Quindim
Gel de caipirinha
Ingredientes ∙ 500 g gemas ∙ 1 ovo ∙ 100 g leite integral (gordo) ∙ 100 g coco ralado ∙ 470 g açúcar ∙ 65 g manteiga derretida
Ingredientes ∙ 250 g de cachaça ∙ 250 g de suco de limão (lima) ∙ 100 g de água ∙ 140 g de glucose líquida ∙ 140 g de açúcar ∙ 7,6 g de agar
Preparação Misture todos os ingredientes e coloque em forminhas untadas com manteiga e açúcar ou spray desmoldante. Despeje a mistura e deixe descansar por 15 minutos. Leve ao forno pré-aquecido a 180 ⁰C por 30 minutos em banho-maria. O quindim estará pronto quando a mistura parecer firme ao toque e a camada de coco dourada. Rende 18 quindins.
Preparação Misture todos os ingredientes e ferva por 2 minutos. Despeje numa assadeira (tabuleiro) para esfriar mais rápido e leve a geladeira por cerca de 30 minutos ou até endurecer. Depois desse processo, bata até ficar com textura cremosa.
É comum encontrarmos em diversas publicações gastronómicas menções ao quindim como um docinho tipicamente brasileiro. Não é meu papel aqui contestar a autenticidade dessa crença mas, desde que me propus a realizar um trabalho documental sobre os pontos culinarísticos que unem as culturas do Brasil e Portugal, é minha obrigação contar para vocês que a inspiração deste doce tão querido pelos brasileiros é totalmente portuguesa. O nosso quindim é uma adaptação da receita Brisas do Lis. Assim como muitos doces da confeitaria (pastelaria) conventual em Portugal, as Brisas do Lis tiveram origem devido a grande quantidade de gemas que seriam desperdiçadas pelas freiras ao utilizar as claras para engomar roupas. E daí surgiram outras sobremesas como Barriga de Freira, Pudim de Abade de Priscos, Toucinho do Céu e Ovos Moles. Repare nos doces portugueses, a maioria é amarela. A base da confeitaria portuguesa leva muito açúcar e muitos ovos, sobretudo gemas e leite para compôr a mistura. A receita das Brisas do Lis é feita com açúcar, gemas e amêndoas, mas na época colonial os portugueses aparentemente não encontraram amêndoas em terras tupiniquins e, por isso, elas foram substituídas pelo coco. Assim nasceu o quindim: originário do Brasil, inspirado em Portugal e, mais tarde, cantado por Carmem Miranda, a mais brasileira das portuguesas ou a mais portuguesa das brasileiras.
A história da origem do quindim é uma das que eu mais gosto de contar e, quando descobri que o restaurante Duplex tinha esse docinho no cardápio (ementa), logo fui averiguar. Trata-se de um restaurante português mas a confeiteira (pasteleira) é brasileira. Lia Tumkus estudou confeitaria (pastelaria) em Melbourne e trabalhou na Burch&Purchese do famoso chef Darren Purchese mas foi em Portugal que ela se sentiu em casa. E eu também me senti em casa assim que experimentei o quindim que ela me serviu. No Brasil, algumas receitas de quindim levam leite de coco, mas a receita que a Lia faz é a mais tradicional (e também mais parecida com as Brisas do Lis). O gel de caipirinha, de sua autoria, fez meu coração disparar! Essa combinação que ela nos apresenta faz com que a gente mate duas saudades numa colherada só. Durante o processo, a Lia me disse que é importante usar gemas pasteurizadas ou peneirar as gemas para o quindim não ficar com cheiro de ovo e para desenformar sem desespero, a dica é não deixar de um dia para o outro e tirar das forminhas assim que esfriar, soltando as bordas com cuidado. Em tempo: além dessa misturinha boa de Brasil e Portugal também há um toque africano no quindim. A palavra quindim na língua quimbundo (Angola) significa dengo. É suposto que na época colonial as escravas africanas no Brasil é que tenham tido a ideia de substituir as amêndoas pelo coco. Mais tarde o quindim passou a ser o doce ofertado a Oxum (deusa da fertilidade, riqueza e do dengo) nos cultos afro-brasileiros, especialmente nos candomblés.
Onde comer quindim: Em Lisboa Duplex www.duplexrb.pt
A base da confeitaria portuguesa é composta por açúcar (muito!), ovos (gemas, principalmente) e leite. A variedade de doces produzidos em Portugal a partir desses 3 ingredientes é impressionante! No Brasil fomos muito inspirados pelos tugas gastronomicamente falando mas no que diz respeito a doçaria pegamos um atalho facilitador de alguns processos e, em meados dos anos 50, adotamos o leite condensado. Não é de se espantar que muita gente pense que o leite condensado seja uma invenção brasileira de tão presente que ele está na nossa confeitaria, no entanto, ele foi criado em 1853 nos Estados Unidos por Gail Borden. O empresário queria diminuir o volume e aumentar a vida útil do leite que estragava com facilidade e em 1861 foi adotado como #ração de soldados$ na Guerra Civil Americana. No Brasil, de acordo com um anúncio no Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro, o leite condensado já era vendido em 1871. Houve uma época em que os portugueses se consideravam os criadores do pudim de leite e acreditavam que a receita tinha surgido nos conventos no século xvi. De acordo com o gastrônomo Virgílio Gomes, não se sabe ao certo como e nem onde o pudim de leite foi criado.
O Cozinheiro Imperial, de 1840, foi o primeiro livro de cozinha editado no Brasil e nele há uma receita de pudim de nata. Com o tempo as receitas foram se adaptando as novas realidades e o leite condensado foi incorporado à receita do pudim, sendo assim, não havia mais necessidade da redução do líquido e o processo foi simplificado. Basta bater bem a massa, colocar numa forma caramelizada e levar ao forno médio em banho-maria até assar. Fica muito gostoso mas também fica bem diferente dos pudins que costumamos comer em Portugal. Quando se fala em sobremesas brasileiras, o pudim e o brigadeiro são dois bons exemplos dos nossos doces populares e eles estão unidos pelo leite condensado como ingrediente principal. Embora seja possível fazer pudim sem leite condensado (coisa mais do que normal para os portugueses), para nós brasileiros é quase impensável. Brigadeiro sem leite condensado, então, é um absurdo. O fato é que estou falando das minhas sobremesas favoritas e não consigo ser imparcial. Sou defensora do leite condensado embora concorde que exageramos um pouquinho (um bocadinho) no uso desta felicidade enlatada.
Veja o passo a passo da receita feita pela Lia no Duplex:
A base da confeitaria portuguesa é composta por açúcar (muito!), ovos (gemas, principalmente) e leite. A variedade de doces produzidos em Portugal a partir desses 3 ingredientes é impressionante! No Brasil fomos muito inspirados pelos tugas gastronomicamente falando mas no que diz respeito a doçaria pegamos um atalho facilitador de alguns processos e, em meados dos anos 50, adotamos o leite condensado. Não é de se espantar que muita gente pense que o leite condensado seja uma invenção brasileira de tão presente que ele está na nossa confeitaria, no entanto, ele foi criado em 1853 nos Estados Unidos por Gail Borden. O empresário queria diminuir o volume e aumentar a vida útil do leite que estragava com facilidade e em 1861 foi adotado como #ração de soldados$ na Guerra Civil Americana. No Brasil, de acordo com um anúncio no Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro, o leite condensado já era vendido em 1871. como e nem onde o pudim de leite foi criado.
O Cozinheiro Imperial, de 1840, foi o primeiro livro de cozinha editado no Brasil e nele há uma receita de pudim de nata. Com o tempo as receitas foram se adaptando as novas realidades e o leite condensado foi incorporado à receita do pudim, sendo assim, não havia mais necessidade da redução do líquido e o processo foi simplificado. Basta bater bem a massa, colocar numa forma caramelizada e levar ao forno médio em banho-maria até assar. Fica muito gostoso mas também fica bem diferente dos pudins que costumamos comer em Portugal. Quando se fala em sobremesas brasileiras, o pudim e o brigadeiro são dois bons exemplos dos nossos doces populares e eles estão unidos pelo leite condensado como ingrediente principal. Embora seja possível fazer pudim sem leite condensado (coisa mais do que normal para os portugueses), para nós brasileiros é quase impensável. Brigadeiro sem leite condensado, então, é um absurdo. O fato é que estou falando das minhas sobremesas favoritas e não consigo ser imparcial. Sou defensora do leite condensado embora concorde que exageramos um pouquinho (um bocadinho) no uso desta felicidade enlatada.
Provavelmente você já comeu areias no Brasil, mas não com este nome. De origem portuguesa, este biscoito amanteigado é fácil de fazer e ideal para o chá da tarde. Repare que a farinha tem o dobro da quantidade do açúcar; isso tem uma explicação histórica e é muito interessante. O açúcar era caro em Portugal e a confeitaria popular diferenciava-se da conventual por utilizar sempre mais farinha nas receitas. Estes biscoitos são vulgarmente conhecidos como areias, mas oficialmente chamam-se areias de Cascais por terem sido criados nessa região no século XIX e são famosos até hoje não só em Cascais como em todo o país. Algumas receitas sugerem a troca da manteiga pela banha de porco e, ao finalizar, passam os biscoitos em açúcar com canela. Outras ainda mencionam o uso de baunilha ou raspas de casca de limão (lima). A minha sugestão, para dar um gostinho brasileiro a esta receita, é servir areias com goiabada. Esta combinação existe no Brasil e chama-se casadinho de goiabada. A goiaba é um fruto tipicamente brasileiro, e já era cultivado antes da chegada dos Portugueses ao Brasil. Há registos sobre a origem da goiabada ser atribuída aos portugueses agricultores e donos de engenhos de açúcar que, na tentativa de criar um doce semelhante a marmelada, típico da doçaria portuguesa, teriam substituído o marmelo pela goiaba e assim teria surgido a goiabada. Gilberto Freyre, no seu livro Açúcar, menciona a goiabada como um doce importante nas casas-grandes do período colonial. Resta a dúvida: seria a goiabada uma marmelada de goiaba?
cascas da goiaba e ser preparada de forma artesanal em tachos de cobre. No distrito de São Bartolomeu, existem festas que celebram a goiaba, e a produção da goiabada cascão é património imaterial de Ouro Preto desde 2008.
A goiabada cascão é famosa em Minas Gerais e diferencia-se das outras goiabadas por utilizar as
Outra curiosidade é os Brasileiros terem o hábito de comer goiabada com queijo e, embora tenha existido a influência portuguesa de se comer queijo com doces, a origem desta combinação é da cultura búlgara. O queijo com goiabada ficou popularmente conhecido no Brasil como Romeu e Julieta depois de uma campanha publicitária na década de 1960. A marca Cica usou duas personagens emblemáticas nas embalagens de goiabada, do ilustrador Maurício de Sousa, vestidos de Romeu e Julieta e, desde então, associamos o queijo ao Romeu e a goiabada a Julieta. Ao que tudo indica, este é um casamento feliz e duradouro nas mesas brasileiras.
O arroz-doce em Portugal está associado a muitas tradições, como batizados, casamentos e romarias. A receita pode ou não levar gemas, mas o uso da canela parece ser indiscutível. O arroz representa a fertilidade, e é por isso que se faz uma chuva de arroz aos noivos no final das cerimónias de casamento. No caderno de receitas da Infanta D. Maria (15381577) há uma receita chamada tigelada, feita com arroz cozido e leite, que pode ter dado origem ao arroz-doce português. Em Portugal é possível fazer uma rota do arrozdoce. A receita muda um pouquinho (um bocadinho) de acordo com cada região e, por isso, já presenciei longas discussões entre portugueses sobre qual seria o melhor arroz-doce. Gemas, casca de limão, casca de laranja e até banha de porco. Estes são alguns dos ingredientes que podem variar conforme o local de produção desta sobremesa. Nas Beiras, por exemplo, o arroz-doce pode ser cortado com faca, diferente de todas as outras receitas que são servidas à colherada. Uma curiosidade interessante desta sobremesa tem que ver com uma antiga tradição de Coimbra que raramente acontece hoje em dia: travessas de arrozdoce são oferecidas pela noiva aos amigos e
familiares como convite para o casamento e, depois, essas travessas são devolvidas com os presentes. Os Portugueses espalharam o arroz-doce pelo mundo e os Brasileiros, assim como fizeram com o pudim, substituíram parte da receita pelo leite condensado, criando um atalho no processo, o que resulta noutro sabor que é possivelmente ofensivo para a maioria dos apreciadores do tradicional arroz-doce de Portugal. Em defesa da nossa memória afetiva, tenho de registar a receita como fazemos no Brasil, pois é ela que nos remete às boas lembranças das nossas infâncias e das festas juninas.
