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Premio Tac Terra Una Residencia 2013
Premio TAC Terra Una 2013
Liberdade, MG Terra UNA 2013
Permitido o uso e reproduções deste material desde que se cite a fonte. este livro e outros estão disponíveis em www.terrauna.org.br/arte Organização: Damasceno, José Carols Guerra (Nadam Guerra) Lemos, Beatriz Guimaraens, Domingos de Leers Textos e imagens: Denise Alves-Rodrigues, Bartolo, Beatriz Lemos, Domingos Guimaraens, Elena Landínez, Kaloan, Kamilla Nunes, Lucas Sargentelli, Louise Botkay, Nadam Guerra , Pedro Victor Brandão, Yosman Botero Gómez. ISBN: 9788567041001 Terra UNA Caixa postal 13 Liberdade, MG. Brasil. www.terrauna.org.br
patrocínio: realização:
Sumario 6 12 14 16 20 24 28 32 36 40 44 48 58
Texto Terra Una Lúdico com “C” de Composteira Quando o artista está ao lado Denise Alves-Rodrigues Yosman Botero Gómez Kaloan Lucas Sargentelli Louise Botkay Pedro Victor Brandão Elena Landínez Bartolo Quando o artista está ao lado Fotos residencia
A casa, a arte e o agora Nadam Guerra
_ Era uma vez uma casa. _ Casa é o lugar em que se mora. _ Só que essa casa eram várias e era de muitas pessoas. Era uma comunidade. _ E muitas pessoas moravam lá? _ Algumas. E outras iam visitar, mas visitavam como quem mora. Ficavam tempo suficiente para viverem como quem vive ali. Ou quase. _ E por que arte? _ Arte é a maneira dos visitantes morarem na comunidade. Arte é a maneira que a comunidade tinha de morar nos visitantes. E juntos comunidade e visitantes podiam coisas que não podiam sozinhos. _ Como isso funciona? _ Cada visitante trazia seu foco, sua tarefa que o mantinha ligado a si mesmo. A comunidade oferecia o isolamento necessário para que o visitante escutasse a si mesmo. E também um espaço grande com árvores e rios. _ Os visitantes ficavam isolados nas árvores e rios? _ Se quisessem ou quando quisessem, sim. Mas quando alguém fica consigo mesmo algum tempo, logo vem uma vontade de contar o que escutou, uma vontade de trocar. _ Daí vem a partilha. _ A partilha era o espaço que a comunidade oferecia para que os visitantes sentassem em roda e contassem o que tinham escutado. _ E cada um escutava uma coisa? _ Cada um escuta o que é capaz de escutar que é sempre diferente do que o outro escutou. E que também depende do que cada um
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perguntou. Por isso é tão bom ver o que os outros escutaram. _ Então, veja se eu entendi. Nessa casa que são várias moram pessoas que vivem a arte de morar ali. Outras que vivem a arte de morar em outros lugares vem viver a arte de morar ali junto e trazem a arte de fazer alguma coisa para fazer enquanto moram nesta casa que são várias. _ Mais ou menos. Isso é só o que acontece por fora. Por dentro de cada uma das pessoas acontecem coisas que não dá pra saber. Algumas pessoas vão carregar este tempo, que foi pouco para morar mas foi muito para visitar, para muito longe da comunidade. E vai ser diferente para cada um o significado que este tempo teve. _ E para quem não viveu este mesmo tempo neste lugar? _ Cada um vive sempre o momento que vive. _ É sempre hoje. _ É sempre agora. E isso que se chama arte costuma tentar levar o agora de um lugar para o outro. _ De um hoje que passou para outro hoje onde estou lendo este texto. _ Sim. E tem as pessoas que gostam de chamar a comunidade de ecovila que sempre dizem que para tudo há sempre três objetivos igualmente importantes como os 3 pés de uma mesa, se um estiver faltando a mesa cai. Chamam estes pés: tarefa, processo e relações. _ Tarefa, processo, relação... _ O que vamos ver neste catálogo e nesta exposição e em outras é uma parte da tarefa de cada um. _ O que cada visitante levou para se manter ligado a si mesmo. Premio TAC Terra Una · 7
