Motivos atemporais e a ubiquidade incognoscĂvel (diĂĄlogos e delĂrios entrementes)
Paulo Nagao
Rio de janeiro Dezembro de 2017
Paulo Nagao
Motivos Atemporais e a Ubiquidade Incognoscível (Diálogos e delírios entrementes)
Orientadora – Marília R. Cardoso
Rio de janeiro 2017
"Toda espécie de virtude tem a sua fonte no encontro que faz o pensamento em seu embate com uma matéria sem indulgência nem perfídia. Não se pode imaginar nada maior para o homem do que um destino que o coloque diretamente no embate com a necessidade nua, sem que tenha nada a esperar senão de si mesmo, e de tal forma que a sua vida seja uma perpétua criação de si mesmo por si mesmo. Vivemos num mundo no qual o homem deve esperar milagres apenas de si mesmo.” (Simone Weil)
Agradecimentos
Agradeço principalmente a Prof. Marília Cardoso pela oportunidade e contribuições que foram fundamentais para a conclusão desse trabalho, pois suas observações, repletas de perspicácia, foram um farol em minha árdua caminhada para se chegar até onde pude. Que o círculo continue girando a nosso favor.
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Resumo A escolha de título “Ubiquidade incognoscível” tem suas razões implícitas pela obscuridade no refino do entendimento sobre tudo que venha a ser considerado ou tratado como divino, sagrado ou místico, sugerindo a descrição de um caminho que se refere ao ponto onde a realidade se fragmenta na psique de alguns sujeitos, tornando suas realidades distintas das dos demais - os ditos “sãos” - para seguir uma perspectiva incompreensível à lógica vigente e sem referência no entendimento real do tempo no espaço e pensamento desses sujeitos ditos “loucos” e qual seria a fonte de inspiração e motivação dos mesmos para produzir seu legado. O que se pretende é falar desses sujeitos num formato em que haja concatenação com suas linhas de criação e com as ideias sem referências de como produziram sua obra, que perpassam o entendimento de terem sido originadas a partir de experimentações empíricas, onde a fluidez dos ideais conduziram seus caminhos e revelaram seus significados e significantes; mas tais classificações - como essas que acabei de citar e que foram construídas de forma a criar uma lógica peremptória para a obra - não explicam satisfatoriamente a real origem dessas ideias dentro do contexto e motivação para criar; cada um dos sujeitos que serão citados - que são dois - nesse trabalho tem suas particularidades idiossincráticas. Aspectos que podem ressignificar formas de se compreender o mundo onde atuamos ou existimos como indivíduos serão comentados e sugeridos não como regra, mas como alternativas ao invés de imposição ou influência condicional, como pode ser observado se comparando ao paradoxo, por exemplo, do bem estar sugerido pelo capitalismo como solução para uma sociedade perfeita, onde o consumo valoriza o objeto e o sujeito necessita da transfiguração do seu self em um “ter” para “ser”. A linha de pensamento para tratar do assunto se baseia principalmente na intuição heurística e no estoicismo grego, por sua definição clara em uma busca pela validação ontológica universal. As personagens foram escolhidas por serem formalmente conhecidos pelo trabalho que deixaram como legado e toda pesquisa foi baseada em material publicado pela imprensa, entre outras publicações, tanto físicas quanto eletrônicas (como é o caso da pesquisa pela internet), e as conclusões, bem, essa parte fica a critério de cada um dentro de suas próprias convicções com relação a essa força motriz chamada fé. Palavras chave: Fé, arte, sanidade, motivação
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Abstract The choice of title "Unknowable ubiquity" has its reasons implicit in the obscurity in refining the understanding of everything that is to be considered or treated as divine, sacred or mystical, suggesting the description of a path that refers to the point where reality fragments in the psyche of some subjects, making their realities different from those of the others - the so-called "sane� - to follow a perspective incomprehensible to the current logic and without reference in the real understanding of time in space and thoughts of these so-called "crazy" subjects and what would be the source of inspiration and motivation to produce their legacy. What is intended is to speak of these subjects in a format in which there is a concatenation with their lines of creation and with the unprinted ideas of how they produced their work, which permeate the understanding that they originated from empirical experiments, where the fluidity of ideals led their paths and revealed their meanings and signifiers; but such classifications - as these which I have just quoted and which were constructed in such a way as to create a peremptory logic for the work do not satisfactorily explain the actual origin of these ideas within the context and motivation to create; each of the subjects that will be cited - which are two - in this work has its idiosyncratic particularities. Aspects that may resignify ways of understanding the world in which we act or exist as individuals will be commented on and suggested not as rules, but as alternatives rather than imposition or conditional influence, as can be observed when comparing to the paradox, for example, of well being suggested by capitalism as a solution to a perfect society, where consumption values the object and the subject needs the transfiguration of his self into a premise of "having" in order to “being�. The line of thought to deal with the matter is based primarily on Heuristic Intuition and Greek Stoicism, for its clear definition in a quest for universal ontological validation. The characters were chosen for being formally known for the work they left as a legacy and all research was based on material published by the press, among other publications, both physical and electronic (as is the case of internet research) as for conclusions, this part is left to the discretion of each one within their own convictions regarding this driving force called faith. Key: faith, art, sanity, motivation
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Sumário
Folha de rosto…………………...……………………………........2 Agradecimentos…………………………………………………….4 Resumo……………………………………………………………...5 Abstract…………………………………………………………...…6 Introdução…………………………………………………………...8 Considerações sobre os personagens…………………………..9 Início do texto……………………………………………………..13 Primeira conversa entre ambos…………………………………17 Conversa IV……………………………………………………….18 Conversa VII………………………………………………………22 Conversa XI……………………………………………………….27 Última conversa…………………………………………………..30 Conclusão…………………………………………………………35 Referências numeradas………………………………………….36 Referências Bibliográficas……………………………………….40
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Introdução
O seguinte trabalho tem como objetivo questionar, de forma sucinta, a questão da fé como potência motriz ou causa natural, de origem desconhecida e/ou suposta e fator determinante na sina de todos os que se deixam guiar por seus caminhos. No presente caso, pretende-se a permissividade de locução - louco/são - a um espírito de coexistência pacífica entre todos os que fazem de nossa existência nesse planeta, no mínimo, suportável. Entrementes, vou tratar do caso de personagens que aparentemente não se encaixam no contexto social como agentes determinantes de conduta, sendo classificados ou estereotipados como racionalmente desequilibrados ou mentalmente insanos - o que se equivalem -, no contexto de paranoides comportamentais. As personagens escolhidas como exemplares de possuídos pela questão dessa suposta fé são, especificamente, similares conhecidos no cenário carioca - um deles internacionalmente - tendo ambos sido internados em instituições psiquiátricas para diagnóstico de sanidade mental e ministrado sua existência em função de uma lógica ilógica, por misteriosa, que regeu suas vidas até o fim. Arthur Bispo do Rosário e José (Profeta Gentileza) Datrino, ambos trazendo no nome a questão religiosa - Bispo, Rosário, Datrino (que significa do trio, ou santíssima trindade) - foram os escolhidos por exercerem influência e fascínio pela trajetória individual determinada pela crença em entes numinosos, uma entidade superior, que remete ao estado de individuação Junguiana¹. Essa força motriz, que remete às origens, é mutante e indomável por natureza, por preceder o entendimento lógico aplicável, carecendo de atributos concretos para seu entendimento racional, porém abundante em conectividade de atribuições, entre elas, a santidade.