Pão de ló é um bolo fofo, macio e tradicional em Portugal. Assim como muitas receitas doces, teve origem nos conventos do país. Feito à base de ovos, farinha, açúcar e leite, pode ser seco ou húmido, dependendo do modo de preparação e quantidade dos ingredientes. Antigamente, este bolo fazia parte das refeições dos abades mais abastados, e também podia ser oferecido como um agrado às famílias que estavam de luto. E, embora seja português, é no Brasil que se encontra a maior variedade de receitas de pão de ló em livros antigos de receitas. Com base nos registos históricos, e na semelhança da receita com os ovos moles, podemos dizer que a baba de moça, assim como o quindim, é um doce brasileiro com alma portuguesa. A baba de moça é basicamente a receita dos ovos moles com a adição de leite de coco, resultando num creme encorpado e com um sabor interessante. Seria este o motivo do nome? Atenção, alguns doces brasileiros têm nomes engraçados, como pé de moleque, maria mole e teta de nega. Na Bahia, por exemplo, é comum encontrar um doce chamado punheta de tapioca com baba de moça, também conhecido como bolinho de estudante. A baba de moça pode ser servida sozinha, como recheio ou cobertura, e dizem que este creme era o doce preferido da Princesa Isabel. Para fazer a receita de baba de moça como cobertura do pão de ló, fui buscar inspiração aos bem-casados, docinhos que no Brasil são tradicionalmente oferecidos aos convidados nos casamentos como símbolo de uma união próspera e feliz. Os bem-casados são feitos com duas partes de pão de ló unidas por um recheio, e polvilhados com açúcar. Embora já existam muitas opções de recheios, os mais conhecidos são os que levam doce de leite ou baba de moça. Vale a pena lembrar que, se ganhar um bem-casado, tem de fazer um pedido antes da primeira dentada — é assim que manda a tradição brasileira.
A culinária nordestina é apreciada em todo o Brasil e o baião de dois representa todo o borogodó do Ceará. Preparado com feijão, arroz e carne seca, este prato faz menção à dança popularizada pela música de Luiz Gonzaga. A combinação do arroz com feijão representa os ingredientes básicos dos Brasileiros, a comida do dia a dia. A carne dá um toque especial, mas nesta receita foi substituída por um acompanhamento bem português, a patanisca. O queijo coalho também faz parte dos ingredientes brasileiros e aqui cedeu espaço ao queijo da ilha. Desta forma o chef Samuel Brito apresentou-me o seu baião de dois inspirado na receita da sua família cearense, mas com um toque português. Naturalmente, alinhámos na proposta de misturar os sabores dos dois países, já que isso faz parte do nosso trabalho. Considerado ícone da gastronomia do sertão, este prato tem origens incertas. Alguns dizem que por influência da imigração árabe no Brasil, a lentilha pode ter sido substituída pelo feijão, outros apontam a pobreza do sertão brasileiro como fator determinante para a criação de comidas como o baião de dois que rende e dá sustança. A falta de água pode ter feito as pessoas cozerem o arroz no
caldo do feijão e, com o tempo, a tradição terse-ia espalhado, tendo sido adicionados outros ingredientes. De acordo com cada região, a receita pode variar, e estudiosos encontraram até um baião de três criado por índios e que leva macarrão. O gastrónomo português, Virgílio Nogueiro Gomes, escreveu sobre o baião de dois numa das suas crónicas, e deixou no ar uma questão interessante: teriam sido os Portugueses a levarem os seus arrozes de feijão para o Brasil? O autor lembra-nos que o arroz que existe em terras brasileiras desde o século XVI tem características idênticas ao arroz carolino português. Curiosamente, em Portugal come-se arroz de feijão preparado de forma semelhante ao baião de dois. Quanto ao feijão, no Brasil o mais consumido é o feijão carioca (marrom), mas o baião é feito com feijão de corda, comum no Nordeste, e para esta receita usamos o feijão-catarino, fácil de encontrar em Portugal.
Para acompanhar o baião de dois, que foi aportuguesado com o queijo da ilha, o Samuel preparou as famosas pataniscas da Cozinha Popular da Mouraria, receita secreta e uma das melhores que já comi em Portugal. Sequinhas, finas e com ingredientes combinados na medida certa. O chef brasileiro, formado em gastronomia pela Universidade Federal do Ceará, frequenta o mestrado em Ciências Gastronómicas em Lisboa, e trabalhou no grupo Avillez antes de entrar na Cozinha Popular da Mouraria. A propósito, o trabalho desta cozinha é uma luz para todos os que acreditam na comida como memória, afeto e identidade.
Em Portugal, parece que existe sempre uma boa história por trás da comida, e com a francesinha não poderia ser diferente. Esta sanduíche foi criada em 1952 num restaurante no Porto e ficou famosa em todo país. Inspirado no croque monsieur, Daniel David de Silva, proprietário do restaurante A Regaleira, criou a sanduíche com carnes, com queijo derretido por cima e banhado por um molho alaranjado que foi batizado como francesinha pelo amigo e cliente, Júlio Couto. O nome faz menção às mulheres francesas que, na época, eram vistas como mais picantes do que as portuguesas e o sabor do lanche tinha remetido Júlio a esta ligação. Pouco tempo depois dessa primeira prova, as pessoas já faziam filas para comer francesinhas no Regaleira, e outros estabelecimentos começaram a servir a mesma receita com o mesmo nome. Originalmente, o pão usado na francesinha era o bijou, mas agora é comum prepararem no pão de forma. Quanto ao recheio, pode variar conforme o lugar, geralmente serve-se com linguiça, bife, queijo, presunto e molho. Pode ou não ter ovo em cima, e batatas fritas como acompanhamento. A propósito, o molho da francesinha com batatas é espetacular! A história do Bauru, sanduíche popular no Brasil, começou um pouco antes da criação da francesinha. Em 1937, em São Paulo, um estudante de Direito pediu ao balcão do restaurante Ponto Chic para lhe servirem um pão com rosbife, queijo derretido e tomate. Outro colega que estava ali perto disse: me vê um desses como o do “Bauru”, referindo-se ao estudante que era da cidade de Bauru. O nome pegou e a sanduíche também. Desde então a maioria dos bares e padarias brasileiras tem Bauru no cardápio (ementa). Mais tarde, o pepino em conserva foi incluído na receita original do Ponto Chic a pedido de alguns clientes e, com o passar dos anos, o restaurante tornou-se uma rede famosa, ao contrário do português A Regaleira, que fechou as suas portas em 2018, tendo servido a original francesinha até o último dia de funcionamento.
As histórias das duas sanduíches têm pontos em comum e, como apreciadora de bons lanches, assim que experimentei a francesinha pensei no nosso Bauru. Atualmente, o Bauru mais popular no Brasil leva presunto em vez de rosbife e nada mais é do que um misto quente (tosta mista) com tomate. Já a francesinha tem uma mistura de carnes em quantidades impressionantes para qualquer tamanho de estômago. Se, por um lado, falta algo no Bauru, por outro, a francesinha tem vários algos de sobra. Juntar o melhor destes dois mundos pareceu-me uma tarefa fácil e prazerosa: nesta receita o nosso queridinho Bauru foi turbinado com recheio farto, coberto por queijo derretido e abraçado por um dos molhos mais adorados de Portugal.
variação ou outra. A receita é simples, mas isso não garante que todas as bifanas sejam boas e iguais; os segredos estão na qualidade dos ingredientes, na preparação e na proporção do recheio. Em Vendas Novas, pequena cidade que fica a cerca de 80 quilómetros de Lisboa, a popularidade destas sandes é incontestável. Dizem que a receita original é de lá, no entanto, nas minhas pesquisas, não encontrei nenhum documento que comprovasse isso. As bifanas são a marca registada do município desde 2011 e, provavelmente, são as que têm maior projeção nacional.
As bifanas no pão são sanduíches (sandes) feitas com bifes fininhos de carne de porco, bem temperados e servidos no pão com mostarda. Dito isto, fica esclarecido o que é uma bifana e peço encarecidamente que não confundam este clássico português com os pregos, sanduíches igualmente famosas, porém feitas com carne de vaca. No entanto, vale dizer que bifana também pode referirse somente ao bife, semelhante ao lombo no Brasil. Os Portugueses adoram bifanas, e estas podem ser degustadas em todo o lado, de norte a sul do país. Sou capaz de dizer que, na categoria de comida de rua, as bifanas estão para os portugueses como as coxinhas estão para os brasileiros. Ou o pão de queijo! No entanto, diferente do pão de queijo e das coxinhas, que ganharam incontáveis versões e gourmetizações, aparentemente as bifanas mantêm-se intactas na sua essência, salvo uma
Os pães de queijo no Brasil, assim como as bifanas em Portugal, são verdadeiras instituições gastronómicas. É curioso como o pão de queijo também faz sucesso aqui e não é só entre os Brasileiros não, viu!? Há fornadas diárias em redes de supermercados e, além disso, também são vendidos pães de queijo congelados de marcas brasileiras e de produtores independentes. Pão de queijo e bifanas têm mais em comum do que eu poderia imaginar, nem o McDonald's passou ileso a estas duas delícias! No Brasil. vendem pães de queijo especialmente no café da manhã (pequenoalmoço) e, em Portugal, a McBifana foi incluída no menu em 2012. A ideia desta receita não nasceu por acaso. Numa reportagem que fiz para o SBT sobre sanduíche de pão de queijo, tive a feliz oportunidade de experimentar uma recheada com pernil e ovo frito (ovo estrelado PT). Que maravilha! Aquilo parecia ter descido dos céus nas mãos de um anjo diretamente para o meu estômago. Minto. Comidas como estas não vão para o estômago, vão para o coração. E foi a partir desta memória afetiva que decidi juntar as bifanas ao pão de queijo de frigideira, que já era sucesso aqui em casa. Esta é daquelas receitas fáceis e realmente boas, que dá vontade de partilhar com todo o mundo que a gente gosta.
A essência é a mesma: pedaços de carne com bastante molho servidos no pão. Imediatamente liguei os pontos e fiz esta receita a que carinhosamente chamei bifana louca servida com bijou, um pão que absorve bem o molho, é macio e não se desfaz. No Rio de Janeiro existe uma versão semelhante à carne louca conhecida como roupa velha. Aliás, este é o nome que os Portugueses dão aos restos de comida que juntamos para formar um prato de sobras, muito comum nas festas do fim de ano em Portugal.
No Brasil chamamos carne louca a uma preparação de carne desfiada cozida na panela de pressão com molho bem temperado que, geralmente, tem uma variação de ingredientes de acordo com o gosto de cada um, ou com o que se tem na geladeira (frigorífico PT). É muito comum servirem carne louca em festas infantis ou reuniões familiares, e a forma mais popular de ser servida é numa panela grande com pãezinhos ao lado. É simples assim, cada um monta o seu lanche, e não é necessário muito mais do que isso para reunir os amigos. Nestes dois anos, em modo gastronómico intenso em Lisboa, não encontrei nada parecido com a carne louca, mas ao viajar um bocadinho apresentaramme a bifana à moda do Porto e… pimba!
No quesito aproveitamento, a carne louca é imbatível, pode adicionar-se quase tudo o que temos na geladeira (frigorífico PT): azeitonas, ervas, cogumelos e pimentos são alguns dos exemplos. Nesse sentido, a receita da bifana à moda do Porto talvez seja menos flexível, embora nas minhas pesquisas tenha encontrado algumas variações de ingredientes, mas geralmente usa-se limão, colorau, uísque, vinho do Porto e molho inglês para fazer o molho. Em São Paulo, comer carne louca é tradição. Tanto é que em 2017 abriram um restaurante especializado nesta receita, o Crazy Beef, também conhecido como carnelouqueria. Os proprietários garantem que as sanduíches não são gourmetizadas e são vendidas a preços populares. Seja carne louca, bifana à moda do Porto ou bifana louca, estes são bons pratos para se ter sempre em casa. Além de recheios para sanduíches (sandes) também podem servir de molho para massas ou acompanhamento de uma salada. No Brasil é um clássico e, pelo visto, em Portugal também.