_ E que foi modificado pelo tempo que passou na comunidade. Esse tempo já vinha trabalhando e continua depois. A esse tempo que chamamos processo. _ E a relação? _ As relações é que fazem a comunidade. A comunidade não é só dos que moram nesta casa, mas dos que visitam também. E as relações entre as pessoas é que dão sentido a esta casa. Estas relações estão presentes aqui para quem conseguir ver, mas são invisíveis para a maioria que não viveu este tempo, que não partilhou este agora que está sendo transportado para cá. _ Então o que vale mesmo é a tarefa que é o que eu vejo agora? (sorriso) _ Ou seria o tempo/processo que transformou cada um e que cada um carrega consigo? _ Ou as relações que as pessoas construíram? _ Sem um dos três pês a mesa teria caído. (sorriso) _ E isso é tudo? _ E isso é pouco? _ Não é pouco, mas é tudo? _ Neste cinco anos que esta comunidade recebe este tipo de visitante que mora em arte, muitos tempos foram vividos, muitas relações se criaram e continuam crescendo e tantas tarefas transportaram estes agoras para além dos montes, para além dos mares. _ Além do ares! _ Esta casa que se mora em arte cria muitas lembranças. Cada visitante que aqui passou deixa escondida uma história em algum
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canto. Debaixo de uma pedra, em uma curva da estrada, ou em uma queda de água. São tantas histórias que estes livros não conseguem guardar. São muitos agoras para o mesmo espaço. _ Vocês vão me mostrar? _ Não tudo. Uma parte. Mas não é pouco. É o que é possível. Desta parte que vamos te contar você vai escutar só que for capaz. _ E que depende das perguntas que eu fizer. _ Venha. Vamos lhe mostrar. 30.05.2013, 23:17
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Artistas em residência
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Lúdico com “C” de Composteira Kamilla Nunes
O espaço mais lúdico de Terra Una foi-nos apresentado já no segundo dia de residência. Chama-se composteira. É feita com tábuas de madeira pregadas de forma irregular, uma acima da outra, somando cerca de 1,80m de altura. Na parte dianteira há um degrau, por onde tanto se pode avistar seu conteúdo quanto facilitar o depósito do mesmo. A intimidade com essa “instalação” funcional ao ar livre se dá de uma forma imediata, tanto quanto àquela construída pelo artista com relação ao seu processo de criação envolto por um ambiente desconhecido. Entre as primeiras conseqüências desta intimidade, está o rápido eclipse da atividade poética com as condições oferecidas pelo meio. Na sombra destes dois elementos, há a esfera das relações que mantém a integridade do grupo e as condições de trabalho manual e intelectual. Embora os artistas estivessem preocupados com a finalização do que se poderia chamar de “obra de arte”, a intensidade do processo de trabalho, da colaboração e das frequentes trocas, constituiu o ápice desta residência. A preocupação de saber se uma ação é arte ou nãoarte, se é falsa-arte ou verdadeira-arte não foi, nem poderia ter sido, submetida ao conteúdo dos meios de manifestação espontâneos da arte. Havia em todo o grupo um estado de alerta e vigília, exatamente porque todos sabiam que a arte responde a estímulos sutis e efêmeros, não necessariamente vinculados ao juízo estético, ao apreço pelo objeto ou à necessidade de registro. 12 · Premio TAC Terra Una
A constante coleta de materiais perecíveis; a catalogação de pedras pela cor e pela forma; a experimentação diária das texturas, formatos e sabores de folhas comestíveis; o olhar apurado para a arte enquanto trabalho e para o trabalho enquanto arte; a observação dos sons da natureza e da movimentação dos vagalumes; a espera como condutora do desenho e aparecimento de sua própria representação; as tentativas de provar os fundamentos da pseudo-ciência e a construção imagética das formas de exportação da cultura e opulência do Brasil, são algumas das inquietações que movimentaram este grupo de artistas. O espaço concreto assegurado às obras resultantes dessa residência acabará por se dissolver, por abandonar seu próprio status, por respirar sem o aparelho que regula a quantidade de ar que entra e sai de seus pulmões, mais precisamente o sistema de arte. O que assegura a existência dessas obras não é o circuito, não é o mercado, não são os críticos, mas são as relações que se estabeleceram para a sua construção. A relação com a composteira, com o ferreiro, com uma árvore, com o cozinheiro, com a benzedeira ou o fazendeiro não é menos importante do que a assimilação destas relações pelo público. Ou, pelo menos, não deveria ser. A composteira, aliais, é precisamente o lugar onde a convivência, nas condições adequadas, é transformada em material orgânico capaz de alimentar outras formas de vida. Premio TAC Terra Una · 13
Quando o artista está ao lado Kamilla Nunes
