegetal que vira música: a caxeta e os instrumentos caiçaras
Plant that turns into music: the ‘caxeta’ and Caiçara instruments
Aorelio Domingues
Simbioses: arte, ecologias e políticas na paisagem cidade-floresta; Ponto Final, Ponto Seguido
Symbioses: art, ecologies, and politics in the city-forest landscape; Ponto Final, Ponto Seguido
Uýra, Keila Sankofa
Letras em fotossíntese
Letters in photosynthesis
Formulário Médico jesuíta: o documento histórico em debate
Jesuit Medical Form: the historical document in debate
Maria Claudia Santiago, Heloisa Meireles Gesteira
Oficinas de xilogravura & Flora — Oficina livre de carimbos
Woodcut printing workshops & Flora — Free Stamp Workshop
Luiz Lira, Ramon Santos
Plantas, paisagens e conservação da vida promovidas pelos povos indígenas
Plants, landscapes and conservation of life promoted by indigenous peoples
Eduardo Góes Neves, Sirlei Garigtánh Fernandes, Ariane Saldanha de Oliveira
Arquitetura de terra:
Taipa de pilão Earth architecture: Rammed earth construction
Fernando Minto
Mandioca: agrobiodiversidade na Amazônia e vivências caiçaras
Cassava: agrobiodiversity in Amazon and Caiçara experiences
Laure Emperaire, Angelino Hermes Cogrossi (Gelico)
Filme Paisagem:
um olhar sobre Roberto Burle Marx
João Vargas Penna, Paulo Chiesa
Feira de sementes quilombolas Quilombola seed-fair
Lucinéia da Rosa Pereira, Benedito Florindo de Freitas Júnior (Ditinho)
Jenipapo, pintura corporal e grafismos Mebegokre-Kayapó
Jenipapo, body painting and Mebegokre-Kayapó Designs
Beprere Kayapó, Kokodjy Kayapó, Mrynhô re Kayapó, Bekwynhtokti Kayapó, Mrodjanh Kayapó, Moxare Kayapó, Daniel Tiberio Luz
Jardim Noturno Night Garden Laboratório Siameses
Escrevo este texto na mesma semana em que a mais nova definição de "museu" acaba de ser aprovada pelo Conselho Internacional dos Museus (ICOM). Segundo a definição, "um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conversa, interpreta e expõe o patrimônio material e imaterial". O conceito afirma ainda que os museus, abertos ao público, acessíveis e inclusivos, fomentam a diversidade e a sustentabilidade; com a participação das comunidades, proporcionam experiências diversas para educação, fruição, reflexão e partilha de conhecimento.
Ao me deparar com essa nova e importante definição, emocionei-me ao pensar que as instituições museológicas do Estado do Paraná, equipamentos fundamentais da Cultura, cumprem com excelência — e de maneira muito afetiva — todos esses requisitos.
O Museu Paranaense, nosso querido MUPA, é forte exemplo do papel social de um museu, levando muito a sério a missão de promover diálogo, reflexão crítica, troca de aprendizados entre as mais diversas vivências e sabedorias — do saber popular à ciência, da poética visual ao pensamento acadêmico, da floresta à cidade. O ambicioso Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”, realizado no MUPA de janeiro a maio de 2022, é a síntese dessa bela missão. Reafirmando a importância da cultura imaterial, dos saberes ancestrais e da potência do Museu como espaço de relações, os cinco meses de programação mobilizaram milhares de pessoas de Curitiba, do Paraná, do Brasil e até mesmo do exterior, com apoio do Instituto Francês. Foram cinco intensos meses. Entre visitantes de todas as idades, classes, gêneros, raças e credos, artistas, pesquisadores e convidados, pensamos e aprendemos juntos em meio a uma jornada de saberes ancestrais, científicos e artísticos que marcam o tecido dos vínculos entre seres humanos e seres vegetais, tema mais do que pertinente para a contemporaneidade e, claro, para o futuro.
Muito bonito notar também como a abertura ativa e afetiva do MUPA junto aos seus interlocutores trouxe, em consequência, novíssimos rostos circulando e vivendo o espaço museológico. Um trabalho efetivo de formação de público. O Programa Público provocou, a partir de grande esforço da equipe técnica e da direção do Museu Paranaense, um impacto intelectual, emocional e cultural transformador não apenas em escala pessoal, mas dentro de uma vibração cultural mais ampla, como você pode ter sentido, se participou de alguma das dezenas de ações, ou seguramente irá perceber ao longo das páginas desta publicação.
LUCIANA CASAGRANDE PEREIRA Secretária Estadual de Cultura
I am writing this text the same week that the newest definition of "museum" has just been approved by the International Council of Museums (ICOM). According to their definition, "a museum is a not-for-profit, permanent institution in the service of society that researches, collects, conserves, interprets and exhibits tangible and intangible heritage". The concept further states that museums, open to the public, accessible and inclusive, foster diversity and sustainability; with the participation of communities, they provide diverse experiences for education, enjoyment, reflection and the sharing of knowledge.
Facing this new and significant definition, I was moved to think that the museological institutions of the State of Paraná, fundamental cultural assets, excel in a very affectionate manner in fulfilling all these requirements. Museu Paranaense, our beloved MUPA, is a robust example of a museum that fulfills its social role, its devotedly-assumed mission of promoting dialogue, critical reflection, and the exchange of knowledge coming from diverse experiences and wisdoms: from popular knowledge to science, from visual poetics to academic thought, from the forest to the city.
The ambitious Public Program “If we dug our feet into the Earth: relationships between humans and plants”, held at MUPA from January to May 2022, is the synthesis of this lovely mission. Asserting the importance of intangible culture, ancestral knowledge, and the potential of the Museum as a relational space, five months of programming mobilized thousands of people from Curitiba, Paraná, Brazil, and even from abroad, with the support of the French Institute. It was five intense months. Among visitors of all ages, classes, genders, races, and creeds, artists, researchers, and guests, we pondered and learned together. This journey of ancestral, scientific, and artistic knowledge imprints the fabric of the bonds between human beings and plant beings, a theme more than relevant for the contemporary era and, of course, for the future.
It is also thrilling to note how MUPA's active and affectionate openness to its interlocutors has consequently brought new faces to the Museum space, to move through it and experience it. This demonstrates effective endeavors in audience development. The Public Program, through the consistent efforts of its technical team and the coordination of Museu Paranaense, has wrought a transformative intellectual, emotional, and cultural impact, not only on a personal scale but with broader cultural reverberation, as you may have felt if you took part in any of its dozens of activities or will certainly capture in the pages of this publication.
LUCIANA CASAGRANDE PEREIRA State Secretary of Culture
Enfio-me na terra até os cotovelos como se me plantasse com minhas próprias mãos. É um trabalho pesado, o cheiro escuro da terra pesa nos pulmões. Conheço o cansaço que ronda o que é vivo. Até que de repente o sol atravessa meu corpo de cima a baixo como uma corrente elétrica e penso que se enfiasse os pés na terra e me recusasse a me mover aceitando o sol e a chuva a terra e as nuvens a noite e os pássaros isso seria uma espécie de felicidade desconhecida e completa.
ANA MARTINS MARQUES, poesia Sem título, em O Livro dos Jardins
Sobre formas de pensar, dançar, cantar, curar, regenerar e imaginar com as plantas
Conhecer o cansaço que ronda o que é vivo exige uma expedição atenta em direção às criações e às criaturas do mundo. Coisa de poetas, artistas e gente da terra — e não dá pra ser um sem ser também outro, o outro. Foi com isso em vista que o Museu Paranaense (MUPA) realizou o Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”. Durante 115 dias, um projeto experimental, composto por uma série de ações culturais, artísticas e educativas, expressou o desejo de vocalizar o que há de mais pulsante no Brasil quando o assunto são as práticas tradicionais, artísticas e de pesquisa acerca das plantas e humanidades.
Como se nos plantássemos na terra com nossas próprias mãos, a equipe de curadores, pesquisadores e educadores do Museu Paranaense buscou conjugar, durante seus quatro meses de duração, campos, saberes e práticas. Organizamos as atividades em torno de alguns verbos norteadores, como: cuidar, habitar, transformar, saber, nutrir, regenerar e compartilhar. As ações evocadas por esses verbos foram elencadas para evidenciar que tipo de atividades entre seres vegetais e humanos gostaríamos de ressaltar. Por meio de mesas-redondas, espaços de conversa, atividades práticas e apresentações artísticas, o projeto teve como objetivo promover o encontro entre os sujeitos que carregam consigo uma relação estreita com as plantas — das mais diferentes formas — e o público do Museu Paranaense, numa programação múltipla em formato e dialógica entre os diferentes campos do saber. Na contramão do colapso ambiental e das práticas devastadoras da monocultura, que pesam nos pulmões, aqui se criou um espaço-tempo para se aproximar dos modos de vida, dos modos de fazer arte e dos modos de vínculos não-hierarquizados com as plantas, um caminho para exaltar o que há de mais precioso salvaguardado na biodiversidade dos biomas e florestas preservados. Mandioca, caxeta, milho, pau-brasil, sementes crioulas quilombolas, ervas medicinais ligadas à cura ou aos rituais indígenas e de religiões de matriz africana, como cipós, todas protagonistas de discussões sobre a floresta. No palco, também a pauta da retomada e da insistência em ocupar áreas devastadas das plantas pioneiras e indicadoras. A potência de vida cobertas pelos asfaltos e calçadas, evocada pelas raízes de Uýra ou as propriedades das orquídeas, estudadas minuciosamente pela personagem em condição de refúgio do romance de Noemi Jaffe, Írisz: as orquídeas, são exemplos do que reverberou nesse espaço-tempo.
O cheiro escuro da terra é condição indissociável da prática cultural de muitos povos, sobretudo populações tradicionais e indígenas, nas quais não se dissocia o humano do vegetal. A invocação da complexidade dessas relações exigiu do Museu um projeto que priorizasse exposições com foco na cultura imaterial, nos saberes ancestrais e no papel do Museu como espaço de relações, na contramão de exposições com ênfase dada à cultura material ou ao objeto. Disso, o resultado foi: a presença, o encontro, o toque, o experimento, o cheiro, todos os envolvidos convidados a se enfiarem na terra até os cotovelos. Dos cantos xamânicos do povo Huni kuin, que embalaram a noite da pintura-performance do coletivo MAHKU, à mesa redonda sobre investigações científicas e artísticas acerca das plantas com a antropóloga Karen Shiratori, envolvendo ainda os artistas Santídio Pereira e Alex Červený e a participação da curadora da Fondation Cartier Pour L’Art Contemporain, Marie Perennès, por meio de vídeo, a Noite das Ideias, ação que abriu o Programa Público, foi o ponto de partida para o primeiro contato com a imersão que se propôs daqui. Em ligação com a Embaixada da França, o evento se conectou ao tema “Re-construir Juntos” e teve como encerramento a abertura da exposição com obras dos dois artistas, composta por gravuras de grandes dimensões de bromélias e por um conjunto de desenhos de Červený, que trazia representação de árvores como cajueiro, araucária e pau-brasil. Essa liberdade na escolha dos formatos, percebida logo de cara na abertura do evento, se manteve no radar de toda a equipe. Isso nos permitiu entender, com cada participante, de qual maneira ele se sentia mais à vontade para encontrar o público do MUPA. Por conta disso, tivemos benzedeiras ensinando o público a fazer remédios naturais em uma tarde no jardim, mulheres indígenas pintando os corpos dos visitantes — e, assim, perpetuando e transmitindo as histórias tradicionais de seu povo —, biólogos, botânicos e arqueólogos apresentando seus estudos sobre histórias da floresta e agrobiodiversidade, domesticação plantas e receitas kaingang com o uso do milho, uma feira de comunidades tradicionais quilombolas com suas sementes e artesanatos e um espetáculo de dança que investigava a dinâmica de crescimento das plantas. E a abertura do Programa foi também um momento especial de abertura ainda maior do Museu — no sentido de expansão de públicos, do espaço do Museu e de conexão com outros agentes e instituições, além da própria ampliação do acervo. O encontro, não só simbólico, entre diferentes perspectivas sobre um mesmo aspecto, aconteceu nos corredores e nas salas do Museu, com uma programação que não hierarquizou ou limitou formas de compartilhar saberes e práticas, e, com isso, atraiu público especializado e público leigo, mas viu circular especialmente jovens, crianças e famílias por aqui. Um museu que não se recusou a se mover em direção a despertar o interesse de um público que não frequentava a instituição, estimulando a presença e o retorno nesses quatro meses de atividades, fosse para uma oficina, para uma palestra ou para uma roda de conversa, cada vez mais próximos da nossa equipe. Uma programação intensa, que passou a figurar como opção de fim de semana especialmente por conta da expansão do
espaço do Museu, que priorizou o jardim como uma das principais áreas de encontro das atividades do Programa Público. A estrutura tensionada e todo o mobiliário desenvolvido pela equipe de arquitetura do MUPA para o Programa criaram essa nova área de estar junto ao Museu. Isso reforçou ainda mais um movimento iniciado em 2019: entender o jardim, seu acervo botânico e artístico, como área de permanência com grande potencial educativo, uma área para ser explorada com as próprias mãos
Abrir o Museu ao público significava também propiciar acesso para quem não necessariamente estava ou está por perto. E, por isso, foi tão importante registrar em vídeo a maioria das atividades, um material que passa a integrar o acervo da instituição e se encontra inteiramente disponível no canal do Youtube do Museu. Isso amplia o acesso à informação e figura como um importante registro do Programa. O intenso movimento de criação e de trocas também promoveu a aquisição de novos objetos para o acervo do Museu. Dentre esses, destacam-se a pintura de grande formato do coletivo MAHKU e a pintura de grafismos mebêngôkre-kayapó feitos por Kokodjy Kayapó, Moxare Kayapó e Bekwynhtokti Kayapó com jenipapo, aquisições que ampliam os olhares sobre o acervo indígena, evidenciando o protagonismo dos sujeitos e reforçando os aspectos imateriais inerentes às obras ressaltados pelos convidados e convidadas nas trocas proporcionadas pelo projeto. Não fosse somente o imensurável valor dessas trocas e encontros, o Programa Público também foi uma oportunidade de ampliação das redes de conexão do Museu com representantes das comunidades tradicionais, com pesquisadores e artistas. Instituições como a Fiocruz, Embaixada da França e Aliança Francesa de Curitiba também estreitaram laços conosco por meio de atividades em conjunto que, esperamos, sejam as primeiras de uma frutífera atuação comunitária em prol do direito e valorização da cultura.
A publicação que você tem em mãos é um compilado heterogêneo — assim como foi todo o projeto — das ações realizadas nesse Programa: transcrições de trechos das falas proferidas por artistas e pesquisadores, receitas, listas de plantas, relatos e ensaios e demais textos inéditos de participantes e equipe, além de um amplo conjunto de fotografias, que permitem vislumbrar ou relembrar as vivências propostas neste primeiro Programa Público do Museu Paranaense. Olhar para aquele janeiro de 2022, depois de quase dois anos de darmos o primeiro passo para tudo isso, é um movimento que coloca em evidência a vontade e a urgência da época por reencontrarmos o público, ainda que diante de uma população ainda devastada pelas perdas sociais, financeiras e, principalmente, afetivas deixadas pela pandemia de COVID-19. Este projeto, como primeiro depois da fase mais cruel da pandemia, foi, para toda a equipe do MUPA, uma aposta na vida, nas trocas, ou, em complemento ao poema de Ana Martins Marques que inspirou o conceito do Programa: a felicidade conhecida e completa do encontro.
MUSEU PARANAENSE
I sink into the ground up to my elbows as if I planted myself with my own hands. It's hard work, the dark smell of the earth heavy in the lungs. I know the fatigue that surrounds that which is alive. Until all of a sudden the sun flashes across my body from top to bottom like an electric current and I think that if I dug my feet into the Earth and refused to move accepting the sun and the rain the earth and the clouds the night and the birds that would be a kind of happiness unknown and complete.
Understanding the fatigue that surrounds the living requires an attentive expedition towards the creations and creatures of the world. Something for poets, artists, and people of the land — and one cannot be the one without also being other, the other. With this in mind, Museu Paranaense (MUPA) carried out the Public Program “If we dug our feet into the Earth: relationships between humans and plants”. For 115 days, an experimental project, consisting of a series of cultural, artistic, and educational actions, expressed the desire to vocalize the most reverberant aspects of Brazil when it comes to traditional, artistic, and research practices related to plants and humanities.
As if we were planting ourselves in the earth with our own hands, the team of curators, researchers, and educators at Museu Paranaense sought to combine fields, knowledge, and practices during the program’s four-month duration. We organized activities around some guiding verbs, such as (to) care, inhabit, transform, know, nourish, regenerate and share. The actions evoked by these verbs were listed to highlight the type of relations between plant and human beings that we wanted to emphasize. Through roundtable discussions, conversation spaces, practical activities and artistic presentations, the project sought to promote an encounter between individuals who bear a close relationship with plants in various forms and the audience of Museu Paranaense, in a multiple and dialogical program between different fields of knowledge.
In contrast to environmental collapse and the devastating practices of monoculture, which weigh on the lungs, here, a space-time was created to approach ways of life, ways of making art, and non-hierarchical connections with plants — a path to exalt what is most preciously safeguarded in the biodiversity of preserved biomes and forests. Cassava, caxeta, corn, pau-brasil [brazilwood], Creole quilombola seeds, medicinal herbs linked to healing or indigenous and African matrix rituals, such as vines, are all protagonists of discussions about the forest. On stage, also the agenda of reclaiming and occupying the devastated lands of pioneer and indicator plants. The life force covered by asphalt and sidewalks, evoked by the roots of Uýra or the properties of orchids, minutely studied by the refugee protagonist of Noemi Jaffe’s novel, Írisz: the orchids — these are all examples of what resonates throughout this space-time.
The dark smell of the earth is an inseparable condition of the cultural practice of many peoples, especially traditional and indigenous populations, in which the human is not dissociated from the plant. The invocation of the complexity of these relationships required the museum to prioritize exhibitions focusing on intangible culture, ancestral knowledge, and the role of the museum as a space of relationships,
in contrast to exhibits emphasizing tangible culture or objects. The result was the presence, the encounter, the touch, the experiment, the smell, inviting museum guests to immerse themselves in the earth up to their elbows.
From the shamanic chants of the Huni Kuin people, which accompanied the night of the painting-performance by the MAHKU collective, to the roundtable on scientific and artistic investigations about plants with anthropologist Karen Shiratori, also involving artists Santídio Pereira and Alex Červený and the online participation of the curator of the Fondation Cartier Pour L’Art Contemporain, Marie Perennès, the Night of Ideas , an action that opened the Public Program, came the point of departure for the immersion proposed here. In connection with the Embassy of France, the event was linked to the theme “Re-building Together” and culminated in the opening of the exhibition with works by the two artists, consisting of large bromeliad prints and a set of drawings by Červený, featuring representations of trees such as cashew, araucaria, and brazilwood.
This freedom in choosing formats, perceived right from the opening of the event, remained on the radar of the entire team. This allowed us to understand, with each participant, how they felt most comfortable engaging with the MUPA audience. This meant we had healers teaching the public how to make natural remedies in an afternoon in the garden, indigenous women painting the bodies of visitors — hence perpetuating and transmitting the traditional stories of their people — biologists, botanists and archaeologists presenting their studies on forest histories and agrobiodiversity, domestication of plants, and Kaingang recipes using corn, a fair of traditional quilombola communities exhibiting their seeds and handicrafts, and a dance performance investigating the growth dynamics of plants.
The opening of the Program was also a special moment of even greater museum openness — in terms of expanding audiences, museum space, and connection with other agents and institutions, in addition to the expansion of the collection itself. The encounter, not only symbolic, between different perspectives on the same issue, took place in the corridors and rooms of the museum, with a program that did not hierarchize or limit forms of sharing knowledge and practices and, with that, attracted both specialized and lay audiences — but especially young people, children, and families. The museum embraced the challenge of sparking interest in an audience that did not usually visit the institution, stimulating attendance and return over these four months of activities, whether for a workshop, a lecture, or a discussion, always moving closer to our team. An intense program, which became a weekend option especially due to the expansion of the museum’s space, prioritizing the garden as one of the main meeting areas for Public Program activities. The renewed structure and all the furniture developed by the MUPA architecture team for the Program spawned this new area to be together with the museum. This further reinforced a movement started in 2019: to understand the garden, its botanical and artistic collection, as a leisure space with great educational potential, an area to be explored with one’s own hands.
Opening the museum to the public also meant providing access for people who were not necessarily physically nearby. Therefore, it was crucial to record most activities on video, material that became part of the institution’s collection and is now entirely available on the
museum’s YouTube channel. This expands access to information and serves as an important record of the Program. The intense movement of creation and exchanges also led to the acquisition of new objects for the museum’s collection. Among these, the large-format painting by the MAHKU collective and the painting of Mebêngôkre-Kayapó graphics by Kokodjy Kayapó, Moxare Kayapó, and Bekwynhtokti Kayapó with jenipapo stand out, acquisitions that broaden perspectives on the indigenous collection, giving salience the protagonists and reinforcing the inherent intangible aspects of the works emphasized by the guests in the exchanges provided by the project.
Not only for the immeasurable value of these exchanges and encounters, the Public Program also became an opportunity to expand the museum’s network connections with representatives of traditional communities, researchers, and artists. Institutions such as Fiocruz, the French Embassy, and the Alliance Française of Curitiba also strengthened ties with us through joint activities that we hope will be but a first in fruitful community actions for the right to and valorization of culture.
The publication you have in your hands is a heterogeneous compilation — as the entire project was — of the actions carried out in this Program: transcriptions of excerpts from speeches by artists and researchers, recipes, lists of plants, reports and essays, and other unpublished texts from participants and the team, along with an ample set of photographs, allowing you to glimpse or remember the experiences proposed in this first Public Program of Museu Paranaense. Looking back to January 2022, after almost two years of taking the first step toward all of this, is a movement that highlights the will and urgency of the time to reconnect with the public, even in the face of a population still devastated by the social, financial, and, especially, emotional losses left by the COVID-19 pandemic. This project, as the first to be initiated after the cruelest phase of the pandemic, was, for the entire MUPA team, a wager on life, on exchanges, or, paraphrasing the words of the poem by Ana Martins Marques that inspired the concept of the Program, “the known and complete happiness” of the encounter.
Noite das Ideias
Night of Ideas
MAHKU, Santídio Pereira, Alex Červený, Karen Shiratori, Marie Perennès, Vincent Zonca
Hawẽ Bekai
Ibã Huni Kuin
Entrevista com Marie Perennès, curadora da Fondation Cartier pour l’art contemporain
Interview with Marie Perennès, curator at Fondation Cartier pour l’art contemporain
Marie Perennès, Vincent Zonca
Noite das Ideias Night of Ideas
Embaixada da França no Brasil, Aliança Francesa de Curitiba
Agroecologia: entre práticas e vivências
Agroecology: between practices and experiences Alene de Godoy, SENAR-PR com Homero Cidade
Lista de plantas indicadoras: A sabedoria as plantas
List of indicator plants: The wisdom of plants
Plantas, cuidado e cura: práticas das benzedeiras do Paraná
Plants, care and cure: practices of healers from Paraná
Dona Agda, Dona Evinha, Aparecida Camargo, Gilson Anastácio, Taisa Lewitzki, Zé Muniz
Benzedeiras do Centro Sul do Paraná: práticas e saberes das mulheres da Floresta de Araucária
Healers from south-central Paraná: practices and knowledges of the women of the Araucária Forest Taisa Lewitzki
Receitas de Pomada de cipreste e Pomada cura-tudo Cypress ointment and Heal-all ointment recipes
Aprendizes da Sabedoria Azaleia de Faxinal do Marmeleiro de Cima e do Rio do Couro
Plantas que curam
with healing
Aprendizes da Sabedoria
Mandioca: perspectivas atlânticas
Cassava: Atlantic perspectives
Jaime Rodrigues
Nessa terra, em se plantando, tudo dá: diálogos sobre arte, natureza e colonização
In this land, when planted, everything grows: dialogues on art, nature and colonization
Jaime Lauriano, Fernanda Pitta
Capítulos da autocolonização na arte e na cultura visual do Brasil
Chapters of self-colonization in Brazilian art and visual culture
Fernanda Pitta
MAHKU, Santídio Pereira, Alex Červený, Karen Shiratori, Marie Perennès, Vincent Zonca
Na quinta-feira chuvosa do dia 27 de janeiro de 2022, o Museu Paranaense realizou a Noite das Ideias, evento internacional promovido anualmente pelo Instituto Francês, e no Brasil organizado pela Embaixada da França. Realizada pela primeira vez na capital paranaense, a Noite das Ideias no MUPA foi executada em parceria com a Aliança Francesa de Curitiba. As atividades começaram às 15h, com a pintura-performance do coletivo MAHKU, grupo indígena do povo Huni Kuin do Acre, realizada no jardim do Museu. Às 19h, abrimos a noite com a mesa de conversa Re-construir Juntos, título norteador do evento francês, que contou com a participação dos artistas Santídio Pereira, Alex Červený e mediação da antropóloga Karen Shiratori.
O diálogo entre os artistas e a pesquisadora abordou as recentes investigações científicas e artísticas que têm lançado luz sobre as inteligências vegetais. Marie Perennès, curadora da Fondation Cartier pour l’art contemporain, participou da Noite das Ideias no MUPA por meio de uma entrevista gravada, na qual abordou os últimos projetos da instituição francesa que tocam em temas relacionados à natureza e sustentabilidade. O fim da noite foi marcado pela abertura da exposição com obras de Červený e Pereira.
Os textos da Embaixada da França no Brasil, Aliança Francesa de Curitiba, transcrição da entrevista com Marie Perennès, transcrição e tradução do canto Huni Kuin e fotografias da noite e da obra do coletivo MAHKU fazem parte do livro.
On the rainy Thursday evening of January 27th, 2022, Museu Paranaense hosted the Night of Ideas , an international event sponsored annually by the French Institute and organized in Brazil by the Embassy of France. Celebrated for the first time in the Paraná state capital, the Night of Ideas at MUPA was held in partnership with the Alliance Française of Curitiba.
Activities were commenced at 3:00 PM with the painting performance by the MAHKU collective, an indigenous group of the Huni Kuin people from Acre, held in the museum garden. At 7:00 PM, we opened the evening program with the roundtable discussion “Rebuilding Together”, the guiding title of the French event, featuring the participation of artists Santídio Pereira, Alex Červený and moderated by anthropologist Karen Shiratori.
The dialogue between the artists and the researcher addressed recent scientific and artistic research that has shed light on plant intelligence. Marie Perennès, curator of the Fondation Cartier pour l’art contemporain, participated in the Night of Ideas at the MUPA through a recorded interview in which she discusses the foundation’s latest projects related to nature and sustainability. The evening’s end was marked by the opening of an exhibit featuring works by Červený and Pereira.
Texts from the Embassy of France in Brazil and the Alliance Française of Curitiba, the transcription of the interview with Marie Perennès, the transcription and translation of the Huni Kuin chant, photographs of the evening at the museum, and the work of the MAHKU collective are all part of the present book.
27.01.2022 pintura-performance, mesa de conversa, exposição painting performance, roundtable, exhibition
MAHKU
O Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU) tem origem nas pesquisas de Ibã Huni Kuin sobre os cantos da ayahuasca. Os cantos auxiliam na condução do ritual com nixi pae (ayahuasca). A principal produção artística do coletivo consiste em traduzir esses cantos e mitos em imagens. O coletivo já participou de inúmeras exposições no Brasil e no exterior. Além disso, suas obras fazem parte de acervos de instituições como Museu de Arte de São Paulo, Fondation Cartier (Paris) e Pinacoteca do Estado de São Paulo. Kassia Hare Karaja Huni Kuin, Itamar Rios, Rita Sales e Ibã Huni Kuin foram os integrantes do MAHKU que estiveram no MUPA.
The Movement of Huni Kuin Artists (MAHKU) originated in Ibã Huni Kuin’s research on ayahuasca chants. The chants are a part of the nixi pae (ayahuasca) ritual. The collective’s art revolved largely around translating these chants and myths into images. The group has participated in numerous exhibitions in Brazil and abroad. In addition, their works are part of collections of institutions such as the São Paulo Museum of Art, Fondation Cartier (Paris) and the Pinacoteca do Estado de São Paulo. MAHKU members Kassia Hare Karaja Huni Kuin, Itamar Rios, Rita Sales, and Ibã Huni Kuin took part in our MUPA activities.
Registros da pintura da obra Yube Inu Hunikuin e Yubeshanu , pelo coletivo MAHKU no MUPA. Janeiro de 2022.
Registers of the process of the painting Yube Inu Hunikuin e Yubeshanu by MAHKU at MUPA. January 2022.
Nai maea yuxinĩ
Mia Kiawatani
Mia Watanaitũ
Yutã Isĩnipatũ
Nihewã Pũskeni
Pũske biranaimẽ
Shũpa isku shenibu
Bitxa bukũ puyãnẽ
Maikiri Besutã
Tũku iki Dakani
Bari hewã shãkuri
Txai Puyã Txaipa
Mei yanã beimẽ
Mane betxa shakati
Dabe anã beimẽ
Shaba kabi dakatã
Uĩynã beimẽ
Canto Hawẽ Bekai , que significa “Abranda os Freios ”.
Performado por Ibã Huni Kuin.
Composto por artistas indígenas da etnia Huni Kuin, que significa “o povo verdadeiro”, o Coletivo Mahku foi criado em 2013 e é liderado por Isaías Sales (Ibã Huni Kuin). O grupo atua em pesquisas e criações diversas, que aliam os seus cantos tradicionais e formas visuais desses cantos de modo a possibilitar uma convergência entre os mundos do visível e do invisível. Suas histórias, em cantos e em pinturas, revelam universos inteiros, abrindo espaço para a socialização e o conhecimento de partes da mitologia — e da própria espiritualidade — envolvidas nesse fazer.
ni nia nia ne ne nia
nia nia ne ne ni nia
nia ne ne ni nia
nia ne ne ni nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne n nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
nia ne ne ne nia
Hawẽ Bekai chant, which means “ Softening the fetters”.
Performed by Ibã Huni Kuin.
Composed by indigenous artists from the Huni Kuin ethnic group, which means "the true people," the Mahku Collective was created in 2013 and is led by Isaías Sales (Ibã Huni Kuin). The group engages in various research and creative activities that combine their traditional songs and the visual forms of these songs to allow for convergence between the worlds of the visible and the invisible. Their stories, in songs and paintings, reveal entire universes, creating a place for sharing and understanding elements of their mythology — and their own spirituality — that are a part of this practice.
P.44
SANTÍDIO PEREIRA
Sem título [Untitled], 2021 (Fotografia por / Photo by : João Liberato)
P.45
SANTÍDIO PEREIRA
Sem título [Untitled], 2021 (Fotografia por / Photo by : João Liberato)
P.48
ALEX ČERVENÝ O Jequitibá de Carangola [The Jequitibá tree from Carangola], 2020
P.49
ALEX ČERVENÝ Hornet, 2017
Obra na exposição Nous les Arbres , Fondation Cartier pour l'art contemporain, 2019-2020. Work on the exhibition Nous les Arbres [Trees] , at Fondation Cartier pour l'art contemporain , 2019-2020.
SANTÍDIO PEREIRA
Santídio Pereira nasceu em Curral Comprido, no Piauí. Aos oito anos de idade, Santídio mudou-se para a cidade de São Paulo e começou a frequentar o Instituto Acaia, uma organização social sem fins lucrativos que oferece atividades socioeducativas a crianças, adolescentes e suas famílias. Pelo Ateliê Acaia, ele realizou atividades artísticas, como aulas de marcenaria, cerâmica, animação e pintura, até se destacar nas oficinas de desenho e xilogravura. As obras do artista integram importantes coleções no Brasil e no exterior.
Santídio Pereira was born in Curral Comprido, Piauí. At the age of eight, Pereira moved to São Paulo and began attending Instituto Acaia, a non-profit social organization that offers socio-educational activities to children, teenagers, and their families. The Acaia Atelier provided him the opportunity to take part in art classes in carpentry, ceramics, animation and painting; he went on to excel in drawing and woodcut workshops. Pereira’s works are part of important collections throughout Brazil and abroad.
Graduada em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutora em antropologia social pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutoranda do Departamento de Antropologia da USP e pesquisadora do Centro de Estudos Ameríndios (Cesta-USP). Faz parte do projeto ECO, do European Research Council (ERC), sediado no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. É autora e organizadora do livro Vozes Vegetais: diversidade, resistências e histórias da floresta (2020), publicado pela editora UBU.
Shiratori holds an undergraduate degree in philosophy from the University of São Paulo (USP) and master’s and doctorates in social anthropology from the National Museum of Rio de Janeiro (UFRJ). She is currently a postdoctoral research follow at the Department of Anthropology at USP and researcher at the Center for Amerindian Studies (Cesta-USP), as well as member of a ECO European Research Council (ERC) project based at the Center for Social Studies of the University of Coimbra. She is the author and organizer of the book “ Vozes Vegetais: diversidade, resistências e histórias da floresta” [Plant voices: diversity, resistance and stories from the forest] (2020), published by UBU.
ALEX ČERVENÝ
De formação independente, a obra de Alex Červený alude a um mundo fantástico, em que se misturam personagens bíblicos e mitológicos, fauna, flora e paisagens surrealistas. Desde a década de 1980, participou de significativas mostras, tais como Nous les Arbres [Nós as árvores], na Fondation Cartier, em Paris; e em 2021 da coletiva Trees , promovida pela Fondation Cartier na Power Station of Art em Shanghai. Sua obra pertence a importantes coleções públicas como Fondation Cartier (Paris), Museu de Arte Moderna de São Paulo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Centro Cultural de São Paulo e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Independently trained artist Alex Červený's work alludes to a fantastic world, blending biblical and mythological characters, fauna, flora and surreal landscapes. Since the 1980s, he has taken part in important exhibits such as Nous les Arbres at Fondation Cartier in Paris, and in 2021 in the collective exhibition Trees promoted by Fondation Cartier at the Power Station of Art in Shanghai. His work can be found in renown public collections such as the Fondation Cartier (Paris), São Paulo Museum of Modern Art, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Centro Cultural de São Paulo, and Museum of Modern Art in Rio de Janeiro.
Curadora e conservadora da Fondation Cartier pour l'art contemporain, de Paris, Marie atua na instituição há mais de 7 anos, tendo participado da curadoria das exposições Nous les Arbres e Cerejeiras em flor Ela também é diretora cinematográfica.
Curator and conservator at the Fondation Cartier pour l'art contemporain in Paris, Marie has been working at the institution for over 7 years, having participated in curating exhibitions such as “Nous les Arbres” and “Cherry Blossoms”. She is also a film director.
VINCENT ZONCA
Adido para o Livro e o Debate de Ideias da Embaixada da França no Brasil.
Attaché for Books and Debates on Ideas at the Embassy of France in Brazil.
MARIE PERENNÈS, VINCENT ZONCA Transcrição editada
Marie Perennès é conservadora e curadora na Fondation Cartier há anos. Ela trabalhou como curadora associada em inúmeras exposições da Fondation, principalmente Nós as árvores e a de Damien Hirst intitulada Cerejeiras em flor. Este encontro acontece no âmbito da terceira Noite das Ideias no Brasil, organizada em Curitiba pelo Museu Paranaense e pela Aliança Francesa de Curitiba como parte do Programa Público "Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”. Neste contexto, recebemos Marie Perennès para falar dessas interações. Você poderia nos falar rapidamente da exposição Nós as árvores, criada em 2019 na Fundação Cartier, que possui um sucesso internacional e é apresentada atualmente em outros continentes? E poderia, também, comentar a participação de artistas brasileiros como Alex Červený e Santídio Pereira, que vão expor a partir do dia 27 de janeiro no Museu Paranaense?
A exposição Nós as árvores inaugurou na Fondation Cartier em 2019 e dá continuidade às questões científicas entre o Homem e a Natureza que preocupam a Fondation há vários anos. A particularidade da exposição era a de dar voz a uma comunidade de artistas, cientistas, botânicos e filósofos que desenvolveram através de sua experiência, através de um percurso único estético ou científico, uma ligação muito potente e íntima com as árvores, que mostra a beleza dessas protagonistas do mundo vivo, hoje ameaçadas. São apresentadas mais de 300 obras de artistas da América Latina, da Europa, dos Estados Unidos e do Irã. No centro desse projeto havia artistas brasileiros, dentre os quais Luis Zerbini, Yanomami, Alex Červený e Santídio Pereira, um pequeno conjunto do trabalho desses artistas. A exposição foi apresentada em 2021 no Power Station of Art de Shanghai.
Você estava falando do interesse da Fondation Cartier pelas reflexões de artistas, de pesquisadores, de intelectuais e de cientistas que desenvolvem cada vez mais a abordagem das questões ecológicas e da relação do ser humano com a natureza. Os exemplos são numerosos: as exposições Nós as árvores, há 3 anos; Só para ver, em 2012; A grande
orquestra dos animais, em 2016; Claudia Andujar, em 2020 no Rio e em São Paulo; e, este ano, Cerejeiras em flor, de Damien Hirst. De onde vem essa necessidade de refletir sobre as questões ecológicas e sobre a relação do ser humano com a natureza? Quais são os projetos em curso e as orientações sobre essa questão para os próximos anos?
Essa vontade da Fondation faz parte do seu DNA desde 1984. A Fondation sempre propôs uma programação pluridisciplinar, da qual participam o cinema, a música, a arquitetura, a ciência, a filosofia. Sempre foi um lugar onde artistas, cientistas, antropólogos e matemáticos podiam se reunir, colaborar, desenvolver juntos projetos que resultaram em exposições como Terra natal, em algum lugar começa aqui, em 2008, e Matemática, uma mudança de cenário repentina, em 2011.
O foco passou a ser a natureza e o ser vivo à medida que essa questão se tornou prioritária na atualidade. A natureza, o meio ambiente, a mudança climática e suas repercussões sobre as migrações, a destruição do mundo animal e vegetal, o desaparecimento das línguas e das culturas autóctones são temáticas desenvolvidas há 20 anos graças a colaborações na arte contemporânea entre artistas e cientistas.
Em Nós, as árvores, conseguimos abordar questões levantadas por artistas com uma abordagem bastante científica, muito tecnológica. E essa colaboração pode resultar em estéticas muito contemporâneas. Foi assim que a Fondation pensou sua programação, como fruto desses encontros incríveis que alimentam e elevam o público.
Durante esses 40 anos, você acha que o olhar do público evoluiu no que se refere à sua relação com a natureza e a essas práticas artísticas em particular?
Espero que sim! Penso que o papel principal de Nós, as árvores era de expor a natureza, partindo do princípio de que, na nossa sociedade contemporânea — e ainda mais em 2019 do que hoje, quando as coisas já evoluíram muito —, a natureza, as árvores, sobretudo quando se está em um ambiente urbano, estão em um segundo plano na nossa vida cotidiana — e temos dado pouca importância a isso — ou como um pano de fundo de nossa vida. A ideia da exposição era mostrar as árvores. Pela primeira vez, quando as pessoas saíam da exposição, iam olhar a natureza, mesmo na cidade. Havia representações que eram extremamente diferentes. As de Santídio eram muito honoríficas, com formas biomórficas bastante
[à esquerda / on the left] GIUSEPPE PENONE
Biforcazione, 1987—92 (Fotografia por / Photo by Florian Kleineffen)
[à direita / on the right] IAN HAMILTON FINLAY
L’ordre présent est le désordre du futur (Saint-Just), 1987 Jardim / Garden Fondation Cartier. (Fotografia por / Photo by Luc Boegly)
coloridas, diferentes das da natureza. As de Alex Červený tinham como base uma tradição histórica muito forte, com referências à sua mitologia pessoal e à história do Brasil. E as obras de Luiz Zerbini, que eram a recriação sobre uma grande mesa-objeto, em seus monotipos ou em grandes telas, de uma natureza que se mistura nos interstícios da vida cotidiana da cidade.
Espero que a aposta tenha sido vencedora. Mesmo eu, sempre interessada por essas questões, como curadora da exposição, saí do projeto com um olhar diferente sobre o lugar do Homem no mundo vivo e meu lugar junto à natureza parisiense.
E como se imaginam as exposições dentro do espaço, desenhado por Jean Nouvel, e o jardim de Lothar Baumgarten? Vocês consideram o jardim como um espaço museal?
O jardim foi criado por Lothar Baumgarten em 1994, quando a Fondation chegou ao Boulevard Raspail e onde Jean Nouvel construiu este prédio. O prédio foi construído em torno de um cedro plantado por Chateaubriand diante de sua casa. Jean Nouvel construiu a Fondation como um envelope de vidro que circunda o cedro. Atrás, encontra-se o jardim de Lothar Baumgarten, que foi pensado como um anfiteatro, um jardim autogerido de maneira natural. Deixamos as coisas crescerem onde elas querem. É também um receptáculo de obras, pois há obras de Giuseppe Penone, de Ian Hamilton Finlay, de Agnès Varda e, hoje, pedimos a artistas para virem plantar árvores no jardim. No ano passado, foi plantada uma sorveira, que é uma das árvores preferidas de Fabrice Hybert, artista plástico e pintor francês que havíamos apresentado em Nós, as árvores
Foi evocada a ligação com filósofos, artistas, cientistas. Qual é a importância para vocês, para a Fondation Cartier, para a arte contemporânea, de reunir artistas, naturalistas, antropólogos e filósofos, seja para compor obras como Symbiosia, da exposição Nós, as árvores, que reunia simbioticamente o botanista italiano Stefano Mancuso e o artista holandês Thijs Biersteker; mas, também, para conceber exposições como Nós, as árvores com o filósofo Emanuele Coccia, o botanista Francis Hallé e o antropólogo Bruce Albert?
Penso que a colaboração entre pessoas com um saber científico, pessoas capazes de uma reflexão filosófica e artistas que pensam o estético só pode nos dar uma luz diferente, nova, desvendar uma parte de um conhecimento que não se imaginava.
Symbiosia era uma tela ligada por sensores a 3 árvores diferentes do jardim. Era um trabalho entre a arte, um pensamento estético e uma ciência de uma tecnologia muito avançada.
A ideia era que esses 12 sensores colocados em 3 árvores transmitissem os dados das árvores na tela. Podia-se ver ao vivo a taxa de higrometria de uma árvore, se estava em boas condições, se havia muita ou pouca água, muito ou pouco sol e como eram as vibrações recebidas pelo tronco em função da passagem de veículos pela rua. É a ligação de sempre entre a antropologia, a ciência, a filosofia, a estética e a arte: há sempre passarelas que nos enriquecem muito.
Vamos abrir uma exposição que se chama Os vivos, no Le Tripostal de Lille, para o evento Lille 3000. Em dezembro, também vamos abrir uma exposição de Fabrice Hybert, intitulada O Vale, dedicada à região francesa de Vendée, onde ele herdou um vale em que planta árvores há 30 anos. Esse vale torna-se uma obra de arte — e não há mais distinção entre natureza, ciência e filosofia. Penso que a Fondation cria bem essas pontes.
Interessantes essas pontes entre as disciplinas! Quais seriam as especificidades ou os desafios, como criadora e conservadora, de expor obras falando de ecologia que põem o vivo em si mesmas, por meio de práticas de bioarte, ou obras ligadas às árvores presentes na Fundação? Quais foram os desafios que você teve que enfrentar — ou qual é a história dessa questão específica?
Conhecemos bastante mal a natureza que nos cerca e, no caso de Symbiosia, fomos acompanhados por Thijs Biersteker e Stefano Mancuso para compreender os dados dos sensores colocados nas árvores, que nos informam sobre várias coisas, mas cuja leitura somos incapazes de fazer. Foi preciso transformar em obra para restituí-los cientificamente.
O maior desafio — e a maior satisfação — é que essa ponte seja tão bem imaginada, que se possa passar de um saber científico a uma estética artística que o
M.P.
M.P.
público compreenda. Quem faz isso muito bem e nos inspirou é Francis Hallé, um imenso cientista apaixonado por árvores e defensor das florestas primárias. Ele consegue olhar as árvores de uma maneira poética, estética — e seus desenhos são a prova da observação precisa e científica da natureza que ele observa.
Para concluir este encontro, uma última pergunta ligada ao Brasil: os artistas brasileiros são regularmente expostos pela Fondation Cartier. Qual é a importância dessas ligações com o Brasil para a Fondation Cartier, hoje?
Essas ligações são importantes há muito tempo. Muito cedo trabalhamos com Claudia Andujar, há anos também com Luiz Zerbini, que viraram amigos próximos da Fondation. O Brasil tem um panorama artístico de uma riqueza incrível. A Fondation teve a chance de encontrar um bom número desses artistas — e há ainda outros tantos formidáveis que não conhecemos.
A partir da descoberta feita pelo diretor da Fondation, Hervé Chandès, no fim dos anos 90, criou-se o amor por esse país, por essa cena cultural. Isso só se explica por um interesse recíproco, científico e estético. Hoje, sei que é algo que vai durar. No passado, fomos uma das primeiras instituições francesas a expor Adriana Varejão.
São elos que vão durar em muitas exposições, creio. Não tenho uma resposta muito científica e concreta.
É uma paixão recíproca. Muito obrigado, Marie Perennès, por esse encontro.
Até breve, obrigada.
[na página seguinte, no topo / on the following page, on the top] Vista do jardim, Fondation Cartier. Garden view, Fondation Cartier. (Fotografia por / Photo by Luc Boegly)
[na página seguinte, abaixo / on the following page, on the bottom] THIJS BIERSTEKER, STEFANO MANCUSO Symbiosia , 2019.
Exposição Nous les arbres [Trees], Fondation Cartier.
MARIE PERENNÈS, VINCENT ZONCA Edited transcription
Marie Perennès has been a curator and conservator at the Fondation Cartier for many years. She worked as an associate curator in several exhibitions at the Foundation, notably “Trees” [Nous les Arbres] and Damien Hirst’s “Cherry Blossoms”. This meeting takes place within the scope of the third Night of Ideas in Brazil, organized in Curitiba by Museu Paranaense and the Alliance Française of Curitiba as part of the Public Program “If we dug our feet into the Earth: relationships between humans and plants”. In this context, we welcome Marie Perennès to discuss these interactions.
Could you briefly tell us about the exhibition “Nous les Arbres”, created in 2019 at the Cartier Foundation, which has achieved international success and is currently being shown on other continents? And could you also comment on the participation of Brazilian artists like Alex Červený and Santídio Pereira, who will be exhibiting at Museu Paranaense starting on January 27th?
The “We the Trees” exhibit premiered at Fondation Cartier in 2019 and continues the scientific questions concerning the relationship between humans and nature that have concerned the Foundation for several years. The exhibition’s particularity was to give a voice to a community of artists, scientists, botanists, and philosophers who, through their unique aesthetic or scientific experiences, developed a strong and intimate connection to trees, highlighting the beauty of these now threatened protagonists of the living world. The exhibit features over 300 works by artists from Latin America, Europe, United States and Iran. At the core of this project were Brazilian artists, including Luis Zerbini, Yanomani, Alex Červený and Santídio Pereira, showcasing a small part of their work. The exhibit was shown in 2021 at the Power Station of Art in Shanghai.
You were talking about the Cartier Foundation’s concern regarding the thoughts of artists, researchers, intellectuals and scientists who increasingly focus on ecological issues and the relationship between humans and nature. Examples are numerous, including exhibitions like “Nous les Arbres” three years ago, “Histoires de voir, Show and Tell in
2012, “The Great Orchestra of Animals” in 2016, Claudia Andujar in 2020 in Rio and São Paulo, and this year, Damien Hirst’s “Cherry Blossoms”. Where does this need to reflect on ecological issues and the relationship between humans and nature come from? What are the ongoing projects and directions regarding this issue for the upcoming years?
This desire has been part of Fondation Cartier's DNA, since 1984. It has always offered a multidisciplinary program that includes cinema, music, architecture, science, and philosophy. It has been a place where artists, scientists, anthropologists, and mathematicians could come together, collaborate, and develop projects that resulted in exhibitions like “Native Land, Stop Eject” in 2008 and “Mathematics: A Beautiful Elsewhere” in 2011.
The focus has shifted to nature and the living world as these issues have become a top priority today. Nature, the environment, climate change and their impact on migrations, the destruction of the animal and plant world, the disappearance of indigenous languages and cultures — these have all been themes explored for 20 years through collaborations in contemporary art between artists and scientists.
In “Nous les Arbres”, we managed to address the questions raised by artists with a highly scientific and technological approach. This collaboration can lead to very contemporary aesthetics. This is how the Fondation envisioned its program, as the result of these amazing encounters that inspire and elevate the public.
Over these 40 years, do you think the public’s perception on their relationship with nature and these particular artistic practices has evolved?
I hope so! I believe that the main role of “Nous les Arbres” was to draw attention to nature, starting from the premise that, in our contemporary society — even more so in 2019 than today, as things have evolved considerably — nature, especially trees, tends to fade into the background of our daily lives in urban environments. We have given it little importance or treated it as mere backdrop to our lives.
The idea of the exhibit was to showcase the trees. For the first time, when people left the exhibition, they would go out and look at nature, even in the city. There were representations that were extremely different. Santídio’s works were very honoring, with quite colorful biomorphic forms, quite different from nature. Alex Červený’s works were based on a strong historical tradition, with references to his personal mythology and the history of Brazil.
Luiz Zerbini’s works were a recreation, whether on a large table object, in his monotypes, or on large canvases, of a nature that intertwines in the interstices of everyday city life.
I hope the wager has been successful. Even I, always interested in these issues, left the project with a different perspective on the place of humans in the living world and my role in Parisian nature.
How do you envision exhibits within the space, designed by Jean Nouvel, and Lothar Baumgarten’s garden? Do you consider the garden as a museum space?
The garden was created by Lothar Baumgarten in 1994 when the Fondation moved to Boulevard Raspail, where Jean Nouvel built this building. The building was constructed around a cedar tree that Chateaubriand planted in front of his house. Jean Nouvel designed the Fondation as a glass envelope surrounding the cedar. Behind it is Lothar Baumgarten’s garden, which was conceived as an amphitheater, a self-regulating garden in a natural manner. We let things grow where they want.
It’s also a repository for works, as there is a work by Giuseppe Penone, Ian Hamilton Finlay, Agnès Varda and today, we invite artists to come and plant trees in the
MARIE PERENNÈS, VINCENT ZONCA
garden. Last year, a sorb tree was planted there. It is one of the favorites of Fabrice Hybert, a French visual artist and painter we had showcased in “Nous les Arbres”.
The connection with philosophers, artists, scientists has been mentioned. What is the importance for you, at the Fondation Cartier and for contemporary art, of bringing together artists, naturalists, anthropologists and philosophers- whether to create works such as Symbiosia , in the “Nous les Arbres” exhibit, which symbiotically united Italian botanist Stefano Mancuso and Dutch artist Thijs Biersteker, or to conceive exhibits like “Nous les Arbres” with philosopher Emanuele Coccia, botanist Francis Hallé and anthropologist Bruce Albert?
I think the collaboration between people with scientific knowledge, those capable of philosophical reflection and artists who think aesthetically cast new light for us, revealing elements of knowledge we couldn’t have imagined.
Symbiosia was a canvas connected by sensors to three different trees in the garden. It was a work combining art, aesthetic thought, and highly advanced technology.
The idea was that these 12 sensors placed on three trees would transmit the trees’ data to the canvas in realtime. You could see the hygrometry rate of a tree, whether it was in good condition, had too much or too little water, too much or too little sun and how the trunk’s vibrations changed depending on the passage of vehicles on the street. It represents the ongoing connection between anthropology, science, philosophy, aesthetics, and art: there are always passageways that enrich us immensely.
We will open an exhibit called “Living Worlds” at Le Tripostal in Lille for the Lille 3000 event. In December, we will also open an exhibit by Fabrice Hybert, titled “The Valley”, dedicated to the French region of Vendée, where he inherited a valley in which he has been planting trees for 30 years. This valley has become a work of art and there is no longer any distinction between nature, science, and philosophy. I believe the Fondation creates these bridges quite well.
Such connections between disciplines are fascinating! What are the specificities or challenges, as a creator and conservator, in exhibiting works that address ecology and place life itself at the center, through bioart practices or works related to the trees there at the Fondation? What were the challenges you had to face, or what is the history of this specific issue?
We are quite unfamiliar with the nature around us, and in the case of Symbiosia , we were assisted by Thijs Biersteker and Stefano Mancuso, to understand the data from the sensors placed on the trees, providing us with various types of information that we are not equipped to read. They had to be transformed into works of art for us to see them scientifically.
The greatest challenge — and the greatest satisfaction — is having this bridge so well conceived that it can lead from scientific knowledge to an artistic aesthetic that the public can understand. Someone who does this very well, who has inspired us is Francis Hallé, a great scientist passionate about trees and an advocate for primary forests. He can look at trees in a poetic, aesthetic way, and his drawings are proof of the precise and scientific observation of the nature he studies.
To conclude our encounter, one last question related to Brazil: Fondation Cartier regularly exhibits Brazilian artists. What is the importance of these connections with Brazil for the Fondation Cartier today?
These connections have been important for a long time. We worked with Claudia Andujar very early on, and for years with Luiz Zerbini. They have become close friends of the Fondation. Brazil has an incredibly rich artistic panorama. The Fondation has had the chance to encounter many of these artists, and there are many more fabulous ones we haven’t met yet.
Our love for this country and its cultural scene was born from the discovery made by the Foundation’s director, Hervé Chandès, in the late 1990s. It can only be explained by mutual scientific and aesthetic interest. Today, I know it will last. In the past, we were one of the first French institutions to exhibit Adriana Varejão.
These connections will continue through many exhibits, I believe. I don’t have a very scientific and concrete answer.
It’s a mutual passion. Thank you very much, Marie Perennès, for this meeting.
Until we meet again, thank you.
Registros da Noite das Ideias no MUPA. Janeiro de 2022.
Registers of the Night of Ideas at MUPA. January 2022.
Esta é a sétima edição da Noite das Ideias no mundo e a terceira no Brasil. A Noite das Ideias reúne a cada ano artistas, intelectuais e profissionais de outros setores no Brasil e na França, para participar de conversas, projeções, oficinas, shows, criações, etc. Em 2022, o tema internacional deste grande evento de reflexão festiva, inclusiva e criativa foi “Re-construir Juntos”.
Foi realizado, pela primeira vez, em cinco cidades do Brasil (Recife, Belém, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre), incluindo, pela primeira vez também, Curitiba. O fato de a Noite das Ideias em Curitiba ser organizada pelo Museu Paranaense, em parceria com a Embaixada da França, o Consulado Geral em São Paulo e a Aliança Francesa é, para nós, uma grande alegria.
O Museu Paranaense é um modelo de criatividade, de acessibilidade e de transdisciplinaridade, que desenvolve um compromisso muito fino com questões estéticas, sociais e ambientais. Esta edição sobre “plantas e humanos”, contando com pinturas, debates e música, com cientistas, curadores e artistas, é um brilhante exemplo dessa reflexão inclusiva sobre o mundo de amanhã.
“Corpo é terra”*, diz Gustavo Caboco. Ouvimos a terra, pisamos, trilhamos caminhos, buscamos encontros que desabrochem e que façam a trajetória valer a pena.
O Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”, que tem parte de sua programação viabilizada através de uma parceria entre a Embaixada da França no Brasil, a Aliança Francesa de Curitiba e o Museu Paranaense, é um desses encontros que floresceram. Com convidados do Brasil e da França, o evento nos faz perceber que o mundo também é pequeno e que as trocas são igualmente possíveis entre quem está perto e quem está longe.
No dia 27 de janeiro de 2022, abertura desse Programa, estivemos no sul do Brasil com o Coletivo Mahku, Santídio Pereira, Alex Cervený, Karen Shiratori, Marie Perennes, a equipe e o público do Museu, enquanto várias conexões foram formadas no mundo inteiro através da Noite de Ideias
Nós, da AF Curitiba, ficamos imensamente felizes que a primeira parceria com o MUPA seja em um evento como esse, com saberes ancestrais, reflexões e trocas trazidas para as terras de Curitiba, onde nossas raízes estão crescendo há tantos anos.
This is the seventh edition of the Night of Ideas worldwide and the third one held in Brazil. The Night of Ideas brings together artists, intellectuals, and professionals from various walks of life in Brazil and France to take part, every year, in conversations, projections, workshops, shows and creative endeavors. In 2022, the international theme of this grand festive event of celebratory, inclusive, and creative reflection was “ Re-construir juntos” [Rebuilding Together].
For the first time, the event was held in five Brazilian cities: Recife, Belém, São Paulo, Curitiba, and Porto Alegre, and it was Curitiba’s debut on the list, as well. We are further delighted that the Night of Ideas in Curitiba was organized by Museu Paranaense — in partnership with the French Embassy, the French General Consulate in São Paulo and the Alliance Française.
Museu Paranaense is a model of creativity, accessibility and trans-disciplinarity, committed to aesthetic, social and environmental issues. This edition focused on “plants and humans,” featuring paintings, debates and music with scientists, curators, and artist - a brilliant example of inclusive reflections on the world of tomorrow.
“ Corpo é terra [body is earth]”, says Gustavo Caboco. We hear the earth, step on it, tread paths, seeking encounters that flourish and make the journey worthwhile.
The Public Program “If We Dug our Toes into the Earth: Relationships Between Humans and Plants”, which has part of its repertoire made possible through a partnership between the French Embassy in Brazil, the Alliance Française of Curitiba and Museu Paranaense, is one of those flourishing encounters. With guests from Brazil and France, the event makes us realize that the world is small and that exchanges are possible between those near and far.
On January 27, 2022, during the opening of this Program, we were in the south of Brazil with the Mahku Collective, Santídio Pereira, Alex Červený, Karen Shiratori, Marie Perennes, the museum team and the public, while several connections were forged worldwide through the Night of Ideas
We, from the Curitiba Alliance Française, are immensely happy that our first partnership with MUPA is in an event like this, filled with ancestral knowledge, reflections, and exchanges brought to the lands of Curitiba, where our roots have been growing for so many years.
Alene de Godoy,
SENAR-PR com Homero Cidade
No domingo, dia 30 de janeiro, tivemos duas atividades. Pela manhã foi realizada a oficina Plantar o amanhã: fazendo uma horta no Museu, na qual crianças e suas famílias participaram do plantio de uma horta no jardim do MUPA, orientados pela agricultora Alene de Godoy e o engenheiro agrônomo Homero Cidade, do SENAR-PR. O plantio foi permeado por conversas sobre as mudas, o solo e o ambiente, de forma lúdica e informativa. À tarde, houve a mesa de conversa Agroecologia: entre práticas e vivências, um encontro de pessoas e experiências acerca do cultivo de alimentos e a vivência da agroecologia e do plantio orgânico. Nessa atividade, Alene e Homero compartilharam as particularidades e desafios de produzir os próprios alimentos de origem vegetal em suas realidades locais, o público também participou trazendo suas experiências.
Fotografias da oficina de plantio da horta com as crianças e uma lista com as principais plantas indicadoras estão no livro.
There were two activities on Sunday, January 30th. During the morning, we held the workshop “Planting Tomorrow: making a garden at the Museum ”, in which children and their families took part in planting a garden in the MUPA backyard, guided by farmer Alene de Godoy and agronomist Homero Cidade from SENAR-PR. Planting was accompanied by discussions about seedlings, soil and the environment, in a playful and informative manner. During the afternoon, a roundtable entitled “Agroecology: between practices and experiences ” was held, a gathering of people and experiences related to growing food, agroecology, and organic farming. Alene and Homero shared the specifics and challenges of producing their own plant-based food in their local realities, and the audience also interacted by sharing their experiences.
Photographs from the garden planting workshop with children and a list of key indicator plants are included in this book.
oficina, mesa de conversa workshop, roundtable
Mãe, professora e camponesa. Reside no município de Tamarana, no Paraná. Geógrafa pela UEL, pesquisa e tem vivência com temas relacionados à agroecologia, fertilizantes naturais e cultivo sustentável. É também proprietária do perfil @afroecologica no Instagram, espaço no qual compartilha o seu dia a dia no campo atrelado a práticas e experiências com o solo.
Mother, teacher and farmer, Godoy lives in the municipality of Tamarana, Paraná. Holding a degree in Geography from the State University of Londrina (UEL), she researches and has experience on topics related to agroecology, natural fertilizers and sustainable growing. Through her Instagram profile @afroecologica on Instagram, she shares her daily life in the countryside, as related to practices and experiences with the soil.
Engenheiro agrônomo graduado pela UFPR. Prestador de serviços para o SENAR-PR desde 2004 em cursos de agricultura orgânica e produção de hortaliças. O SENAR-PR é uma entidade que promove ações de Formação Profissional Rural e atividades de Promoção Social voltadas às pessoas do meio rural. Por meio de cursos e programas especiais, contribui com sua profissionalização e melhoria da qualidade de vida, bem como prepara produtores e trabalhadores rurais para o exercício da cidadania e da busca do desenvolvimento sustentável.
Agricultural engineer holding a degree from the Federal University of Paraná (UFPR). He has provided services to the SENAR-PR agency since 2004, teaching courses on organic farming and vegetable production. SENAR-PR is an entity that promotes Rural Professional Training actions and Social Assistance activities that target the rural population. Through courses and special programs, it contributes to the professionalization and improvement of the quality of life of rural people, prepares farmers and rural workers to make use of their citizenship rights and encourages the pursuit of sustainable development.
Registros da oficina Plantar o amanhã: fazendo uma horta no Museu . Janeiro de 2022.
Registers of the workshop Planting Tomorrow: making a garden at the Museum . January 2022.
The spontaneous presence of certain plants in the fields may indicate the soil conditions that have favored their appearance. For this reason, these plants that grow naturally are called indicator plants. Despite common reference to them as pests and weeds, they can provide us with essential information about the condition of the soil that hosts them.
Here are a few examples to help us learn to read the land with our hands and eyes:
A presença espontânea de algumas plantas nos campos pode indicar as condições de solo que favoreceram sua aparição. Por conta disso, essas plantas, que nascem espontaneamente, são chamadas de plantas indicadoras. Apesar de serem chamadas de pragas e ervas daninhas, elas podem nos dar informações fundamentais sobre a condição desse solo que as abriga. Alguns exemplos para aprendermos a ler a terra com as mãos e com os olhos:
Beldroega (Portulaca oleracea) Solo fértil. Se ela aparecer, não há por que se preocupar. Não as retire, se puder, pois, por ser uma planta rasteira, protege o solo.
Fertile soil. If this plant appears, there is no need for concern. Whenever possible, it should be left intact, since as a ground-covering plant, it helps protect the soil.
Samambaia (Pteridium aquilinum) Alto teor de alumínio (Al).
High levels of aluminum (Al).
Língua-de-vaca (Rumex obtusifolius)
Barba-de-bode (Aristida pallens) Solo pobre em fósforo (P), cálcio (Ca), potássio (K). Soil poor in phosphorus (P), calcium (Ca), and potassium (K).
Sapé (Imperata exaltata) Solos ácidos e adensados, temporariamente encharcados, sem aeração e/ou deficientes em magnésio (Mg).
Acidic and compacted soils, temporarily waterlogged, lacking aeration, and/or deficient in magnesium (Mg).
Cavalinha (Equisetum spp.) Solo com acidez de média a elevada. Soil with moderate to high acidity.
Dente-de-leão (Taraxacum officinale) Presença de Boro (B), elemento primordial para a agricultura. The presence of Boron (B), a crucial element for agriculture.
Solos muito úmidos e compactados. É encontrada com frequência em áreas mecanizadas e posteriormente expostas ao pisoteio do gado. Pode aparecer em solos férteis, que estejam com excesso de nitrogênio (N).