No Brasil é conhecido como sonho e, em Portugal, como bola de Berlim. Trata-se de um bolo recheado com creme e muito comum nos dois países. Se de um lado do oceano é um ícone das padarias (pastelarias) brasileiras, do outro, brilha nas praias portuguesas. No início da minha vida em Portugal, estranhei este costume de comer sonho (bola de Berlim) na praia, mas depressa percebi que é um hábito tão enraizado por aqui como para nós é comer queijo coalho no espetinho (feito numa espécie de churrasqueira ambulante improvisada) ou beber água de coco. A propósito, sonho para os Portugueses é um outro doce, mais parecido com o nosso bolinho de chuva, mas isso é assunto para outro capítulo. A receita da bola de Berlim foi inspirada na berlinesa, de origem alemã. Poucos sabem, mas a bola de Berlim foi criada em Portugal a partir da adaptação dessa receita trazida pelos imigrantes judeus, que chegaram ao país na década de 1940. A berlinesa perdeu o recheio de frutos vermelhos e ganhou o tradicional doce de ovos, nada mais natural, tratando-se de Portugal. Já no Brasil, o recheio tradicional é um creme de confeiteiro feito com baunilha. No Brasil, conta-se a história de que os padeiros de São Paulo criaram o sonho em 1920 a partir das sobras de massa, e pouco tempo depois esse pão doce tornou-se um sucesso. O sonho para nós está intimamente ligado às padarias, tanto é que nos referimos a ele como sonho de padaria. Em Portugal, depois dos anos 1990 apareceram outros sabores, e já há mais de 20 tipos de recheios de bolas de Berlim, e a massa também se faz noutras versões, como de beterraba, alfarroba e cenoura. No Brasil, este pão doce também ganhou uma diversidade de recheios (tem até de pudim!) e, como somos muito criativos, também fizemos na versão bolo e, nalguns casos, além do recheio, adicionámos uma cobertura. Se é bom, porque não?
Para fazer o sonho (bola de Berlim) deste livro, usei a receita do pão que aprendi no Brasil e do creme de ovos que me ensinaram em Portugal. É difícil resistir a este doce. Seja no Brasil, ou em Portugal, a massa é fofinha, o recheio é cremoso e esta é uma combinação deliciosa! Aqui ou lá, o facto é que o quitute faz parte da infância de Brasileiros e Portugueses, e a cada dentada somos levados para um lugar onde se guardam as boas (e doces!) memórias.
Quem não tem uma lata de atum guardada no armário não sabe o que é safar-se do desespero da fome quando já não há nada na geladeira (frigorífico PT). Salva-nos sempre em caso de emergências. Este recheio é versátil, bastante usado para acompanhar torradas ou na preparação do que chamamos de macarronese, que nada mais é do que macarrão cozido (geralmente daqueles tipo parafuso) misturado com o patê de atum, e servido gelado como entrada, ou na mesa dos frios.
Se é brasileiro, já deve ter experimentado ou visto este bolo nalguma festa de aniversário, provavelmente de crianças. Este é um bolo salgado gelado, basicamente feito com pão de forma e patê. Em Fortaleza, costuma-se fazê-lo com vários tipos de patês, e os sabores misturam-se a cada garfada. Há quem goste, e muito! Não há a um acordo quanto ao nome desta receita, que também é conhecida como torta de pão. Quanto à apresentação, esta é a forma mais comum, finalizada com maionese, batata-palha, tomate e folhinhas de salsa. Também já vi colocarem ovos ou morangos no topo; é feita ao gosto de cada um e do que tiver na geladeira (frigorífico PT). Este bolo representa algo familiar, feito para partilhar, e é extremamente simples. A qualidade dos ingredientes determina a gostosura do bolo, como é óbvio. No Brasil não temos tantas opções de conservas como em Portugal, e o mais popular dos enlatados é o atum.
As conservas em Portugal são um espetáculo à parte, a começar pelas embalagens que me encantaram desde o dia em que pisei este país pela primeira vez. Já no aeroporto é possível encontrar as latas coloridas e bem desenhadas e, além do apelo visual, existem muitas opções de peixes (os mais famosos são o atum e a sardinha). Já os molhos, são diversos: azeite, curry (caril), cebola, grão-de-bico, feijão, picles, tomate, teriyaki, picante... e estes são só alguns exemplos. A mais antiga conserveira do mundo em funcionamento é a Conserveira Ramirez, criada em 1853 no Algarve. No início do século XX, a indústria das conservas era uma das mais fortes de Portugal. Em Portugal, existem lugares especializados em conservas, e mesmo em restaurantes finos há conservas no cardápio (ementa ). No Brasil, estamos acostumados a associar os peixes enlatados a algo simples, barato e de pouco valor adicional, mas ao experimentarmos as conservas portuguesas, elevamos o nosso conceito sobre estas iguarias a outro nível. A propósito, para se comer peixe enlatado aqui em Portugal não é preciso muito: basta uma latinha e um bom pão. Está feito o match perfeito!
Os Portugueses adoram brigadeiros, e por aqui já existem várias lojas especializadas nesta receita. No Brasil, os brigadeiros reinam entre os doces e fazem parte da memória afetiva de muita gente. Nas festas infantis, por exemplo, os brigadeiros não podem faltar. TPM? Brigadeiros! Sobremesa rápida para agradar todo mundo? Brigadeiros! Brigadeiros nunca são de mais e quanto mais, melhor. Os brigadeiros tradicionais são os de chocolate, mas ao longo do tempo estes docinhos, por serem versáteis, ganharam outros sabores e combinações. Em São Paulo, é possível encontrar mais de 40 tipos de brigadeiros num único lugar, e para além do formato bolinha, também é usado como recheio de bolos e coberturas. A propósito, o próprio brigadeiro pode ser recheado e existe até uma versão chamada brigacake que é um brigadeiro com recheio de bolo. Uma delícia! As palavras do @akapoeta definem com precisão o docinho brasileiro mais famoso do mundo: É o que acontece quando o brasileiro inventa um doce com a cara do Brasil. Ele mistura felicidade em pó com amor condensado. É aquilo que sempre cabe mais um na mão, na boca ou no copinho de plástico da festa. É bom até mesmo quente na panela, de colher, na casa da sua melhor amiga. É o que a gente faz quando bate a tristeza: B R I G A D E I R O. da panela para a colher, da boca pro sorriso.
O brigadeiro foi criado em 1945 por uma doceira em homenagem ao brigadeiro Eduardo Gomes, candidato à presidência naquela época. As senhoras, que se reuniam para apoiar a candidatura do brigadeiro, preparavam chás da tarde e, numa dessas reuniões, a dona Heloísa Nabuco de Oliveira levou docinhos feitos com leite condensado e chocolate e batizou-os com o nome brigadeiro. O candidato perdeu as eleições, mas o doce ganhou o coração dos Brasileiros, e faz sucesso até aos dias de hoje. Para aportuguesar o brigadeiro, já que ele é democrático, resolvi recheá-lo com ovos moles, doce tradicional de Aveiro, em Portugal. Antigamente, os ovos moles de Aveiro eram feitos com chocolate, mas essa tradição perdeu-se depois da Segunda Guerra Mundial por causa do aumento do preço do cacau.
Atualmente, os ovos moles de Aveiro são vendidos em pequenas porções, envolvidos em hóstias em formatos de temas marítimos, mas neste livro ganharam outro grande aliado, o brigadeiro. Garanto que esta é uma receita politicamente correta. Experimentem!
Faça chuva ou faça sol, a sopa não pode faltar no menu dos Portugueses. Diferente do Brasil onde não temos o costume de tomar tantos caldos e cremes, em Portugal fazem parte do dia a dia das pessoas, independentemente das temperaturas que os termómetros marcam. A sopa é um dos pratos mais antigos do mundo, e Portugal é um dos maiores consumidores de sopas da Europa (se não o maior!). Não é à toa que aqui existam lugares especializados em sopas, e que funcionam durante todo o ano. Considerada uma das 7 maravilhas da gastronomia portuguesa, o caldo-verde é muito consumido e faz parte da história do país. É possível que esta sopa tenha sido criada na região do Minho no século XV, mas não se descarta a possibilidade de ser mais antiga do que isso. Em tempos de menos abundância, este era o prato principal das pessoas mais pobres; comia-se ao jantar e também de manhã, antes do trabalho nos campos. O caldo-verde que vos apresento é feito com batatas e couve-galega como manda a tradição, mas vem acompanhado de linguiça (salsicha brasileira) em vez do chouriço português. A couve tem de ser cortada fininha (migada) e, embora o processo de preparação seja simples, cada pessoa tem um jeito, dica ou segredo que dá à receita um toque especial. Os cozinheiros sabem que as sopas têm a identidade de quem as cozinha. A fama deste prato é tanta por aqui que até ganhou uma festa em sua homenagem, o Festival do Caldo-Verde em Irivo. Pensar numa sopa típica de Portugal é, sem dúvida, pensar no caldo verde.
Dizem que onde há um português, há caldoverde. Deve ser por isso que esta sopa é também bastante conhecida no Brasil. Nada mais natural visto a quantidade de portugueses e descendentes de portugueses que vivem por lá. Os ingredientes da receita podem ser facilmente encontrados nos dois países, e para nossa sorte há muitas padarias portuguesas em todos os cantos do mundo, onde se pode comprar bons pães para acompanhar este caldo, que realmente faz jus ao título de maravilha gastronómica.
Os enchidos em Portugal são uma tradição, e o chouriço é uma das iguarias mais populares de norte a sul do país — é tão comum em Portugal como a linguiça no Brasil. A propósito, a linguiça aqui chama-se salsicha e, em alguns mercados, encontramos a linguiça do nosso tradicional churrasquinho vendida com o nome de salsicha brasileira. Salsicha, no Brasil, é a do cachorroquente e pronto, não tem o que discutir. Sempre que ouço (oiço) um português dizer salsicha faz-me muita confusão, pois não sei ao certo se se refere à linguiça brasileira ou à salsicha do cachorro-quente (neste caso a linguiça deles, pelo menos em boa parte do país). O chouriço no Brasil pode ser encontrado em redes de supermercados como Pão de Açúcar e Extra, mas não é muito habitual comprarmos chouriço. A propósito, sempre me remeteu a ideia de um enchido com sangue. De acordo com Luis Camara Cascudo no seu livro Dicionário do Folclore Brasileiro, chouriço, no Nordeste brasileiro, é um doce feito com sangue de porco e especiarias, talvez isso tenha que ver com a minha ideia preconcebida desta iguaria. Em Portugal, descobri um mundo de enchidos, e o chouriço é o mais famoso de entre eles. Também descobri que nem todo o chouriço é feito com sangue e, por isso, provei alguns, afinal é impossível passar ileso ao chouriço nas tascas portuguesas. Geralmente, são servidos num assador de barro próprio para chouriços onde se coloca o álcool, se acende o fogo, e o enchido é assado em poucos minutos.
Gosto tanto de chouriço que ele está nas minhas listas de supermercado, e também tinha de estar aqui neste livro, feito exatamente como os Portugueses me ensinaram mas, ao invés do álcool, usei a famosa cachaça 51 que é vendida em Portugal e bastante conhecida (no entanto, é um pouco cara para os Brasileiros, custa cerca de 9 euros). Em casa, esta cachaça não brilha só nas caipirinhas, mas também é estrela de um bom petisco feito à moda antiga.
Chouriço de carne: feito com pedaços de porco (lombo e paio) temperados com colorau, pimenta picante (piripíri), alho e sal. Chouriço de massa: a massa é preparada com sangue, farinha de centeio e milho, água e rojões, e é temperada com sal, pimenta e colorau. Estes enchidos são levados ao fumeiro depois de cheios, e podem ser servidos fritos. Chouriço de sangue: leva sangue, com ou sem carne e gordura do porco. Não é fumado, é escaldado. Chouriça: é típico de Trás-os-Montes, trata-se do que chamamos de chouriço em Lisboa. Chouriço alentejano: enchido feito com sangue. No Alentejo, o chouriço de carne chama-se linguiça.