Durante a residência TAC Terra Una, realizada entre os meses de fevereiro e março de 2013, desenvolvi o projeto “quando o artista está ao lado”, que consistiu na elaboração de textos fictícios sobre o processo de trabalho de cada um dos artistas residentes. Os textos beiram a realidade tanto quanto beiram a crítica de arte, mas instauram um tipo de atitude artística e literária que equipara crítica e obra. Concebi estes textos ao lado dos artistas, tendo acesso aos seus modos de pensar e articular tanto a escrita quanto a fala. Esta proximidade permitiu que se criassem movimentos de tensões e torções de abertura da linguagem para seu exterior – ponto onde a escrita pôde encontrar novas formas de existência. A escrita dos textos em primeira pessoa, na pessoa do artista, sobre sua própria produção, contém dois aspectos entrelaçados entre si: o primeiro é designado por uma escrita ficcional em relação ao mundo referencial de obras em processo; o segundo se configura no modo como a escrita é apropriada enquanto linguagem plástica para expandir suas práticas através da literatura, da crítica e da teoria. Trata-se de como pensar as possibilidades que a escrita empreende na/enquanto arte quando a ficção está encadeada no interior de uma situação real. Ou em como articular esta dobra empreendida por um sujeito que, ao significar a si mesmo enquanto outro, escapa da sujeição e faz da ficção uma estratégia poética. 14 · Premio TAC Terra Una
Tradicionalmente, quando um artista escreve sobre seu próprio trabalho, há nesta escrita um compromisso de que ela mesma seja a extensão deste primeiro. Quando um terceiro escreve sobre o trabalho de um artista, há nesta escrita um compromisso de que ela elucide este também terceiro, que é a obra. Quando essas duas vozes se fundem em uma só, quando este terceiro assume a ficção de ser o próprio artista, não haverá de existir apenas os dois compromissos anteriores, mas também o de colocá-los em suspensão. O envolvimento com os artistas em seus processos de trabalho acarretou em uma experiência onde foi possível vislumbrar estados de impermanência - quase o desaparecimento. A escrita passou a ser um espaço oscilante, da generalidade ao singular, da presença concreta do artista à radicalidade de sua ausência. E este movimento, que foi da ficção à hiper-realidade, do erro à imperfeição, só aconteceu e pôde acontecer pela dimensão vertical da opacidade do sujeito.
pessoas e lugares que tornaram essas histórias possíveis: bia, nadam, domingos, elena, lucas, louise, yosman, pedro, denise, bartolo, kaloan, flor, glorinha, lu, nana, seu tuninho, jaya, juliana, diogo, lili, moradores, cortázar, melville, verônica stigger, mário bellatin, luciano, lucy lippard, pestana, quirinos e terra una. Premio TAC Terra Una · 15
Denise Alves-Rodrigues S達o Paulo maquinista@email.com
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Yosman Botero Gómez Cúcuta, Colombia yosmanbotero.com
NO ENTIERRAN CADAVERES, ENTIERRAN SEMILLAS. Mi obra se basa en procesos experimentales del dibujo por medio del cual planteo una reflexión en torno a la espera, de allí parte la idea de mi trabajo enfocado hacia la problemática de la desaparición forzada en el contexto latinoamericano. La obra transcurre en un marco temporal en el que a medida que un reloj de cuerda funciona, este va recogiendo un hilo que a su vez dibuja sobre una superficie de arena dejando aparecer la imagen de una osamenta. Mi proceso se basa testimonios tomados en el Catatumbo - Norte de Santander acerca de la problemática paramilitar como medio de intimidación y terror para despojar a las víctimas de sus tierras. 20 · Premio TAC Terra Una
Kaloan
São Paulo kaloan.tumblr.com
Entidades temporárias consiste na criação de indumentárias efêmeras feitas de material orgânico perecível, evocando imagens de seres, entidades naturais que constituem sua imagem por materias organicos encontrados na região, coletados após uma investigação da flora e fauna locais, analizando diferentes texturas cores e formas, pesquisando nuances e diferenças entre folhas, flores, galhos, entre outras coisas que forem encontradas. As indumentárias são parte de uma pesquisa em performance desenvolvida por Kaloan, com a parceria de Pilantropov Pausanias, onde são exploradas situações sonoras improvisadas que podem lembrar rituais ancestrais mesclados com dança, dispositivos tecnológicos e outras referências aleatórias. Essas práticas, por vezes incitam outras pessoas a participarem construindo redes frageis de experimentação. Seja pelo canto, pela utilização de intrumentos, os envolvidos colaboram na invenção de um folclore próprio que ativa por vezes em um espírito de celebração e transe. Na mostra coletiva realizada em Terra Una o artista propôs uma prática coletiva como obra, que se denominava Ritual do Escuro. Ritual do Escuro: Durante a noite / Providenciar um lugar que seja completamente escuro, sem frestas de luz / Reunir pessoas em círculo / Cantar o escuro juntos / Acaba quando termina / Voltar a luz. O som criado nessa prática pode ser ouvido em: https://soundcloud.com/zuuu/ritual-do-escuro
