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Moacir dos Anjos O Brasil é um país fundado (ou inventado) pela violência colonial. É um país que traz, inscritas na sua origem, marcas da violência extrema – escravização e extermínio – contra os povos originários das terras que, no início do século 16, colonizadores portugueses tomaram como se fossem suas. É um país que exibe, além disso, marcas da violência igualmente extrema de uma minoria europeia branca contra os cerca de cinco milhões de negros e negras retirados à força de lugares diversos da África e trazidos para serem escravizados no “Mundo Novo” que se formava ali. Violências que, ao longo de vários séculos, reproduzem-se, transmutam-se e querem naturalizar-se, alcançando, como se fosse seu inevitável destino, mesmo os descendentes distantes daqueles que primeiro sofreram as dores da invenção do Brasil. É um país que se institui, portanto, ancorado no racismo, único modo de justificar a destituição de humanidade dos mortos e dos subjugados no processo de construí-lo.1 Essas violências, atualizadas através do tempo, produziram uma desigual e persistente distribuição de corpos nos espaços diversos em que a vida é vivida no Brasil. Produziram diferenças nas possibilidades que corpos diversos vão ter, em suas experiências concretas de trabalho ou de afeto, de viverem com autonomia ou, ao contrário, de serem tutelados por mais alguém; diferenças que foram sempre fortemente ancoradas na origem étnica e na cor da pele de cada habitante do país. Distribuição de corpos assimétrica e excludente que, ao longo do período em que o
Brasil foi colônia, e depois império – entre os séculos 16 e 19 –, foi fixada, como imagem, nas mais diversas situações (religiosas ou profanas, oficiais ou privadas) e nos mais variados suportes, incluindo pintura, desenho, gravura e, finalmente, fotografia. A despeito de qual tenha sido, em cada caso, a motivação íntima de seus autores ao criá-las, são imagens que, quando consideradas em conjunto, constituem um contundente inventário da ocupação desigual de lugares pelos corpos que então habitavam o país. Imagens produzidas ou concebidas, em sua maior parte, por artistas estrangeiros, trazidos para a terra colonizada pelos donos do poder com o intento oficial de registrar – por razões políticas ou científicas – a natureza e a cultura de um mundo em formação. Um mundo que mantinha traços de algo que existia antes dos colonizadores o invadirem, mas que já incorporava radicais transformações em função da própria presença deles ali. Essas representações da construção social do Brasil, feitas por aqueles chamados, usualmente, de “viajantes”, constituem parte importante do que se convencionou chamar de brasiliana – coleções de informações visuais (por vezes acompanhadas de textos) que tematizam o Brasil e que de alguma maneira refletem sobre sua formação. Entre os mais conhecidos desses viajantes incluem-se Albert Eckout, Auguste Sthal, Frans Post, Jean-Baptiste Debret, Johan Moritz Rugendas, José Christiano Jr., NicolasAntoine Taunay, Theodore de Bry, Thomas Ender e Victor Frond.2
1 Foucault, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p. 215; Mbembe, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1, 2018, pp. 29-32. 2 Embora o termo brasiliana também contemple documentos textuais impressos que busquem explicar o Brasil desde o início de sua colonização (livros, panfletos, cartas e outros escritos), aqui são considerados quase somente os registros visuais (mapas, pinturas, aquarelas, desenhos, gravuras, tapeçarias, fotografias). Ademais, apesar de ser possível pensar a brasiliana como um acervo de documentos sob permanente atualização, vai-se aqui ficar restrito ao período compreendido entre os séculos 16 e 19.