Não conheço nenhum brasileiro que não goste de farofa e, ao fim de dois anos em Portugal, também não encontrei nenhum português que não gostasse de alheira. Só ando com boa gente! A propósito, os Portugueses ainda estranham um pouquinho (bocadinho) a textura da farofa, principalmente quando ela é mais seca. Aos poucos, a farofa tem sido introduzida aqui, especialmente nos restaurantes que servem feijoada brasileira e nas churrascarias com rodízio de carnes. Afinal, seja no Brasil ou em Portugal, a farofa não pode faltar quando se fala nestas comidas. A base de qualquer farofa consiste em saltear a farinha de mandioca em alguma gordura (manteiga ou óleo) e, depois, deve-se adicionar os ingredientes de acordo com a preferência pessoal e/ ou gastronomia regional. Existem farofas de vários tipos: banana, ovos, cebola, bacon, carne seca, couve, linguiça (salsicha). Farofeira é o nome que dei a esta receita de farofa (que é tipicamente brasileira) feita com alheira (que é uma iguaria portuguesa). Misturar os sabores do Brasil e de Portugal é uma deliciosa aventura! A alheira é um enchido, e os seus principais ingredientes são aves, pão, azeite, banha, alho e colorau. A versão mais difundida sobre a sua origem é de que surgiu no século xv com os judeus expulsos da Espanha, que se instalaram em Portugal. Para não serem perseguidos pela Inquisição, tiveram de fingir que consumiam carne de porco e, por isso, criaram a alheira para burlar os inquisidores. Na época, os judeus produziram o enchido com frango e massa de pão para ligar. Os cristãos, por acaso, acabaram por gostar da receita e, posteriormente, passaram a fazer alheiras com... carne de porco! Atualmente, existem alheiras de vários sabores, e até mesmo vegetarianas. Já a farinha de mandioca surge entre os Índios antes do período colonial no Brasil. Era usada com o objetivo de disfarçar o gosto dos alimentos crus e também para dar consistência à comida que se comia com as mãos. Mais tarde, provavelmente na época colonial com a influência dos africanos, a farinha de mandioca passou a ser misturada com outros ingredientes, dando origem à farofa.
As opções são inúmeras e a farofa é democrática: pode ser mais molhadinha (húmida) ou mais seca, e aceita muito bem os ingredientes locais. Por isso, tratei logo de inventar uma farofa aportuguesada que é sempre um sucesso quando a faço para os meus amigos luso-brasileiros.
Costumo brincar, dizendo que a vida é muito curta para comermos pão de queijo só com um queijo aqui em Portugal e, por isso, fiz esta receita de pão de dois queijos inspirada pelas texturas e sabores das queijarias portuguesas. Desde pequena que gosto de pão de queijo e, como todo o bom brasileiro, tenho as minhas preferências de como ele deve ser: massa puxenta (mole PT) e recheio de catupiry. A propósito, o catupiry é uma marca brasileira que produz um tipo de queijo específico que só existe no Brasil. Os brasileiros que vivem em Portugal dificilmente encontram catupiry por aqui mas já existem alguns lugares que fabricam queijos estilo catupiry para satisfazer a vontade dos mais saudosos (e gulosos), é o caso do Dona Beija e da pizzaria Simplesmente.
A origem do pão de queijo parece ser óbvia, pois foi em Minas Gerais, em meados da década de 1960, que uma senhora ficou famosa pela sua receita e, posteriormente, transformou-se num negócio de família que cresceu e ficou conhecido em todo o Brasil como a Casa do Pão de Queijo. O pão de queijo mineiro é o mais famoso e, em Minas, a receita é um clássico passado de geração em geração. No entanto, não se sabe bem em que momento aconteceu o match do polvilho com o queijo. Como a farinha de trigo só passou a ser produzida no Brasil no início do século xx, é razoável pensar que na época colonial era possível produzir este tipo de pão com polvilho. Isto me leva a imaginar, num exercício racional lógico, que os Portugueses podem ter criado o rascunho do pão de queijo. De qualquer forma, a receita como a conhecemos hoje é brasileira, e o nosso amado pão de queijo já conquistou o mundo. Depois de algumas experiências com queijos portugueses, cheguei à conclusão de que o queijo da Ilha e o de Azeitão fazem uma combinação perfeita com o polvilho. O queijo da Ilha deixa o pãozinho com uma crocância incrível e um sabor que, como dizem os Portugueses, pica no final. Já o de Azeitão, obtido do leite cru de ovelha, é intenso e extremamente cremoso. Queijo em Portugal é assunto sério, é um produto muito enraizado nos hábitos alimentares e, ao contrário do Brasil, onde há produções nichadas para um determinado público, existem muitas opções de queijos no mercado português, acessíveis para a maioria da população. Se for um amante de queijos, deve colocar Portugal na sua lista de viagens e, se vier para cá (ou já estiver aqui), faça esta receita, pois o seu pão de queijo vai atingir um novo nível de gostosura. Onde encontrar pão de queijo em Portugal: a rede de supermercados Pingo Doce tem fabricação própria com fornadas diárias.
Em Portugal, existem mais de cem tipos de pães, e o Pão de Deus é um dos mais famosos. No Brasil, é pouco conhecido, mas os Brasileiros que visitaram a terrinha ou que têm parentes portugueses certamente já ouviram falar desta delícia. Trata-se de um pão de leite, muito macio com uma camada de doce de coco por cima, e que geralmente é servido no café da manhã (pequeno-almoço PT) ou ao lanche ao fim da tarde. Uma curiosidade interessante é que os Portugueses comem este pão doce recheado com presunto (fiambre PT) e queijo. Para quem gosta de misturar doce com salgado é fantástico! No Brasil, o mais próximo que temos do Pão de Deus é o pão de coco. A infância de muitos da minha geração foi marcada pelos vendedores ambulantes, que levavam nos seus carrinhos pães de coco, sonhos (bolas de berlim PT) e outras guloseimas. Vendiam de porta em porta e usavam uma buzina para chamar a atenção da vizinhança. Até meados do século XIX, a farinha de trigo era cara e a produção brasileira de pães baseava-se no uso da mandioca. Na segunda metade do século XIX, a farinha de trigo passa a ser mais comum, especialmente na fabricação de pães, desde então, e esse mercado cresceu especialmente em São Paulo com a chegada de imigrantes italianos e portugueses. Uma outra curiosidade histórica que não nega os nossos laços com os Portugueses é que tanto no Brasil como em Portugal, nalgumas regiões destes países, as crianças saem às ruas a pedir #pão por Deus$ no dia 1 de novembro, o Dia de Todos os Santos. Esta tradição é conhecida como o #Halloween português$ e pode ter sido levada para o Brasil pelos imigrantes. Quando as crianças pedem #pão por Deus$ recitam versos em troca de uma oferenda, e dizem que daí pode ter surgido o nome #Pão de Deus$ para esta receita.
Onde recebem comidas, as crianças geralmente recitam:
Onde não recebem comida, a travessura é em forma de versos:
A tradição fortaleceu-se após o terramoto de 1755, quando os Portugueses aproveitaram para usar o pão por Deus para arrecadar alimentos para as pessoas atingidas pela catástrofe. Atualmente, a prática é mais comum nas cidades pequenas, e o Pão de Deus é uma excelente oferenda que agrada a crianças e a adultos, no Brasil e em Portugal. Onde comer Pão de Deus (e outros pães portugueses) em Lisboa Padaria da Esquina www.padariadaesquina.com Padaria Portuguesa www.apadariaportuguesa.pt Onde comer Pão de Deus (e outros pães portugueses) em São Paulo B.lem Bakery www.blembakery.com Padaria da Esquina www.padariadaesquina.com
Se para os Portugueses, o queijo é um produto que faz parte dos hábitos alimentares do dia a dia, para nós, Brasileiros, é o requeijão. E atenção: requeijão em Portugal não é a mesma coisa que no Brasil. Requeijão aqui é tipo um queijo ricota e, para os Brasileiros, requeijão é um queijo cremoso que ganhou popularidade na década de 1990, quando passou a ser distribuído no mercado em copos, baldes e bisnagas. A história do requeijão brasileiro pode ter origem na época colonial quando as cozinheiras acrescentavam creme de leite à massa da coalhada, água e sal. Atualmente, no Brasil o requeijão é amplamente utilizado, e serve tanto para passar (barrar) em pão e torradas como para ser utilizado em receitas culinárias. Nas padarias paulistas é comum encontrarmos o famoso pão com requeijão na chapa. Trata-se de um pão francês (pão brasileiro) com uma camada generosa de requeijão que, ao ser colocado na chapa quente, forma uma crosta torradinha e crocante de queijo. Este pão é geralmente servido no café da manhã (pequenoalmoço). Os brasileiros que vivem em Portugal procuram lugares específicos que tenham produtos brasileiros para comprar o tão querido requeijão. Eu mesma já revirei Lisboa de cabo a rabo atrás de requeijão brasileiro. Numa das minhas investidas nas redes sociais para encontrar algo similar, indicaramme os queijos cremosos das marcas Milkana e Queru, fáceis de se encontrar nos supermercados portugueses. De facto, estes matam as nossas lombrigas, e são parecidos com o nosso, mas pela quantidade de requeijão que nós, Brasileiros, costumamos usar no dia a dia, gastaria um salário mínimo por mês a comprar estes queijos. Para que ninguém vá à falência ou passe necessidades, testei receitas caseiras de requeijão e trago-vos esta que fez o maior sucesso cá em casa. No Brasil, ela normalmente é feita com mussarela (o nosso queijo popular), mas aqui em Portugal o flamengo é o queijo que ocupa quase metade do mercado de
queijos no país. Apesar da origem holandesa, o queijo flamengo é o queridinho dos Portugueses, e não pode faltar em lanches (sandes) ou no café da manhã (pequeno-almoço). A capa (casca PT) avermelhada é resultado de uma mistura com urucu, planta que os Holandeses comercializavam com os Índios no Brasil na época das invasões no século XVI. É importante esclarecer que requeijão cremoso não é a mesma coisa que cream cheese. O tipo de fermentação é diferente e, sobretudo, a textura e o sabor. Considerado um dos produtos alimentícios mais tradicionais do Brasil, o requeijão passou a ser vendido em copos de vidro em 1955, pela marca Poços de Caldas. O produto tornou-se tão popular que os copos de requeijão tornaram-se um clássico nas cozinhas de qualquer família brasileira. Para se ter ideia da popularidade, existem receitas em que se mede a quantidade dos ingredientes por copo de requeijão. Penso que o nosso requeijão seria bem-vindo em Portugal, mesmo com toda a concorrência. Só pela quantidade de brasileiros que vive aqui já seria um sucesso! A comida tem um papel importante para os imigrantes, pois remete-nos ao sentimento de pertença, ajuda na procura da nossa identidade e liga-nos às nossas raízes. Não é à toa que fiz amigos que também procuravam por requeijão brasileiro em Portugal. .
A diferença entre as pataniscas e os bolinhos de bacalhau é que as primeiras não levam batata na massa. Já as minhas tapaniscas seguem a receita tradicional das pataniscas, mas, ao invés da farinha de trigo, uso tapioca (farinha de mandioca) e, assim sendo, não precisam de ser fritas. Ao colocar a mistura numa frigideira antiaderente bem quente, a massa não pega e, por isso, a tapanisca é mais saudável e não contém glúten. Tanto no Brasil como em Portugal há um movimento pró-saúde, e hoje fala-se muito mais sobre os hábitos alimentares e origens dos alimentos do que falávamos antigamente. A substituição inteligente de alguns ingredientes faz com que determinadas receitas se tornem aliadas de uma dieta saudável, e as tapaniscas podem ser consideradas exemplo disso. Não ouso dizer aqui que sejam melhores do que as originais, não se pode comparar, pois são coisas diferentes. Ouso apenas dizer que são uma versão abrasileirada ou FIT de um dos petiscos mais queridinhos dos Portugueses.
Tapaniscas, é isso mesmo, não leu mal. Esta é a versão abrasileirada das famosas pataniscas de bacalhau, um sucesso da gastronomia portuguesa. De acordo com a definição do Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, pataniscas são bolinhos (pastéis) fritos, feitos com uma mistura de ovos, farinha, salsa, cebola e bacalhau. Podem ser servidas como entrada, petisco ou prato principal acompanhadas com arroz de tomate ou de feijão.