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Considerações sobre os personagens Arthur Bispo do Rosário (1909-1989) - Nascido em Japaratuba (Sergipe), A.B.R. acabou tornando-se considerado artista plástico pela produção que deixou como legado e pela qual obteve reconhecimento internacional, sendo classificada como arte contemporânea, no entanto era considerado pela medicina psiquiátrica como louco, diagnosticado com esquizofrenia-paranoide, tendo sua inspiração advinda de uma instância imaginária, não compreendida totalmente pela ordem que rege nossa realidade racional ou que identificam nossas ações como normais dentro do conceito de saúde mental. Segundo Bispo, ele simplesmente apareceu no mundo e sua obra é fruto de uma “ordenança divina” (fato que se iniciou a partir de 22/12/1938), trazida por anjos - supõe-se que teriam sido sete no total - que desceram do céu em uma nuvem azulada e que o informaram sobre sua missão de escolhido como mediador entre os homens e o ente supremo - dentro da representatividade no contexto de sua obra - e que no dia do juízo final daria testemunho das ações dos mesmos à origem da criação, uma divindade que mais se aproxima de uma Ubiquidade incognoscível. E por ter essa missão como mote, escolheu alguns nomes de pessoas que seriam merecedoras da graça - algumas de forma aleatória, pois ele provavelmente escolhia aos que lhe agradassem de alguma maneira, pois muitos nomes eram de artistas de televisão ou famosos na mídia da época, pois seriam julgados segundo suas ações, carimbando seu passaporte ao paraíso - bordando seus nomes em alguns trabalhos em particular, como em seu manto de apresentação ou em um dos estandartes, por exemplo; mas a questão que se apresenta é: Qual a real dimensão e motivação interna de Bispo? Como lidar com a realidade de um conto vivenciado pelo outro? Bispo, que foi marinheiro, pugilista e faz tudo na casa do advogado e seu bem feitor Humberto Magalhães Leoni, certamente não fazia questão de que sua obra fosse avaliada como um bem de consumo comercial, provavelmente tinha um objetivo superior para a mesma e deixou esse propósito bastante claro em suas declarações, contudo sua vontade e objetivos foram outorgados por desconhecidos e sua obra atualmente circula mais como objeto de estudo, locação e curiosidade que com o propósito original de seu criador, que ainda tinha muitas questões em aberto e que não foram apreendidas no todo em sua obra e pensamento pelas limitações físicas que a idade avançada impôs a sua rotina criativa, um pensamento fugidio que ainda pode ser interpretado dentro de um corolário que está aberto aos que se predispõem a darem seguimento ao fio condutor que leva ao objetivo inaudito da arte. 9
Bispo terá seu trabalho catalogado, como o teve Alfredo Volpi, Cândido Portinari, Iberê Camargo e Tarsila do Amaral, integrando o seleto grupo de artistas brasileiros que já tiveram seus trabalhos catalogados pelo raisonné*. Com o seu catálogo, Bispo do Rosário de juntará ao contemporâneo Leonilson, artista cuja produção foi fortemente influenciada pelo trabalho do sergipano e que teve seu raisonné lançado recentemente, no final de junho de 2017 Bispo dizia que precisava de tudo escrito; portanto, que sua vontade não seja suprimida, mas incentivada com o intuito de se eternizar para que as próximas gerações possam ter acesso a sua história, e que todas as possibilidades dentro de seu universo criativo possam sempre aflorar para gerar mais conteúdos para afirmação e permanência de sua memória.
*Catálogo raisonné Catálogo raisonné é um tipo de publicação em que se catalogam, de forma abrangente, todas as obras conhecidas de artista. As obras passam por autenticação para que possam ser identificadas de forma confiável por terceiros. Nesses catálogos são registrados dados como título, data, descrição, dimensões, técnica empregada, localização, histórico de exibição, estado de preservação, assinatura/monograma/inscrições, bibliografia relacionada e numeração catalográfica.
José (Gentileza) Datrino (1917-1996) - Nascido em Cafelândia, Mirandópolis, interior de São Paulo, se tornou conhecido como figura icônica no Rio de janeiro entre meados e fim do século XX - cidade na qual, como Bispo do Rosário, se estabeleceu e viveu até pouco antes de seu falecimento - , onde passou a ser conhecido como profeta urbano por sua peregrinação e pregação oral e escrita inspirada pela divindade celeste, que lhe orientou a pregar a gentileza entre os humanos e o desapego aos interesses capitalistas, privilegiando a natureza e suas formas de nos manter conectados com o divino, mas que, como Bispo do Rosário, era considerado como mentalmente desequilibrado. Gentileza é comumente interpretado como alguém que se tornou insano por ocasião de um acidente que dizimou mais de 500 pessoas - o incêndio ocorrido no Gran Circo Norte Americano em Niterói no ano de 1961 - e que teria vitimado sua família na ocasião, fato desmentido pelo mesmo em matérias de jornais, onde posteriormente foi entrevistado para comentar a respeito de tal boato. Gentileza representava o profeta que abraça a causa da moral e bons costumes e tinha a convicção de que nosso atual sistema econômico, com base fortemente capitalista, era nocivo para todos, pois a ganância 10
que deriva da ambição pelo poder e pelo consumo exacerbado acarretam malefícios ao caráter e espirito dos incautos; e, com uma longa barba e túnica brancas, um estandarte com flores de plástico, cata-ventos e palavras de orientação e muitas idiossincrasias -, julgando o comportamento de todos que, segundo ele, estavam moralmente desviados. Entre seus escritos, algumas palavras continham significados metalinguísticos infiltrados por entre frases que, segundo o próprio José relatava, eram de ordem divina, por exemplo: A palavra Univvverrsso ou Jessuss, as letras duplicadas se referem ao filho de Deus e as triplicadas, a santíssima trindade; já na palavra amor, quando seguida de uma letra R Amor, significavam amor carnal ou material, quando seguido por três R´s Amorrr, significava “amor universal”. Como Bispo do Rosário, Gentileza teve alguns de seus trabalhos reconhecidos como arte, pois sua tipografia é única e original, dando a ele o status de design gráfico e, pelo conjunto da obra, teve seus murais, pintados ao longo do viaduto do gasômetro, tombadas pelo patrimônio cultural do estado do Rio de janeiro. Também como Bispo, José Datrino teve sua iniciação peculiar a partir de um surto mental com características semelhantes às de uma epifania, pois, segundo seu relato sobre o ocorrido, ao dirigir-se para uma entrega, em seu caminhão, a uma distribuidora de bebidas em Nova Iguaçú, ele sentiu uma energia invadir todos os seus sentidos, onde podia sentir tudo ao mesmo tempo dentro de uma calma delirante, como que em um estado epifânico, e ouviu uma voz como que a de Deus ou ubiquidade incognoscível, que lhe dizia para abandonar todos os seus compromissos profissionais, portanto, mundanos, para pregar a gentileza entre os homens, e, mais uma coincidência com Bispo do Rosário foi a data do acontecimento, entre 22 e 23 de dezembro, sendo que para gentileza, o ano foi de 1957, ou seja, 19 anos depois de Bispo. José Datrino - cujo sobrenome faz alusão à santíssima trindade, pois Datrino significa de três ou enviado pelo trio - tinha, segundo suas contas, 5 filhos, 2 meninos e 3 meninas, e era casado com Emi Camono, com quem tinha uma situação razoável, pois conseguiu comprar uma pequena frota de caminhões e ainda tinha como patrimônio 2 terrenos no bairro de Guadalupe. Ele provavelmente não consentiria que seu legado fosse comercializado como ocorre indiscriminadamente com sua tipografia em camisetas, propagandas e no uso em diversas mídias, pois, segundo o mesmo, o 11
dinheiro gera o mal entre as pessoas, por isso classificava o sistema como “O capetalismo”, onde quem quer mais dinheiro, quer mais diabo. José provavelmente teria sérias discussões com tons admoestadores para com os que se aproveitam de seu legado em usos indevidos e com fins outros senão o lucro. Também tinha suas máximas - aforismas - que podem ser interpretadas como bases de suas ideias a respeito de assuntos diversos como religião e costumes sociais observados com crivo moralizador.