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Premio TAC Terra Una · B
Lucas Sargentelli
Rio de Janeiro lucas.sargentelli@gmail.com
Folhas comestíveis Sequências de folhas comestíveis que podem ser montadas em alguns minutos em qualquer lugar onde se encontre por perto a espécie necessária. Estas plantas podem então ser exploradas pela boca a partir de modulações e formas elaboradas para esta experiência. Furos, espirais, nós, dobras sobre si mesmas, cortes laterais, diferentes tamanhos do mesmo objeto, amassamentos, divisões por corte ou rasgo, são alguns dos procedimentos utilizados. Recomenda-se o uso de cuspideiras para as espécies mais peludas ou indigestas. 28 · Premio TAC Terra Una
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Louise Botkay
Rio de Janeiro louizebotkay@gmail.com
Gesto-corrente. O gesto, sozinho, abre todos os caminhos, emprestando ao mundo o poder da ação. Movimento do corpo com ou sem significado, percebido como maneira de ser ou de fazer. Manifestação de uma energia. Criar, trabalhar, forjar : dar, por meio do fogo e do martelo, a um metal quente e ainda maleavel, uma forma aproximativa ou definitiva. Fazer um gesto, doação.
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Pedro Victor Brandão
Rio de Janeiro pedrovictor.com.br
Como exportar: cultura e opulência? começou em Terra UNA como investigação em uma frente visual e outra textual. Com imagens, fiz registros que contém informações sobre o uso da terra dentro e fora da ecovila. Com o remix de dois textos, fiz uma leitura versando sobre a terra como produto. As duas frentes se confrontam criticamente quando o desenvolvimento e o progresso dependem de passados bárbaros e presentes opulentos. Com relação aos aspectos culturais do Brasil, é necessário que o exportador estrangeiro tome certas precauções. Não existe uma cartilha ou manual de comportamento para lidar com os clientes brasileiros: deve-se considerar que é um povo de origem latina, a exemplo de seus vizinhos, mas com certas particularidades. A ideia corrente sobre a impontualidade dos brasileiros não se aplica ao ambiente de negócios, pois o empresário brasileiro é pontual e frequentemente usa o celular para avisar qualquer contratempo que lhe impeça de chegar ao local no momento marcado. Quanto à vestimenta, deverá ser formal, com o uso de terno e gravata para os homens e roupas sóbrias para as mulheres. O certo é que, se o senhor se houver com os escravos como pai, dando-lhes o necessário para o sustento e vestido, e algum descanso no trabalho, se poderá também depois haver como senhor, e não estranharão, sendo convencidos das culpas que cometeram, de receberem com misericórdia o justo e merecido castigo. E se, depois de errarem como fracos, vierem por si mesmos a pedir perdão ao senhor ou buscarem padrinhos que os acompanhem, em tal caso é costume, no Brasil, perdoar-lhes. E bem é que saibam que isto lhes há de valer, porque, de outra sorte, fugirão por uma vez para algum mocambo no mato, e se forem apanhados, poderá ser que se matem a si mesmos, antes que o senhor chegue a açoitá-los ou que algum seu parente tome à sua conta a vingança, ou com feitiço, ou com veneno. 36 · Premio TAC Terra Una
Elena Landínez
Colombia www.elenalandinez.com
El día en que estaba en una casa amarilla con azul, debajo de un árbol grande con ramas de sepientes. Estaba acsotada en un tapete rojo con flores blancas. Había una mata colgada de aquel árbol. Guardaba silencio mientras escribía estas palabras. Escribiía en pasado, porque el viento se las iba llevando, las iba moviendo de un lado a otro. Pasaba el tiempo. Pasaban a un tiempo futuro que no existe. Pero yo, Elena, existí, aquí y ahora. Marzo 3 de 2013.
