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O meu maior fracasso

Guitarrista, produtor, especialista de produtos, instrutor musical, sideman, atuante no mercado desde os 13 anos de idade, colaborador didático de publicações musicais e escritor.

Opinião: o meu maior fracasso

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Os medos e as aspirações, as lutas e obrigações de um músico. Como você está vendo a indústria musical?

A força de vontade e a resiliência são os princípios para o acerto

Sou uma pessoa que, em geral, puxa para si responsabilidades, que assume direcionamentos e que não mede esforços para tentar reverter situações injustas. Muitas vezes tolero acontecimentos ruins e revezes pessoais resilientemente, mas por algum motivo, que me foge à compreensão lógica e sensata, na normatização comportamental que muitos adotam, quando essas ocorrências são injustas a outrem, individual ou coletivamente, me atingem com muito mais força e despertam o meu guerreiro interior.

Nunca fui “o cara que entrou na música para chamar a atenção de garotas”, ou para ser estrela, e sim porque eu queria (e ainda quero) fazer o melhor possível na música, em todos os aspectos.

Sou um músico, não um artista/ celebridade, porque a qualidade do que faço sempre deve preceder quem sou. E ser famoso, considerando a honestidade intelectual disso, deve estar relacionado a três fatores: a aceitação do público em relação à sua obra, a qualidade e a verdade da sua arte, e o prazer sincero que isso lhe traz, enquanto criador de algo; do contrário, é um saco de vento, nada mais...

É possível ser bem-sucedido sem ser famoso, bem como é possível ser obtuso mesmo sendo célebre, e nisso consistem as variáveis máximas de tudo que fazemos nesta terra. Eu me sinto compelido a ajudar no êxito de cada pessoa, seu projeto e missão, mas isso obviamente foge de minhas mãos e não faz parte de minha responsabilidade, por conta do livre-arbítrio alheio em atentar aos conselheiros e avisos.

Há décadas atuo como se fosse obrigação na luta pelos direitos dos músicos, pela união do mercado musical. E nunca deixo de tentar, de alguma forma, direcionar muitos a um “despertar”.

Mas, no fundo, despertar pessoas depende da vontade delas em se permitir abrir os olhos e o coração.

Eu falhei, e continuo falhando, em pregar união entre os músicos, porque existe muita vaidade, arrogância e prepotência no meio musical. E se até a década de 1980 os músicos tinham um certo senso de união de classe, pelas dificuldades da profissão, a partir dos anos 1990 a coisa foi numa direção

gradual de cada um por si.

Repetidas vezes eu não obtenho êxito em falar de ética no mercado musical porque, em vez de me ouvir, estão preocupados em falar apenas, sem se dar conta de que se afastam da oportunidade de ser ouvidos. Antagonizam-se mesmo sem ter o que falar, apenas para discordar, e quando alguém discorda de princípios de ética, algo está muito errado...

Não tenho tido sucesso em direcionar esforços para a conscientização da formação de mercado futuro e no estímulo dos jovens a uma profissionalização real. Avisei, sem resultados, praticamente sobre todos os assuntos que acenavam que seriam prejudiciais ao mercado musical, com bastante antecedência, inclusive, pela percepção clara dos acontecimentos. Mas, em geral, fui ignorado e até hostilizado.

Tive oportunidade de expressar o que sabia e o que percebia em reuniões das quais participei, em treinamentos que dei, em redes sociais, vídeos, blogs. E até quando, no Congresso Nacional, o destino me permitiu falar, só que as pessoas estão muito absortas em si mesmas, ocupadas muito mais com o “o que eu ganho com isso?” do que com o “isso é melhor para todos”.

No final da década de 1980, fui o primeiro a escrever numa revista de música (Tok Pra Quem Toca) sobre organização profissional numa banda e planejamento de carreira — hoje isso seria o tal coach de music business, né?

Nesse estresse de décadas, me vem à cabeça a música do Jesus Cristo Super Star, no trecho de “Gethsemane”, em que a letra expressa o cansaço de uma pregação e o medo das dores de um calvário. Eu sofro pelos erros alheios, por ver a obviedade dos pontos em que a vaidade impera. Por que continuar, então? Seria mais simples entregar os pontos e seguir o fluxo, certo?

Porque aí, sim, eu fracassaria, desistindo da ética, deixando de lado as aspirações, abdicando do estender a mão. Porque, se não se pode deixar como marca a essência de quem somos, do que fazemos e de nosso exemplo pessoal, todo o resto é transitório e contraproducente em um nível existencial maior.

As coisas que almejo para o mercado musical são maiores do que eu, e obviamente dependem de todos, que, se não concordam, que pelo menos apresentem soluções pautadas na verdade dos acontecimentos.

Quando um navio afunda, o desespero ou a apatia não resolvem nada, nem salvam a vida de ninguém. Porque entre o afogamento e a salvação, há o despertar e o sair da paralisação para a ação. A força de vontade e a resiliência são o princípio do acerto, o fim da estagnação e o alicerce do espírito, em qualquer empreitada. n

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