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Arthur Bispo do Rosário e seu manto
Foto de arquivo - O globo
“A loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens”. (1° Coríntios 1:25)
O domingo fervia naquela tarde de fevereiro de 1963 no estado da Guanabara e a colônia Juliano Moreira seguia sua habitual rotina, entre pelados, vestidos e errantes; entretanto, em um quarto que mais lembrava um ateliê, Bispo do Rosário retornava de mais uma viagem no tempo, feita através de sua obra intitulada “Cama nave” - também conhecida posteriormente como cama “Romeu e Julieta”, por motivos que logo serão esclarecidos -, um costume ou condição privilegiada a que Bispo tinha acesso por permissão e vontade divinas e que era desconhecida ou ignorada por todos que o conheciam, se manifestando em seu id sem aviso prévio, pois sempre que tinha a sensação de que se transmutaria, sentindo a cruz riscada em suas costas arder como se estivesse em chamas, Bispo pedia aos funcionários responsáveis pela segurança da Colônia, principalmente para Altamiro, que era o “mais chegado”, para prendê-lo em sua cela e o deixasse por lá, sem ser interrompido ou incomodado, para, partindo dessa condição, ser transportado à época que desejasse, no passado ou no futuro, com a permissão da divindade ou Ubiquidade incognoscível, que lhe incumbiu da tarefa de representar o mundo através de sua obra - segundo ordens severas - porém, com a permissão ao acesso a informações que serviriam como combustível e motivação para sua condição aparentemente árdua, por laboriosa. Sentado na cama nave sob um calor de 38°, bispo ouvia melancolicamente o samba canção “Nervos de aço” de Lupicínio Rodrigues, na voz de Francisco Alves, em um pequeno rádio de pilhas uma singela gratificação de seu benfeitor, o advogado Humberto Leoni – e 13
a letra da música o tocava onde mais lhe doía, diretamente no coração, pois o lembrava da condição do amar, do querer sem ser correspondido:
“Você sabe o que é ter um amor meu senhor, Ter loucura por uma mulher E depois encontrar esse amor meu senhor Nos braços de um tipo qualquer.”
Essa parte da letra da canção lhe tocava profundamente, pois Bispo encontrara sua musa - a estagiária de psicologia Maria Rosângela Magalhães - inspiradora de duas peças emblemáticas de seu repertório, a saber: “A cadeira com correntes” - que representava simbolicamente o encarceramento de um sentimento e tentativa de trabalhar a ruptura de uma relação - e a caprichosamente elaborada, “cama nave”, renomeada posteriormente de “Romeu e Julieta”, enfeitada com fitas e rendas, além de uma camisola que seria vestida por Rosangela para que, como a do casal título, fosse vivida uma estória de amor proibida e apaixonada, mesmo que apenas em encenação; no entanto, envolvia uma paixão advinda apenas por parte de Bispo, sendo às vezes confundida com amor carnal, mas que na verdade tinha conotação fraternal, pois bispo nutria um carinho como que sagrado por uma figura que tinha para ele um valor como que maternal, de respeito e devoção; contudo, Bispo nutria também outros sentimentos, entre eles o ciúme, pois descobriu que a estagiária sentia atração por um jovem psiquiatra com quem, vez ou outra, se encontrava meio que “às escondidas” durante algumas brechas no plantão do manicômio, e foi justamente em um desses momentos íntimos que Bispo flagrou sua musa aos beijos lascivos com o mancebo, em um momento típico daqueles em que as mãos correm pelo corpo e as línguas parecem entrelaçar-se em uma dança sensual e lenta, onde se presume que o próximo passo será o ato consumado, ou seja, o coito. Esse fato ocorreu no futuro da realidade de Bispo, mais precisamente no ano de 1982, ano de copa do mundo na Espanha, onde se revelaria o time escalado pela seleção considerado como o melhor de todos os tempos, da guerra das Malvinas e da perda de uma das maiores vozes femininas do cancioneiro brasileiro, a incomparável Elis Regina. 14
cadeira com correntes
Cama nave/Romeu e Julieta
Cama nave/ Romeu e Julieta
Bispo rememorava, no calor delirante e abafado de seu quarto, em como reagiu à visão do fato que tanto o incomodou, era como um oceano de sentimentos revoltos e conflitantes que o levara, em emergência volitiva, ao desejo de tocar o queixo do jovem doutor com um cruzado de direita, mas em seu íntimo, logo percebeu que se cometesse tal ato, sofreria retaliações ou até castigos desnecessários que poderiam afastá-lo tanto de sua musa como também de sua real missão fundamental, que era a construção do seu mundo imaginário, sua missão primordial. Arthur sofreu antecipadamente por um fato que pertencia ao devir, que ainda viveria, mas que o afetava em seu presente, tanto que ele fez algumas greves de fome por conta dessa ruptura, tanto no passado quanto no futuro, por uma espécie de paixão proveniente da esfera do inaudito, de um estado delirante-sublime que a lógica desconhece em como suprimir, o que deixou Arthur seriamente debilitado por algumas vezes por conta da falta de nutrição, e o que o levou, de certa forma, a fuga de seu controle sobre a continuação dos trabalhos, pois em determinado momento ele começou a escrever “Rosangela ausente” em algumas peças próximo ao fim de suas atividades criadoras. 15
Apesar dessa adversidade - do desejo de punir por uma situação que lhe desagradava -, Bispo se conteve mediante seu ímpeto, meditou bastante, e continuou sua missão em construir a obra acrônica com paciência inumana, pois o grau de dificuldade aparentemente enorme para a maioria dos que o conheciam, seria confundida ou afirmada por Bispo como “escravidão voluntária”, pois ele se sentia um escravo, um servo obediente e compromissado com a vontade divina. No entanto, Arthur teve acesso a diversos tipos de leitura e conhecimentos gerais, nem todos relevantes, porém soube filtrar o que era necessário para sua missão, tendo seu conhecimento cultural ampliado durante sua estadia na casa dos Leoni - pois tinha livre acesso ao que interessava a sua absorção de conhecimento - que, somada a sua capacitação técnica, adquirida através do autodidatismo, possibilitara a pluralidade em sua produção; ademais era um observador atento aos pormenores que lhe chamavam a atenção e isso se refletia em suas construções, diferenciando sua arte da maioria do era feito até então no Brasil, pelo menos do que era intencionalmente criado para ser representado como “arte”. Mas o que também lhe acrescia em sabedoria e motivação, de certa forma, eram as conversas que mantinha com outro personagem atípico do cenário urbano do Rio de Janeiro, de meados do século vinte, um tal José Datrino, que ficou mais conhecido como “O profeta Gentileza”, a quem conheceu ainda na época em que morava na praça XV, a poucos minutos das barcas. José era, na época, ajudante de caminhoneiro, trabalhando com entrega de cargas e conheceu Bispo quando o mesmo trabalhava como limpador de bondes na viação Excelsior - Empresa conjunta com a Light – No ano de 1937. (Nesse mesmo ano, no dia 23 de fevereiro, ele seria demitido, após sofrer um acidente que lhe esmagou o pé, o impedindo de seguir a carreira de pugilista)
Os diálogos entre eles eram sempre muito apaixonados e envolviam os mais diversos assuntos, sobretudo de caráter religioso-existencial, contudo a pluralidade de ideias sobre fatores universais fervilhavam em 16
suas mentes diferenciadas e foram aulas que não formou alunos diretos, pois foram ímpares enquanto entes. José Datrino, quando tinha folga no serviço de ajudante, dava sempre um jeito de perambular pela praça XV de Novembro, na época com um grande comércio de pescados, exalando um cheiro muito forte de peixe podre, pois a quantidade de lixo proveniente do descarte de vísceras de frutos do mar era muito grande no entorno, mas esse era o tipo de coisa que pouco incomodava a José, pois seu interesse era atravessar a baia de Guanabara, às vezes para Paquetá, outras para Niterói. Quando chegava muito cedo e tinha que aguardar o demorado intervalo entre uma barca e outra, José proseava com Bispo que, também de folga do trabalho nos bondes, zanzava pelas redondezas das barcas e parecia perdido em pensamentos, o tipo que José reconheceria como par, pois percebia como que instintivamente que Bispo era seu semelhante em um universo paralelo a realidade vigente.
Primeira conversa entre ambos: Gentileza – “Graças ao pai celestial não está chovendo hoje né seu môço? Tô esperando a barca pra paquetá... Bispo – “Pois num é? Eu costumo fazê umas corrida bem cedin sempri qui possu, que é pra mantê os múqui firme, pois, dispois que parei de lutá pugilista, tô me sentinu mei cansado, então é melhó corrê sem chuva mesmo... Inda bem que tá turvo mas num tá caindo água... G – Cê reparou como a Mestblatié - Mestre et Blatgé ta arrancando os zóio da cara?! Fui arrepará os preço e me assustei, não anima nada o bolso... B – Vivo cum pouco, não sô de luxar, esses granfino que eu arrêparo são tudo nariz impinadu, parece inté que caga ôro? G - E num é que vóismicê tem razão? Eu tamêm notei muito cedo essa extravagânça desse povo que ignora os desvalidu, se comportam como quem foi picado pela mosca azul³, altivez e soberba são suas vestes, reparo muito no povo que trabalha na bolsa di valor tamém, só pensam em dinheiro, o tal do capital... Essa conversa precede o estado de variação que ambos tiveram algum tempo depois, mas a amizade perdurou - mesmo depois do surto de ambos - por longos anos, mas com uma frequência cada vez menor no início dos anos de 1980... 17
Bispo, por ter conquistado regalias na Colônia devido a sua capacitação em lidar com os internos mais afoitos ou violentos, ficou conhecido como Xerife local - era um dos únicos a poder andar livremente pelo entorno de toda a colônia, tomar café junto com os funcionários e dormir depois do toque de recolher, que era logo após a oração da “Ave Maria” - também podia, a cada dois meses, ser acompanhado para fora da colônia por alguém que se responsabilizasse por sua segurança e conduta, ele sempre escolhia fazer uma visita a Praça XV para poder encontrar “O futuro profeta.”