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Bartolo
Rio de Janeiro bartex74@terra.com.br Como diria Beck: ‘’limitations are limited’’. É bom lembrar que nossas limitações não são ilimitadas. Na realização da instalação ‘’Árvores Sonoras’’ pensei muito sobre isso. Não pelo fato de estar assim tão acossado por limitações, pelo contrário! As possibilidades eram muitas no seio generoso de Terra Una e na companhia tão inspiradora de outros artistas e moradores deste lugar incomum. Na verdade, refiro-me às limitações do meio em que é transmitida a informação. Enquanto artistas, escolhemos o desenho, a música, a poesia e tantas outras formas de expressão para fazermos de cada uma delas nosso meio, nosso veículo de transporte de uma experiência estética, de uma comunicação. Pois bem, estive voltado para a montagem da instalação sonora, tanto sob ponto de vista técnico quanto artístico, tendo que soldar e medir centenas de fios cuidadosamente, e compor uma trilha sonora que conversasse com aquela mata, com aqueles insetos e pássaros, fungos e minerais. Setenta alto falantes falando da e para com a mata. Naquela inebriante vivência multisensorial, pedi ajuda a outras formas de arte, primeiramente a fotografia, para tentar reter aquilo, transportar aquele lugar para que outros pudessem de alguma forma viver a experiência. Aí deparei-me com a tal limitação do meio! E agora, através do verbo, venho em prosa colocar o leitor numa reflexão sobre a experiência sensorial. Transmito a impossibilidade de coloca-la aqui neste catálogo, ou em qualquer outro lugar que não seja na própria vivência da instalação. Em Terra Una também pedi ajuda ao cinema, uma arte maravilhosa que coloca imagem em movimento e ainda pode ter música. Mas faltaram ainda odores e umidade, espacialidade e temperatura. Como um ser vivo, as Árvores Sonoras só podem ser sentidas quando estão vivas, e quando estamos entre elas. Neste caso, através do cinema, da prosa e da fotografia, fica o convite e a sugestão de um mundo que não pode ser totalmente representado e sentido. Árvores Sonoras:
Instalação sonora em espaço natural (picada na mata entre Borboleta e Casula). 70 alto-falantes ligados a um sistema de amplificação em 4 canais. Quatro trilhas simultâneas em diálogo com o som ambiente. Faixa um: Araucárias Faixa dois: Gêmeas
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Faixa três: Uma morta Faixa quatro: Outra viva
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Notas duvidosas ou três vacas escalando uma montanha Antes de mais nada é preciso que saibam que eu só posso ser eu mesma, inteiramente, apenas pelo tempo em que estou sozinha com meus objetos. Narro-me não como uma aventura, mas como a própria experiência ignorada pela ciência. Reporto-me a Moisés e seu cajado, aos mineradores alemães no século XVII com suas varas advinhatórias, aos soldados no Vietnã usando Dual Rod`s para não pisar em bombas, aos Yankees céticos com seus pêndulos e seu sonhado petróleo, aos padres pervertendo os princípios de tesla com suas bobinas de cristais revestidas de cobre. A maneira que encontrei para zerar a energia desses pêndulos, forquilhas, dual rod`s e aurímetros foi enterrando-os em bifurcações e, posteriormente, deixando-os descansar no ponto mais alto da montanha, entre uma araucária morta e outra viva. Parte deles desapareceu das bifurcações, talvez tenham sido levados pelas entidades que circundam a região. A geometria acamada do qual são feitos converte o sensível na razão que espera por confirmação. Se tal sensibilidade me fosse concedida, poderia fazer do meu corpo um condutor de energia e, das minhas crenças, a padronização de métodos científicos. Eu acho que a pseudociência é como a arte de escalar montanhas sem equipamentos e que as duas desgraças do homem são a mávontade e o capital. 48 · Premio TAC Terra Una