A tapioca é prática e versátil. Em 2014, ficou em moda no Brasil, e abrirem inúmeras tapiocarias, além de os investimentos na produção terem aumentado consideravelmente. Não demorou muito para esta onda chegar a Portugal e conquistar os Portugueses (além de agradar aos brasileiros que aqui vivem). Em 2016, foi inaugurada a Tapioca Oca, a primeira tapiocaria artesanal de Lisboa e, atualmente, já se encontra facilmente tapioca nos supermercados. Sem gordura, com baixo teor de sódio e de fácil digestão, a tapioca traz vários benefícios a saúde e só engorda nos casos de recheios como nutella, creme de ovos ou brigadeiro que, diga-se de passagem, também são uma delícia!
O arroz carreteiro surgiu no Sul do Brasil com os mercadores ambulantes que faziam viagens longas em carretas (carroças PT) puxadas por bois e, por isso, precisavam de alimentos não perecíveis. O arroz e o charque (carne salgada e seca ao sol) formavam a dupla perfeita para esses trabalhadores — esta mistura ficou famosa no Rio Grande do Sul e, atualmente, o arroz carreteiro é um dos pratos mais populares do Brasil. A receita original é simples: o charque é refogado na cebola, acrescentando-se, depois, o arroz que é cozido juntamente com a carne. Para finalizar, o ovo cozido e o cheiro verde (ramo de salsa e cebolinho) são opcionais. O charque é típico dos pampas, tratase de uma carne bovina que passa por um processo de salga e depois é curtida em mantas. O charque, a carne de sol e a carne seca são produzidos com técnicas semelhantes, mas as delicadas diferenças da preparação dessas carnes resultam nos sabores e texturas característicos de cada uma delas. O arroz carreteiro também é conhecido como quebra torto e servido como café da manhã (pequeno-almoço PT) nas fazendas do Mato Grosso do Sul. Esse tipo de costume é herança dos carreteiros que almoçavam no café da manhã para aguentar o trabalho pesado logo no início do dia. Uma curiosidade interessante sobre os carros de bois dos carreteiros é que eles foram trazidos pelos Portugueses para o Brasil e tiveram extrema importância nos engenhos (fábricas PT) de açúcar e na colonização do país. Em Portugal, não existe charque ou, se existe, está muito escondido. Nestes dois anos que vivi cá, não encontrei em nenhum lugar e também não conheço quem tenha encontrado.
Por isso, inspirada pelo arroz carreteiro de churrasco (uma versão bastante difundida da receita original feita com sobras de carnes), compartilho convosco este prato que preparo com as sobras dos churrascos lisboetas. A grelhada mista aqui em Portugal é muito comum, e bastante diferente do nosso churrasco misto no Brasil. Aqui as carnes da grelhada mista são: entremeada (barriga de porco cortada em fatias finas com gordura e carne), salsicha (tipo uma linguiça toscana) e entrecosto ou piano (costela de porco). No Brasil, o churrasco misto geralmente inclui carne bovina (maminha, fraldinha ou picanha), linguiça (conhecida como salsicha brasileira em Portugal) e frango. Em Lisboa a maioria dos bairros têm as suas churrascarias (churrasqueiras) estilo take away e a tradição é comprar churrasco aos domingos, especialmente frangos assados. Diga-se de passagem, a cidade tem excelentes frangos no churrasco com molhos caseiros deliciosos. Depois de grelharem o frango, os senhores dos churrascos pincelam a carne com estes molhos que são de lamber os dedos (ou chorar por mais, como dizem aqui). Geralmente, estes molhos são feitos com manteiga, limão e alho e os senhores também nos perguntam se queremos picante (apimentado) ou não. Há churrascarias que incluem um pedaço de frango nas grelhadas mistas, e isso só vai deixar o seu arroz carreteiro ainda mais saboroso.
Costuma-se dizer que há mais de 1001 formas de se fazer bacalhau, e a tarefa de selecionar as melhores receitas parece-me impossível. Assado, com natas, à Gomes de Sá, cozido, na brasa, à Braga, à Lagareiro, Espiritual, esses são alguns exemplos de confeções, mas nenhum é tão emblemático em Lisboa como o Bacalhau à Brás. Reza a lenda que esta receita foi criada por um taberneiro de sobrenome Brás que teve a excelente ideia de misturar bacalhau desfiado com cebolas, batatas, azeitonas e ovo. A mistura que é feita de forma simples e não exige dotes culinários de quem a prepara deu origem a um dos pratos de bacalhau mais famosos de Portugal. É fácil encontrarmos Bacalhau à Brás em todos os cantos de Lisboa, e a popularidade da receita fez com que surgissem outras versões como Frango à Brás e Alheira à Brás, mas a versão mais criativa (e deliciosa!) que experimentei deste prato foi o Bacalhau à brás.ileirado do restaurante Aromas e Temperos. A chef e proprietária Juliana Magalhães é brasileira, e vive em Portugal desde 2013. Entre panelas e canetas, ela acumula mais de uma década de carreira na área gastronómica, realizando um trabalho interessante de fusão das culinárias brasileira e portuguesa. A abrasileiração desta receita é feita pelo azeite de dendê (conhecido em Portugal como óleo de palma), que é um ingrediente muito presente na culinária do Norte e Nordeste do Brasil, e dos crocantes de mandioca que substituem a batata. Durante a confeção, o aroma do prato fez-me água na boca, na primeira garfada senti todos os sabores e texturas, e a simplicidade da receita aliada à forma como as minhas memórias afetivas foram ativadas fez-me reforçar a ideia que tenho sobre pessoas criativas: elas não complicam as coisas e fazem o difícil parecer fácil.
Para início de conversa, é importante esclarecermos as diferenças entre carne de sol e carne seca. Há quem ignore as subtilezas da gastronomia e pense que são a mesma coisa. A carne seca é, como o nome diz, seca o suficiente para se manter durante semanas à temperatura ambiente sem se estragar. Já a carne de sol é mais delicada, preserva a humidade, e a salga é suave. Ao contrário do que pensamos, não vai ao sol, o processo consiste basicamente na conservação do alimento com o uso do sal e descanso em local coberto e ventilado. A propósito, esta técnica é uma herança europeia do século XVII. Os Portugueses tinham o costume de secar fruta e peixe ao sol e, posteriormente, passaram a utilizar este processo com as carnes bovinas. No Norte e Nordeste brasileiro, a carne de sol é muito apreciada, e faz parte da cozinha típica e artesanal da região, sendo também conhecida como carne de vento ou carne do sertão. Pelos relatos históricos, é provável que tenhamos aprendido a fazer carne de sol com os Portugueses na época colonial, pois o que sabemos dos indígenas é que eles preferiam consumir os alimentos frescos e não tinham o hábito de os conservar utilizando o sal. Nesta receita, além da técnica que nos liga com a história da salga, temos também dois elementos importantes da alimentação de Portugueses e Brasileiros: o bacalhau e a banana, respetivamente. O bacalhau é o ícone da cozinha portuguesa no mundo. Embora não seja um produto português, a técnica de salgar e secar o bacalhau é portuguesa e foi introduzida no país na época dos Descobrimentos. Os Portugueses começaram a pescar bacalhau na Terra Nova no século xv e, nessa altura, o bacalhau já representava 10 % do comércio local em Portugal. A banana também não é de origem brasileira, mas é a cara do Brasil. Embora a banana seja de origem asiática, o Brasil é um dos maiores consumidores e
também um dos maiores produtores de bananas do mundo. Os tipos mais populares de bananas em terras brasileiras são: prata, ouro, nanica, maçã e da terra. Já em Portugal a mais comum é a banana da Madeira. A Marina Araújo, cozinheira de mão-cheia (como a gente diz no Brasil) e autora desta receita, é apaixonada pela natureza e pela gastronomia. Chegou a Portugal em 2017 para trabalhar na primeira loja de Lisboa de uma rede brasileira de comidas saudáveis, a Club Life. O facto de ela ter colocado no mesmo prato o bacalhau e a banana aliado ao modo como ela prepara esses alimentos, torna esta refeição uma experiência carregada de valores e histórias dos dois países. Além disso, a alimentação saudável também consiste no reaproveitamento dos alimentos como cascas que geralmente são eliminadas pelas pessoas, mas que nas mãos desta chef transformam-se em excelentes receitas que fazem bem ao corpo e à alma.
Bola de fiambre e queijo (pronuncia-se bôla) é uma comida típica da culinária portuguesa e faz sucesso ao ponto de ter estabelecimentos especializados na sua produção. A receita é uma massa com recheios, geralmente a massa é de pão, mas há variantes com outros tipos mais leves e que não precisam de ser sovadas, como é o caso desta receita. Os recheios podem ser diversos, embora os mais tradicionais sejam os das #bolas de carne$ (recheadas com uma mistura que pode conter presunto, salame, chouriço e/ou bacon). Com o tempo, surgiram outros recheios como sardinha, vinha d'alhos, bacalhau, frango e até vegetarianos. No Brasil, o que temos de mais parecido com a bola é o joelho ou enroladinho. No Rio de Janeiro chamam-lhe joelho, exceto em Niterói, onde é conhecido como italiano. Enroladinho é o nome mais comum no resto do país. Diferente da bola que é feita como uma torta grande e depois cortada em pedaços, o joelho é individual e o formato lembra a merenda mista dos Portugueses. No entanto, o nosso joelho leva massa de pão, assim como as bolas tradicionais. Já a merenda mista é feita com massa folhada e também é recheada com presunto (fiambre) e queijo. Para nós, brasileiros, a dupla presunto e queijo faz parte do quotidiano, mas a mortadela também é bastante popular. O queijo mais vendido é o mussarela (mozarela PT) e não temos o hábito de variar na compra dos frios do dia a dia, talvez o elevado preço dos queijos, enchidos e outras iguarias da charcutaria no Brasil nos limite ao básico. O misto (que pode ser quente ou frio) é a nossa sanduíche (sandes PT) mais comum, ele é feito com pão de forma ou francês (pão brasileiro PT) e recheado com manteiga, presunto (fiambre PT) e queijo. Em Portugal, quando nos referimos ao presunto, estamos a referir-nos ao parma (é assim que é conhecido no Brasil). Embora estas comidas sejam amplamente populares, não se sabe ao certo as suas origens. A bola mais famosa de Portugal, por exemplo, pode ter sido feita pela primeira vez em 1139, em Lamego, na altura em que D. Afonso Henriques foi aclamado rei do país.
No que diz respeito ao joelho, não encontrei nenhuma referência sobre a origem da receita, ou o porquê desse nome — o que se pode dizer com certeza é que ele é vendido em quase todas as padarias e cantinas escolares em todo o Brasil.
Geralmente, esta sanduíche é servida em festas e reuniões familiares, o molho pode ficar numa panela ao lado de um cesto de pães (cortados e sem miolo) para que os convidados se sirvam à vontade. Para evitar a lambança, não se esqueça dos guardanapos em quantidades superiores do que o normal. A versão vegetariana do Buraco Quente pode ser feita com shimeji salteados e rúcula. Também há uma versão inspirada no hot dog feita com salsicha (linguiça PT) cortada, carne moída, molho de tomate e batata-palha.
O buraco quente é a sanduíche (sandes PT) do reaproveitamento. Para fazer o molho, todos as sobras da geladeira (frigorífico PT) são bem-vindas: tomate, cebola, pimentão (pimentos PT), salsa e por aí fora! A carne moída (picada PT) pode ser bovina, suína, misturada, de frango ou de peru. No Brasil, o mais comum é encontrarmos carne bovina moída, mas aqui em Portugal, o porco e o peru são mais populares. Quanto ao peru, também pode ser comprado em bifes, e geralmente são baratos — é normal encontrarmos este tipo de carne diariamente nos açougues (talhos PT) e também nos restaurantes. No Brasil, o peru é uma carne natalina, comemos o tradicional peru de Natal que é assado, e durante o resto do ano não temos o costume de incluir esse tipo de carne nos nossos pratos. Para fazer buraco quente não é preciso muito: basta retirar o miolo do pão delicadamente e rechear a côdea com carne e molho. Algumas pessoas colocam uma fatia de queijo e depois recheiam com o molho bem quente, fazendo com que o queijo derreta. Quanto ao pão, este lanche é tradicionalmente feito com o pão francês, como é conhecido no Brasil, e aqui em Portugal chamam-lhe pão brasileiro.