Excessively moist and compacted soils and is often found in plowed areas subsequently exposed to trampling by cattle. It can also appear in fertile soils that have an excess of nitrogen (N).
Guanxuma (Sida spp.)
Solos compactados. Quando nascem em solos férteis, tendem a ficar viçosas e grandes. Em solos com problemas de fertilidade, ficam pequenas. Compacted soils. When growing in fertile soils, it tends to become lush and large; however, in soils with low fertility, its size is stunted.
Mamona (Ricinus communis)
Solo arejado e falta de potássio (K).
Well-aerated soil and a lack of potassium (K).
Amendoim Bravo (Euphorbia heterophylla)
Desequilíbrio entre nitrogênio (N) e micronutrientes, especialmente molibdênio (Mo) e cobre (Cu).
An imbalance between nitrogen (N) and micronutrients, especially molybdenum (Mo) and copper (Cu).
Mio-mio (Baccharis coridifolia)
Deficiência de molibdênio (Mo). Geralmente está presente em pastagens de solos rasos.
Molybdenum (Mo) deficiency. It is often present in pastures with shallow soils.
Carqueja (Baccharis trimera) Solo pobre e superficialmente compacto. Poor and shallowly compacted soil.
Tiririca (Cyperus rotundus)
Solos ácidos, expostos, compactados e/ou deficiente em magnésio (Mg). Acidic, exposed, compacted soils and/or soils deficient in magnesium (Mg).
Picão preto (Bidens pilosa)
Centáurea (Centaurea sphaerocephala)
Solos de média fertilidade, solos que usam implementos agrícolas e solos desequilibrados. Soils of moderate fertility, soils that have been worked with agricultural tools, and imbalanced soils.
Trevo branco (Trifolium repens)
Solo ácido. Acidic soil.
Solo fértil. Soil is fertile.
Urtiga (Urtica urens) Excesso de nitrogênio (N). An excess of nitro gen ( N).
Capim amargoso (Digitaria insularis)
Solos de baixa fertilidade. Low fertility soils.
Caruru (Amaranthus spp.)
Solos com matéria orgânica e boro (B).
Soils containing organic matter and boron (B).
Maria-mole (Senecio brasiliensis)
Solo adensado na profundidade de 40 cm a 120 cm. Sua presença pode ser reduzida com adubação de potássio (K). Soil compaction at a depth of 40 cm to 120 cm. Its presence can be thinned through potassium (K) fertilization.
Picão branco (Galinsoga parviflora)
Solo com excesso de nitrogênio (N) e deficiente em micronutrientes, principalmente Cobre (Cu).
Soil with excess nitrogen (N) and deficient micronutrients, especially Copper (Cu).
Cabelo de porco (Carex spp.)
Compactação do solo e deficiência de cálcio (Ca).
Soil compaction and calcium (Ca) deficiency.
Dona Agda, Dona Evinha, Aparecida Camargo, Gilson Anastácio, Taísa Lewitzki, Zé Muniz
O primeiro final de semana do mês de fevereiro foi reservado para evidenciar os conhecimentos e práticas de benzedeiras do Centro Sul do Paraná e curadores naturais habitantes do território caiçara.
No sábado, houve a oficina Plantas e modos de benzimento, na qual as benzedeiras dona Agda e dona Evinha compartilharam os modos de uso das plantas medicinais na cura de diferentes males, ensinaram receitas e trouxeram suas experiências nas práticas de benzimento. No domingo, dia 6 de fevereiro, às 10h, iniciamos uma grande mesa de conversa sobre as trajetórias e formas de cultivo, manejo e cuidado com as plantas nos contextos Centro Sul e litoral paranaense. Estiveram nessa roda de conversa dona Agda, dona Evinha, Aparecida Camargo, Gilson Anastácio, como mediadores os pesquisadores Zé Muniz e Taisa Lewitzki e um público de mais de 70 pessoas.
Um texto inédito da antropóloga Taisa Lewitzki sobre as benzedeiras do Centro Sul do Paraná, lista de ervas medicinais nativas da floresta de araucária, seus usos e situação no território, além de algumas receitas de pomadas fazem parte da publicação, juntamente com fotografias da oficina e mesa de conversa.
The first weekend of February was devoted to showcasing the knowledge and practices of healers from southern-central Paraná and of the natural healers in the Caiçara territory.
On Saturday, there was a workshop on “Plants and Folk Healing Methods,” where folk healers Dona Agda and Dona Evinha shared their know how on the use of medicinal plants in curing different ailments. They demonstrated ways to make medicines and discussed their experiences in folk healing. On Sunday, February 6, at 10 AM, we initiated a large conversation circle on trajectories and ways of planting, managing and caring for plants in the contexts of southern central and coastal Paraná. Circle participants included Dona Agda, Dona Evinha, Aparecida Camargo and Gilson Anastácio, with researchers Zé Muniz and Taisa Lewitzki as mediators, and an audience of over 70 people.
A previously unpublished text by anthropologist Taisa Lewitzki on the healers of the southern central region of Paraná, a list of native medicinal herbs from the Araucaria forest, their uses and territorial location, along ointment formulae, are included in this book, along with photographs from the workshop and conversation circle.
roundtable
Registros da oficina de práticas de benzimento, com Dona Agda e Dona Evinha. Fevereiro de 2022.
Registers of the traditional healing workshop with Dona Agda and Dona Evinha. February 2022.
Benzedeira, remedieira e agricultora do município de Rebouças, é especialista no manuseio de plantas medicinais, ofício que aprendeu com o seu pai e ampliou ao longo da sua trajetória por meio do intercâmbio de conhecimentos tradicionais com outras benzedeiras. Faz parte do Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA).
Healer, medicine maker, and farmer from Rebouças, she specializes in dealing with medicinal plants, a craft she learned from her father and expanded throughout her journey of exchange of traditional knowledge with other healers. She is part of the Wisdom Apprentices Movement (MASA).
Dona Evinha é benzedeira e agricultora agroecologista, reside na comunidade rural de Pirapó no município de Irati, Paraná. Conhecedora das plantas que são remédio e alimento, defende a proteção das plantas contra a contaminação de agrotóxicos.
Mrs. Evinha is a healer and agroecological farmer living in the rural community of Pirapó in Irati, Paraná. Holding considerable knowledge of plants that serve as medicine and food, she advocates for protecting plants from pesticides.
Antropóloga, detém relações de pesquisa, extensão e assessoria com as benzedeiras do centro sul do Paraná.
Anthropologist with research, extension, and advisory relations with the healers of the southern central region of Paraná.
[p. 81]
Registros da mesa de conversa com Gilson Anastácio, Aparecido Camargo, Zé Muniz, Dona Agda, Dona Evinha e Taísa Lewitzki. Fevereiro de 2022.
Registers of the roundtable between Gilson Anastácio, Aparecido Camargo, Zé Muniz, Dona Agda, Dona Evinha and Taísa Lewitzki. February 2022.
Gilson é natural de Abatiá, no Paraná, e mora em Guaraqueçaba desde 1979. Dedicando-se a manter modos de vida simples, inserindo-se na vida comunitária e aprendendo os modos e as formas de cuidados com a saúde de forma natural. As pessoas na comunidade confiam e procuram o “Barbudo” para resolver alguns dos muitos problemas de saúde.
Gilson Anastácio is a native of Abatiá, Paraná, and has been living in Guaraqueçaba since 1979. He devotes himself to maintaining a simple way of life, integrated into community life, and seeking learning on natural health care methods and forms. People in the community trust and seek Anastácio, nicknamed “Barbudo”, to solve some of their health problems.
Aparecida, nascida e criada no norte do estado, atualmente reside em Guaraqueçaba. Envolvida com a natureza e formas de cuidados com a saúde desde criança, aprendeu com a mãe, a avó e outras pessoas ligadas à família a tratar as doenças com plantas. É agente comunitária de saúde e, na função, atua contando com a ajuda dos conhecimentos de Gilson sobre plantas e tratamentos naturais para as dores do corpo e da alma.
Aparecida, born and raised in the northern region of the state, currently resides in Guaraqueçaba. Involved with nature and health care practices since childhood, she learned from her mother, grandmother, and other relatives how to use plants to treat diseases. She is a community health agent and, in her role, relies on Gilson’s knowledge of plants and natural treatments for ailments of body and soul.
Professor e pesquisador, é caiçara de Guaraqueçaba, Paraná, e possui publicações sobre as tradições de seu povo. Integra o Grupo Canutilho Temperado de Fandango Caiçara. Em 2020, recebeu o Prêmio Jornada Reconhecimento de Trajetória (SECC-PR).
Professor and researcher, a native Caiçara from Guaraqueçaba, Paraná, he has published on the traditions of his people. He is part of the Canutilho Temperado Caiçara Fandango [Dance and Music] Group. In 2020, he received the Trajectory Recognition Award (SECC-PR).
Não sabeis, não sabeis, o poder das plantas
Não sabeis, não sabeis, o poder das plantas
O alecrim, a arruda e a calêndula
São as plantinhas iluminadas por Deus
A salvinha, a hortelã e a malva
São as plantinhas com as mãos de Deus
A cidreira, a losna e o tanchais
São as plantinhas cuidadas por Deus
A imbuia, a pitanga e a carova
São nossas árvores plantadas por Deus
A araucária, o ipê e guaviroveira
São nossas árvores protegidas por Deus
Os faxinais, nossa água e a floresta
São nossas matas criadas por Deus
ANA MARIA BENZEDEIRA
TAISA LEWITZKI
Benzedeiras do Centro Sul do Paraná: práticas e saberes das mulheres da Floresta de Araucária
A participação das benzedeiras do Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA) no Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”, do Museu Paranaense (MUPA), decorre de uma longa caminhada desde o interior do Paraná, em busca de reconhecimento e visibilidade das práticas e saberes detidos pelas mulheres pertencentes aos territórios de Floresta de Araucária. Elas habitam comunidades rurais, faxinais, quilombos, assentamentos da reforma agrária, bairros e vilas de municípios da região Centro Sul do Paraná — lugares onde os saberes agrícolas e florestais são preponderantes na formação dos conhecimentos tradicionais de cura detidos pelas benzedeiras, porque envolvem suas trajetórias como mulheres rurais, que circulam entre florestas de faxinais, roças e quintais. Articuladas pelo ofício de curar e benzer, são, em sua maioria, mulheres reconhecidas localmente como benzedeiras, curandeiras, erveiras, remedieiras, massagistas tradicionais, costureiras de rendidura ou machucadura e parteiras. Muitas delas somam ao ofício de cura, o protagonismo das festas tradicionais como rezadeiras, cantadeiras e festeiras de saídas do Divino, romarias de São Gonçalo, mesadas de anjos, batizados nos olhos d’água do Monge João Maria, erguidas de mastro e procissões aos santos de devoção. Ocupam diversos papéis como mães e avós, agricultoras, lideranças religiosas e comunitárias. Como benzedeiras, são referência nas relações de troca entre vizinhas, comadres e parentes, animadas pela economia do benzimento, que envolve dons, conhecimentos, afilhados, alimentos e plantas, enfim, uma intensa rede que encontra na casa da benzedeira um lugar propício para socialidade e manutenção de vínculos de reciprocidade.
A sociobiodiversidade da Floresta de Araucária em sua amplitude, se faz presente em suas práticas de cura, por meio da experimentação, pesquisa e conhecimento geracional das benzedeiras no uso de folhas, flores, cascas, raízes, resinas, sementes e frutos de plantas. Os animais criados nos quintais ou encontrados nas matas oferecem insumos para preparação de pomadas, emplastos, massagens, que se utilizam da graxa de capivara, banha de galinha, banha de porco, sebo de carneiro, cera de abelha, chifre de boi, ovo de pata, leite de cabra e méis que, combinados com plantas
1 Faxinais são comunidades tradicionais rurais presentes no Estado do Paraná, que detém um modo de vida culturalmente diferenciado e regras de gestão coletiva do território de uso comum.
se transformam em remédios caseiros. Fazem parte do benzimento e da simpatia ferramentas de trabalho do mundo rural, como a peneira para tirar susto, o facão para cortar cobreiro, o machado para benzer tormenta, a tesoura para cozer. Elementos conjugados ao repertório religioso detido pelas benzedeiras que sabem como rezar, cantar, curar e benzer. Adicionalmente, a observação qualificada das trajetórias de vida, da genealogia das famílias e o conhecimento em profundidade dos problemas sociais que atingem a população de suas comunidades, resultam na eficácia do benzimento, a partir da complementaridade de saberes sobre a realidade local.
Os ofícios tradicionais de cura estão presentes em diferentes sociedades. No Brasil, a nomeação e status social varia conforme o contexto sociocultural, são exemplos: as curandeiras e rezadeiras no Nordeste, raizeiras no Cerrado, mateiras e doutor de ossos na Amazônia, pajés e curadores tradicionais entre os povos indígenas. No Estado do Paraná, diferente de outras regiões, as benzedeiras passaram por um processo de organização sociopolítica como povos e comunidades tradicionais, por meio da emergência e reivindicação de identidades étnicas e coletivas. Em parceira com os povos de faxinais e a integração à Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais, elas se apropriaram de ferramentas de auto mapeamento e estratégias legislativas para reivindicar o direito à manutenção do modo tradicional de vida, caracterizado por práticas, saberes e conhecimentos associados a sociobiodiversidade local, que apresenta uma forma singular de relação com o ambiente de vida, por meio da identidade coletiva das benzedeiras que habitam os territórios de Floresta de Araucária.
A partir da defesa do modo de vida faxinalense1, que promove a valorização e fortalecimento dos conhecimentos e práticas de uso e manejo sustentável da Floresta de Araucária, o que inclui o conhecimento de identificação, coleta, preparação e uso das plantas nativas para fins medicinais; a proteção das fontes de águas atribuídas ao Monge João Maria; e a promoção das festas tradicionais que são
Dona Tila, benzedeira. Comunidade de Cachoeira, município de São João do Triunfo. Fonte: Taisa Lewitzki, 2018. Dona Tila, benzedeira [healer]. Cachoeira community, municipality of São João do Triunfo. Source: Taisa Lewitzki, 2018.
diacríticas à identidade faxinalense, estendidas às comunidades rurais do Centro Sul paranaense, elas resistem e denunciam as ameaças e conflitos de manutenção dos territórios tradicionalmente ocupados, o que envolve a privatização e concentração da terra, contaminação por agrotóxicos, crescimento do desmatamento, entre outras violências, desencadeadas pelo avanço exponencial do agronegócio de soja e milho na região, bem como dos monocultivos de pinus e eucalipto, e pela falta de políticas públicas que atendam as demandas dos povos culturalmente diferenciados.
A partir dos faxinais, as benzedeiras iniciam sua própria organização com a criação de grupos de mulheres no interior das comunidades faxinalenses e de agricultoras agroecológicas, com objetivo de fortalecer o uso de plantas medicinais, por meio da Associação Aprendizes da Sabedoria Medicinais e Agroecologia (ASA), criada em meados do ano de 2002, por conta de ações de fomento de organizações camponesas da região Centro Sul do Paraná.
O encontro de trajetórias de conhecimento oportunizo o rompimento do silenciamento imposto historicamente às benzedeiras, devido aos inúmeros preconceitos enfrentados por elas, em face da reprodução das práticas de cura, com destaque às tentativas de criminalização do benzimento por parte de agentes públicos ligados a órgãos sanitários e de saúde; da proibição de acesso às matas para coleta de plantas medicinais nativas, ou ainda aos olhos d’água que são lugares sagrados para realização de benzimentos, batizados e procissões, isto levado a cabo por fazendeiros, proprietários de terra e agentes de órgãos ambientais; das severas críticas de líderes religiosos de igrejas evangélicas e católicas que as expõem ao constrangimento público, o que gera impactos imensuráveis à cultura do benzimento.
Nesse contexto, o I Encontro das Benzedeiras, realizado na cidade de Irati em 2008, é um marco na história das benzedeiras do Paraná. Foi a primeira vez que um evento de dimensão regional reuniu dezenas de pessoas detentoras de ofícios tradicionais para
TAISA LEWITZKI
intercâmbio de experiências sobre curas, por meio do conhecimento sobre benzimentos, simpatias, rezas, massagens, costuras de rendidura, apoiadas à infinidade de uso de plantas medicinais no preparo de chás, xaropes, banhos, esfregações, emplastos, garrafadas, pomadas, elixires, entre outras. A transformação da Aprendizes da Sabedoria em Movimento das Benzedeiras decorreu da necessidade em continuar os Encontros de Benzedeiras, que passam a ser a principal tecnologia social empregada por elas na troca de práticas e saberes, bem como na conquista de autonomia, reconhecimento e direitos.
Na caminhada coletiva das benzedeiras, é importante destacar a elaboração de auto mapeamentos, realizados com apoio de pesquisadoras e pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social . Os levantamentos colocaram no mapa a presença das benzedeiras nos territórios da Floresta de Araucária, assim como a diversidade dos ofícios, práticas e conhecimentos detidos por elas, que implicam na manutenção da biodiversidade local. Além disso, denunciam as ameaças enfrentadas pelas benzedeiras na manutenção dos seus dons. O número de benzedeiras em suas distintas modalidades, identificadas nos municípios de Rebouças (133 em 2010), São João do Triunfo (161 em 2011) e Irati (184 em 2015), expressam a relevância das benzedeiras na região e desta forma contrapõem o argumento de que as benzedeiras estão desaparecendo. Ao contrário da extinção do ofício das benzedeiras, muitas vezes assinalado como fenômeno decorrente da modernização da oferta pública do serviço de saúde, os mapeamentos demonstram um sofisticado sistema de especialidades entre elas, associados a formas específicas de circulação e transmissão de conhecimentos geracionais e localizados, que incidem tanto no atendimento de saúde de pessoas, plantas e animais, quanto na proteção do meio ambiente e na manutenção da cultura tradicional.
Em algumas comunidades rurais, os conhecimentos das benzedeiras representam a principal forma de acesso à saúde e ao cuidado e, em contextos urbanos, convivem com outros sistemas de saúde, sendo um diferenciador a gratuidade dos serviços prestados pelas benzedeiras que acionam redes de trocas que não estão baseadas na lógica mercadológica, já que têm como principal público mulheres mães em situação vulnerabilidade socioeconômica.
A riqueza dos quintais na diversidade de espécies vegetais resulta na conservação da biodiversidade local. O uso de plantas medicinais associados ao benzimento faz com que as benzedeiras ao longo da vida cultivem farmácias vivas ao redor das suas casas. Elas são responsáveis por transplantar espécies nativas da Floresta de Araucária para que possam acessar com maior facilidade na prática cotidiana do benzimento, devido à dificuldade e à restrição de acesso, ou ainda à contaminação e extinção das plantas em seus ambientes naturais. Os quintais, portanto, são uma forma eficaz de proteção e distribuição de espécies medicinais, assim como o território, que constantemente é atualizado com adição de novos lugares onde “remédios do mato”, livres de venenos, podem ser coletados. Adicionalmente, o protagonismo na realização das festas tradicionais no interior das suas casas, ao redor de olhos d’água do Monge João Maria e nas igrejinhas de santos conservadas pelas
2 Ratificada no Brasil pelo Decreto n° 5.051, de 19 de abril de 2004, apresenta importantes avanços no reconhecimento dos direitos coletivos de povos indígenas e comunidades tradicionais.
comunidades, mantém viva a cultura tradicional presente no interior do Paraná, associada ao catolicismo popular que expressa formas de celebrar o sagrado que enriquecem e diversificam a identidade cultural paranaense.
Os mapeamentos sociais das benzedeiras foram imprescindíveis para a troca de experiências entre benzedeiras que passaram a se encontrar periodicamente, a partir das visitas, encontros e reuniões desencadeadas pelo mapeamento. Além disso, o processo de diálogo levado a cabo pelo Movimento Aprendizes da Sabedoria com o Poder Legislativo, nos municípios mapeados, culminou na aprovação de leis municipais de reconhecimento da identidade coletiva das benzedeiras e regulamentação do livre acesso às plantas medicinais. A Lei n°1401 aprovada no ano de 2010 no município de Rebouças é a primeira lei brasileira que dispõe sobre a temática desde a perspectiva do direito coletivo. O conteúdo inovador fundamentado na Convenção da OIT n°169 sobre Povos Indígena e Tribais2, que garante a prerrogativa do autorreconhecimento, é um avanço significativo para a efetivação de direitos das benzedeiras. A luta pela aprovação de leis se estendeu ao município de São João do Triunfo (Lei Municipal n° 1370/2011) e ao município de Irati (Lei Municipal n° 4.543/2018). No ano de 2018, com objetivo de ampliar a visibilidade das benzedeiras em diferentes contextos paranaenses, é aprovada a Lei Estadual das Benzedeiras (Lei Estadual n°19689/2018), que declara seus ofícios, saberes, práticas e conhecimentos tradicionais de saúde popular como patrimônio cultural imaterial do Estado do Paraná.
As benzedeiras do Paraná são mulheres de fé e conhecimento que fazem parte da história, da memória e da cultura paranaense. Sua organização coletiva como movimento social de povos e comunidades tradicionais do Paraná provoca deslocamentos políticos, socioambientais e culturais por meio da ocupação de novos espaços de interlocução. Elas participam amplamente dos debates pertinentes à manutenção do seu modo tradicional de vida, em meio a benzimentos e plantas, integram agendas em museus, universidades, casas legislativas e comunidades — e juntas pautam a manutenção e construção de um futuro alicerçado nas relações de cuidado por se preocuparem com a vida em suas múltiplas perspectivas, mobilizadas pelo: “Cuidar da vida é a nossa missão!”.
LEWITZKI, T. [Org.] Boletim Informativo I “Conhecimentos Tradicionais e Mobilizações Políticas: o direito de afirmação da identidade de benzedeiras e benzedores [...]. Ano 1, n 1, 2012. Manaus: Editora da UEA, 2012.
LEWITZKI, T. Os olhos das benzedeiras: notas sobre narrativas socioambientais e estratégias políticas do MASA (Movimento Aprendizes da Sabedoria). In: PRECOMA, A. F. A.; PIMENTEL, A. G.; GONÇALVES, B. B.; LEITE, C. V. A.; LINI, P. (Org.) Mulheres e violências em conflitos socioambientais . Curitiba: PUC —PR, 2018.
LEWITZKI, T. A vida das benzedeiras: caminhos e movimentos. 250 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) — Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019.
LEWITZKI, T.; FRÓIS, D. Romaria de São Gonçalo: imagens de fé e festa no interior do Paraná. Vivência: Revista de Antropologia , [S. l.], v. 1, n. 58, 2021. DOI: 10.21680/2238-6009.2021v1n58ID27616. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/vivencia/article/ view/27616. Acesso em: 3 set. 2022.
[acima / above]
Agda de Andrade Cavalheiro mostra a sua carteirinha de benzedeira e cozedeira, concedida pela Secretaria Municipal de Saúde de Rebouças e pela Prefeitura Municipal de Rebouças. Na carteirinha, esses órgãos reconhecem os conhecimentos tradicionais exercidos por ela enquanto Detentora de Ofícios Tradicionais de Saúde Popular. (Fotografia por: Kraw Penas/ SEEC).
gda de Andrade Cavalheiro displays her healer and seamstress ID card, granted by the Municipal Health Department of Rebouças and the Municipal Government of Rebouças. Through the ID card, these institutions recognize her traditional knowledge, and her status as Service Provider within the Traditional Popular Health Professions. (Photo by: Kraw Penas/SEEC).
[à esquerda / on the left]
Mapeamento Social das Benzedeiras, Benzedores, Curadeiras, Remedieiras, Remedieiros, Costureiras e Costureiros de Rendidura; Massagistas Tradicionais e Parteiras do Município de São João do Triunfo — Paraná.
Social Mapping of Healers, Curers, and Herbal Medicine practitioners, Traditional Seamstresses and Traditional Massagists in the Municipality of São João do Triunfo. Source: PNCS, 2012.
Don’t you see, don’t you see, the power of plants
Don’t you see, don’t you see, the power of plants
Rosemary, rue and marigold
These are the little plants illuminated by God
Sage, mint, and mallow
These are the little plants from the hands of God
The cider tree, the wormwood and the tanchais
These are the little plants cared for by God
The imbuia, the pitanga and the carova
These are our trees planted by God
Araucaria , ipê and guaviroveira
Our trees are protected by God
Our faxinal, our water, our forest
These are our forests created by God
ANA MARIA BENZEDEIRA
TAISA LEWITZKI
The participation of the healers from the Wisdom Apprenticeship Movement (MASA) in the Public Program “If we dug our feet into the Earth: relationships between humans and plants” at Museu Paranaense (MUPA) is the result of a long journey from the hinterlands of Paraná in search of recognition and visibility for the practices and knowledge held by women belonging to the Araucaria Forest territories. They inhabit rural communities, “ faxinais” (traditional forest villages), quilombos, agrarian reform settlements, neighborhoods, and villages in the south-central region of Paraná. These are places where agricultural and forestry knowledge plays a significant role in the formation of healers’ traditional knowledge because it involves their experiences as rural women who move between the “ faxinais”, fields, and gardens.
Connected by their vocation of healing and blessing, most of them are locally recognized as traditional healers, herbalists, remedy makers, traditional masseuses, seamstresses who work with lace or bandages, and midwives. Many of them also take on roles in traditional festivities, such as prayer leaders, singers, and hosts of events related to the Divine, pilgrimages to Saint Gonçalo, angel celebrations, baptisms at Monk João Maria waterhole, mast raising ceremonies, and processions for devotional saints. They fulfill various roles as mothers and grandmothers, farmers, religious and community leaders. As healers, they serve as references in exchange relationships among neighbors, godmothers, and relatives, driven by the economy of healing. This economy involves gifts, knowledge, godchildren, food, and plants, creating a dense network that becomes a suitable place for socialization and the maintenance of reciprocal bonds in the healer’s house.
The socio-biodiversity of the Araucaria Forest is present in their healing practices in all its breadth. The healers use leaves, flowers, barks, roots, resins, seeds, and fruits of plants through experimentation, research, and generational knowledge. Animals raised in the gardens or found in the woods provide ingredients for making ointments, plasters, and massages. They use capybara fat, chicken fat, lard, sheep tallow, beeswax, bull horn, duck egg, goat milk, and honey, which, combined with plants, become homemade remedies. Tools commonly found in rural settings become part of healing and magic practices: a sieve to ward off fright, a machete to treat skin conditions, an axe to ward off storms,
and scissors for stitching. These elements are combined with the religious repertoire held by the healers, who know how to pray, sing, heal, and bless. Additionally, the informed observation of life trajectories, family genealogy, and in-depth knowledge of the social issues affecting their communities contribute to the effectiveness of their healing practices. This is achieved through complementarity of knowledge of the local reality. Traditional healing practices are present in various societies. In Brazil, nomenclature and social status vary depending on the sociocultural context. Examples include healers and prayer women in the Northeast, root healers in the Cerrado, herbalists and bone doctors in the Amazon, shamans and traditional healers among indigenous peoples. In the state of Paraná, unlike other regions, healers have undergone a process of sociopolitical organization as traditional peoples and communities. This has been achieved through the emergence and assertion of ethnic and collective identities. In partnership with the “ faxinal” communities and integration into the Puxirão Network of Traditional Peoples and Communities, they have appropriated self-mapping tools and legislative strategies to claim their right to maintain their traditional way of life. This way of life is characterized by practices, knowledge, and skills associated with the local socio-biodiversity. It presents a unique relationship with the living environment, through the collective identity of the healers who inhabit the Araucaria Forest territories.
They defend the “ faxinalense” way of life, which promotes the appreciation and strengthening of knowledge and practices of sustainable use and management of the Araucaria Forest, including the knowledge of identifying, collecting, preparing, and using native plants for medicinal purposes, the protection of the water sources attributed to Monk João Maria, and the promotion of traditional festivals which are diacritical elements to the “ faxinalense” identity, extended to rural communities in the southern-central region of Paraná. In doing so, healers resist and denounce threats and conflicts related to the maintenance of traditionally occupied territories. These threats include land privatization and concentration, pesticide contamination, deforestation, and other forms of violence triggered by the exponential expansion of soy and corn agribusiness in the region, as well as the monoculture of pine and eucalyptus, and the
lack of public policies to meet the demands of culturally differentiated peoples.
Starting from the faxinals , the healers began their own organization by creating women’s groups within faxinal communities and among female agroecological farmers. Their goal was to strengthen the use of medicinal plants through the Association of Apprentices of Medicinal Wisdom and Agroecology (MASA), created in the mid-2002s, through the support of peasant organizations in the southern-central region of Paraná.
The convergence of knowledge paths provided an opportunity to break the historical silence imposed on the healers due to the numerous prejudices they face in their healing practices. This includes attempts to criminalize healing practices by public officials, on behalf of health and sanitation agencies, and bans on access to forests for the collection of native medicinal plants, or to sacred spring waters for performing healings, baptisms, and processions, enforced by landowners and environmental agencies. They also face severe criticisms from leaders of evangelical and Catholic churches that expose them to public humiliation, which has immeasurable impacts on the culture of healing.
In this context, the First Meeting of Healers held in the city of Irati in 2008 is a milestone in the history of Paraná healers. It was the first regional event that brought together dozens of people who practice traditional healing, allowing for the exchange of experiences related to healing, including knowledge on blessings, spells, prayers, massages, and traditional lace and bandage stitching. They also shared an abundance of information on the use of medicinal plants for teas, syrups, baths, rubs, poultices, brews, ointments, elixirs, and other remedies. The transformation of the Apprentices of Wisdom into the Healers’ Movement stemmed from the need to continue the Meetings of Healers , which became the primary social technology healers used to exchange practices and knowledge, as well as to gain autonomy, recognition, and rights.
Regarding the healers’ collective journey, it is essential to highlight the development of self-mapping, carried out with the support of researchers from the New Social Cartography Project. These surveys placed the presence of healers on the map of the Araucaria Forest territories. They also highlighted the diversity
of professions, practices, and knowledge held by the healers, which have implications for the conservation of local biodiversity. Furthermore, these mappings denounce the threats healers face as they strive to maintain their practices. The number of healers in their various modalities, belonging to the municipalities of Rebouças (133 in 2010), São João do Triunfo (161 in 2011), and Irati (184 in 2015), illustrates their importance in these regions. This data contradicts the argument that healers are disappearing. Instead of the extinction of their vocation, often attributed to the modernization of public health services, mappings demonstrate how healers maintain a sophisticated system of specialties. These specialties are associated with specific forms of circulation and transmission of generational and localized knowledge, which in turn affect health care for people, plants, and animals, as well as the protection of the environment and the preservation of traditional culture.
In some rural communities, healers’ knowledge represents the primary means of access to health care. In urban contexts, their practices coexist alongside other health systems, with the difference that healers provide their services at no charge. They activate networks of exchange that are not based on a market logic, and their main clientele are economically vulnerable women who are mothers.
The richness of gardens in terms of plant species contributes to the conservation of local biodiversity. The use of medicinal plants, combined with healing practices, means that the healers cultivate living pharmacies around their homes, over the course of their lives. They are responsible for transplanting native species from the Araucaria Forest for easier access in their daily healing practices. This is due to the difficulty and restricted access, contamination, and extinction of plants in their natural environments. Therefore, gardens are an effective means of protecting and distributing medicinal species, just as the territory is constantly updated with the addition of new places where “forest medicines,” free of pesticides and fertilizers, can be collected. Additionally, the healers’ active role in conducting traditional festivals inside their homes, around the Monk João Maria waterholes, and in the small churches preserved by the communities, keeps traditional culture alive within Paraná. These festivals are associated with popular Catholicism and express ways of
celebrating the sacred that enrich and diversify the cultural identity of the state of Paraná.
The social mappings of healers proved essential for the exchange of experiences among them. They began to meet periodically as a result of the visits, gatherings, and meetings prompted by the mapping. Furthermore, the dialogic process between the Apprentices of Wisdom Movement and the State Legislature in the mapped municipalities led to the approval of municipal laws recognizing the collective identity of the healers and regulating free access to medicinal plants. Law No. 1401, approved in 2010 in the municipality of Rebouças, is the first Brazilian law to address this issue from the perspective of collective rights. Its innovative content, based on ILO Convention No. 169 on Indigenous and Tribal Peoples, which guarantees the right to self-recognition, represents a significant advancement in the realization of the healers’ rights. The fight for the approval of laws extended to the municipalities of São João do Triunfo (Municipal Law No. 1370/2011) and of Irati (Municipal Law No. 4.543/2018). In 2018, with the aim of increasing healers’ visibility in different contexts in Paraná, the State Healers Law (State Law No. 19689/2018) was approved. This law declares the professions, knowledge, practices, and traditional popular health wisdom of the healers as intangible cultural heritage of the state.
The healers of Paraná are women of faith and knowledge who are part of the history, memory, and culture of the state. Their collective organization as a social movement of traditional peoples and communities in Paraná generates political, socio-environmental, and cultural shifts through their involvement in new spaces of dialogue and conversation. They actively participate in discussions relevant to the maintenance of their traditional way of life, through healing practices and the use of medicinal plants. They engage in various agendas in museums, universities, legislative bodies, and communities, collectively advocating for the preservation and the building of a future rooted in care relationships, as they are concerned with life in its multiple dimensions and guided by the motto: “Caring for life is our mission!”
INGREDIENTES
1 prato de cipreste (tirado o talo e bem limpo); 250 gramas de banha de porco; 30 gramas de cera de abelha.
MODO DE PREPARO
1. Frite o cipreste com a banha, sem deixar torrar e retire a erva; 2. Coloque a cera e bata até ficar cremosa.
INDICAÇÕES DE USO*
Manchas na pele, espinhas, rachaduras; Para dor de ouvido, passar em volta da orelha.
INGREDIENTES
9 folhas de confrei; 18 folhas de tansagem; 6 colheres (sopa) de banha sem sal; 6 colheres (sopa) de óleo de oliva; 3 colheres (sopa) de cera de abelha; 1 pedra de cânfora ou um punhado de planta cânfora.
MODO DE PREPARO
1. Frite tudo sem deixar torrar; 2. Coe e misture a cera de abelha derretida, o óleo de oliva e a cânfora; 3. Bata muito bem e guarde na geladeira.
INDICAÇÕES DE USO*
Para feridas e calos; Como cicatrizante; Para picada de insetos.
*As indicações de uso fornecidas neste documento foram informadas pelo Movimento Aprendizes da Sabedoria, em conjunto com a pesquisadora Taisa Lewitzki, e dizem respeito às aplicações tradicionais, propostas pelas benzedeiras, para cada uma das receitas compartilhadas.
INGREDIENTS
1 plate of cypress (stem removed and well-cleaned); 250 grams of lard (pig fat); 30 grams of beeswax.
PREPARATION
1. Cook the cypress in the lard, without letting it burn, and remove the herb from the oil; 2. Add the beeswax and beat the mixture until creamy.
INDICATIONS FOR USE*
For chapped skin, blemishes and pimples. For earaches, apply around the ear.
INGREDIENTS
9 leaves of comfrey; 18 plantain leaves; 6 tablespoons of unsalted lard; 6 tablespoons of olive oil; 3 tablespoons of beeswax; 1 piece of camphor or a handful of camphor plant.
PREPARATION
1. Fry everything without letting the ingredients sear; 2. Strain and mix the melted beeswax, olive oil, and camphor; 3. Beat the mixture well and store it in the refrigerator.
INDICATIONS FOR USE*
For wounds and calluses; As a healing ointment; For insect bites.
*The indications for use available in this document were provided by Movimento Aprendizes da Sabedoria and the researcher Taisa Lewitziki, concerning the traditional applications proposed by the benzedeiras [healers] for each one of the recipes shared here.
Shared by
Below are some data about the use of native medicinal herbs in some "faxinais" (traditional agroforestry systems) in the state of Paraná, collected during mapping workshops held by the Movimento Aprendizes da Sabedoria (Apprentices of Wisdom Movement):
Quebra pedra Infecção nos rins. Dor na bexiga; pedra na bexiga. Dor nas costas. Kidney infection. Bladder pain; bladder stones. Back pain.
Disponibilidade / Availability : boa / good
Compartilhado por
Abaixo, dados sobre a situação de ervas medicinais nativas em alguns faxinais paranaenses, coletados nas oficinas de mapas realizadas pelo Movimento Aprendizes da Sabedoria.
(FRC) Faxinal Rio do Couro; (FS) Faxinal dos Seixas; (FMC) Faxinal Marmeleiro de Cima.
Guassalunga
Febre; cicatrizes de feridas (FRC). Emplastro em picada de cobra; Diarreia. (FS, FMC) Fever; healing scars. (FRC) Plaster for snakebites; diarrhea. (FS, FMC)
Disponibilidade / Availability : boa / good Fedegoso Dor de barriga; defumação; benzimento. (FRC) Dor de barriga em criação. (FS) Limpeza da vaca após a cria. (FMC) Stomach ache; fumigation; healing. (FRC) Stomach ache in livestock. (FS) Cleaning cows after giving birth. (FMC)
Disponibilidade / Availability : boa / good
Tenente São José, Pau amargo Dor de estômago; má digestão. (FRC) Ânsia; dor de barriga. (FS) Diabetes. (FMC) Stomach ache; indigestion. (FRC) Nausea; Stomach ache. (FS) Diabetes. (FMC)
Disponibilidade / Availability : em risco de extinção / threatened
Cambará Sarnas. (FRC)
Garrotilho de animais, gripe. (FS)
Feridas (Serve também como xarope ou sabão caseiro). (FMC)
Skin diseases. (FRC) Animal glanders, flu. (FS) Wounds (Also used as syrup or homemade soap). (FMC)
Disponibilidade / Availability : regular / satisfactory
Guaco Tosse; bronquite (FRC). Gripe; resfriado; ânsia (serve como xarope) (FS, FMC). Cough; bronchitis. (FRC) Flu; cold; nausea (used as syrup). (FS, FMC)
Disponibilidade / Availability : em risco de extinção / threatened
Tansagem
Infecção na bexiga e nos rins. (FRC)
Infecção no útero e nos ovários. (FS)
Gripes e resfriados. (FMC)
Aroeira Dor de dente, feridas. Dor nos rins, rendidura. Dor nas pernas, nas juntas. Toothache, wounds. Kidney pain. Leg and joint pain.
Bladder and kidney infection. (FRC)
Uterus and ovary infections. (FS)
Colds and flu s. (FMC)
Disponibilidade / Availability : boa / good
Milome
Estômago; gripe; Fortificante da vista. (FRC, FS)
Estufamento, dor. (FMC)
Stomach; flu. Strengthens eyesight. (FRC, FS) Bloating; pain (FMC)
Pata de vaca
Disponibilidade / Availability : em risco de extinção / threatened
Cálculo renal; nervos. Rins; bexiga; estufamento; pressão. Infecção. Kidney stones; nerves. Kidneys; bladder; bloating; blood presure. Infection.
Disponibilidade / Availability: boa / good (FRC, FS), regular / satisfactory (FMC)
Disponibilidade / Availability : regular / satisfactory (FRC), em risco de extinção / threatened (FS, FMC)
Pau de Andrade
Cicatrização, úbere de vaca empedrado. Úlcera de estômago; cortes. Feridas; micoses. Healing wounds, hardened cow udder. Stomach ulcers; cuts. Wounds; fungal infections.
Disponibilidade / Availability : em risco de extinção / threatened
Cereja Bronquite (pode servir de xarope para tosse). (FRC)
Disenteria em crianças. (FS) Serve como calmante. (FMC)
Bronchitis (can be used as a cough syrup). (FRC) Dysentery in children. (FS) Acts as a calming agent. (FMC)
Disponibilidade / Availability : regular / satisfactory (FRC), em risco de extinção / threatened (FS, FMC)
Cataia Garrotilho de animais. Gripe, bronquite, dor no corpo. Cortes em criação. Animal glanders. Flu, bronchitis, body aches. Livestock wounds.
Disponibilidade / Availability : regular / satisfactory (FR, FS), em risco de extinção / threatened (FMC)
Araticum Bichas ou vermes. Cólicas, disenterias. (FRC, FS) Reumatismo (serve também como laxante) (FMC) Parasites or worms. Cramps, dysentery. (FRC, FS) Rheumatism (also used as a laxative) (FMC)
Disponibilidade / Availability : boa / good (FS), regular / satisfactory (FRC, FMC)
Erva de bicho Sarnas, hemorróidas, cobreiros. (FRC) Estômago, úlcera. Coceira (Serve como pomada).(FS, FMC)
Skin diseases, hemorrhoids, boils. (FRC) Stomach, ulcers, itching (used as an ointment). (FS, FMC)
Disponibilidade / Availability : boa / good (FRC, FS), regular / satisfactory (FMC)
Dente de leão Fígado. (FRC) Nervos; anemia. (FS) Digestão. (FMC) Liver. (FRC) Nerves; anemia. (FS) Digestion. (FMC)
Chapéu de couro
Erva São João
Limpeza do sangue. (FRC) Infecção. (FS) Reumatismo; micoses. (FMC)
Disponibilidade / Availability : boa / good
Blood purification. (FRC) Infection. (FS) Rheumatism; fungal infections. (FMC)
Estômago. Chá para dieta. Sistema digestivo. Stomach. Tea for diet. Digestive system.
Disponibilidade / Availability : boa / good
Disponibilidade / Availability : boa / good
Espinheira Santa Dor de estômago; diabetes. (FRC) Dor nos rins; bexiga; gastrite. (FS)
Calmante, pressão, circulação. (FMC)
Stomach ache, diabetes. (FRC)
Kidney pain; bladder; gastritis. (FS)
Calming agent, blood pressure. (FMC)
Disponibilidade / Availability : em risco de extinção / threatened
Quina (fel-da-terra)
Estômago, fígado. Disenterias. Febre. Stomach, liver. Dysentery. Fever.
Guabiroba Dor de dente; resfriado. Diarreia; banho para dor; gripe. Banho para mulher grávida. Toothache; cold. Diarrhea; bath for pain; flu. Bath for pregnant women.
Disponibilidade / Availability : boa / good
Disponibilidade / Availability : boa / good
ASSOCIAÇÃO APRENDIZES DA SABEDORIA DE MEDICINAIS E AGROECOLOGIA — ASA. Faxinalenses : fé, conhecimentos tradicionais e práticas de cura. Iraty, 2008.
Erva de lagarto
Ofensa de bichinhos. (FRC) Ofensa de bichinhos; feridas. (FS) Ofensa de bichinhos (cobras, aranhas). (FMC) Insect bites. (FRC) Insect bites; wounds. (FS) Insect bites; snakes, spiders). (FMC)
Disponibilidade / Availability : boa / good
Pitanga Diarreia; dor de barriga. Vermes; reumatismo; febre. Bexiga; diabetes; dor de escadeira; rins. Diarrhea; stomach ache. Parasites; rheumatism; fevers. Bladder; diabetes; bedsores; kidneys.
Disponibilidade / Availability : regular / satisfactory (FRC, FMC), em risco de extinção / threatened (FS)
O historiador Jaime Rodrigues participou do Programa Público através de uma palestra em vídeo na qual abordou sobre a mandioca, o conhecimento indígena relacionado a produção da sua farinha e o trânsito deste alimento pelos continentes a partir do século XVI. A transcrição da palestra Mandioca: perspectivas atlânticas integra o livro.
Historian Jaime Rodrigues participated in the Public Program through a video lecture discussing cassava, indigenous knowledge related to making cassava flour, and the spread of this food across continents, starting from the 16th century. The transcription of his lecture “Cassava: Atlantic perspectives” is included in this book.
JAIME RODRIGUES
Professor Associado de História do Brasil e do Programa de Pós-Graduação em História da Unifesp. Doutor e mestre em História Social pela Unicamp. Atua principalmente nos temas de escravidão, tráfico de escravizados, história marítima, alimentação, patrimônio e organização de acervos. Publicou, entre outros, os livros No mar e em terra (2016), Alimentação, vida material e privacidade (2011) e De costa a costa (2005).
Associate Professor of Brazilian History and the Graduate Program in History at the UNIFESP, Rodrigues holds a Ph.D. and Master's in Social History from the UNICAMP. He focuses primarily on topics of slavery, the trafficking of enslaved persons, maritime history, food, heritage, and archival organization. Among the books he has published are “ No mar e em terra” (2016), “Alimentação, vida material e privacidade” (2011), and “ De costa a costa” (2005).
Produção de farinha de mandioca entre os Ka’apor, s.d. Cassava flour production among the Ka'apor, n.d. Acervo / Collection Museu Paranaense.
JAIME RODRIGUES
Transcrição editada
A mandioca, um alimento dos povos originários do Brasil, se espalhou, há séculos, pelo mundo todo. Minha intenção aqui é ultrapassar as fronteiras políticas, culturais e linguísticas, demonstrando que o saber dos indígenas foi parte da História Atlântica, mesmo que a circulação geográfica desses homens e dessas mulheres pelos mares fosse bastante restrita. Os povos originários foram protagonistas desta História, mesmo que muitas vezes isso não seja reconhecido.
Nós podemos começar a conversa dizendo que a farinha de mandioca não é o único caso de um produto de origem americana que envolve saberes indígenas apropriados pelos brancos que deles retiraram lucros, mas não pagaram royalties. A stevia é um outro caso: alternativa ao açúcar de cana muito usado na indústria de alimentos. Quem descobriu o teor adoçante dessa planta foram os Guarani, que hoje exigem direitos de propriedade intelectual. Outro caso é o murmuru, utilizado por empresas de cosméticos. Os Ashaninka, do Acre, lutaram na justiça para serem reconhecidos, mas foram derrotados, porque a justiça entendeu que qualquer pessoa poderia desenvolver produtos com o murmuru — ou murumuru. Esses casos recentes de apropriação de saberes indígenas sem o reconhecimento de seus direitos são muito comuns e dialogam com um passado mais remoto. O caso mais antigo é o da mandioca e da sua farinha, apropriado pelos europeus desde o século XVI. A mandioca é um dos alimentos básicos para cerca de oitocentos milhões de pessoas no planeta, principalmente na Zona Tropical e merece ser classificada como uma das plantas da “civilização”, ao lado do milho, da batata, do tomate, do cacau e da cana-de-açúcar, por exemplo.
Um dos primeiros a mencionar o saber indígena e as propriedades alimentícias da mandioca foi o protestante francês Jean de Léry, que fez uma longa descrição sobre o preparo desse alimento no ano de 1556. Gabriel Soares de Sousa e Pedro de Magalhães Gandavo são outros cronistas coloniais que descreveram a mandioca e trataram da questão do veneno que somente indígenas sabiam distinguir. O plantio, a colheita e o processamento eram tarefas das mulheres indígenas, e os portugueses mantiveram isso, por exemplo, nas culturas de mandioca para subsistência que eram plantadas nos engenhos de cana de açúcar no nordeste do Brasil. Eram as mulheres indígenas que preparavam a farinha. Havia pelo menos duas variedades: uma, que era mais cozida, dura e durável, que era utilizada pelos homens em expedições; outra menos
cozida, mais tenra e feita para consumo imediato, que os cronistas chamavam de mais mimosa e de melhor gosto, mas não durava mais de dois ou três dias.
A criação do biju — alimento consumido ainda hoje como derivado da farinha — foi uma criação de mulheres portuguesas, de acordo com o cronista colonial Gabriel Soares de Sousa. Os indígenas preferiam a tapioca. Essa descrição foi feita em um momento de fixação mais intensa dos colonos na Bahia, apresentando outros elementos da interferência portugueses na produção de mandioca, já que os portugueses preferiam um gosto mais adocicado, ao contrário do paladar dos indígenas que se inclinava para um sabor azedo. Sabores são também elementos da cultura.
A dependência da farinha de mandioca para matar a fome das populações coloniais era notada desde o século XVI e continuou pelos séculos seguintes. O padre jesuíta José de Anchieta dizia que as pessoas mais ricas na Bahia e em Pernambuco comiam pão de farinha de trigo e que os colonos tinham que se contentar com a mandioca no dia a dia. Gaspar Barleus, no século XVII, chamou a atenção para a importância da farinha de mandioca na alimentação durante a conquista holandesa em Pernambuco. Embora tenha dito que era comida indígena e de roceiros pobres, ele notou que os soldados sofriam muito quando faltava esse alimento. Já Luís dos Santos Vilhena, no final do século XVIII, afirmou que só imigrantes abastados comiam pão feito a partir da farinha de trigo. Para todos os outros habitantes da colônia, a farinha de mandioca ocupava o lugar de principal alimento.
As informações dos cronistas e dos viajantes se repetiam até o século XIX. Isso indica que os colonos se apropriavam continuamente dos saberes indígenas a partir de contatos diretos. No consumo interno, vale mencionar que em 1889, um francês chamado Max Leclerc chegou ao Rio de Janeiro para escrever sobre a República que acabara de ser proclamada no Brasil e observou outros aspectos da vida cotidiana do país. Por exemplo, o consumo de alimentos como mandioca, arroz, feijão preto e milho. Sem querer, as observações desse jornalista francês indicavam que o consumo interno da farinha de mandioca havia se consolidado. Na colônia, o consumo interno era sustentado por uma lei feita em 1688, que obrigava os senhores de engenho a plantar mandioca para consumo interno e também para abastecer os navios negreiros. As leis por si só não eram capazes de resolver a falta endêmica de farinha, pois os documentos coloniais informavam sobre a fome e a falta de farinha, base de sustento da população.
O preço da farinha era uma queixa constante em lugares como Pernambuco e Ceará, por exemplo. No Rio de Janeiro, houve tumultos populares em 1793 pela falta de farinha de mandioca. Em Salvador, quanto mais crescia o comércio de africanos escravizados, mais a carestia de farinha de mandioca aumentava e a população se amotinava. Já no Pará, o problema não era a seca, mas a falta de mão de obra para o cultivo de mandioca. As guerras ao sul da colônia exigiram tropas militares e agricultores capazes de fornecer farinha de mandioca para a manutenção das lutas ao longo do século XVIII, enquanto se definiam as fronteiras coloniais na América do Sul. O consumo interno da farinha incluía outros tipos
de pessoas, além dos indígenas dos escravizados e dos homens livres e pobres. Era preciso também dar de comer à população flutuante, formada principalmente por soldados e marinheiros. Especialmente nas cidades portuárias, essa população era significativa. Toda essa gente precisava ser alimentada e era com a farinha de mandioca que se fornecia alimento.
Já com relação ao aspecto externo, ou transatlântico a produção e consumo da farinha de mandioca era muito importante. Por ser resistente à ação do tempo, a farinha americana foi essencial para as viagens marítimas entre os domínios portugueses, podendo durar até dois anos a bordo de um navio. Desde o início da conquista e da colonização, os portugueses se apropriaram do saber dos povos originários da América para preparar esse alimento substancioso e o fizeram circular por diferentes continentes por meio das rotas marítimas: Índia, Angola... Também os marinheiros que voltavam dos portos do Brasil para Portugal, levando mercadorias coloniais, abasteciam-se de farinha de mandioca, ainda que esse não fosse seu alimento preferido. A presença da farinha era essencial no tráfico de escravizados africanos e na subsistência das populações africanas ao sul do deserto do Saara. Os historiadores da alimentação afirmam que os portugueses haviam levado o cultivo da mandioca para o Congo desde a metade do século XVI. Nos navios negreiros que eram capturados na primeira metade do século XIX, era muito constante a presença da farinha de mandioca como um alimento básico, tanto para escravos como para marinheiros.
A farinha teve uma importância enorme para a História Econômica do Brasil, de Portugal e do Atlântico, e essa importância ainda não foi devidamente reconhecida. Consumida nos navios negreiros, a farinha de mandioca tinha um mercado no continente africano entre as populações que não estavam envolvidas no tráfico. Não foram apenas as mudas da planta e a própria farinha que atravessaram o Atlântico da América em direção à África, mas também o conhecimento, modo de fazer que até hoje é igual aos métodos criados pelos indígenas da América do Sul, como ensinou o embaixador e historiador Alberto da Costa e Silva. Já o historiador Luis Filipe de Alencastro diz que o sucesso dessa transferência alimentar se devia às poucas pragas naturais que a mandioca encontrava na África e que o plantio desse vegetal se expandiu do sul do Saara até o sul de Moçambique e Angola, tornando-se a principal fonte primária de calorias na dieta de africanos desde o final do século XVI. O trânsito dos alimentos entre os continentes é um tema que tem chamado bastante a atenção de historiadores desde a década de 1970. No caso da mandioca, um vegetal que durante milênios foi domesticado pelos povos originários na América do Sul, evidencia-se uma experiência global. A apropriação dos saberes de mulheres indígenas trouxe benefícios para os conquistadores europeus, garantindo a fixação deles na América e mantendo as calorias necessárias para as viagens de longa duração, como as atlânticas. O trânsito da planta e da farinha incorporou os indígenas da América aos circuitos comerciais do Atlântico, mesmo quando esses indígenas não estavam presentes fisicamente. As notícias ouvidas em pleno século XXI, como as mencionadas sobre a stevia
e o murmuru, deixam claro que os brasileiros de hoje são herdeiros e praticantes de uma visão preconceituosa sobre o que é a cultura dos povos originários, na medida em que os conhecimentos construídos ao longo do tempo são entendidos como algo que qualquer pessoa poderia saber e fazer. Isso não é verdade. Os indígenas da América do Sul foram capazes de transformar uma raiz potencialmente venenosa em um alimento básico da sua dieta e também da dieta dos colonizadores, dos navegadores e dos africanos. Na história da farinha de mandioca, muitos temas se cruzam: formação das colônias, história indígena, estudos agrários, comércio em escala local e mundial, culturas de subsistência, questão da roça escrava, história da alimentação, tráfico de escravizados e história marítima. Tudo isso ocorreu ao longo de cinco séculos e em quatro continentes diferentes. Sob qualquer aspecto, temos muito o que aprender — e temos que considerar a globalização como uma invenção da qual os povos originários da América participaram como protagonistas.
JAIME RODRIGUES
Edited transcription
Cassava, a food of the native peoples of Brazil, has been spreading around the world for centuries. My intention here is to cross political, cultural, and linguistic borders, demonstrating that the knowledge of the indigenous people has been part of Atlantic History, despite their limited overseas geographical circulation. Although it is not often recognized, native peoples were protagonists of this history.
We can begin the conversation by stating that cassava flour is not the only case of an original product of the Americas that involves indigenous knowledge appropriated by Europeans who profited from it without paying royalties. Stevia, an alternative to cane sugar widely used in the food industry, is another example. The sweetness of this plant was discovered by the Guarani people, who are today demanding intellectual property rights. Another case is murumuru, used by cosmetics companies. The Ashaninka people of Acre fought for recognition, but were defeated because the courts ruled that rights to develop products using murumuru could be granted to anyone. These recent cases of the appropriation of indigenous knowledge without recognition of their rights are quite common and connect with a more remote past. The oldest case is that of cassava and its flour, whose appropriation by Europeans goes back to the 16th century. Cassava is a staple for about eight hundred million people on the planet, especially in tropical zones, and deserves to be classified as one of “civilization’s” mainstay crops, alongside maize, potatoes, tomatoes, cocoa, and sugarcane, for example.
One of the first to mention indigenous knowledge and the food properties of cassava was the French Protestant Jean de Léry, who extensively described the preparation of this food in 1556. Gabriel Soares de Sousa and Pedro de Magalhães Gandavo are other colonial chroniclers who described cassava and addressed the issue of the poison that only indigenous people could distinguish. Planting, harvesting, and processing were tasks carried out by indigenous women, and the Portuguese continued this, for instance, in the subsistence cassava crops planted on the sugar plantations of northeastern Brazil. Indigenous women were responsible for preparing the flour. There were at least two varieties: one, which was more cooked, hard, and durable, was taken by men on expeditions; the other, less cooked, more tender, and meant for immediate consumption, was described by chroniclers as softer and better-tasting but did not last more than two or three days.
The creation of “biju” — a food still consumed today as a derivative of cassava flour — was, according to colonial chronicler Gabriel Soares de Sousa, an invention of Portuguese women. Indigenous people preferred tapioca. This description comes from a time when the settlers were better established in Bahia, and reflects other elements of Portuguese
interference in cassava production, since the Portuguese preferred a sweeter taste, contrary to the indigenous preference for a sour one. Flavors are also elements of culture.
The dependence on cassava flour to quell the hunger of the colonial population was noted as early as the 16th century, and it persisted for centuries. Jesuit priest José de Anchieta said that the wealthiest people in Bahia and Pernambuco ate wheat bread, while the colonists had to make do with daily-life cassava. In the 17th century, Gaspar Barleus drew attention to the importance of cassava flour in the diet during the Dutch conquest of Pernambuco. Although Barleus noted it was the food indigenous peoples and poor rural workers, he also noted that soldiers suffered greatly when cassava flour was scarce. Luis dos Santos Vilhena, at the end of the 18th century, stated that only affluent immigrants ate bread made from wheat flour. For all other colony inhabitants, cassava flour was their main food.
Information received from these chroniclers and travelers flowed into the 19th century. This indicates that the settlers continuously appropriated indigenous knowledge through direct contact. In terms of internal consumption, it is worth noting that in 1688, a law was enacted requiring sugar plantation owners to grow cassava for in loco consumption and to supply slave ships. However, the laws alone were insufficient to solve the endemic lack of cassava flour. Colonial documents reported on famine and shortage of cassava, the staple food of the population. The price of cassava flour was a constant complaint in places like Pernambuco and Ceará, for instance. In Rio de Janeiro, there were popular riots in 1793 due to shortages. In Salvador, the more the trade of enslaved Africans grew, the greater the shortage of cassava flour, leading to riots among the population. In Pará, the problem was not drought but a lack of labor to cultivate the plant. The wars in the southern part of the colony required military troops and farmers capable of providing cassava flour for the maintenance of the struggles throughout the 18th century while the colonial boundaries in South America were being defined. The internal consumption of cassava flour included other types of people besides indigenous people, slaves, and poor freemen. The floating population, especially in port cities, was significant, and cassava flour was their staple.
Regarding the external or transatlantic trade, cassava flour production and consumption were essential. Because it was resistant to the effects of time, American cassava flour was essential for maritime travel between Portuguese territories and could last up to two years on board a ship. From the early days of conquest and colonization, the Portuguese appropriated indigenous knowledge to prepare this substantial food and got it circulating through various continents via sea routes, such as India, Angola, etc. Sailors returning from Brazilian ports to Portugal, carrying colonial goods, would stock up on cassava flour, even though it was not their favorite food. The presence of cassava flour was essential in the trafficking of enslaved Africans and the subsistence of African populations south of the Sahara Desert. Food historians claim that the Portuguese had taken cassava cultivation to the Congo from the mid-16th century. In captured slave ships of the first half of the 19th century, cassava flour was frequently found to be the staple, both for enslaved individuals and sailors.
Cassava flour played a tremendous role in the Economic History of Brazil, Portugal, and the Atlantic, and this significance has yet to be properly recognized. Consumed on slave ships, American cassava flour had a market on the African continent among populations not involved in the slave trade. Not only the cassava plant and the flour itself crossed the Atlantic from America to Africa but also the knowledge and methods generated around it, largely unchanged, created by indigenous people in South America — as pointed out by ambassador and historian Alberto da Costa e Silva. Historian Luis Filipe de Alencastro states that the success of this food transfer was due to the few natural pests it encountered in Africa, where cassava cultivation expanded from south of the Sahara to the south of Mozambique and Angola. It became the primary source of calories in the diet of Africans as of the late 16th century.
The movement of food between continents is a topic that has drawn considerable attention from historians since the 1970s. In the case of cassava, a plant that was domesticated by indigenous peoples in South America over millennia, a global experience is now evident. The appropriation of indigenous knowledge by European settlers brought benefits to the colonizers, allowing them to settle in the Americas and
providing the calories needed for long voyages, such as transatlantic ones. The movement of the plant and its flour brought the indigenous peoples of the Americas into the commercial circuits of the Atlantic, even when they themselves were not physically present. Recent understandings, such as the information mentioned earlier regarding stevia and murumuru, make it clear that contemporary Brazilians inherit and practice a biased view of indigenous culture: knowledge built over time is understood as something that just anyone could know and implement. This is not true. Indigenous peoples in South America were able to transform a potentially poisonous root into a staple food in their diet, as well as that of the colonizers, sailors, and Africans.
In the history of cassava and cassava flour, many themes intersect: the formation of colonies, indigenous history, agricultural studies, local and global trade, subsistence cultures, the
issue of slave agriculture, the history of food, the slave trade, and maritime history. All this took place over five centuries and on four different continents. From any perspective, we have much to learn, and we must consider globalization as an invention in which the indigenous peoples of the Americas took part, as protagonists.
Nessa terra, em se plantando, tudo dá: diálogos sobre arte, natureza e colonização In this land, when planted, everything grows: dialogues on art, nature, and colonization
Jaime Lauriano, Fernanda Pitta
A mesa de conversa Nessa terra, em se plantando, tudo dá: diálogos sobre arte, natureza e colonização toma como título uma das obras do artista Jaime Lauriano, um dos convidados da mesa. O trabalho, de 2015, consiste em uma muda de pau-brasil, que cresce dentro de uma estufa até que as suas raízes e galhos destruam a própria estrutura que permite o crescimento da muda. Esta violência imposta sobre a arquitetura da estufa alude às violências aplicadas aos povos nativos da América Latina com o processo de colonização. Ao destruir a estrutura que a contém, a muda de pau-brasil estará fadada a sua própria destruição, condicionando assim a sua existência ao seu aprisionamento. Foi a partir das discussões trazidas pelo trabalho que o artista travou diálogo com o público.
Já a curadora Fernanda Pitta participou da atividade partindo da seguinte indagação: E se pudéssemos pensar as relações entre arte e natureza no Brasil, ou pelo menos em alguns dos capítulos dessa história, como perpassada por processos não só de colonização, mas de autocolonização? A partir do termo utilizado pela historiadora Armelle Enders para descrever processo de dominação do território brasileiro — como um processo de dominação interno e não externo, do bandeirantismo à expansão do “progresso” no século XX no Brasil —, ela propôs discutir as contradições desse processo e seu impacto nas artes visuais brasileiras.
Ao final da mesa de conversa, o artista plantou o pé de pau-brasil que estava na sala expositiva no jardim do MUPA. Fotografias da obra Nessa terra, em se plantando, tudo dá, da mesa de conversa e ensaio da pesquisadora Fernanda Pitta estão no livro.
The roundtable “In this land, when planted, everything grows: dialogues on art, nature, and colonization” takes its title from one of the works by artist Jaime Lauriano, one of its participants. That piece of work, from 2015, consists of a Brazilwood seedling that grows inside a greenhouse until its roots and branches burst the structure that allowed it to grow. This violence imposed on the greenhouse's architecture alludes to the violence unleashed on the native peoples of Latin America during the colonization process. By destroying the structure that contains it, the Brazilwood seedling is doomed to destruction, thus demonstrating that its very existence is bound to its own imprisonment. The artist engaged in conversation with the audience based on the discussions the work wrought.
Curator Fernanda Pitta took part in the activity by starting from the following question: what if we thought of the relations between art and nature in Brazil, or at least in some chapters of this history, as permeated by processes not only of colonization but also of self-colonization? Using the term that historian Armelle Enders employs to describe domination processes within Brazilian territory — as internal rather than external processes, from the Bandeirantes campaigns to the expansion of "progress" in 20th century Brazil — she calls our attention fo the contradictions of this process and its impact on Brazilian visual arts.
At the end of the roundtable, the artist planted the Brazilwood tree that was in the exhibit room in the MUPA garden. Photographs of the work “In this land, when planted, everything grows”, the roundtable, and an essay by researcher Fernanda Pitta are included in this book.