Qual seja a dimensão do abandono, raramente sou eu esse algo esquecido, perdido ou decomposto em alguma parte do universo, absolutamente disperso de juízos estéticos ou morais. Guardo-me para garantir que o desaparecimento seja tão real quanto a existência. Para que a imagem em negativo de um esqueleto entoe não apenas a desfiguração física de um espaço que guarda em si a memória do corpo, mas também a lembrança de seu estado histórico. Se o conteúdo da aparição evoca seu contrário é porque a desaparição não é um fim em si, não tem em si mesma o seu limite. De resto, sinto-me como a água que não cessa de escorregar pelas pedras escuras da cachoeira. Sigo o fluxo contínuo do processo, imerso no ruído branco exalado pelo meu próprio corpo. E no caminho inverso ao da queda, esforço-me para mudar a direção das correntes. No lugar dos pés, apoio minha cabeça até a inversão completa do plano ou até a completude da obra. E desse jogo de complexidades, de dualidades litigiosas, de inversões de planos, construo a solidão que concede ao homem a derrota da própria indigência. Premio TAC Terra Una · 49
Em cada bifurcação da estreita estrada de chão, há um conjunto de indumentárias precárias, construídas com materiais despregados das árvores e do solo: cascas metálicas de bambu, um amontoado de folhas de cana e de capim limão, galhos secos de araucária. Dispostas no chão, as peças que compõem aquele corpo esvaído não tardarão também a desaparecer. Decidi seguir o caminho oposto ao de costume até o ponto mais alto da montanha, aonde se pode ver a bifurcação. Duas horas de espera sob a chuva foram o suficiente para avistar, ao longe, um homem completamente nu. Os braços dele caminhavam pelo ar com gestos serpentinos contínuos, a face impávida revelava uma dimensão sagrada e os lábios balbuciavam qualquer espécie de língua morta. O corpo dele avançou paulatinamente em direção às indumentárias. Uma a uma, vestiu-as até o torpor. Num dado momento ele abaixou, cavou superficialmente a terra, retirou dela um pêndulo e deixou a gravidade agir sobre ele. Eu continuava sentada, só fazendo observar. O pêndulo apontou o caminho em cujo fim estava meu corpo. Já na escuridão da floresta, esperei o encontro. Com a ansiedade de quem precisa desfazer uma atadura para olhar a profundidade do corte. Durante a espera pensava em como poderia incidir objetivamente na realidade, mudá-la, apagála, estancá-la. Ele estava muito próximo da árvore de copa perfumada quando me avistou. Foi seu último olhar, antes que fosse tragado por um raio, já em catastrófica palidez. 50 · Premio TAC Terra Una
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Havia nela uma inquietação estranha, intensa. Movia-se lentamente com o cair do orvalho, sem deixar-se encharcar. Ainda que desagradavelmente áspera e insolente, para mim era uma sorte tê-la encontrado. Não recordo seu nome, mas deve ter em torno de vinte centímetros, sustentada por um tronco fino e esbranquiçado. Deveria ter dito antes que as folhas dela são largas e que causam má digestão. É claro que elas são parte indispensável do meu trabalho, do contrário não estaria preocupado em descrevêlas com tanta minúcia. Colhi, lavei e recortei todas em silêncio, pensando em como meu corpo poderia dissolvê-las sem conflito. Mas sob tais circunstâncias - o prazo sendo esgotado, pressão da organização do evento, o grupo ansioso por visualizar a obra – a decisão de utilizá-las passou a ser irreversível. Organizei sequências formais com as folhas desta mesma árvore, que todos engoliram a contragosto. Pela arte, as pessoas dissolvem com saliva até superfícies ásperas. Não tardou até que um dos integrantes desenvolvesse uma alergia que tomou todo o corpo dele. Passaram algumas horas e todos estavam com os mesmo sintomas: manchas vermelhas na parte interna das coxas e dos braços, inchaço nos olhos e muita coceira. A única forma de resolver a situação que poderia vir a se tornar uma catástrofe seria visitar uma benzedeira que morava a trinta minutos do vale. Dona Florência entoou alguns cantos, tocou com uma vara aromática em cada um dos corpos e entregou um punhado de folhas com propriedades curativas para serem usadas no banho. Descobrimos, dias depois, que essa árvore foi plantada sobre uma placenta que estava guardada havia dois anos e meio no freezer de um dos moradores da região. 52 · Premio TAC Terra Una