O pão não era um produto muito consumido na época do Brasil colonial e como em vários outros países, o hábito de comer pão estava associado à urbanização e industrialização, e foi só depois do século xx que a farinha de trigo ganhou o mundo e, a partir de então, passámos a produzir mais pães. Há registos que apontam a origem do pão francês no Brasil como um precursor da baguete trazido da Europa. Representantes da elite brasileira terão experimentado esse pão em Paris e pedido aos padeiros para o copiarem no Brasil — e desta forma surgiu o pão francês brasileiro. O pão em Portugal é coisa séria, além de ser um alimento estruturante da gastronomia portuguesa, tem importância em todos os tipos de receitas: entradas, pratos principais e sobremesas. Não é à toa que o país é conhecido em todo o mundo pelos seus excelentes pães. Amália já cantava: numa casa portuguesa fica bem, pão e vinho sobre a mesa.
Nos Santos Populares, por exemplo, é possível encontrarmos coxinhas em várias barracas, tanto de portugueses como de brasileiros. Estas festas acontecem em junho e são parecidas com as festas juninas no Brasil. Por aqui, os bairros mais tradicionais da cidade ficam enfeitados, cheios de gente, o pimba é a música que predomina e fartamonos de comer nas churrasqueiras de rua.
A coxinha é a rainha dos botecos, e o salgado favorito dos Brasileiros. Uma das versões mais famosas sobre a origem desta iguaria está relacionada com o Brasil Imperial. No livro História, lendas e curiosidades da gastronomia, da historiadora Roberta Saldanha, há um relato sobre a coxinha ter sido criada especialmente para o filho da princesa Isabel, num dia em que não havia coxa de galinha, que era a sua comida favorita, e, então, a cozinheira da casa desfiou outras partes do frango e envolveu a carne numa massa de batata e farinha. O salgado fez sucesso e depressa passou a ser consumido por toda a Corte. Embora muito difundida, esta versão não tem respaldo documental e a autora acrescenta que no livro de Antonin Carême, L'Art de la Cuisine Française au XIXème Siécle (Paris, 1844), existe uma menção a um #croquete de frango$ que pode ser considerado uma espécie de coxinha. De origem francesa ou não, foi no Brasil que a coxinha se consolidou e ganhou fama internacional. Em Portugal, já disputa espaço nas festas de rua com outras comidas típicas, e a produção deste salgado por aqui tende a crescer.
Ao contrário do Brasil, em Portugal não há grande diversidade de comidas típicas como nas festas juninas brasileiras. Para nós, não pode faltar paçoca, canjica, quentão, vinho quente, bolo de fubá, bolo de milho, queijadinha, cocada, arroz doce e pamonha. As comidas típicas desta época geralmente estão ligadas à cultura do campo e das regiões do interior do Brasil. Já em Portugal, a sardinha assada brilha ao lado das bifanas (pão com bife de porco fininho) e esta dupla faz bastante sucesso nas festas. A boa notícia para os brasileiros que vivem cá é que a coxinha tem adquirido espaço nestas comemorações, e lugarzinho garantido no estômago de toda a gente. Além disso, a caipirinha também se destaca nos Santos Populares. A cachaça mais usada é a tradicional 51 e, pelo facto de o limão (aqui chama-se lima) ser um pouco mais caro do que a lima (aqui chama-se limão), boa parte das caipirinhas são feitas com lima (o #limão amarelinho$ que os brasileiros chamam de Siciliano). A socióloga e cozinheira brasileira, Maiara Righi, viu uma oportunidade de negócio nos Santos Populares e, em 2017, começou a sua produção independente de coxinhas à porta de casa. Ela improvisou a bancada, trabalhou dia e noite (durante o dia, cozinhava e, à noite, vendia com a ajuda de amigos) e o negócio rendeu tanto que atualmente tem marca própria. Trabalha por encomendas e está em fase de expansão da empresa. A Madre Coxinha, como agora é conhecida, criou esta receita especialmente para os Portugueses e foi inspirada no arroz de pato, um prato muito tradicional em Portugal.
A origem da feijoada é questionável, assim como a origem de muitos pratos e ingredientes, mas uma coisa é certa: a feijoada típica brasileira é uma evolução da feijoada que os Portugueses nos ensinaram a fazer. Embora este seja um dos pratos mais simbólicos da nossa gastronomia, a origem da feijoca não é brasileira. O cozido de carnes com feijão surgiu na Europa, numa época de muita escassez em que as pessoas tinham de evitar os desperdícios — a comida era toda aproveitada e, muitas vezes, cozida numa única panela. A versão da criação da feijoada pelos escravos é uma passagem mal contada da nossa história, e já foi desmistificada por estudiosos. Muitos acreditam que os escravos criaram a feijoada no Brasil a partir de carnes postas de parte pelos senhores — essas carnes seriam as menos nobres, como pés, orelhas e rabo do porco. No entanto, naquela época não havia esta distinção de carnes, e tudo do animal era utilizado. Muitas curiosidades rondam a feijoada à brasileira, nem todas estão comprovadas, mas rendem boas conversas. O prato como o conhecemos hoje surgiu no século XIX, e dizem que a tradição de comermos a laranja com a feijoada teve início em 1929 com uma visita dos reis da Bélgica ao Brasil. Eles não sabiam que a laranja que era servida era a sobremesa e comeram-na juntamente com a feijoada. Tornouse uma tradição e, atualmente, essa prática é recomendada por nutricionistas, pois sabe-se que a laranja auxilia na digestão.
O costume brasileiro de comer feijoada às quartas-feiras e sábados também tem uma razão. Provavelmente, foi por causa dos hotéis do Rio de Janeiro, que tinham uma demanda e fixaram o prato no cardápio (ementa PT), segundo Carlos Alberto Dória, autor do livro Formação da Culinária Brasileira. Em Portugal, há vários tipos de feijoadas, inclusive de peixe. Por aqui, quando se fala em #feijoada$, não pensamos num prato específico como no Brasil. Em Portugal feijoada refere-se a um cozido de feijão com carnes. A feijoada à portuguesa, por exemplo, é feita com feijão encarnado, enchidos de carne e de sangue e diversas partes do porco como costela e orelha. Além disso, também adicionam legumes e verduras. Há diferentes feijoadas de acordo com determinadas regiões de Portugal como a Transmontana e a Alentejana. No Brasil, usamos o feijão preto e temos basicamente duas distinções de feijoadas: a light, sem carnes gordurosas (gordas PT) como orelha e pé, e a completa. Em São Paulo, é comum encontrarmos restaurantes com bufetes de feijoada, que servem os ingredientes em panelas separadas — fica ao gosto do cliente escolher os tipos de carnes e quantidades na montagem do prato. A feijoada desta receita é uma versão facilitada, e a substituição de alguns ingredientes como a linguiça e a carne seca (substituídas pelo chouriço e carne de vaca) foi feita a pensar na facilidade de encontrar estes ingredientes e na praticidade da confeção. A carne seca ainda é rara em Portugal, há restaurantes com produção própria e alguns mercados brasileiros, às vezes, têm opções importadas que são vendidas a vácuo. Vale a pena dizer que por aqui comemos ótimas feijoadas e, sejam elas portuguesas ou brasileiras, são sempre uma boa opção.
A pizza portuguesa é uma invenção brasileira e não existe em Portugal, quer dizer, não existia até os brasileiros a trazerem para cá. No Brasil, existem cerca de 50 mil pizarias, e arrisco a dizer que em quase todas é possível pedir uma pizza portuguesa. A origem deste sabor tem uma explicação, dizem que na década de 1950, as pizas no Brasil eram cozidas nas padarias dos portugueses, e para fazer o recheio eles usavam ingredientes comuns que sobravam da preparação dos seus pratos. Molho de tomate, queijo, ovo, cebola, azeitonas e presunto (fiambre PT) são os ingredientes que caracterizam a brasileiríssima pizza portuguesa. Com o passar dos anos, acrescentou-se também o palmito, e nalgumas regiões leva ervilha e milho. Em Minas Gerais, por exemplo, a pizza portuguesa também tem pimentão e bacon. O Brasileiro ama pizza e a pizza portuguesa é uma das nossas queridinhas. Juntamente com os sabores frango com catupiry, calabresa e marguerita, a portuguesa está entre as mais pedidas.
As pizzas no Brasil são bastante recheadas, a massa é média e as bordas geralmente têm catupiry, um tipo de queijo cremoso criado por imigrantes italianos no Brasil. Em Portugal, as pizzas são mais leves, tanto na massa como no recheio, e não é comum terem as bordas recheadas, como também não é usual fazerem uma pizza com dois sabores diferentes, ao contrário do que nós, brasileiros, estamos acostumados. Esta torta-pizza é ainda mais portuguesa do que as portuguesas do Brasil. O queijo da Ilha misturado na massa dá um toque especial que combina com esta receita. Nos últimos anos, com o boom da gastronomia em Portugal, e o aumento da comunidade brasileira, pudemos identificar a presença de produtos e comidas que antigamente só encontrávamos no Brasil. Este é o caso da pizza brasileira que atualmente pode ser recebida no conforto das nossas casas em Lisboa, no sabor portuguesa e com borda recheada de catupiry. Mas atenção, na hora de fazer o pedido: a pronúncia correta aqui é piza.
Alguns doces causam alguma confusão entre brasileiros e portugueses por terem o mesmo nome, mas serem coisas diferentes. A #bola de Berlim$ dos Portugueses é o nosso #sonho$, e o #sonho$ português é algo parecido com o nosso #bolinho de chuva$. Sobre estes dois últimos, a aparência é a mesma, o gosto é muito parecido, pois levam praticamente os mesmos ingredientes, mas a textura é diferente devido ao modo de preparação da massa. Os sonhos em Portugal são feitos com uma massa que, antes de ser frita, passa por uma espécie de cozedura, já os bolinhos de chuva são mais simples, basta misturar os ingredientes e fritar. A finalização é a mesma, tanto para os sonhos como para os bolinhos de chuva — depois de fritos são polvilhados com açúcar e canela. Os sonhos portugueses ficam leves e são mais ocos, enquanto os bolinhos de chuva têm a massa mais densa e parecida com a das Bolas de Berlim (ou do sonho brasileiro). Também há quem diga que os bolinhos de chuva são uma variação da receita de filhó, um outro doce português muito popular por aqui. Os sonhos são de origem turca e muito populares na Grécia. Em Portugal, são doces natalícios e não podem faltar nesta época. Já no Brasil, o similar bolinho de chuva é feito em qualquer altura do ano, independentemente do que diz a meteorologia, mas pelo nome sabemos que combinam mais com tempo fresco e café quentinho. A receita original dos bolinhos de chuva é do século XVII, e nessa época não havia farinha de trigo no Brasil — era importada de Portugal e, portanto, muito cara. Em vez da farinha de trigo usava-se mandioca ou cará para fazer bolinhos como estes, que eram fritos em gordura de porco. Atualmente, fazemos os bolinhos de chuva com ovo, leite, açúcar e farinha fermentada: é só misturar tudo, fritar e finalizar com açúcar e canela. Simples e gostoso.
O bolinho de chuva mais famoso do Brasil foi eternizado pela Tia Nastácia do Sítio do Pica-Pau Amarelo. A personagem criada por Monteiro Lobato era uma excelente cozinheira, e fazia sempre este docinho para a criançada. Sobre a receita, ela dizia que não era segredo e que a questão estava no jeitinho de fazer. E, por falar nisso, talvez tenha sido o nosso jeitinho brasileiro que fez com que os sonhos portugueses se tornassem bolinhos de chuva. Quem vai negar?