Artista visual, graduado pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e já realizou diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Com trabalhos marcados por um exercício de síntese entre o conteúdo de suas pesquisas e estratégias de formalização, Jaime Lauriano nos convoca a examinar as estruturas de poder contidas na produção da História. Em peças audiovisuais, objetos e textos críticos, Lauriano evidencia como as violentas relações mantidas entre instituições de poder e controle do Estado — como polícias, presídios, embaixadas, fronteiras — e sujeitos moldam os processos de subjetivação da sociedade. Sua produção busca trazer à superfície traumas históricos relegados ao passado, aos arquivos confinados, em uma proposta de revisão e reelaboração coletiva da História.
Visual artist, he has a degree from the Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, and has held numerous solo exhibits, in Brazil and abroad. With works marked by a synthesis between the content of his research and formalization strategies, Jaime Lauriano calls us to examine the power structures contained in the making of history. In audiovisual pieces, objects, and critical texts, Lauriano highlights how the violent relationships of institutions of power and State control — such as police, prisons, embassies, borders — to individuals shape society's subjectivation. His work seeks to bring historical traumas relegated to the past, and to stashed-away archives, to the surface, calling for a collective revision and re-elaboration of history.
Nessa terra, em se plantando, tudo dá [In this land, when planted, everything grows], 2015. (Fotografia por / Photo by : Isabella Matheus, Pinacoteca de São Paulo)
Professora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP). Os seus interesses de pesquisa centram-se na discussão de paradigmas da arte nacional e no lugar da arte indígena nas narrativas da arte brasileira. Foi bolsista da FAPESP, Fellow da AAMC e AAMC Foundation, Clark Art Institute, Biblioteca Getty e Visiting Scholar na Fakultet for kunst, musikk og design, Noruega. É coordenadora, com Susanna van der Watt e Lizabé Lambrechts, do projeto de pesquisa Decay Without Mourning: Future-thinking heritage practices, com financiamento do Riksbankens Jubileumsfond.
Professor at the Museum of Contemporary Art of the University of São Paulo (MAC-USP). Her research interests focus on paradigms of national art and the place of indigenous art in Brazilian art narratives. She has been a fellow at the FAPESP, AAMC, and AAMC Foundation, Clark Art Institute, Getty Library, and Visiting Scholar at the Faculty of Art, Music, and Design, Norway. With Susanna van der Watt and Lizabé Lambrechts, she co-coordinates of the research project "Decay Without Mourning: Future-thinking heritage practices," funded by Riksbankens Jubileumsfond.
FERNANDA PITTA
Transcrição
editada
Trouxe hoje para a gente discutir uma provocação e uma historinha contada em capítulos. É muito rico e importante pensarmos no que eu vou chamar aqui, emprestando um termo de Armelle Enders, de um processo de autocolonização. O Estado brasileiro, nossas formas de relação e sociabilidade foram sempre pautadas por processos colonizatórios e extrativistas
Enders usa esse termo para falar do processo da construção do mito bandeirante em São Paulo. A figura heroica desses exploradores, caçadores de indígenas e violentadores de pessoas e de territórios opera uma violência dupla: assumir os valores do colonizador como os deles próprios e infringir esses valores sobre outros corpos, territórios, viventes e natureza.
Em cada capítulo, vou propor obras para pensarmos juntos como o processo da autocolonização aparece nos processos artísticos e, de certa forma, determina alguns deles.
Trago uma obra que acho muito emblemática: uma pintura de grande formato do artista paulista José Ferraz de Almeida Júnior, intitulada O Derrubador Brasileiro. Ele a fez na França e a expôs no Salão de Paris, em 1879. Claramente, aqui se faz alusão a algo que é proposto como um valor e um objetivo da sociedade brasileira — a conquista do território.
Quando Almeida Júnior pintou essa obra, ela causou um curto-circuito na recepção, na crítica. Ela não foi muito bem entendida, porque ele pintou (na Europa) um indígena caboclo usando um modelo italiano, em uma pose clássica que alude às de heróis como Teseu ou Martin — alude à tradição da arte ocidental.
Porém, ele atualizou essa figura para construir um tipo brasileiro, um tipo indígena, mas muito diferente daquele tipo romântico que a arte no Brasil construiu em meados do século XIX até a segunda metade daquele século. Aqui, esse indígena é apresentado enquanto figura fundamental no processo de conquista e dominação do território — e isso é positivado, ainda que de modo ambíguo.
Fotografias de álbuns da Comissão Geológica e Geográfica do Estado de São Paulo. Photographs from the Geographic and Geological Commission of São Paulo photoalbums.
É um indígena que está no descanso do trabalho, na pausa da derrubada que está acontecendo no fundo da composição. Esse momento de subversão, em que ele para na beira desse poço e fuma seu cigarro, é como os indígenas faziam à época que Almeida Júnior estava pintando a obra. Nos jornais da época, os indígenas eram chamados de preguiçosos, resistentes, indolentes, porque queriam ter controle sobre seu tempo.
Na obra, de um lado, há o elogio do progresso, do desenvolvimento, da civilização (como a destruição ou domínio sobre a natureza). Ao mesmo tempo, essa destruição é feita pelo próprio elemento que vem desse lugar, colocado como um agente desse processo. O herói extrativista é alçado a herói nacional.
Um outro conjunto que convido vocês a conhecerem melhor é composto por imagens das expedições científicas, exploratórias, de mapeamento do território nacional. Trouxe três imagens de álbuns de fotografias da Comissão Geológica e Geográfica do Estado de São Paulo. Essa comissão foi instituída ainda no período imperial e mapeou o território paulista a partir dos rios, fazendo o suposto caminho das monções e das bandeiras. Nessa época, se achava que as bandeiras tinham ido pelos rios e não pelas trilhas indígenas. Isso nos traz uma representação do domínio da natureza feita pelos indivíduos que fazem parte desse universo.
Tem associações que são muito interessantes. Essa ideia de masculinidade, de dominação da natureza feminina, da virilidade (como elogio desse processo extrativista). Acho incrível que todos esses homens estão segurando uma jiboia gigante na altura do pênis, como se fosse um grande pênis a ser exibido como troféu, assim como os outros animais, outras cobras...
Tem uma série de outras imagens que trazem também essa ideia da natureza como troféu, algo a se conquistar e extrair riqueza. O que a gente vê muito nessas imagens que constituem o imaginário moderno brasileiro é a necessidade de entender o progresso e bem-estar nacional como advindos da submissão dos seres vivos e da natureza ao poder do homem.
O artistas Modernos de São Paulo, que vão escrever o Manifesto Pau-Brasil e o Manifesto Antropófago, e olhar para as culturas populares e originárias do país para tentar fundar um discurso e uma prática de arte moderna de ruptura, de vanguarda, acabam também incidindo numa tática extrativista, na medida em que nunca chamam à mesma mesa os povos originários, os povos escravizados, aqueles de quem eles se apropriam da fala.
Aqui faço uma provocação para pensarmos a antropofagia de Tarsila e uma folha de caderno dos seus estudos feitos no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Muito provavelmente, ela extraiu um repertório visual e plástico dos povos originários brasileiros, que foram incluídos no seu trabalho sem nunca chamá-los para uma conversa.
Hoje, acho que vivemos um terceiro capítulo nessa história — que começa com muita força nos movimentos negro e indígena nos anos 1960 e 1970 — que é o de retomada dos territórios da arte, ciência, cultura, política. A gente tem que pensar se essa retomada vai propor novas formas de relação entre arte, natureza e sociedade ou se reencena formas de extrativismo, expropriação e apropriação. Trago alguns trabalhos que falam muito disso.
Um deles é a intervenção do Denilson Baniwa que acontece no projeto Vozes Contra o Racismo, com curadoria do Hélio Menezes, nosso colega querido. Denilson faz uma projeção que intervém sobre o Monumento às Bandeiras, o qual celebra o processo de modernização como processo de desapropriação e de subjugação daquilo que não é moderno ao éthos e aos interesses da modernidade. Ele simplesmente intervém nesse monumento, apagando com gesto de
projeção das curvas do Rio Negro, dos seres da floresta, dos encantados todos que repovoam esse espaço e retomam esse território. Outro projeto, feito aqui no MUPA do ano passado para este ano, é o Retomada da Imagem. Foi, talvez, a primeira vez que se fez dentro de um museu com características como as do Museu Paraense uma troca e aliança com artistas indígenas, que se referem e têm pertencimento nessa coleção. Que vão olhar para como seus antepassados, às vezes bem recentes (o tio, o pai, o irmão mais velho), foram retratados e colecionados dentro desse contexto. Então, além de uma “retomada da imagem”, é uma retomada de território por parte desses artistas.
Para concluir, quero pensar no tema do Programa Público: a relação com as plantas — quer dizer, a relação com isso que a gente chama de “um aspecto da natureza”, mas que alguns ativistas como Ailton Krenak, ou pensadores como Derrida, conceituaram como “os viventes”, numa tentativa de quebrar essa separação entre homem e natureza. É também como vão dizer os intelectuais indígenas, para os quais todos os seres são gente, evitando a separação e hierarquização entre seres e entendendo o cosmos, a cosmovivência, como integrada e como uma única vida.
Tem alguns trabalhos que provocam muito a pensar essa relação — de maneira a explicitar a história da dominação, do extrativismo, da colonização — e a reconhecer, visibilizar, a agência desses outros seres sobre a vida como um todo (e sobre a nossa vida enquanto humanos). Um deles, que para mim é fundamental, é o de Nelson Felix, começado em 1985. Faz parte do seu maior projeto, Cruz da América Uma das ações era um ato de violência extrema — fincar garras de metal no solo, em torno de uma árvore da Floresta Amazônica, no Acre, para explicitar a agência, reação e resistência desse ser atacado. Esse trabalho do Nelson é feito para não ser visto, percebido ou usufruído por nós, porque o tempo dele vai passar o tempo da nossa vida, dos nossos descendentes… E, talvez, um tempo geológico muito maior do que a gente pode esperar, que implica no lento processo de reação da árvore, que vai assimilar e deglutir a violência infligida sobre ela.
Também há um trabalho do Denilson Baniwa, uma parte do que ele desenvolve na exposição Véxoa: Nós sabemos, realizada na Pinacoteca de São Paulo em 2021. O trabalho é composto de três partes e se chama Nada que é Dourado Permanece. O primeiro, Hilo, é o plantio de plantas, flores, sementes e especiarias no estacionamento da Pinacoteca, antes da abertura da exposição. Esse trabalho tem um ciclo de vida — assim como em Nessa terra, em se plantando, tudo dá — que dura até o encerramento da exposição.
A ideia foi tensionar a relação do museu com esse trabalho. A primeira reação de todos foi: “Elas vão morrer, não vão resistir, vai encher de bicho, como é que a gente vai fazer com isso?”. Acabou se criando uma rede de solidariedade entre as pessoas do museu para aguar as plantas todos os dias, ir lá cuidar, deixar que elas crescessem, não deixar que o público pisasse. Isso acabou implicando em um posicionamento político do museu, determinando que ali nunca mais
seria estacionamento, que precisava haver um jardim e uma retomada de espaço da natureza.
Outro exemplo que ensina muito — inclusive para mim, que estou trabalhando em um museu de arte e sendo demandada a repensar as relações da história da arte brasileira com os povos indígenas, com os povos descendentes de escravizados, com esse “projeto colonial”, como disse o Jaime, que é um museu — é Essa é a grande volta do Manto Tupinambá, ação de retomada dos mantos tupinambás pela comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, na Bahia. Por trás disso está a Glicéria Tupinambá, uma grande pessoa.
Os Tupinambás viviam na costa do Brasil, de São Paulo até a Bahia. Foram os primeiros povos contatados e explorados pelos colonizadores, no comércio do pau-brasil. Foram dados por extintos, mas resistiram e resistem na retomada dos seus territórios.
Um dos processos muito fortes nessa retomada foi a relação com os mantos — adereços de poder e honra produzidos pelos Tupinambás, pelas mulheres sobretudo, que foram parar em várias coleções europeias no processo da colonização (por presentes, trocas, ou simples roubo). Foram dispersos 11 desses mantos em coleções europeias.
Em 2000, no contexto da exposição dos 500 Anos do Descobrimento, houve uma grande ação dos indígenas em Brasília e Porto Seguro contra as comemorações, para demarcar a ideia de que não houve “descobrimento”, mas uma guerra de conquista, um genocídio. Naquela ocasião, um dos mantos, exposto em São Paulo, veio de um museu da Dinamarca. Dois membros da comunidade Tupinambá visitaram o manto e fizeram uma carta reivindicando o seu repatriamento. O Estado brasileiro não fez nada e os dinamarqueses não emprestaram o manto para itinerância, com medo de que ele fosse confiscado. E esse assunto não foi mais discutido.
No processo de retomada e demarcação da comunidade da Serra do Padeiro, a Glicéria e outras pessoas voltaram a pensar nessa questão e entenderam que não queriam os mantos de volta. Porque o que importava era que eles aparecessem novamente, mostrando que nunca tinham ido embora. Para isso, era preciso recuperar a mata, trazer de volta os bichos, as aves, além de se reconectar com os fazeres que permitem a confecção desses mantos. Aí se deu o processo de reconfecção.
O primeiro manto foi usado pelo Babau, quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia. Ele usa esse manto e a comunidade segue fazendo-os, em uma reconexão na relação entre humanos e natureza, tão fundamental para que os Tupinambás resistam e existam no seu território. É muito linda uma frase da Glicéria. Ela diz:
“A gente não quer esses mantos de volta porque quem ficou com eles vai ter a pena eterna de cuidá-los direito para sempre. O que a gente quer é saber fazê-los de volta. Poder ver, poder tocar, poder entender como é que faz a fibra, como que dá o ponto, em que momento tira a pena do bicho para que ele não morra e possa a pena crescer de volta, a cera de abelha que a gente precisa passar para dar mais resistência à fibra, ao material e as práticas de celebração, de comunhão, de reunião para as quais esses objetos são realizados”.
[acima, p. 127 / above, page 127 ]
Registros do projeto Retomada da Imagem , no Museu Paranaense em 2021.
Registers of the Reclaiming the Image project, at Museu Paranaense in 2021.
FERNANDA PITTA
transcription
I have come here today with a provocation, and with a story told in chapters, for our discussion. It is very enriching and important to think about what I will call, borrowing a term from Armelle Enders, a process of self-colonization. The Brazilian state, our forms of relationships and sociability have always been guided by colonization and extractivist processes.
Enders uses this term to talk about the construction of the Bandeirante myth in São Paulo. The heroic stature given to these explorers, hunters of the indigenous, and violators of peoples and territories, carries a dual violence: the subjugated take on the values of the colonizer as their own and impose them on other bodies, territories, living beings, and nature.
In each chapter, I offer artworks for us to think together about how the process of self-colonization appears in artistic processes and, in a way, determines some of them.
I bring a work that I find very emblematic: a large-format painting by the São Paulo artist José Ferraz de Almeida Júnior, titled “The Brazilian Logger.” He painted it in France and exhibited it at the Paris Salon in 1879. Clearly, here there is an allusion to something that has been proposed as a value and goal of Brazilian society — the conquest of territory.
When Almeida Júnior painted this work, it caused a disruption in reception and critique. It was not well understood because he painted (in Europe) a caboclo indigenous person using an Italian model in a classical pose that alluded to heroes such as Theseus or Martin — reference to the tradition of Western art.
Yet he updated this image to create a Brazilian type, an indigenous type, very different from the romanticized icons constructed in Brazilian art from the mid-19th century until the second half of that century. Here, this indigenous person is presented as a fundamental figure in the process of territorial conquest and domination of the territory — and this is positively, although ambiguously, portrayed.
It is an indigenous man who is taking a rest from work, taking a break from the logging that unfolds in the background of the composition. This moment of subversion, where he stops at the edge of the pit and smokes his cigarette, is something indigenous people did at the time when Almeida Júnior painted the work. In the newspapers of the time,
indigenous people were called lazy, resistant, and indolent, because they wanted to have control over their time.
In the work, on one hand, there is praise for progress, development, and civilization (such as the destruction or domination of nature). At the same time, this destruction is carried out by the very subject who is a native of the land, situated as an agent of the process. The extractivist hero is elevated to the stature of national hero.
Another set I invite you to become better acquainted with consists of images from scientific, exploratory expeditions, and the mapping of the national territory. I set before you three images from the photo albums of the Geological and Geographical Commission of the State of São Paulo. This commission was established during the imperial period and mapped the São Paulo territory along its rivers, tracing the supposed path of the monsoons and bandeiras . At that time, it was believed that the bandeiras had traveled by rivers and not indigenous trails. This provides a representation of the domination of nature carried out by the individuals who are part of this universe.
There are some very interesting associations here, including the idea of masculinity, the domination of a feminized nature, and virility (as praise of this extractivist process). It is remarkable that all these men are holding a giant boa constrictor at crotch level, as if it were a a big penis to be displayed as a trophy, just like other animals and snakes...
There are a series of other images that also bring this idea of nature as a trophy, something to conquer and extract wealth from. What we often see in these images that constitute the modern Brazilian imaginary is the need to understand progress and national well-being as coming from the submission of living beings and nature to the power of man.
The Modernist artists of São Paulo who wrote their “Brazilwood Manifesto” and the “Anthropophagic Manifesto” looked to the country’s popular and native cultures in an attempt to establish a discourse and practice of modern art that was
groundbreaking and avant-garde. Yet this did not exempt them from extractivist, since tactics, as they never invited indigenous peoples, enslaved peoples, those from whom they appropriated language, to join them at the table.
Here, I present a provocation for us to think about Tarsila’s anthropophagy, and a notebook page from her studies at the National Museum in Rio de Janeiro. It seems likely that she extracted a visual and artistic repertoire from Brazilian indigenous peoples, which she included in her work, without ever inviting them into conversation.
Today, I believe we are living a third chapter in this history — which began with great force in the Black and Indigenous movements of the 1960s and 1970s — which is the reclaiming of territories in art, science, culture, and politics. We should consider whether this reclaiming proposes new forms of relationship between art, nature, and society or whether it reenacts forms of extractivism, expropriation, and appropriation. I present some works that speak to this.
One of them is Denilson Baniwa’s intervention in the “Voices Against Racism” project, curated by our dear colleague Hélio Menezes. Denilson creates a projection that intervenes in the Monument to the Bandeirantes, which celebrates modernization as a process of dispossession and subjugation of what is not modern to the ethos and interests of modernity. He simply intervenes in this monument, projecting onto it the curves of the Rio Negro, creatures of the forest, repopulating this space with enchantments, reclaiming the territory.
Another project, carried out at MUPA last year for this year’s showing, is “Reclaiming the Image.” It was perhaps the first time that a museum with characteristics like the Museu Paranaense engaged in an exchange and alliance with indigenous artists who refer to and are connected to this collection. They look at how their ancestors, sometimes quite recent (uncles, fathers, older brothers), have been portrayed and brought into the collection. Hence, they reclaim both “image” and territory.
In conclusion, I want to consider the theme of the Public Program: our relationship to plants — that is, the relationship with what we call “an aspect of nature,” but that some activists like Ailton Krenak, or thinkers like Derrida, have conceptualized as “the living,” in an attempt to break with the separation of humans from nature. This is also what indigenous intellectuals say, in their conviction that for all beings are people, avoiding the separation and hierarchization of beings and understanding the cosmos, cosmovivência [experience of the cosmos] as integrated, as a single life.
There are some works that provoke much thought about this relationship — to expose the history of domination, extractivism, colonization, and to recognize, make visible, the agency of these other beings within life as a whole (and in our lives as humans).
One of them, which is fundamental to me, is by Nelson Felix. Begun in 1985, it is part of his larger project, “ Cruz da América” [America’s Cross].” One of its actions is extremely violent— driving metal claws into the ground around a tree in the Amazon Forest in the state of Acre, to expose the agency, reaction, and resistance of the being that is under attack. This work by Nelson is made not to be seen, perceived, or enjoyed by us, as its time will outlast our lifetime and of our descendants... And perhaps a much longer geological time than we can expect, involving the slow process of the tree’s response, as it assimilates and digests the violence inflicted upon it.
There is also a work by Denilson Baniwa, part of what he developed in the exhibition “ Véxoa: Nós Sabemos ,” hosted by the São Paulo Pinacoteca in 2021. The work consists of three parts and is called “Nothing That Is Golden Remains.” The first part, “Hilo,” involves planting plants, flowers, seeds, and spices in the Pinacoteca parking lot before the exhibit opens. This work has a lifecycle — just like the saying “ Nessa terra, em se plantando, tudo dá” (In this land, when planted, everything grows), which lasts until the end of the exhibit.
The idea was to challenge the museum’s relationship to this work. Everyone’s initial reaction was, “They will die, won’t survive, they will become infested, how are we going to deal with this?” It ended up creating a network of
solidarity among the museum staff to water the plants every day, take care of them, let them grow, and prevent the public from stepping on them. This led to a political stance by the museum, determining that it would never be a parking lot again, and that they needed garden, needed to reclaim natural space.
Another example that teaches us a lot — especially to me, as I work in an art museum and am being called upon to rethink the relationships between the history of Brazilian art and indigenous peoples, the descendants of enslaved peoples, and this “colonial project” - as Jaime says - which is a museum — is “ Essa é a grande volta do Manto Tupinambá” [This is the great return of the Tupinambá Cloak] an action to reclaim the Tupinambá cloaks, on the part of the Tupinambá community of Serra do Padeiro in the state of Bahia. Behind this is Glicéria Tupinambá, a marvellous person.
The Tupinambás lived on the coast of Brazil, from São Paulo to Bahia. They were the first peoples contacted and exploited by colonizers in the trade of Brazilwood. They were declared extinct, but they resisted and continue to resist, reclaiming their territories.
A key component of this reclaiming comes from their relationship to the cloaks — adornments of power and honor produced by the Tupinambás, mainly by women, which ended up in various European collections during the colonization process (as gifts, trades, or simple theft). Eleven of these cloaks were scattered throughout European collections.
In 2000, in the context of the 500th Anniversary of the Discovery exhibition, there was a major action by indigenous people in Brasília and Porto Seguro, against the celebrations, to emphasize that what was called “discovery” was no more than conquest, genocide. On that occasion, one of the cloaks, , displayed in São Paulo, came from a museum in Denmark. Two members of the Tupinambá community visited the cloak and wrote a letter demanding its repatriation. The Brazilian state did nothing, and the Danes did not lend the item for itinerancy, fearing that it would be confiscated. And the matter was dropped.
In the process of reclaiming and demarcating the Serra do Padeiro community, Glicéria and others began to think about this issue again and understood that they didn’t want the cloaks back. Because what mattered was that they
appear again, showing that they had never really left. For this to happen, it was necessary to restore the forest, bring back the animals, the birds, and reconnect with the practices that allowed the making of these cloaks. The process of remaking began.
The first cloak was worn by Babau when he received an honorary doctorate from the Federal University of Bahia. He wore it, and the community continues to make them, in a reconnection between humans and nature, fundamental for the Tupinambás, to resist and exist in their territory. There’s a very beautiful quote from Glicéria. She says, “We don’t want these cloaks back because those who kept them will have the eternal burden of taking care of them properly until the end of time. What
we want is to know how to make them again. To be able to see, touch, and understand how to make the fiber, the stitching, when to remove the feathers from the animal so it doesn’t die and the feather can grow back, the beeswax we need to apply for more resilience to the fiber, the material, and the practices of celebration, communion, and gathering together for which these objects are created.”
GUSTAVO CABOCO, DENILSON BANIWA
Re-encontros: Como o povo Ka’apor veio parar no Paraná?
[How the Ka’apor people ended up in Paraná?], 2021
Plantas alimentares africanas no mundo atlântico
African food plants in the Atlantic world
Judith Carney
Plantas de poder nas tradições e saberes ancestrais
Plants of power in ancestral traditions and knowledge
Dalzira Maria Aparecida (Iya Gunã), Karoliny Martins, Juliana Rodrigues
LINNAEUS e Pau-Brasil
Marcelo Moscheta
POLVO
Bia Figueiredo
Central do Abacaxi
Amanda Kosinski, Camila Frankiv
Quem planta sua comida?
Who grows your food?
Amanda Kosinski, Camila Frankiv
Sopa Borscht ou Sopa de Beterraba
Borscht Soup or Beet Soup
Amanda Kosinski, Camila Frankiv
Vegetal que vira música: a caxeta e os instrumentos caiçaras
Plant that turns into music: the ‘caxeta’ and Caiçara instruments
Aorelio Domingues
Simbioses: arte, ecologias e políticas na paisagem cidade-floresta; Ponto Final, Ponto Seguido
Symbioses: art, ecologies, and politics in the city-forest landscape; Ponto Final, Ponto Seguido
Uýra, Keila Sankofa
Simbioses: arte, ecologias e políticas na paisagem cidade-floresta
Symbiosis: art, ecologies, and politics within the forest-city
Uýra
Letras em fotossíntese Letters in photosynthesis
Noemi Jaffe, Julie Fank
Judith Carney
A circulação de plantas alimentares africanas é por si um fenômeno histórico antigo, que a partir do contexto das expansões marítimas ganhou proporções cada vez mais globais. Nessa conjuntura, a movimentação de sementes africanas rumo às Américas desempenhou um papel não apenas ligado à formação de uma nova paisagem e formas alimentares, mas também novos conhecimentos, memórias e afetividades. A pesquisadora Judith Carney participou do Programa Público por meio de uma palestra em vídeo, Plantas alimentares africanas no mundo atlântico, que ficou disponível por alguns dias na sala expositiva do Programa e ainda pode ser acessada através do canal do Museu no Youtube. No material, está a transcrição adaptada da palestra.
The circulation of African food plants is itself an ancient historical phenomenon that, within the context of maritime expansions, gained increasingly global proportions. In this context, the movement of African seeds to the Americas played a role not only in the formation of a new landscape and dietary patterns but also in the generation of new knowledge, memories, and affinities. Researcher Judith Carney took part in the Public Program through a video lecture, “African Food Plants in the Atlantic World”, which was shown for few days in the Program's exhibition room and can still be watched on the museum's YouTube channel. The material includes an adapted transcription of the lecture.
JUDITH CARNEY
Professora de Geografia da University of California, Los Angeles (UCLA). Especializada em África Ocidental e América Latina, suas pesquisas focam em gênero, sistemas alimentares, transformações agroecológicas e contribuições africanas na história de desenvolvimento do Novo Mundo. É autora dos livros premiados Black Rice: The African Origins of Rice Cultivation in the Americas e In the Shadow of Slavery: Africa’s Botanical Legacy in the Atlantic World
Professor of Geography at the University of California, Los Angeles (UCLA). Specializing in West Africa and Latin America, her research focuses on gender, food systems, agroecological transformations, and African contributions to the history of New World development. She is the author of the award-winning books “Black Rice: The African Origins of Rice Cultivation in the Americas” and “In the Shadow of Slavery: Africa’s Botanical Legacy in the Atlantic World.”
JUDITH CARNEY
Transcrição editada
As décadas após 1492 foram importantes porque a expansão europeia ocasionou uma troca sem precedentes de plantas, animais e micróbios entre vários continentes. A este movimento de espécies, tanto intencional como não intencional, visto e não visto, de que a Europa foi intermediária, o historiador Alfred Crosby chamou de “Columbian Exchange” — ou o “Intercâmbio Colombiano”, após a chegada de Colombo nas Américas.
No entanto, houve outra transferência intercontinental de espécies significativa que ocorreu no Novo Mundo ao mesmo tempo em que o Intercâmbio Colombiano. Nesse caso, os agentes de estabelecimento de plantas eram africanos que tinham sido escravizados — e as transferências de plantas incluíram espécies tropicais da África.
Embora o Intercâmbio Colombiano celebre o papel das culturas do Novo Mundo na revolução dos sistemas alimentares, confere pouca atenção ao papel semelhante dos alimentos africanos na América Tropical. Não obstante, as transferências de plantas africanas foram diferentes das outras abordadas nos documentos sobre o Intercâmbio Colombiano, sendo uma consequência do comércio de escravos transatlânticos que obrigou quase 12 milhões de africanos a virem para as Américas.
Nesse contexto, eu gostaria de chamar a sua atenção para os componentes africanos negligenciados no Intercâmbio Colombiano e para a sua influência nos hábitos alimentares característicos das antigas sociedades de plantação. Gostaria de frisar três pontos principais:
1. O contributo africano para os hábitos alimentares do Novo Mundo ganha destaque quando consideramos que os escravizados cultivavam não só produtos de exportação bem conhecidos, como o algodão, o açúcar e o arroz, mas também plantas alimentares necessárias para o seu próprio sustento;
2. Essa nova ênfase na subsistência chama a atenção para a importância dos alimentos cultivados em África no comércio transatlântico de seres humanos;
JUDITH CARNEY
3. O protagonismo dos escravizados africanos no incitamento ao cultivo dessas culturas alimentares não deve ser ignorado.
Uma das características marcantes da história do início da plantação no Novo Mundo é o número de relatos europeus que atribuíram aos escravizados a introdução de alimentos específicos, todos cultivados anteriormente em África. Podemos identificar pelo menos duas dúzias de plantas alimentares que os naturalistas e os viajantes das sociedades de plantação alegaram ter sido introduzidas por escravizados.
As culturas africanas incluem inhame, sorgo, feijão fradinho, noz-de-cola, dendê e quiabo. Se analisarmos literalmente os comentários compilados por diversas figuras históricas das sociedades escravistas que fizeram tais afirmações, podemos perguntar: como é possível que os escravizados tenham introduzido culturas agrícolas nas Américas? Afinal, os africanos foram trazidos para as sociedades de plantação sobre a escravidão e sem bens pessoais. Atribuir aos africanos escravizados um método da introdução de plantas é reconhecer o seu protagonismo, o que contradiz totalmente as percepções históricas de longa data. Por que, então, é que estes testemunhos históricos proeminentes teriam feito essas afirmações?
Para além dos registros escritos, deve-se considerar evidências orais, sistemas alimentares, descobertas arqueológicas, linguísticas, cultura material, obras de arte e pesquisas de genética. Juntas, essas diferentes fontes oferecem textos informativos singulares que iluminam as contribuições de pessoas escravizadas — as quais, em sua maioria, não conseguiram deixar registros escritos.
A rica história de domesticação africana de sementes — como arroz e inhame — afasta percepções contemporâneas da África como um continente de fome, que supostamente sempre dependeu de alimentos introduzidos de outros lugares para a sobrevivência dos seus povos. Na realidade, durante o comércio transatlântico de escravizados, a África produziu excedentes de alimentos em muitos lugares. Os navios negreiros contavam com esses excedentes para alimentar os escravizados durante a travessia atlântica. A África também forneceu plantas medicinais, como a vinagreira e a noz-de-cola.
Os navios negreiros também transportavam animais vivos da África para as Américas, fornecendo carne fresca às suas tripulações, como os carneiros conhecidos por “sem lã” — assim chamados porque foram criados para fornecer a carne em vez de lã — que eram transportados deliberadamente. Os comerciantes europeus exportaram conscientemente tais animais porque acreditavam que eles se adaptariam melhor às condições tropicais do Novo Mundo, em detrimento de seus homólogos da Europa.
Outros exemplos de animais importados para o Brasil Colônia incluem a ave pintada africana e o ndama, espécie de bovino da África Ocidental, bem adaptado aos trópicos, que foi utilizada nas plantações de cana-de-açúcar para prensar a cana, servir de transporte e fonte de adubo para fertilizar os campos cultivados.
JUDITH CARNEY
Se os animais vinham, seus alimentos vinham também, como as ervas de pasto africanas, especialmente o capim de Angola e a erva da Guiné, que foram semeadas no mundo colonial.
Gostaria agora de colocar todos esses componentes africanos numa perspectiva mais ampla.
A escravatura das Américas durou séculos. Chegaram ao Novo Mundo mais africanos do que europeus. Podemos documentar mais de 35 mil viagens transatlânticas, em navios que transportaram não só africanos, mas alimentos e sementes adquiridos em pontos de comércio no continente africano. Os capitães de navios negreiros que chegavam ao longo da costa da África se informavam sobre os excedentes de alimentos africanos para adquiri-los. Quando os cativos chegavam aos locais de leilões dos enclaves europeus em África, as únicas pessoas com experiência de cultivo desses alimentos e de sua preparação eram os próprios africanos escravizados.
O acondicionamento dos navios com alimentos para manter os escravizados vivos durante a viagem era de importância vital. O milho, o amendoim e a mandioca das Américas certamente contribuíram para satisfazer a procura de alimentos nos portos negreiros africanos, mas plantas endógenas africanas também foram procuradas. Os capitães dos navios mostraram muitas vezes uma preferência pela compra de alimentos africanos como rações, acreditando que as taxas de mortalidade melhoravam quando os presos consumiam alimentos a que estavam acostumados.
Essas plantas alimentares endógenas da África eram em sua maioria desconhecidas na Europa. Os europeus não tinham nome para muitos desses novos alimentos e muitas vezes os identificavam com descritores geográficos. Um exemplo é a utilização do topônimo Guiné, para referenciar espécies anteriormente desconhecidas do continente africano, como capim da Guiné.
Os registros também revelam que os capitães dos navios compravam rações sob a forma de cereais como arroz e sorgo, tanto descascados como em casca. Essa distinção entre o cereal descascado e o não descascado é bastante importante. Qualquer cereal comprado com casca, ainda não moído, tinha que ser descascado para poder ser consumido. Esse apontamento é crítico para a compreensão do protagonismo africano na difusão das culturas alimentares africanas, pois qualquer grão não descascado é também uma semente.
Não havia muitos navios negreiros nas Américas com restos de reservas de alimentos. Mas, aqueles que ocasionalmente os tinham, deram aos escravos a oportunidade de ter acesso às sementes de culturas familiares e a possibilidade de restabelecê-las em novas terras. Contudo, existe outra possibilidade, por meio da oralidade transmitida.
Tal narrativa relatada, oriunda de comunidades quilombolas, atribui, por exemplo, o início do plantio de arroz a uma antepassada feminina, escravizada, que escondia sementes nos cabelos quando desembarcava de um navio, iniciando assim a cultura do arroz.
Essa narrativa sublinha a importância dos navios negreiros e mulheres escravizadas nas transferências de sementes da África.
A história oral dos quilombolas, de forma significativa, substitui
os agentes das transferências mundiais de sementes que o Intercâmbio Colombiano celebra — navegantes, europeus, colonos e homens de ciência — pelo protagonismo de mulheres africanas escravizadas.
Os escravizados de plantação cultivavam plantas alimentares africanas nas pequenas parcelas que eram autorizadas, nos quintais ao redor de suas habitações. Foram nesses locais que os proprietários de escravizados e naturalistas do Novo Mundo relataram os seus primeiros encontros com as culturas africanas que lhes eram desconhecidas.
Os africanos e seus descendentes produziam esses alimentos para evitar a fome, mas também para restabelecer as suas preferências dietéticas de longa data. No período em que as plantações se desenvolveram, os escravizados eram frequentemente encarregados de sua própria subsistência. Em tais locais, os escravizados fomentaram e mantiveram o cultivo de muitos alimentos básicos africanos.
As culturas permitiram, por vezes, restabelecer algumas tradições alimentares de patrimônios culturais específicos, como é evidente na Bahia, mas também no prato tradicional do Maranhão: arroz de cuxá, feito com vinagreira, uma planta africana. A partir dos mantimentos, que ocasionalmente sobravam das viagens, os africanos tiveram acesso às sementes e tubérculos conhecidos que lhes eram familiares, e foram pioneiros em seu cultivo. Os africanos e seus descendentes mudaram profundamente os alimentos das sociedades coloniais, estimulando gastronomias regionais singulares no Brasil e em toda a diáspora africana.
JUDITH CARNEY Edited transcription
The decades following 1492 were significant because European expansion led to an unprecedented intercontinental exchange of plants, animals, and microbes. For this movement of species, both intentional and unintentional, seen and unseen, in which Europe played an intermediary role, historian Alfred Crosby coined the term “Columbian Exchange” after Columbus’s arrival in the Americas.
However, there was another significant intercontinental transfer of species that was taking place in the New World at the same time as the Columbian Exchange. In this case, the agents of plant transfer were enslaved Africans, and the plants included tropical species from Africa. Although the Columbian Exchange celebrates the role of New World cultures in revolutionizing food systems, it gives little attention to the similar role of African foods in the Tropical Americas. Nevertheless, the transfer of African plants was different from other transfers covered in Columbian Exchange accounts, as it was a consequence of the transatlantic slave trade that brought nearly 12 million Africans to the Americas.
In this context, I would like to draw your attention to the overlooked African components in the Columbian Exchange and their influence on the characteristic food habits of old plantation societies. I would like to emphasize three key points:
1. The African contribution to New World food habits gains prominence when we consider that enslaved people cultivated not only well-known export products like cotton, sugar, and rice but also food plants necessary for their own sustenance.
2. This new emphasis on subsistence draws attention to the importance of African foods in the transatlantic slave trade.
3. The role of enslaved Africans in promoting the cultivation of these food crops should not be ignored.
One striking feature of the early history of plantation agriculture in the New World is the number of European reports attributing the introduction of specific foods to enslaved people, all of which had previously been
JUDITH CARNEY
cultivated in Africa. We can identify at least two dozen food plants that naturalists and travelers of plantation societies claimed had been introduced by enslaved people.
African crops include yams, sorghum, black-eyed peas, kola nuts, oil palm, and okra. If we make a literal reading of the comments compiled by various historical figures in plantation societies who made such claims, we may wonder how enslaved people introduced agricultural crops to the Americas. After all, Africans were brought to plantation societies as slaves without personal belongings.
Attributing to enslaved Africans a method of introducing plants acknowledges their agency, which contradicts long-standing historical perceptions. So why would these prominent historical testimonies have made such claims?
In addition to written records, one should consider oral evidence, dietary systems, archaeological findings, linguistics, material culture, artworks, and genetic research. Together, these various sources offer unique informative texts that illuminate the contributions of enslaved people — most of whom left no written records.
The rich history of African seed domestication, such as rice and yams, challenges contemporary perceptions of Africa as a continent of famine, which supposedly always relied on foods introduced from elsewhere for its people’s survival. In reality, during the transatlantic slave trade, many parts of Africa were producing food surpluses. Slave ships relied on these surpluses to feed the enslaved during the Atlantic crossing. Africa also supplied medicinal plants such as hibiscus and kola nuts.
Slave ships also transported live animals from Africa to the Americas, providing fresh meat to their crews, such as the so-called “wool less” sheep, intentionally transported because they were raised for meat rather than wool. European traders consciously exported such animals, believing they would adapt better to the tropical conditions of the New World than their European counterparts.
Other examples of animals imported to colonial Brazil include the African painted fowl and the ndama, a West African cattle breed well adapted to the tropics, which was used on sugar plantations for pressing sugar cane, for transportation, and as a source of fertilizer for cultivated fields. If the animals came, so did their food, such as African grasses, especially Angola
grass and Guinea grass, which were sown in the colonial world.
I would now like to place all these African components in a broader perspective.
Slavery in the Americas lasted for centuries, and more Africans arrived in the New World than Europeans. We can document over 35,000 transatlantic voyages on ships that transported not only Africans but also food and seeds acquired at African trading points. Slave ship captains who arrived along the African coast would inquire about African food surpluses and acquire them. When captives arrived at the auction sites in European enclaves in Africa, the only people with experience in growing these foods and preparing them were the enslaved Africans themselves.
The provisioning of ships with food to keep the enslaved people alive during the voyage was of vital importance. Corn, peanuts, and cassava from the Americas certainly helped meet the demand for food at African slave ports, but indigenous African food plants were also sought. Ship captains often preferred to purchase African foods as rations, believing that mortality rates improved when captives consumed familiar foods.
These indigenous African food plants were mostly unknown in Europe. Europeans had no names for many of these new foods and often identified them with geographic descriptors. One example is the use of the toponym “Guinea” to refer to previously unknown species from the African continent, such as Guinea grass.
Records also reveal that ship captains purchased rations in the form of grains like rice and sorghum, both hulled and unhulled. This distinction between hulled and unhulled grain is quite important. Any grain purchased with husks, still unprocessed, had to be hulled to be consumable. This point is critical to understanding the African agency in the diffusion of African food crops, as any whole grain is also a seed.
There were not many slave ships in the Americas with food reserves. But those who occasionally had them provided enslaved people with the opportunity to access seeds and familiar tubers and the possibility of reintroducing them to new lands. However, there is another possibility, one that has been transmitted through oral history.
A narrative from quilombola communities attributes, for example, the beginning of rice cultivation to an enslaved female ancestor
AUTORIA DESCONHECIDA
[UNKNOWN AUTHOR]
Cuscuzeira, s.d. [Couscous maker, n.d.]
Acervo / Collection Museu Paranaense.
who hid seeds in her hair upon disembarking from a ship, thus initiating rice cultivation. This story underscores the importance of slave ships and enslaved women in the transfer of African seeds. The oral history of quilombolas significantly replaces the agents of the global seed transfers celebrated by the Columbian Exchange — navigators, Europeans, settlers, and men of science — with the agency of enslaved African women.
People enslaved on plantations cultivated African food plants in the small plots that were allowed around their homes. It was in these areas that slave owners and New World naturalists reported their first encounters with African crops that were unfamiliar to them.
Africans and their descendants produced these foods not only to avoid hunger but also to reestablish their long-standing dietary preferences.
As plantation agriculture developed, enslaved people were often responsible for their own subsistence. In these locations, enslaved people promoted and maintained the cultivation of many essential African foods.
The crops sometimes allowed for reestablishing specific cultural food traditions, such as the traditional dish from Maranhão, also seen in Bahia, called “arroz de cuxá,” made with hibiscus, an African plant. From the provisions that occasionally remained after voyages, Africans had access to familiar seeds and tubers, pioneering their cultivation. Africans and their descendants profoundly transformed the foods of colonial societies, stimulating unique regional cuisines in Brazil and throughout the African diaspora.
Dalzira Maria Aparecida (Iya Gunã), Karoliny Martins, Juliana Rodrigues 05.03.2022 mesa de conversa roundtable
“No Candomblé, não se faz um Orixá sem folha”, já adianta a Yalorixá Iya Gunã acerca das plantas como mediadoras entre humanos e o sagrado. Na mesa de conversa Plantas de poder nas tradições e saberes ancestrais, realizada na tarde do sábado, dia 5 de março de 2022, a praticante da doutrina do Daime Juliana Rodrigues e a pesquisadora Karoliny Martins dividiram com o público seus conhecimentos em torno do Santo Daime, suas qualidades curativas, conselheiras e corretivas, a primeira pela perspectiva de Fardada do Santo Daime e a segunda pelo viés antropológico. Da mesma forma, a Yalorixá Iya Gunã trouxe seus conhecimentos e vivências de sacerdotisa do Candomblé sobre o mundo das plantas e de detentora de saberes transmitidos por suas ancestrais. Na publicação, as fotografias do evento e a transcrição de um trecho da fala de Iya Gunã.
“In Candomblé, an Orixá is not made without leaves”, Yalorixá Iya Gunã explains in advance, speaking of plants as mediators between humans and the sacred. In the conversation “Plants of Power in Ancestral Traditions and Knowledge”, held on the afternoon of Saturday, March 5th, 2022, Daime practitioner Juliana Rodrigues and researcher Karoliny Martins shared their knowledge about Santo Daime, its healing, counselling, and corrective qualities. The former spoke from the perspective of a member of the Santo Daime, while the latter provided an anthropological take on the theme. Yalorixá Iya Gunã, as Candomblé priestess, also shared her knowledge and experiences on the world of plants and the wisdom passed down by her ancestors. This publication includes photographs of the event and a transcript of a portion of Iya Gunã's speech.
É Yalorixá do Candomblé. Militante no movimento negro, de mulheres e das comunidades de terreiros e religiões de matriz africana no Brasil. Doutoranda em Educação pela UFPR, Mestre em Tecnologia e Trabalho pela UTFPR e graduada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil.
Yalorixá of Candomblé, activist in the Black, women’s, and African-origin religious communities in Brazil. Currently pursuing a Ph.D. in Education at UFPR, she holds a Master’s degree in Technology and Work from UTFPR and a Bachelor’s degree in International Relations from the Centro Universitário Autônomo do Brasil.
Licenciada em Ciências Sociais pela PUCPR, Mestranda em Antropologia pela UFPR, professora de sociologia da rede pública estadual e pesquisadora-bolsista do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Drogas da UFPR.
Degree in Social Sciences by PUCPR, Master’s degree student in Anthropology at UFPR, high school sociology teacher in the state public school system, and research fellow at the Interdisciplinary Center for Studies on Drugs at the UFPR.
Pesquisadora, professora de Arte e doutoranda em Educação. É praticante da doutrina do Daime e fardada do Céu da Nova Vida desde 2017. Investiga as noções de ética, estética e decolonialidade nos processos de constituição de si.
Researcher, art teacher, and a Ph.D. student in Education. She is a practitioner of the Santo Daime doctrine and has been a member of the Céu da Nova Vida order since 2017. Her research explores the concepts of ethics, aesthetics, and decoloniality in self-constitution processes.
IYA GUNÃ Transcrição editada
Queria antes de tudo agradecer a presença e cumprimentar todos, a mesa, minhas companheiras e agradecer também o convite do Museu Paranaense para estar aqui hoje e dizer que minha fala não é acadêmica, mas de vivência religiosa. Não vou entrar no mérito de quem é a folha, que esse é um poder de Ossanha, domínio dele, Orixá dono das folhas, todas elas, que nos beneficia.
Eu venho de uma tradição, uma linhagem de mulheres na questão das folhas, ervas. Minha bisavó Luiza, conhecedora, que coletava ervas para o farmacêutico da cidade de Bom Jesus da Penha-MG. Ela sabia a forma, horário de coleta, secagem e levava tudo pronto para o farmacêutico e ele devolvia um quilo de feijão, arroz, quando muito, frente à necessidade que ela enfrentava, não pela falta de trabalho, mas por conta da gripe espanhola.
A tradição foi passada para minha mãe, que passou aos filhos. Antes de morrer, ela pediu que pegasse um caderno e que eu anotasse o nome das folhas e as formas de coleta, não perdendo o seu valor curativo, nem na secagem nem na forma de coletar. Assumi isso como compromisso, de repassar e reproduzir, para que a tradição não morra e beneficie os que estão vindo, que virão depois de mim e os que virão depois dos que estão aí. O compromisso é esse. Eu me propus a falar sobre duas plantas. A colônia — que eu não gravei o nome científico, porque na minha caminhada de vida eu nunca precisei — nas religiões de matriz africana é bastante usada como chá, infusão, calmante, óleo, aroma. Suas flores são bastante utilizadas. É uma erva que, quando macerada, se transforma até na coloração. É uma erva verde que fica vermelha. A planta, o caule, a flor e as raízes, todas as partes são utilizadas. Sei que hoje em dia ela vem sendo utilizada inclusive no Sistema Único de Saúde (SUS), para ajudar nos tratamentos. Cada vez mais vamos precisar das folhas. A pandemia deixou o país em uma situação de necessidade de recursos alternativos. Quem já foi no Candomblé já viu essa planta. Na saída de Yaô, cada um carrega uma folha da colônia, como tradição, preservação, símbolo.
A babosa também é outra planta que tem um poder muito grande. Ela é usada para curar ferimentos, irritação na pele, queimaduras — pomada, creme, xampu. Mas, nos terreiros e nas famílias, é usada diretamente na folha, sua baba.
Tem coisas que vão se perdendo, sem espaço. No caso dos terreiros, existe uma dificuldade, a urbanização, por conta das construções que invadem, produzindo sombra, reduzindo o espaço. Tem plantas cultivadas nos terrenos que são árvores, que incomodam os vizinhos. Para eles é problema, para nós é solução. Tempos atrás, foi cortada uma aroeira de 18 anos. Não teve apelo, a prefeitura cortou.
A gente vai criando formas. Se não cabe no espaço, vamos para a floreira. Se esgota, vamos para os vasos, com a planta sufocada, mas é uma forma de conservar, levar a tradição das folhas. Todas as folhas que a gente conhece ou não conhece são medicinais, servem para alguma situação. A população está perdendo conhecimento das folhas.
A cada dia, a gente mostra para as crianças, para que tenham uma memória. Assim como eu tenho da minha mãe, que me ensinou a preservação das espécies.
Tinha uma árvore na Praça Santos Andrade que, quando eu passava, admirava: enorme. Um dia, passei lá e não existia mais. Era um angico. Diz que a árvore caiu, quebrou… Quer dizer, a culpa sempre é da planta e não dos cuidados que devemos ter com ela.
É importante manter a tradição dos ancestrais, que deixaram para a gente a duras penas o conhecimento das ervas, cascas, do caule, da raiz. Todas elas têm propriedades importantes para a gente. A gente vai perdendo de todas as formas, no território, na urbanização e na redução da água, conforme está mais poluída, as plantas também são prejudicadas, assim como nós, que sobrevivemos uns dos outros. Nós e as plantas.
No Candomblé, não se faz um Orixá sem folha. Pode ter tudo. Sem a folha, não existe. Por isso a importância do cuidado com o meio ambiente: sem água não tem planta e vice-versa, sem elas, nós não existimos.
IYA GUNÃ
Edited transcription
First of all, I would like to thank everyone for being here, including the panel, my fellow speakers, and to also express my gratitude for the invitation from the Museu Paranaense to be here today. I want to clarify that my speech is not academic but rather based on religious experience. I won’t go into the merits of the bearer of the leaves, as that power belongs to Ossanha, the Orisha who rules over all of them and blesses us with their benefits.
I come from a tradition, a lineage of women who work with leaves and herbs. My great-grandmother Luiza was knowledgeable in this area, collecting herbs for the pharmacist in the city of Bom Jesus da Penha, Minas Gerais. She knew the proper way, the timing for picking and drying, and she would bring everything all ready for the pharmacist, who would, in return, give her a kilo of beans or rice, at most, considering the hard times she faced — due not to lack of work but because of the Spanish flu. This tradition was passed down to my mother and then on to us, her children. Before she passed away, she asked me to take a notebook and write down the names of the leaves and how to pick them, ensuring that their healing properties were preserved, both in drying and collecting. I took this as a commitment, to pass on and reproduce this knowledge, so that the tradition does not fade away and continues to benefit those who come after me, those who will follow in my footsteps, and those who will come after the current generation. That is my commitment.
I have chosen to talk about two plants. The ‘ Colônia’, whose scientific name I did not record, since in my life’s journey, I have never needed it, as it is extensively used in African-rooted religions, in various forms — such as tea, infusions, calming agents, oils and aromas. Its flowers are widely utilized. When mashed, it even changes color from green to red. It is also used for perfuming environments, which is very important, just like the tea, used daily.
Every part of the plant — the stem, the flower, and the roots — is used. I know that nowadays it is even used in the Unified Public Health System (SUS) to assist in treatments. We will increasingly need these leaves. The pandemic has left the country in need of alternative resources. Those who have been to Candomblé have probably seen this plant. Upon leaving Yaô, each person carries a leaf of ‘ Colônia’ as a tradition, a symbol of preservation.
Aloe vera (‘ babosa’) is another plant with significant power. It is used to heal wounds, skin irritations, and burns — found in ointments, creams, and shampoos. But in the terreiros (Candomblé yards) and families it is used directly from the leaf, its gel.
Some things are being lost, have no space to thrive. In the case of terreiros, there is a difficulty that comes with urbanization, as constructions invade and produce shade, reducing space. There are plants cultivated in these areas which are trees, which might bother the neighbors, causing them problems, but for us, they are solutions. Some time ago, an 18-year-old aroeira tree was cut down. There was no chance to appeal, the city hall just went and chopped it down.
We are constantly adapting. If plants don’t fit in the space we have, we use flowerpots; when those are exhausted, we move to smaller pots, even if plants get overcrowded, it’s a way to preserve and carry on the tradition of working with leaves. Every leaf we know or don’t know has medicinal properties and can be useful in certain situations. People are losing knowledge about leaves. Some believe that only the fragrant ones have value, but that’s not true. There are other understandings, values, and uses.
Every day, we show the children this for the sake of memories. Just like I have memories of my mother teaching me about preserving plant species.
There was a tree in Santos Andrade Square that I used to admire every time I passed by — it was enormous. One day, I passed by, and it was no longer there; it was an Angico tree. They said the tree had fallen and broken apart... as if to say the blame is always on the plant and not on the care we should have for it.
It is essential to maintain the traditions of our ancestors who, through great effort, passed down their knowledge of herbs, barks, stems, and roots. All of them have important properties for us. We are losing them in many ways — due to land use, urbanization, water reduction and pollution, which harm the plants just as they do to us, as we all survive together — both humans and plants.
In Candomblé, an Orixá is not made without leaves. Everything else might be there, but without the leaf, it doesn’t exist. Hence, the importance of caring for the environment: without water, there are no plants, and vice versa; without them, we do not exist.
Registros da mesa de conversa Plantas de poder nas tradições e saberes ancestrais no MUPA. Março de 2022. Registers of the roundtable Plants of power in ancestral traditions and knowledeg at MUPA. March 2022.
De março a maio, a sala Lange de Morretes, que recebeu parte das atividades do Programa Público, abrigou duas obras do artista Marcelo Moscheta: a instalação LINNAEUS (2011), doada pelo artista ao MUPA em 2020, e o vídeo Pau-Brasil (2020). Fotografias e frames das obras, acompanhados da transcrição do vídeo do artista apresentando os dois trabalhos, integram o livro.
From March to May, the Lange de Morretes hall, which hosted some of the Public Program’s activities, was home to two works by artist Marcelo Moscheta: the installation “LINNAEUS” (2011), donated by the artist to MUPA in 2020, and the video “Pau-Brasil” (2020). Photographs and frames of the works, along with a transcript of the artist’s video introduction to them, are included in this book.
MARCELO MOSCHETA
Utilizando a prática do fazer artístico com acentuadas referências conceituais, desde o início da sua carreira artística em 2000, o artista cria obras e exposições decorrentes de viagens a locais remotos, onde recolhe elementos e imagens da natureza e os reproduz através do desenho e fotografia, criando instalações e objetos. Recentemente, sua pesquisa está voltada para as principais relações do homem e meio ambiente, tecnologia e memória, identidades e nomadismo. Deslocamento, Território, Paisagem e Memória são seus principais interesses. Entre suas exposições de destaque, estão PAST / FUTURE / PRESENT:
Contemporary Brazilian Art From The MAM SP, Phoenix Art Museum (2017), Open sessions: Drawing in context/ field no Queens Museum, Nova York (2015).
Combining artistic practice with strong conceptual references since he began his artistic career in 2000, the artist creates works and exhibits resulting from trips to remote locations, where he collects elements and images from nature and reproduces them through drawing and photography, creating installations and objects. Recently, his research has focused on the principle relationships between humans and the environment, technology, memory, identities, and nomadism. Displacement, territory, landscape, and memory are his primary interests. Among his notable exhibitions are “PAST / FUTURE / PRESENT:
Contemporary Brazilian Art From The MAM SP” at the Phoenix Art Museum (2017) and “Open sessions: Drawing in context/ field” at the Queens Museum, New York (2015).
MARCELO MOSCHETA LINNAEUS, 2011
MARCELO MOSCHETA
A obra LINNAEUS nasce em 2011, de um convite que foi feito pelo Ricardo Rezende, na época curador do salão Arte Pará, para que eu fizesse uma residência no Museu Emílio Goeldi, travasse um contato com aquele acervo e, a partir daí, produzisse uma exposição.
A primeira vez que eu ouvi falar desse museu foi através do meu pai, que era um cientista da botânica, alguém que sempre admirou muito o museu, mas que nunca tinha ido até lá. Quando surgiu o convite, eu já propus para o curador trabalhar a 4 mãos com um cientista, sem avisar que era o meu pai, propriamente. Ele ficou muito feliz depois de saber que essa pessoa era do meu círculo mais próximo.
Meu pai dedicou sua vida à Universidade Estadual de Maringá — ao ensino, à pesquisa. Sempre conviveu ali dentro daquele universo. Nós morávamos muito perto da universidade e a minha convivência também sempre foi muito estreita com esse universo de lâminas de tecido vegetal olhadas através do microscópio.
Quando fomos, então, até Belém, foi muito bonito ver esse mergulho feito por ele. É a maneira dele de ficar maravilhado frente àqueles acervos, aquelas exsicatas, aqueles arquivos absurdos, toda aquela condição museológica de apresentação também dessas pesquisas. E tudo isso faz muito sentido dentro da minha própria pesquisa. É muito bonito ver, também, como essa relação é construída. Porque eu acredito que a arte e a ciência não são nada distantes nesse aspecto. Elas têm uma conversa muito próxima, muito íntima. Essa descoberta de ficar ali, entrando nos arquivos, deu para gente uma primeira ideia do trabalho. Eu já voltei de Belém com essa ideia pronta e falei: “Pai, você vai me ajudar a escrever essas etiquetas todas, né?” Porque tudo isso surgiu como inspiração, ali olhando aquele arquivo. Meu pai tem uma letra muito bonita. E eu falei a ele: “Eu vou te pedir para escrever muitas etiquetas, que serão então colocadas em cima de uma mesa, que vai estar dentro de um ambiente que é como se fosse esse mundo, não é? Esse Jardim esperando para ser classificado. As coisas esperando os nomes.” E então meu pai escreveu à mão cada uma dessas etiquetas que estão aí. São 2500 espécies da flora amazônica que foram escritas, uma a uma, pela pela caligrafia dele.
É um trabalho que faz referência a essa ligação estreita do homem com o ambiente mais primordial. No relato bíblico, quando a humanidade é criada, ela tem esse mandato cultural de ordenar, de classificar e de conhecer o mundo. E esse conhecimento é dado através do nome, dessa nomenclatura. Então, essa ideia de nomear as coisas vem muito ligada a isso. Ela está ligada também à frase que o Ricardo Rezende colocou no texto quando me convidou: “In Principio erat hortus ”, no princípio era o jardim. Essa frase está presente em todas as caixas que compõem a instalação. Essa era a ideia: no início era a natureza, era um espaço para ser conhecido, essa conversa mais íntima entre eu, meu pai, o museu e o público. A obra também leva o nome de LINNAEUS, que é em homenagem a Carolus Linnaeus, cientista sueco que foi, de certa forma, o pai da classificação científica. Ele foi aquele que ordenou, que deu as diretrizes, para que esse conhecimento fosse usado de forma universal e reconhecível por todos.
A trajetória de criação desta obra remete a muitas camadas de afeto e de ligação com a arte, ciência e como elas podem andar de mãos dadas. Eu fico muito feliz de o Museu Paranaense ter a guarda dessa obra a partir de agora, porque eu acredito que também tem tudo a ver com a história tão afetiva que esse museu tem criado com o entorno, com a ciências, com a cultura e com a arte.
MARCELO MOSCHETA
The work LINNAEUS was born in 2011 from an invitation made by Ricardo Rezende, who was the curator of the Arte Pará exhibition at the time. He invited me to do a residency at the Emílio Goeldi Museum, allowing me to interact with their collection and, taking off from there, create an exhibit.
The first time I heard about this museum was through my father, who was a botanist. He greatly admired the museum but had never visited it himself.
When the invitation came, I proposed to the curator that we work collaboratively with a scientist, not revealing that the person I had in mind was my own father. He was delighted to find out that it was someone from my close circle.
My father had dedicated his life to the State University of Maringá, focusing on teaching and research. He had always been part of that academic environment, and we lived very close to the university. Hence, my connection with the world of plant tissue viewed through microscopes was strong.
When we went to Belém, it was beautiful to see him immerse himself in the museum collection. It was the way the collections enthralled him, the herbarium specimens, the crazy amount of archives, the way the museum displayed its research. All of this was closely related to my own research in the arts. I believe that art and science are intimately connected in this aspect; they are in very close and intimate conversation.
This discovery, being there, delving into the archives, gave us the initial idea for the work. I came back from Belém with a clear idea in mind and said to my father, “Dad, you’re going to help me write all these labels, right?” Because all this inspiration emerged while examining those archives.
My father has beautiful handwriting. I told him, “I’m going to ask you to handwrite many labels, and they will be placed on a table inside an environment that resembles a world, a garden awaiting classification. Things are waiting for their names.” My father handwrote each of these labels that are now part of the installation. These labels feature the names of 2,500 Amazonian plant species and were written by him.
The work refers to the close relationship between humans and their natural environment. In the biblical account, the creation of humanity is accompanied by a cultural mandate to order, classify, and understand the world. This knowledge is conveyed through naming, through nomenclature. Hence, the idea of naming things is closely connected to this concept. It is also linked to the phrase Ricardo Rezende included
in the text of the exhibit invitation, “ In Principio erat hortus”, which means “In the beginning, there was a garden.” This phrase is present in all the boxes that make up the installation.
The work is also named LINNAEUS as a tribute to Carl Linnaeus, a Swedish scientist who can be seen as the father of scientific classification. He provided the guidelines for universal and recognizable use of this knowledge by everyone.
The creative process behind this work involves multiple layers of affection and connections with art, science, and how they can go hand in hand. I am very pleased that Museu Paranaense will now be the custodian of this work, as it aligns with the museum’s history of building a relationship of affect with the community, science, culture, and art.
MARCELO MOSCHETA
A obra Pau-Brasil nasce no contexto de uma exposição chamada Oréades, que foi realizada na embaixada de Portugal em Brasília, a convite da própria embaixada, para criar-se um diálogo com as árvores do cerrado e arquitetura de Brasília.
O que eu acho curioso nesse trabalho é que eu mesmo, apesar de sempre ter ouvido e visto árvores de pau-brasil, nunca tinha visto uma árvore jovem. E o tronco de pau-brasil, quando é jovem, possui esses acúleos, que são espinhos mais superficiais. Eles são uma forma de proteção dessa planta e caem quando a árvore já está bem fundamentada, bem plantada, estável.
Isso me chamou muito atenção porque o pau-brasil, apesar de ser uma árvore que fala da nossa própria identidade… O brasileiro não tem muita referência dessa árvore. A gente não encontra muito pau-brasil. Então, a impressão que dá é que ele existe num imaginário, ela habita essa história do descobrimento, da extração mais exaustiva dos nossos recursos. Parece que tudo o que tinha de pau-brasil nesse país já foi levado embora — e o que sobrou foi só a história para contar. Então, eu achei muito interessante essa relação e fiquei pensando como nós nos relacionamos mal com a nossa própria história, como nós conhecemos mal a nossa própria flora.
Por quê? Por que que não tem tanto pau-brasil, já que a árvore que dá nome ao nosso próprio país? Deveríamos ter um pau-brasil plantado em cada esquina para nos lembrar dessa nossa característica, de onde nós viemos, que é essa madeira vermelha, essa ideia de brasa, esse braseiro, esse Brasil todo que está aqui queimando e esse caldeirão de culturas e possibilidades, pessoas diferentes, essa multiplicidade toda que é a nossa cultura.
Na obra Pau-Brasil, tudo isso que eu disse agora, essas nossas características, essas nossas defesas contra os agentes e ataques externos, são retiradas uma a uma por essa mão, uma mão branca, uma mão que usa um instrumento, usa um alicate que vai ali, com delicadeza de gesto, mas com uma violência muito exacerbada, subjetivamente. E esses acúleos, essas proteções, vão caindo e deixando no lugar essas feridas.
Então, eu acho que esse vídeo trata muito da forma como a domesticação de uma cultura é produzida. Como as evidências são, aos poucos, suavizadas, atenuadas, até que o tronco fique sem essas características. O que fica mais em evidência são as suas feridas, nesse processo civilizatório, um processo tão doloroso, que é qualquer tipo de progresso feito de forma hierarquizada, gananciosa, como aconteceu na colonização do território brasileiro.
The work Pau-Brasil [Brazilwood] originated in the context of an exhibition called Oréades, held at the Embassy of Portugal in Brasília. It was an invitation from the embassy to create a dialogue with the cerrado trees and the architecture of Brasília.