A seguir um resumo dos assuntos que mais instigavam a ambos. Conversa IV
Comportamento humano – Conversa ocorrida em setembro de 1985. José Dantrino, então com 68 anos à época, já era conhecido como o Profeta Gentileza - fazia sua pregação pelo centro da cidade, (vindo de uma recente peregrinação pelo nordeste) indo parar na praça XV com grande frequência, onde, além de pregar nas barcas, marcava um local para poder encontrar seu amigo de estado mental e parceiro de assuntos para além do senso comum , e tinha um caráter extremamente conservador, diga-se de passagem - , era um desses personagens conhecidos no mundo como Manic Street Preacher,*esses que carregam estandarte com frases de ordem e advertências, usava uma longa Tunica e barba brancas, lembrava o Filemmon² de C.G.Jung e sentia-se esperançosa com a vitória de Tancredo Neves nas eleições diretas para presidente - que teria vencido o candidato Paulo Maluf - pois o assunto em voga era o fim da era das trevas da ditadura militar, mas a alegria durou pouco pois Tancredo foi operado em Brasília por uma complicação que sofrera, mas o hospital de base, onde foi tratado estava em obras, tendo que transferir o então presidente eleito para a cidade de São Paulo, onde contraiu um quadro de infecção generalizada, vindo a falecer, causando enorme comoção nacional; em seu lugar assumiu José Sarney. Logo no início desse mesmo ano, era notório um alvoroço como muito não se via na cidade do Rio de Janeiro por conta do primeiro Rock in Rio, o Brasil passara, desde então, a ser rota constante dos grandes shows internacionais de música. 18 N.T. – *Maníaco pregador de rua ou profeta fatalista
Filemmon de C.G. Jung
José (Profeta Gentileza) Datrino
Restaurante Albamar – Pça XV
O local onde Bispo e Gentileza se encontravam para prosear ficava próximo ao restaurante Albamar, na Praça XV, pois havia espaço de sobra no entorno para a tranquilidade e privacidade dos dois, por ficar distante dos transeuntes e curiosos que sempre paravam para debochar ou tirar sarro de ambos - poucos eram os que se dirigiam com respeito e compreensão para com eles - principalmente por achar que eram literalmente insanos. Gentileza, na ocasião, ao ver o companheiro de prosa que não via fazia tempos, sentiu, na aparência de Bispo, como que um tipo de envelhecimento precoce, contudo, mal sabia que Bispo estava retornando do futuro, condição que lhe causava alguns traumas genéticos que se tornavam proeminentes em sua aparência e postura física, parecia bastante cansado. 19
A conversa dessa ocasião foi uma das que geraram controvérsias de ambos os lados, pois tinham opiniões bem definidas em seus pontos de vista, em concordância tão somente nos aspectos que envolviam a religiosidade proveniente do inaudito Ambos tinham um jeito bem peculiar ao se expressarem verbalmente, como se fossem acometidos por dislexia, o que parecia ser uma desconexão ou locução desprovida de um sentido fluente, porém, quando entravam em uma espécie de transe, se comunicavam com desenvoltura, quase como quem domina a gramática normativa, mas não chegando a tanto. Gentileza – ”Sinto falta de ouvir o pianista Thelonious (Monk), já fazem 3 anos que ele partiu para o além; sua música me deixa em contato com o divino, você costuma parar para ouvir as 7 notinhas Bispo?” Bispo – “Isso não nego, as notinhas me elevam o espírito, vez ou outra me sinto em estado de acédia, fico merencórico ao recordar uma pessoa a quem quero bem, mas que não pode ser minha. O radinho que o Dr. Humberto me deu vai descansar, estou com um troço que trouxe lá da frente no tempo que ouço sempre escondido, de preferencia no meio da madrugada, pois ninguém pode saber das coisas que trago de lá - Bispo se referia a um objeto que tocava música digital e armazenava uma quantidade absurda de canções -. Parei de ouvir os cantadores, não tenho mais tempo para distração no pé do ouvido com palavras dos outros, já me bastam às vozes de ordenança para fazer as coisas para o dia da apresentação, estou mais atento aos tocadores, o som dos instrumentos são bonitos. (Nessa fase, Bispo ouvia com frequência as canções instrumentais de “Low Power”, que coincidentemente também era música de piano, um registro do músico Japonês Hajime Tachibana, e sua música preferida desse disco se chama “In my world”)” G – “Sempre ouvi o boato de que, quando Roberto Carlos, Pelé e Silvio Santos morrerem, o mundo vai se acabar, o que você me diz sobre esse assunto?” B – “Já conversamos sobre isso, e você sabe muito bem como vai acontecer, eu vi corpos carbonizados pelo arraso do fogo, igual ao que aconteceu em Sodoma e Gomorra, assim como você viu o circo representando o mundo em chamas”. “Tem algo que ainda não é do seu conhecimento, mas vou te relatar: o “Danado” mandou descer alguns caídos, que entraram aqui no nosso 20
quintal do mundo vindo de carona em pequenas pedras que desabam do céu, uma dessas caiu na Rússia, na região de Urais (Fato ocorrido em 15/03/2013), deixando mais de 100.000 feridos e trazendo um enviado do espirito de discórdia junto dela”. “Esse espírito de discórdia é da classe dos caídos, e foi enviado por Lucífago Rofocale4 para gerar a discórdia entre homens de grandes nações que podem provocar agressões com armas de poder que provocariam o extermínio de muitos, em uma hecatombe que somente pode ser evitada pelos anjos da hierarquia primeira, alguns deles me acompanham e me falam o que fazer e também sobre o que está para acontecer; o fogo que os homens receberam de Prometeu, o titã que foi castigado por interferir na evolução dos seres finitos, permitiu que a astúcia iluminasse vossas mentes para gerar tanto o bem quanto o mal”... G – “Nesse sentido me veio semelhante memento e sou obrigado a concordar com vossa teoria, pois eu vi o fim do mundo, ele