A açorda é uma espécie de sopa de pão, comida de referência na gastronomia portuguesa e uma herança dos árabes. A receita é extremamente simples e leva ingredientes que geralmente temos em casa: pão, água, sal, azeite, alho e coentros. Podese adicionar carne, peixe ou marisco. A açorda mais comum é a de gambas (no Brasil, dizemos camarão). Para abrasileirar a açorda, costumo fazer a receita tradicional, acrescentando carne seca, iguaria muito apreciada no Brasil e que pode ser encontrada em mercados brasileiros em Portugal. Este prato teve origem como sopa dos camponeses e, ainda que atualmente possa ser feito com a adição de ingredientes nobres, a sua essência não mudou. Conhecida como um ícone da cozinha tradicional alentejana, a açorda é simples de preparar, mas complexa no sabor. Pode ser mais solta ou espessa, conforme a quantidade de água que adicionarmos — e a receita tem variações para todos os gostos. Independentemente dos ingredientes que acrescentamos, a açorda tradicional é económica, saborosa e permite o aproveitamento de sobras de pães amanhecidos (de véspera PT) mesmo que estejam duros.
Algumas pessoas torcem o nariz aos coentros, mas tenha em mente que esta erva aromática é extremamente utilizada na culinária em Portugal. Cientistas afirmam que gostar ou não de coentros não é uma questão de gosto, mas sim de genética. Estudos comprovam que as pessoas que não gostam de coentro (e sentem sabor a sabão quando o comem) possuem um gene sensível aos aldeídos, compostos químicos que atribuem ao coentro o seu sabor peculiar. Neste caso, sugiro que substitua o coentro por salsinha (salsa PT). Ao descobrir a açorda em Portugal pensei que este pudesse ser um prato apreciado pelos Brasileiros, uma vez que graças aos Portugueses, atualmente, temos produção de bons pães no Brasil e devemos aproveitá-los ao máximo. Fizemos um caminho parecido com a farofa ao misturar gordura, carne e ovos com a farinha de mandioca, mas talvez a farofa esteja mais próxima das migas, um outro prato típico da cozinha portuguesa feito com pão esfarelado. A açorda pode ser servida como sopa, prato principal ou acompanhamento. A qualidade do pão determina a qualidade da açorda e, como bem disse o gastrónomo Virgílio Nogueiro Gomes, aqui em Portugal teremos sempre açordas maravilhosas, enquanto a qualidade do pão for mantida.
O brigadeiro é um doce simples de fazer e, teoricamente, sem segredos. Basta misturar uma lata de leite condensado com uma colher de sopa de manteiga e quatro colheres de sopa de cacau em pó. Tem de cozer em fogo baixo (lume brando PT) até desgrudar (descolar PT) do fundo da panela, e não deixar de mexer durante todo o processo para não embolotar (ficar com grumos PT). Acontece que na prática a teoria é outra. O ponto, em questão de segundos, pode definir a textura do doce. Se quiser um brigadeiro para moldar tem de o cozinhar até ao ponto certo; para um brigadeiro mais mole, a que chamamos #de colher$, tem de o tirar do fogo (lume PT) antes de começar a desgrudar (descolar-se PT) da panela. Há pessoas que usam chocolate, o que deixa o brigadeiro ainda mais doce, e ainda outras que adicionam leite, pois dizem que a textura fica mais cremosa. Além do chocolate, o brigadeiro ganhou outros tantos sabores que seria impossível descrever aqui. A receita deste livro foi inspirada numa versão de brigadeiro gigante, que é popularmente conhecida como Brigadeirão. É uma espécie de pudim de brigadeiro feito numa forma grande, e finalizado com granulado de chocolate. Neste caso, fiz a receita do Brigadeirão em formas pequenas, e a brincadeira com o nome ganhou outro significado: o trocadilho é por um dos ingredientes ser o licor Beirão. Além de ser uma das bebidas espirituosas mais vendidas em Portugal, o licor Beirão também é usado nalgumas receitas, como pudins e sorvetes. Este licor foi criado numa farmácia numa época em que se faziam bebidas alcoólicas para fins medicinais, e era usado como elixir para o estômago. No entanto, uma lei proibiu este tipo de medicamento e, em 1929, o licor Beirão passou a ser produzido numa pequena fábrica na Lousã.
Descobri o licor Beirão através de uma caipirinha, que aqui se vende com o nome de #caipirão$, e logo tratei de experimentar a combinação da bebida com chocolate. O sabor é marcante, agrada a vários paladares e a sintonia é perfeita, não só entre os ingredientes desta receita, como também entre os sabores de Brasil e Portugal.
Assim como a carne de panela no Brasil, a jardineira em Portugal é uma receita caseira e fácil de fazer. Neste prato, as batatas, as cenouras e a vagem (feijão-verde PT) ganharam a companhia da carne de porco, que é suculenta e fica bem em diferentes tipos de confeções. Perfeita para um almoço de família, a jardineira (ou carne de panela) é uma refeição reconfortante para brasileiros e portugueses. O molho é essencial e combina perfeitamente com arroz branco soltinho. Para o prato ficar ainda mais gostoso (saboroso PT), recomenda-se dourar (alourar PT) a carne em manteiga ou azeite, juntamente com o alho e a cebola. Nesta etapa, um toquezinho de cachaça ou vinho tinto pode fazer toda a diferença. No Brasil, geralmente preparamos a carne de panela com cortes suínos mais duros como o lagarto e o músculo (pá PT), por isso, se usa a panela de pressão para a cozer. No caso desta receita, como usamos rojões, pode ser confecionada numa panela comum. A carne de porco é bastante utilizada e tem destaque na gastronomia portuguesa. Os rojões, por exemplo, são pedaços que podem ser da pá ou da perna do animal, não têm osso e possuem um pouco de gordura. Também é comum depararmo-nos com os secretos de porco, trata-se de um pedaço de carne que fica escondido no interior do toucinho, e, num animal adulto, essa peça pesa cerca de meio quilo. Além disso, também encontramos aqui as plumas de porco, pedaço que fica junto ao bico do lombo. Foi uma boa surpresa descobrir que a carne de panela também é uma receita caseira em Portugal, pois fez sempre parte dos almoços da minha família. Para mim, este prato, com gostinho de saudades de casa, ganhou um toque português e um novo nome — afinal, as mudanças fazem parte do processo natural da vida e os pratos que nos acompanham também adquirem novos sabores e significados.
Outros Estados brasileiros também fazem moquecas com algumas variações na receita ou no modo de confeção. No Pará, acrescentam o caldo de tucupi, jambá e camarão e, em Manaus, a moqueca geralmente é feita com peixe de água doce. O nome é de origem tupi, onde moquear significa cozinhar lentamente na terra, e keka quer dizer embrulhar. No século XVII, os Índios costumavam embrulhar peixes com folhas de árvores, que depois coziam no seu próprio suco — esta pode ter sido a origem da moqueca que, posteriormente, teve outras influências.
Não existe brasileiro que nunca tenha ouvido a palavra moqueca. Se, por um lado, toda a gente concorda que este prato é uma delícia, por outro, a discordância sobre a origem dele é notória. Os baianos juram a pés juntos que a moqueca é da Baía e para ser autêntica tem de ser feita com azeite de dendê e leite de coco. Já os capixabas (naturais do estado do Espírito Santo) afirmam que foi criada no Espírito Santo e a receita é colorida com urucum (fruta tropical). De influência africana, o azeite de dendê e o leite de coco prevaleceram na Baía e são estes ingredientes que caracterizam a moqueca baiana. No Espírito Santo, é mais evidente a herança dos guisados portugueses e, segundo o ditado popular, moqueca só capixaba, o resto é peixada. A moqueca capixaba está associada às panelas de barro artesanais, e o prato é tão importante para este Estado que foi criada uma lei para oficializar o Dia da Moqueca, celebrado a 30 de setembro.
A receita foi modificada ao longo do tempo, e alguns estudiosos dizem que a moqueca é a evolução dos cozidos portugueses com a adição de ingredientes trazidos pelos escravos para o Brasil. O chef Leandro Mesquita acrescenta que a moqueca pode levar a cabeça do peixe, e que também existem outros tipos de moquecas sem peixe como, por exemplo, de aves ou ovos. O Leandro é brasileiro e o seu grande mestre foi Flávio Federico, com quem aprendeu os doces do mundo e a trabalhar em larga escala com alta confeitaria artesanal. Ele veio para Portugal por causa de um convite de trabalho feito pelo chef português Vitor Sobral, famoso internacionalmente pela sua cozinha autêntica. Em Lisboa, Leandro passou pelas cozinhas da Tasca da Esquina, Peixaria da Esquina e Padaria da Esquina. Além disso, o chef é criador do Comida Livre, projeto que realiza eventos culturais que unem gastronomia, música, teatro e artes visuais.
A pamonha é um doce de milho muito popular no Brasil, e alguns historiadores dizem que é de origem indígena. Se analisarmos a presença do milho na América Central e do Sul, é natural pensar que nos países onde existia milho havia também quem fizesse uma massa parecida com a pamonha. No México, em Cuba e na Argentina por exemplo, encontramos os Tamales que são feitos à base de milho, mas diferem da pamonha brasileira nalguns ingredientes e nos recheios. Outra curiosidade sobre o milho é que chegou à Europa pela mão de Cristovão Colombo que levou consigo algumas sementes, após de ter estado na América. De facto, a pamonha tornou-se um doce típico brasileiro bastante popular nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Paraná. A disputa dos estados pelo título de quem é o dono da pamonha é controverso. Há registos de organizações oficiais e da imprensa que atribuem a Goiás a tipicidade deste quitute (iguaria PT). No entanto, a cidade de Piracicaba ficou conhecida pela sua grande produção de pamonhas e, em muitos lugares do Brasil, costumava-se ouvir os vendedores ambulantes a apregoar nos megafones:
Embora a pamonha doce seja a mais conhecida no Brasil, também existe uma versão salgada. Na confeção desta receita, se o açúcar for substituído por meia xícara (chávena PT) de queijo ralado (parmesão ou da ilha), teremos uma pamonha salgada. O nome pamonha é de origem tupi (pa'muñã) e significa pegajoso e, tradicionalmente, a mistura dos ingredientes é cozida na própria casca do milho com as pontas amarradas até atingir uma consistência pastosa. A escolha da marmelada para acompanhar este doce foi uma experiência casual: na falta da goiabada (que estou habituada a comer com a pamonha) era o que tinha na geladeira (frigorífico PT). Entre uma colherada e outra, penso em como é interessante conhecer a história da alimentação: noutra época muito distante um português quis comer marmelada no Brasil, mas só havia goiaba — contam que foi a partir daí que surgiu a goiabada. Impulsionados pela fome e pela vontade de comer, criamos novos sabores que atravessam os tempos, e são passados de geração em geração.
Portugal é o país da Europa onde mais se come arroz, assim contou-me o chef Vitor Sobral. E, se no Brasil, a preferência é pelo arroz soltinho, aqui faz sucesso o arroz molhado, a que carinhosamente chamam malandrinho. O grão tipo carolino é o mais indicado para o preparo (a confeção PT) deste arroz; depois de cozido, absorve bem os temperos e fica envolto num molho aveludado. Nunca chame risoto ao arroz malandrinho, é inimizade na certa. O molho do arroz malandrinho é mais diluído do que o do risoto — aos olhos dos Brasileiros é quase uma sopa. Em Portugal, pode-se fazer arroz com quase tudo: desde bacalhau e pato a marisco e feijão (faz-nos lembrar o nosso baião de dois) e, o mais popular, é o arroz de tomate. Os Portugueses adoram arroz de tomate com panados (no Brasil, chamamos-lhe bife) ou pataniscas (tipo um bolinho de bacalhau, mas sem batata). Uma vez, a caminho do Porto, almocei no Manjar do Marquês, um restaurante bastante tradicional na região de Pombal, e fui surpreendida pelo rodízio de arroz de tomate. Os clientes pedem a carne do cardápio (menu PT), mas o arroz é servido à vontade (ou como eles dizem: à descrição) por um preço fixo. Os garçons (empregados PT) andam pela sala de jantar com panelas de barro enormes cheias de arroz de tomate a borbulhar. Uma delícia! No Brail, costumava comer muito tomate mas, geralmente, em saladas, temperado com sal, azeite e acompanhado por palmito e pão. Enquanto Portugal é um dos maiores produtores de tomate da Europa, o Brasil é um dos maiores produtores e consumidores de palmito do mundo. Só que, ao contrário do tomate que se encontra em todo lado, em Portugal, não é fácil comprar palmito. De vez em quando, é possível encontrá-lo nos mercados especializados em produtos brasileiros. Pouco tempo depois de ter sido conquistada pelo arroz de tomate (tenho de confessar que fiquei impressionada com aquele rodízio!), arrisquei fazer a minha primeira receita de arroz de tomate. Para dar um toque brasileiro, e matar as saudades de casa através do estômago, acrescentei palmito e... pumba! Não foi preciso muito para ficar perfeito: duas fatias de pão, um copo vinho e já está!