What’s interesting about this work is that, despite always hearing about and seeing brazilwood trees, I had never seen a young member of the species. The trunk of a young brazilwood tree has these surface thorns or spikes which serve as a form of protection and fall off when the tree is well-established and stable.
This caught my attention because, even though brazilwood is a tree that speaks to our own identity, most Brazilians don’t have a deep connection to it. We don’t see many brazilwood trees. It’s as if the tree exists more in our imagination, intertwined with the history of discovery and the exhaustive exploitation of our resources. It seems that every bit of brazilwood in this country has already been taken away, and what remains is just the story to tell.
So I found it fascinating and started thinking about how we, as a nation, don’t have a strong relationship with our own history and how we lack knowledge of our own flora.
In my work, Pau-Brasil, I wanted to convey all these characteristics, our defenses against external factors, which are being removed one by one by a white hand using an instrument, like pliers. The hand works delicately but subjectively, with a certain degree of violence. These thorns, these protections, fall away and leave open sores.
The video in this work addresses how the domestication of a culture is carried out, how evidence is gradually softened and attenuated until the trunk’s characteristics dissipate. What remains evident are the wounds of that civilizing process, a very painful one, like any type of progress carried out in greedy and hierarchical ways, as was the case of the colonization of Brazilian territory.
Bia Figueiredo, no dia 12 de março, às 16h, por aproximadamente 30 minutos, ocupou a varanda e as escadas do prédio histórico, com a performance POLVO, abordando as correlações entre corpo e natureza, na medida em que traz como extensão da pele, trazia uma rama de batata-doce cultivada por aproximadamente oito meses e foi a partir do impacto dessa imagem que a artista abordou as co-relações entre corpo e natureza. Nas palavras da artista, "essa performance se ativa desde uma perspectiva corpo-mundo; o corpo como um universo, a casa como uma pele, o planeta Terra como um corpo".
On March 12, at approximately 4 p.m., Bia Figueiredo occupied the balcony and stairs of the historic building with the performance “POLVO,” which addressed the correlations between the body and nature. As an extension of her skin, she carried a sweet potato vine cultivated for approximately eight months, and it was through the impact of this image that the artist addressed the relationships between the body and nature. In the artist’s words, “this performance is activated from a body-world perspective; the body as a universe, home as a skin, the planet Earth as a body.”
Registros da performance POLVO, de Bia Figueiredo, no Museu Paranaense. Março de 2022.
Registers of the performance POLVO, with Bia Figueiredo, at Museu Paranaense. March 2022.
BIA FIGUEIREDO
Brasileira, nascida em Botucatu, São Paulo, e, desde 2007, radicada em Curitiba. A Artista, aprendiz de plantadora, guardiã cultivadora de sementes crioulas e plantas medicinais. Cultiva a terra ao mesmo passo que concebe e realiza projetos artísticos em dança, performance e mídias visuais. É graduada em Produção Cênica pela UFPR e pesquisadora independente do movimento em interação com processos regenerativos intrínsecos ao corpo e à Terra.
Brazilian, born in Botucatu, São Paulo, and based in Curitiba since 2007. The artist, a learner and guardian of Creole seeds and medicinal plants, cultivates the land while conceiving and executing artistic projects in dance, performance, and visual media. She holds a degree in Theater from the UFPR and is an independent researcher in the field of regenerative processes intrinsic to the body and the Earth.
Amanda Kosinski, Camila Frankiv
No final do dia 12 de março, a estrutura tensionada do jardim do Museu transformou-se em um ambiente de cozinha e conversa sobre a importância de adquirir de pequenos produtores locais, consumir alimentos levando em conta a sazonalidade e outros aspectos ligados às plantas e à alimentação dos seres humanos, conduzidos pelas responsáveis pelo projeto Central do Abacaxi, Amanda Kosinski e Camila Frankiv. No livro, as cozinheiras compartilham a receita de um dos preparos que realizaram na atividade do Museu e também falam sobre alguns dos principais fornecedores de ingredientes orgânicos e de produção familiar de Curitiba.
At the end of March 12, the energized structure of the museum garden was turned into a kitchen, and a conversation about the importance of supporting small local producers, consuming food considering seasonality, and other issues related to plants and human nutrition. This was led by the Central do Abacaxi project coordinators, Amanda Kosinski and Camila Frankiv. For this publication, the chefs share a recipe they prepared at the museum event and discuss some of the main suppliers of organic and family-produced ingredients in Curitiba.
Amanda Kosinski e Camila Lovato Frankiv têm na cozinha seu lugar de criação, imaginação, teste e realização. Para concretizar isso, criaram um projeto, o Central do Abacaxi , que misturou vida, trabalho, troca com o outro e com a sociedade, por meio de comidas e sabores com ingredientes locais. Com o Central do Abacaxi , buscaram ressignificar o servir e o cozinhar, buscaram sentido no fazer e buscaram valorizar as mulheres que cozinham.
Amanda Kosinski and Camila Lovato Frankiv see the kitchen as a space for creation, imagination, experimentation, and realization. To materialize this vision, they created the Central do Abacaxi project, which intertwines life, work, exchange with others and society through food and flavors, using local ingredients. Their Central do Abacaxi project aims at redefining serving and cooking, finding meaning in the doing, and honoring women who cook.
Registros da ação Central do Abacaxi no Museu Paranaense. Março de 2022. Registers of the Central do Abacaxi project at Museu Paranaense. March 2022.
AMANDA KOSINSKI, CAMILA FRANKIV
Conheça quem planta cada ingrediente que você come, converse, troque receitas e valorize o pequeno produtor de orgânicos. Aqui, apresentamos algumas pessoas das quais compramos na cidade de Curitiba.
Seu Ludovico planta cebola, batata doce, repolho, pimenta biquinho, várias folhas e um feijão bem gostoso que ele chama de “zoinho de pombo”. Agora, neste período pós-pandemia, quem faz a feira, que acontece toda terça-feira no bairro Seminário, são os filhos Celso e Elaine.
A Família Escher tem os melhores laticínios orgânicos. Vale bater um papo com a Dona Salete e também provar os pães caseiros orgânicos que ela mesma produz. Danilo, produtor de ovos orgânicos, é o mais piadiasta. A Mari e Emerson, com as cenouras mais bonitas e amarradas com todo capricho, também produzem abobrinha, rabanete, nabo, beterraba, acelga e outros que tais. Todos eles estão às quartas-feiras pela manhã na feira da Praça do Expedicionário.
A batata do pierogi do Central do Abacaxi vem do Carlos e da Sílvia. Eles produzem também tomate, beterraba, feijão e outras coisas. Quando é o dia do nosso aniversário, sempre ganhamos do Carlos um ingrediente de presente. Eraldo e Kleber vêm de longe, lá de Cerro Azul. Nessa barraca ficamos horas conversando, fofocando e tomando café com o Eraldo, cujo apelido é Piu. Eles produzem abacaxi, uma grande variedade de cítricos (eles têm a melhor ponkan), milho, mandioca, maxixe e feijão. Eles atendem na feira que acontece na Praça do Japão, nossa favorita, sempre às quintas-feiras pela manhã.
Com a cozinha do Central do Abacaxi *, buscamos fazer comida com ingredientes orgânicos e de produção familiar, feita com calma, feita por meio de vários processos e feita para alimentar. Comida feita para fortalecer os pequenos produtores e as mulheres cozinheiras.
* O projeto Central do Abacaxi foi uma cozinha.
AMANDA KOSINSKI, CAMILA FRANKIV
Get to know the people who cultivate each ingredient you eat, chat with them, exchange recipes, and appreciate small organic farmers. Here are some people we buy from in Curitiba.
Seu Ludovico grows onions, sweet potatoes, cabbage, peppers, various leafy greens and a delicious bean he calls ‘ zoinho de pombo’ (pigeon eye). Nowadays, in these post-pandemic times, the Tuesday market in the Seminário neighborhood of Curitiba is run by his children Celso and Elaine.
The Escher Family provides the best organic dairy products around. It’s worth having a chat with Dona Salete and trying her homemade organic bread. Danilo, the organic egg farmer, is the funniest of them all. Mari and Emerson produce the most beautiful and carefully fastened carrots, as well as zucchini, radishes, turnips, beets, chard and other goodies. You can find them all on Wednesday mornings at the market in Praça do Expedicionário War Memorial Square.
The potatoes used to make Central do Abacaxi’s pierogis come from Carlos and Sílvia. They also grow tomatoes, beets, beans and more. On our birthdays, Carlos always finds an ingredient to give us. Eraldo and Kleber come from far away, from Cerro Azul. We spend hours chatting and gossiping at their stand, drinking coffee with Eraldo, whose nickname is Piu. They grow pineapples, a wide variety of citrus fruits (they have the best tangerines!), corn, cassava, chayote, and beans. They sell their produce at our favorite farmer’s market, the one held every Thursday morning at the Praça do Japão [Japan] Square.
At the Central do Abacaxi kitchen, we cook with organic ingredients from family farmers, taking our time and using a variety of cooking techniques to create food that nourishes us, food that supports family farmers and female chefs.
* The Central do Abacaxi project was a kitchen.
A Borscht é uma sopa original da Ucrânia e também tradicional em diversos países do Leste Europeu. A receita que fazemos é uma versão criada por nós. A original é à base de beterraba, repolho e porco defumado. Já na nossa versão, optamos por usar somente os vegetais. Para o defumado não ficar de lado na nossa receita, os vegetais são defumados na brasa.
2 beterrabas; 1 repolho pequeno ou 1⁄2 repolho grande; 5 cenouras; 1 cebola grande; 2 dentes de alho; Endro em grão; 1 litro de leite; 150 ml de vinagre (pode usar seu predileto).
MODO DE PREPARO
1. Na brasa, coloque todos os vegetais (cebola, beterraba, repolho e cenoura) cortados ao meio com um pouco de sal grosso e azeite;
2. Quando estiverem bem grelhados/ dourados, coloque todos os vegetais num copo de liquidificador e cubra com água e processe;
3. Antes de ir com o líquido pra panela, com mais um pouco de azeite, doure o alho e jogue o copo de vinagre quando o alho estiver dourado. Feito isso, coloque o líquido principal e o endro (se quiser um louro e pimenta moída vai bem) e cozinhe/ferva em fogo médio por uns 20 minutos;
4. Corrija o sal, coloque o leite e ferva mais uns 5 minutos;
5. Experimente novamente e pode servir.
Uma boa broa de centeio ou uma nata com limão acompanham bem.
* Procure por ingredientes orgânicos e da sua região.
Aproveite!
Borscht is an original Ukrainian soup and is also traditional in various Eastern European countries. The recipe we make is our own version. The original version includes beetroots, cabbage, and smoked pork. However, in our version, we only use vegetables. To add a smoky flavor, we smoke the vegetables we use on the grill.
2 beetroots; 1 small cabbage or 1/2 large cabbage; 5 carrots; 1 large onion; 2 garlic cloves; Dill seeds; 1 liter of milk; 150 ml of vinegar (use your favorite kind!).
1. Place all the vegetables (onion, beetroot, cabbage, and carrots, halved and sprinkled with a little coarse salt and olive oil) on the grill.
2. Once the vegetables have browned, put them all into a blender, add water and grind.
3. Before transferring the mixture to the pot, with a little more olive oil, sauté the garlic. Add a cup of vinegar to the browned garlic. Add the garlic to the soup mixture, and throw in a pinch of dill (some bay leaves and ground pepper too, if you like) and boil the soup on medium heat for about 20 minutes.
4. Add salt to taste, add milk and boil everything together for another 5 minutes.
5. Taste your soup again, and go ahead and serve it.
A good rye bread or sour cream with lemon make a good combination.
* Look for organic and local ingredients.
Enjoy!
Aorelio Domingues
Na palestra demonstrativa Vegetal que vira música: a caxeta e os instrumentos caiçaras, o mestre da cultura caiçara e luthier Aorelio Domingues falou sobre alguns instrumentos musicais da cultura caiçara e a principal matéria-prima na confecção da maioria deles: a madeira caxeta, espécie nativa de terrenos alagadiços da Mata Atlântica. Domingues abordou as relações ecológicas envolvidas no manejo tradicional da planta nas comunidades litorâneas do Paraná e os impasses de continuar essa relação secular em um meio repleto de proibições e restrições ambientais: “A gente resiste com esse tipo de coisa: com cultura popular, cantando fandango, fazendo a Folia do Divino, fazendo a cerâmica, a rede, a pesca. Essa árvore está em pé porque a gente preservou ela dessa maneira.” No livro, temos a transcrição dos trechos da palestra de Aorelio Domingues e fotografias do acontecimento. Também foram incluídos desenhos esquemáticos de partes da viola e detalhes da madeira, variação de formatos da viola dentro do território caiçara. Todas as informações contidas nos desenhos foram fornecidas por Aorelio Domingues.
In the demonstrative lecture “Plant that turns into music: the ‘caxeta’ and Caiçara Instruments”, the master of Caiçara culture and luthier Aorelio Domingues talked about some musical instruments of the Caiçara culture and the main raw material from which most of them are made: “caxeta” wood, native species from wetlands in the Atlantic Forest. Domingues addressed the ecological relationships involved in the traditional management of the plant in the coastal communities of the State of Paraná and the impasses of continuing this centuries-old relationship in an environment full of prohibitions and environmental restrictions: “We resist with this kind of thing: with popular culture, singing Fandango, making the Folia do Divino , making the pottery, the net, the fishing. This tree is standing because we preserved it this way.” In this book, we bring a transcription of excerpts from Aorelio Domingues' talk and photographs of such event. Schematic drawings of parts of the viola and details of the wood were also included, as well as variations in the shapes of the viola within the Caiçara territory. All information made present in the drawings was provided by Aorelio Domingues.
Músico e construtor, é mestre premiado pelo Minc por suas atividades no Fandango, Boi-de-Mamão, terço cantado e na Folia do Divino Espírito Santo. Também é diretor artístico da Associação de Cultura Popular Mandicuera e fundador, idealizador e músico da Orquestra Rabecônica do Brasil.
A musician and builder, Aorelio Domingues is a recognized master of his activities in Fandango, Boi-de-Mamão, terço cantado [Marian hymn], and the popular festive tradition of the Folia do Divino Espírito Santo, for which he received a Ministry of Culture award. He is also the artistic director of the Mandicuera Association of Popular Culture and the founder, visionary, and musician of the Orquestra Rabecônica do Brasil.
AORELIO DOMINGUES Transcrição editada
Aquilo tudo que a gente preservou, aquilo tudo que a gente cuidou, é um tesouro que a gente tem na mão e que atrai o interesse de muita da especulação imobiliária, da venda de cotas de carbono, dessa coisa toda.
Porque quando você olha o mapa brasileiro, a partir de um satélite, hoje, a maior extensão de mata Atlântica está onde o Caiçara vive. Porque é assim que a gente vive. Nossa cultura, nossa economia, não é de grandes acumulações. Temos uma cultura de subsistência. Então, a gente planta pequenas roças, pesca poucas quantidades de peixe — ali para a comunidade ou, quem sabe, até para a cidade —, não em escala industrial.
Por isso que o nosso território está preservado. A gente tem enormes extensões e faixas de praia desertas, haja visto Superagui ou a praia deserta na Ilha das Peças, porque o Caiçara é esse ser que mora baía adentro, mora perto do mangue. Quando se olha esse território e os lugares que estão desmatados, ou que estão com grande contingente de pessoas, é justamente onde não está concentrado Caiçara.
E para proteger, ou às vezes se apropriar do território, é que as leis ambientais vêm. E elas vêm, às vezes, formatadas de cima para baixo: sem a comunidade. Os mapeamentos, as leis, geralmente não contemplam o conhecimento tradicional. E é justamente o conhecimento tradicional que preserva a natureza.
Quando corto uma caxeta, que é essa madeira que utilizamos nos instrumentos tradicionais do Fandango Caiçara, eu corto de locais onde o meu bisavô tirava. E a caxeta está lá, tem muita caxeta. Hoje, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) colocou a caxeta como uma árvore ameaçada de extinção, mas isso foi feito justamente para protegê-la, porque havia uma fábrica no litoral que fazia um lápis em larga escala. Eles usavam essa madeira em larga escala — e não é uma cultura Caiçara cortar em larga escala.
Com isso, também vieram as legislações de parques. Nosso território, quando não é parque, é APA. Enfim, daí vão se criando categorias para o nosso território e conflitos, porque o Caiçara não pode fazer uma casa. Filho nasce, depois vai casar, e não pode construir uma casa porque não pode abrir mais um terreno… E assim vai. Vai se tendo uma política de esvaziamento.
Por isso que eu falo que, quando se tem a proteção — as leis de proteção ou esse mapeamento —, às vezes pode ser até que seja para se apropriar desse território.
E o povo não suporta. Por mais que tenha resistência, ele não suporta ficar tanto tempo sem escolas, sem posto de saúde, e assim vai… Vai se proibindo. Para se ter uma ideia, lá no Marujá, as crianças não podem ter cachorro nem gato, porque o cachorro vai correr atrás do cachorro-do-mato, vai correr atrás do lagarto, né? Eles vão criando umas coisas que vão atingindo demais. Tem comunidades que não podem criar galinha. Tem comunidades que não podem plantar nada, não pode plantar mandioca, não pode plantar… Daí, o cara corre para o mar, vai pescar. Aí, ele não pode pescar, se proíbe durante um período. Mas, quando você vai conversar com o pescador, vê que não é que naquele período não pode pescar… Você pode pescar no mar com a rede boiada, com a rede fundeada, na beira do Baixio, fora do Baixio. Com a malha 5 é proibido, mas você pode jogar a malha em outro lugar, fazer um arrasto, fazer um cerco. Enfim, tem muitas maneiras de pescar.
Então, quando essas leis são formatadas, elas travam todo esse conhecimento tradicional que se tem. Com isso, a comunidade vai se cansando, vai saindo. As gerações vão chegando, vão achando outras alternativas de sobreviver, de se contextualizar. Porque, você sabe, a juventude não é porque é do sítio que não vai querer ter um celular. Vai querer, igual todo mundo. É um ser humano como qualquer outro. E, daí, quando começa a pisar nesse outro contexto, começa a ir embora também, não é?
Então, por mais que a gente resista, a política de esvaziamento é muito feroz, assim. Muitos caiçaras ainda resistem. A gente resiste com esse tipo de coisa: com cultura popular, cantando fandango, fazendo a Folia do Divino, fazendo a cerâmica, a rede, a pesca. Então, vai se mantendo essas tradições como identidade, como forma de resistência para mostrar que, naquele pedaço de chão, a cultura é assim.
Essa árvore está em pé porque a gente preservou ela dessa maneira.
Indo para o âmbito da cultura, que é a nossa pesca, a nossa música, nosso jeito de falar, nosso vocabulário, a gente tem esses instrumentos que são feitos com caxeta.
A caxeta é uma árvore que a gente corta e ela brota de volta. A gente corta assim, mais ou menos meio metro do chão, ela brota de volta e daí nascem 5-6 galhos. Daí você vai lá, quebra, deixa 2-3, dependendo de como é que você vê que está o tronco. E a gente tira do mesmo lugar. Até hoje existem os caxetais. A gente vai tirando, vai podando. Então, não é um corte, é uma poda.
Hoje, a gente está em discussão com o Instituto Água e Terra (IAT) para criar uma portaria para liberar que os construtores de instrumentos de fandango possam retirar a caxeta para fazer esses instrumentos. Porque existe um conflito: a lei de proteção ambiental proíbe e, ao mesmo tempo, a gente é patrimônio cultural registrado. Aí, fica assim: o Estado tem que dar as condições para a gente sobreviver como cultura, mas, ao mesmo tempo, para a gente é proibido retirar. Então, existe esse choque.
Foi criada a portaria para que a gente pudesse retirar a madeira, mas é só para os construtores de instrumentos. Então, a gente está catalogando aqueles que que constroem e os que já estão aprendendo, que são possíveis construtores. A gente já está colocando numa listinha. Aqueles que no futuro continuarem com a prática da construção de instrumento, logicamente, vão entrar nessa lista também, porque ela é uma lista aberta.
Agora, eu queria especificamente falar sobre os instrumentos pra vocês. Os instrumentos do fandango guardam, ainda, características, fragmentos dessa cultura tradicional — mesmo que, às vezes, nos joguem até para a Península Ibérica. Resquícios dessa aculturação.
E o que é mais fascinante é que o fandango é vivo espontaneamente. Ele não é um folclore. O fandango é um ritmo musical que tem uma dança, mas ele ainda tem uma função social, assim como a folia do Divino, que ainda é mais antiga.
A folia do Divino teve seu primeiro registro em 1322, na cidade de Alenquer, quando a rainha Isabel, a esposa de Dom Dinis — isso no período medieval —, patrocinou a primeira Festa do Divino. Desde então, as folias do Divino começaram a percorrer as freguesias em Portugal. Aí, quando eu venho para o Brasil, já não tinha padre para todas as regiões. Então, quem fazia as funções de religiosidade eram justamente as bandeiras, os foliões.
E daí, logicamente, vêm esses instrumentos dentro da bagagem dessas caravelas — vem o instrumento, vem o jeito de toca e tudo.
Eu tive a oportunidade de estar em Portugal duas vezes, justamente estudando esses instrumentos e a relação é com o nosso fandango. Lá, eu vi que a gente não encontra fandango como a gente encontra aqui. E a impressão que eles têm, pelo menos os que estudam isso, é que é uma mistura danada: porque o machete, que é o pai do cavaquinho, ele é de Braga; essa nossa viola Caiçara, que vem da viola beiroa, é da região de Castelo Branco; o adufo, que é o pandeiro, vem da região de Lozan, que já é divisa ali com Espanha. Então, com cada um dos instrumentos vem de uma região de Portugal, eles ficam intrigados com como estão todos eles juntos tocando.
A viola lá de Portugal, que deu origem à viola Caiçara, já não tem mais a mesma afinação. Eles migraram a afinação da viola beiroa para a guitarra portuguesa, que é uma guitarra para fado. E a nossa viola Caiçara tem 3 afinações diferentes: entaivado, pelo três e pelo meio. Provavelmente, ou todas elas são a portuguesa, ou alguma delas, o que deixou os portugueses fascinados quando eu levei essa informação para lá.
AORELIO DOMINGUES Edited transcription
Everything we have preserved, everything we have taken care of, is a treasure we hold in our hands, and which attracts the interest of real estate speculation, carbon credit sales, and so on. When you look at the map of Brazil from a satellite today, the largest extent of the Atlantic Forest is where the Caiçara people live. Because that’s how we live. Our culture and economy don’t involve large accumulation. Our culture is one of subsistence. We plant small fields, catch small quantities of fish, for the local community or even for the city, but not on an industrial scale.
That’s why our territory is preserved. We have vast stretches of deserted beaches, like Superagui or the deserted beach on Ilha das Peças, because the Caiçara people live in the bays, near the mangroves. When you look at the territory, areas that are deforested or densely populated usually do not correspond to Caiçara-inhabited areas.
Environmental laws are created to protect or sometimes appropriate these territories. These laws are often formulated from the top-down, without the involvement of the community. The mappings, the laws, often do not consider traditional knowledge. And it’s precisely traditional knowledge that preserves nature.
When I cut a caxeta tree, which is the wood we use for traditional Fandango Caiçara instruments, I cut it from places where my greatgrandfather used to harvest. Caxeta trees are still there, there are plenty of caxeta trees. Today, the National Council for the Environment (CONAMA) has listed caxeta as an at-risk tree species, but this was done precisely to protect it because there was a factory on the coast that used this wood on an industrial scale, which is not a Caiçara practice. With these environmental laws came regulations for protected areas (APAs) and parks. So, our territory becomes either a park or APA. As a result, various categories have been created for our territory, leading to conflicts. The Caiçara people cannot build houses; if a child is born and someday wants to marry, they cannot build a house because they cannot clear more land. It’s a policy of emptying the area. This is why I say that when you have protection, these laws or mapping, it can sometimes be used to appropriate a territory.
The people cannot endure this. No matter how much they resist, they cannot go on so long without schools, health centers, and so forth. Prohibitions keep increasing. For instance, in Marujá, children cannot have
dogs or cats because dogs might chase after wild animals. These restrictions keep multiplying, with communities unable to raise chickens or plant crops like cassava. As a result, people turn to the sea to fish, but in turn are prohibited from fishing during certain periods. However, when you talk to the fishermen, you realize it’s not a complete fishing ban. You can still use certain fishing methods, like a boiada net, an anchored net, along the Baixio or outside of it. Although the use of the 5-inch mesh size is banned, you can still use it elsewhere, perform trawling, or use encircling. There are many ways to fish.
So, when these laws are formulated, they encumber the traditional knowledge we possess. The community gets tired, and new generations start finding alternative ways to survive and adapt to the new context. Even though our youth may be from rural areas, they still want to have a cell phone, just like anyone else. They are human beings. And when they step on this new ground, they leave the old, isn’t that so?
No matter how much we resist, this policy of emptying the area is quite fierce. Many Caiçara people still resist. We resist through cultural practices, singing Fandango, celebrating the Folia do Divino , making ceramics, fishing. We maintain these traditions as part of our identity and a form of resistance to show that on that piece of land, that is the culture.
This tree is standing because we preserved it.
Moving into the realm of culture, our fishing, our music, our way of speaking, our vocabulary, we have these instruments made from caxeta wood.
Caxeta trees are cut, and they grow back. We cut them about half a meter from the ground, and they sprout again, producing 5-6 branches. We break off a few, leaving 2-3, depending on how the trunk is growing. We harvest from the same place. Caxeta groves still exist today. We keep cutting and pruning them. It’s not cutting down, it’s pruning.
Today, we are in conversation with the Water and Land Institute (IAT) to create a regulation that allows Fandango instrument builders to harvest caxeta wood for making these instruments. There’s a conflict because environmental protection laws ban it, but we are a registered cultural heritage. So, it’s a clash. A regulation was created to allow us to harvest the wood, but it’s only for instrument builders. We are currently cataloging those who build and
those who are apprentices continue, potential instrument builders. We are keeping a list, and those who continue the practice of instrument building in the future will naturally be added to this list because it’s an open list.
Now, I specifically wanted to talk to you about the instruments. Fandango instruments still retain characteristics and fragments of this traditional culture, even though they sometimes link us to the Iberian Peninsula. Remnants of acculturation. What’s most fascinating is that Fandango is still alive, spontaneously. It’s not mere folklore. Fandango is a musical rhythm with a dance, but it still has a social function, just like the Folia do Divino, which is even older.
The Folia do Divino was first recorded in 1322 in the city of Alenquer when Queen Isabel, the wife of Dom Dinis, in the medieval period, sponsored the first Festa do Divino . Since then, the Folia do Divino began to spread to the parishes in Portugal. Then, coming to Brazil, they did not have priests for all regions. So, those who performed religious functions were the banner carriers, the revelers.
And then, of course, with the caravels came these instruments, the instruments, the way of playing, and everything.
I had the opportunity to go to Portugal twice, specifically to study these instruments and their connection to our Fandango. There, I saw that you don’t find Fandango like we do here. At least those who study it in Portugal, they have a feeling it’s a heck of a mix because the machete, which is the ancestor of the cavaquinho, is from Braga; our Caiçara viola, which comes from the beiroa viola, is from the Castelo Branco region; the adufo, which is the tambourine, comes from the Lozan region, which is already at the border with Spain. So, each of these instruments comes from a different region of Portugal, and they are intrigued by how they all come together and are played here.
The viola in Portugal, which gave rise to the Caiçara viola, no longer has the same tuning. They adapted the tuning of the beiroa viola to the Portuguese guitar, which is a guitar for Fado. Our Caiçara viola has three different tunings: entaivado, pelo três, and pelo meio. Probably all of these are Portuguese, or some of them are, which fascinated the Portuguese when I shared this information with them.
Simbioses: arte, ecologias e políticas na paisagem
cidade-floresta
Ponto Final, Ponto Seguido
Uýra define-se como “a árvore que anda”, portanto foi um ponto alto do Programa Público, justamente por afirmar essa identificação máxima com o vegetal. Por isso, reservamos o terceiro final de semana de março para viver e aprender com ela, em duas atividades: através de uma roda de conversa e uma performance. O livro conta com transcrição de trechos das falas de Uýra e Keila, fotografias da roda de conversa e um conjunto de obras da artista indígena.
Uýra, Keila Sankofa
Symbioses: art, ecologies, and politics in the city-forest landscape
Ponto Final, Ponto Seguido
Na tarde do dia 19 de março, tivemos a mesa de conversa Simbioses: arte, ecologias e políticas na paisagem cidade-floresta. O diálogo começou com a participação de Uýra, que trouxe suas experiências e práticas como bióloga, pesquisadora, educadora e artista indígena, seus interesses pelos sistemas vivos e suas violações, com atuação em Manaus, território industrial localizado no meio da Floresta. Ela fez um panorama da sua atuação, apresentando suas séries de trabalhos. Em um segundo momento, a cineasta e artista visual Keila Sankofa apresentou seus principais interesses artísticos, comentando sobre as motivações que levaram a criação de seus projetos. Suas produções utilizam a fotografia e o audiovisual como ferramenta para propor autoestima e questionar apagamentos de pessoas negras. No domingo pela manhã, aconteceu a performance Ponto Final, Ponto Seguido, na qual Uýra extrapolou o espaço físico do MUPA e tomou a praça João Cândido, no centro histórico de Curitiba. A performance ativou ressurgimentos de vida coberta pelas materialidades e imaginários coloniais — as terras, memórias, águas e florestas que dormem debaixo dos asfaltos. Plantando em rito, sobre o asfalto, Uýra ativou e fez ressurgir um sistema radicular em grande escala, para, em dois atos, lembrar e curar a floresta viva e aguada para gritos e apagamentos. Já apresentada pelo Kunnstraum Museum, nas ruas de Viena, e também no Castelo Di Rivolli, Itália, esta foi sua primeira apresentação no Brasil.
Uýra defines herself as "the walking tree," which is why it was a highlight of the Public Program, affirming this deep connection with nature. Therefore, the third weekend of March was reserved to live and learn with her through a roundtable and a performance. The book contains transcripts of Uýra and Keila's discussions, photographs from the conversation, and a collection of works by the indigenous artist.
On March 19th, the roundtable “Symbioses: Art, Ecologies, and Politics in the City-Forest Landscape” began with the participation of Uýra. She shared her experiences and practices as a biologist, researcher, educator, and indigenous artist, discussing her interests in living systems and their violation, with a focus on Manaus, an industrial territory located in the heart of the forest. She presented her series of works and projects. In a second moment, filmmaker and visual artist Keila Sankofa discussed her main artistic interests, commenting on the motivations behind her projects. Her work uses photography and video as tools to promote self-esteem and challenge the erasure of Black people.
On Sunday morning, the performance “Ponto Final, Ponto Seguido” took place, in which Uýra moved beyond the physical space of MUPA and to take over João Cândido Square in Curitiba’s old town. The performance activated resurgences of life buried beneath colonial materialities and imaginaries — land, memories, waters, and forests sleeping under the asphalt. By planting, Uýra triggered and brought to life an extensive root system that lies dormant underneath the asphalt, calling back and healing the wet, living forest, shouting out against erasure. This performance had been previously presented at the Kunnstraum Museum in Vienna and at the Castello di Rivoli in Italy, but this was its first presentation in Brazil.
19 e 20 .03.2022 mesa de conversa, performance roundtable, performance
É uma indígena da Amazônia Central. Formada em Biologia e mestre em Ecologia, atua como artista visual, arte educadora e pesquisadora. Mora em Manaus, em território industrial no meio da Floresta, onde se transforma para viver Uýra, uma manifestação em carne de bicho e planta que se move para exposição e cura de doenças sistêmicas coloniais. Uýra já realizou inúmeras exposições individuais e coletivas. Dentre elas, destacam-se Faz Escuro Mas Eu Canto (34º Bienal de São Paulo, 2021), Resurgences of Amazonia! (Kunstraum, Innsbruck, 2021) e Árvore que Anda (Galeria de Artes Visuais do Largo São Sebastião, Manaus, 2019).
Indigenous from Central Amazonia, Uýra holds a degree in Biology and a master’s in Ecology. She works as a visual artist, art educator, and researcher. She resides in Manaus, an industrial territory within the forest, where she transforms herself into Uýra, a manifestation in the flesh of animals and plants that takes to movement, striving to expose and heal systemic colonial diseases. Uýra has presented numerous solo and group exhibitions, including “Faz Escuro Mas Eu Canto” [It’s dark but I sing] (34th São Paulo Biennial, 2021), “Resurgences of Amazonia!” (Kunstraum, Innsbruck, 2021), and “Árvore que Anda” [Moving Tree] (Visual Arts Gallery of Largo São Sebastião, Manaus, 2019).
KEILA SANKOFA
Artista visual e cineasta. Compreende a rua como espaço de diálogo com a cidade, espaço no qual produz instalações audiovisuais que exibem filmes, fotos e videoartes. Artista que utiliza a fotografia e o audiovisual como ferramenta para propor autoestima e questionar apagamentos de pessoas negras. Indicada ao Prêmio Pipa (2021). Tem vasta experiência na direção de produção de projetos audiovisuais como séries e curtas, além de produção de mostras, festivais e espetáculos de diversas linguagens artísticas. Gestora do Grupo Picolé da Massa, Diretora artística do Projeto Direito à Memória, membra da Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro (APAN) e Nacional Trovoa. Vive e trabalha em Manaus.
Visual artist and filmmaker who views the street as a space for conversation with the city. She produces audiovisual installations that display film, photos, and video art on the street, using these mediums to promote self-esteem and challenge the erasure of Black people. She was nominated for the Pipa Prize in 2021. Keila has extensive experience in producing audiovisual projects such as series and short films, as well as organizing exhibits, festivals, and shows across various artistic disciplines. She manages the Picolé da Massa Group, serves as the artistic director of the Direito à Memória [Right to Memory] Project, and is a member of the Association of Black Audiovisual Professionals (APAN) and Nacional Trovoa. She lives and works in Manaus.
Registros da performance Ponto Final, Ponto Seguido, de Uýra, no Museu Paranaense (Praça João Cândido). Março de 2022.
Registers of the performance Ponto Final, Ponto Seguido , with Uýra in Museu Paranaense (João Cândido Square). March 2022.
UÝRA
Transcrição editada
A gente sabe que existe uma história e um passado. Uma história com “H”, que não é escrita por povos indígenas. Uma história que está nos livros, na emenda do Ministério da Educação, formando as crianças com uma visão de “descobrimento”, do indígena estereotipado, de uma série de violações dos nossos direitos e vidas. E a gente sabe que existe um passado, que está na oralidade, que está nas ações, que está impresso, nem que seja nas pedras, mas existe, é real. Então, refletir e recontar essa história e esse passado faz parte, de modo amplo, das coisas que eu acredito e que me movem. Quando as pessoas imaginam a Uýra, elas falam: “Ah, é da floresta, não é?”. Mas, eu moro em Manaus, que é floresta e cidade. Essa paisagem não é uma só. É híbrida, é uma paisagem de cidade-floresta. Não é nem um, nem outro. É os dois. Nesses dois mundos, existem muitas naturezas. A gente cresce com a palavra “natureza” e lembramos: passarinho, árvore… Mas, nós também crescemos ouvindo, percebendo e convivendo com outras naturezas: essas da LGBTfobia, do feminicídio, do racismo, das degradações ambientais. Tudo isso também é natureza — uma natureza estranha, torta. Mas, a partir do momento que convivemos com isso — mesmo que forçadamente, pela alienação de um Estado que nos obriga a entender isso como paisagem —, essas coisas também se tornam natureza. E todas as naturezas estão nessa paisagem híbrida. Essas questões se manifestam em meu trabalho por meio de paralelos entre a destruição ambiental e a violência social, porque para mim, quando se abate uma árvore, é como se abatessem uma travesti. Não há diferença, não é? São criaturas diferentes, mas que passam por uma violência derivada de um colonialismo, de um patriarcado, de um capitalismo que não as entende, que não as aceita, que não quer as suas vidas.
Mas, não é só com história feia que eu trabalho, é com história bonita também. Com a diversidade, com o funcionamento da biologia das coisas, dos bichos, das plantas — e também do social, humano. Como forma, realmente, de expor e ativar as possibilidades de cura dessas doenças sistêmicas e coloniais.
Eu me monto, uso o corpo como suporte. Tem gente que chama isso de drag queen. Tudo bem! Com o movimento, com as
pessoas LGBTQIA+, é ótimo porque a gente se comunica bastante enquanto drag. Mas Uýra é entidade. Não no sentido religioso, mas por ser uma presença que atravessa imaginários e mundos.
De 2017 a 2019, nesses trânsitos, desenvolvi fotoperformance, fotos de ações, de intenções, expressas em quatro séries:
A última floresta, com 2 ensaios; Mil quase mortos, com 2 ensaios; Elementar, que é a maior série desenvolvida, com 6 ensaios; e a Retomada, que teve um ensaio até o momento.
A última floresta aborda o desmatamento na Amazônia, a destruição das florestas, sobretudo pelo agronegócio. E, também, pela visão eurocentrada de que árvores não têm valor, de que a floresta é só um conjunto de árvores — quando é muito mais que isso. Os ensaios Terra pelada e Está queimando são parte dessa série, onde juntam-se símbolos como o fogo, o correntão, o boi e outros, todos relacionados à queimada.
A série Mil quase mortos se desenvolve a partir dessa documentação sobre a situação dos igarapés da cidade de Manaus, da América Latina, do Paraná e também de qualquer canto desse território onde as cidades crescem pequenas, agarradas aos igarapés, e depois que crescem ficam boçais e esquecem dos igarapés, porque deixaram de deles beber, de deles comer, de deles se banhar… E transformam isso, enquanto governo, enquanto sociedade, em lixões a céu aberto. Então, Boiúna e Caos são imagens que compartilho como exemplo de fotografias que integram essa série, desenvolvidas dentro do igarapé do Mindu, que atravessa a cidade de Norte a Sul e que, por essa potência, consegue refletir quem é a cidade, consegue conectar muitos mundos. Nessa série, é decisiva a palavra “quase” — porque a água não morreu, ela quase morreu. E o que mais podemos ver nas beiras dos igarapés são as plantas de remédio, plantas de comer, que a vovó nunca deixou de plantar ali, apesar de tudo. Em Mil quase mortos, importam também as manifestações de vida dentro do caos.
Elementar vem contar com mais afago as histórias da beleza, da autoestima, da potência das coisas vivas, como plantas que dormem no fundo dos rios durante 5-6 meses com a enchente. Elas dormem, mas elas voltam. Não é como se nada tivesse acontecido, mas elas voltam prontas para viver novamente. Quando a água abaixa, elas vão botar flor. Temos também o fogo, não enquanto o fogo que destrói, mas o fogo gerador de vida que garante, enquanto calor, a existência da maior biodiversidade tropical da Terra, a Amazônia. E temos lama, que conta uma outra história: lama não é nem terra, nem água. É quando eles se abraçam. Então, forma-se um elementar.
Rio Negro é um ensaio sobre o qual não costumo não falar muito, porque ele aborda diretamente o direito ao mistério. As sociedades em que vivemos, quando descobrem, destroem, pela perspectiva extrativista. E, até o momento, o fundo do Rio Negro é um lugar que ninguém conhece. Alguns pajés conhecem, mas se falam, eles são soprados. Já colocaram máquinas, pesquisadoras, biólogas e tudo lá para enxergarem, mas não se vê nada.
E tudo bem, porque não temos que saber de tudo, não é?
Em A Mata Te/Se Come, a pergunta é: como a Amazônia, essa floresta biodiversa, com árvores de 40, 50, 60 m de altura,
UÝRA
[acima / above] The forest eats (itself-you), 2018. (Fotografia por / Photo by: Lisa Hermes)
[p. 206 ] Rio Negro, 2018. (Fotografia por / Photo by: Ricardo Oliveira)
Da série Elementar [From the series Elementary]
consegue habitar um território com o solo pobre, com pouco cálcio, pouco potássio, magnésio? Essencialmente, isso é possível porque as árvores comem delas mesmas. Elas produzem a própria matéria orgânica que se decompõe e é reabsorvida no processo que ecologia chama de “retroalimentação”. Isso é bonito, porque quantas vezes precisamos nos retroalimentar, não é? A mata ensina que, muitas vezes, somos nós com nós mesmos.
Agora, para falar de Retomada. Desde criança eu vejo em Manaus essas plantas. Provavelmente vocês vão reconhecer algumas delas, porque nada que eu estou falando aqui é só de Manaus, é daqui também, é da América. Essas plantas estão por todos os lados, mas não dentro das florestas. Elas habitam o cimento, a casa da senhora que odeia planta, mas de dois em dois meses nasce uma lá. A chanana é um exemplo. Ela é essa florzinha branca com um pontinho preto no meio. Chanana tem para todo lado, em Manaus. O pessoal corta, mas de cada galho cortado nascem três.
Elas são plantas que têm uma coisa em comum: são plantas pioneiras, que desenvolvem um processo de sucessão ecológica. O que é isso? Por exemplo: tinha uma floresta, um trator levou tudo ou uma cidade cobriu… E, então, as plantas começam a retomar esse local por conta de pássaros, de pólen, de vento, de água. Que levam as sementes e redistribuem a floresta na cidade. E são “plantas pioneiras” porque são as primeiras, abrem o espaço para a
UÝRA
Naked ground , 2018.
Da série A Última Floresta [From the series The Last Forest] (Fotografia por / Photo by: Matheus Belém)
floresta voltar. Começa com uma, duas… E, quando vemos, tem mil. E como elas crescem rápido, se espalham rápido, elas vão deixando o solo mais úmido e frio. Então, novas sementes vão chegando e, quando você vê, aquilo que era só graminha, uns matinhos pequenos, passa a ter planta, arbusto, árvore. Essas plantas têm fome de retomada, em um processo chamado retomada florestal. E ele não precisa ser inimigo da cidade, se aceitarmos que é possível ter uma cidade mais arborizada, com essa plantas incluídas em nossa vida, não é?
E onde essas plantas estão? Na Santa Casa de Misericórdia, nos prédios que antes eram locais de prisão de pessoas escravizadas... Elas crescem onde há abandono, onde há violência. Elas remarcam e reterritorializam a vida onde há caos. Crescem sobre as pistas, sobre as calçadas, sobre os muros, cobrem prédios inteiros, com muita força, muita presença ancestral.
E aí surge a série Retomada, apresentada na 34ª Bienal de São Paulo. São 10 fotos que contam todo o desenvolvimento de uma planta. Contando a história dessas plantas com elas, convocando-as em lugares que elas já moram — dizendo, com toda licença, parentes, vamos fazer foto aqui, então, para contar a história de vocês.
A retomada surge com o reencontrar — o tio Ailton [Ailton Krenak] fala que em cada semente dorme uma floresta — e nasce,
UÝRA
Chaos , 2018.
Da série Mil quase mortos [From the series Thousand-Almost Dead] (Fotografia por / Photo by: Matheus Belém)
então, uma foto a partir dessa visão de que a planta germina e rebrota. Ela enraíza para baixo, primeiro; ela se centra para poder subir. E aí ela sobe, cresce, ela escala e se agrega. Nenhuma planta dessas se constrói sozinha. Essa foto tem o bairro onde eu moro lá atrás, intencionalmente, porque mata-floresta e favela para mim é a mesma coisa. É um agrupamento de vidas, literalmente juntas, que se comunicam, que se percebem — como as árvores embaixo do solo, trocam substâncias, fica uma acariciando a raiz da outra. É assim na periferia: nós nos vemos, nos cuidamos, nos comunicamos.
As ameaças: na floresta, é o trator, é o fogo; na periferia, na favela, são a polícia, as milícias. Os abatimentos das vidas ocorrem de uma forma muito parecida, com motivos muito similares, sobretudo das vidas jovens indígenas e pretas dentro das periferias, das árvores pequenas nas beiras de florestas. Então, quando surge um foco de perigo numa casa, todo mundo ajuda a apagar, porque pode se espalhar o fogo dentro da favela. Existem muitas tecnologias, também, para a mata apagar o fogo. Então, são lugares muito parecidos — e que se espalham.
UÝRA Edited transcription
We know that there’s history and a past.
History with a capital H hasn’t been written by indigenous peoples. It’s history as found in the books, in the Ministry of Education’s curriculum, shaping children’s view of “discovery,” stereotyping indigenous people and naturalizing a series of violations of our rights and lives. We also know there’s a past, in oral tradition, in actions, in prints—even if it’s recorded on rock —it exists, it’s real.
Hence, reflecting and retelling this history and the past is broadly a part of the things I believe in, that move me. When people imagine Uýra, they say, “Ah, she’s from the forest, isn’t she?” But I live in Manaus, which is both forest and city. This landscape isn’t just one. It’s hybrid, a city-forest landscape. It’s neither one nor the other; it’s both. In these two worlds, there are many natures. We grow up with the word “nature” and we remember: birds, trees... But we also grow up hearing, perceiving, and living with other natures: those of LGBTQIA+ phobia, femicide, racism, environmental degradation. All of this is also nature— a strange, twisted nature. But as we live with this - even if forced by a state-induced alienation that obliges us to understand this as landscape - these things also become nature. And all these natures exist in this hybrid landscape.
These issues are manifested in my work through parallels between environmental destruction and social violence because, for me, when a tree is brought down, it’s like attacking a trans person. There’s no difference, right? They are different beings, but both experience violence derived from a colonialism, a patriarchy, a capitalism that doesn’t understand them, doesn’t accept them, doesn’t want their lives. But I don’t only work with history made ugly, I also work with a history of the beautiful. With diversity, with the functioning biology of things, of animals, plants - and also of the social, the human. As a way to truly demonstrate and activate the possibilities of healing these systemic and colonial diseases.
I assemble, I use the body as a base. Some call this a drag queen. That’s fine! With the LGBTQIA+ movement, it’s great because we communicate a lot as drag . But Uýra is an entity. Not in the religious sense, but as a presence that traverses imaginations and worlds.
From 2017 to 2019, in these transitions, I developed photo performances, photos of actions, goals expressed in four series: The Last Forest , with two essays; A Thousand Almost Dead , with two essays;
Elementary, which is the largest developed series, with six essays; and Retake, which had one essay until now.
The Last Forest addresses deforestation in the Amazon, the destruction of forests, especially by agrobusiness. Also, it refers to the Eurocentric view that trees have no value, that the forest is just a collection of trees - when it’s much more than that. The essays Naked Ground and It’s Burning are part of this series, in which symbols like fire, chainsaws, cattle, and others, all related to forest fires, are combined.
The Thousand-Almost-Dead series unfolds from documentation on the situation of the streams in the city of Manaus, Latin America, Paraná and any corner of this territory where cities start small, clinging to the streams, and then, as they grow, they become boorish and forget about the streams because they stopped drinking from them, eating from them, bathing in them... And then, as a government, as a society, they turn them into open-air garbage dumps. So, Boiúna and Chaos are images I share as examples of photographs that integrate this series, taken from the Mindu stream, which crosses the city from north to south and which, from this potency, reflects who the city is, connects many worlds. In this series, the word “almost” is crucial - because the water did not die, but almost died. And what we can see most at the stream’s edges are medicinal plants, edible plants, which grandmother never stopped planting there, despite everything. In Thousand -Almost-Dead, the manifestations of life within chaos also matter.
Elementary comes to tell, with tenderness, stories of beauty, self-esteem, the power of living things, like plants that sleep at the bottom of rivers for 5-6 months during the flood season. They sleep, but they come back. It’s not like nothing happened, but they return ready to live again. When the water recedes, they will bloom. There’s also fire, not as the fire that destroys, but as the life-generating fire that ensures, as warmth, the existence of the Earth’s largest tropical biodiversity, the Amazon. And there’s mud, which tells another story: mud is neither earth nor water. It’s when they embrace. Thus, something elemental is formed.
Rio Negro is an essay I don’t usually talk much about because it directly addresses the right to mystery. The societies we live in, when they discover, they destroy, from an extractive
perspective. And, to date, the depths of the Rio Negro is a place no one knows. Some shamans know, but if they speak, they’re silenced. They’ve put machines, researchers, biologists, and everything there to see, but they see nothing. And that’s okay because we don’t have to know everything, right?
In The forest eats (itself/you), the question is: how can the Amazon, this biodiverse forest, with trees 40, 50, 60 meters tall, inhabit a territory with poor soil, little calcium, little potassium, magnesium? Essentially, this is possible because the trees eat themselves. They produce their own organic matter, which decomposes and is reabsorbed in the process that ecology calls “feedback”; it’s beautiful, how many times do we need this feedback, right? The forest teaches us that many times, it’s us, with ourselves.
Now, to talk about Reclaim. Since I was a child, I’ve seen these plants in Manaus. You’ll probably recognize some of them because nothing I’m talking about here is just from Manaus; it’s from here, too, it’s from America. These plants are everywhere, but not in the forests. They inhabit cement, they populate the house of the lady who hates plants, but every two months, sprout there. Chanana is an example. It’s this little white flower with a black dot in the middle. Chanana is everywhere in Manaus. People cut it, but three more grow from each cut branch.
These plants have one thing in common: they’re pioneer plants that undergo a process of ecological succession. What’s that? For example: there was a forest, a tractor razed everything, or a city covered it up... And then, plants start to reclaim that place due to birds, pollen, wind, water. They carry and redistribute the forest in the city. They’re “pioneer plants” because they’re the first, they break the ground for the forest to return. It starts with one, two... And before you know it, there are thousands. And as they grow fast, spread quickly, they make the soil moister and cooler. So, new seeds arrive and when you look again, what was just grass, some small plants, becomes bushes, trees. These plants hunger to reclaim, in a process called forest reclaiming. And they don’t need to be considered the enemy of the city, if we accept that it’s possible to have a more tree-covered city, with these plants included in our lives, right?
And where are these plants? In the Santa Casa de Misericórdia, in buildings that were once places of enslavement... They grow where
there’s been abandonment, where there’s been violence. They remark and reterritorialize life where there’s chaos. They grow on roads, on sidewalks, on walls, cover entire buildings, with a lot of force, a lot of ancestral presence. And thus, the Reclaim series emerges, shown at the 34th São Paulo Biennial. There are 10 photos there that recount the entire development of a plant. Telling the story of these plants with them, summoning them to places where they already live — saying, with all due respect, relatives, let’s take a photo here, to tell your story.
Reclaim emerges with rediscovery — Uncle Ailton [Ailton Krenak] says that in each seed sleeps a forest — and then, a photo is born from this view that the plant germinates and sprouts again. It roots downwards first; it centers itself to be able to rise. And then, it climbs, grows, it climbs and adds. None of these plants build themselves alone. This photo has the neighborhood where I live in the background, intentionally, because the forest and the favela, for me, are the same thing. It’s a gathering of lives, literally together, communicating, noticing each other — like the
trees under the ground, exchanging substances, one caressing the roots of another. That’s how it is on the outskirts: we see each other, take care of each other, communicate.
The threats: in the forest, it’s the tractor, it’s the fire; on the outskirts, in the favela, it’s the police, the militias. The downfall of lives occurs in a very similar way, for very similar reasons, especially for young indigenous and Black lives in the outskirts, for small trees on the edges of forests. So, when flames erupt in one house, everyone helps put them out, because the fire can spread over the favela. There are many technologies, too, for the forest to put out the fire. So, these are very similar places — and they multiply.
KEILA SANKOFA
Transcrição editada
Falando sobre meu trabalho, Ancestralidade de Terra e Planta. Eu produzi essa vídeo-performance em 2018. E ela traz tanto o meu interesse artístico, quanto minha vivência com as plantas. E, quando eu falo vivência, não é o meu corpo que cura — é o meu corpo que é curado. É o meu corpo que reconhece as plantas como uma ferramenta curativa. Não é uma ferramenta, que salva. É a alta tecnologia ancestral, que não há como negar!
Esse banho de terra é quando eu compreendo, eu entendo, eu percebo a Terra como um lugar que guarda essa memória. Onde é possível se reconectar com ela, a Terra. E as pessoas têm nojo de terra, não é? Não é à toa que não faltam pequenas ferramentas para que elas não toquem nessa terra, sendo ela tão importante, de onde nasce a vida — se não tem Terra, nós não estaríamos aqui. Então, além de guardar a memória, esse é um lugar que processa os nossos corpos também, é onde nasce a nossa comida. Enfim, esse é um trabalho que eu gosto muito e que já fiz algumas vezes. Ele sempre me traz muitas delícias de aprendizado.
O vídeo, exibido em looping, apresenta essa performance que fiz em locais com muita movimentação de carro, de ônibus e de pessoas. Muita gente passava se benzia. Muitas pessoas também se achegam para perguntar… Enfim, é um lugar gostoso, também, de existir. Compartilho, agora, um texto da Maria Dolores Rodrigues, que ela fez para esse processo. É um texto que eu leio de vez em quando, porque eu acho que são lembranças importantes desse trabalho:
“Meu legado não está nos papéis. Quem sabe de mim são as plantas. Quem conta a minha história é a Terra. O meu suor e o meu sangue escrevem nesse chão o meu desejo de reparação. Existo e muitas existiram antes e depois de mim: o que você vê quando olha dentro dos meus olhos? Um dia eu plantei nesse lugar, junto com essa terra que agora eu piso, a força necessária para se construir terreiros, prédios e cidades. As plantas guardam os meus segredos e eu continuo existindo por meio delas. A natureza entende muito mais de reparação do que a história. Nasço a cada dia por meio das plantas que crescem, vira adubo e sou adubada por elas. Dentro de cada pedaço de chão desse lugar, eu existo. Estou viva, e a minha voz pode ser ouvida em cada grão de terra. Eu sou semente, planta e terra e a minha história grita por reparação.”
KEILA SANKOFA
Edited transcription
Speaking about my work, “Ancestralidade de Terra e Planta” (Ancestry of Earth and Plant), I did this video performance in 2018. It reflects both my artistic interest and my experience with plants. When I speak of experience, it’s not my body that heals — it’s my body that is healed. It’s my body recognizing plants as a healing tool. It’s not a tool that saves. It’s ancient high technology that cannot be denied!
This earth bath is when I understand, I comprehend, I perceive the Earth as a place that holds this memory. It’s where it’s possible to reconnect with it, with the Earth. People have disgust for earth, don’t they? It’s no wonder that there’s no shortage of small tools to avoid touching that earth, even though it’s so important, the birthplace of life — if there’s no Earth, we wouldn’t be here. So, besides preserving our memory, this is a place that processes our bodies as well; it’s where our food is born. This is a work I truly enjoy and have shown several times. It always brings me a lot of delightful learning.
The video, displayed in a loop, presents this performance I did in places with a lot of car, bus, and pedestrian traffic. Many people passed by and made the sign of the cross. Many people also approached to ask... Anyway, it’s also a pleasant place to exist.
Now, I’ll share a text by Maria Dolores Rodrigues that she wrote for this process. It’s a text I read from time to time because I think it holds important memories of this work:
“My legacy isn’t on paper. The plants know of me. The Earth tells my story. My sweat and my blood write my desire for reparation on this ground. I exist, and many existed before and after me: what do you see when you look into my eyes? One day, I planted in this place, together with this earth on which I now stand, the strength necessary to build yards, buildings, and cities. Plants keep my secrets, and I continue to exist through them. Nature understands much more about reparation than history does. I’m born every day through the plants that grow, become fertilizer, and I’m fertilized by them. Inside every piece of this land, I exist. I’m alive, and my voice can be heard in every grain of earth. I am seed, plant, and earth, and my story cries out for reparation”.
KEILA SANKOFA
O romance Írisz: as orquídeas, de Noemi Jaffe, fomentou diálogos e reflexões na mesa de conversa intitulada Letras em fotossíntese, com mediação da também escritora Julie Fank. O enredo principal do romance é a história de uma bióloga fugitiva da guerra que desaparece deixando diários nos quais é possível perceber sua arguta percepção da língua húngara, da crise do comunismo e de sua relação com as orquídeas. Atravessadas pela obra, as escritoras e o público dialogaram sobre aspectos mais específicos ligados ao campo literário, como a construção da personagem, como também de conceitos e temáticas como o colapso climático, crise dos refugiados e hospitalidade. No livro, estão a transcrição de trechos do encontro.
The novel “Írisz: as orquídeas” by Noemi Jaffe sparked discussion and pondering in a roundtable titled “Letters in Photosynthesis,” moderated by writer Julie Fank. The main storyline of the novel follows a biologist who escapes the war, leaving behind diaries that reveal her keen perception of the Hungarian language, the crisis of communism, and her relationship with orchids. Writers and audience engaged in discussion on literary elements, character development, and concepts such as climate collapse, the refugee crisis, and hospitality. The book includes transcripts of excerpts from the discussion.
NOEMI JAFFE
Escritora, professora de literatura e de escrita e crítica literária. Doutorou-se em Literatura Brasileira pela USP. Publicou O que os cegos estão sonhando? (2012), pela Editora 34, A verdadeira história do alfabeto (2012), pela Companhia das Letras, vencedor do Prêmio Brasília de Literatura em 2014, Írisz: as orquídeas (2015), Não está mais aqui quem falou (2017) e O que ela sussurra (2020), também pela Companhia das Letras. Desde 2016, mantém o Centro Cultural Literário Escrevedeira, em parceria com Luciana Gerbovic e João Bandeira.
A writer and professor of literature and writing, Noemi Jaffe earned her Ph.D. in Brazilian Literature from USP. She has published several books, including “ O que os cegos estão sonhando?” (2012), “A verdadeira história do alfabeto” (2012), “ Írisz: as orquídeas” (2015), “ Não está mais aqui quem falou” (2017), and “ O que ela sussurra” (2020).
Escritora, artista visual e diretora da Esc. Escola de Escrita, espaço dedicado à formação de artistas e escritores fundado em 2014 em Curitiba. Doutora em Escrita Criativa pela PUCRS, mestra em Literatura Comparada pela Unioeste-PR e licenciada em Letras também pela Unioeste-PR. É autora do livro-instalação Cemitério de Azulejos (2016), do livro de artista Embaraço (2017), da Contravento Editorial, d’O grande livro da criatividade (2019), da editora Imagine, do livro-instalação A história da cebola , exibido na última Bienal Laniakea (2020), e do livro Dobradiça (2023), da editora Telaranha.
A writer, visual artist, and director of Esc. Escola de Escrita , a space devoted to art and writing courses that she founded in Curitiba in 2014. She holds a Ph.D. in Creative Writing from PUCRS and a master’s degree in Comparative Literature from Unioeste-PR. Julie is the author of “ Cemitério de Azulejos” (2016), “ Embaraço” (2017), “ O grande livro da criatividade” (2019), “A história da cebola” (2020), and “ Dobradiça” (2023).
Registros da mesa de conversa com Noemi Jaffe e Julie Fank. Março de 2022.
Registers of the roundtable with Noemi Jaffe and Julie Fank. March of 2022.
NOEMI JAFFE, JULIE FANK Transcrição editada
A Írisz é uma refugiada da Revolução Húngara, essa revolução fracassada. E ela é botânica, que é a profissão que eu gostaria de ter tido, se não fosse escritora. Não tenho nenhum jeito para as ciências naturais, nada disso, mas tenho esse sonho de ter sido botânica. Então, a primeira coisa que eu determinei na Írisz foi: ela vai ser botânica. Eu não sabia nem quem ela era nem de onde ela era, não sabia nada, mas sabia que ela seria botânica. Então, eu determinei que ela seria uma húngara, que o período seria o da Revolução. A partir disso, comecei a pesquisar plantas da Hungria. Aí: papoula. Eu sou louca por papoula — não pela planta, se não, vai todo mundo aqui achar que eu sou opiómana. É pelo doce de papoula, porque é um doce tipicamente húngaro que minha mãe fazia. Se vocês nunca comeram doce de papoula, comam. É melhor que o chocolate, juro! Tem a receita, no livro, do bolo de papoula.
Eu coloquei a Írisz para estudar papoula e fui descobrir que, no Jardim Botânico de Budapeste, tem uma vitória-régia brasileira. Aí, inventei que a Írisz tinha uma colega no Jardim Botânico de São Paulo, que a convidou para vir trabalhar nele com orquídeas. E a Írisz não sabia nada de orquídeas. Daí, quando ela chegou, foi trabalhar no Orquidário — que é justamente dessa época, começo dos anos 1960.
Quando a Írisz foi estudar orquídeas, eu também fui, né? E estudei muito. Conversei com uma jornalista da Globo, Ananda Apple. Ela apresenta o Globo rural e é orquidófila. E ela me explicou tudo. Descobri que a maioria das orquídeas são epífitas: plantas cujas raízes ficam no ar e não na terra. Então, eu falei: “Gente, raiz no ar é a Írisz!”. Ela é uma pessoa desenraizada. Os refugiados são extirpados da raiz.
A gente está vendo, agora, os ucranianos. Eles simplesmente deixam a raiz em casa e vão embora. Eu estava pensando — todo mundo deve estar pensando isso agora — eu tenho, sei lá, 5.000 livros em casa. Eu deixaria os 5.000 livros. E a minha história toda iria embora com uma mala e só. É horrível e, ao mesmo tempo, não é interessante, também? Você deixar tudo... Tem muitos lados isso.
Quando a Írisz descobre que as orquídeas são epífitas, ela começa a ver nas orquídeas a si mesma. Então, nos relatórios dela, ela fala objetivamente das orquídeas, mas fala também de si. E o Martim vai lendo aqueles relatórios e vai se apaixonando por ela. É essa duplicidade do que está na linha e do que está nas entrelinhas.
Nós somos hóspedes neste mundo, não é? E a gente está vivendo uma crise climática. Não só nesse livro, você traz essa duplicidade das palavras “hóspede”, “hospitalidade” e “hostilidade”. Isso tudo tem muito a ver com a imigrante Írisz, que se sentia hóspede, mas também era tratada com uma certa hostilidade em alguns momentos. E aí, não só falando de imigração, quando a gente vai para o campo da crise climática, nós somos hóspedes e somos hostis com esse lugar que nos abriga. Então, queria te ouvir falando um pouco sobre isso.
Maravilhoso, Julie. Obrigada. Nossa, que pergunta!
Sim, eu sou uma adepta da hospitalidade. Sou muito apaixonada por um filósofo francês judeu — acho que já deu para perceber que eu sou judia — chamado Emanuel Levinas. Ele diz que a hospitalidade é o valor fundamental do ser humano em sociedade, mais do que a liberdade, mais do que a igualdade, mais do que a justiça. Ele entende que a hospitalidade é ainda anterior aos valores da Revolução Francesa. Ele fala: se você não está aberto a receber todo mundo, indiscriminadamente, você não é livre, nem fraterno, nem igualitário.
Em francês, a palavra “hôte”, que é derivada para “hotel” e tal, é tanto “hóspede” quanto “hospedeiro”. Por quê? Porque o hóspede e o hospedeiro, na verdade, são a mesma pessoa. Se você hoje está recebendo, pode aguardar que amanhã você vai precisar ser recebido. Se não for você, vai ser teu filho, vai ser teu neto.
O que você tinha perguntado, mesmo?
Essa relação dupla entre hospitalidade e hostilidade.
Ah, sim! Você falou lindamente, nós somos hóspedes aqui. E somos hóspedes breves, para falar a verdade.
Estava, aliás, vendo no Instagram ou no Twitter, não sei. Tinha uma foto de um polvo se mexendo na água. E, aí, uma pessoa comentou: “A gente não vai destruir a Terra, não é?”. Pode ser que a gente suma, mas os polvos vão continuar — e não estão nem aí para a nossa presença. Eles estão nos recebendo. E é isso que você falou: a gente está sendo hostil para com o nosso hospedeiro.