vinha entre cores e luzes piscando, quis fugir, mas não encontrei um porto seguro. O que posso afirmar é que: A derrota de um circo queimado é o mundo representado, porque o circo é redondo e o mundo arredondado”. B – “Você, como profeta, não recebe mensagem dos anjos?” G – “Eu, como São José, represento Jesus na terra dos homens, buscando elevar o espírito dos desgarrados para guia-los na direção do pai celestial, busco mostrar o Espírito Santo para todos através da gentileza, mas tem muito espírito de porco e de imundice por toda parte, muita língua ferina e muita atitude sem vergonha também”. B – “Eu te entendo profeta, mas espírito de porco é obra dos caídos, eles influenciam as atitudes de quem acham que pode causar ou gerar o mal que foi proposto pelo espírito da discórdia; os anjos da hierarquia primeira sopraram em meus ouvidos que um líder do ocidente será eleito de forma manipulada através de influência dos caídos que desceram na Rússia, e provocará a ira de um líder do oriente, que buscará mostrar para o mundo sua capacidade de combate com arma de grande poder, portanto, nas mãos dos santos anjos está o futuro e a segurança dos viventes efêmeros”. G – “O Profeta Daniel sabia desses assuntos, e elencou o n° 666 como o número da besta do apocalipse, mas essa interpretação é um equívoco para as mentes desavisadas, pois eles pregam que esse número representa Satanás, quando na verdade é uma metáfora para o sistema político mundial ou ações de um “líder imperfeito”, eu diria um líder 21
espiritualmente despreparado para a governança de uma nação que, ao se opor aos ideais de outro líder imperfeito de uma outra nação, colocam vidas inocentes em risco iminente. O número 6 tem um significado que é a “Imperfeição” “Tenho pregado o valor da gentileza, amorrr, beleza,... A natureza é rica em abundância e perfeição, mas as cabecinhas não percebem que estão perdidas pelo caminho de seu ego escangalhado”. “A essa altura da conversa, o apito da barca soou alto e Gentileza se despediu de Bispo, convidando-o para retornar o mais breve possível para que continuassem os assuntos que serviam de inspiração para ambos”. *Apocalipse 13:1 – 17 – 18
Conversa VII Sistema financeiro – Diálogo ocorrido em novembro de 1985 Quase fim de primavera e Bispo se sentia bastante cansado pela rotina de quase 16 horas diárias na construção de sua obra, contudo sabia da importância de seu legado - que a essa altura já contava com mais de 1.000 peças - e jamais abriu mão desse compromisso; lembrando que faziam cinco anos que o Brasil havia descoberto seu talento através do programa dominical da rede Globo - Fantástico - o que tornou sua vida ainda mais conturbada, pois recebia visitas constantes de diferentes personas interessadas em entrevistá-lo, porém, com ressalvas, pois era necessário que antes de qualquer compromisso formal, a pessoa respondesse corretamente a pergunta que seria a chave para adentrar seus domínios. -“Qual a cor da minha Aura?” Era a pergunta feita sem pestanejar, caso o indagado demorasse a responder ou não respondessem corretamente, os ânimos azedavam, e nada de entrevistas! Bispo, como de costume, após consultar suas anotações, lembrou-se da data marcada para seu encontro com Gentileza e, com o pouco dinheiro que conseguiu guardar da venda do comércio clandestino dentro da colônia, onde vendia cigarros e outros itens que ganhava e não consumia, mas que interessavam aos outros internos, juntou o suficiente para pagar as passagens e poder comer algo pela rua. Pegou o ônibus da linha 762 (Madureira-Colônia) até a Taquara e de lá pegou o 380 até a praça XV. 22
Gentileza, que após o surto passou a rejeitar o dinheiro físico, classificando o mesmo como “Vil metal”, comia uma coxinha de galinha com refresco de maracujá, pagos por uma cidadã que simpatizou com sua causa - parecia uma turista italiana - ouvindo prontamente do mesmo um sonoro “agradecido”, pois o profeta nunca dizia “obrigado”, justificando que ninguém é obrigado a nada, inclusive seu pseudônimo gentileza vem da frase “Por gentileza” ao invés do “Por favor”, pois dizia que ninguém deve favor à ninguém. Eram quase 10h35 da manhã quando Bispo chegou à praça XV, vestindo seu ilustre casaco azul, partiu para o local onde marcara com Gentileza para seus habituais diálogos bimestrais. Trazia consigo uma sacola de supermercado com meia dúzia de bananas d´agua e um pacote de biscoito cream cracker Aymoré com quase metade já comidos. Passou, antes de chegar ao local combinado com o profeta, em um bar perto das barcas e pediu um copo dágua, pois sentiu a garganta seca após comer alguns biscoitos cream cracker puros. Ao sair do bar, andou como que uns 15 metros e parou para assistir a uma situação que o fez dar uma risada de canto de boca, era Gentileza descendo a lenha em cima de um evangélico que carregava sua Bíblia debaixo do braço. “- Bíblia não é desodorante pra andar debaixo do braço seu môço, onde já se viu tamanha falta de respeito para com a palavra divina?” O crente, assustado, deu de costas e acelerou o passo, essa era a forma como o profeta das estrelas agia, com rigoroso discurso moral. Ao fazer o que achava correto, Gentileza passava por situações constrangedoras, pois não aceitava costumes que considerava pervertidos como a mini-saia, maquiagem, decote acentuado, descamisados, entre outros; algumas mulheres o achavam extremamente machista por suas atitudes não convencionais ou lhe davam um fora na cara dura, o chamando de “velho maluco”. Ânimos amenizados e uma leve brisa que soprou do mar - com forte cheiro de maresia - tornara tudo mais tranquilo, e assim, Bispo se manifestou; B – “Ei! Seu José, botando ordem na casa?” G – “Mas num é que esse povo é cabeça de vento Bispo? Veja você, eles adoram um papa que anda de cadillac e usa ornamentos de ouro, enquanto Jesus, mesmo sendo o filho de Deus, não ostentava e nem citou nome de religião alguma, pois pregava que, se duas pessoas ou 23