O açaí é um fruto de cor roxa, nativo da região do Amazonas. Naquela região, é tradicionalmente consumido com farinha de mandioca e tapioca, mas foi como bebida energética e sorvete que ficou famoso em todo Brasil e, de uns anos para cá, em Portugal também. O açaí é rico em vitaminas, e o seu consumo traz vários benefícios para a saúde. No entanto, comparado com os outros frutos, é bastante calórico e deve ser consumido com moderação. O açaí na tigela é a forma mais conhecida de consumo tanto no Brasil como em Portugal, basta bater a polpa do fruto congelada com xarope de guaraná e o resultado é uma espécie de sorvete, que geralmente é servido numa tigela com fruta picada e granola. Foi assim que o açaí chegou a Portugal por volta de 2012. Atualmente, é possível encontrar açaí com facilidade em Lisboa e no Porto. Na região de Cascais, também é bastante comercializado já que há uma concentração de brasileiros naquela zona. E o açaí na tigela tem tudo que ver com praia. Um outro facto interessante que podemos observar é que abriram lojas especializadas em sumos, açaí, pão de queijo e tapioca, tal e qual as que existem em cada esquina da orla carioca no Brasil. A introdução das amendoeiras em Portugal data do século XII, sendo trazidas pelos árabes, e a produção estabeleceu-se nas regiões do Douro e do Algarve. O uso das amêndoas em Portugal é bastante evidente na confeitaria, sendo impressionante a quantidade de doces variados que existe com apenas três ingredientes: leite, ovos e amêndoas. No Brasil, o seu uso não é muito comum e, na falta das amêndoas para a confeção de Brisas do Liz, surgiu um dos doces mais queridos dos brasileiros: o quindim.
Nesta receita, pensei na praticidade (qualquer pessoa consegue fazer!) e também considerei a rentabilidade do açaí, uma vez que para os brasileiros que vivem em Portugal este produto ainda é caro. Além disso, imagino que estes cupcakes sejam uma boa porta de entrada para os portugueses que ainda não experimentaram esta fruta de sabor marcante. Por fim, vale a pena lembrar que em Portugal a estes bolinhos se chamam queques.
Todo o paulistano que se preze troca um almoço por pastel de feira pelo menos uma vez por mês. As feiras livres foram oficializadas em São Paulo em 1914 por iniciativa da Prefeitura da cidade, e depressa se espalharam pelo Brasil. A maioria dos feirantes era de origem portuguesa e reuniam-se para vender as sobras dos alimentos que não tinham sido comprados pelos mercados. Quanto ao pastel, os Chineses já o faziam no Brasil desde 1890, mas foi em 1940 que ganhou popularidade pela mão dos japoneses. Para disfarçarem as suas origens japonesas, e não sofrerem com o preconceito por terem lutado pelo Eixo durante a guerra, os japoneses camuflaram-se entre os chineses e abriram pastelarias: Desde então, o pastel passou a ser vendido nas feiras pelos imigrantes chineses e japoneses. Alguns estudiosos dizem que o quitute é uma adaptação do rolinho primavera, que é chinês, e que, para agradar ao gosto dos Brasileiros, o recheio foi trocado por carne de vaca moída. Outros afirmam que o nosso pastel é evolução da gyosa, de origem japonesa. Também há quem mencione uma possível influência europeia, uma vez que os Portugueses fazem confeções de massas fritas com recheios desde o século XVII. O facto é que o pastel como o conhecemos hoje é de origem recente, e tornou-se uma das comidas de rua mais populares do Brasil, especialmente no estado de São Paulo. Das ruas para os botecos foi um pulo! Com inúmeras possibilidades de recheios, rapidamente os bares incluíram porções de pastéis nos seus cardápios (menus PT), e daí surgiu a famosa expressão paulistana (paulista PT) me vê um chope e dois pastel que virou até música. Os botecos brasileiros são essencialmente parecidos com as tascas em Portugal e, portanto, lugares para petiscar, beber e colocar a conversa em dia com os amigos, sem pressa. A boémia não desilude em nenhum lugar do mundo.
Os botecos chegaram a Lisboa e um exemplo disso é o Boteco da Dri. O cardápio é recheado de pratos brasileiros servidos até altas horas da noite, e para a alegria dos Brasileiros (em especial dos paulistanos) há pastel, o nosso pastel, não o dos Portugueses. Calma, eu explico. Pastel, para os Portugueses, é bolinho para nós, Brasileiros. Se quiser pedir um bolinho de bacalhau em Portugal tem de se pedir pastel de bacalhau. Agora, se quiser um pastel brasileiro, vá ao Boteco da Dri e aproveite para experimentar o pastel de sardinha, recheio feito especialmente para este livro e que entrou no cardápio para agradar brasileiros, portugueses e toda a gente que por lá passar. O chef Pedro Hazak trabalhou no Trindade (Belo Horizonte), Rio Maravilha (Lisboa), Bairro do Avillez (Lisboa), Herdade do Touril (Alentejo), Zazah (Lisboa), O Asiático (Lisboa) e, atualmente, dirige a cozinha do Boteco da Dri. Pedi-lhe para fazer um pastel de sardinha para este projeto, uma vez que seria a combinação de dois ícones da comida de rua do Brasil e Portugal, e o chef surpreendeu-me com uma explosão de sabores numa mistura que eu ainda não sei se deu samba ou fado. Acho que os dois! Para acompanhar, peça uma imperial ou um fino (tome nota: aqui não se diz chope.).
Não existe Natal no Brasil sem pavê. Também não existe festa com pavê sem a piada do é pavê ou pá comê?. Este talvez seja o doce familiar mais conhecido dos brasileiros e, atenção, não há uma receita oficial. Basicamente, numa travessa ou copo fazem-se camadas alternadas de bolacha e creme. As bolachas geralmente são molhadas em leite ou café, usando-se mais as de champanhe ou as Maria. A origem do nome pavé vem do francês e significa pavimento, o que remete a ideia da montagem deste doce. A escolha da combinação das natas com café pareceme bastante apropriada para uma receita com bolachas, e com grande potencial para agradar ao paladar de brasileiros e portugueses. As natas para os Portugueses é o nosso creme de leite e, por causa disso, quando vim viver para aqui, pensei, durante os primeiros dias, que não havia creme de leite à venda nos supermercados. Pouco tempo depois, descobri que são vendidos como natas e podem ser de três tipos: culinária (para molhos), para bater (para chantili, molhos e manteiga) e fresca (para chantili, molhos e manteiga).
Quanto às bolachas, Portugal tem um mundo de opções e fábricas centenárias que fazem bolachas e biscoitos maravilhosos. Optei pela Maria por ter feito parte da minha infância e, também, porque passei toda a minha vida a acreditar que esta bolacha era de origem portuguesa. Embora a bolacha Maria esteja em todo lado em Portugal (e também tenha feito parte da infância de muitos portugueses), a sua origem é inglesa, e terá sido criada em 1874 para comemorar o casamento de uma duquesa russa chamada Maria. Por conseguinte, este biscoito (ou bolacha, como você preferir) fez sucesso no mundo inteiro. Em Portugal, fazem-se diversas sobremesas com esta bolacha, e que estão disponíveis nas prateleiras dos supermercados e também nos cardápios de restaurantes famosos. Bolacha ou biscoito? Esta é uma das polémicas gastronómicas brasileiras que mais repercutiu nos últimos anos. Há várias teorias sobre estas nomenclaturas, mas possivelmente todas inventadas por cariocas (que defendem a palavra biscoito) e paulistas (juram que bolacha é o mais correto). Se analisarmos do ponto de vista semântico, bolacha vem de bolo com sufixo diminutivo acha, e biscoito vem do francês biscuit que significa cozido duas vezes. As duas coisas estão relacionadas com o processo de fabrico do biscoito ou bolacha e, portanto, os dois termos estão corretos. Uma curiosidade: o nosso pavê lembra muito o popularmente conhecido bolo de bolacha dos Portugueses que é feito com bolachas e um creme de manteiga batida com açúcar. Vale cada mordida (dentada PT)!
A queijadinha, assim como o quindim, é um doce típico brasileiro, mas com alma portuguesa. Reza a história que na época do Brasil colonial um escravo terá substituído o queijo da receita original por coco, e foi assim que o doce ficou famoso em terras tupiniquins. Com o tempo, foram feitas algumas adaptações e hoje a receita mais difundida de queijadinha no Brasil leva, entre outros ingredientes, leite condensado, queijo e coco. O doce como o conhecemos hoje é muito diferente das versões portuguesas. A Queijada de Sintra, por exemplo, tem uma massa estaladiça que é recheada com um creme feito de queijo, gemas, açúcar, manteiga e canela. Conhecidas desde meados de 1200, estas queijadas eram usadas como forma de pagamento em Portugal, e é sabido que a sua industrialização terá tido lugar apenas no século XIX. Com o passar dos anos, as Queijadas de Sintra passaram a ser símbolo da gastronomia local e os visitantes não podem deixar de experimentar este quitute (iguaria PT).
Já as Queijadas de Tentúgal são mais parecidas com as brasileiras, pois a massa assemelha-se à de um bolinho e a sua confeção leva queijo, farinha, açúcar, leite, gemas e manteiga. Tentúgal é muito conhecido pelos seus doces conventuais e especialmente pelas queijadas. Ao contrário das outras, as Queijadas de Tentúgal têm sempre a forma de estrela. Para quem estiver no Brasil, recomendo fazer esta receita utilizando o queijo parmesão. Caso esteja em Portugal, use o queijo da Ilha. A propósito, o parmesão que eu usava nas receitas no Brasil aqui em Portugal foi substituído pelo queijo da Ilha. A queijadinha no Brasil é bastante doce (assim como a maioria das receitas que levam leite condensado) e o uso do queijo parmesão ou do queijo da ilha resulta num contraste interessante de sabores. O coco é um espetáculo à parte, pois durante o processo fica à superfície da massa e, depois de cozido no forno, fica com uma deliciosa cobertura crocante com a queijadinha cremosa por baixo. Basta uma mordida (dentada PT) para se sentir no paraíso!
Falamos o mesmo idioma, mas nem sempre nos entendemos. Além do sotaque diferente e expressões desconhecidas por nós, algumas palavras também mudam no português de Portugal. Espaguete aqui é esparguete e claras em neve são claras em castelo. Estes são apenas dois exemplos de uma lista imensa de variações que existem no léxico nas nossas línguas e, como se não bastassem esse tipo de divergências, ainda temos de lidar com os significados completamente diferentes das mesmas palavras, como é o caso do salpicão. Salpicão no Brasil é uma salada, ou acompanhamento, feita com mistura de legumes e carne de ave desfiada, tradicionalmente servida no Natal. Em Portugal, salpicão é um enchido feito com carne de porco e condimentos, popular na região de Trás-os-Montes. No Brasil, o salpicão é uma das receitas mais procuradas no Natal, e as variações deste prato são diversas: de frango, de chester (superfrangos PT), de cogumelos, com maçã, com abacaxi e também com a polémica uva-passa. E especialmente no final do ano, altura em que se confecionam muitas receitas brasileiras que levam uva-passa (não parece ser assim noutras épocas), é engraçado como este fruto seco causa discórdia entre as famílias.
Assim como temas políticos, ela também inflama discussões à mesa, e assim alguns pratos acabam por ser preparados nas duas versões: com e sem uvas-passas — tudo para não gerar discórdias nas celebrações. Nas redes sociais, os memes sobre a uva-passa dividem opiniões: os que gostam aproveitam o Natal para a colocar em tudo: no arroz, na farofa, na salada e, claro, no salpicão. Em Portugal, é muito comum encontrarmos nos supermercados as chamadas #tortitas$ de arroz e milho, um snack crocante que acompanha com patês. E, recentemente, descobri que é um ótimo acompanhamento para o salpicão, e que fique claro: o salpicão brasileiro. Com ou sem uva-passa (aliás por aqui também lhe chamam passa-de-uva), esta é uma ótima receita para aproveitar os restinhos da geladeira (frigorífico PT) não só no Natal como durante todo o ano.