A verdade da vida é receber e ser recebido. É isso que é bom, não é? Receber. Levinas fala que Deus é a face do outro. Você quer conhecer Deus? Olhe para outra pessoa, porque você não sabe o que se esconde na face dela. A face é o grande mistério da humanidade. É isso que é Deus: você receber o outro, olhar para o outro e perguntar: “Quem é você?”. E o outro também vai perguntar quem é você. Então, é assim que você descobre quem é você mesmo: é pela pergunta do outro.
NOEMI JAFFE, JULIE FANK
Edited transcription
Írisz is a refugee from the Hungarian Revolution, this failed revolution. And she is a botanist, which is the profession I would have liked to have had if I weren’t a writer. I have no aptitude for the natural sciences, none of that, but I have this dream of having been a botanist. So, the first thing I determined about Írisz was that she would be a botanist. I didn’t know who she was or where she was from, I knew nothing, but I knew she would be a botanist.
Then I decided that she would be Hungarian, and the period would be that of the Revolution. That led me to researching plants from Hungary. And there it was — poppy. I’m crazy about poppy — not the plant, or everyone here will think I’m a drug addict. But poppy sweets, a typical Hungarian treat my mother used to make. If you’ve never eaten poppy sweets, try them! They are better than chocolate, I swear! There’s a recipe in the book for poppy cake.
I had Írisz study poppies, and I found out that in the Botanical Garden of Budapest, there’s a Brazilian Victoria lily. So then I imagined that Írisz had a colleague in the São Paulo Botanical Garden who invited her to come work there with orchids. And Írisz knew nothing about orchids. When she arrives, she starts working in the Orchidarium—right from the beginning of the 1960s.
When Írisz started studying orchids, I followed suit, right? And I studied a lot. I talked to a journalist from Globo, Ananda Apple. She hosts Globo Rural and is an orchid enthusiast. And she explained everything to me. I discovered that most orchids are epiphytes: plants whose roots thrust up into the air, not into the ground. So, I said, “Folks, roots in the air are like Írisz!” She’s a person uprooted. Refugees are people who have been torn away from their roots.
We’re seeing it now with the Ukrainians. They just leave their roots behind them and depart. I was thinking — everyone must be thinking this now — I have, I don’t know, 5,000 books at home. I would leave the 5,000 books. And my whole history would be reduced to just one suitcase. It’s terrible, and at the same time, isn’t it interesting, too? Leaving everything behind... There are many sides to this.
When Írisz discovers that orchids are epiphytes, she starts to see herself in the orchids. So, in her reports, she objectively talks about the orchids, but she also talks about herself. And Martim reads those reports and falls in love with her. It’s this duality of what’s in the text and what’s between the lines.
We’re guests in this world, right? And we’re experiencing a climate crisis. Not just in this book, you bring up this duality of the words “guest,” “hospitality,” and “hostility.” This has a lot to do with the immigrant Írisz, who felt like a guest but was also treated with some hostility at times. And so, to not talk only about immigration, when we move to the field of the climate crisis, we are guests and we are hostile to this place that shelters us. I’d like to hear you talk a bit about that.
Wonderful, Julie. Thank you. Wow, what a question!
Yes, I’m a proponent of hospitality. I’m very passionate about a French Jewish philosopher — I guess it’s already clear that I’m Jewish — called Emmanuel Levinas. He says that hospitality is the fundamental value of humans in society, more than freedom, more than equality, more than justice. He believes that hospitality precedes the values of the French Revolution. He says, if you’re not open to receiving everyone indiscriminately, you are not free, fraternal, or egalitarian.
In French, the word “ hôte”, from “hotel” and the like derive, means both “guest” and “host.” Why? Because the guest and the host are, in fact, the same person. If today you are a host, you can expect that tomorrow you will need to be hosted. If it’s not you, it will be your child, your grandchild. What were you asking about, again?
This double relationship between hospitality and hostility.
Ah, yes! You put it beautifully, we are guests here. And we are brief guests, to tell the truth.
There was, by the way, something I saw on Instagram or on Twitter, I don’t know. It was a photo of an octopus moving in the water. And then someone commented, “We’re not going to destroy the Earth, right?” Maybe we’ll vanish, but the octopuses will continue — and they don’t care about our presence. They are hosting us. And that’s what you said, we’re being hostile to our host.
The truth of life is to receive and be received. That’s what’s good, isn’t it? To receive. Levinas says that God is the face of the other. Do you want to know God? Look at another person, because you don’t know what is hidden in their face. The face is the great mystery of humanity. That’s what God is: you receive the other, look at the other, and ask, “Who are you?” And the other will also ask who you are. And that’s how you discover who you are yourself: through the other’s question.
Formulário Médico jesuíta: o documento histórico em debate Jesuit Medical Form: the historical document in debate
Maria Claudia Santiago, Heloisa Meireles Gesteira
Formulário Médico: Encontrado em uma arca da igreja de S. Francisco de Curitiba e atribuído aos jesuítas em 1703
The Medical Formulary: Found in a chest at the Church of S. Francisco in Curitiba and attributed to the Jesuits in 1703
Maria Claudia Santiago
Biblioteca de Manguinhos Manguinhos Library
Ação Educativa “Formulário Médico jesuíta”: Educational Action “A Jesuit Medical Form”: Milena A. Chaves, Roberta Horvath (Núcleo Educativo MUPA)
Oficinas de xilogravura & Flora — Oficina livre de carimbos
Woodcut printing workshops & Flora — Free Stamp Workshop
Luiz Lira, Ramon Santos
Plantas, paisagens e conservação da vida promovidas pelos povos indígenas
Plants, landscapes and conservation of life promoted by indigenous peoples
Eduardo Góes Neves, Sirlei Garigtánh Fernandes, Ariane Saldanha de Oliveira
Plantas, paisagens e conservação da vida promovidas pelos povos indígenas
Plants, landscapes and conservation of life promoted by indigenous peoples
Ariane Saldanha de Oliveira
Uma fruta ao alcance da mão
A fruit within reach
Eduardo Góes Neves
Bolo azedo (emi kajã)
Sour cake (emi kajã)
Sirlei Garigtánh Fernandes
Arquitetura de terra: Taipa de pilão
Earth architecture: Rammed earth construction
Fernando Minto
Mandioca: agrobiodiversidade na Amazônia e vivências caiçaras
Cassava: agrobiodiversity in Amazon and Caiçara experiences
Laure Emperaire, Angelino Hermes Cogrossi (Gelico)
Convivências e conivências vegetais
Plant coexistence and cooperation
Laure Emperaire
Filme Paisagem:um olhar sobre Roberto Burle Marx
João Vargas Penna, Paulo Chiesa
Instituto Burle Marx
Maria Claudia Santiago,
Heloisa Meireles Gesteira
Entre os meses de abril e maio, a sala do Programa Público contou com a exposição de uma obra rara da Biblioteca de Manguinhos, acervo da Fiocruz: o Formulário Médico atribuído aos jesuítas, encontrado em uma arca da Igreja de São Francisco de Curitiba em 1703. O início da exposição do documento histórico contou com uma mesa de conversa intitulada Formulário Médico jesuíta: o documento histórico em debate, com a participação da historiadora e servidora da Fiocruz, Maria Claudia Santiago, e da historiadora Heloisa Meireles Gesteira, ambas organizadoras de um livro com pesquisas acerca do manuscrito. Nesta publicação, estão presentes um texto inédito da pesquisadora Maria Claudia Santiago acerca do manuscrito histórico, fotografias do objeto e a apresentação da Ação Educativa do Núcleo Educativo do Museu Paranaense, que por meio de visita mediada no Museu e Praça João Cândido, buscou relacionar o documento com o local onde ele foi encontrado.
Between April and May, the Public Program Room featured the showing of a rare work from the Manguinhos Library, part of the Fiocruz collection: the Medical Formulary attributed to the Jesuits, found in a chest at the Church of São Francisco in Curitiba in 1703 The exhibit of this historical document began with a roundtable discussion titled “The Jesuit Medical Formulary: The Historical Document in Debate,” with the participation of the historian and Fiocruz employee Maria Claudia Santiago, and historian Heloisa Meireles Gesteira, both organizers of a book with research on the manuscript. This publication includes an unpublished text by researcher Maria Claudia Santiago about the historic manuscript, photographs of it, and the presentation of the Educational Action of the Educational Division of Museu Paranaense, which, through guided visits to the Museum and to João Cândido Square, sought to relate the document to the place where it was discovered.
07.04.2022 exposição, mesa de conversa, ação educativa exhibition, roundtable, educational action
MARIA CLAUDIA SANTIAGO
Historiadora e pós-graduada em Preservação e Gestão de Patrimônio Cultural das Ciências da Saúde. Desde 2011, exerce o cargo de chefia da Seção de Obras Raras e Especiais da Biblioteca Manguinhos/Icict/Fiocruz. Possui experiência nas áreas de conservação e restauração de acervos em papel, gestão de acervos bibliográficos e segurança de acervos. É uma das organizadoras do livro Formulário médico: manuscrito atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da Igreja de São Francisco de Curitiba , publicação vencedora do 6º Prêmio ABEU em 2020, na categoria Ciências da Vida.
Historian with a postgraduate specialization in Preservation and Management of Cultural Heritage in Health Sciences. Since 2011, she has been the head of the Rare and Special Works Section of the Manguinhos Library/Icict/Fiocruz. She has experience in the areas of conservation and restoration of paper collections, management of bibliographic collections, and archive security. She is one of the organizers of the book “Medical Formulary: Manuscript attributed to the Jesuits and found in a chest at the Church of São Francisco in Curitiba,” which won the 6th ABEU Award in 2020 in the Life Sciences category.
HELOISA MEIRELES
Doutora em História Social pela UFF. Atua na área de História Social da Ciência com interesse nos estudos sobre os artefatos de ciência e tecnologia; História das ideias e práticas astronômicas na Época Moderna; Estudos sobre as relações entre o conhecimento e o processo de conquista das Américas (séculos XVI e XVIII); Circulação de plantas e trocas culturais. É uma das organizadoras do livro Formulário médico: manuscrito atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da Igreja de São Francisco de Curitiba , publicação vencedora do 6º Prêmio ABEU em 2020, na categoria Ciências da Vida.
Ph.D. in Social History from UFF. She works in the field of Social History of Science with an interest in studies on science and technology artifacts, History of ideas and astronomical practices in the Modern Era, Studies on the relationship between knowledge and the process of conquest of the Americas (16th and 18th centuries) and Circulation of plants and cultural exchanges. She is one of the organizers of the book “Medical Formulary: Manuscript attributed to the Jesuits and found in a chest at the Church of São Francisco in Curitiba,” which won the 6th ABEU Award in 2020 in the Life Sciences category.
Registros da mesa de conversa com Maria Claudia Santiago e Heloisa Gesteira, no Museu Paranaense. Abril de 2022.
Registers of the roundtable with Maria Claudia Santiago and Heloisa Gesteira, at Museu Paranaense. April 2022.
MARIA CLAUDIA SANTIAGO
em uma arca da igreja de S. Francisco de Curitiba e atribuído aos jesuítas em 1703
O convite para que o manuscrito Formulário Médico, atualmente sob a guarda da Biblioteca de Manguinhos/Icict/Fiocruz, pudesse participar e compor o Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”, do Museu Paranaense, foi um presente.
Com a proposta de aproximar o público da relação entre humanos e vegetais, foi possível apresentar o documento original a um coletivo de pessoas que pudessem se interessar em conhecer o manuscrito e se reconhecer nas informações abordadas sobre ele — ou naquelas trazidas pelo próprio documento. Não temos registro que o Formulário Médico tenha saído da Fiocruz para outra exposição ao longo de sua guarda institucional, o que torna a sua exibição no MUPA ainda mais especial.
No documento original, encontra-se uma inscrição na primeira folha, feita por uma mão diferente daquela que produziu o manuscrito, que sinaliza que este livro/caderno de receitas teve seus caminhos cruzados com a região de Curitiba. Dessa forma, pode expressar uma admissível relação de identidade e significado com o território onde o MUPA e seu Programa Público estão inseridos, assim como seus visitantes.
O Formulário Médico é um manuscrito hológrafo, em formato de códice, produzido em papel de trapo e contendo 230 folhas. Trata de registrar um compilado de receitas para tratamento de saúde da população colonial. Suas fórmulas apresentam o uso de plantas predominantemente encontradas no território brasileiro. A isso, são acrescidas práticas medicinais associadas ao conhecimento convergente de vários povos formadores do Brasil. Nesse documento, é possível identificar: hábitos religiosos e culturais embutidos nas fórmulas medicinais, receitas advindas de outras fontes de origem e adaptações de uso de plantas para opções disponíveis no Brasil.
O manuscrito original se encaixa nas características de Patrimônio Cultural Brasileiro, cujo conceito está disposto na Constituição de 1988 e prevê “referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Isso foi atestado a partir de análises e estudos, tanto históricos quanto materiais, que averiguaram a sua autenticidade e conteúdo,
principalmente por manifestar, em sua matéria, saberes e fazeres de populações tradicionais relacionados à saúde. O reconhecimento dessas características foi atestado pelo Programa Memória do Mundo, da Unesco, em 2017. O registro do Formulário Médico foi incluído como representante brasileiro na lista do Patrimônio Documental da Humanidade.
Para além disso, quisemos tornar viável a aproximação do conteúdo do manuscrito com um público mais ampliado, assim como disponibilizar as pesquisas realizadas a respeito do documento. Sendo assim, todo o conteúdo dessas pesquisas foi preparado e submetido à avaliação para publicação pela Editora Fiocruz. Após um longo processo de análise, o livro foi publicado em 2019, com o mesmo título do manuscrito original e contendo a transcrição paleográfica de todo o seu conteúdo. As suas características de escrita foram mantidas, buscando conservar suas particularidades de forma e seguindo as normas da paleografia e da diplomática. Estudos históricos e materiais foram empreendidos para formar a candidatura ao Memória do Mundo da Unesco e continuados em detrimento da publicação da Editora Fiocruz. Assim se formou a publicação do livro, que em 2020 recebeu o 1º lugar na categoria Ciências da Vida do 6º Prêmio Abeu, concedido pela Associação Brasileira de Editoras Universitárias. O Prêmio Abeu tem como propósito “incentivar a qualificação das edições das casas editoras universitárias, bem como fomentar a produção técnico-científica, em relação tanto à excelência dos conhecimentos veiculados pelos títulos quanto à concepção estética das edições”. Todos os trabalhos de produção do conhecimento sobre o conteúdo do Formulário Médico só foram possíveis por conta dos esforços de muitos profissionais de diversas instituições brasileiras, que se empenharam em digitalizar, transcrever, analisar e pesquisar sobre este documento. Sabemos que essa pesquisa não está finda — e que diversas outras possibilidades podem ser desenvolvidas a partir do Formulário Médico. Esse foi o motivo para que o documento fosse viabilizado em seu acesso e divulgação. Não é possível que um patrimônio cultural se sustente sozinho; ele precisa fazer sentido para a sua comunidade e ser conhecido por ela. Portanto, é de total interesse da Fundação Oswaldo Cruz que o público possa conhecer e se apropriar do conteúdo do Formulário Médico — algo que o MUPA possibilitou, com o Programa Público, para os seus visitantes.
MARIA CLAUDIA SANTIAGO
Found in a chest at the Church of S. Francisco in Curitiba and attributed to the Jesuits in 1703
The invitation for to include the manuscript “Medical Formulary,” currently in the custody of the Manguinhos Library/Icict/Fiocruz, as part of the Public Program “If we dug our feet into the Earth: relationships between humans and plants” at Museu Paranaense, was a gift. With the aim of bringing the public closer to the relationship between humans and plants, it was possible to introduce the original document to a collective of people who might be interested in getting to know the manuscript and recognize themselves in the information provided on it — or within the document itself. We have no record of the Medical Formulary leaving Fiocruz for any another exhibit during its institutional custody, making its showing at MUPA even more special.
In the original document, there is an inscription on the first page, written in a different hand from the one that produced the manuscript and indicating that this book/prescription notebook crossed paths with the Curitiba region. Thus, it may express a relationship of conceivable identity and significance within the territory to which MUPA and its Public Program — and its visitors — belong.
The Medical Formulary is a holographic manuscript, in codex format, produced on rag paper and containing 230 pages. It records a compilation of prescriptions for the medical treatment of the colonial population. Its formulas feature the use of plants predominantly found in Brazilian territory. Added to this are medicinal practices associated with the convergent knowledge of the various peoples who contributed to the formation of Brazil. In this document, it is possible to identify religious and cultural habits embedded in medicinal formulas, prescriptions from other sources of origin and adaptations of plant use to options available in Brazil.
The original manuscript fits the characteristics of Brazilian Cultural Heritage, a concept outlined in the 1988 Constitution, which provides a “reference to the identity, action and memory of the different groups that make up Brazilian society”. This was confirmed through analyses and studies, both historical and material, verifying its authenticity and content, mainly by expressing, in its substance, the knowledge and practices of traditional populations regarding health. The recognition of these characteristics was confirmed by the UNESCO Memory of the World Program in 2017. The registration of the Medical Formulary was included as a Brazilian representative on the Documentary Heritage of Humanity list.
Furthermore, we wanted to make the content of the manuscript, as well as the research conducted on it, more accessible to a broader audience. Thus, all the content of these studies was prepared and submitted to Fiocruz for publication. After a long process of analysis, the book was published in 2019, with the same title as the original manuscript and containing the paleographic transcription of its entire content. Handwriting characteristics were maintained, seeking to preserve its peculiarities of form, and following the norms of paleography and diplomacy. Historical and material studies were undertaken to forge its candidacy for the UNESCO Memory of the World, and continued, in detriment to the Fiocruz publication.
This is how the book was published, receiving 1st place in the Life Sciences category at the 6th Abeu Award in 2020, granted by the Brazilian Association of University Publishers. The Abeu Award aims to “encourage the qualification of editions from university publishing houses, as well as foster technical-scientific production, regarding both the excellence of the knowledge conveyed by the titles and the aesthetic conception of the editions”.
All the efforts to produce knowledge about the content of the Medical Formulary were only possible due to the dedication of many professionals from various Brazilian institutions, who worked on digitizing, transcribing, analyzing, and researching this document. We know that this research is not finished — and that various other possibilities can unfold from the Medical Formulary. This was the reason for making the document accessible and widely known. It is not possible for cultural heritage to sustain itself alone; it needs to make sense to its community and be known by it. Therefore, it is of total interest to the Oswaldo Cruz Foundation that the public get to know and appropriate the content of the Medical Formulary — an opportunity that MUPA has provided its visitors, through the Public Program.
AUTORIA DESCONHECIDA
[UNKNOWN AUTHOR]
Formulário médico: manuscrito atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da Igreja de São Francisco de Curitiba em 1703 . (Fotografias por / Photo by: Rodrigo Méxas)
A história do acervo da Biblioteca de Manguinhos se inicia em 1900, com os livros que ficavam sobre as mesas dos pesquisadores e serviam de suporte às pesquisas realizadas no então Instituto Soroterápico Federal. Uma constituição espontânea, já que uma instituição de ciência e saúde precisa ser erguida sobre o alicerce do conhecimento e, consequentemente, dos livros.
Seus primeiros anos foram acompanhados de perto por Oswaldo Cruz, que cuidava pessoalmente de vários aspectos desse desenvolvimento: desde o novo espaço físico construído no Pavilhão Mourisco para abrigar a biblioteca até a escolha da encadernação adotada para ser utilizada na coleção.
Desde o início, as obras clássicas, raras e especiais eram selecionadas para compor o acervo, muitas selecionadas por Arthur Neiva, um dos grandes pesquisadores da instituição e também bibliófilo.
Dentre as obras que compõem esse acervo precioso, o Formulário Médico é, sem dúvidas, um exemplar ímpar, que devido à sua importância histórica, foi contemplado pelo Programa Memória do Mundo da Unesco em 2017. Essa obra, um manuscrito de 1703 com receitas médicas construídas por saberes indígenas, negros e portugueses, foi encontrada, segundo anotações contidas no próprio documento, numa arca na igreja de São Francisco de Curitiba, estabelecendo assim uma relação de proximidade com o Museu Paranaense (MUPA).
Poder disponibilizar essa obra tão significativa para o patrimônio cultural científico brasileiro à sociedade, em parceria com o MUPA, no Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”, foi uma das principais ações da Biblioteca de Manguinhos em 2022.
A Biblioteca de Manguinhos muito se orgulha de sua trajetória que, ao longo desses 122 anos, sempre contou com importantes parcerias, como o MUPA, para cumprir sua principal função: disseminar a informação.
BIBLIOTECA DE MANGUINHOS
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
The history of the Manguinhos Library collection dates back to the 1900s, with the books that were kept on the tables of researchers and served as support for the research conducted at the place then known as the Federal Serotherapy Institute. It was an impromptu construction, since an institution of science and health must be built on the foundation of knowledge and, consequently, books.
The library’s early years were closely monitored by Oswaldo Cruz, who personally took care of several aspects of its development: from the new physical space built in the Mourisco Pavilion to house the library to the choice of book binding adopted for the collection.
From the start, classical, rare, and special works were selected to compose the collection, many of which were chosen by Arthur Neiva, one of the institution’s great researchers and a bibliophile himself.
Among the works that make up this precious collection, the Formulário Médico [Book of Medical Prescriptions] is undoubtedly a unique exemplar — included, due to its historical importance, in the UNESCO Memory of the World Program in 2017. This work, a manuscript from 1703 with medical prescriptions constructed from indigenous, African, and Portuguese knowledge, was found, according to annotations contained in the document itself, in a chest in the church of São Francisco de Curitiba. Hence, its close relationship with Museu Paranaense (MUPA).
Making this significant work of Brazilian scientific and cultural heritage available to society, in partnership with MUPA, through the Public Program "If We Dug our Toes into the Earth: Relations Between Humans and Plants", became one of the main actions of the Manguinhos Library in 2022.
The Manguinhos Library is proud of its trajectory, which, over these last 122 years, has always relied on important partnerships, such as the one we sustain with the MUPA, to fulfill its main role: disseminating information.
BIBLIOTECA DE MANGUINHOS
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
MILENA A. CHAVES, ROBERTA HORVATH Núcleo Educativo do Museu Paranaense
“Formulário Médico jesuíta”: diálogos entre o documento histórico e o espaço urbano
Durante o período de permanência do manuscrito atribuído aos jesuítas, o Departamento Educativo do MUPA ofereceu uma visita guiada envolvendo o espaço expositivo do Programa Público e a Praça João Cândido, local onde supostamente o formulário foi encontrado — com mais exatidão, nas ruínas da Capela de São Francisco de Paula. Como o entorno da construção se transforma com o passar dos anos, a capela existiu ali até a sua demolição em 1915, quando foi construído o Palácio Belvedere. A atividade com o título Formulário Médico jesuíta: diálogos entre o documento histórico e o espaço urbano contou com horários agendados e horários para público espontâneo.
Para contextualizar a ideia do circuito, é importante compreender a paisagem da região central do São Francisco como um espaço ativo de transformação. O primeiro retrato conhecido da cidade, feito por Jean-Baptiste Debret 1 e datado de 1827, traz um panorama de onde se acredita que hoje seja a localização das Ruínas da nunca finalizada Igreja de São Francisco, prédio que tinha como intenção substituir e ampliar a capela onde supostamente o documento foi encontrado.
A construção da Capela de São Francisco de Paula data de 1799 e sua conclusão de 1809. As primeiras missas começam a acontecer no local por volta 1811. Em 1815, Manoel Gonçalves Guimarães, um dos principais responsáveis por fomentar a construção da capela, falece na capital e é sepultado no local. O hábito de sepultar os falecidos abaixo do piso da capela, ou mesmo em seus arredores, era uma prática comum, o que justifica boa parte dos restos mortais humanos encontrados durante escavações realizadas na área da Praça João Cândido para fins de pesquisa e também para mudanças arquitetônicas na região, como a construção do anfiteatro em 1979, na parte antecedente do Palácio Garibaldi (1887). Durante o período seguinte, as reuniões da Câmara Municipal chegaram a acontecer no local, devido ao prestígio, à localização privilegiada da capela e também ao mau estado de conservação das demais igrejas da região do centro. A Praça João Cândido só recebeu este título em 1948. Nos períodos anteriores, já foi chamada de Largo Emílio de Menezes, Largo do Observatório, e tanto seu nome
6 "O fenômeno fundamentalmente urbano conhecido como gentrificação consiste em uma série de melhorias físicas ou materiais e mudanças imateriais-econômicas, sociais e culturais que ocorrem em alguns centros urbanos antigos, os quais experimentam uma apreciável elevação de seu status." (BATALLER, 2012, p.10)
quanto suas características arquitetônicas e de ocupação sofreram alterações significativas desde a construção da capela2
Em 1915, a capela foi demolida para a construção do Palácio Belvedere, inicialmente projetado por Cândido de Abreu para servir como mirante devido à localização em um dos pontos mais altos da região do atual bairro São Francisco.
A região do Alto São Francisco, no contexto de construção da capela, era uma das principais entradas para os viajantes que chegavam à cidade de Curitiba. Os edifícios nos arredores eram majoritariamente ocupados por populações socialmente periferizadas, característica que justifica, posteriormente, o surgimento de algumas instituições no local, como a Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio, fundada em 1888 por João da Fausta — e um importante local de sociabilidade e organização política, social e comunitária na área central de Curitiba. Essa característica também justifica o início da construção do que seria a sede da Sociedade Operária Beneficente 28 de Setembro, organizada por mulheres negras, possivelmente a partir do público feminino associado à 13 de Maio, porém, se difere das demais por ser uma associação independente e não filiada3. Em algumas imagens da capela, é possível observar a construção da fundação da estrutura da associação, no terreno cedido pela Câmara Municipal em 1895, na lateral da capela4. Também no terreno da Praça João Cândido se localizava a sede da Federação Espírita do Paraná, onde a instituição permaneceu até 1915, mesmo ano da demolição da capela. Até 1939, a casa serviu de atêlie para o escultor paranista João Turin (1878-1949). Nesse ano, porém, a construção também foi demolida.
A construção da Casa Garmatter em 1928, a vinda da sede do Governo do Estado para a edificação em 1938 e a posterior instalação do TRE no local em 1953 acarretaram em uma série de mudanças estruturais e sociais nos arredores. Em 1946, as calçadas em petit-pavé com motivações paranistas são instaladas. Em 2002, o Museu Paranaense passa a ocupar o Palacete Garmatter e a edificação anexa é construída para abrigar o acervo do MUPA.
Os imóveis nos arredores da praça foram sendo reocupados nesses períodos — e a característica da região, antes residencial, foi se modificando. Os processos de transformação da cidade de Curitiba, desde as ressignificações de espaços como o Alto São Francisco e a Praça João Cândido, transpassam questões ligadas à urbanização e tratam diretamente da construção de identidade no espaço.
A narrativa construída através da Ação Educativa, além de trazer à luz questões relacionadas à população que ocupava a região desde o século XIX, procura, de forma crítica, refletir como a construção de um projeto imagético, fundado a partir de preceitos do Movimento Paranista5 (os quais motivam o novo pavimento nas calçadas da Praça João Cândido), está diretamente ligada ao afastamento da população trabalhadora da região central.
A presença do Formulário Médico, um documento usado para difundir receitas e tratamentos para a sociedade curitibana e até os próprios sepultamentos, denota a alta circulação da população
MILENA A. CHAVES, ROBERTA HORVATH
local na capela. A presença operária, com as associações, passa a ser menos notável depois das mudanças das características arquitetônicas. Essas reformas urbanas podem justificar um processo de gentrificação6 do espaço, também decorrente da expansão urbana da cidade, na qual o encarecimento da região obriga a população de baixa renda a se deslocar para outros locais.
Entender um documento histórico como objeto de uma narrativa é essencial para a construção de uma perspectiva crítica sobre o espaço que é comum ao Formulário Médico e ao Museu Paranaense.
4 BAPTISTA, Vera Regina Biscaia Vianna. Ruínas de São Francisco: dois séculos de história e mito. FCC,2004.
2 BATALLER, M. O ESTUDO DA GENTRIFICAÇÃO, Revista Continentes (UFRRJ), ano 1, n. 1, 2012. DISPONÍVEL EM:http://www.revistacontinentes.com.br/index.php/continentes/article/view/5/4
1 CARNEIRO, Newton. Fase Itinerante. In: Pintores da Paisagem Paranaense . Secretaria de Estado daCultura e do Esporte. Curitiba, 1982. (p. 13-22)
CHUERY, M; MAZIVIERO, M. Curitiba insurgente: do existir ao resistir. VI ENANPARQ. Universidade deBrasília, 2020
GESTEIRA, Heloisa Meireles; LEAL, João Eurípedes Franklin; SANTIAGO, Maria Claudia. Formulário médico: manuscrito atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da igreja de São Francisco de Curitiba . Rio de Janeiro; Fiocruz; 2019. 434 p. Livroilus.
5 PEREIRA, L. PARANISMO: CULTURA E IMAGINÁRIO NO PARANÁ DA I REPÚBLICA. Dissertação deMestrado. PPGHISUFPR. Curitiba, 1996.
3 SANTIAGO, Fernanda. ASSOCIAÇÕES DE MULHERES NEGRAS EM CURITIBA: DAS MUTUAIS ÀSPOLÍTICAS PÚBLICAS. XVII ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH-PR , CURITIBA, 2020
AUTORIA DESCONHECIDA [UNKNOWN AUTHOR]
Capela de São Francisco, Curitiba, s.d. [São Francisco Chapel, Curitiba, n.d.] Acervo / Collection Museu Paranaense.
MILENA A. CHAVES, ROBERTA HORVATH Museu Paranaense Educational Division
During the period the manuscript attributed to the Jesuits was at the MUPA, the museum’s Educational Department offered a guided tour of the Public Program’s exhibition space and Curitiba’s João Cândido Square — where the document was allegedly found — in the ruins of the Chapel of São Francisco de Paula, also showing how the area surrounding the chapel was transformed over the years, until its demolition in 1915. The activity, which was called A Jesuit Medical Form: historical documents and urban space in conversation , had scheduled times and was open to the general public.
To contextualize the idea of the circuit, it is important to understand the landscape of the central region of São Francisco as an active space of transformation. The first known depiction of the city, a Jean-Baptiste Debret painting dated 18271 , shows a panorama of what is believed to be the location of the Ruins of the never-finished Church of São Francisco, a building that was intended to replace and expand the chapel where the document was supposedly found.
The construction of the Chapel of São Francisco de Paula began in 1799 and was completed in 1809. The first religious services were held on the site around 1811. In 1815, Manoel Gonçalves Guimarães, one of the main chapel sponsors, died in Curitiba and was buried on its grounds.The practice of burying the deceased beneath the chapel’s floor or even in its vicinity was a common practice at the time, and explains a significant portion of human remains found during excavations carried out in the area of João Cândido Square, whether for research purposes or architectural projects, such as the construction of the amphitheater in 1979, in front of the Garibaldi Palace (1887). During the following period, meetings of the Municipal Chamber were held on the site, given the chapel’s prestige and privileged location, as well as the poor state of conservation of the other churches in the downtown area. João Cândido Square did not receive its current name until 1948; in previous periods, it had been called Largo Emílio de Menezes, and Largo do Observatório. Hence, both its name, its architecture and its uses have undergone significant changes since the chapel was built 2 . In 1915, the chapel was demolished to make way for the construction of Belvedere Palace, initially designed by Cândido de Abreu to serve as an observatory, given its location at one of the highest points in what is now the neighborhood of São Francisco.
6 "A fundamentally urban phenomenon known as gentrification consists of a series of physical or material improvements and intangible — economic, social and cultural — changes that take place in some old urban centers, accompanied by an appreciable rise in their status."
(BATALLER, 2012, p.10)
The region of Alto São Francisco, in the context of the chapel’s construction, was one of the main ports of entry for travelers arriving in the city of Curitiba. The surrounding buildings were mostly occupied by socially marginalized populations, a characteristic that later justified the emergence of certain institutions in the area, such as the May 13th Workers Beneficent Society. Founded in 1888 by João da Fausta, it was an important hub of sociability, political organization, social engagement and community activity in the city’s central region. This characteristic also explains the beginning of the construction of what would become the headquarters of the September 28th Workers Beneficent Society, organized by Black women, possibly spearheaded by women who had been connected to the May 13th Society 3 . However, this association differs from others in that it was independent and unaffiliated. In some of the chapel images, the foundations of the association’s structure can be seen, laid on the land granted by the Municipal Chamber in 1895, to one side of the chapel itself4 .
Also located on the grounds of João Cândido Square was the headquarters of the Spiritist Federation of Paraná. The institution remained there until 1915, the same year the chapel was demolished. Until 1939, the house served as a studio for the Paraná sculptor João Turin (1878-1949), the year of its demolition.
The construction of Garmatter House in 1928, the relocation of State Government headquarters to the building in 1938 and the subsequent installation of the Regional Electoral Tribunal (TRE) on the site in 1953 led to a series of structural and social changes in the vicinity. In 1946, the “petit-pavé” sidewalks with Paraná-inspired motifs were set in place. In 2002, the Museu Paranaense took over the Garmatter Mansion, and an annex building was constructed to house the MUPA collection.
The properties surrounding the square were gradually reoccupied during these periods, and the once residential characteristic of the region underwent modification. The processes of transformation in the city of Curitiba, from the redefining of spaces like Alto São Francisco and João Cândido Square, transcend issues related to urbanization, to directly address the construction of identity in space.
Narratives constructed through educational activities, in addition to shedding light on issues related to the population that inhabited the region since the 19th century, seek to promote critical reflections on how the construction of an imagistic project founded on precepts of the Paranista Movement5 , which motivated the new pavement on the sidewalks of João Cândido Square, is directly linked to the working population’s displacement from the city’s central region.
The presence of the Medical Form , a document used to disseminate prescriptions, treatments, and even burial protocol to Curitiba society, is indicative of the local population’s intense circulation within the chapel. With the architectural changes that took place, the presence of workers and their associations became less noticeable. Such urban reforms may underlie the gentrification process that took place in the area6 , where rising costs forced the low-income population to relocate to other regions, within the context of the city’s urban expansion.
MILENA A. CHAVES, ROBERTA HORVATH
Understanding a historical document as an object of a narrative is essential for constructing a critical perspective on the common space that links the Medical Form and Museu Paranaense.
4 BAPTISTA, Vera Regina Biscaia Vianna. Ruínas de São Francisco: dois séculos de história e mito. FCC,2004.
2 BATALLER, M. O ESTUDO DA GENTRIFICAÇÃO, Revista Continentes (UFRRJ), ano 1, n. 1, 2012. DISPONÍVEL EM:http://www.revistacontinentes.com.br/index.php/continentes/article/view/5/4
1 CARNEIRO, Newton. Fase Itinerante. In: Pintores da Paisagem Paranaense . Secretaria de Estado daCultura e do Esporte. Curitiba, 1982. (p. 13-22)
CHUERY, M; MAZIVIERO, M. Curitiba insurgente: do existir ao resistir. VI ENANPARQ. Universidade deBrasília, 2020
GESTEIRA, Heloisa Meireles; LEAL, João Eurípedes Franklin; SANTIAGO, Maria Claudia. Formulário médico: manuscrito atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da igreja de São Francisco de Curitiba . Rio de Janeiro; Fiocruz; 2019. 434 p. Livroilus.
5 PEREIRA, L. PARANISMO: CULTURA E IMAGINÁRIO NO PARANÁ DA I REPÚBLICA. Dissertação deMestrado. PPGHISUFPR. Curitiba, 1996.
3 SANTIAGO, Fernanda. ASSOCIAÇÕES DE MULHERES NEGRAS EM CURITIBA: DAS MUTUAIS ÀSPOLÍTICAS PÚBLICAS. XVII ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH-PR , CURITIBA, 2020
Luiz Lira, Ramon Santos
Um ateliê para criação de gravuras e composições inspiradas nas plantas e natureza foi criado no jardim do museu nos dias 9 e 10 de abril. Os jovens artistas Luiz Lira e Ramon Santos, integrantes do grupo Xiloceasa, conduziram oficinas de xilogravura, ensinando desde as etapas iniciais de gravação na matriz até o processo de impressão. Já no dia 10, foi realizada a atividade Flora — Oficina livre de carimbos, na qual o público espontâneo do museu foi convidado a criar composições a partir de um conjunto de matrizes já existentes, em uma atividade coletiva que reuniu pessoas de diferentes idades. Acompanha o livro uma série de imagens das gravuras inspiradas em plantas feitas pelos artistas e usadas na oficina de carimbos, um breve relato dos artistas Lira e Ramon dos Santos também registra essa experiência de criação no MUPA.
An atelier for engravings and compositions inspired by plants and nature was held in the museum garden on April 9 and 10. Young artists Luiz Lira and Ramon Santos, members of the Xiloceasa group, conducted woodcut workshops, starting from the initial stages of carving in the matrix to the printing process. On April 10, the activity “Flora — Free stamp workshop” was held, where a spontaneously-gathered museum audience was invited to create compositions from a set of existing matrices, in a collective activity that brought together people of different ages. The book includes a series of images of engravings inspired by plants, made by the artists and used in the stamp workshop; a brief account by artists Lira and Ramon dos Santos also records this creative experience at MUPA.
Nasceu em São Paulo, onde atualmente reside e trabalha. Iniciou seu contato com o campo das artes através de uma ONG — Instituto Acaia — logo aos oito anos de idade. Dentre tantos fazeres, Luiz apegou-se ao desenho e à xilogravura. Seus trabalhos exploram as linhas e massas das quais o corpo pode ser construído. É graduando em artes visuais pela UNICAMP, formado em Computação gráfica pelo Instituto Criar de TV e novas mídias.
Born in São Paulo, where he currently resides and works. He began his involvement in the arts through an NGO — Acaia Institute — at the age of eight. Among many activities, Luiz was attracted to drawing and woodcut. His works explore the lines and volumes from which the body can be constructed. He is an undergraduate student in visual arts at UNICAMP, and has a degree in Computer Graphics by Instituto Criar de TV and new media.
Nasceu e cresceu na periferia de São Paulo. Filho de nordestinos, desenha desde pequeno e teve seu primeiro contato com a xilogravura aos oito anos de idade. Desde 2008, participa do coletivo Xiloceasa, grupo de artistas que atua nas dependências do Instituto Acaia, onde fazem xilogravuras e ilustrações de livros e participam de feiras de arte impressa.
Born and raised on the outskirts of São Paulo. The son of Northeasterners, he has been drawing since he was little and had his first contact with woodcutting at the age of eight. Since 2008, he has been a member of the Xiloceasa collective, a group of artists that operates within the Acaia Institute. They create woodcuts and illustrations for books and take part in print art fairs.
Registros das oficinas de xilogravura e carimbos no jardim do MUPA. Abril de 2022.
Registers of the woodcut printing and stamping workshops at MUPA's garden. April 2022.
LUIZ LIRA
Nós, Ramon Santos e eu, Luiz Lira, trabalhamos e praticamos a xilogravura desde pequenos, algo por volta dos 14 anos, o que hoje nos torna artistas com um tempo considerável de práxis — seja na poética de trabalho ou na condução de atividades didáticas.
A xilogravura é uma técnica antiga que, pela História, se acredita ter surgido no Ocidente. “Xilo” significa madeira e “gravura” é a escrita. Sendo assim, estamos falando da escrita, gravação sobre a matéria madeira. Essa gravação se faz com ferramentas de corte que são chamadas de goivas. Quando as goivas entram em contato com a madeira, elas arrancam parte da matéria, deixando assim um sulco de baixo relevo na sua superfície. Essa diferença entre alto e baixo relevo cria a matriz, que depois será entintada e, com o auxílio de uma colher de pau, se concretiza a impressão sobre o papel.
Ter a oportunidade de participar da atividade do MUPA foi ótimo. Primeiro, pelo cuidado da equipe em nos receber na chegada e, também, de nos acompanhar na saída. Segundo, porque não é em todo lugar que consegui unir a prática de uma oficina com o seu conceito.
Fizemos impressões de xilogravura sobre papel com um direcionamento muito específico: “plantas”. E poder fazer essa atividade ao ar livre, com muitas plantas para observar e dividir o espaço, acaba por se tornar pluripotente. Essa relação potencializa o aprendizado dos alunos e alunas partindo de uma experiência benéfica — o que, por sua vez, fará com que a chance de esse aluno ou essa aluna voltar para essa atividade, ou para algo parecido, seja grande.
Gostamos de ver a alegria nos olhos dos alunos e alunas ao descobrir a cor deixada no papel pela matriz. Acreditamos que uma oficina como essa também envolve a necessidade da companhia do outro, da transferência de conhecimento comum, independentemente da idade.
We — Ramon Santos and I, Luiz Lira — have been working and practicing woodcut printing since we were young, around the age of 14. This makes us artists with a considerable amount of experience today — whether in the poetic aspect of our work or in the facilitation of educational activities.
Xilogravura is an ancient technique believed to have originated in the West throughout history. “Xilo” means wood, and “gravura” is writing (engraving). Therefore, we are talking about writing, engraving on wood. This engraving is done with cutting tools called gouges. When the gouge comes into contact with the wood, it removes part of the latter material, leaving a low-relief groove on its surface. This difference between high and low relief creates the matrix, which will later be inked, and, with the help of a wooden spoon, printed on paper.
Having the opportunity to participate in the MUPA program was excellent. First, because of the team’s care in receiving us upon arrival, and in accompanying us on departure. Second, because not every place allows me to combine the practice of a workshop with its concept.
We made woodcut prints on paper with a very specific theme: “plants.” To be able to carry out this activity outdoors, with plenty of plants to observe and share our space, is very potent. This relationship enhances student learning, based on beneficial experience — which, in turn, increases the likelihood of the student returning to this activity or something similar.
We were happy to see the joy in the eyes of the students when they discovered the color the matrix left on the paper. We believe that a workshop like this also attends to people’s need for the company of others, the transfer of common knowledge, regardless of age.
Eduardo Góes Neves, Sirlei Garigtánh Fernandes, Ariane Saldanha de Oliveira
A mesa de conversa Plantas, paisagens e conservação da vida promovidas pelos povos indígenas reuniu pesquisadoras e pesquisador das áreas de arqueologia e biologia. Eduardo Góes Neves, enquanto historiador e arqueólogo, é referência nas pesquisas sobre domesticação de paisagens e plantas na Amazônia versando sobre as relações dinâmicas entre espécies de árvores e povos tradicionais e a inseparabilidade das histórias de vida vegetais e humanas. Sirlei Garigtánh Fernandes, mulher indígena e professora de biologia, trouxe para o encontro os diversos usos, significados e relações entre o povo Kaingang e as plantas presentes em seus territórios, evidenciando como, através das práticas de ensino, os conhecimentos ancestrais são reproduzidos junto às gerações mais novas. Ariane Saldanha de Oliveira, pesquisadora na área de biologia, abordou as plantas manejadas pelos povos indígenas do tronco Jê, que nos seus variados graus e qualidades de intervenções genéticas acabaram por domesticar paisagens inteiras. No livro, temos transcrições das palestras de Ariane Saldanha e Eduardo Góes Neves e a receita de ēmī kajã (bolo azedo) de Sirlei Garigtánh Fernandes, alimento tradicional do povo Kaingang.
The roundtable “Plants, Landscapes, and Conservation of Life Promoted by Indigenous Peoples” brought together researchers from the fields of archaeology and biology. Eduardo Góes Neves, a historian and archaeologist, is a reference in research on the domestication of landscapes and plants in the Amazon, focusing on the dynamic relationships between tree species and traditional peoples and the inseparability of plant and human life histories. Sirlei Garigtánh Fernandes, an indigenous woman and biology teacher, brought to the discussion the various Kaingang uses of, meanings for, and relationships to the plants in their territories, highlighting how ancestral knowledge is passed on to younger generations through teaching practices. Ariane Saldanha de Oliveira, a researcher in biology, addressed the plants managed by the Jê trunk indigenous peoples, which, in their various degrees and qualities of genetic interventions, ended up domesticating entire landscapes. The book includes transcriptions of the lectures by Ariane Saldanha and Eduardo Góes Neves and the recipe for ēmī kajã (sour cake) by Sirlei Garigtánh Fernandes, a traditional food of the Kaingang people.
13.04.2022 mesa de conversa roundtable
Graduado em História pela USP, Mestre e Doutor pela Universidade de Indiana e Livre-Docente pela USP, pesquisador especialista em Amazônia. Hoje é professor titular do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, onde é vice-diretor. Pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios (CESTA) da USP e coordenador do Laboratório de Arqueologia dos Trópicos do Museu de Arqueologia e Etnologia. Professor do Programa de Mestrado em Arqueologia do Neótropico da Escola Superior Politécnica do Litoral (ESPOL), Guayaquil, Equador e do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Sociocultural do Museu Paraense Emilio Goeldi, Belém. Professor Visitante nas Universidades Harvard, do Centro da Província de Buenos Aires (Olavarría), do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio Janeiro, Museu Nacional de História Natural de Paris e da Pontifícia Universidade Católica do Peru, Lima.
Undergraduate degree in History from the USP, Master’s and Doctorate from Indiana University, Associate Professor, USP, researcher and specialist on the Amazon. Today, he is a full professor at the Museum of Archaeology and Ethnology at USP, where he also serves as vice-director. Researcher at the Center for Amerindian Studies (CESTA) /USP and coordinator of the Laboratory of Tropical Archaeology at the Museum of Archaeology and Ethnology. Professor of the Neotropic Archaeology Master’s Program at the Polytechnic School of the Coast (ESPOL), Guayaquil, Ecuador, and the Graduate Program in Sociocultural Diversity at the Emilio Goeldi Museum, Belém. Visiting Professor at Harvard University, the Center of the Province of Buenos Aires (Olavarría), the National Museum of the Federal University of Rio de Janeiro, the National Museum of Natural History in Paris, and the Pontifical Catholic University of Peru, Lima.
É da etnia Kaingang, de origem na Terra Indígena Rio das Cobras, em Nova Laranjeiras, Paraná. É formada em Ciências Biológicas e atua como professora da disciplina de Ciências. Em sala de aula, como falante da língua Kaingang, procura relacionar o ensino formal com a cultura Kaingang e a valorização dos kófa (os anciãos da aldeia) para que o aprendizado seja mais prazeroso.
Member of the Kaingang ethnic group, she comes from the Rio das Cobras Indigenous Land in Nova Laranjeiras, Paraná. She holds a degree in Biological Sciences and works as a science teacher. In the classroom, as a native speaker of the Kaingang language, she seeks to relate formal education to Kaingang culture and the appreciation of the kófa (village elders), to turn learning into a more enjoyable endeavor.
Professora de Biologia do IFPR — Câmpus Colombo. Possui licenciatura em Ciências Biológicas pela Unicamp e mestrado em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente cursa o doutorado no Programa de Pós Graduação em Biologia de Fungos, Algas e Plantas da UFSC, sua pesquisa trata sobre as plantas alimentícias utilizadas pelos povos indígenas da família linguística Jê.
Biology professor at IFPR — Colombo Campus. She has a degree in Biological Sciences from Unicamp and a master’s degree in Plant Biology from São Paulo State University. She is pursuing pursuing a Ph.D. in Fungal, Algal, and Plant Biology at UFSC. Her research focuses on the edible plants used by Jê linguistic family indigenous peoples.
VLADIMIR KOZÁK
Sem título [Araucária], s.d. Untitled [Araucária tree], n.d. Acervo / Collection Museu Paranaense.
AUTORIA DESCONHECIDA [UNKNOWN AUTHOR]
Kanhgág subindo em Araucária com serigoia em Palmas-PR , s.d. Kanhgág climbing an Araucária tree with serigoia at Palmas-PR, n.d. Acervo / Collection Museu Paranaense.
ARIANE SALDANHA DE OLIVEIRA Transcrição editada
A gente costuma pensar em produção de alimentos só como plantas cultivadas. Mas, muitas vezes, esses processos aqui nas Américas e em outros lugares do mundo são muito mais complexos. Você vê um gradiente nessas paisagens, que são verdadeiros ambientes agroflorestais. Hoje, a gente dá esse nome — “ambiente agroflorestal” —, mas os povos indígenas têm feito esses processos de maneira integrada há muito tempo. É muito legal, quando vemos essas definições, pensar no trabalho pioneiro do professor Darrell Posey, que desde a década de 1970 conseguiu perceber isso entre os Kayapó.
Trouxe aqui uma imagem — feita por uma colega minha de laboratório, a Carolina Levis — que é pensada para os ambientes amazônicos. Ela fala dos processos que existem entre esses graus de paisagens domesticadas, mas também das técnicas empregadas: o plantio, o manejo do fogo, entre outros. Essas técnicas são, desde sempre, empregadas pelos povos indígenas. Porém, somente agora a gente consegue entender melhor o quão complexas elas são — e o quão pouco elas dependem de insumo externo.
Hoje, a gente está vendo uma crise com relação ao uso de fertilizantes por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia. Mas esses povos, há muito tempo, com uma tecnologia muito elaborada, já conseguiram produzir alimentos, de maneira satisfatória, com baixo impacto ambiental e sem depender de muitos insumos como esses. Muitas vezes, essa tecnologia é negligenciada no nosso saber.
Eu tenho estudado os povos Jês. Hoje, por estarmos sob a sombra das araucárias aqui, vou me concentrar em falar um pouco sobre os Jês do Sul — que são os povos Kaingang e Xokleng, de Santa Catarina — e sobre os processos de domesticação da Floresta de Araucárias, a floresta ombrófila mista.
Os povos Jês ocupam, há mais de 3.000 anos, as terras altas da América do Sul, vindos da região central do Brasil. Hoje, sabemos que a dispersão da Araucaria angustifolia coincide com a expansão dos assentamentos humanos Jê. O registro da cerâmica arqueológica desses povos indica que eles já utilizavam várias plantas que são bastante domesticadas, como é o caso do milho, da abóbora, do feijão, da mandioca, do cará. Para além dessas plantas,
tem também o uso de várias espécies arbóreas. Uma outra colega minha de laboratório, a Aline, pegou o Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina e cruzou os dados com localização geográfica de sítios arqueológicos no estado. Nisso, ela percebeu que algumas espécies são mais utilizadas pelos povos Jês e outras pelos Guarani. Pelos Jês, tem ainda as plantas clássicas, como araucária e erva-mate, além de algumas outras espécies cujos nomes populares já remetem ao uso pelos povos indígenas, como o bugreiro. No caso de muitas outras plantas que eu não citei aqui, o registro arqueológico, a cerâmica arqueológica, não vai conseguir permanecer com elas — ou a sucessão ecológica vai apagar —, visto que elas têm um ciclo de vida mais curto. Mas, a gente sabe que, até hoje, os povos indígenas estão promovendo toda essa diversidade biológica. No Paraná, em especial, é um processo muito chocante, considerando o que esses povos passaram ao longo de sua história. 36% do território era coberto por floresta ombrófila mista; atualmente, essa porcentagem foi extremamente reduzida e a floresta ocupa só 25% da distribuição original. Infelizmente, o Paraná é um dos estados que mais desmatam a Mata Atlântica — que já tem uma área muito reduzida, muito detonada. No século XX, de 1920 a 1970, mais ou menos, a araucária ocupou o primeiro lugar nas exportações do estado. Então, a pressão que essas florestas sofreram foi muito intensa. Na década de 1950, foram instaladas serrarias nas terras indígenas. Assim, além de explorar os recursos, você tem uma exploração da mão-de-obra dos indígenas, né? Com isso, toda aquela coevolução entre povos indígenas e plantas você destrói. O que foi feito, historicamente, foi a destruição dessa relação mutualística.
Aqui, no Paraná, se disseminava a informação de que havia um vazio demográfico no estado, falando que não existia gente, que era para os imigrantes virem. Mas, os povos indígenas sempre estiveram aqui — e a paisagem, como a gente a conhece, é resultado da ação dessas populações.
Como a Sirlei [Garigtánh Fernandes] falou, a despeito de dessas mudanças todas que os povos indígenas passaram nos últimos anos — os povos os Kaingang aqui no Paraná, os Laklanõ Xokleng em Santa Catarina —, eles têm conseguido ser verdadeiros guardiões da diversidade agrícola e da biodiversidade.
ARIANE SALDANHA DE OLIVEIRA
Edited transcription
We often tend to think of food production only in terms of cultivated plants. However, often these processes here in the Americas and in other parts of the world are much more complex. You see a gradient in these landscapes, which are true agroforestry environments. Nowadays, we give it that name — “agroforestry environment” —, but indigenous peoples have been carrying out these processes in an integrated way for a long time. It’s very interesting when we consider these definitions, to reflect on the pioneering work of Professor Darrell Posey, who since the 1970s was able to perceive this among the Kayapó.
I brought here an image — made by a colleague of mine in the laboratory, Carolina Levis — that is designed for Amazonian environments. It talks about the processes that exist in between these degrees of domesticated landscapes, but also about the techniques that are put to use: planting and fire management, among others. These techniques have been employed by indigenous peoples for a long time. However, only now are we better able to understand how complex they are — and how little they depend on external inputs.
Today, we are witnessing a crisis regarding the use of fertilizers due to the war between Russia and Ukraine. But indigenous peoples, for a long time, with very sophisticated technology, have been able to produce food satisfactorily with low environmental impact and without depending on such inputs. Often, this technology is neglected in our knowledge.
I have been studying the Jê peoples. Today, because we are under the shade of the Araucarias here, I will focus on talking a little about the Southern Jê — the Kaingang and Xokleng peoples of Santa Catarina — and the processes of domestication of the Araucaria Forest, the mixed ombrophilous forest.
The Jê peoples have occupied the highlands of South America for over 3,000 years, coming from the central region of Brazil. Today, we know that the dispersion of Araucaria angustifolia coincides with the expansion of Jê settlements. The archaeological ceramic record of these peoples indicates that they were already using several plants that are quite domesticated, such as corn, pumpkin, beans, cassava and cará. In addition to these plants, there is also the use of various tree species. Another colleague of mine in the laboratory, Aline, took the Floristic Forest Inventory of Santa Catarina and crossed the data with the
geographical location of archaeological sites in the state. She noticed that some species are more used by the Jê peoples and others by the Guarani. For the Jê, there are still classic plants, such as Araucaria and yerba mate, as well as some other species whose popular names already refer to their use by indigenous peoples, such as bugreiro
In the case of many other plants that I haven’t mentioned here, the archaeological record, archaeological ceramics, will not be able to endure with them — or ecological succession erases them — since they have a shorter life cycle. But we know that, to this day, indigenous peoples are promoting all this biological diversity. In Paraná, especially, it is a very astonishing recognition, considering what these peoples have gone through over the course of their history. Thirty six percent of their territory was covered by mixed ombrophilous forest; currently, this percentage has been extremely reduced, and the forest occupies only 25% of its original distribution.
Unfortunately, Paraná is one of the states that deforests the Atlantic Forest the most — which already occupies a very reduced and heavily damaged area. In the 20th century, from around 1920 to 1970, Araucaria was the state's leading export product. So, the pressure that these forests suffered was very intense. In the 1950s, sawmills were installed on indigenous lands. Thus, in addition to exploiting resources, you have an exploitation of indigenous labor, right? With this, you destroy all that coevolution of indigenous peoples and plants. Historically, this mutual relationship was destroyed.
Here in Paraná, the idea was spread that there was a demographic void in the state, saying that there were no people, that immigrants should come. But indigenous peoples have always been here — and the landscape, as we know it, is the result of the actions of these populations.
As Sirlei [Garigtánh Fernandes] mentioned, despite all the changes that indigenous peoples have gone through in recent years — the Kaingang people here in Paraná, the Laklanõ Xokleng in Santa Catarina — they have managed to remain true guardians of agricultural diversity and biodiversity.
AUTORIA DESCONHECIDA [UNKNOWN AUTHOR]
Grupo Kanhgág em visita ao Museu Paranaense [Kanhgág group while visiting Museu Paranaense], 1903 Acervo / Collection Museu Paranaense.
EDUARDO GÓES NEVES
Transcrição editada
Eu volto a um ponto que a Ariane [Saldanha de Oliveira] mencionou: essa relação dos povos indígenas com as plantas é muito antiga e muito íntima nas regiões tropicais. Isso é uma coisa que está ficando muito clara para todo mundo que trabalha com esse tema, não só aqui no Brasil, mas em outros lugares do planeta, a ponto de se aceitar que a Amazônia é um centro de domesticação de plantas.
Se olharmos para este mapa, vamos ver que existem alguns lugares do mundo que são centros clássicos, conhecidos há muito tempo. Talvez a mais conhecida seja a região do Levante, do crescente fértil, onde está hoje a Palestina, a Síria, parte da Anatólia, na Turquia. Plantas como o trigo e a cevada foram cultivadas ali há muito tempo. A gente também tem o arroz, na China. Temos um centro importante no México, onde o milho e os feijões foram domesticados. Mas, na América do Sul, neste mapa, tem três centros: um que está nos Andes, onde a batata é muito importante e foi cultivada primeiro; e nós temos esses dois que incluem partes da Amazônia e da Colômbia também.
A Amazônia foi o grande berçário de agro e biodiversidade. Muitas plantas importantes foram cultivadas ali, no começo. Se eu fosse fazer este mapa hoje em dia, faria uma grande área incluindo toda a Amazônia.
E o que a gente sabe olhando para a Amazônia? Essa relação aqui, cujo primeiro autor é o professor Clements, a quem a Ariane [Saldanha de Oliveira] se referiu, traz algumas plantas importantes que foram cultivadas primeiro na Amazônia. E, o que é interessante, se a gente pensar nessa lista, é que tem muitas raízes, muitas batatas e muitas árvores. Tem a batata-doce, que inclusive foi uma planta levada para o Pacífico antes de os europeus chegarem aqui. Temos a mandioca, a taioba, a araruta, tem o ariá, que são batatas ou raízes. Mas, a gente também tem muitas árvores: o ingá, o cacau, o cubiu, o abacaxi, a bromélia, a castanha, o açaí e o bacuri, que é uma moita. Além dos cereais, como é o caso do milho e do arroz, a gente tem muitas raízes e muitas árvores. Cultivar raiz e árvore é diferente de cultivar grão, porque o milho tem um ciclo anual, o arroz também tem que ser colhido todo ano… E um pomar, depois de plantado, um castanhal, pode viver durante séculos em uma área de Mata de Araucária. Então, a relação com essas plantas é diferente, muito mais duradoura. Envolve um ritmo diferente na reprodução, nessa relação entre populações indígenas e plantas.
Isso tem efeitos importantes para a construção das paisagens e dos biomas da Mata Atlântica. Essa castanheira, por exemplo, chamam de “mãe de todas”. Eu deitei no chão para tirar essa foto em uma comunidade lá em Tefé, Ponta da Castanha, no Amazonas. A gente não sabe a idade dela, mas sabe que tem castanheiras datadas por carbono 14 que vivem há mais de 500 anos. Uma castanheira precisa de luz no começo, quando é plantada; a muda com 10 a 15 anos precisa receber insolação, mas depois que ela pega, vai embora. Tem que cuidar, limpar o entorno, mas um castanhal pode ter dezenas de plantas com centenas de anos vivendo naquele lugar e produzindo continuamente.
Então, é uma relação diferente de produção de paisagem,que tem consequências diferentes também. Falei de raiz e de fruta, de árvore. Isso está mudando, infelizmente, muito rapidamente. O pessoal fica comendo frango que vem aqui do Paraná, São Paulo, Santa Catarina, comida ultraprocessada. Mas, até pouco tempo atrás — e isso acontece ainda —, isso aqui era um café da manhã típico da comunidade Ponta da Castanha: a gente tem o mamão, que é uma fruta da Amazônia; tem a batata-doce, o cará-roxo, a banana-da-terra — que foi provavelmente introduzida, mas incorporada a esses sistemas —, tem o mingau. Tem outra comunidade no interior do Pará, Terra do Meio, que é a mesma coisa: esse café da manhã aqui tem caju, coco do babaçu, tem a manga, que é uma planta exótica, cacau, banana, castanha, vinho do açaí e macaxeira. São padrões de dietas milenares, muito antigas, muito estáveis, baseadas nas diversificações do cultivo de frutas, de árvores e de raiz também.
Um grande antropólogo, Claude Lévi-Strauss, percebeu isto: muitas dessas plantas e árvores não são domesticadas.A Ariane [Saldanha de Oliveira] mostrou para nós aquelas categorias incipientes, dos vários tipos de domesticação, mas muitas dessas plantas, tecnicamente falando, são plantas selvagens. E o LéviStrauss, em um artigo que ele publicou em 1948 — portanto, muitos anos atrás — diz que não é sempre fácil distinguir entre plantas cultivadas e selvagens na América do Sul e há muitos estágios intermediários entre a utilização de plantas em seu estado selvagem e o cultivo verdadeiro.
Eu concordo absolutamente com o que ele diz. A minha única objeção é chamar de estágios intermediários. Para mim, esses estágios não são intermediários, são permanentes. Essas relações das populações indígenas com as plantas operaram com categorias diferentes dessa dicotomia entre selvagem e domesticado que a gente aprendeu na escola — e que eu acho que está errada. Esses estágios intermediários, na verdade, não são intermediários: são a norma, são padrões, para mim. Eles vão ter consequências importantes, porque vão acabar criando paisagens que constituem partes do Brasil hoje em dia.
O que quero dizer com isso, para ser mais objetivo: este aqui é um trabalho muito importante que saiu uns 10 anos atrás — em 2013, para ser mais exato —, escrito por ecólogos. A Carolina Levis é coautora deste artigo. Este trabalho é um inventário de árvores na Amazônia. Eles pegaram uma base de dados com vários autores e cada pontinho que a gente vê aqui é um lugar onde tinha sido feito, anteriormente, um inventário de árvores. Os botânicos e botânicas
foram lá, contaram as árvores, o tamanho basal (tem uma técnica de levantamento) e identificaram as espécies presentes ali. E esses autores e autoras colocaram essas informações em uma base, para fazer algumas perguntas: “Quantas árvores há na Amazônia”?; “Quantas espécies de árvores há na Amazônia?”. Eles chegaram a uma conclusão muito interessante: é uma extrapolação, obviamente, mas há cerca de 390 bilhões de árvores na Amazônia, mais ou menos, agrupadas em 16 mil espécies. Aqui embaixo tem um dado mais interessante — para mim, pelo menos: dessas 16 mil espécies, um número de apenas 227 (portanto, apenas 1,4%) corresponde a quase metade de todas as árvores da Amazônia. Então, tem muitas árvores, muitas espécies e muita diversidade de árvores, mas um número relativamente pequeno de espécies é super-representado. E eles chamaram essas espécies de hiperdominantes. Se a gente pegar a lista (eu não tenho ela aqui), dessas 227, a árvore mais comum na Amazônia é o açaí — não o açaí do Pará, mas o açaí do mato. O açaí do Pará está em 6º lugar. Se a gente pegar as 10 mais, a maioria são palmeiras, a patioba, a bacaba é uma palmeira também, incluindo o cacau, a seringueira, a castanha, a castanheira. Uma boa parte delas — e a Carolina Levis explorou isso em um trabalho posteriormente — são plantas economicamente importantes ou simbolicamente importantes para os povos das florestas, os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Para mim, esse padrão reflete uma história milenar de cultivo e manejo de árvores, de tal maneira que a composição de árvores hoje, na Amazônia, é reflexo dessa história. Não dá para separar a presença indígena e os povos da floresta dessa composição. Isso me leva a propor que a Amazônia é um patrimônio biocultural. Para terminar, a arqueologia mostra que temos uma história profunda de manejo de plantas, que foi aprimorado pelos povos tradicionais indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caboclos, caipiras, caiçaras, ao longo dos séculos até o presente, e que o patrimônio natural no Brasil também é patrimônio cultural — por isso, chamamos de patrimônio biocultural.