mais se juntassem para se conectarem com a fé, lá ele estaria também, em qualquer local, não necessitando ser templo ou castelo, só precisariam ter fé”. B – “É meu bom profeta, nós sabemos que o poder do dinheiro desfaz alianças e endurece o coração”. G – “Verdade seu Arthur, O “capeta capital” está dominando toda a sociedade mundial, os homens que estão no comando do mundo ficam cegos com o poder exercido por Mammon5 em suas vidas, provocando a dor e o sofrimento dos milhões que acreditam nas falsas promessas desses representantes do governo, os que se dizem defensores dos direitos civis, que são, na verdade, defensores de seus próprios interesses, o certeiro sintoma de quem se deixou iludir pela “Mosca azul”³, e esse é o tipo de atitude que emana maus fluídos pelo ar, contaminando o inconsciente coletivo e gerando o progressivo replicar de atitudes nefastas e atos corruptos, como se fossem naturais, é como diz o provérbio (29:2) “Quando os justos governam, alegra-se o povo, mas quando ímpio toma posse, o povo geme”. B – “É seu José, queria dizer alguma boa nova pra te alegrar, mas não vejo como pode melhorar se não espalham a sabedoria através da educação, mas ao invés disso jogam o povo nas trevas da ignorância para que não tenham como entender seus direitos nessa vida, se vampiros existem, então estão todos governando as vidas alheias, mas não a minha que já está na ordenança, quem me governa é o divino, é por ele que faço tudo nesse mundo, pinto, bordo, martelo, escrevo; eu preciso de tudo escrito, dos nomes de todos os que serão salvos no dia do juízo”. “Eu sei que meu trabalho vai ficar perpetuado, pois um Sarafim me contou umas fofocas do além, ele é traquino, mas não é de todo mal, mas foi desconsiderado na hierarquia maior por passar como fruto de traição; ele me relatou que até no céu existe o ciúme e a inveja, não à toa Pandora desceu com sua caixa com males pro mundo, mas a mulher não necessita passar por tanto abuso, tanta maledicência por pouco caso, Lilith mesmo é uma..., dizem que ela é a mãe do “Sarafim mardito”, o que não terá quinhão no céu”... G – “Conte mais seu Bispo”... B – “Todos os dias as paixões se vestem com 360 tipos de vestes “divinas”, convidando o caminhante a tomar o rumo errado, mas, a menos que as paixões para o pecado se manifeste em uma delas, o espírito da 24
discórdia não conseguirá penetrar no coração ou essência do caminhante”. “Quando surge a predisposição para a paixão, o errante se aproveita dela e a promove, projetando-a no coração ou estado volitivo dos humanos; e esse é o que passou a ser chamado de “tentação”; que abre procedência para escolhas que geram resultados de engano e atos de reprovação, motivo de queda e ranger de dentes”... “O que causa muita maledicência e motivo para queda é o imaginário que criamos para nós mesmos ser o verdadeiro “Eu”, e a de que nosso pequeno ego, nossa coleção de desejos e medos mutáveis, todos ativados por acontecimentos externos é o soberano de todo o nosso ser, sendo permanentemente livre”. “Lá pelas bandas da Pérsia, existiu um poeta que era Sufi, e ele ouviu na conferência dos pássaros o seguinte relato: “Ah, tolo convencido, espírito do demônio! Exclamou a Polpa, tu te afogaste totalmente no egoísmo. O diabo entrou na tua cabeça, toda tua perfeição e virtudes não são mais que produtos da tua imaginação. Enquanto te deixares assombrar por ideias tão diabólicas, permanecerá distante da verdade. “Ouve essa história” “Um dia, Deus todo poderoso mandou que Moisés fosse aprender alguns segredos de Éblis. Moisés foi ter com Éblis e lhe pediu que lhe ensinasse um segredo. – “Lembra-te desta única lição, nunca deves dizer “eu”, disse Éblis – caso contrário, te acharás na mesma condição que estou”. “O espírito da discórdia só invade se houver uma brecha aberta pelas fraquezas, se houver um manifesto de submissão voluntária, e os inimigos da essência dos humanos são: A vaidade e o amor pelo ego; assim sendo, dominar as paixões é dominar o mal, pois o orgulho e a ilusão são as armas particulares do errante, os incautos não percebem, mas “todo excesso lava ao infortúnio”, uma regra simples, mas muito ignorada. Os caminhos da tentação são a faculdade dos sentidos, da imaginação e da memória sensitiva”. “Uma das traquinagens desse Sarafim Mardito é desvirtuar os caminhos de quem busca a religiosidade, minando sua fé e colocando ele no erro ao lhe atentar com visões imaginárias, lhe colocando uma máscara diante de suas próprias características verdadeiras, mas o pior que o errante pode fazer é manter a alma do ser humano no relativo quando ela é chamada para o absoluto”. 25
G – “Pois sua estória tem consonância com meus pensamentos seu Arthur, o que percebo muito nos últimos tempos é que estamos vivendo em um tipo de refugo da civilização, essa ocorrência recente em que vivemos e que parece regida sob o signo da velocidade, uma era de coisas efêmeras, que não foram feitas para durar, me chamam de moralista, mas se não me couber atribuir valores morais aos incautos, como se lembrarão que estão, em suas andanças, no caminho do erro? Tenho mesmo que largar de mão e deixar que cada um tenha sua reflexão pessoal e uma consideração sobre seu papel na cena do mundo? O pai celestial não concordaria”... B – “Me veio aqui uma lembrança que você acabou puxando quando falou sobre signo da velocidade, percebo como os dias parecem mais curtos ultimamente, e um dos anjos que conversa comigo me falou que a terra está absorvendo as energias dos viventes, que seus sentimentos estão mexendo com a frequência dela, sua pulsão, que lembra o batimento do coração humano, está muito mexida, o anjo me