Último dia da colheita de mel. Estou bem consciente de que a Arte em si é irrelevante. Na camionete Bandeirante há um ventiladorzinho que corta as abelhas pela metade. Não é difícil notar a sujeira das tripas quando espatifadas no vidro. Hoje em dia poucos de nós têm qualquer ilusão a respeito da existência da arte verdadeiramente política. A roupa é dividida em duas partes, uma interna e outra externa. Sobre a cabeça, coloquei uma máscara com grades em 360º. Fechei todas as aberturas com fitas de borracha, vesti as luvas e liguei a câmera. Mas considerando o destino dos artistas nas sociedades totalitárias, suponho que deveriam empregar o tempo deles mais sabiamente. Esperei o Zé e o seu Tunico se vestirem. A sujeira do vidro da camionete não era muito diferente do encardido das roupas. Talvez os artistas sejam mais culpados do que os não-artistas do crime da ingenuidade política da qual todos nós sofremos. Seu Tunico fez um elogio à minha coragem, passou a mão no meu ombro, deu um sorriso para a câmera e me mandou seguir em frente. A estrutura-acontecimento de tal trabalho está em tremenda vantagem sobre o sistema dos contatos dinheiro-podersocial que alimenta a imagem do artista e da arte mundial. Das oito caixas abertas, em apenas duas havia mel. O negro da câmera em contraste com o suposto branco das roupas causava atração e comoção nas abelhas. A única coisa certa é que os artistas continuarão a fazer arte, as abelhas a fazer mel. E parte dessa arte não será sempre reconhecida como “arte”, parte dela pode mesmo ser chamada de “trabalho”. Premio TAC Terra Una · 53
a) É um dissenso. Curiosíssimas pessoas essas que conservam apanhados pontos de vista coloniais sobre as relações mútuas de servos e senhores. O contrabando de órgãos vitais, além de gerar uma situação econômica estável na cidade, apresenta um nível de complexidade similar ao processo importador nos demais países do mundo. Todos os procedimentos estão informatizados em um Sistema Integrado de Comércio Exterior Ilegal, no qual os órgãos governamentais estão interligados a todos os agentes que, de alguma forma, têm participação ativa nos processos de exportação e importação. b) É um consenso. A CNV - comunicação não violenta – é uma prática para a resolução de relações penosas e está diretamente ligada a uma filosofia que busca resolver conflitos internos e externos. Todos os procedimentos estão interligados com um olhar político de descolonizar os hábitos e as relações mútuas de servos e senhores. Na construção de um território compartilhado há uma forte predominância da escuta e do silêncio que, de alguma forma, têm participação ativa nos processos sociais. a+b) Procuro verter tempos e espaços para confundir a pura objetividade fotográfica e apontar a desconstrução do instante. Comporto a autoria pelo discurso, exporto cultura e opulência pela permanência no circuito. A vontade da arte é o artista. Parte deles é exportada ou importada por processos de despacho aduaneiro comum. Em algumas situações, no entanto, eles podem optar pelo despacho aduaneiro simplificado. O presente de barbárie não está dissociado do mercado de arte, nem do contrabando de órgãos vitais, nem da posse de territórios não conflituosos. E aí tem um certo egoísmo de creditar ao mundo todas essas mazelas do homem.