E o pior é que a gente não sabe manejar a abundância.
Em nossa tradição intelectual antológica, encarar a abundância é destruir e reduzir essa abundância. Por isso, esse patrimônio está sendo destruído. A gente perdeu, nos últimos 40 anos, 20% da Amazônia. Eu trabalho na Amazônia há mais de 30 anos, em diferentes partes da Amazônia, e infelizmente estou sendo testemunha dessa história, que é um processo muito violento para as populações tradicionais e para quem vai para lá também.
O contraste entre uma história milenar de construção de paisagens, enriquecida pelas presenças indígenas e dos povos das florestas, e a destruição que a gente tem exercido nos últimos 40 anos é muito brutal. Quando a gente fala da arqueologia, a gente não fala só do passado, mas do presente e do futuro também. A questão não é viver como viviam no passado, mas ter a humildade de aprender com povos indígenas, com suas práticas contemporâneas, e também olhar para essa história milenar que é muito importante.
Centros independentes de domesticação vegetal (smith, 2006)
E amendoim (?), mandioca (8.000 AP?), pimenta chilena (6.000 AP)
D batata (7.000 AP?), quinoa (5.000 AP)
C araruta (8.000 AP), inhame (6.000 AP) , algodão (5.000 AP), batata doce (4.500 AP)
B abobrinha (5.000 AP), girassol (4.800 AP) , sabugueiro iva annua (4.400 AP), quenopódio (4.000 AP)
J inhame (D. alata) (7.000 AP?), banana (7.000 AP), taro (7.000 AP?)
I arroz (8.000 AP), makhana (8.000 AP)
A abobrinha (10.000 AP), milho (9.000 AP) feijão (4.000 AP)
H painço (8.000 AP)
G farro (10.000 AP), einkorn (10.000 AP), cevada (10.000 AP)
F arroz africano (2.000 AP) , pearl millet (3.000 AP), sorgo (4.000 AP)
EDUARDO GÓES NEVES
Edited transcription
I return to a point that Ariane [Saldanha de Oliveira] mentioned: in tropical regions, the relationship of indigenous peoples with plants is ancient and intimate. This is becoming clear to everyone working on this topic, not only in Brazil but in other parts of the planet, to the extent that it is widely agreed on that the Amazon is a center of plant domestication.
If we look at this map, we will see that there are some places in the world that are classical centers, known for a long time. Perhaps the most well-known is the Levant region, the Fertile Crescent, where Palestine, Syria and part of Anatolia, Turkey, are today. Plants like wheat and barley were cultivated there for a long time ago. We also have rice in China. We have an important center in Mexico, where corn and beans were domesticated. But in South America, on this map, there are three centers: one in the Andes, where potatoes are essential and were cultivated first; and we have these two that include parts of the Amazon and Colombia as well.
The Amazon was a great nursery of agriculture and biodiversity. Many important plants were cultivated there in the beginning. If I were to make this map today, I would include the entire Amazon in a large area.
And what do we know when looking at the Amazon? This relationship here, whose first author is Professor Clements, whom Ariane [Saldanha de Oliveira] referred to, lists some important plants that were cultivated first in the Amazon. What is interesting, looking at this list, is that there are many roots, many potatoes, and many trees. There’s sweet potato, which was even a plant taken to the Pacific before Europeans arrived here. We have cassava, taro, arrowroot and ariá, which are potatoes or roots. But we also have a lot of trees: inga, cocoa, cubiu, pineapple, bromeliad, chestnut, açaí and bacaba, which is a shrub.
In addition to cereals, such as corn and rice, we have many roots and many trees. Cultivating roots and trees is different from cultivating grains because corn has an annual cycle, rice also needs to be harvested every year... And an orchard, once planted, a chestnut grove, can live for centuries in an Araucaria Forest area. Hence, the relationship with these plants is different, much more lasting. It involves a different reproduction rhythm, in this relationship between indigenous populations and plants. This has important effects on the construction of landscapes and biomes in the Atlantic Forest. The chestnut tree, for example, is called the “mother of all”. I lay on the ground to take this photo in a community in Tefé, Ponta da Castanha, in Amazonas. We don’t know its age, but we know that there are chestnut trees dated by carbon 14 that have been living for over 500 years. A chestnut tree needs light at the beginning when it is planted; the seedling at 10 to 15 years old needs sunlight, but
after it takes root, it goes on its own. You have to take care of it, clean around it, but a chestnut grove can have dozens of plants with hundreds of years living in that place and producing continuously.
So, it’s a different relationship of landscape production, which also has different consequences. I talked about roots and fruits, trees. This is changing, unfortunately, very rapidly. People are eating chicken that comes from Paraná, São Paulo, Santa Catarina, ultra-processed food. But until recently — and this still happens — this was a typical breakfast in the Ponta da Castanha community: we have papaya, which is a fruit from the Amazon; sweet potato, purple cará, plantain — which was probably introduced but incorporated into these systems — porridge. There’s another community in Pará, Terra do Meio, which is the same: this breakfast has cashew, babaçu coconut, mango, which is an exotic plant, cocoa, banana, chestnut, açaí wine and cassava. These are patterns of ancient, age old diets, very stable, based on the diversification of fruit cultivation, trees and roots as well.
A great anthropologist, Claude LéviStrauss, realized this: many of these plants and trees are not domesticated. Ariane [Saldanha de Oliveira] showed us those incipient categories of various types of domestication, but many of these plants, technically speaking, are wild plants. And Lévi-Strauss, in an article he published in 1948 — many years ago — says that it is not always easy to distinguish between cultivated and wild plants in South America and that there are many intermediate stages between the use of plants in their wild state and true cultivation.
I absolutely agree with what he says. My only objection is calling them intermediate stages. For me, these stages are not intermediate; they are permanent. These relationships between indigenous populations and plants operate through different categories other than this dichotomy between wild and domesticated that we learned in school — and that I think is wrong. These intermediate stages, in fact, are not intermediate: they are the norm, they are patterns, for me. They will have important consequences because they will end up creating landscapes that constitute parts of Brazil today. What I mean by this, to be more objective: this is a very important work that came out about 10 years ago — in 2013, to be more exact — written by ecologists. Carolina Levis is a co-author of this article. This work is an inventory
of trees in the Amazon. They took a database with several authors, and each dot we see here is a place where a tree inventory had been done previously. Botanists went there, counted the trees, measured their basal size (there is a survey technique), and identified the species present there. And these authors put this information into a database to ask some questions: “How many trees are there in the Amazon?”; “How many tree species are there in the Amazon?”. They came to a very interesting conclusion: it’s an extrapolation, obviously, but there are about 390 billion trees in the Amazon, more or less, grouped into 16,000 species.
Below, there is even more interesting data — for me, at least: of these 16,000 species, only 227 (therefore, only 1.4%) account for almost half of all trees in the Amazon. So, there are many trees, many species, and much tree diversity, but a relatively small number of species is overrepresented. And they called these species hyperdominants. If we examine the list (I don’t have it here) of these 227, the most common tree in the Amazon is açaí — not the açaí from Pará, but the wild açaí. Pará’s açaí is in 6th place. If we take the top 10, most of them are palms, patioba, bacaba is also a palm, including cocoa, rubber tree, chestnut, chestnut tree. A good part of them — and Carolina Levis explored this in a later work — are economically or symbolically important plants for the forest peoples, indigenous peoples, quilombolas, and riverine communities.
For me, this pattern reflects a millennialong history of tree cultivation and management, in such a way that the composition of trees today in the Amazon reflects this history. It is impossible to separate indigenous presence and forest people from this composition. This leads me to argue that the Amazon is a biocultural heritage.
To conclude, archaeology shows that we have a deep history of plant management, refined by traditional indigenous peoples, quilombolas, riverine people, caboclos, rural people, caiçaras, throughout the centuries to the present, and that natural heritage in Brazil is also cultural heritage — that’s why we call it biocultural heritage.
And the worst part is that we don’t know how to manage abundance. In our anthological intellectual tradition, facing abundance is to destroy and reduce that abundance. Therefore, this heritage is being destroyed. We have lost 20% of the Amazon in the last 40 years. I have
been working in the Amazon for over 30 years, in different parts of the Amazon, and unfortunately, I am witnessing this history, which is a very violent process for traditional populations and for those who go there as well.
The contrast between a millennia-long history of landscape construction, enriched by the presence of indigenous peoples and forest peoples, and the destruction that we have exercised in the last 40 years is very brutal. When we talk about archaeology, we are not only talking
about the past but also about the present and the future. The question is not to live as they lived in the past but to have the humility to learn from indigenous peoples, from their contemporary practices, and also to examine this millennial that is very important.
O bolo azedo é considerado pelos Kaingang uma “comida antiga”, que se diferencia da “comida fina”, a comida dos brancos, que se adquire nos supermercados. De acordo com Philippe Oliveira, para os Kaingang mais velhos “o consumo de comida ‘fina’ e ‘contaminada’ acarreta consequências para os corpos dos jovens e das crianças. É corrente o discurso de que os jovens estão mais “fracos”, com a “natureza fraca”, ou que ficam doentes mais frequentemente1
Isso significa que, para os Kaingang, o bolo azedo faz parte de uma dieta capaz de produzir corpos fortes, especialmente se feito com o milho tradicional. Isto é, as receitas que derivam das sementes crioulas de milho potencializam ainda mais, em contraste com o milho transgênico, essa capacidade de fortalecer os corpos consumidores. O milho que vem das sementes crioulas tem uma força especial, pois remete ao mito de Nhar, o deus que se sacrificou para dar o milho aos Kaingang.
1. Geralmente, o bolo é feito com milho seco, que é debulhado, socado no monjolo até ficar bem moído, separando as cascas com uma peneira;
2. Em seguida, coloca-se em um balaio com um pouco de água até virar uma massa, deixando tampada por três dias para azedar;
3. Depois desses dias, pega-se uma parte dessa farinha molhada e envolve-se o bolo em folha de caeté. Tem um jeito próprio de fazer esse formato redondo: com as mãos se faz uma bolinha e vai amassando. Não pode ficar rachada;
4. Depois de fazer o bolo, cobre-se com folha de caeté e com cinzas. Se você não cuidar, ele racha nas bordas. Então, tem que ter um cuidado próprio para assar: cobre-se com as cinzas, não pode colocar muita brasa, senão ele queima.
5. Não é pela hora do relógio que se marca se tá bom ou não, se já queimou ou não. A hora de tirar é deduzida. E não pode tirar da brasa e tirar as folhas de caeté. Tem que virar para assar do outro lado. É preciso usar pouca brasa para ter uma noção da hora que está pronto.
1 OLIVEIRA, Philippe Hanna de Almeida (et al.). Comida forte e comida fraca: alimentação e fabricação dos corpos entre os Kaingáng da Terra Indígena Xapecó. Santa Catarina, Brasil: 2009. P. 71-76.
The Kaingang2 people consider sour cake an ‘ancient food,’ which differs from ‘fancy food’ — the food acquired in supermarkets by white people. According to Philippe Oliveira, for Kaingang elders, the consumption of ‘fancy’ and ‘contaminated’ food has consequences for the bodies of the young and the children. Common discourse has it that today’s youth are ‘weaker,’ with a ‘weak constitution,’ or that they fall ill more frequently 1
This means that, for the Kaingang, sour cake is part of a diet capable of producing strong bodies, especially if made with traditional corn. Recipes that use traditional corn would have this potency even further enhanced because this plant holds a special force, as related to the myth of Nhar, the deity who sacrificed himself to give corn to the Kaingang.
1. Sour cake ( Ēmī Kajã) is typically made with dried corn, threshed and pounded in a wooden mortar until well-ground, separating the husks with a sieve;
2. Next, it is placed in a basket with some water until it becomes a dough, and left covered for three days to ferment;
3. After that, a portion of this wet flour is taken and wrapped in caeté leaves, forming a particular round shape. Bakers use their hands to make a small ball of dough, which is then kneaded, making sure the dough doesn’t crack;
4. Once the cake is shaped, it is covered with caeté leaves and ashes. You need to be careful while baking it; you cover it with ashes, make sure not to use too much charcoal;
5. Since bakers do not have a clock to tell if the cake is ready, or if it has burned, they have to deduce the right moment to take it out. You don’t take it out of the embers right away, you have to turn it over to bake on the other side. Only a small amount of charcoal is used, to get the baking time right.
2 Note: The term “Kaingang” refers to an indigenous ethnic group of Brazil, and “caeté” is the name of a native plant.
Fernando Minto
Os saberes seculares das arquiteturas com terra estão sendo retomados como uma alternativa sustentável para a construção no século XXI. No Programa Público, uma parede de taipa de pilão foi o resultado de uma oficina prática orientada pelo arquiteto e professor Fernando Minto que contou com a participação de mais de 30 pessoas. Entender essa técnica construtiva na constituição da arquitetura brasileira e suas possibilidades de aplicação no contexto contemporâneo foi o tema norteador da palestra realizada por Minto na manhã do dia 24 de abril. Fotos da oficina e palestra, lista de materiais necessários para a oficina e transcrição da fala de Minto compõem os registros da atividade neste livro.
Ancient knowledge of earth architecture is being revisited as a sustainable alternative for 21st-century construction. The Public Program hosted the building of a rammed earth wall, the result of a practical workshop guided by architect and professor Fernando Minto and involving over 30 people. Understanding the role of this construction technique in the formation of Brazilian architecture and its possibilities for application in the contemporary context was the theme of the lecture given by Minto on the morning of April 24. Photos of the workshop and lecture, a list of materials used in the workshop, and a transcript of Minto’s speech are included in the activity records in this book.
FERNANDO MINTO
Fernando Minto é arquiteto urbanista, professor adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da ESDI/UERJ, mestre (FAUUSP) e doutor (FAUUFRJ) em tecnologia da arquitetura. Coordena o escritório de arquitetura MATÉRIA BASE (Rio de Janeiro) e é associado da rede TERRABRASIL e da rede ibero-americana PROTERRA. Formou-se na UNIMEP — Cátedra da UNESCO em construção com terra em 1998. Trabalha com construções em terra desde então.
Fernando Minto is an architect and urban planner, associate professor at the Department of Architecture and Urbanism of ESDI/UERJ, master (FAUUSP), and doctor (FAUUFRJ) in architectural technology. He coordinates the architecture office MATÉRIA BASE (Rio de Janeiro) and is associated with the TERRABRASIL network and the Ibero-American PROTERRA network. He received a diploma from the UNIMEP — UNESCO Chair in Earthen Architecture in 1998. He has been working with earth architecture ever since.
Registros da oficina de construção de parede de taipa de pilão, com Fernando Minto, no Museu Paranaense. Abril de 2022.
Registers of the rammed-earth construction workshop with Fernando Minto, in Museu Paranaense. April 2022.
FERNANDO MINTO
LISTA DE MATERIAIS
2 enxadas; 2 pás de areia com ponta quadrada; 1 carrinho de mão; 6 baldes plásticos de uso geral, com 12 L cada; 1 saco de estopa; 1 chave de boca 3/4” para porca sextavada diâmetro 1/2”; 1 betoneira de 400 L; 1 prumo de mão; 1 nível de bolha; 1 martelo; 1 martelo de borracha; 10 pares de luva de vaqueta; 10 pares de óculos.
MATERIALS LIST
2 hoes; 2 square-point sand shovels; 1 wheelbarrow; 6 general-purpose plastic buckets, each with 12 liter capacity; 1 burlap sack; 1 3/4” open-end wrench for a hex nut with a diameter of 1/2; 1 400 L concrete mixer; 1 hand plumb bob; 1 bubble level; 1 hammer; 1 rubber mallet; 10 pairs of leather gloves; 10 pairs of safety glasses.
FERNANDO MINTO Transcrição editada
Antes de mais nada, queria agradecer por essa oportunidade. O pessoal do Museu Paranaense, além de me acolher com muita delicadeza e cuidado, também construiu [disponibilizou] esse lugar para a gente poder falar um pouco da arquitetura e construção com terra, partindo de uma forma de entendê-la que me é muito cara.
A arquitetura de terra, a taipa de pilão, são coisas que a gente experimentou ontem na oficina. Tradicionalmente, a gente faz essa fala de abertura e vai para a prática somente depois. Aqui, a gente resolveu inverter: ter uma experimentação prático-construtiva, primeiro; e, depois, conversar, para entender os processos, a matéria, os procedimentos.
“Se enfiasse os pés na terra”: achei lindo esse título, porque para mim a ideia casa muito com o que tenho pensado sobre a centralidade do humano nas nossas práticas, nas formas de entender as coisas. Essa centralização exagerada do ser humano como principal existência é, na verdade, uma falta de racionalidade; uma falta de razão e também de emoção.
Cada vez mais, a gente tem que pensar que as nossas ações não são só para a gente — e os efeitos não são só a gente que sofre. Somos nós, todos os outros vivos e não-vivos, que sentimos esses impactos. E a gente não constrói sozinho. A gente constrói a partir das demandas e das existências coletivas — não só das pessoas. Pessoas essas, inclusive, que muitas vezes já são esquecidas nas nossas tomadas de decisão, visto que os nossos processos de reprodução da vida, do trabalho e principalmente do capital têm criado divergências, divisões e antagonismos.
“Se [a gente] enfiasse os pés na terra”, talvez convidássemos a terra para projetar junto. E se a terra também agisse com a gente? E se a nossa ação fosse coletiva entre vivos e não-vivos? O que diria a terra? Parafraseando Wellington Cançado: “O que diriam as árvores?”. Essa essa Terra que não só é o material de construção, mas que também é o lugar onde a gente vive, esse grande corpo que vaga pelo espaço e que nos leva com todos os recursos que ele tem lá dentro.
Isso posto, vou falar um pouco de arquitetura de terra.
Na Arquitetura e no Urbanismo, usamos “construção/arquitetura com terra”, pois qualquer arquitetura que contém terra estabilizada é considerada uma arquitetura/construção com terra. E o que é “estabilizar”? A terra, no seu estado natural, é instável. Então, queremos corrigir toda essa instabilidade e tornar esse solo estável a partir de vários processos. Para isso, a gente compacta, ou comprime,
ou ensaca… mas, sem processo de queima. O tijolo cerâmico, por exemplo, é um bloco de terra que foi para o forno e queimou. Fazemos essa diferenciação porque a gente, hoje, tem que lidar com o desafio de pensar nas próximas gerações, pensar como eles vão se virar com resíduos, com a água, com o carbono. E esse processo de queima tem uma emissão violenta de carbono na atmosfera. Mas, afinal: o que é terra? Terra, ou solo, é pedra intemperizada. Você tem uma rocha-mãe e essa rocha-mãe vai sofrendo com a intempérie. Ela vai se desmanchando e formando um monte de grãozinhos, que vão se depositando em algum lugar. Esses grãozinhos são o solo, a terra. E, basicamente, o solo é composto por três coisas — areia, silte e argila — que vão se diferenciar pelo tamanho, sendo que o menor grão de areia é gigante perto do maior grão de argila.
E a construção com terra não é algo só de hoje. Aqui, eu trago imagens de alguns lugares do planeta em que as pessoas constroem com terra dentro de uma perspectiva muito própria. Por exemplo: esse lugar se chama Shibam e tem o apelido de “Manhattan do Deserto”. Nele, só tem terra; então, o pessoal constrói com terra. São conhecimentos ancestrais. Essa outra imagem é em um lugar que se chama Chan Chan, a 400 km de Lima, no Peru. Nesse local, fizeram uma escavação e descobriram a cidade. Ou seja: quando Colombo chegou por aqui, essa cidade já estava enterrada. A civilização não existia mais, mas previamente foi um lugar onde habitavam 50 mil pessoas — e tudo era construído em taipa de pilão, em adobe.
O adobe é uma técnica muito diferente da taipa de pilão. Nesse caso, você pega o solo e usa ele no estado plástico — diferentemente do que fizemos aqui, na oficina, quando usamos o solo no estado úmido. O solo tem cinco estados de umidade: seco, úmido, plástico, viscoso e líquido. No estado plástico, você modela o solo e ele fica na forma que você modelou. Além das estruturas verticais, com o adobe, você também consegue fazer curvas, cascas, arcos, cúpulas, abóbadas.
Temos também outra técnica: a terra ensacada, mais conhecida como hiperadobe e superadobe. Mas tem uma grande diferença. Na terra ensacada, você não modela, você compacta, como na taipa. A terra ensacada, enquanto técnica, é muito mais parecida com a taipa de pilão do que com adobe. Há também a técnica mista, que muita gente conhece como pau a pique, ou taipa de mão, taipa de sopapo. “Ah, mas pau a pique dá barbeiro!”. Não, pau a pique não dá barbeiro. Muitas vezes, as pessoas param na primeira fase da construção e deixam a casa com essas fissuras. Mas, isso não é a característica de uma casa acabada. Temos também o BTC (bloco de terra comprimido), que são bloquinhos de construção produzidos em uma prensa. Na maioria das vezes, esse processo é feito com um solo cimento (terra com 10% aproximadamente de cimento), então ele tem um processo de cura. Esse é um bloco que tem uma boa resistência; você pode fazer casas de cinco, seis, sete andares, sem problema.
Bom, contextualizadas essas outras técnicas, vamos entrar na taipa de pilão. Muitas pessoas perguntam: “você faz vários bloquinhos? Como é que você leva isso para a obra?”. Por isso que foi
importante fazermos a oficina antes dessa fala. Assim, todo mundo entende a dimensão disso. Esse aqui é um desenho antigo de taipal, que nada mais é do que um molde que vai determinar a forma do painel. E como a gente obtém esse painel? A partir de um processo de compactação que vai estabilizar um solo já previamente regulado na sua granulometria. Depois da prática, vocês já entendem o que tudo isso significa. Então, a geografia vai determinar o desenho dessas arquiteturas, mas a taipa de pilão é sempre a estabilização do solo a partir de um processo de compactação.
É importante entendermos que, no século XIX/começo do século XX, houve uma transformação radical no Brasil. A gente era majoritariamente rural e vira urbano, era escravagista e vira assalariado, era manufatura e resolve virar indústria. Transformações radicais, acompanhadas de um inchaço das cidades também radical. E essa vinda das pessoas para a cidade marca uma nova sociedade, uma sociedade que se transformou e se modernizou. Nesse livro do Carlos Lemos, Alvenaria burguesa, ele faz uma afronta ao apagamento, mostrando que poderia ter havido uma coexistência na construção, mas houve destruição. Entendia-se que o que era de terra era arcaico, antigo, ultrapassado, não-moderno. Cria-se, então, uma batalha simbólica, da qual a gente só começa a escapar agora. Eu lembro de ter estudado na escola as doenças, as patologias, e aprendíamos: “Como evitar doença de Chagas? Não construir casas de pau a pique”. Em termos de políticas públicas, onde foi tentado colocar casas de terra, o técnico social falava: “Viu, não é porque o cara é de uma comunidade indígena que você precisa dar uma casa precária para ele. Vamos dar casa de tijolo, de cimento”. Então, temos que rever tudo isso. Dentre outros projetos, em 2000, tive o privilégio de participar do comecinho da obra da Escola Nacional Florestan Fernandes em Guararema. A escola é do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em São Paulo, mas tem gente da América Latina inteira aí. E tinha uma convicção de quem bolou a ideia da escola de falar: “Pô, vamos fazer ela inteira de terra, porque a gente é trabalhador rural e a terra é um material que tem em abundância no campo”. E eles têm essa pedagogia da alternância, então muita gente passou por aqui. Tem o Seu Nelson, que eu conheci no Rio de Janeiro, que trabalha comigo hoje lá no MST — e ele faz parte de uma das brigadas. Então, ele tem esse conhecimento apropriado. Depois, a gente começou justamente a disputar o campo simbólico, trabalhando muito dentro dos espaços expositivos. Nessa imagem, estão os painéis que a gente fez dentro do SESC Pompeia. Teve uma exposição, em 2001/2002, que se chamava Do barro ao barro. Aqui, nessa outra, são os jardins do Museu da Casa Brasileira, com uma escultura da Elisa Bracher, também toda em taipa de pilão, gigantesca. E, aqui, dentro da capela do Morumbi. A gente também foi convidado pelo José Spaniol para fazer uma escultura, Tímpano, que é uma taipa de pilão curva, um desafio gigantesco. Na sequência, fomos fazendo diversos outros trabalhos. Nessas imagens, por exemplo, vemos uma casa muito grande que foi um divisor de águas. Eu sempre trabalhei com dois amigos, André Heise e Marcio Hoffmann, e essa obra fez com que duas pessoas desse trio pensassem: “A gente quer fazer isso da vida.
A gente só quer fazer taipa de pilão, mais nada”. Eu não conseguia largar o projeto, da prancheta, mas eles estão nisso até hoje, formando o que eu considero o maior grupo que constrói com terra do Brasil: o Taipal Brasil.
Sobre os principais desafios: para além de recolocar a terra a partir de uma perspectiva distante daquela visão colonizada, ou pensar em como é que a gente lida com as distâncias entre tudo que é vivo e não-vivo, há outras questões:
1. A gente tem uma demanda gigantesca pela produção habitacional. Hoje, precisamos de pelo menos sete milhões de casas para conseguir uma forma de justiça social;
2. O que temos é um mercado de construção consolidado, hegemônico, que desconsidera essa questão do carbono e da água e cuja agenda é apenas a produtividade e a rentabilidade no modo de construir;
3. Nas formas de política pública, jogam todo protagonismo dessa tomada de decisão para as empreiteiras, quando na verdade são os demandatários que poderiam (e deveriam) trabalhar nisso a partir dos seus conhecimentos pregressos.
Então, eu acho que a gente poderia trabalhar numa tríade, que juntasse:
1. Uma política pública que promovesse a construção com terra no Brasil;
2. A formação da mão-de-obra;
3. A formação de uma consciência crítica sobre a possibilidade da produção do espaço de moradia, para que a gente possa finalmente consolidar o privilégio de todo mundo ter o direito de habitar uma casa de terra.
Acho que é isso! Obrigado mais uma vez pela oportunidade.
FERNANDO MINTO
Edited transcription
First and foremost, I would like to thank you for this opportunity. The people at Museu Paranaense, in addition to welcoming me with great kindness and care, have also provided this space for us to talk a bit about architecture and building with earth, based on a way of understanding it that is very dear to me.
Earth architecture, rammed earth, are things we experienced yesterday in the workshop. Traditionally, we give this opening talk and move on to practical work afterward. Here, we decided to do it the other way around: to have a practical building experience first and then discuss it, to understand the processes, the material and the procedures.
“If we dug our feet into the Earth”: I found this title beautiful because, for me, the idea aligns well with what I have been thinking about the centrality of humans in our practices, in our ways of understanding things. This exaggerated centrality of the human as the essence of existence is, in fact, a lack of rationality, a lack of reason and also of emotion. Increasingly, we are obliged to consider that our actions are not just for us — and the effects do not impact us alone. It is us and all other living and non-living beings who feel the consequences. And we don’t build alone. We build based on the demands and collective existences — not only of people. People who, often, are already forgotten in our decision-making processes, given that our processes of reproduction of life, work, and especially of capital, have created divergences, divisions, and antagonisms.
If we dug our feet into the Earth, perhaps we would invite the earth to design together with us. What if the earth also acted with us? What if our actions were collective, of the living and non-living? What would the earth say? To paraphrase Wellington Cançado: “What would the trees say?”. This Earth that is not only the building material but also the place where we live, this large body that wanders through space and takes us with all the resources it carries within it.
That said, I will talk a bit about earth architecture. In Architecture and Urbanism, we use “construction/architecture with earth” because any architecture containing stabilized earth is considered earth architecture/ construction. And what is “stabilized”? Earth, in its natural state, is unstable. So we want to correct all this instability and make this soil stable through various processes. We compact or compress, without a burning process. For example, ceramic bricks are blocks of earth that have gone into the to the kiln and baked. We make this differentiation because today we must deal with the challenge of thinking about the next generations, thinking about how they will deal with waste, water and carbon. And this burning process has a violent carbon emission into the atmosphere.
But, after all, what is earth? Earth, or soil, is weathered rock. You have a mother rock, and this mother rock undergoes weathering. It crumbles and becomes a bunch of little grains, which are deposited somewhere. These little grains are the soil, the earth. Basically, the soil is composed of three things — sand, silt, and clay — which differentiate by size, with the smallest sand grain being gigantic compared to the largest grain of clay.
And earth construction is not something only of today. Here, I bring images from some places on the planet where people build with earth from a very unique perspective. For example: this place is called Shibam and is nicknamed the “Manhattan of the Desert.” All they have there is earth, so that is what they use to build. This is ancestral knowledge. Another image is from a place called Chan Chan, 400 km from Lima, Peru. In this location, excavation led to the discovery of a city. In other words, when Columbus arrived there, this city had already been buried. The civilization no longer existed, but previously, it was a place where 50 thousand people lived — and everything was built with rammed earth, with adobe.
Adobe is a very different technique from rammed earth. In this case, you take the soil and use it in its plastic state — unlike what we did here in the workshop when we used the soil in a moist state. The soil has five states of moisture: dry, moist, plastic, viscous and liquid. In the plastic state, you shape the soil, and it stays in the form you gave it. In addition to vertical structures, with adobe, you can also make curves, shells, arches, domes.
We also have another technique: earthbag building, better known as hyper-adobe and super-adobe. But there is a big difference. In bagged earth, you don’t shape; you compact, like in rammed earth. Earthbag building, as a technique, is much more similar to rammed earth than to adobe.
There is also the mixed technique, which many people know as wattle and daub, or hand rammed earth, or “taipa de sopapo”. “Ah, but wattle and daub is home to kissing bugs!” No, wattle and daub is not home to kissing bugs. People often stop at the first phase of construction and leave the house with these cracks. But, that is not the characteristic of a finished house.
We also have CEB (compressed earth blocks), which are construction blocks produced in a press. Most of the time, this process is carried
out with a soil-cement (soil with approximately 10% cement), so it undergoes a curing process. This block is very resilient; you can build houses of five, six, seven stories without any issues.
Well, with these other techniques contextualized, let’s move on to rammed earth. Many people ask: “Do you make various little blocks? How do you take that to a construction site?”. That’s why it was important to have the workshop before this talk. So that everyone understands the dimension of this. This here is an old drawing of a formwork, which is nothing more than a mold that will determine the shape of the panel. And how do we obtain this panel? Through a compression process that stabilizes soil that has been previously regulated in its particle size. After practice, you will understand what all this means. So, geography will determine the design of this architecture, but rammed earth always implies the stabilization of the soil through a compression process.
It is important to understand that in the 19th century/the beginning of the 20th century, Brazil underwent a radical transformation in Brazil. We were mostly rural and became urban, were based on the use of slave labor, and shifted to wage labor, as well as from manufacturing to industrial production. These were radical transformations, accompanied by a radical swelling of cities as well. And this influx of people to the city marks a new society, a society that transformed and modernized itself. In Carlos Lemos’ book, “Bourgeois Masonry”, he confronts the erasure that took place, showing that where there could have been coexistence in construction methods, there was destruction. What was made of earth was written off as archaic, old, outdated, not modern.
A symbolic battle was then unleashed, from which we are only now begin to escape. I remember studying diseases, pathologies, in school, and we learned: “How to avoid Chagas disease? Don’t build wattle and daub houses.”
In terms of public policies, where attempts were made to build earth houses, the social worker would say: “See, just because someone is from an indigenous community doesn’t mean you need to give them a makeshift home. Let’s give them a brick, cement house.” So, we must rethink all of this.
Among other projects, in 2000, I had the privilege of participating in the early stages of the construction of the Florestan Fernandes National
School in Guararema. The school belongs to the Landless Rural Workers Movement in São Paulo, but people from all over Latin America come there. And there was a conviction from those who came up with the idea of the school: “Hey, let’s build it entirely of earth because we are rural workers, and earth is a material that is abundant in the countryside”. And they have this pedagogy of rotativity, so many people went through here. There is Mr. Nelson, whom I met in Rio de Janeiro, who works with me today at the MST — and he is part of one of the brigades. So, he has this appropriated knowledge.
After that, we took on symbolic dispute, working a lot within exhibition spaces. In these images, for example, are the panels we made at SESC Pompeia. There was an exhibition, in 2001/2002, called “From Clay to Clay”. Here, in another exhibit, there are the Museum of the Brazilian House gardens, with a sculpture by Elisa Bracher, also made entirely of rammed earth, gigantic. And here, inside the Morumbi chapel. We were also invited by José Spaniol to make a sculpture, Tympanum , of curved rammed earth, a huge challenge.
Subsequently, we started creating other works. In these images, for example, we see a very large house that was a turning point. I always worked with two friends, André Heise and Marcio Hoffmann, and the projects made two people in this trio think, “We want to do this for life. We just want to do rammed earth, nothing else”. I couldn’t let go of the drawing board, but they are still at it today, forming what I consider the largest rammed earth construction group in Brazil: Taipal Brasil.
About the main challenges: beyond repositioning the earth, from a perspective that is very distinct from the colonized view, or thinking about how we deal with the distances between everything that is alive and non-living, there are other issues:
1. We have a gigantic demand for building houses. Today, we need at least seven million houses if we are to achieve some form of social justice;
2. What we have is a consolidated, hegemonic construction market that disregards the issues of carbon and water and whose construction agenda is solely based on productivity and profitability;
3. Public policy also delegates all protagonism in this decision-making to construction companies when, in fact, it is those on the demand side who could (and should) work on this based on their prior knowledge.
So, I think we could work on a triad that brings together:
1. Public policy that promotes earth construction in Brazil;
2. Workforce training;
3. Raising critical awareness of the possibility of producing living space so that we can finally consolidate everyone’s privilege to have the right to inhabit a house made of earth.
I think that’s it! Thank you once again for the opportunity.
Laure Emperaire, Angelino Hermes Cogrossi (Gelico) 28.04.2022 mesa de conversa roundtable
Mandioca: agrobiodiversidade na Amazônia e vivências caiçaras reuniu relatos sobre essa raiz fundamental na ocupação e disseminação dos povos originários, além de concentrar um universo de sociabilidades com os sujeitos que interagem com o vegetal, desde seu processo de domesticação, plantio, consumo, e laços de afetividade manifestados nas memórias individuais e coletivas.
A fala de Laure Emperaire refletiu sobre como produzir e conservar a diversidade biológica essencial para a existência da humanidade, a das plantas cultivadas, está longe de mobilizar apenas a perspectiva funcional e produtiva dominante. Para a pesquisadora, são múltiplos os vínculos que unem as sociedades ao universo vegetal. Seguindo as mandiocas do Rio Negro, na Amazônia, Emperaire indagou sobre as condições de valorização dessa diversidade. Ao lado da pesquisadora francesa, tivemos a oportunidade de ouvir o relato de Angelico Hermes Cogrossi, caiçara de 72 anos do município de Guaraqueçaba, no Paraná. Gelico, como é carinhosamente conhecido, falou sobre sua atuação como farinheiro desde os 12 anos de idade, revelando saberes tradicionais relacionados ao manejo e manufatura da mandioca — conhecimento que é transmitido de geração em geração. No livro, temos um texto inédito de Laure Emperaire, Convivências e conivências vegetais, produzido a partir da palestra proferida, a fotografia de Gelico com sua família no fabrico da farinha de mandioca e registros fotográficos do encontro realizado dia 28 de abril.
“Cassava: Agrobiodiversity in the Amazon and Caiçara Experiences” brought together accounts of this root, so fundamental to the land and movement of indigenous peoples. It explored the universe of sociabilities of those who interacted with the plant, from processes of domestication to planting, consumption, and ties of affection, as expressed in individual and collective memories.
Laure Emperaire's talk reflected on how producing and conserving the essential biological diversity of human existence, that of cultivated plants, is not restricted to dominant functional and productive perspectives. For Emperaire, there are multiple bonds that unite societies with the plant universe. Following the path of the cassava of the Rio Negro in the Amazon, Emperaire questioned the conditions that promote this diversity. Alongside the French researcher, we had the opportunity to hear the story of Angelico Hermes Cogrossi, a 72-year-old Caiçara from the municipality of Guaraqueçaba, in Paraná. Gelico, as he is affectionately known, talked about his work as a farinheiro (cassava flour producer), which he began at the age of 12, sharing traditional knowledge related to the management and manufacture of cassava — knowledge passed down from generation to generation. The book includes an unpublished text by Laure Emperaire, “Plant coexistence and cooperation”, produced from the lecture given, a photograph of Gelico with his family in cassava flour production, and a photographic register of the meeting, held on April 28th.
LAURE EMPERAIRE
Botânica, suas pesquisas têm como foco as relações plantas-sociedades. Trabalhou inicialmente sobre as caatingas do Piauí. Posteriormente, no âmbito de projetos interdisciplinares realizados na Amazônia, a pesquisa se orientou para o extrativismo, atividade inseparável, nos casos estudados, de atividades agrícolas. Nos últimos quinze anos, vem trabalhando sobre o manejo da agrobiodiversidade principalmente no contexto indígena do Rio Negro. Os trabalhos da equipe e das associações indígenas locais levaram ao reconhecimento do sistema agrícola do Rio Negro como patrimônio imaterial da nação. É membro do laboratório Patrimônios Locais, Meio Ambiente e Globalização (UMR PALOC - IRD/ MNHN, Paris) e pesquisadora do Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento (IRD-França).
Botanist, her research focuses on plant-society relationships. She initially worked on the caatinga region of the state of Piauí. Later, in interdisciplinary projects carried out in the Amazon, her research focused on extractivism, which in the cases she studied was inseparably linked agricultural activities. Over the last fifteen years, she has been working on agrobiodiversity management, mainly in the indigenous context of the Rio Negro. The work of her team and local indigenous associations led to the recognition of the Rio Negro agricultural system as intangible heritage of the nation. She is a member of the Local Heritage, Environment, and Globalization Laboratory (UMR PALOC - IRD/MNHN, Paris) and a researcher at the Institute of Research for Development (IRD-France).
Farinheiro da Potinga, no município de Guaraqueçaba, Paraná. Conhecedor do plantio de mandioca e produção de farinha, herdou da família os conhecimentos e memórias coletivas. Além de movimentar o comércio com farinha de mandioca, a atividade proporciona a manutenção e perpetuação de saberes tradicionais.
Farinheiro from Potinga, in the municipality of Guaraqueçaba, Paraná. He inherited his stock of knowledge on cassava planting and flour production from family and collective memories. In addition to promoting the cassava flour trade, his work serves the maintenance and perpetuation of traditional knowledge.
[página anterior / previous page]
Registros da mesa de conversa com Laure Emperaire e Angelino Hermes Cogrossi (Gelico). Abril de 2022. Registers of the roundtable with Laure Emperaire and Angelino Hermes Cogrossi (Gelico). April 2022.
[acima / above]
Gelico e família no fabrico da farinha de mandioca. Gelico with his family in cassava flour production.
LAURE EMPERAIRE
As plantas cultivadas são provavelmente um dos mais antigos artefatos, objetos produzidos pela humanidade. As mais antigas plantas americanas domesticadas remontam a um passado de 10 mil anos. São, então, milênios de co-evolução, de convivências e de conivências que levam não apenas à imensa amplitude de espécies e variedades cultivadas pelos povos indígenas, mas também à singularidade desse leque vegetal, adaptado às mais diversas condições ecológicas.
Produzir e conservar uma diversidade biológica indispensável à nossa existência, a das plantas cultivadas, não remete apenas a uma perspectiva funcional, a de produzir alimentos, remédios, fibras, corantes e outras finalidades: remete às relações entre plantas, entre plantas e ambientes e entre as plantas e os humanos que as manejam e por elas são manejados. Entender as condições de vida do vegetal leva também a reconsiderar fronteiras que pareciam intocáveis, as que delimitam ainda hoje o que é um espaço agrícola e o que é uma planta cultivada.
É apenas recentemente que as agriculturas indígenas e campesinas em geral escapam da única perspectiva funcionalista e começam a ter uma visibilidade nas cenas políticas e científicas. No campo da agronomia, produzir era visto e, em grande parte, ainda é, como um fato comensurável entre todas as agriculturas, já que os denominadores compartilhados são os da produção. Os universos agrotécnicos mobilizados podiam se completar, se hibridar ou serem substituídos por outros julgados mais performantes, já que a lógica era de um gradiente evolucionista linear no qual cada etapa absorvia a anterior sem possibilidade de retorno. Essa perspectiva, dominante ainda em vários setores das políticas públicas, mobiliza a hipótese de base sobre o futuro das agriculturas tradicionais: a hibridação de um repertório agrotécnico indígena associada com um repertório tecnocientífico é não apenas possível, mas também pertinente. Pode, em alguns casos, ser insuficiente para assegurar um futuro a essas agriculturas tradicionais e às plantas que as acompanham.
Se fosse preciso identificar palavras-chave para caracterizar a agrobiodiversidade do Rio Negro na Amazônia do Noroeste, num contexto multiétnico, estas seriam as de “diversidade” e a de
1 “Dona-de-roça” é um termo cunhado pela pesquisadora para denominar as proprietárias da terra.
“Dona-da-roça” is a term coined by the researcher to refer to women who own the land they work.
“singularidade”. “Diversidade” não apenas ressaltando o quantitativo, a amplitude do leque de plantas cultivadas, mas entendendo a diversidade como um processo social e ecológico. O “singular” remete à personalização e ao caráter altamente individual das plantas cultivadas presentes no acervo de cada dona-de-roça1 As duas noções permitem articular as dimensões coletiva e individual na existência de uma dada agrobiodiversidade, ou diversidade de plantas cultivadas. A mandioca e suas plantas companheiras são nosso fio condutor para entender essas convivências e conivências.
A mandioca, Manihot esculenta Crantz, é considerada a planta emblemática dos cultivos tradicionais no Brasil devido à sua origem, sua ampla distribuição e sua importância calórica. Foi domesticada no sudoeste da Amazônia há cerca de 10.000 anos e já estava amplamente difundida há 6.000 anos. Hoje, é cultivada em todo o país e foi adaptada e selecionada para múltiplos contextos ecológicos e sociais.
O Rio Negro é um foco de diversidade de mandiocas bravas (que necessitam um processo de detoxicação antes do consumo), elemento estruturante das agriculturas dos povos indígenas do Rio Negro. As variedades mansas, as macaxeiras, introduzidas pelos missionários e comerciantes, são de pouca relevância.
No médio Rio Negro, 30 donas-de-roça com quem trabalhamos2 manejavam um acervo de 110 variedades de mandioca (105 bravas ou manivas e 5 macaxeiras) e em torno de 300 espécies. Esses dados evidenciam um investimento intenso na conservação da diversidade cultivada. Não é suficiente se limitar à abordagem quantitativa e há de se interrogar as lógicas que levam ao acúmulo dessa diversidade. De fato, ela é bem superior àquela requerida para responder a questões funcionais ligadas à heterogeneidade dos solos, resistir às pragas ou às variações climáticas ou ainda à obtenção de um amplo leque de alimentos. A diversidade presente poderia ser chamada de hiperdiversidade, mas é nosso olhar ocidental que a vê como “hiper”, enquanto é apenas a diversidade normal que resulta do funcionamento de um sistema agrícola fundamentado sobre agricultura de queima e pousio e de formas de relacionamento com o vegetal, esses dois aspectos sendo entrelaçados.
A agricultura dos 23 povos indígenas do Rio Negro, de línguas Arawak, Tukano, Nadehup Maku ou Yanomami, é fundamentada na abertura anual de uma pequena roça na mata virgem ou em capoeira velha. A primeira fase de implementação da roça, a da escolha do espaço e da derrubada, é masculina, enquanto a segunda fase, de escolha e manejo das plantas cultivadas, é do registro feminino,
2 Projeto Populações, Agrobiodiversidade e Conhecimento Tradicional Associado (PACTA) realizado no âmbito do convênio bilateral CNPq- UNICAMP/ IRD n° 492693/2004-8 e 490826/2008-3 coordenado por M. Almeida (UNICAMP) e L. Emperaire (IRD); autorização do CGEN n° 139 (DOU 4/4/2006 e 26/03/2014, financiado pelo CNPq, o IRD, o Programa Interdisciplinar de Pesquisa Cidade e Meio Ambiente do CNRS e a Fundação Hermès.
o das donas-de-roça. Cada casal ou unidade doméstica cultiva, no geral, três roças: a nova, plantada no ano; a madura, de dois ou três anos; e a velha, de quatro a cinco anos. Gradualmente abandonadas à regeneração florestal, o cultivo dessas parcelas constitui apenas uma fase de um ciclo mais amplo de floresta-roça-floresta, longe de um modelo de dominação perene de um espaço (CARNEIRO DA CUNHA, 2017).
As roças, apesar de serem espaços privados, são observadas, visitadas, têm um regime próprio de visibilidade entre os moradores da aldeia — as pessoas sabem quem são as donas e valorizam aquelas que zelam por suas roças, como ocorre em outros contextos.
A roça, no geral de menos de um meio hectare, é derrubada e, após um a dois meses de secagem ao sol, é queimada com o fogo controlado para dar lugar a um novo espaço de plantio. A partir desse ponto, vai, pouco a pouco, agregar diversidade. De dez a vinte variedades de manivas ocupam a maior parte do espaço da roça. Mas há dois níveis de diversidade: um, restrito, que se refere à parte debaixo da terra, hipogea, que é a parte consumida, e os tubérculos (as mandiocas) são classificados em brancos ou amarelos; e outro, muito mais extenso, ligado à parte epigeia dos pés, o que se vê, e o que permite a identificação da variedade e sua multiplicação por estaca (maniva). O diverso são as manivas e não as mandiocas, duas entidades. O diverso é o que recebe um nome e a existência de uma variedade é indissociável do seu nome, ele constitui sua identidade. A maior parte dos nomes das variedades de mandioca brava (61 dos 105 nomes levantados) pertence ao registro da biodiversidade com nomes de pássaros, peixes, plantas cultivadas ou não cultivadas, que recriam, incorporam na roça um universo virtual de diversidade. Mas essa biodiversidade não é isenta da humanidade, já que “Todos eles [os animais] eram gente naquela época”
(TÕRÃMTT BAYARU & GUAHARI, 2004, p. 423). Esse mesmo referencial biológico se encontra nos Piaroa da Venezuela e nos Aguaruna do Peru, ambos agricultores especialistas em diversidade das manivas. O uso desse registro de denominação entre objetos biológicos desenha rupturas nítidas entre uma variedade e outra e não as hierarquiza dentro de categorias aninhadas. Um segundo registro de nomenclatura é fundamentado na origem da variedade, seja o nome do lugar, do rio ou da pessoa que deu a maniva. Apenas 12 dos 105 nomes levantados repousam sobre características descritivas, morfológicas ou outras de segunda ordem.
Tais diferenças de registro semântico permitem dar conta da dinâmica de introdução de novas variedades, mas também diferenciar entre o que pertence a um registro culturalmente legitimado e outro em construção, feito por empréstimos.
A existência da diversidade resulta de regras sociais e do funcionamento de redes de circulação das manivas, redes que são principalmente femininas e intergeracionais. Elas atendem aos princípios da exogamia linguística e da virilocalidade,
o que significa que as primeiras roças das mulheres casadas serão cultivadas com as manivas da sogra (CHERNELA, 1986). Depois, irão se ampliar com a própria rede social da dona-de-roça. Assim, a riqueza biológica é gerada e administrada coletivamente em torno de uma comunidade de práticas, de conhecimentos especializados e de habilidades sociais. Essas redes constituem também marcadores das trajetórias familiares que percorrem com frequência o Rio Negro de montante a jusante. A cidade, lugar de moradia cada vez mais frequente, não altera a intensidade da circulação das variedades vegetais, mas traz novas fontes de diversidade. As manivas, sob a forma de pequenos feixes, circulam em várias escalas, interligam sítios, comunidades, as principais cidades do Rio Negro e desenham mapas que vão de Mitu, na Colômbia, até Manaus. Circulam livremente, são capturadas, sem restrições territoriais ou étnicas, sem o olhar do Estado, enquanto que espaços tensionados por conflitos, deslocamentos forçados, violência, perseguição e intervenção registram o enfraquecimento dessa relação entre humanos e vegetais.
A agregação das inúmeras redes singulares de cada donade-roça leva a existência, em escala regional, de uma meta-coleção, representativa da diversidade do Rio Negro, com o status de um bem coletivo. As coleções de manivas se tornam, assim, vetores de conexões espaciais e de memória, arquivos e reservatórios. Na escala regional, a existência de uma meta-coleção é uma garantia compartilhada contra as incertezas do futuro. O bem constituído pelas variedades é interesse coletivo, de livre acesso, sujeito a regras compartilhadas de uso e de utilidade social e construído na base de contribuições individuais.
Abre-se um caminho para pensar a roça numa perspectiva além da produtiva: a de um espaço de resistência e de proteção de um bem fundamental, cuja existência foi protegida do olhar colonial. Podemos indagar se o processo de acúmulo de uma diversidade se construiu a partir de uma situação de fragilidade. Manter essa diversidade nas roças seria um mecanismo de proteção frente a uma história colonial, ou anterior, como hoje manter a diversidade biológica é imprescindível à continuidade da vida dos seres vivos frente a um futuro incerto. O universo das manivas nas roças não se resume a uma relação de domesticação/dominação, mas, sim, de cuidados e relações sociais, produzir matéria para alimentação, festas e rituais.
CARNEIRO DA CUNHA, M. Cultura com aspas e outros ensaios. 1. ed. São Paulo: Ubu Editora, 2017. NI, GUAHARI YE. Livro dos Antigos Desana-Guahari-Diputiro Porã. 1 ed. Instituto SocioAmbiental, 2004.
CHERNELA, Janet M. Pesca e hierarquização tribal no alto Uaupés. Suma etnológica brasileira, v. 1, p. 235-249, 1987.
LAURE EMPERAIRE
Cultivated plants are probably among the oldest artifacts or objects produced by humanity. The oldest domesticated plants of the Americas date back 10,000 years. Thus, there have been millennia of coevolution, of cohabitation and complicity that led not only to the immense range of species and varieties cultivated by indigenous peoples but also to the uniqueness of a botanical diversity adapted to various ecological conditions.
Producing and conserving a biological diversity indispensable to our existence — the diversity of cultivated plants — refers not only to a functional perspective of producing food, medicine, fibers, dyes, or other such purposes. It also refers to the relationships among plants, between plants and environments, and between plants and the humans who manage them and are managed by them. Understanding plants’ living conditions also leads to reconsidering seemingly unmovable boundaries, ones that continue to delimit what an agricultural space and what a cultivated plant are.
Only recently have indigenous and peasant agricultures, in general, broken through the solely functionalist perspectives and begun to gain visibility in political and scientific contexts. In the field of agronomy, production and productivity have been, and to a large extent are still seen as commensurable facts to be identified throughout all agricultures, as common denominators. The agrotechnical universes that have been deployed are seen as able to complement one another, to hybridize or be replaced by others considered more productive, since their underlying logic is a scale of linear evolution in which each stage is absorbed the previous one, with no chance of return. This perspective, still dominant in several sectors of public policy, fuels today’s prevailing hypothesis on the future of traditional agricultures: the hybridization of an indigenous agrotechnical repertoire associated with a technoscientific repertoire is not only possible but pertinent. Yet in some cases, it may not be enough to ensure a future for traditional forms of agriculture and the plants that accompany them.
If it were necessary to select keywords to characterize the agrobiodiversity of the Rio Negro in Northwest Amazonia, in a multiethnic context, they would be ‘diversity’ and ‘singularity’. Diversity that not only emphasizes the quantitative aspect — how wide the variety of cultivated plants — but is also understood as a social and ecological process.
Singularity, in turn, refers to the personalization and highly individual character of the collection of plants that each “dona-da-roça”1 cultivates. These two notions allow for the articulation of collective and individual dimensions in the existence of a given agrobiodiversity or diversity of cultivated plants. Cassava and its companion plants are our guiding thread to understand these forms of coexistence and complicity.
Cassava, Manihot esculenta Crantz , is considered the emblematic plant of Brazil’s traditional crops due to its origin, wide distribution, and caloric importance. It was domesticated in the southwest of the Amazon about 10,000 years ago and became widespread as much as 6,000 years ago. Today, it is grown throughout the country and has been adapted and selected for multiple ecological and social contexts.
The Rio Negro is a focal point of diversity for wild cassava (which requires a detoxification process before consumption), a structuring element of the agriculture of indigenous peoples in the region. Its domesticated varieties, known as “ macaxeiras”, introduced by missionaries and traders, have little relevance.
In the middle Rio Negro region, thirty donas-de-roça2 we worked with managed a collection of 110 varieties of cassava (105 wild “ manivas” and 5 domesticated “ macaxeiras”), and some 300 different species. These data show a significant investment in the conservation of cultivated diversity. It is not enough to limit ourselves to a quantitative approach; we must examine the underlying logics that lead to the accumulation of such diversity. In fact, it far exceeds what is required to address functional issues related to soil heterogeneity, resistance to pests or climatic variations, or even the availability of a wide range of foods. We could speak of a hyper-diversity,
yet it is our Western perspective that sees it as “hyper”, rather than the normal diversity resulting from the functioning of an agricultural system based on slash-and-burn and pousio practices, along with forms of interaction plants, both intertwined aspects.
The agriculture of the twenty-three indigenous peoples of the Rio Negro, speaking Arawak, Tukano, Nadehup Maku, or Yanomami languages, is based on the annual clearing of small fields in the virgin forest or old capoeira (secondary vegetation). The first phase of implementing a field, choosing the space and clearing, is a male task, while the second phase of choosing and managing cultivated plants falls under the responsibility of women, the roça owners. Each couple or household typically cultivates three fields: the new one, planted in the current year; the mature one, two or three years old; and the old one, four to five years old. Gradually abandoned for forest regeneration, the cultivation of these plots is just one phase of a broader forest-field-forest cycle, far from a model of permanent domination of space (CARNEIRO DA CUNHA, 2017).
Although roças (farms) are private spaces, they are observed, visited, and have their own visibility regime among village residents — people know who the roça owners are and value those who take care of their fields, as in other contexts. Fields, generally less than half a hectare in size, are cleared and, after one to two months of sun drying, are burned using controlled fires to make way for a new planting space. From this point on, diversity increases gradually. Ten to twenty varieties of “ manivas” (cassava stems for propagation) occupy most of the field. However, there are two levels of diversity: one, limited, refers to the underground part, the hypogea, which is the part that is eaten, and tubers (cassava) are classified as white or yellow. The other level of diversity is much more extensive and is linked to the epigeal part of the plants, which is seen above ground, allowing for the identification of the variety and its multiplication through cuttings (manivas). Diversity is situated not in the cassava tubers but in the manivas; they are two distinct entities. Each variety of maniva is indissociable from its name, which constitutes its identity. Most of the names of wild cassava varieties (61 out of 105 names recorded) belong to the register of biodiversity known by names of birds, fish, cultivated or non-cultivated plants,
which recreate and incorporate a virtual universe of diversity in the field. Yet this biodiversity is not devoid of humanity, since “All of them [all animals] were people back then” (TÕRÃMTT BAYARU & GUAHARI, 2004, p. 423). This same biological reference can be found among the Piaroa of Venezuela and the Aguaruna of Peru, both groups of farmers specialized in the diversity of manivas . The use of this naming system for biological objects creates clear distinctions between one variety and another, without hierarchizing them within closed categories. A second naming system is based on the variety’s origin, whether it be the name of a place, a river, or the person who provided the maniva . Only 12 out of 105 recorded names are based on descriptive, morphological, or other secondary characteristics. Such differences in semantic register allow us to understand the dynamics of introducing new varieties while differentiating between what belongs to a culturally legitimized roster and that which is constructed through borrowing.
The existence of diversity results from social rules and the functioning of networks for maniva circulation which are mainly female and intergenerational. They follow the principles of linguistic exogamy and virilocality, meaning that the first fields of married women will be cultivated with manivas from their mother-in-law (CHERNELA, 1986). Afterwards, they will expand their own social network of roça owners. Thus, biological richness is collectively generated and managed around a community of practices, specialized knowledge, and social skills. These networks also serve as markers of family trajectories that frequently move from upstream to downstream along the Rio Negro. The city, an increasingly frequent place of residence, does not alter the intensity of the circulation of plant varieties but brings new sources of diversity. Manivas , in the form of small bundles, circulate at various scales, connecting sites, communities, and the main cities of the Rio Negro, creating maps that stretch from Mitu in Colombia to Manaus. They circulate freely, taken without territorial or ethnic restrictions, free from the gaze of the State; in contrast, in places strained by conflicts,
forced displacement, violence, persecution, and intervention, the weakening of this relationship between humans and plants is witnessed.
The aggregation of the numerous individual networks of each roça owner leads to the existence, at a regional scale, of a meta-collection, representative of the diversity of the Rio Negro and bearing the status of a collective good. Maniva collections thus become vectors of spatial connections and memory, archives, and reservoirs. At the regional scale, the existence of a meta-collection provides shared assurance against the uncertainties of the future. The wealth constituted by these varieties is a collective interest, freely accessible, subject to shared rules of use and social utility, and built through individual contributions.
This clears a path to think of the roça from a perspective beyond productivity: as a space of resistance and protection of a fundamental good whose existence was historically shielded from colonial scrutiny. We may wonder if the process of accumulating such diversity was built from a situation of fragility. Maintaining this diversity in the fields could have been a mechanism of protection against a colonial or even earlier history, just as preserving biological diversity today is essential for the continuity of life in the face of an uncertain future. The universe of manivas in the fields is not limited to a relationship of domestication/domination but is one of care and social connections, creating matter for sustenance, celebrations, and rituals.
João Vargas Penna, Paulo Chiesa 29.04.2022
Filme Paisagem: um olhar sobre Roberto Burle Marx é um passeio pela arte e personalidade do paisagista, pintor e escultor Roberto Burle Marx, que apresenta suas ideias e lembranças numa sucessão de paisagens sensoriais. O documentário de João Vargas Penna foi exibido durante 3 dias, sendo que no primeiro dia a exibição foi sucedida por um bate-papo com o diretor, mediado pelo arquiteto e professor Paulo Chiesa.
Frames e ficha técnica do documentário e uma breve apresentação do Instituto Burle Marx por sua diretora, Isabela Ono, fazem parte do registro da atividade no livro.
“Filme Paisagem: Um Olhar Sobre Roberto Burle Marx” is a journey through the art and personality of landscape architect, painter, and sculptor Roberto Burle Marx, presenting his ideas and memories in a succession of sensory landscapes. The documentary by João Vargas Penna was shown for 3 days, with the first day's screening followed by a chat with the director, moderated by architect and professor Paulo Chiesa.
Frames and technical information of the documentary and a brief presentation of the Burle Marx Institute by its director, Isabela Ono, are included in the record of the activity in the book.
exibição de filme, mesa de conversa film screening, roundtable
JOÃO VARGAS PENNA
João Vargas Penna mora e trabalha em Belo Horizonte, Minas Gerais. Atua como cineasta e artista visual. Já dirigiu curtas de ficção, documentários e séries de tv sobre artes e artistas, paisagismo e meio ambiente.
João Vargas Penna lives and works in Belo Horizonte, Minas Gerais. He is a filmmaker and visual artist. He has directed fiction shorts, documentaries, and TV series about arts and artists, landscaping, and the environment.
PAULO CHIESA
Paulo Chiesa é arquiteto formado no CAU/UFPR (1983) e doutor pela FAU/USP (2001). Também é professor da DAU/UFPR, onde ministra aulas de Projeto de Arquitetura e de Paisagismo desde 1995. Atuou tanto na atividade acadêmica como na iniciativa privada com projeto de espaços livres públicos, além de ter também atuado na gestão pública.
Paulo Chiesa is an architect graduated from CAU/ UFPR (1983) and holding a Ph.D. from the FAU/USP (2001). He is also a professor at DAU/UFPR, where he has been teaching Architecture and Landscape Design since 1995. He has worked in both academic and private sectors with public open space projects, as well as having worked in public management.
Filme Paisagem: um olhar sobre Roberto Burle Marx
Direção / Directed by JOÃO VARGAS PENNA
Roteiro / Written by JOÃO VARGAS PENNA
Produção executiva / Executive producer ANDRÉ CARREIRA
Montagem / Editing JOANA COLLIER, FABIAN REMY
Fotografia / Cinematography CAROLINA COSTA
Som e música / Sound and music O GRIVO
Ano de finalização / Year of completion 2018
País / Country BRASIL
A criação do nosso Instituto Burle Marx tem exatamente como objetivo preservar o acervo paisagístico desenvolvido por Burle Marx e seus colaboradores, mas também divulgar esse acervo para que novas pessoas conheçam a importância desse legado, fazendo com que isso reverbere e auxilie a preservar esses patrimônios culturais das cidades.
Burle Marx foi um dos paisagistas mais importantes do século XX e um dos expoentes do Modernismo no Brasil. Ele era visionário e atemporal. Criou uma linguagem única de paisagismo, na qual introduz a questão da arte e paisagem conjugadas. As principais características dos projetos desenvolvidos por Burle Marx e seus colaboradores eram o uso de vegetação em grupamentos da mesma espécie, conjugados a outros grupos de espécies distintas, o que criava uma variedade de propostas de volumes, texturas e cores no caminhar.
ISABELA ONO
Diretora do Instituto Burle Marx
Our Burle Marx Institute was established to preserve the landscape collection that Burle Marx and his collaborators created, promoting this heritage, and introducing its significance to new audiences — so that it reverberates and hence contributes to the preservation of urban cultural assets.
Burle Marx was one of the most important landscape architects of the 20th century, a key figure in the Brazilian Modernist movement. He was a visionary whose work has withstood the test of time. Burle Marx crafted a unique language of landscaping which blended art and landscape seamlessly. The main characteristic of the projects Burle Marx and his collaborators developed was the way they grouped plants of the same species, combined with other groups of different species, to display a wide range of volumes, textures, and colors to visitors and passersby.
ISABELA ONO
Director of the Burle Marx Institute
Feira de sementes quilombolas
Quilombola seed-fair
Lucinéia da Rosa Pereira, Benedito Florindo de Freitas Júnior (Ditinho)
Sementes trocadas durante as atividades Seeds exchanged during the activity
Educação quilombola
Quilombola education
Benedito Florindo de Freitas Junior (Ditinho)
Jenipapo, pintura corporal e grafismos Mebegokre-Kayapó
Jenipapo, body painting and Mebegokre-Kayapó Designs
Beprere Kayapó, Kokodjy Kayapó, Mrynhô re Kayapó, Bekwynhtokti Kayapó, Mrodjanh Kayapó, Moxare Kayapó, Daniel Tiberio Luz
Mebegokre de Kubenkrãnkej visita o MUPA: reconhecendo sua história e nekreis
Mebegokre from Kubenkrãnkej visits MUPA: recognizing their history and nekreis Daniel Tiberio Luz
Quando os Mebegokre estiveram no Museu Paranaense When the Mebegokre came to Museu Paranaense
Josiéli Andréa Spenassatto (Núcleo de Antropologia do Museu Paranaense)
Jardim Noturno Night Garden
Laboratório Siameses
De volta ao jardim Back to the garden
Laboratório Siameses
Lucinéia da Rosa Pereira,
Benedito Florindo de Freitas
Júnior (Ditinho)
O MUPA recebeu, no primeiro domingo de maio de 2022, as comunidades quilombolas das cidades de Adrianópolis e Lapa, que realizaram a Feira de sementes quilombolas. Mais do que uma troca de sementes crioulas para o cultivo, essa prática tradicional das comunidades negras foi um momento de sociabilidade, de trocas de saberes, fazeres e memórias individuais e coletivas. Além da atividade de escambo, houve a venda de artesanatos, frutas e verduras e as palestras As ervas e plantas medicinais da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo João Surá: medicina e saberes populares, com Lucinéia Rosa Pereira, e Educação Quilombola, com Benedito Florindo de Freitas Junior. Aqui, temos a transcrição de trechos da palestra Educação Quilombola, lista das sementes trazidas para troca e registros fotográficos da feira no jardim do Museu.