falou que um alemão conseguiu medir esse fenômeno (Winfried Otto Schumann (6) – criador da frequência ou ressonância que leva seu nome) Eles querem a velocidade além da luz, além do além do além...,e com essa volição, atropelam a razão, desejando o paradoxal e ignorando os sinais”. G – “Lhe dou toda razão meu amigo, você está vestido dos pés à cabeça com ela”. B – “Pois os médicos psiquiatras não acham, eles querem me dar remédio. No início, me disseram que eu era Deus, médico o pai reconhece, psiquiatra, não, essa classe não entende o inaudito, se eles soubessem, não me davam remédio”. G – “Mas esse mundo está muito virado, e o povo, ou sua grande maioria, está vivendo a ilusão exercida pela influência do fluxus viventis, estão na condição de alienados, e é perigoso ser um outrsider, se você está fora desse contexto e não se deixar iludir pelo suposto efeito que lembra o conteúdo do misterioso “Véu de Maia”(7). Vossa razão passa por loucura, e a loucura deles, por razão”. “Comem alimentos provenientes do sofrimento e querem ter uma química interior perfeita, nunca terão, pois os alimentos advindos do sofrimento causam falso positivos, indutores de doenças que deflagram falsos prazeres, que com o tempo se transformam em doenças; mas quem sou eu para colocar um tanto assim de dedo em vossas feridas”? “Então que comam Foie gras, baby bife, e todo tipo de carne proveniente do sofrimento e aguardem os resultados, seu humor determina seu 26
estado, e o calor vai consumir tudo, um calor de mil sóis dentro de vós”. B – “É seu José, a prosa tá boa, mas devo partir, tenho muita linha pra desfiar pra continuar a construção dum mundo, vou escrever o nome seu lá no meio dos escolhidos, quero que você esteja comigo na hora da apresentação”.. G – “Mas não tenho pressa não seu Arthur, se quiser me esperar por lá, pode ir na frente, devo demorar mais um mucadinho por aqui, sê me desculpe tá”? B – “Tem probrema naum, vou só, tenho meu manto de apresentação, e te digo com convicção, vá quando quiser”! E assim, Bispo adentrou o 380 (Pça XV/Curicica) de volta pra Taquara, aguçando a curiosidade e causando desconfiança em alguns e pena em outros, seguiu ouvindo as mensagens e falando baixinho, como que em burburinho, coisas que muitos tentaram ouvir ou decifrar, mas que não vazou, não vazou...
Conversa XI Bispo e os anjos
Serafim
Entre os sete anjos que desceram do céu naquele dia 23/12/38, encontrava-se um serafim, anjo de seis asas, da primeira hierarquia divina e responsável direto pela orientação de Bispo durante sua jornada a partir de então; no entanto era mais que isso, era um conselheiro e, ao mesmo tempo, confidente astral, valioso por ter um conhecimento imensurável à compreensão humana e, sempre que possível, conversava com Bispo em particular para que soubesse de assuntos que teriam relevância em sua obra e íntimo, pois seriam como combustível onde Bispo encontraria forças para continuar até onde seu corpo aguentasse, proclamando sua importância como mensageiro e revelando seu destino entre os grandes desde então até o término de sua jornada ou hora da passagem, como sempre costuma proclamar. 27
Os sete anjos da hierarquia 1°
“22 DEZEMBRO 1938 – MEIA NOITE ACOMPANHADO POR – 7 – ANJOS EM NUVES ESPECIAS FORMA ESTEIRA – MIM DEIXARAM NA CASA NOS FUNDO MURRADO RUA SÃO CLEMENTE – 301 – BOTAFOGO ENTRE AS RUAS DAS PALMEIRAS E MATRIZ EU COM LANÇA NAS MÃO NESTA NUVES ESPÍRITO MALISIMO NÃO PENETRARA – AS 11 HORAS ANTES DE IR AO CENTRO DA CIDADE NA RUA PRIMEIRO DE MARÇO – PRAÇA – 15 – EU FIZ ORAÇÃO DO CLEDO NO CORREDOR PERTO DA PORTA – VEIO MIM – HUESMTEBPEDRFTFOI ENMVIADGOAPLAHRAREESVISLTEAOTRNIPI- L– UIZAHDENVROIQGUAEDO MESTRE PARA ONDE EU IA PERGUNTOU – EU VOU MIM APRESENTAR – NA IGREJA DA CANDELÁRIA – ESTA FOI MINHA RESPOSTA” (Relato descrito pelo próprio Bispo para o livro – Bispo, o senhor do labirinto – Luciana Hidalgo)
Diferente do “Sarafim mardito”, que era um deserdado das graças divinas, esse anjo que aconselhava e informava Bispo sobre diversos aspectos, era um dos sete, como foi relatado, e situava Arthur sobre onde o mesmo chegaria com sua obediência e disciplina monástica. Serafim – “Sr, Rosário, nada deves temer, conquanto ache que trabalha em vão, todo seu labor será reconhecido e terás seu quinhão entre os grandes. Confie na providência, ela é convosco”. Bispo – “Bendito seja meu conselheiro, não tenho pensamento preso na vaidade, tudo o que faço, faço por obediência e bom grado, toda glória ao divino, a mim, somente meu esforço e capacitação, nada mais”. S – “Entendo sua abnegação como propósito sagrado, poderias certamente ter sua Hagiografia, mas, deixar que os seres efêmeros cuidem dessa parte é maldizer o propósito, pois, como relatou Jeremias no livro sagrado no cap.17,v 5 e 6, - é arriscado legar esse atributo aos mesmos, correndo-se o risco de se por tudo a perder, pois seus interesses estão concomitantemente intrínsecos aos de Mammon”.(7) B – “Cê falou bunitu agora meu conselheiro, eu não mereço tamanha consideração, não tenho nada de santidade para merecer esse legado canônico, somente faço o que o divino me pede, não tenho grandes 28
ambições nem quero muito dessa vida; os homens não se satisfazem nunca, por ser o desejo como o pássaro fênix, a satisfação é a morte do desejo, e o mesmo renasce o tempo todo; me contento mesmo é esperando pela hora da passagem, com paciência e confiança, já tive muito, pois os homens levaram os trabalhos para o povo apreciar nas galerias, nunca que eu esperava isso”. S – “Você merece todo crédito e toda consideração seu Rosário, e jamais deixes de lembrar que teus escolhidos terão a chance de usufruir do galardão provindo de vós, os nomes que escolherdes constará na lista de apresentação no dia do julgamento”. B – “Assim seja meu Serafim, assim seja”...