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Não preciso de uma ideologia revolucionária para fazer revolução. O movimento do lápis sobre a superfície branca do papel supre qualquer necessidade de afiliação a um partido comunista. Eu desenho e existo na fugacidade interminável do tempo. Passo os dias coletando as coisas caídas, deslocadas, informes e desprezíveis da natureza e do homem. Talvez porque não acredite em grandes conquistas, em gênios ou em relações estáveis. Prefiro devolver ao mundo o que por ele é ignorado. Afinal, imaginar é a única forma de comunicação viável na escuridão quase negra para onde dirijo minha atenção. lista de coisas ignoradas clip’s enferrujado pedregulho horas telepáticas folhas mortas besouros vícios rotinas cera de ouvido roteiros de viagens não realizadas mapas de lugares que não existem cílios cerâmica quebrada mofos fio dental usado palitos de fósforo queimados medo feijão deformado mosca morta obturação de dentes molares Premio TAC Terra Una · 55
Se existe uma óbvia ponte entre o artificial e o natural, é porque esse vínculo se apresenta como uma polarização. O ato poético parece uma espécie de posse ontológica, sobre o qual incido com os artifícios que não limitam a arte a um mero espetáculo. Perto da instalação sonora há duas araucárias gêmeas, uma morta e outra viva. A morta é o pólo negativo onde está instalado o artifício, a viva é o pólo positivo onde está a posse ontológica.
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Créditos das fotos Capa e contracapa 10, 25, 27, 58, 59 29 26, 30, 31, 60, 61 51 57 62, 63 *63
Pedro Victor Brandão Lucas Sargentelli Louise Botkay Desenho Kaloan Beatriz Lemos Domingos Guimaraens Bartolo
O Prêmio TAC TERRA UNA é uma realização de Terra UNA graças ao patrocínio da TAC-Toulouse Arte Contemporânea e concedeu bolsas de residência entre os dias 20 de fevereiro e 12 de março de 2013 na ecovila Terra UNA. Uma exposição com o resultado da residência ficou em cartaz no Galpão TAC em junho/julho do mesmo ano. Participaram muitas pessoas nesta residência. 6 artistas brasileiros foram premiados: Denise Alves-Rodrigues (SP), Kaloan (SP), Lucas Sargentelli (RJ), Louise Botkay(RJ), Pedro Victor Brandão(RJ), e Bartolo(RJ). Um artista veio através da convocatória internacional: Yosman Botero Gómez (Colômbia). Tivemos duas convidadas: a curadora Kamilla Nunes (SC), e Elena Landínez (Colômbia), artista e gestora do programa parceiro Residencia en la Tierra. Estes participantes escolheram por consenso Denise Alves-Rodrigues para ganhar o Prêmio extra em que ela vai em residência por um mês na Colômbia. A equipe que organizou o projeto foi formada por Nadam Guerra, Beatriz Lemos e Domingos Guimaraens na coordenação e por Luciane Lima e Márcia Peixoto na produção local. Se agregaram a residência também a pesquisadora Lígia Protti (ES) e as voluntárias Florencia Martinez (argentina) e Juliana Sicuro (RJ). A arte desta revista e do site correspondente ficaram a cargo de Elena Landínez, o design do cartaz e site de convocatória do prêmio foram feitos por Juliana Frontin e o banco de dados foi programado por Hélio Ricardo da Brainstorm Consultoria. Tivemos o apoio do Ponto de Cultura e Sustentabilidade, da Escola Estadual Frei José Wulff e do CRAS de Liberdade na realização das oficinas destes artistas na cidade de liberdade. E temos que agradecer imensamente a todos, pois cada um ao seu modo ajudou este projeto a ser como foi: Adelberto dos reis Novaes, Antônia Erian, Antônio Evaristo de Mendonça, Bruno Queiroz, Chico Polônio, Darlene Resende, Dona Rita benzedeira, Diogo Alvim, Emmanuel Khodja, Ícaro dos Santos, Gus de Moura Almeida, Inês Isidoro, Jaya Pravaz, John Harding, Joelma Ferreira, Josinei dos Santos, Kadija de Paula, Lauzina Costa Almeida, Lurdes e Toninho Gardino, Maria da Glória Braga, Maria da Glória Ferraira dos Santos, Marina Dain, Patrick Pessoa, Pedro Seiblitz, Polina Porras, Priscila Quintanilha, Sônia Agnes, Tata Ogan, Thais Medeiros, Tuan Pravaz Damasceno, Valdinei dos Santos, Zé do Manuel e Zuza. Impresso no Rio de Janeiro em Junho de 2013 pela Walprint Gráfica e Editora. Miolo em papel Reciclado Imune 90g e capa em Reciclado Imune 240g/m². As fontes usadas foram Helvetica e Diavlo.
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