On the first Sunday of May 2022, MUPA hosted the quilombola communities from the cities of Adrianópolis and Lapa, who organized the Quilombola Seed Fair. More than just an exchange of heirloom seeds for cultivation, this traditional practice among black communities was a moment of sociability, exchanging knowledge, skills, and individual and collective memories. In addition to barter activity, there were sales of crafts, fruit,s and vegetables, as well as lectures on “The Medicinal Herbs and Plants of the Community of Quilombo João Surá: Medicine and Folk Knowledge”, by Lucinéia Rosa Pereira, and “Quilombola Education”, by Benedito Florindo de Freitas Junior. Here, we bring transcriptions of excerpts from the Quilombola Education lecture, a list of seeds brought for exchange purposes and photographic captures of the fair in the museum garden.
08.05.2022 encontro comunitário, palestras community memeting, lectures
Quilombola da Comunidade João Surá, é graduada em Educação do Campo — Ciências da Natureza pela UFPR, na qual dedicou-se a investigações sobre o conhecimento e uso de plantas e ervas medicinais junto à comunidade João Surá, Adrianópolis. Atualmente cursa Educação Física pela UNIMES.
A quilombola [quilombo community member] from the João Surá Community, Lucinéia holds a degree in Rural Education - Natural Sciences from UFPR, where she devoted herself to research on the knowledge and use of plants and medicinal herbs within the João Surá community in Adrianópolis. She is currently studying Physical Education at the UNIMES.
Quilombola da Comunidade João Surá, Ditinho, como é conhecido, é professor e pedagogo do Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos. Possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Pinhais (FAPI) e em Educação do Campo — Ciências da Natureza pela UFPR Setor Litoral. É Mestre em Educação pelo PPGE da UFPR.
A quilombola from the João Surá Community, Ditinho — as he is known — is a teacher and pedagogue at the Quilombola Diogo Ramos State School. He holds a degree in Pedagogy from Faculdade de Pinhais (FAPI) and Rural Education — Natural Sciences from UFPR Coastal Campus. He holds a master’s degree in education from the PPGE/ UFPR.
COMUNIDADES REMANESCENTES
QUILOMBOLAS (CRQ) PARTICIPANTES:
PARTICIPANT REMAINING QUILOMBOLA COMMUNITIES (CRQ):
Comunidade Remanescente Quilombola
Córrego das Moças (Adrianópolis),
Comunidade Remanescente Quilombola
Porto Velho (Adrianópolis),
Comunidade Remanescente Quilombola
João Surá (Adrianópolis),
Comunidade Remanescente Quilombola Restinga (Lapa), Comunidade Negra Tradicional Tatupeva (Adrianópolis)
Abóbora de pescoço (Cucurbita moschata L), Arroz agulhinha (Oryza sativa), Caju (Anacardium occidentale), Café (Coffea arabica), Coentro (Coriandrum sativum), Feijão carioca e preto (Phaseolus vulgaris), Girassol (Helianthus annuus), Jaca (Artocarpus heterophyllus), Milho pipoca e vermelho (Zea mays L), Quiabo (Abelmoschus esculentus Moench)
Neck pumpkin (Cucurbita moschata L), Long-grain rice (Oryza sativa), Cashew (Anacardium occidentale), Coffee (Coffea arabica), Coriander (Coriandrum sativum), Carioca and black beans (Phaseolus vulgaris), Sunflower (Helianthus annuus), Jackfruit (Artocarpus heterophyllus), Popcorn and red corn (Zea mays L), Okra (Abelmoschus esculentus Moench)
Registros da feira de sementes quilombolas no jardim do MUPA. Maio de 2022.
Registers of the quilombola seed fair on MUPA's garden. May 2022.
Transcrição editada
Primeiramente, gostaria de pedir licença aos meus ancestrais que vieram antes de mim. Passaram-me a sabedoria. E também aos ancestrais que habitaram essa cidade (Curitiba), que têm uma história contada através deste Museu; e à Linha Preta de Curitiba, que conta a história da vivência do povo negro desta cidade. Eles participaram do desenvolvimento não apenas de Curitiba, mas do estado do Paraná.
Meu nome é Benedito, sou quilombola e minha comunidade se chama Quilombo João Surá, localizada no município de Adrianópolis, no Vale do Ribeira, divisa com o estado de São Paulo. Sou pedagogo, formado em ciências da natureza e Mestre em educação, na linha de pesquisa “Diversidade, diferença e desigualdade social”. Vim aqui falar com vocês hoje sobre a importância da educação escolar quilombola e, mais ainda, a importância da educação quilombola, que é a educação que se aprende na família e no território.
O logo da nossa escola é um símbolo Adinkra, africano: a Sankofa. Para nós, tem um significado grande. Temos também um logo da comunidade, que traz a tecnologia do povo quilombola e o meio de transporte em tempos não tão distantes. É preciso olhar para trás projetando o futuro — e simbolizando aqueles que irão vir com o pé no território.
A comunidade quilombola João Surá surge no início do século XIX, formada por famílias negras que saíam da escravidão via Rio Pardo, que banha a comunidade. Nessa região, se juntaram com as populações indígenas e ali colocaram seus conhecimentos na vivência e resistência do território, no qual não podiam sair sem ter uma estratégia, pois poderiam ser capturados e levados ao trabalho forçado novamente. Desde então, cultivavam arroz, milho, mandioca, cana-de-açúcar, criação de suínos e por aí vai. Até então, a comunidade não era chamada de João Surá, mas de Sertão do Rio Pardo: espaço estratégico, onde meus ancestrais iam mata adentro para fugir da escravidão na extração de minérios.
Consideravam-nos pessoas perigosas. Um subdelegado local escreveu em 1886 para a Província de São Paulo, expondo a necessidade de pessoas armadas para adentrar no Sertão do Rio Pardo, pois lá existiam negros perigosos.
O nome João Surá veio depois, por conta de um falecimento de um membro da comunidade. No início eram centenas de famílias, mas devido às repressões, chamadas também de “desenvolvimento”, as famílias foram obrigadas a deixar a região, que chegou a abrigar
somente 23 famílias. Hoje, devido ao movimento quilombola, estamos com 57 famílias.
Falando da educação escolar: a primeira escola da comunidade surgiu, aproximadamente, em 1919. Tinha como primeiro professor Diogo Mendes Ramos. No levantamento que fizemos, descobrimos que ele foi criado em uma família que teve a oportunidade de estudar no exterior. De volta ao Brasil, passa a lecionar na comunidade. O primeiro local de aula foi a sua própria residência, na qual existia uma sala em que ele recebia os estudantes. Naquele tempo, o ensino passava pela casca do palmito-jussara, que recebeu os primeiros traços para a alfabetização.
Outras escolas vieram. Depois, houve os seus devidos fechamentos. Nos anos 1970, a organização da União e do Estado desorganizou a comunidade por meio da criação de parques estaduais e divisões de terra, feitas de forma muito diferente da qual as populações dali usavam para dividir o seu espaço de trabalho. As famílias quilombolas ficaram sem esse espaço, porque o próprio funcionário do INCRA ficava com ele. Houve a divisão das famílias entre São Paulo e Paraná. Os espaços ocupados foram posteriormente vendidos para criar gado de corte. O “progresso” chegou também pelas estradas. Isso nada mais era do que a expulsão, pois quando o quilombola não pode mais plantar ou ter acesso à escola, ele é obrigado a se mudar.
No início dos anos 2000, a comunidade estava desaparecendo. A criação da associação de moradores foi muito boa, pois, a partir daí, começamos a nos organizar e reivindicar ao Estado e à União. Em 2005, formamos a associação e, em 2006, o quilombo João Surá recebeu certificado de reconhecimento como comunidade quilombola pela Fundação Palmares. No mesmo ano, tivemos uma ação pública por meio da qual foi colocada a situação de nossas vidas, pois o ponto de ônibus estava a 15 km da comunidade, sem contar o tempo até chegar na escola.
Diante dessa ação pública, surgiu a ideia de colocar uma escola na comunidade, que pudesse oferecer uma pedagogia que dialogasse com a vivência. Foi quando surgiu, em 2009, o colégio da comunidade, com o nome do primeiro professor, Colégio Estadual Diogo Ramos.
A educação escolar quilombola, somada ao conhecimento quilombola, se torna uma prática que fortalece a identidade, combate o racismo e o preconceito e revela a luta pela permanência no território. Em 2009, a escola era de madeira e, em 2018, deu-se início a edificação de alvenaria, que ainda está por ser concluída pelo Estado. Conforme diz a LDB, a lei de diretrizes étnico-raciais e a deliberação de ensino do estado do Paraná, surgiram ações de políticas afirmativas. Contudo, por meio das parcerias, fomos além: conseguimos professores quilombolas e a permanência e incorporação de membros da UFPR do Setor Litoral, formados em 2019 na turma Paulo Freire, para realizar uma pós-graduação. Tudo isso para a gente buscar a titularização do nosso território.
A educação quilombola ensina. Mostra para as crianças seus direitos, formas de reivindicar. Isso acontece por meio do diálogo com a comunidade: dentro da escola, criando o currículo dos anos letivos, por meio da criação do projeto político pedagógico,
que parte das vivências locais. Os professores e professoras aprendem junto com os anciões da comunidade.
Há tecnologias herdadas dos nossos ancestrais, como a taipa — que se perdeu na nossa comunidade, não só no Paraná, mas em São Paulo também, porque diziam que não era adequada à moradia. Nossas crianças vêm aprendendo a técnica, para que a natureza se torne mais útil na vivência em sintonia.
Fizemos um mutirão para construir a Casa da Memória. Se em Curitiba tem o museu, lá, tem a Casa da Memória. O que está dentro dessa Casa são objetos que os ancestrais usaram, meu pai, meu avô... São histórias da nossa comunidade, feita de taipa. Os anciões nos ensinam as rezas, suas manifestações de forma integrada com o território. Se não fossem eles, a comunidade quilombola João Surá não existiria. Nesse território que vivemos e cuidamos, nossa forma de plantar recupera o solo — pois não é verdade que as comunidades tradicionais destroem o meio ambiente. Na roça familiar, acontece a educação quilombola o tempo todo, com a família toda, diferente de dentro da sala de aula. A sala de aula escolar, descolada do ensino familiar, gera desistência. Nessa feira de sementes de hoje, temos o conhecimento das gerações passadas, com sementes 100% orgânicas. Esse território amplo traz o trabalho de mutirão, típico das comunidades quilombolas, para subsistência e comércio de alimentos saudáveis.
Se não fosse a presença da religiosidade, não estaríamos no território. Somos sempre empurrados. A festa de Santo Antônio faz parte do calendário escolar como feriado na comunidade. Entendemos que as crianças só percebem a mudança por meio da compreensão da realidade do ensino dos anciões, olhando para o território e tendo claro o seu estado atual. Por exemplo: a cartografia das crianças mostra uma comunidade cercada pela cultura de eucaliptos. A própria escola e o campo de futebol se deram na negociação com um terceiro proprietário da terra…
A formação quilombola é comunitária, com os anciões dentro da escola para ajudar no processo. E, pensando no significado do território para a ancestralidade, plantamos um pé de jatobá em ato simbólico. Ele traz os ancestrais para marcar o território. É isso que buscamos levar para a sala de aula: dar significado para uma educação que nós queremos e não uma educação que o estado quer impor. Somos nós que ditamos o currículo que queremos.
No mês da Consciência Negra, ficamos em círculo, porque na África é círculo, essa sequência de conhecimento, trabalho do colégio e da comunidade. Na natureza, por meio de um pé de jabuticaba, é possível contar aos estudantes que naquele espaço existia a primeira escola, sendo esse pé sufocado pelo pinus. Mas o pé de jabuticaba vem resistindo, deixando a marca de um povo resistente.
Eu falei tudo isso para a gente ter uma ideia de uma dimensão além da sala de aula. Compreendemos a escola para além do prédio escolar, envolvendo todo o território. É por isso que o povo quilombola sempre está lutando pelo território, pois sem ele fica difícil manter a identidade. Sem o território, a cultura não permanece. Sem o território, não tem vida.
BENEDITO FLORINDO DE FREITAS JUNIOR (DITINHO)
Edited transcription
First, I would like to ask for permission from my ancestors who came before me. They passed wisdom down to me. I also acknowledge the ancestors who inhabited this city (Curitiba) and whose history is told through this museum, as well as the Black Lineage of Curitiba, which narrates the history of the Black people’s experiences in this city. They also contributed to the development, not only of the city Curitiba, but to the state of Paraná.
My name is Benedito, and I am a Quilombola. My community is called Quilombo João Surá, located in the municipality of Adrianópolis, in the Vale do Ribeira, bordering the state of São Paulo. I am an educator, with a degree in natural sciences and a Master’s degree in education, with a research focus on “Diversity, Difference, and Social Inequality”. Today, I am here to talk to you about the importance of Quilombola school education and, more importantly, the significance of Quilombola education, which is carried out within the family and the territory.
The emblem of our school is an African Adinkra symbol: the Sankofa. For us, it holds great meaning. We also have an emblem for the community, which represents the technology of the Quilombola people and their means of transportation from not-so-distant times. We must look back while looking to the future, symbolically representing those who are yet to come, with their roots in our territory.
The Quilombola community of João Surá emerged in the early 19th century, formed by black families who escaped slavery via the Rio Pardo, which flows through the community. In this region, they joined with indigenous populations, sharing their knowledge of living and resistance in the territory. Exiting the area without a strategy was risky, because people could be captured and forced back into labor. Rice, corn, cassava, sugarcane have been grown since those days, and pigs are raised, alongside other activities. Back then, the community was not called João Surá but Sertão do Rio Pardo, a strategic space where my ancestors sought the forest to escape enslavement in the mines. They were considered dangerous individuals. A local sub-deputy wrote to the Province of São Paulo in 1886, stating the need for armed individuals to enter Sertão do Rio Pardo because there were dangerous Black people there.
The name João Surá came later, after the passing of a community member. In the beginning, there were hundreds of families, but due to repression, also known as ‘development’, families were forced out of the region, dwindling, at one point, to a mere 23 remaining families. Today, thanks to the Quilombola movement, we are home to 57 families.
As far as school education goes, the first school in the community was established around 1919. Its first teacher was Diogo Mendes Ramos. In our research, we discovered that he had been raised in a family that had had the opportunity to study abroad. Upon returning to Brazil, he began to teach in the community. The site of the first classroom was his own home, where he would see the students. At that time, teachers used the bark of the Jussara palm tree, upon which the first etchings of literacy were engraved.
Other schools came later. Yet there were subsequent closures. In the 1970s, federal and state institutions disorganized the community through the creation of state parks and land divisions, which drastically altered the way populations shared their places of work. In this division, Quilombola families lost their work spaces; INCRA employees claimed the space for their own purposes. Families were split between São Paulo and Paraná. The occupied spaces were later sold for cattle ranching. “Progress” also came in the form of roads, which effectively meant expulsion: when Quilombola people can no
longer farm or access schools, they are forced to move elsewhere.
In the early 2000s, the community was dissipating. The establishment of the residents’ association became very beneficial, since from there, we began to organize ourselves and demand action from the state and the union. In 2005, we formed our association, and in 2006, Quilombo João Surá received recognition as a Quilombola community from the Palmares Foundation. That very year, we held a public action in which our life situation was presented, including the fact that the nearest bus stop was 15 km away from our community, not to mention the time it took to get to school.
As a result of this public action, the idea of establishing a school in the community emerged, one that could offer a pedagogy in sync with our experiences. In 2009, the community school was founded, bearing the name of our first teacher, Diogo Ramos State School.
Quilombola school education, combined with Quilombola knowledge, becomes a practice that strengthens identity, combats racism
and prejudice and reveals the struggle for the preservation of our territory. In 2009, the school was made of wood, and in 2018, the construction of a brick building began, which is yet to be completed by the state.
According to the LDB (the Brazilian Education Guidelines and Framework Law), the ethnic-racial guidelines law and the teaching resolution of the state of Paraná, affirmative policy actions emerged. However, through partnerships, we went further: we managed to get Quilombola teachers and the presence and incorporation of UFPR (Federal University of Paraná) Coastal Division alumni who had graduated in 2019 from the Paulo Freire Cohort and went on to pursue postgraduate studies. All this aims to raise the level of formal education qualifications within our territory.
Quilombola education teaches. It shows children their rights and ways to demand them. This is achieved through dialogue with the community: within the school, by creating the curriculum for academic study, through the development of a pedagogical-political project
originating in local experiences. Teachers learn alongside community elders.
Technologies were inherited from our ancestors, such as the taipa (rammed earth), which has been lost in our community, not only in Paraná, but also in São Paulo because it was deemed unsuitable for housing. Our children are now learning the technique so that nature becomes more useful, in harmony with our experiences.
We organized a collective effort to build the House of Memory. If Curitiba has its museum, we have the House of Memory here. Inside this House, we keep objects that our ancestors used, such as those used by my father, my grandfather... These are the stories of our community, built with rammed earth. The elders teach us their prayers and their expressions, all deeply integrated with the territory. Without them, the Quilombola community João Surá would not exist.
In this territory we live in and care for, our way of farming restores the soil — because it is not true that traditional communities destroy the environment. In family fields, Quilombola
education is an ongoing process, involving the whole family, unlike what happens inside a classroom. School classrooms, detached from family teachings, lead to attrition. In today’s seed fair, we encounter the knowledge of past generations, with 100% organic seeds. This vast territory brings the work of collective effort, typical of Quilombola communities, for subsistence and the trade of healthy food. Without the presence of our religiosity, we wouldn’t be on this territory. We are always being pushed off. The celebration of Saint Anthony is included in our school calendar as a holiday in the community. We understand that the children only perceive change by understanding the reality of the elders’ teachings while looking at the territory and being clear about its current state. For instance: the children’s cartography shows a community surrounded by eucalyptus culture. The school itself and the soccer field were negotiated with a third landowner… Quilombola education is communal, with the elders taking part in the school to aid the process. Thinking about the significance of the territory for our ancestry, we planted a symbolic Jatobá tree. It summons our ancestors to mark the territory. This is what we seek to bring to the classroom: to give meaning to the education we want, not the education that the state wants to impose on us. We dictate the curriculum we desire.
During Black Consciousness Month, we gather in a circle, as in Africa, this sequence of knowledge, the work of the school and the community. In nature, through a Jabuticaba tree, we tell the students that in that very space, the first school was built, and then suffocated by trees of the pine species. However, the Jabuticaba tree has been resilient, leaving the mark of resistant people.
I have shared all this to provide an idea of a dimension that goes beyond the classroom. We understand that the school extends beyond the school building, encompassing the entire territory. That is why we Quilombola people are always fighting for our territory, because without it, it is difficult to maintain our identity. Without our territory, our culture cannot endure. Without our territory, there is no life.
Beprere Kayapó, Kokodjy Kayapó, Mrynhô re Kayapó, Bekwynhtokti Kayapó, Mrodjanh Kayapó, Moxare Kayapó, Daniel Tiberio Luz
Beprere e Kokodjy Kayapó, Mrynhô re e Bekwynhtokti Kayapó, Mrodjanh e Moxare Kayapó saíram da aldeia Kubenkrãnkej, no município de Ourilândia do Norte, localizada no sul do Pará, para realizar a oficina Jenipapo, pintura corporal e grafismos Mebegokre-Kayapó. O percurso durou vários dias e foi dividido em trechos a pé, de barco, de carro e aéreos. Na atividade, as mulheres pintaram o público participante com grafismos feitos com pigmentos feitos a partir de jenipapo e carvão. Para o povo Mebegokre, as pinturas corporais são consideradas roupas que versam sobre as fases da vida: luto, nascimentos e cerimônias.
Beprere and Kokodjy Kayapó, Mrynhô re and Bekwynhtokti Kayapó, Mrodjanh and Moxare Kayapó left the Kubenkrãnkej village in the municipality of Ourilândia do Norte, located in southern Pará, to conduct the Jenipapo, body painting and Mebegokre-Kayapó designs workshop. The journey lasted several days, covering stretches on foot, boat, car and plane. During the activity that was held, women painted the participating audience with designs made from jenipapo fruit and charcoal pigments. For the Mebegokre people, body paintings are seen as clothes that represent life stages: mourning, births and ceremonies.
Desde a infância, as menires, como são chamadas nas aldeias, aprendem as pinturas características de seu povo e as disseminam por gerações, fortalecendo durante esse processo, principalmente, as relações entre os Mebegokre-Kayapó e suas aldeias. Além de exibir a identidade Mebegokre, esse tipo de arte corporal também é usado em rituais, encontros, adornos e festejos. Os mais elaborados desenhos de traços são pintados pelas mulheres, que exercem o importante papel de preservação e de perpetuação desse conhecimento. Uma mulher pode se pintar de preto com extrato de jenipapo, por razão de o filho ter completado um ano de idade, marcando com isso a possibilidade de ela voltar a participar das atividades cotidianas da aldeia, depois desse um ano marcado por uma série de prescrições.
O termo “Kayapó” é herança do início do século XIX. Eles próprios não se designam por esse termo, alcunhado por grupos vizinhos para nomeá-los, que significa "aqueles que se assemelham aos macacos". Os Kayapó se referem a si como Mebegokre, "os homens do buraco/lugar d'água". Mas, como popularmente disseminou-se o termo “Kayapó”, é comum nos dias de hoje que sejam referidos pela junção entre as duas designações: “Mebegokre-Kayapó”. Os Mebegokre-Kayapó são nacional e internacionalmente conhecidos por sua presença e atuação contundente em pautas políticas e ambientais, como é o caso do cacique Raoni Metuktire, reconhecido pela luta em prol da preservação da Amazônia e da vida dos povos indígenas. Mais de 1.000 pessoas passaram pelo museu naquele fim de semana e cerca de 100 pessoas fizeram a pintura corporal. Aqui, é possível conferir as fotografias das oficinas realizadas, dos objetos antigos e recentemente adquiridos do povo Mebegokre que integram acervo do MUPA, a fala proferida por Bekwynhtokti Kayapó na abertura da oficina de pintura, o relato do antropólogo Daniel Tiberio Luz, que acompanhou todas as etapas relacionadas a essa vinda da comitiva Mebegokre ao MUPA (desde o convite às aventuras do deslocamento até o retorno), além de outro material inédito: o texto da antropóloga do Museu Paranaense, Josiéli Spenassatto, que aborda aspectos históricos acerca do acervo desse povo indígena presente na instituição.
From childhood, the “menires” as they are called in the villages, learn the characteristic paintings of their people and pass them on through generations, strengthening relationships among the Mebegokre-Kayapó and their villages. In addition to displaying Mebegokre identity, this type of body art is also used in rituals, gatherings, ornaments, and celebrations. The most elaborate designs are painted by women, who play a crucial role in preserving and perpetuating this knowledge. A woman may paint herself black with jenipapo extract because her child has reached one year of age, marking the possibility of her returning to daily activities in the village after a year of very specific prescriptions.
The term “Kayapó” dates back to the early 19th century. The people do not refer to themselves by this term, meaning “those who resemble monkeys”, coined by neighboring groups to name them, The Kayapó refer to themselves as Mebegokre, “the men from the hole/ place of water”. However, as the term “Kayapó” has become popular, it is common today to refer to them by the combination of the two designations: “MebegokreKayapó”. The Mebegokre-Kayapó are nationally and internationally known for their strong presence and activism on political and environmental issues, as seen in the case of Chief Raoni Metuktire, recognized for his fight for the preservation of the Amazon and the lives of indigenous peoples. Over 1,000 people visited the museum on the weekend of their visit and around 100 people participated in body painting.
Here, you can enjoy photographs of the workshops, old and recently acquired objects from the Mebegokre people that are part of MUPA collection, the speech given by Bekwynhtokti Kayapó at the opening of the painting workshop, the account of anthropologist Daniel Tiberio Luz, who accompanied all the stages of the visit of the Mebegokre delegation to MUPA (from the initial invitation to the adventures of travel and return), and an unpublished text by Museu Paranaense anthropologist Josiéli Spenassatto, addressing historical aspects of the institution’s collection of pieces by or on this indigenous people.
[p. 335 - 337]
Fotografias por / Photos by Simone Giovine (Associação Floresta Protegida)
BEPRERE KAYAPÓ
KOKODJY KAYAPÓ
MRYNHÔ RE KAYAPÓ
BEKWYNHTOKTI KAYAPÓ
MRODJANH KAYAPÓ
MOXARE KAYAPÓ
Coletivo indígena da aldeia Kubenkrãnkej (Pará) Indigenous collective from the Kubenkrãnkej village (Pará)
DANIEL TIBERIO LUZ
Coordenador Geral de Projeto na Associação Floresta Protegida e cientista social com especialização em Gestão Ambiental. Atua há mais de 15 anos em projetos socioambientais envolvendo pesquisa etnológica, organização indigenista, relatório de identificação e delimitação de territórios originários, implementação de projeto de mitigação e compensação de impactos de empreendimentos. Atualmente é coordenador geral do projeto do Fundo Amazônia da Associação Floresta Protegida, associação que, no presente, representa 31 aldeias do povo Kayapó situadas nas Terras Indígenas Mekragnoti, Kayapó e Las Casas, no sul do Pará.
General Project Coordinator at the Associação Floresta Protegida [Protected Forests Association] and a social scientist with post-graduate specialization in Environmental Management. Luz has been involved in socio-environmental projects for over 15 years, including ethnological research, indigenous organization, identification and demarcation reports of native territories and the implementation of projects to mitigate and compensate the impact of outside ventures . He is currently the general coordinator of the Amazon Fund project at the above-mentioned association, an organization representing 31 Kayapó village in the Mekragnoti, Kayapó, and Las Casas Indigenous Lands in southern Pará.
DANIEL TIBERIO LUZ
Mebegokre de Kubenkrãnkej visita o MUPA: reconhecendo sua história e nekreis
A aldeia Kubenkrãnkej carrega o histórico de ser a primeira aldeia de todo o grupo Mebegokre-Kayapó, dando origem a todas as aldeias Mebegokre-Kayapó que compõem a TI Kayapó. Situada próxima ao Riozinho, rio que percorre o interior da TI Kayapó, a aldeia é localizada praticamente no centro da TI Kayapó, em meio a quedas d’água no interior da Floresta Amazônica. Lá, também há fragmentos de cerrado, bioma que oferece um ambiente ainda mais farto de seres da fauna e da flora nativas e promove a manutenção da cultura.
A aldeia é associada à Associação Floresta Protegida (AFP), organização indígena sem fins lucrativos. Constituída em 1998, ela atualmente representa uma população aproximada de 2.900 indígenas Mebegokre, de 37 comunidades localizadas na TI Kayapó, Las Casas e Mekragnoti. A AFP tem como missão a promoção da cultura e da autonomia política e econômica do povo Mebegokre, a proteção e conservação dos territórios tradicionais e a defesa dos direitos indígenas. Seus princípios norteadores de atuação são a legalidade, a sustentabilidade, o diálogo e a cooperação das comunidades representadas.
Foi por meio da AFP que o MUPA conseguiu estabelecer contato com os moradores da aldeia Kubenkrãnkej. Ao receberem o convite do Museu para visitar o acervo reunido pelos kuben (não indígenas) que estiveram na aldeia na década de 1950, eles ficaram demasiadamente alegres e reflexivos. O assunto se tornou um dos mais falados nas conversas e discursos rotineiros. As reflexões vinham principalmente do fato de os materiais obtidos pelos viajantes representarem a cultura antiga e verdadeira, sendo o jeito correto de viver. Assim, surgiu a esperança de retornarem com o material para apresentar aos caciques velhos (Krwuatikrá e Pãnhtuk) e aos demais moradores, visando suscitar novas reflexões e comparações com os dias atuais, demonstrar ancestralidade e força e expressar suas vulnerabilidades, mudanças e dinâmicas culturais — tudo para que, assim, pudessem pensar também sobre o futuro.
A escolha de representantes para compor a comitiva Kayapó não foi uma tarefa fácil. Houve substituições de casais mais velhos, principalmente por precaução — devido à possibilidade de ficarem
1 Entre os Kayapó, os objetos nekrei são bens simbólicos que possuem uma grande importância no contexto cerimonial. Além disso, a propriedade simbólica desses objetos por parte de alguns indivíduos dá a eles a prerrogativa de uso e transmissão de tais objetos, ou seja, eles são outorgados pelos i-nget/kwatui aos seus tabjuo como um tipo de herança ( VIDAL , 1977 e LEA , 1986).
Among the Kayapó, nekrei objects are symbolic possessions that hold significant importance in ceremonial contexts. Moreover, the symbolic ownership of these objects by certain individuals grants them the prerogative of use and transmission. In other words, they are bestowed by i-nget/kwatui to their tabjuo as a form of inheritance (VIDAL , 1977, and LEA , 1986).
doentes por não estarem acostumados com a variação da temperatura. Depois de algumas conversas, ficou definido quais os indígenas fariam parte da comitiva Kayapó, sendo três casais: Beprere Kayapó e Kokodjy Kayapó, Mrodjanh Kayapó e Moxare Kayapó e Mrynhô re Kayapó e Bekwynhtokti Kayapó.
Assim, os participantes se prepararam para chegar até a voadeira atracada no porto da aldeia. Para isso, é preciso caminhar cerca de 2 quilômetros, atravessar um dos braços d’água do Riozinho, bem próximo à queda de cachoeira, por meio de um casco de voadeira preso a um fio de aço, que é volteado por 2 roldanas instaladas em uma árvore em cada lado da margem do rio. Após a travessia, é preciso, ainda, caminhar mais cerca de 4 quilômetros até encontrar o porto da comunidade.
Após organizar os alimentos, as indumentárias, os 200 litros de gasolina necessários para este trajeto fluvial e os demais subsídios para evitar eventuais dificuldades, os indígenas, junto a alguns familiares, iniciaram a etapa da viagem e passaram o restante do dia navegando até chegarem na aldeia Kedjerekrã, onde pernoitaram. No dia seguinte, navegaram até a cachoeira situada entre a aldeia Aúkre e Mojkarakô, uma barreira rochosa no leito do rio que impossibilita a passagem de grandes peixes e de embarcações de qualquer tamanho. Assim, como prática de quem atravessa a cachoeira, os elementos mais pesados foram retirados da voadeira e levados a cerca de 1 quilômetro, após a cachoeira, enquanto o piloto arrastava com as próprias mãos a voadeira entre as rochas. No meio do trajeto, há um paiol utilizado para auxiliar no escoamento de produtos florestais não madeireiros, comercializados pela AFP e vindos das aldeias representativas localizadas rio acima. Foi lá que os indígenas passaram a segunda noite do trajeto.
No dia seguinte, com as bagagens reorganizadas na voadeira, desceram o Riozinho até aportarem na localidade chamada de P9 — final de um travessão que se inicia na estrada entre a cidade de Ourilândia do Norte e Tucumã e termina no Riozinho. Lá, há uma parceira da AFP que gerencia outro paiol para escoamento das aldeias situadas no Riozinho. Como combinado previamente, havia dois carros esperando a comitiva, que partiu para a cidade de Tucumã após almoçarem.
Na casa de apoio que estabeleceram em Ourilândia do Norte, ficaram alguns dias para descansar. Após o descanso, foi realizado um encontro online com representantes do Museu Paranaense (MUPA), no qual puderam estimular ainda mais a curiosidade sobre o acervo e questões locais. No dia seguinte, todos se pintaram em preparação para a viagem.
Na sequência, segui de ônibus com a comitiva para Marabá, onde dormimos e voamos até o Aeroporto Internacional Afonso Pena, em Curitiba. Apenas Beprere e Mrynhô re já tinham tido a experiência anterior de sair da região, por acompanharem as mobilizações políticas do povo Kayapó. Mrodjanh e Kokodjy, Moxare e Bekwynhtokti, as três mulheres, nunca haviam viajado de avião, e todos nunca tinham ido tão longe quanto dessa vez. Assim, o percurso ofereceu muita curiosidade e boas gargalhadas, como por exemplo o espanto e admiração gerados pela esteira, escada rolante e outras parafernálias e acessórios criados pelos kuben
Em Curitiba, fomos muito bem recepcionados pelo MUPA — e os indígenas já reconheceram que, de fato, a região é bem fria. Nos dias seguintes, houve descanso e reconhecimento do espaço. A abertura do evento foi um momento importante para se sentirem à vontade, demonstrando força e reconhecimento de uma cultura forte e guerreira. Isso foi materializado quando as mulheres tiraram as roupas e, junto aos homens, entoaram e dançaram o canto tradicional Jo Paraná. Os demais momentos dedicados ao público externo só reforçaram o reconhecimento e admiração dos kuben a respeito dos Mebegokre-Kayapó, seja em interação emocionada ou em contemplação e curiosidade sobre sua cultura e modo de vida, diferente do que costumam viver nas cidades que visitam.
Os dois dias que se seguiram foram dedicados à visita aos acervos, o que causou muita emoção, alegria e tristeza. Essas ocasiões trouxeram diversos significados, como a memória de algum parente que se foi, saudades de momentos passados e curiosidade em observar as gerações anteriores, que não puderam conhecer com os próprios olhos. Beprere facilmente reconheceu dois tipos de nekrei1 quando manuseavam as peças, o que gerou muito orgulho por manterem tal prática.
No dia seguinte, por solicitação dos Kayapó, a diretoria e representantes do MUPA, que estiveram sempre ativamente próximos, tiveram uma conversa institucional com a comitiva Kayapó. Depois disso, os visitantes tiveram a oportunidade de conhecer o mar, o que gerou perplexidade para alguns devido à sua imensidão.
No dia seguinte, a comitiva e a equipe do MUPA puderam trocar presentes e carinhos e receber o material do acervo em formato digital para ser levado e compartilhado com os demais Kayapó. A contabilidade da comercialização dos artefatos e indumentárias culturais vendidos durante o evento também fez parte do dia.
Os trajetos do retorno foram os mesmos, não com tanta curiosidade quanto a ida, mas carregados com satisfação, saudades dos momentos vividos e das alianças estabelecidas e com a vontade de retornarem.
Os Mebegokre-Kayapó ficaram alguns dias em Ourilândia do Norte para resolver questões relativas à assistência social de familiares e, então, voltaram à aldeia. Mesmo na cidade, puderam ver e rever o material retornado, o qual deve gerar boas conversas e reflexões entre os Mebegokre-Kayapó da aldeia Kubenkrãnkej e das demais, fortalecendo as decisões futuras.
LEA, V. Nomes e Nekrets Kayapó. Uma concepção de riqueza. Tese de doutoramento. Programa de Pós-graduação em Antropologia Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1986.
VIDAL, L. B. Morte e Vida de uma Sociedade Indígena Brasileira. São Paulo, HUCITEC/EDUSP. 1977.
DANIEL TIBERIO LUZ
their history and nekreis
The Kubenkrãnkej village bears the history of being the first village of the entire Mebegokre-Kayapó group; it gave rise to all the other Mebegokre-Kayapó villages that make up the Kayapó Indigenous Territory. Located near the Riozinho, a river that runs through the interior of the Kayapó Indigenous Territory, the village is situated almost at the center of the Kayapó Indigenous Territory, amidst the waterfalls of the Amazon Rainforest. It also includes pieces of cerrado, a biome that provides an even more abundant environment for native fauna and flora, basis for the preservation of culture.
The village is associated with the Protected Forests Association (AFP), a non-profit indigenous organization. Established in 1998, it currently represents an approximate population of 2,900 Mebegokre indigenous people from 37 communities located in the Kayapó Indigenous Territory, Las Casas, and Mekragnoti. The AFP’s mission is to promote the culture and political and economic autonomy of the Mebegokre people, to protect and conserve traditional territories and defend indigenous rights. Its guiding principles are legality, sustainability, dialogue, and cooperation among the represented communities.
It was through the AFP that the MUPA managed to establish contact with the residents of the Kubenkrãnkej village. The museum’s invitation to visit the collection gathered by non-indigenous individuals ( kuben) who were in the village in the 1950s brought joy and reflection. It became the hot topic of daily conversations and talk, triggering reflections largely because the materials travelers had taken with them represented the ancient and true culture, the correct way of life. Thus, the hope to return with the material, as gift to the old chiefs (Krwuatikrá and Pãnhtuk) and other villagers, arose; it would provoke new reflections and comparisons with the present days, express ancestry, strength and vulnerabilities, changes and cultural dynamics, and lead to new thinking on the future.
Choosing representatives to compose the Kayapó delegation was not an easy task. Older couples were substituted, largely a precautionary measure — unaccustomed to temperature variation, they might be more likely to fall ill. After some deliberation, the people who would comprise the Kayapó delegation, three couples, were chosen: Beprere Kayapó and Kokodjy Kayapó, Mrodjanh Kayapó and Moxare Kayapó, Mrynhô re Kayapó and Bekwynhtokti Kayapó.
Travelers got ready to hike to the boat docked at the village port. This meant walking about 2 kilometers, crossing one of the branches of the Riozinho, very close to the waterfall, using a boat hull attached to a steel cable, which is cranked up by two pulleys set up on one tree on each side of the riverbank. After the crossing, one must still walk some 4 kilometers to reach the community’s port.
After organizing the food, clothing, the 200 liters of gasoline needed for the river journey and other subsidies to avoid difficulties, the travelers, accompanied by some family members, began the journey; they spent the rest of the day on the river until they reached the Kedjerekrã village, where they spent the night. The next day, they head to the waterfall located between the Aúkre and Mojkarakô villages, a rocky barrier in the riverbed that prevents the passage of large fish and boats of any size. Hence, as common practice for those crossing the waterfall, the heaviest elements were removed from the boat and carried about 1 kilometer beyond the waterfall, while the pilot used his own strength to drag the boat through the rocks. In the middle of the journey, there is a warehouse used to assist the flow of non-timber forest products, marketed by the AFP and coming from representative villages located upstream. It was there that the indigenous people spent the second night of the journey.
The following day, with the luggage rearranged on the boat, they travelled Riozinho downstream until they reached the location called P9 — the end of a crossroad that begins on the road between the cities of Ourilândia do Norte and Tucumã and ends at the Riozinho. At that point, there is an AFP partner that manages another warehouse for products from Riozinho villages. As previously agreed, two cars were waiting for the delegation, which departed for the city of Tucumã after lunch.
The travelers spent a few days resting up at a house in Ourilândia do Norte. After the rest, an online meeting was held with representatives of Museu Paranaense (MUPA), stimulating further curiosity about the collection and local issues. The next day, everyone painted themselves in preparation for the trip.
Subsequently, the travelers took a bus that carried the Kayapó delegation to Marabá, where they slept and flew to Afonso Pena International
Airport in Curitiba. Only Beprere and Mrynhô re had ever left the region, since they took part in the political mobilizations of the Kayapó people. Mrodjanh and the three women Kokodjy, Moxare and Bekwynhtokti, had never traveled by plane, and none of the delegation members had ever gone this far. Hence, the journey triggered a lot of curiosity and many good laughs, including the amazement and admiration caused by the conveyor belt, escalator and other contraptions and accessories created by the kuben
In Curitiba, the delegation was warmly welcomed by MUPA — and the indigenous people were soon struck by the realization of how cold the region was. The following days were devoted to rest and familiarization with the space.
The opening of the event was an important moment for delegation members to feel at ease, demonstrate strength and promote the acknowledgement of their robust warrior culture. This was materialized when the women removed their clothes and, together with the men, sang and danced the traditional Jo Paraná song. Other moments devoted to the external public only reinforced the recognition and admiration of the kuben regarding the Mebegokre-Kayapó, whether in emotional interaction or in contemplation and curiosity about their culture and way of life, so unlike what they usually experience in the cities they visit.
The following two days were dedicated to visiting the collections, which wrought intense emotion, joy, and sadness. These occasions stirred up a variety of feelings, such as memories of a departed relative, longing for past moments, and curiosity in observing previous generations that they had not been able to see with their own eyes. In handling the pieces, Beprere easily recognized two types of nekrei¹; this, in turn, stimulated their pride for keeping such practices alive.
The next day, at the request of the Kayapó, the MUPA board and representatives, who had kept close by, had an institutional conversation with the Kayapó delegation. After that, the visitors were taken to see the ocean; some of them expressed their amazement at its vastness.
The following day, the delegation and the MUPA team exchanged gifts and affection; collection material in digital format were given to the travelers, to be taken back and shared with the other Kayapó. Settling of accounts on
the cultural artifacts and clothing sold during the event was also a part of that day.
They retraced their steps on the return trip — the same route, although the curiosity of the initial journey was now replaced by feelings of satisfaction, of longing for the good moments they had experienced and the new alliances, the desire to return.
Delegation members spent a few days in Ourilândia do Norte, to attend to social assistance issues for family members before returning to
the village. While in the city, they examined and reviewed the digital record of material they were returning with, anticipating the good conversations and reflections it would generate among the Mebegokre-Kayapó of the Kubenkrãnkej village and others, and providing support for their decisions on the future.
JOSIÉLI ANDRÉA SPENASSATTO Núcleo de Antropologia do Museu Paranaense
Herança do início do século XIX, o termo “Kayapó” é alcunhado por grupos vizinhos para nomear "aqueles que se assemelham aos macacos". No entanto, “Mebegokre”, "os homens do buraco/ lugar d'água", é a autodesignação do povo que tivemos a honra de conhecer em maio de 2022, por meio dos seus seis representantes1 . Os Mebegokre, habitantes do Brasil Central e falantes do tronco linguístico Jê setentrional, são nacional e internacionalmente conhecidos por sua presença e atuação contundente em pautas políticas e ambientais. No meio da antropologia, os Mebegokre se tornaram conhecidos em face da amplitude de sua produção corporal, pela organização de suas aldeias, por seus elaborados rituais e outros aspectos que fascinaram os estudiosos.
A aldeia Kubenkrãnkej, de aproximadamente 700 pessoas, fica na Terra Indígena Kayapó, com uma área de 3.284 hectares, no estado do Pará. A aldeia é distanciada de centros urbanos e, comparativamente às outras aldeias, mantém um grau menor de trocas sistemáticas com agrupamentos não indígenas. Na população Kubenkrãnkej, somente uma parcela de líderes fala o idioma português, como é o caso dos nossos convidados Beprere Kayapó e Mrynhô re Kayapó (em menor grau). Os outros quatro convidados tiveram as suas falas — e do mesmo modo as nossas, da equipe do Museu — sempre mediadas por Beprere.
Primeiros contatos até a definição da vinda da comitiva para o Programa Público
Em 2019, o Departamento de Antropologia do MUPA recebeu um e-mail do etnólogo belga Gustaaf Verswijver, que estava elaborando uma monografia científica sobre momentos-chave na história do povo Mebegokre.
Em meados de 2021, o Museu estava interessado em promover um projeto transversal entre os saberes arquitetônicos, antropológicos e indígenas, no qual os Kubenkrãnkej seriam
1 Popularmente, disseminou-se o termo “Kayapó”, embora também seja comum, nos dias de hoje, a referência pela junção entre as duas designações: “MebegokreKayapó”. Adotamos, aqui, apenas “Mebegokre”.
Popularly, the term "Kayapó" has spread, although it is also common nowadays to refer to the combination of the two designations: "MebegokreKayapó." Here, we adopt only "Mebegokre".
protagonistas. Nesse ensejo, acionamos uma série de contatos para tentar falar com alguma pessoa Kubenkrãnkej — e, entre respostas vazias e telefones inativos, a dificuldade foi grande.
Foi quando escrevemos para o Sr. Verswijver. Muito brevemente ele nos respondeu, passando o e-mail e o telefone de Adriano Jerozolimski, amigo seu e assessor técnico da Associação Floresta Protegida (AFP), que trabalha com os Kubenkrãnkej. O diálogo foi imediato e efetivo, passando a envolver também o jovem líder Bekuwa Kayapó. Entre outras coisas, falamos sobre o Museu e sobre a guarda de muitas imagens e objetos que estariam vinculados aos Kubenkrãnkej. Em seguida, enviamos algumas imagens da coleção Vladimir Kozák.
A primeira reação de Bekuwa foi contra-enviar, também, uma imagem. Ele escolheu a mesma paisagem, agora sob outro ângulo e carregada das transformações decorrentes de mais de 50 anos. Posteriormente, o contato com Adriano e com Bekuwa se manteve — e nós insistimos em forjar outras oportunidades conjuntas.
Na reta final de 2021, o planejamento do Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas” havia tomado corpo. Uma das ações proposta pelo Departamento de Antropologia envolvia a pintura corporal Mebegokre, visando especialmente envolver comunidades tradicionais e promover e valorizar seus saberes e práticas. Começamos, então, a providenciar as reuniões com Bekuwa Kayapó, com Adriano Jerozolimski e, logo em seguida, com Daniel Tiberio Luz — que terminou acompanhando a comitiva durante sua vinda a Curitiba.
O grupo de pessoas Mebegokre que viria para Curitiba foi definido internamente na aldeia. Ele seria composto por 3 casais de faixa etária madura, por assim dizer: Beprere Kayapó, Kokodjy Kayapó, Mrodjanh Kayapó, Moxare Kayapó, Mrynhô re Kayapó e Bekwynhtokti Kayapó. Foram essas seis pessoas incumbidas de
“meter o pé na estrada” (na trilha, na água, no barco, no avião) para atravessar o país e promover sua própria cultura, além de criar ou reencontrar memórias com e através dos seus objetos antigos.
Pintar um corpo é um gesto ancestral de carinho. É um gesto artístico apurado, uma coreografia e uma atividade quase que exclusiva das mulheres, constituindo um saber feminino requintado. Um pincel feito de buriti, molhado na mistura de jenipapo e registrando desenhos sobre a superfície de uma pele familiar é preservação e perpetuação de conhecimento, é “Mebegokre kukradjá” (cultura Mebegokre). É “quase exclusivo” porque os homens também podem pintar uns aos outros, mas só em momentos específicos, como para a saída de uma expedição de caça.
Em geral, as cores e os desenhos representam peixes, aves e outros animais, estruturados dentro de um contexto. Uma boa pintura é considerada aquela que, além de comunicar a condição social da pessoa, também pode garantir proteção. Por exemplo, antes de virem para o Museu, todos os nossos convidados da comitiva Mebegokre foram especialmente pintados na aldeia, incluindo o indigenista Daniel. Estavam todos bem protegidos.
A produção corporal deles para a oficina Jenipapo, pintura corporal e grafismos Mebegokre-Kayapó demonstrou toda a sua exuberância característica. Nos dias 14 e 15 de maio, sábado e domingo, os convidados estavam especialmente adornados: os homens sem camisa e pintados por todo o corpo, no rosto com urucum recém aplicado em sobreposição relativa aos desenhos de jenipapo semi-apagados nas bochechas, com coroas pequenas de penas amarelas, com colares feitos de plaquetas de madrepérola e de miçangas, braceletes e pulseiras, brincos, cinto de miçangas e tornozeleiras; as mulheres usavam vestidos coloridos do mesmo modelo e também estavam pintadas por todo o corpo, com urucum especialmente para o rosto, e usavam exatamente os mesmo adornos exuberantes na cor vermelha e brincos brancos.
Daniel Tiberio Luz foi incentivado pelos seus parceiros indígenas a tomar a palavra inicial, ao que lhe seguiram. Eles cumprimentaram o público, agradeceram as presenças e falaram de sua felicidade em visitar o Museu. O público participou fazendo perguntas sobre o processo de pintura e agradecendo a distinta oportunidade de estar frente a frente com esse grupo.
Era dado início, então, ao contato entremundos mediado pela experiência singular entre quem pinta com quem é pintado. Na ampla sala Lange de Morretes, sentaram-se Kokodjy, Bekwynhtokti e Moxare. Acompanhadas de pincéis feitos da nervura de babaçu e de um potinho plástico com a mistura de jenipapo e carvão vegetal, as pintoras, sentadas lado a lado, iam recebendo o público, que se acomodava à sua frente, um de cada vez. A pessoa deveria repousar a mão do braço que receberia a pintura na perna da artista. Uma das mãos servia como apoio, às vezes segurando o braço do pintado, às
vezes somente próxima do lugar de aplicação da pintura. Sempre que um traço é feito na pele com o pincel segurado pela mão pintora, em milésimos de segundo, a mão de apoio segura o pincel para que se possa tirar o excesso de tinta que fica em suas bordas, o que é feito com os próprios dedos pintores. Em seguida, o pincel é devolvido para a mão pintora. Por isso que as mãos das mulheres Mebegokre estão sempre manchadas de preto, uma delas muito mais do que a outra.
As pessoas do público perguntavam intensamente sobre os significados dos desenhos que estavam recebendo. E as respostas que recebiam, quando recebiam (a diferença de línguas dificultava), eram “jabuti”, “cobra”, “macaco”, ou que era simplesmente uma pintura para uso em festa, levando-as a uma certa frustração, dada pela expectativa de ouvirem grandes histórias, elaborações filosóficas e místicas. Há nessa expectativa uma visão específica de arte, que não corresponde, exatamente, ao lugar ocupado por essa prática no contexto indígena. Os grafismos fazem, sim, parte de um elaborado sistema simbólico e ritual da cultura Mebegokre, operado com muito cuidado pelas pessoas. A pintura e demais ornamentações expressam a compreensão social sobre sua própria cosmologia, estrutura social, relação com a natureza e construção identitária, pois é no corpo que se inscrevem as mudanças físico-morais alcançadas pelas pessoas nos ritos (“as festas”, como comunicado pelas artistas). As pinturas são distinções notáveis em relação aos sexos, à idade ou à função social dentro da comunidade. O fato é que os sentidos dessas pinturas correm por trilhas muito profundas e às vezes inalcançáveis para o pensamento ocidental, o que torna complexo resumi-las em um quarto de hora passada junto a alguém completamente estranho, durante uma oficina repleta de gente.
Nas duas tardes de oficina de pintura corporal, também ocorreu a venda do artesanato produzido pelos Mebegokre. Suas peças tiveram forte acolhimento do público, restando ao final de sua estadia poucos itens não vendidos. Eram muitos e variadíssimos tipos de cintos, colares, pulseiras e brincos de miçangas; cocares; cestos; objetos diversos feitos de fibra de algodão.
No que tange à promoção da venda de seus artesanatos nos espaços do Museu, cabe ressaltar, fomos norteados por alguns preceitos que nos acompanham desde outros projetos com populações tradicionais. A geração de renda para a aldeia a partir do projeto não foi a finalidade deste, mas é um efeito tangencial importante e que se baseia na defesa de relações justas e de confiança entre as populações tradicionais e as instituições mantenedoras dos patrimônios históricos e culturais. Longe de pensar os conhecimentos indígenas como produtos, bens espetacularizados, mercadorias, ao ouvirmos as reivindicações dos grupos com os quais trabalhamos, compreendemos que os projetos que os atingem devem criar mecanismos para fortalecer sua visibilidade e renda. De modo que os saberes e fazeres indígenas possam ser reconhecidos e valorizados também monetariamente, pois o tempo despendido no preparo da oficina, na articulação das falas, na elaboração de suas artes, antes e durante a execução da oficina, tudo isso precisa ser localizado em um lugar para além do “muito obrigado”.
Com essa compreensão, o Museu também aproveitou para realizar novas aquisições, visando renovar e atualizar o acervo Mebegokre. Afinal, é possível fazer dos museus espaços culturais que se ocupam da contemporaneidade e não somente do passado, como são compreendidos comumente. O acesso ao seu acervo é público e o tratamento das peças é feito de tal forma que as permite perdurar no tempo, sendo esta uma de suas funções e principais características. Nossa intenção, com a aquisição de peças feitas contemporaneamente pelos povos, é reconhecer e incentivar esse dinamismo que é a própria cultura, frequentemente enfocando em itens que apresentem força e beleza sob as lentes culturais dos seus próprios produtores. Foram adquiridos uma coroa radial de canudos, um par de braçadeiras trançadas, um chocalho em fieira para tornozelo e uma pintura em tecido com quatro diferentes grafismos Mebegokre. Também fomos presenteados com pincéis para pintura corporal, utilizados nas oficinas, e com o cocar de penas de Mrodjanh Kayapó, que foi doado diretamente por ele, na despedida, como gesto político de respeito e reconhecimento. Duas dessas peças — Meakpidjôkango oicõ djã nho meàkàà (coroa de canudinhos plásticos) e o quadro com grafismos — foram incorporadas em uma nova exposição do Museu, que contou com curadoria indígena e foi chamada Mejtere: histórias recontadas (2023 — ). Exposição esta que emprega em seu título um conceito Mebegokre frequentemente utilizado por nossos amigos naqueles dias: mejtere, que designa aquilo que é belo e encantador, estética e moralmente. A sensação deixada na equipe do MUPA pelos dias que foram compartilhados com Beprere, Kokodjy, Mrodjanh, Moxare, Mrynhô re e Bekwynhtokti caminha por essa seara.
A experiência com os Kubenkrãnkej nos marcou intensamente, política e afetivamente. Existe um interesse crescente de coletivos indígenas a respeito dos acervos etnográficos em museus, juntamente com os arquivos que foram produzidos envolvendo as suas transferências das aldeias. Os Mebegokre são um dos povos que compõem os movimentos de valorização de memórias sociais e étnicas que incidiram sobre os museus nos últimos anos. Mas, também, esses movimentos sociais provocaram e continuam provocando revisões dos arcabouços teóricos e práticos, como aqueles praticados nas últimas décadas nos museus. Esse duplo movimento, do interesse indígena nos acervos e do interesse das pesquisas e museus em aprofundar-se sobre essa atenção indígena, insere nosso trabalho em um campo relevante de contribuições. No mais, esse ato de pôr um à frente do outro, acervos e sujeitos indígenas, são inclinações ético-metodológicas vastamente evocadas e defendidas nas bibliografias do eixo da antropologia e de museus.
Fica a sensação de que a vinda dessas poucas pessoas da aldeia Kubenkrãnkej pode ter consequências amplas, pois abre
a perspectiva sobre o engajamento da população Mebegokre de forma mais geral. Essa experiência pode despertar o interesse e o propósito de preservação cultural, além de estimular os usos sustentáveis dos seus patrimônios e a busca de apoios financeiros diversos para dar continuidade aos seus próprios projetos de preservação patrimonial.
Abordar o que um povo milenarmente engajado nos seus processos produtivos possa fazer, falar ou sentir frente aos objetos dos seus “bisavós”, que ficaram décadas longe deles, é contribuir no desdobrar de sua revitalização cultural, uma pauta sempre presente entre as coletividades indígenas atingidas pelas violências das ontologias e práticas ocidentais.
Vimos com Beprere que o não esquecer é uma espécie de valor social. Em sua aldeia, não se esquece de como fazer e usar muitos dos objetos presentes no Museu, mesmo que sejam bastante antigos. Mas, ele reconhece também que é preciso agir para a reprodução desse valor. Algumas dessas peças não são mais confeccionadas hoje — e a sua existência restringe-se à memória de alguns, os mais velhos. Porém, só a memória não é o suficiente; é preciso estar materialmente no mundo. Por isso, o aprendizado dos jovens é fundamental nessa tarefa.
Os seis amigos da aldeia Kubenkrãnkej ensinam que os acervos podem ser formas de lembrar, além de formas de projetar certos impasses para um presente/futuro em que ainda se pode solucioná-los. Está aí, então, a força da presença dos objetos: o estímulo para o porvir que acontece enlaçado em cada trama de tecido, trançado de palmeira, entalhe de madeira, em cada pena de arara.
Registro da oficina Jenipapo, pintura corporal e grafismos Mebegokre-Kayapó, no Museu Paranaense. Maio de 2022.
Register of the Jenipapo, body painting and Mebegokre-Kayapó Designs workshop, in Museu Paranaense. May 2022.
JOSIÉLI ANDRÉA SPENASSATTO Museu Paranaense Anthropology Division
Inherited from the early 19th century, the term “Kayapó” was given by neighboring groups to name “those who resemble monkeys”. However, “Mebegokre”, meaning “the men of the hole/place of water”, is the self-designation of the people we had the honor to meet in May 2022 through their six representatives.¹
The Mebegokre, inhabitants of Central Brazil and speakers of the Northern Jê linguistic group, are nationally and internationally known for their strong presence and activism in political and environmental issues. In the field of anthropology, the Mebegokre became known for the scope of their body art, the organization of their villages, their elaborate rituals and other aspects that fascinated scholars.
The Kubenkrãnkej village, with approximately 700 people, is situated in the Kayapó Indigenous Land, covering an area of 3,284 hectares, in the state of Pará. The village is distant from urban centers and, compared to other villages, maintains a lower degree of systematic exchanges with non-indigenous groups. In theKubenkrãnkej population, only a portion of leaders speaks the Portuguese language, as is the case of our guests Beprere Kayapó and Mrynhô re Kayapó (to a lesser extent). The speech of the other four guests— as well as our own, members, of the museum team — were always mediated by Beprere.
In 2019, the Anthropology Department of MUPA received an email from the Belgian ethnologist Gustaaf Verswijver, who was preparing a scientific monography on key moments in the history of the Mebegokre people.
In mid-2021, the museum became interested in an intersecting project cutting across architectural, anthropological and indigenous knowledge, in which theKubenkrãnkej would be protagonists. On this occasion, we initiated a series of contacts to try to speak with someone from theKubenkrãnkej — amidst silences and inactive telephones, the process was not an easy one.
That is when we enlisted Mr. Verswijver. He replied quickly, providing the email and phone number of Adriano Jerozolimski, his friend and technical advisor to the Protected Forests Association (AFP), which works with the Kubenkrãnkej. The dialogue was immediate and effective, also involving the young leader Bekuwa Kayapó. Among other things, we talked about the museum and the storage of many images and objects linked to theKubenkrãnkej. We then sent some images from the Vladimir Kozák collection.
Bekuwa’s first reaction was reciprocate, sending an image as well. He chose the same landscape, now from another angle and laden with the transformations of over 50 years. Subsequently, contact with Adriano and Bekuwa continued — and we insisted on creating other joint opportunities.
In late 2021, the planning of the Public Program “If we dug our feet into the Earth: relationships between humans and plants” had taken shape. One of the actions proposed by the Anthropology Department involved Mebegokre body painting, aiming to engage traditional communities and promote and value their knowledge and practices. We then began to arrange meetings with Bekuwa Kayapó, Adriano Jerozolimski, and later with Daniel Tiberio Luz — who ended up accompanying the delegation during their visit to Curitiba.
The group of Mebegokre people who came to Curitiba were chosen at the village level. It consisted of 3 mature couples, so to speak: Beprere Kayapó, Kokodjy Kayapó, Mrodjanh Kayapó, Moxare Kayapó, Mrynhô re Kayapó, and Bekwynhtokti Kayapó. These six people were tasked with “hitting the road” ( by trail, water, boat and plane), crossing the country and promote their own culture, as well as to create or reconnect with memories through their ancient objects.
The workshop “Jenipapo, body painting, and Mebegokre-Kayapó designs”
Painting a body is an ancestral gesture of affection. It is a refined artistic gesture, a choreography and an activity almost exclusively performed by women, constituting a refined feminine knowledge. A brush made of buriti
plant fiber, wetted in a mixture of jenipapo fruit dyes and painting designs on the surface of the skin of a kindred person becomes the preservation and perpetuation of knowledge, it is “Mebegokre kukradjá” (Mebegokre culture). It is “almost exclusive” because men can also paint each other, but only at specific moments, such as before heading out on a hunting expedition. In general, the colors and designs that are painted represent fish, birds and other animals, structured within a context. A good painting is considered one that, in addition to communicating the social status of the person, can also provide protection. For example, before coming to the museum, all our invited guests from the Mebegokre delegation, including the indigenist Daniel, were specially painted in the village. They were all well-protected.
Their body painting for the Jenipapo, body painting, and Mebegokre-Kayapó graphics workshop demonstrated all its characteristic exuberance. On May 14th and 15th, Saturday and Sunday, the guests were especially adorned: the men shirtless and painted all over their bodies, with the urucum freshly applied to their faces overlapping with the semi-faded jenipapo drawings on their cheeks, wearing small crowns of yellow feathers, necklaces made of mother-ofpearl plaques and beads, bracelets and earrings, belts made of beads and anklets; the women wore colorful dresses of the same model and their bodies were also entirely painted, using urucum especially for their faces, and wearing exactly the same exuberant red adornments and white earrings.
Daniel Tiberio Luz was encouraged by his indigenous partners to proffer the first words, which they then followed. They greeted the audience, thanked them for their presence, and expressed their happiness at visiting the museum. The audience participated by asking questions about the painting process and expressing their gratitude for the unique opportunity to be face-to-face with this group. Thus began the inter-world contact mediated by the uniquely shared experience of those who paint and those who are painted. In the large Lange de Morretes hall, Kokodjy, Bekwynhtokti, and Moxare sat down. Accompanied by brushes made from babassu rib and a small plastic pot with a mixture of jenipapo and charcoal, the painters, sitting side by side, received the audience, who settled in front of
[UNKNOWN AUTHOR]
Meakà (coroa de penas) [feather crown], 2022
Meakpidjôkango oicõ djã nho meàkàà (coroa de canudinhos plásticos) [drinking straw crown], 2022
Povo Mebegokre-Kayapó, Aldeia Kubenkrãnkej, Terra Indígena Kayapó.
Acervo / Collection Museu Paranaense
them, one at a time. Each person rested the hand of the arm that was to be painted on the artist’s leg. One hand served as support, sometimes holding the painted arm, sometimes no more than close to the place the paint would be applied. Whenever a stroke is made on someone’s skin with the brush the painter has in their hand, in a matter of milliseconds, the supporting hand holds up the brush so that the excess paint remaining on its edges can be whisked off, by the painter’s own fingers. The brush is then switched back to the painting hand. That’s why the hands of the Mebegokre women are always stained black, one much more than the other.
People from the audience made intense inquiry into the meanings of the designs they were receiving. And the answers they got, if they got them (language differences were daunting) were “jabuti” (tortoise), “cobra” (snake), “macaco” (monkey), or that it was simply a painting for use in a festivity — a bit frustrating for those who expected to hear elaborate stories, philosophical and mystical elaborations. Yet such expectations bear a specific view of art that does not exactly
correspond to the place it occupies within indigenous contexts. The graphics are indeed part of an elaborate symbolic and ritual system of Mebegokre culture, operated very carefully by the people. The paintings and other ornamentations express social understanding of their own cosmology, social structure, relationship with nature and identity construction - because it is on the body that the physical-moral changes achieved by people in the rites are inscribed (“the festivities” the artists spoke of). The paintings are remarkable distinctions on gender, age or social function within the community. The fact is that the meanings of these paintings run along paths that are very deep and sometimes unreachable via Western thought, making it complex to summarize them in a quarter of an hour spent with a complete stranger during a workshop full of people.
During the two afternoons of the body painting workshop, the Mebegokre crafts produced were also sold. Their pieces were warmly welcomed by the public, with only a few items remaining unsold at the end of their stay. There were many and varied types of belts, necklaces,
bracelets, and bead earrings; headdresses; baskets; various objects made of cotton fiber. Regarding the promotion of the sale of their crafts in the museum spaces, it is worth noting that we were guided by some precepts that have accompanied us since other projects with traditional populations. Generating income for the village from the project was not its purpose, but it is an important side effect based on the defense of fair and trustworthy relations between traditional populations and institutions that maintain historical and cultural heritage. Far from thinking of indigenous knowledge as products, spectacularized goods or commodities, by listening to the demands of the groups we work with, we understand that projects that impact them must create mechanisms to strengthen their visibility and income. So that indigenous knowledge and practices can be recognized and also valued monetarily, including the time spent preparing the workshop, coordinating speeches, creating their arts, before and during the workshop, all of which needs to go beyond a “thank you very much”.
With this understanding, the museum also took the opportunity to make new acquisitions, aiming to renew and update the Mebegokre collection. After all, museums can be cultural spaces that deal with contemporaneity, not only the past, as they are commonly understood. Access to their collection is public and the treatment of the pieces is done in such a way that allows them to endure over time, one of its functions and main characteristics. Our intention, with the acquisition of pieces made by the peoples today, is to recognize and encourage this dynamism that is culture itself, often focusing on items that present strength and beauty through the cultural lenses of their own producers.
A radial crown of straws, a pair of braided bracelets, an ankle rattle, and a fabric painting with four different Mebegokre graphics were acquired. We were also gifted with brushes for body painting, used in the workshops, and with the feather headdress of Mrodjanh Kayapó, which was donated directly by him, as a political gesture of respect and recognition. Two of these pieces — Meakpidjôkango oicõ djã nho meàkàà (crown of plastic straws) and the frame with graphics — were incorporated into a new exhibition at the museum, curated by indigenous people, intitled Mejtere: stories retold (2023-). This exhibition uses a Mebegokre concept in its title, frequently spoken by our friends during the days they were with us: mejtere, which designates what is beautiful and enchanting, aesthetically and morally. Like the feelings that lingered among the members of the MUPA team, of the days we shared with Beprere, Kokodjy, Mrodjanh, Moxare, Mrynhô re and Bekwynhtokti.
The experience with the Kubenkrãnkej marked us intensely, politically and emotionally. There is growing interest among indigenous collectives for ethnographic collections in museums, along with the archives produced involving their transfers from the villages. The Mebegokre are one of the peoples who are part of these movements to value social and ethnic memories that have impacted museums in recent years. However, these social movements have also prompted and continue to prompt revisions of theoretical and practical frameworks,
as practiced in museums over the past decades. This dual movement, of indigenous interest in collections and the interest of research teams and museums in delving into this indigenous attention, situates our work within a relevant field of contributions. Furthermore, this act of placing them face-to-face — collections and indigenous subjects — have become ethical and methodological inclinations that widely evoked and defended in the bibliographies of the anthropology and museum axis.
The feeling is that the visit of these few people from the Kubenkrãnkej village may have broad consequences because it opened the prospect of Mebegokre population engagement more generally. This experience can awaken interest and proposals for cultural preservation, as well as stimulate sustainable uses of heritage and the search for various sources of financial support for the people to continue their own heritage preservation projects.
Addressing what a people engaged for over a thousand years in productive processes can do, say, or feel about the objects of their decadesremoved “great-grandparents” contributes to stimulating their cultural revitalization, a theme always present among indigenous communities affected by the violence of Western ontologies and practices.
With Beprere we learned that not forgetting is a form of social value. In his village, people do not forget how to make and use many of the objects present in the museum, even if they are quite old. Yet he also recognizes that action is needed to keep this value alive. Some of these pieces are no longer crafted today, and their existence is limited to the memory of a few, the elders. But memory alone is not enough; one must be in the world, in flesh and bone. Hence, young people’s learning is fundamental.
The six friends from the Kubenkrãnkej village teach us that collections can be a way to remember, and to project certain challenges for a present/future in which they can still be addressed. Hence, the strength of the presence of objects: they serve as stimulus for the future, entwined in every weave of fabric or palm, each wood carving, and each macaw feather.
[p.370]
AUTORIA DESCONHECIDA [UNKNOWN AUTHOR]
Ngokon Nikay (cantil) [cantil-type bottle], 1966
Ykàiaka (adorno para cabeça) [head adornment], 1966
Meàkàkre (adorno para cabeça) [head adornment], 1988
Meô kretã (colar de noivo) [bridegroom necklace], 1957
Povo Mebegokre-Kayapó.
Acervo / Collection Museu Paranaense
[p.371]
AUTORIA DESCONHECIDA [UNKNOWN AUTHOR]
Oicõ djã nho (coroa) [crown], 1957
Kaj (cesto) [basket], 1957
Kô (borduna) [cudgel], 1966
Povo Mebegokre-Kayapó.
Acervo / Collection Museu Paranaense
[p.377 - 379]
VLADIMIR KOZÁK
Título desconhecido (Povo Mebegokre-Kayapó da Aldeia Kubenkrãnkej), 1954 ou 1955.
Unknown title (Mebegokre-Kayapó people from Kubenkrãnkej village), 1954 or1955.
Acervo / Collection Museu Paranaense
Estou vendo o trabalho de nossos bisavós, estou triste e estou feliz. Assim que o museu precisa fazer: mostrar o trabalho dos antigos. Eu preciso voltar aqui sempre.
I am seeing the work of our greatgrandparents; I am sad and I am happy. This is what the museum must do: show the work of our ancestors I need to come back here often.
BEKWYNHTOKTI KAYAPÓ
A última atividade dessa intensa programação foi a nova montagem do espetáculo de dança contemporânea Jardim Noturno, obra criada e apresentada pelo Laboratório Siameses, que marcou o encerramento, no dia 21 de maio de 2022, do Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”. O espetáculo foi exibido na sala expositiva do MUPA para mais de 60 pessoas. No livro, estão presentes os textos presentes no programa do espetáculo de dança, além de um conjunto de fotografias da apresentação.
The final activity of this intense program was the new staging of the contemporary dance performance “Night Garden,” created and presented by Laboratório Siameses, marking the closing on May 21, 2022, of the Public Program “If we dug our feet into the Earth: relationships between humans and plants”. The performance was shown to over 60 people in the MUPA’s exhibition hall. This book includes texts from the dance performance program, along with a set of photographs from the presentation.
Desdobramento dos 15 anos de investigação com a Companhia de Dança Siameses, o Laboratório Siameses é um espaço de criação artística que procura, nos cruzamentos entre pessoas e linguagens, entender novas formas de criar-junto. Assumindo os riscos de se construir algo em cima de parcerias improváveis e de terrenos inseguros, acreditamos que essa instabilidade é a chave para se redirecionar nossa visão sobre o corpo, a dança e a arte, sobretudo em redescobrir o prazer da criação artística. E não há nada mais subversivo do que despertar o prazer pelo nosso estar-no-mundo.
An offshoot of the 15 years of investigation with the Siameses Dance Company, Laboratório Siameses is a space for artistic creation that seeks, at the intersections of people and languages, to understand new ways of creating together. Embracing the risks of building something on the basis of unlikely partnerships and unstable terrain, we believe that instability is the key to redirecting our view of the body, dance and art, especially in rediscovering the pleasure of artistic creation. There is nothing more subversive than awakening the pleasure of being in the world.
Diretor, coreógrafo e bailarino. Maurício de Oliveira nasceu em Goiânia. Sua trajetória profissional começou no Balé da Cidade de São Paulo (1989-1992), passou pelo Balé do Teatro Castro Alves em Salvador (1993). Dançou em diversas companhias como Choreographishes Theater Von Johan Kresnik (1994-1996), Pretty Ugly Dance Company, sob a direção de Amanda Miller, Djazzex em Den Haag (1997), Leine & Roebana em Amsterdam (1998), Paul Selwyn Norton, também em Amsterdam (1999) e Frankfurt Ballet (1999-2003), sob a direção de William Forsythe. No Brasil, criou e dirigiu a Companhia de Dança Siameses. Entre seus trabalhos estão Jardim Noturno (2010), Olhar Oblíquo (2006), D.G.LO (2007), Objeto Gritante (2011) e a Trilogia Alquímica (Nigredo, 2012; Albedo, 2014; Rubedo, 2016) além do solo Fragile (2008). Em 2019, motivado por novas possibilidades de exploração artística, criou o Laboratório Siameses, espaço de livre experimentação de pesquisa de linguagens.
Director, choreographer and dancer. Maurício de Oliveira was born in Goiânia. His professional journey began at the São Paulo City Ballet (1989-1992), followed by the Ballet of the Castro Alves Theater in Salvador (1993). He has danced in various companies such as Choreographishes Theater Von Johan Kresnik (1994-1996), Pretty Ugly Dance Company, under the direction of Amanda Miller, Djazzex in Den Haag (1997), Leine & Roebana in Amsterdam (1998), Paul Selwyn Norton, also in Amsterdam (1999), and Frankfurt Ballet (1999-2003), under the direction of William Forsythe. In Brazil, he created and directed the Siameses Dance Company. His works include “Night Garden” (2010), “Sideways Glance” (2006), “D.G.LO” (2007), “Shouting Object” (2011), and the Alchemical Trilogy (“Nigredo,” 2012; “Albedo,” 2014; “Rubedo,” 2016), in addition to the solo “Fragile” (2008). In 2019, in the quest for new possibilities of artistic exploration, he created the Laboratório Siameses, a space for free experimentation in language research.
SIAMESES
[...] Se rastrearmos a origem dos animais e das plantas, encontraremos que eles evoluíram a partir de um ancestral comum. Por volta de seis milhões de anos atrás, a vida tomou caminhos distintos: de um lado, animais e do outro, as plantas. Portanto, temos um passado comum com as plantas.
Nós subestimamos o poder das plantas por anos. Para mim, plantas são organismos muito complexos, que são capazes de se comunicar, memorizar, resolver problemas, de uma forma não muito diferente dos animais do ponto de vista cognitivo. Elas são capazes de elaborar estratégias muito complexas, mas é difícil de compreender ou mesmo ver, já que elas sucedem em escalas de tempo muito amplas.
Para sobreviverem, as plantas distribuíram ao longo de seus corpos todas as funções que os animais concentraram em órgãos especializados. Em outras palavras, as plantas observam com todo o corpo, escutam com todo o corpo e, também, resolvem desafios, memorizam e se comunicam. Em qualquer situação de mudança no ambiente, a primeira resposta do animal é fugir. No caso das plantas, elas não podem fugir. Então sua única possibilidade de sobreviver é entender, sentir que algo está mudando o mais cedo possível para poder adaptar seu corpo a isso. [...]
STEFANO MANCUSO, em Revolução das Plantas
Quanto mais trabalhava no jardim, mais respeito tinha diante da Terra, de sua beleza encantadora. Nesse meio-tempo, fiquei profundamente convencido de que a Terra é uma criação divina. O jardim me levou a essa convicção, sim, à compreensão que se tornou para mim agora uma certeza, que adquiriu um caráter de tevidência. Evidência significa, originalmente, ver. E eu vi.
BYUNG-CHUL HAN, em Louvor à Terra
Na história do Maurício de Oliveira e da Siameses, Jardim Noturno ocupa um espaço singular. Recém-chegado no Brasil e ainda se reconhecendo dentro desse novo contexto, Maurício se estabeleceu em São Paulo e fundou a Siameses. Sem qualquer recurso e com o apoio de diversos artistas que mergulharam nas suas ideias, surgiu Jardim Noturno 2. O “2” ainda hoje permanece uma incógnita: não houve qualquer trabalho anterior. Nem ele próprio lembra o motivo do nome. Mas assim permaneceu, quase que ditando a sina de buscar a origem dessa história.
Em 2010, o trabalho foi reconstruído, aprofundando nas dinâmicas de crescimento das plantas. A fim de acompanhar esse fluxo de florescimento/enraizamento da pesquisa, música, luz e figurino foram repensados para três bailarinos que, em cena, buscavam nas relações entre palavras e ações o espelhamento dessa forma de entender o silêncio da vida vegetal. Como um jardim noturno.
Em 2016, o amadurecimento da companhia motivou uma nova montagem do espetáculo, dessa vez procurando novas formas de pensar a dramaturgia do trabalho. Ora plantas, ora insetos, os bailarinos eram provocados a se libertar do trabalho coreográfico e compor em cena estruturas que se desenhavam a cada apresentação. Havia uma negociação entre esses seres que os conduziam a abrir uma dimensão sensorial de atenção absoluta: estar com olhos, ouvidos e tato abertos para o imprevisível.
Jardim Noturno é um reflexo do próprio processo de criação em Dança. Se, enquanto Arte Viva, a dança provoca o senso comum de historicidade como algo imutável no tempo, convidando artistas e público a reexperienciar tempo e espaço de diversas formas, Jardim Noturno é um fragmento dessa sensação de criação infinita que temos diante da Natureza e da Arte.
O convite do Museu Paranaense para remontar Jardim Noturno nos encontrou num momento especial. Nossa vontade de repensar nossa relação com a Dança e acessar novas formas de pensar a criação nos levaram a transformar a companhia num laboratório de criação, Laboratório Siameses. Um dos fundamentos dessa mudança foi a vontade de trocar de forma mais intensa com artistas de diversas linguagens, a fim de nos provocar a chegar a novos horizontes criativos. E essa foi a provocação dessa nova montagem de Jardim Noturno.
Parceiros antigos da nossa jornada, como a figurinista Adriana Hitomi, juntaram-se a novos parceiros de criação — como os músicos Rodrigo Florentino e May Manão e a designer de luz Clara Caramez — para produzir uma nova experiência de cena. Os criadores Maurício de Oliveira, Danielle Rodrigues e Vinícius Francês retomaram a pesquisa com os bailarinos Ricardo Ura, Sthephanie Mascara, Rebeca Tadiello, Juarez Moniz e Carolina Barros, criando um ambiente intenso de descoberta das possibilidades do corpo em movimento. Um novo trabalho que busca na resiliência das plantas um convite para pensar diferentes formas de nos relacionarmos com a vida e com o nosso espaço.
[...] If we trace the origin of animals and plants, we will find that they have evolved from a common ancestor. Some six million years ago, life took different paths: animals, on one side, and plants, on the other. Hence, we share with plants a common past.
We have underestimated the power of plants for a very long time. In my view, plants are very complex organisms that are capable of communicating, memorizing, and solving problems, in a way that, from a cognitive perspective, is not much different from that of animals. They can elaborate very complex strategies, yet ones that are hard to understand or even see, since they unfold over very extensive scales of time.
To survive, plants spread over their entire body all the functions that in animals are concentrated in specialized organs. In other words, plants observe with the whole body, hear with the whole body, and respond to challenges, memorize and communicate. In any situation of change in the environment, animals’ first response is to escape. In the case of plants, they can’t escape. So their only way to survive is to understand, to feel as soon as possible when something is changing, to be able to adapt their body to it. [...]
STEFANO MANCUSO, in Plant Revolution
The more I worked in the garden, the more respect I felt for the Earth, its enchanting beauty. During that time, I became deeply convinced that the Earth is a divine creation. It was the garden that led me to such a conviction, yes, to an understanding that then became a certainty, that became evidence. The original meaning of evidence is to see. And I saw.
BYUNG-CHUL HAN, in Praise the Earth
In the history of artists Maurício de Oliveira and the Siamese, Jardim Noturno [Night Garden] occupies a unique space. Newly arrived in Brazil and still finding his place within this new context, Maurício established himself in São Paulo and founded Siameses. With no resources other than the support of various artists who engaged with his ideas, Night Garden Two emerged. The “two” remains a mystery to this day: there had been no preceding work. Even Maurício himself doesn’t remember the reason he chose the name. But it stuck, almost obliging us to seek the story’s origin.
In 2010, the work was reconstructed, digging deep into the dynamics of plant growth. To follow a research flow of blossoming/ rooting, its music, lighting, and costumes were refashioned for three dancers who, on stage, sought, in the relations between words and actions, to reflect a way of understanding the silence of plant life. Like a nocturnal garden.
In 2016, the company’s maturation prompted another staging of the performance, this time seeking new dramaturgical approaches. Sometimes as plants, sometimes as insects, the dancers were challenged to free themselves from choreographic work and compose on stage the structures that gave shape to each presentation. There was ongoing negotiation between these beings that led them to enter a sensory dimension of absolute attention: to be open to the unpredictable, through eyes, ears, and touch.
Night Garden reflects the very process of creation in Dance. As a Living Art, dance challenges the common sense of historicity as something that persists unchanged over time, inviting artists and the audience to reexperience time and space in various ways. Night Garden is a fragment of the sense of infinite creation that we experience in the face of Nature and Art.
The invitation from the Museu Paranaense to restage Night Garden found us at a special moment. Our desire to rethink our relationship with Dance and access new ways of thinking about creation led us to transform the company into a creation laboratory, “Laboratório Siameses”. One of the foundations of this change was the desire to engage more intensely with artists from various disciplines, to challenge ourselves to reach new creative horizons. And such was the challenge of this new staging of Night Garden
Long-standing partners on our journey, such as costume designer Adriana Hitomi, joined new creative partners such as musicians Rodrigo Florentino and May Manão, and lighting designer Clara Caramez to produce a unique stage experience. Creators Maurício de Oliveira, Danielle Rodrigues, and Vinícius Francês resumed their research with dancers Ricardo Ura, Sthephanie Mascara, Rebeca Tadiello, Juarez Moniz, and Carolina Barros, creating an intense environment for discovering the possibilities of the moving body. A new work that draws from the resilience of plants, an invitation to think about different ways of relating to life and to our space.
Jardim Noturno trata, metaforicamente, do florescimento dos vegetais, de sua história secreta, misteriosa e sutil, explorando o movimento mínimo, fragmentado, estilhaçado, como se assim honrasse cada célula do corpo separadamente.
Nessa nova versão para o Museu Paranaense, pretendeu-se estabelecer ao longo do espetáculo um constante diálogo entre o corpo humano individualizado e o corpo coletivo das plantas, em especial, sobre a arquitetura colaborativa que faz com que as plantas se adaptem a situações adversas, sem um cérebro centralizado de comando.
Para essa montagem, os bailarinos Gustavo Cabral, Matheus de Oliveira e Maurício de Oliveira se juntam à luz e ao mapping de Clara Caramez, trilha sonora de Rodrigo Florentino e May Manão e figurino de Adriana Hitomi.
Inspirados no sistema de comando neural das plantas, espalhado por todo seu “corpo” (sentem com o corpo, veem com todo o corpo, pensam com todo corpo), a pesquisa se aproximaria de uma criação em que as configurações coreográficas serão construídas a partir de um corpo em estado de atenção absoluta dos sentidos, a ponto de permitir que o espetáculo se desenvolva no ato da performance, numa clara analogia ao sistema democrático compreendido pelo corpo coletivo das plantas.
Jardim Noturno é uma instalação rizomática em que a performance adentra o espaço, como plantas retomando seu domínio sobre a urbanidade esvaziada e revelando sua história encoberta desde tempos imemoriais.
Night Garden metaphorically explores the blossoming of plants, their secret, mysterious, and subtle history, exploring minimal, fragmented, and shattered movement as if honoring each cell of the body separately.
This new version for Museu Paranaense sought to establish a constant dialogue throughout the performance between the individualized human body and the collective body of plants, especially focusing on the collaborative architecture that enables plants to adapt to adverse situations without a centralized brain command.
For this staging, dancers Gustavo Cabral, Matheus de Oliveira, and Maurício de Oliveira join Clara Caramez’ work in lighting and mapping, a soundtrack by Rodrigo Florentino and May Manão, and costumes by Adriana Hitomi.
Inspired by the neural command system of plants which are spread throughout their “body” (feeling, seeing, thinking with the whole body), research led to a creation in which choreographic configurations are constructed from a body in a state of absolute sensory attention. Performance unfolds during the act of the performance itself, a clear analogy to the democratic system that comes naturally to the collective body of plants.
Night Garden is a rhizomatic installation in which performance enters space, like plants reclaiming their dominance over the emptied urban environment and revealing the history that had remained hidden, since time immemorial.
Registros do espetáculo Jardim Noturno no Museu Paranaense. Maio de 2022.
Registers of the spectacle Night Garden at Museu Paranaense. May 2022.
Jardim Noturno
Criação e Direção / Creation and direction MAURÍCIO DE OLIVEIRA
Interpretação / Performance DANIELLE RODRIGUES, MAURÍCIO DE OLIVEIRA, VINÍCIUS FRANCÊS
Pesquisa de movimento / Movement research CAROLINA BARROS, JUAREZ MONIZ, REBECA TADIELLO, RICARDO URA, STHÉPHANIE MASCARA
Design de luz / Lighting, Videomapping CLARA CARAMEZ
Criação musical / Musical creation RODRIGO FLORENTINO, MAY MANÃO
Design de figurino / Costume design ADRIANA HITOMI
Cenotécnica / Set design RAFAEL BOESE
Colaboração / Collaboration TONO GUIMARÃES
Educational Actions
Milena A. Chaves, Roberta Horvath (Núcleo Educativo do Museu Paranaense)
A visualidade do amorfo The visibility of the amorphous
Juliana F. Oliveira (Núcleo de Arquitetura e Design do Museu Paranaense), Felipe Vilas Bôas Núcleo de História do Museu Paranaense)
Sociedade de Amigos do Museu Paranaense (SAMP) Society of Friends of Museu Paranaense (SAMP)
Patrocinadores e parceiros Programa Público 2022
Sponsors and partners Public Program 2022
Sanepar, Grupo Barigui, Banco Bari, Instituto Barigui, Copel
MILENA A. CHAVES, ROBERTA HORVATH
Núcleo Educativo do Museu Paranaense
A oficina Construir juntos: pintura coletiva para crianças foi um momento de estímulo à criatividade e à experimentação coletiva envolvendo o fazer artístico em um painel inspirado nas pinturas do coletivo MAHKU, movimento dos artistas do povo Huni Kuin.
A ação aconteceu ao longo de 3 dias (27, 28 e 29 de janeiro de 2022) no espaço do jardim do Museu Paranaense e teve como objetivo proporcionar o encontro do público com os artistas indígenas, que também realizavam a pintura da obra Yube Inu Hunikuin e Yubeshanu. Assim, foram disponibilizados materiais de colorir e uma tela próxima à estrutura na qual o coletivo trabalhava.
Essa oficina visou promover, para além de uma atividade artística, uma reflexão do público acerca do coletivo MAHKU, artistas indígenas que através da pintura contam as histórias de seu povo e reivindicam a auto representação dentro do circuito da arte contemporânea.
A oficina Polinizando relações: abelhas e jardins foi um convite para a imersão no mundo das abelhas sem ferrão do território brasileiro. O MUPA possui, em seu jardim, 4 espécies de abelhas nativas: jataí, tubuna, mandaçaia e manduri. A atividade, voltada ao público infantil, começou com uma contação de história sobre a vida das abelhas, utilizando como roteiro e ilustração o livro Abelhas, de Piotr Socha. Inicialmente, a história conta sobre a época em que as abelhas passaram a habitar o Planeta Terra. Depois, fala sobre como é a sua morfologia, sobre como são as colmeias por dentro, quais são os vários tipos de colmeias, como ocorre a polinização e qual é a importância desse processo para o ciclo da cadeia alimentar e reprodutiva dos vegetais, assim como para a produção do mel. Por fim, a história estimula a preservação das espécies nativas de abelhas, mostrando como é possível ser harmônica a convivência humanos-abelhas, mesmo no meio urbano.
Após a contação da história, as crianças foram convidadas a visitar as casinhas das abelhas no jardim, para observarem tanto os insetos quanto as flores e plantas ao entorno. A observação foi feita em todas as 4 casas de abelhas, enquanto as educadoras comentavam as diferenças entre as espécies. Depois da observação, as crianças voltaram para a mesa e escolheram quais espécies queriam pintar, em desenhos próprios para colorir. Nessa atividade, elas foram estimuladas a criar um jardim para essas abelhas viverem.
Por fim, o público pôde experimentar o mel de duas espécies (jataí e mandaçaia) e conversar sobre as diferenças de sabor e outras características do alimento.
Inspirada pelo título do Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relação entre humanos e plantas”, a oficina Jardim de lembranças, desenhos com memória estimulou a reflexão sobre a relação entre humanos e plantas por meio de memórias sensoriais, sociais e afetivas trazidas pelos participantes através de conversa. A atividade proporcionou o desenvolvimento de ilustrações.
A atividade aconteceu no jardim do MUPA, onde estão localizadas as colmeias de abelhas nativas sem ferrão. Visto que as abelhas foram apresentadas para os visitantes espontâneos (com uma abordagem direcionada para o público infantil), muitas crianças e suas famílias participaram desse momento. Nele, as educadoras apresentaram todas as 4 espécies e instigaram as crianças a observarem as abelhas e suas atividades de coleta de pólen nas flores e árvores do jardim. A partir desse passeio, as crianças foram convidadas a pintar e desenhar a atividade proposta pelo Educativo.
A oficina Preparando chás com flores e ervas medicinais foi direcionada ao público espontâneo do MUPA. O intuito foi pensar sobre as nossas relações com as plantas e suas múltiplas finalidades e, assim, permitir que cada pessoa montasse seu próprio saquinho de chá reutilizável com flores e ervas medicinais, relacionados a práticas de cura e bem-estar. A atividade aconteceu em formato de ateliê aberto. Além do chá preparado, cada participante recebeu um folheto com a indicação dos usos e o nome científico de cada planta.
Destinada a crianças, a oficina Colheita da horta do MUPA iniciou com uma observação e conversa sobre a horta construída na atividade Plantando o amanhã no Museu Paranaense. Após entender como acontece o processo de plantio e germinação e como aspectos do solo, do ambiente e do clima influenciam o desenvolvimento das plantas, as crianças, sob orientação das educadoras, fizeram o manejo e a colheita de cada planta de forma coletiva, aprendendo as diferentes formas de colher e manter cada espécie.
MILENA A. CHAVES, ROBERTA HORVATH Museu Paranaense Educational Division
The workshop Building together: collective painting for children was a moment to stimulate creativity and collective experiments of artistic creation on a panel inspired by the paintings of the MAHKU collective, a movement of Huni Kuin indigenous artists.
The activity took place ove the course of three days (January 27, 28, and 29, 2022) in the garden space of Museu Paranaense, aiming to bring the public together with indigenous artists who were also working on the painting of piece intitled Yube Inu Hunikuin and Yubeshanu Coloring materials and a canvas were provided near the place the collective was working.
This workshop aimed not only to promote artistic activity but also to encourage reflection on the MAHKU collective. Indigenous artists, through their paintings, tell the stories of their people and assert self-representation within the contemporary art circuit.
The workshop Pollinating Relationships: Bees and Gardens was an invitation to immerse oneself in the world of stingless bees in Brazilian territory. The MUPA has four species of native bees in its garden: jataí, tubuna, mandaçaia, and manduri. Targeted at children, the activity began with a storytelling session about the life of bees, using the book “Abelhas” [Bees] by Piotr Socha as a script and illustration.
The story covers the time when bees began to inhabit the Planet Earth, their morphology, the inside and various types of beehives, the pollination process, and the importance of this process for the food and reproductive cycle of plants, as well as honey production. The story concludes by encouraging the preservation of native bee species, demonstrating how harmonious coexistence between humans and bees is possible, even in urban environments.
After hearing the story, children were invited to visit the bee houses in the garden to observe both the insects and the surrounding flowers and plants. Observation took place at all four bee houses, where educators explained the differences between the species. After observation, the children returned to the table and chose which species they wanted to color. During the activity, they were encouraged to create a garden for these bees to live in.
Finally, the audience had the opportunity to taste honey from two species (jataí and mandaçaia) and discuss the differences in flavor and other characteristics of the food.
Inspired by the title of the Public Program “ If we dug our feet into the Earth: relationships between humans and plants” the workshop Garden of memories: drawings with memory stimulated reflection on the relationship between humans and plants through sensory, social, and affective memories that participants shared through conversation. The activity then encouraged them to draw.
This activity took place in the MUPA garden, where there are hives of stingless native bees. Since the bees were introduced to random visitors (targeting children), many children and their families participated. Educators introduced all four species and encouraged children to observe the bees and their pollen-collecting activities on the garden's flowers and trees. After this tour, they were invited to express, through painting and drawing, what they had apprehended through the activity proposed by the Educational team.
The workshop Preparing teas with flowers and medicinal herbs was aimed spontaneously at the general MUPA audience. The intention was to encourage people to think about our relationships with plants and their multiple purposes, allowing each person to create their own reusable tea bag with flowers and medicinal herbs used in healing and well-being practices. The activity took place in an open studio format. In addition to the tea-making, each participant received a pamphlet with indicated uses and the scientific name of each plant.
Designed for children, the Harvesting from the MUPA Garden workshop began with an observation and conversation about the garden built during the Planting Tomorrow activity at Museu Paranaense. After hearing about planting and germination processes and how soil, environment, and climate aspects influence plant development, children, under the guidance of educators, collectively managed and picked each plant, learning about different ways to harvest and maintain each species.
JULIANA F. OLIVEIRA, FELIPE VILAS BÔAS
Núcleo de Arquitetura e Design, Núcleo de História do Museu Paranaense
Abordar a diversidade de relações entre humanos e plantas, como se propõe neste Programa Público, parte de uma soma de esforços tangíveis e intangíveis. Esses esforços, não raramente, abrangem aspectos da vida humana que são, em princípio, amorfos: saberes, experiências, conexões — implicações físicas coletivas sobre significado e percepção das coisas Frente ao mundo natural, a taxonomia faz mais do que apenas descrever e identificar. Ela coisifica os elementos, criando artificialidades que apenas existem dentro de sua própria linguagem. Catalogar o palimpsesto vegetal é, em certo sentido, dar nome às coisas, torná-las artificiais, distante do tangível, produzindo outro saber, outra cognição, uma forma semântica e pragmática.
Por uma perspectiva linguística da visualidade, tanto o figurativo quanto o abstrato encontram respaldo na linguagem gráfica para criar a forma, compondo unidades sólidas para que o amorfo tome face. Em um infográfico, a forma mínima não sobrevive isolada, apenas como parte de um sistema de relações, significados e contextos — e ele próprio acaba por se tornar forma composta que traduz informação, revelando artificialidades e um anseio por padrões diante da natureza.
Trazer informação gráfica visual ao espaço expográfico consiste em um empenho de explicitação da rede de conhecimento em construção ao longo da programação no MUPA. Essa possibilidade de visualização contribui, assim, para expor tensionamentos sobre a dicotomia natureza/cultura e suas implicações na formação dos termos sociais e suas hierarquias de alteridade, abordadas perante a diversidade programática do “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”.
Para o Programa Público, foram produzidos dois infográficos: Plantas e usos: tramas culturais e Caminhos e tempos: o infinito rotar das plantas Plantas e usos: tramas culturais resulta de um resgate de sete eixos temáticos que nortearam a construção do Programa Público: curar (ou cuidar), habitar, transformar, saber, nutrir, regenerar e compartilhar. Cada eixo, por sua vez, abrange exemplos mapeados de usos culturais, tenham sido eles trazidos pelos convidados ou pelas relações de pesquisa travadas nos departamentos de pesquisa do Museu Paranaense. A proposta é peculiar ao avizinhar-se de dados qualitativos por meio de uma visualização que é, à primeira vista, uma circunferência rígida de catalogação.
Naturalmente, um mesmo uso cultural não necessariamente se restringe a uma delimitação objetiva, o que parte de uma concessão conceitual necessária para atribuir forma ao infográfico. É a partir dos nomes de 49 plantas e de ao menos uma centena de usos que um mapa de influências preenche a interface, sendo elas caracterizadas pela direção que seguem, pela cor e pelos dados que conectam. Já o sentido de leitura das conexões pode implicar em interpretações diferentes: de dentro para fora, o visitante é convidado a pensar de quantas diferentes maneiras uma mesma planta age em simbiose com práticas culturais, influenciado-as mutuamente; de fora para dentro, nas similaridades entre plantas a partir de uma mesma finalidade, e como isso atravessa usos culturais em diferentes tempos e territórios. O espaço da circunferência delimita um ponto focal, estruturado por suas três colunas de informação, atuando como um recorte fechado de uma rede complexa de saberes.
Caminhos e tempos: o infinito rotar das plantas propõe-se a ser um infográfico de recorte aberto. As mesmas plantas voltam a ocupar o centro da circunferência, desta vez dispostas de forma radial, e cada uma origina um eixo individual sobre o qual tempo e espaço correm em paralelo. Nessa disposição, não existem coordenadas geográficas ou cronológicas orientadas sobre um mesmo sentido, apenas áreas de maior ou menor proximidade em relação ao centro, sobre o qual se transcreve um aqui alegórico do momento e do território. Sistemicamente, cada elemento constrói em torno de si uma área de influência que se torna visível a partir do todo, o que em uma visualização radial se traduz em uma área central mais claustrofóbica quanto ao grupamento de dados.
Entre a circunferência mais externa e a mais interna cabem 322 anos, suficientes para abranger as datas de um intenso trabalho de catalogação científica, iniciado a partir do século XVIII. Imediatamente, o espaço gráfico delimitado é extrapolado pelas datações de “primeiros registros de uso por humanos” e por outras datas em destaque, evidenciando simbioses travadas entre humanos e plantas muito anteriores a rigores taxonômicos.
Entre as mesmas circunferências cabem também sete distâncias continentais simbólicas. Ao centro, quase hegemonicamente, é possível visualizar que 28 plantas têm origens traçadas ao território sulamericano. Algumas, como o feijão (ou “feijões”, como sugerido por uma convidada), fazem-se presentes também em
múltiplos continentes — e a triangulação junto ao infográfico Plantas e usos: tramas culturais ilustra que a integração cultural do feijão assume usos na alimentação e em múltiplas identidades culturais. Com esse vaivém de conexões entre plantas e usos, entre tempo e espaço, entre um infográfico e outro, buscou-se mediar distâncias entre a linguagem, a forma dos saberes trazidos ao Programa Público e o próprio visitante. É também uma instigação à visualidade enquanto mapa rizomático cravado no espaço, ao alcance da visão, do toque e da fala. Cada indivíduo, em sua leitura, constrói e compartilha com o outro a interpretação que é mais cabível a suas próprias vivências.
Os infográficos, em seu conjunto, tornam maleáveis e tangíveis a reflexão sobre dados científicos rígidos e totalizantes. Não se trata de uma planificação classificatória inerte, mas uma forma de representação da artificialidade taxonômica, na qual o jogo de escalas sobressai, local e global se aproximam e afastam em um movimento de representações, apropriações e fome de conhecimento. O tempo cronológico é desafiado, expondo complexidades de longa duração entre normativas classificatórias da razão e circularidades culturais, acionando subjetividades e memórias compartilhadas.
JULIANA F. OLIVEIRA, FELIPE VILAS BÔAS
Museu Paranaense Architecture and Design Division, and History Division
Addressing the diversity of relationships between humans and plants, as proposed in this Public Program, is part of a sum of tangible and intangible efforts. These efforts often encompass aspects of human life that are, in principle, amorphous: knowledge, experiences, connections — collective physical implications regarding the meaning and perception of things.
In the face of the natural world, taxonomy does more than just describe and identify. It objectifies elements, creating artificialities that only exist within its own language. Cataloging the vegetable palimpsest is, in a sense, giving names to things, making them artificial, distancing them from the tangible, producing another knowledge, another cognition, a semantic and pragmatic form.
From a linguistic perspective of visibility, both the figurative and the abstract find support in graphic language to create form, composing solid units so that the amorphous takes shape. In an infographic, the minimal form does not survive in isolation, but as part of a system of relationships, meanings, and contexts—and it itself ends up becoming a composite form that translates information, revealing artificialities and a craving for patterns in the face of nature.
Bringing graphic visual information to the exhibit space is an effort to make explicit the network of knowledge that is under construction throughout all our MUPA programming. Hence, this possibility of visualization contributes to exposing the tensions of the nature/culture dichotomy and its implications in the formation of social categories and hierarchies of alterity, addressed in the face of the programmatic diversity of “If we dug our feet into the Earth: relationships between humans and plants”.
For the Public Program, two infographics were produced: Plants and uses: cultural webs and Paths and times: the infinite rotation of plants . Plants and uses: cultural webs is the result of seven thematic axes that guided the construction of the Public Program: healing (or caring), inhabiting, transforming, knowing, nurturing, regenerating and sharing. Each axis, in turn, encompasses mapped examples of cultural uses, whether brought by guests or through work relationships in the research departments of Museu Paranaense. The proposal is peculiar in approaching qualitative data through a visualization that seems, at first glance, like a rigid circle of cataloging.
Naturally, cultural use does not necessarily restrict itself to the objective delimitation, which stems from a necessary conceptual concession to give shape to the infographic. It is from the names of 49 plants and at least a hundred uses that a map of influences fills the
JULIANA F. OLIVEIRA, FELIPE VILAS BÔAS
interface, characterized by the direction they follow, by color and the connecting data. The reading direction of the connections can imply different interpretations: from the inside out, the visitor is invited to think about how many different ways the same plant acts in symbiosis with cultural practices, influencing one another; from the outside in, in the similarities between plants based on a common purpose, and how this crosses cultural uses in different times and territories. The circumference space delimits a focal point, structured by its three columns of information, acting as a closed slice of a complex network of knowledge.
Paths and times: the infinite rotation of plants aims to be an open-cut infographic. The same plants again occupy the center of the circle, this time arranged radially, and each one originates an individual axis on which time and space run in parallel. In this arrangement, there are no geographic or chronological coordinates oriented in the same direction, only areas of greater or lesser proximity to the center, on which an allegorical transcription of the moment and the territory is overlaid. Systemically, each element builds an area of influence around itself that becomes visible from the whole, which in a radial visualization translates into a more claustrophobic central area regarding data grouping.
Between the outermost and innermost circles fit 322 years, enough to cover the dates of intense scientific cataloging effort, initiated in the 18th century. Immediately, the graphic space delimited is extrapolated by the dates of “ the first records of human use” and other highlighted moments, giving salience to the symbioses forged between humans and plants long before taxonomic rigor became a requisite.
Seven symbolic continental distances also fit between the same circles. At the center, almost hegemonically, it is possible to visualize that there are 28 plants whose origins can be traced to the South American territory. Some, like the bean (or “beans” as suggested by a guest), are also present in multiple continents — and triangulation with the infographic Plants and uses: cultural webs illustrates that the cultural integration of beans assumes uses in food and in multiple cultural identities.
With this back and forth of connections between plants and uses, between time and space, between one infographic and another,
an attempt was made to mediate distances between language, the form of knowledge brought to the Public Program, and the visitor. It is also an instigation to visibility as a rhizomatic map embedded in space, within reach of sight, touch, and speech. Each person, in their reading, constructs and shares with others the interpretation that is most fitting to their own experiences.
The infographics, all considered, make rigid and totalizing scientific data reflections malleable and tangible. It is not an inert classificatory plan, but a representation of taxonomic artificiality, in which the play of scales stands out, local and global slide closer and further from one another in a movement of representations, appropriations, and hunger for knowledge. Chronological time is challenged, exposing long-term complexities between classificatory norms of reason and cultural circularities, triggering subjectivities and shared memories.
Plants and uses: cultural webs
Plantas e usos: tramas culturais
aoadaptação consumo instrumentosmusicais produtosdiversosritosfunerários curtimento
desenv. econômico
utensílios tingimento cerimonial
chá sagrado ritos saberesafricanos saberesindígenassaberestradicionaismedicinatradicional
rituais saberesafricanos saberesindígenasmedicinatradicional saberestradicionais
Paths and times:
Caminhos e tempos: o infinito rotar
os primeiros registros no Brasil datam do período colonial, por meio do conhecimento africano
os primeiros registros no Brasil datam do período colonial, por meio do conhecimento africano
planta geométrica utilizada em projetos paisagísticos e indústria de cordoaria e bebidas
planta geométrica utilizada em projetos paisagísticos e indústria de cordoaria e bebidas
popularização global a partir da colonização do espaço sul-americano
popularização global a partir da colonização do espaço sul-americano
explorado em massa a partir do século XVI devido às propriedades de tingimento
explorado em massa a partir do século XVI devido às propriedades de tingimento
expansão da cultura do milho a outras regiões, devido à colonização do espaço americano
expansão da cultura do milho a outras regiões, devido à colonização do espaço americano
trazida para o Brasil durante a expansão europeia
trazida para o Brasil durante a expansão europeia
do tronco linguístico Tupi, “folha que queima”, largamente utilizada por comunidades tradicionais litorâneas
do tronco linguístico Tupi, “folha que queima”, largamente utilizada por comunidades tradicionais litorâneas
de enorme importância simbólica e nutricional para inúmeros povos originários da América do Sul
de enorme importância simbólica e nutricional para inúmeros povos originários da América do Sul
DATAÇÕES ano ou século de catalogação
primeiros registros de uso por humanos data de destaque
ORIGENS
América do Sul América Central América do Norte África Europa Ásia Oceania
Em 2023, a Sociedade de Amigos do Museu Paranaense (SAMP) completa 20 anos de uma parceria frutífera com o Museu Paranaense (MUPA), instituição cultural pública vinculada à Secretaria Estadual de Cultura do Paraná. É com grande satisfação que celebramos esse marco com o lançamento do livro que registra o Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”, projeto grandioso realizado no MUPA em 2022.
Criada com a missão de auxiliar o Museu Paranaense em suas ações de manutenção e preservação do acervo e sede, desenvolvimento de atividades culturais e educativas, ações de pesquisa e divulgação de suas atividades de forma geral, a SAMP desempenha um papel primordial ao viabilizar a obtenção de recursos por meio de projetos culturais e de leis de incentivo. Essa atuação, que marca os esforços da sociedade civil no compromisso com essa instituição pública, amplia a atuação do Museu e contribui para torná-lo a cada dia um dos centros culturais mais importantes do Brasil.
O Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas” foi um projeto inovador que reafirmou o Museu Paranaense como um importante espaço aglutinador do que há de mais pulsante nas discussões contemporâneas no campos das Ciências Humanas, Sociais, da Terra e das Artes. Com detentores de saberes tradicionais, pesquisadores, artistas e educadores, o Programa Público convidou os visitantes a pensarem sobre e junto com as plantas. Esse projeto pode ser tomado como um arquétipo da atuação da SAMP nos últimos anos: a crença no Museu Paranaense como espaço cultural fundamental e de fomento de discussões com ampla participação do público, a fim de contribuir na construção de um país mais igualitário e potente de sua diversidade étnica, de sua cultura e de suas histórias.
MANOELA GUISS Diretora-presidente
In 2023, the Society of Friends of Museu Paranaense (SAMP) is celebrating 20 years of a fruitful partnership with Museu Paranaense (MUPA), a public cultural institution linked to the Paraná State Secretariat of Culture. It is with great satisfaction that we celebrate this milestone with the launching of the book that records the Public Program “If We Dug our Toes into the Earth: Relationships between Humans and Plants”, a magnificent project carried out at MUPA in 2022.
Created with the mission of assisting Museu Paranaense in its actions of maintaining and preserving museum collection and premises, developing cultural and educational activities, conducting research and promoting its activities in general, SAMP plays a crucial role in the acquisition of resources through cultural projects and incentive laws. This contribution, which reflects the efforts of civil society in its commitment to this public institution, expands the reach of the museum and helps make it one of the most important cultural centers in Brazil.
The Public Program “If We Dug our Toes into the Earth: Relationships between Humans and Plants” was an innovative project that reaffirmed Museu Paranaense as an important hub for today’s most vibrant discussions in the fields of humanities, social sciences, earth sciences and the arts. Together with holders of traditional knowledge, researchers, artists, and educators, the Public Program invited visitors to think about and through plants. This project can be taken as an archetype of SAMP's work in recent years: the belief in Museu Paranaense as a fundamental cultural space and a catalyst for discussions with broad public participation, aiming to contribute to the construction of a more egalitarian and powerful country that embraces its ethnic diversity, culture, and history.
MANOELA GUISS President-Director
A Sanepar completa 60 anos em 2023 levando saneamento básico para promover a saúde, melhorar a qualidade de vida da população e estimular a atividade econômica em 346 municípios.
Nessa trajetória, que inclui a preservação do meio ambiente e soluções inovadoras na gestão, estamos presente também em ações de apoio à cultura. Em larga escala. Em todo o Paraná. Nessas seis décadas, estivemos presentes em vários projetos. Apoiamos diferentes formas de manifestação e promovemos o encontro de todas as expressões com o coletivo e com o individual. E fizemos isso porque acreditamos que na nossa função incide o importante papel de tornar acessíveis e inclusivos a arte e as manifestações artísticas.
O Museu Paranaense (MUPA) é uma porta para esse acesso e uma janela que multiplica essa visão. Apoiar o MUPA e o Programa Público “Se enfiasse os pés na terra”, como patrocinadora, foi uma forma da nossa Companhia de Saneamento do Paraná abrir mais portas e mais janelas para todas as gentes. Cultura viva que desperta e faz pensar. Traz conhecimento e pertencimento. Mais saber para melhor viver.
CLAUDIO STABILE
COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ (SANEPAR)
Diretor-Presidente
Patrocinar um projeto não se resume a apoiar financeiramente uma ideia... Ao menos não é assim que entendemos aqui, no Grupo Barigui, Banco Bari e Instituto Barigui. Mais do que “dar proteção ou apoio; amparar, favorecer” — as definições que nos dá o dicionário —, entendemos que patrocinar algo é se envolver, se identificar com uma causa, e tantas vezes aprender com os novos horizontes que nos são apresentados. No caso da cultura, é, antes de tudo, sermos concidadãos, e apoiar o projeto “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas” reforçou nosso desejo de ir além do simples “desembolso”.
Foi um desafio participar (sim, como patrocinadores também participamos!) deste Programa Público do Museu Paranaense, um projeto experimental, diverso das nossas práxis cotidianas no relacionamento com a cultura, formado por uma série de ações artísticas, educativas e culturais que investigaram as relações entre seres humanos e seres vegetais. Os espaços e a infraestrutura de museus e instituições culturais ainda funcionam com os mesmos princípios espaciais e operacionais há mais de seis décadas.
Esse projeto rompeu com o conceito de apenas hospedar e exibir obras de arte e objetos — muitas vezes históricos — raros ou únicos. Como empresas, aprendemos com as articulações, em cada ação programada, entre saberes e fazeres de populações tradicionais, os constructos de biólogos, arqueólogos, antropólogos, filósofos etc. nas ações artísticas expressas nos variados meios — artes visuais, poesia, performance, dança. Foi relevante entendermos cada vez mais a importância da cultura imaterial, da manifestação de elementos representativos, de hábitos, de práticas e costumes de nosso povo. Em tempos tão pragmáticos, torna-se significativo promover diversas expressões culturais e mesmo preservar as tradições e saberes ancestrais de pessoas enraizadas em seus territórios. Nesse projeto do Museu, o patrimônio cultural imaterial se revela nas múltiplas formas de conexão entre os seres humanos e as plantas, configurando-se como um legado justo e possível para as gerações futuras.
Com esse projeto, assumimos também como nossa a missão de preservar o patrimônio imaterial brasileiro e principalmente reforçar o Museu como um verdadeiro espaço de relações, acessível e inclusivo, compartilhando essa prática com as mais de 20 mil pessoas que puderam participar com “os pés enfiados na terra”. Esperamos que tenha sido uma experiência engrandecedora para todos!
GRUPO BARIGUI, BANCO BARI E INSTITUTO BARIGUI
Por um Paraná cada vez melhor e mais renovável
A Copel acredita em iniciativas que disseminam conhecimento e contribuem para a proteção do meio ambiente. Maior empresa do Paraná e principal incentivadora da cultura no estado, a companhia investe para promover desenvolvimento e levar qualidade de vida para mais de 11 milhões de paranaenses. Sua atuação, alinhada a práticas rígidas de governança e cuidados socioambientais, é reconhecida em todo o Brasil: em 2022 o Anuário Valor 1000, ranking das melhores empresas do Brasil elaborado pelo Jornal Valor Econômico, apontou a companhia como a melhor empresa de energia elétrica do Brasil.
Pioneira em ações de ESG e primeira empresa do setor elétrico a assinar o Pacto Global, a Copel gera, transmite, distribui e comercializa energia. Mais de 96% da energia produzida provêm de fontes renováveis. Sua relação com o meio ambiente e com as pessoas destaca-se por projetos de proteção de flora e fauna em usinas hidrelétricas, manutenção de recursos hídricos, e recuperação de áreas degradadas.
A Copel trabalha por um Paraná cada vez mais desenvolvido, renovável, que preserve suas riquezas naturais e manifestações culturais. Um estado em que a relação entre os seres humanos e natureza seja sustentável para todos.
COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA (COPEL)
SANEPAR celebrates its 60th anniversary in 2023, supplying basic sanitation to promote health, improve the quality of life of the population and stimulate economic activity to 346 municipalities. Over the course of this journey, which includes environmental preservation and innovative management solutions, we have also been involved in supporting cultural initiatives. On a large scale. Throughout the state of Paraná.
Over these six decades, we have been involved in several projects. We support different forms of artistic expression and promote the convergence of collective and individual expressions.
We do so because we believe that another crucial part of our role is to help make art and artistic expression accessible and inclusive. Museu Paranaense (MUPA) is a gateway to this access and a window which widens vision. Supporting MUPA and sponsoring the Public Program "If We Dug our Toes into the Earth" was a way for our Paraná Sanitation Company to open more doors and windows for all peoples. To disseminate a vibrant culture that awakens and stimulates thought. Bringing knowledge and a sense of belonging. More knowledge for better living.
CLAUDIO STABILE
STATE OF PARANÁ SANITATION COMPANY (SANEPAR)
President-Director
Sponsoring a project is not just about financially supporting an idea... At least that's not how we understand it here at Grupo Barigui, Banco Bari, and Instituto Barigui. More than "protecting or supporting; to sustain, favor" — the definitions provided by the dictionary — we believe that sponsoring something means getting involved, identifying with a cause, and often learning from the new horizons that are presented to us. In the case of culture, it is, above all, a matter of co-citizenship and supporting the project. "If We Dug our Toes into the Earth: Relationships Between Humans and Plants" reinforced our desire to go beyond mere "disbursement."
It was a challenge to participate (yes, as sponsors, we also participated!) in this Public Program of Museu Paranaense, an experimental project unlike our daily practice in the terrain of culture. It was comprised of a series of artistic, educational, and cultural actions that examined the relationship between human and plant beings. The spaces and infrastructure of museums and cultural institutions continue to operate based on the same spatial and operational principles that have been in place for over six decades. This project
broke with the concept of merely hosting and displaying artworks and objects — often rare or unique historical pieces. As companies, we learned from the connections, in each planned action, between the knowledge and practices of traditional populations, the constructs of biologists, archaeologists, anthropologists, philosophers, etc., expressed in various forms of art — visual arts, poetry, performance, dance. We welcomed a new understanding of the importance of intangible culture, the manifestation of representative elements, habits, practices, and customs of our people. In times as pragmatic as our own, it is relevant to promote diverse cultural expressions and preserve the traditions and ancestral knowledge of people who are firmly rooted in their territories. In this museum project, intangible cultural heritage reveals itself within multiple forms of connection between humans and plants, also configured as a just and possible legacy for future generations.
With this project, we also assume as our own this mission to preserve Brazil's intangible heritage and, above all, to reinforce the museum as a true space of relationships, accessible and inclusive, sharing this practice with the more than 20,000 people who were able to take part with "their toes in the soil." We hope it has been an enriching experience for everyone!
GRUPO BARIGUI, BANCO BARI E INSTITUTO BARIGUI
COPEL believes in initiatives that disseminate knowledge and contribute to environmental protection. As the largest company in Paraná and the main sponsor of culture in the state, the company invests to promote development and improve the quality of life for over 11 million residents. Its operations, aligned with strict governance practices and socio-environmental care, are recognized throughout Brazil. In 2022, the Anuário Valor 1000, a ranking of the best companies in Brazil compiled by the newspaper Valor Econômico, cited COPEL as the best electric power company in the country.
As a pioneer in ESG actions and the first company in the electric power sector to sign the Global Pact, COPEL generates, transmits, distributes, and trades energy. Over 96% of the energy the company produces comes from renewable sources. Its relationship with the environment and people is highlighted through projects for the protection of flora and fauna in hydroelectric power plants, water resource maintenance and restoration of degraded areas.
COPEL works for a more developed and renewable Paraná, preserving its natural resources and cultural expressions. It envisions a state where the relationship between human beings and nature is sustainable for all.
SECRETARIA DA CULTURA DO ESTADO DO PARANÁ
Governador do Estado do Paraná
Governor of the State of Paraná Carlos Massa Ratinho Junior
Secretária de Estado da Cultura State Secretary of Culture
Luciana Casagrande Pereira
Diretora–Geral da SEEC
General Director of SEEC
Elietti de Souza Vilela
Diretor de Memória e Patrimônio Director of Memory and Heritage
Vinicio Costa Bruni
Coordenador do Sistema
Estadual de Museus Coordinator of the Museums State System
Marcos Coga da Silva
Assessoria de Comunicação
Communication Consulting Fernanda Maldonado
SOCIEDADE DE AMIGOS DO MUSEU PARANAENSE (SAMP)
CONSELHO DELIBERATIVO
Presidente
President
Guilherme M. Rodrigues
Secretária
Secretary Barbara Fonseca
Membros
Members
Cristine Elisa Pieske
Amélia Siegel Corrêa
Juliana Ferreira de Oliveira
DIRETORIA
Presidente
President
Manoela Guiss
Vice–presidente
Vice President
Felipe Vilas Bôas
Secretária
Secretary Francielle de Souza
2o Secretário 2nd Secretary
Richard Romanini
Tesoureira
Treasurer
Josiéli Spenassatto
2a Tesoureira 2nd Treasurer
Mariana Souza Bernal
CONSELHO FISCAL
Presidente
President Gabriela Bettega
Membros
Members
Christianne L. Salomon
Gabriela Martello
MUSEU PARANAENSE
Diretora
Director
Gabriela Bettega
Diretor Artístico
Artistic Director
Richard Romanini
Gestão de Conteúdo e Comunicação
Content Management and Communication
Beatriz Castro
Heloisa Nichele
Núcleo de Arquitetura e Design Architecture and Design Division
Juliana Ferreira de Oliveira
Estagiários / Interns
Isabella Barbosa de Melo
Davi Eduardo B. Molinari
Núcleo de Antropologia
Anthropology Division
Coordenadora / Coordinator
Josiéli Spenassatto
Estagiária / Intern
Maria Eduarda Rodrigues
Núcleo de Arqueologia
Archaeology Division
Coordenadora / Coordinator
Claudia Inês Parellada
Núcleo de História
History Division
Coordenador / Coordinator
Felipe Vilas Bôas
Residente técnico / Technical resident
João Guilherme Züge
Estagiários / Interns
Gabriella Perazza
Felipe C. de Biagi Silos
Núcleo Educativo
Educational Division
Milena Aparecida Chaves
Roberta Horvath
Marília Alves Abreu
Yohana Rosa
Estagiários / Interns
Lucas Plaza da Rosa
Thiago Zeferino Silvestre
Vitor Emanuel W. Souza
Gestão de Acervo
Collection Management
Denise Haas
Laboratório de Conservação
Conservation Laboratory
Esmerina Costa Luis
Janete dos Santos Gomes
Segurança / Security
José Carlos dos Santos
Supervisor de Infraestrutura
Infrastructure Supervisor
Rogério Rosário
SE ENFIASSE OS PÉS NA TERRA: RELAÇÕES ENTRE HUMANOS E PLANTAS
Concepção e projeto
Concept and Project Museu Paranaense
Convidados
Guests
Alene de Godoy
Alessandro Filla
Alex Červený
Angelino Cogrossi (Gelico)
Aorelio Domingues
Aparecida Camargo
Ariane Oliveira
Bekwynhtokti Kayapó
Benedito F. de Freitas Júnior (Ditinho)
Beppre re Kayapó
Bia Figueiredo
Camila dos Santos
Central do Abacaxi
(Camila Frankiv e Amanda Kosinski)
Comunidade Negra Tradicional
Tatupeva
Comunidade Remanescente
Quilombola Córrego das Moças
Comunidade Remanescente
Quilombola João Surá
Comunidade Remanescente
Quilombola Porto Velho
Comunidade Remanescente
Quilombola Restinga
Dalzira Maria Aparecida (Iya Gunã)
Daniel Tiberio Luz
Dona Agda
Dona Evinha
Eduardo Góes Neves
Ewerton Leite Gomes
Fernanda Pitta
Fernando Minto
Gilson Crespo Anastácio
Heloisa Meireles Gesteira
Homero Cidade (SENAR–PR)
Jaime Lauriano
Jaime Rodrigues
João Vargas Penna
Judith Carney
Juliana Rodrigues
Julie Fank
Karen Shiratori
Karoliny Martins
Keila Sankofa
Kokodjy Kayapó
Laboratório Siameses
Laure Emperaire
Lucinéia Rosa Pereira
MAHKU
Marcelo Moscheta
Maria Claudia Santiago
Marie Perennès
Mario Henrique F. Pavanelli
Moxare Kayapó
Mrodjanh Kayapó
Mrynho re Kayapó
Noemi Jaffe
Paulo Chiesa
Santídio Pereira
Sirlei Garigtánh Fernandes
Taisa Lewitzki
Uýra
Vincent Zonca
Xiloceasa (Luiz Lira e Ramon Santos)
Zé Muniz
Parcerias
Partners
Aliança Francesa de Curitiba
Associação Floresta Protegida
Embaixada da França no Brasil
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Acessibilidade (Libras)
Accessibility (Brazilian Sign Language)
Cepol
Revisão
Proofreading
Mônica Ludvich
Alessandro Manoel
Tradução: “Noite das Ideias”
French Version: “Noite das Ideias”
Aliança Francesa
Expografia
Expography
Richard Romanini
Carolina Bassani
Nicolas Marques de Oliveira
Montagem e preparação do espaço
Montage and spatial design
Rogério Rosário
Oscar Fajardo e equipe
Montagem: “LINNAEUS”
Montagem: “LINNAEUS”
Diogo Duda e equipe
Iluminação
Lighting Design
Iluminarte
Registro audiovisual
Video Documentation
Pangea Narrativas Ilimitadas
Registro fotográfico
Photographic Documentation
Marco Novack
Kraw Penas — SEEC
Produção
Production
Marco Novack
CATÁLOGO
Realização Realization
Museu Paranaense
Organização editorial
Editorial Coordination
Gabriela Bettega
Giselle de Moraes
Juliana Ferreira de Oliveira
Richard Romanini
Desenho gráfico
Graphic Design
Juliana Ferreira de Oliveira
Richard Romanini
Textos inéditos
Original texts
Aliança Francesa de Curitiba
Daniel Tiberio Luz
Embaixada da França no Brasil
Felipe Vilas Bôas
Josiéli Andréa Spenassatto
Juliana Ferreira de Oliveira
Laure Emperaire
Maria Claudia Santiago
Milena Aparecida Chaves
Roberta Agnoletto Horvath
Taisa Lewitski
Transcrições, receitas e conteúdos variados
Transcriptions, recipes and varied contents
Alene de Godoy
Aorelio Domingues
Ariane Saldanha
Bekwynhtokti Kayapó
Benedito F. de Freitas Junior (Ditinho)
Central do Abacaxi
(Camila Frankiv e Amanda Kosinski)
Dalzira Maria Aparecida — Iya Gunã
Eduardo Goés Neves
Fernanda Pitta
Fernando Minto
Ibã Huni Kuin
Isabela Ono — Instituto Burle Marx
Jaime Rodrigues
Judith Carney
Julie Fank
Kaila Sankofa
Laboratório Siameses
Luiz Lira
Marcelo Moscheta
Marie Perennès
Movimento Aprendizes da Sabedoria Noemi Jaffe
Ramon Santos
Sirlei Garigtánh Fernandes
Uýra
Vincent Zonca
Preparação e edição de textos
Text editing
Beatriz Castro
Julie Fank
Revisão
Proofreading
Beatriz Castro
Julie Fank
Tradução
English Version
Lucas Adelman Cipolla
Miriam Adelman
Impressão
Printing
Ipsis
Créditos das imagens
Images credits
Kraw Penas (SEEC)
(P. 12–13, 22–23, 37, 38, 42–43, 64, 67, 71, 78, 81, 89, 116, 117, 124, 127, 129, 144, 146, 151, 168, 169, 172, 174, 177, 183, 196, 199, 200, 201, 202–203, 233, 252, 254, 255, 283, 284, 297, 318, 321, 322, 339, 352, 359, 360, 361, 363, 364, 382, 388, 391, 392, 393, 394, 396–397, 340, 403, 404, 407)
Eduardo Macarios
(P. 24–25, 26–27, 28–29, 30–31, 40–41, 50–51, 154–155, 156)
Museu Paranaense
(P. 223, 274*, 362, 370, 371, 372, 373, 374, 375, 376, 413)
Santídio Pereira, João Liberato (P. 44, 45)
Fondation Cartier pour l'art contemporain, Florian Kleineffen (P. 54)
Fondation Cartier pour l'art contemporain, Olivier Ouadah (P. 63)
Fondation Cartier pour l'art contemporain, Luc Boegly (P. 54, 56, 60)
Taisa Lewitzki (P. 84, 85)
Pinacoteca de São Paulo, Isabella Matheus, Jaime Lauriano (P. 114)
Alexandro Mazzo (P. 141, 367, 368, 370, 371)
Uýra, Ricardo Oliveira (P. 206)
Uýra, Lisa Hermes (P. 209)
Uýra, Matheus Belém (P. 210, 211, 212)
Uýra, Keila Serruya (P. 215)
Keila Sankofa (P. 216, 219)
Fiocruz, Rodrigo Méxas (P. 234, 239)
Luiz Lira, Ramon Santos (P. 256, 257)
Eduardo Goés Neves (P. 277)
Filme Paisagem: um olhar sobre
Roberto Burle Marx - Produtora
Camisa Listrada (P. 310, 312, 313)
Simone Giovine (Associação Floresta Protegida) (P. 335, 336, 337, 340, 344)
* Baseado em: SMITH, Bruce D.. Eastern North America as an independent center of plant domestication. Proceedings Of The National Academy Of Sciences, [S.L.], v. 103, n. 33, p. 12223-12228, 15 ago. 2006.
O Museu Paranaense agradece aos diversos profissionais que fizeram parte dessa jornada, compreendida entre os meses de janeiro e maio de 2022, e se dedicaram à realização do Programa Público “Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas”.
Agradecemos também aos patrocinadores do Programa Público e deste catálogo, sem os quais este projeto não aconteceria.
Destacamos, ainda, o apoio dos parceiros que nos ajudaram a tirar a ideia — e o propósito — da reconexão (entre humanos, plantas, museus, públicos, artistas, metodologias, pesquisadores e saberes) do papel.
Por fim, o MUPA agradece às equipes da Secretaria de Estado da Cultura, da qual fazemos parte: ao seu corpo administrativo, bem como aos técnicos, estagiários e voluntários.
MUSEU PARANAENSE
Rua Kellers, 289, São Francisco Curitiba, Paraná, Brasil — 80410-100 +55 (41) 3304 3300 museupr@seec.pr.gov.br museuparanaense.pr.gov.br @museuparanaense
PATROCÍNIO
REALIZAÇÃO
Museu Pa ra naense
/ tex tos de Da n iel Tiber io Lu z , Fel ipe Vi la s B ôa s , Josiél i A nd réa
Spena ssat to … [et a l ] ; tra dução pa ra o i ng lês de M ir ia m Adel ma n e
Luca s Adel ma n Cipol la . - Cur itiba , PR : Museu Pa ra naense , 2 02 4
4 2 8 p. : i l . ; 25 ,5 x 17,5 cm . (Prog ra ma P úbl ico M U PA , 1)
E d ição bi l í ng ue
Per íodo ex positivo: ja nei ro a ma io de 2 02 2
I SBN 9 78 - 65 -981850 -3 -9
1 Museu Pa ra naense - Catá logos 2 A r te - E x posições
II I Spena ssat to, Josiél i A nd réa I V Adel ma n, M ir ia m V Cipol la ,
Luca s Adel ma n V I Prog ra ma P úbl ico M U PA V I I Tít u lo
CDD ( 22ª ed.)
700
Alpha e Garamond Premier
Munken Lynx Roug h 120g
Tiragem
500 unidades