Bispo do Rosário testemunha com energia a relação específica no que diz respeito ao conjunto do sistema da linguagem. Só ele poderia fazer isso como fez: original e singular. Seu testemunho através de sua vasta obra, a que ele se dedicou com toda energia, deixando até de se alimentar para melhor obedecer às vozes que o guiavam, ditando sua conduta, são, segundo Lacan ([1955-1956] 2010, p. 244) o testemunho do alienado em sua posição em relação à linguagem, o conjunto das relações do sujeito com a linguagem: “[...] a voz me obriga a fazer tudo isto” (DENIZARD, 1982). Para Lacan ([1955-1956] 2010, p. 241), Schreber foi excepcionalmente dotado para a observação da “verdade” dos fenômenos cuja sede é ele próprio, o que dá a seu testemunho um valor incomparável. Já no caso do Bispo do Rosário, sua linguagem é a produção de objetos que para os outros configuram como produção artística, mas que para o próprio trata-se de uma missão, ele se dizia escolhido para fazer aquilo, que era apenas um canal para as vozes. Em seu delírio, produziu algo inédito no concreto de suas peças e instalações, em surpreendente consonância com a tendência artística de vanguarda da época, em escala internacional. O caso Schreber de Freud “E o paranóico constrói de novo o mundo não mais esplêndido, é verdade, mas pelo menos de maneira a poder viver nele mais uma vez. Constrói com o trabalho de seu delírio, esta formação delirante que presumimos ser o produto patológico, é, na realidade uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução. Tal reconstrução após uma catástrofe é bem sucedida em maior ou menor grau, mas nunca inteiramente. Nas palavras de Schreber, houve uma grande mudança interna no mundo. Mas o indivíduo recapturou uma relação e frequentemente uma relação muito intensa, com as pessoas e as coisas do mundo, ainda que esta seja agora hostil, onde anteriormente fora esperançosamente afetuosa.” (Freud, 1911) Se nos tomarmos por “secretários do alienado” (LACAN, [1955-1956] 2010, p. 241), isto é, se escutarmos esse sujeito psicótico, prestando atenção, ao pé da letra, ao que ele nos diz, se observarmos o vigor do material que nos é oferecido, notaremos que o que se obtém é mais vivo, resultado de uma invenção, uma reprodução imaginativa resultante de sua situação.
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Última conversa entre Bispo e Gentileza 17 de outubro de 1987
No ano em que a guerra fria deu sinais de que congelaria de vez, mais precisamente pela feliz escolha de Mikhail Gorbatchev como presidente da Rússia, a Glasnost e a perestroika (Política e economia) do então país socialista contribuíram para, alguns anos depois, por fim a URSS (União Soviética) como nação. No Brasil, chamava a atenção o incidente em Goiânia com um material radioativo proveniente de uma capsula abandonada em um hospital desativado, o material (Césio 123) era altamente perigoso e vitimou mais de 100 pessoas, que manipularam o conteúdo sem proteção adequada simplesmente por não saberem do que se tratava. A economia do país andava em péssimo estado, com inflação fora de controle e um plano de governo que agonizava em praça pública (Plano cruzado) José Sarney era o então Presidente da república. Nessa época, Bispo já demonstrava que a hora da passagem estava se aproximando, até mesmo por causa da desilusão com sua musa, a estagiária por quem nutria um sentimento para além de suas forças persuasivas. Ela havia partido fazia três anos, levando consigo as últimas palavras ditas por Bispo que foram: -“Você foi muito importante para mim e um dia eu serei muito importante para você, às pessoas irão te procurar para falar sobre mim”. Bispo desenvolveu uma broncopneumonia devido ao excesso de umidade de seu quarto forte, as infiltrações eram grotescas, e a diretoria da instituição pouco ou nada fazia para melhorar seu estado, tornando a vida de Arthur um martírio incessante. Pressentindo que lhe restavam poucos anos ou mesmo meses, ele procurou confabular por uma última vez com seu parceiro de prosas, mas dessa vez a conversa seria no entorno da igreja da Candelária, de onde partiriam para a Catedral Metropolitana e dali, após trocarem os últimos diálogos, se despedirem e seguirem seu caminho em direção indefinida. O relógio da central do Brasil marcava 7:h.35 da manhã de um dia nublado de sexta feira, dia 9 de outubro. O profeta tomava um café morno com um pedaço de bolo mesclado (chocolate/baunilha), sentado na escadaria em frente a lateral do quartel central do exército, seu estandarte encostado na parede, e seu olhar perdido olhava em direção ao campo de Santana. Gentileza pensava em quanto gastaria para comprar três galões 30
de tinta para pintar suas mensagens ou murais no viaduto do gasômetro. Estava um tanto melancólico pois pressentia que algo não estava bem com seu amigo Bispo, mesmo assim arranjou forças para continuar a caminhada, pegando a rua Marechal Floriano em direção a Igreja da Candelária, onde ficou marcado o encontro entre os dois... O teor dessa última conversa foi agridoce, tanto pelo significado quanto pelas conclusões, pois falariam sobre seus legados e o futuro dos mesmos. Já passavam de 8:h 53 quando José, sentado em frente a calçada de entrada da igreja da Candelária, avistou Bispo, vindo da rua 1° de março proveniente da Pça XV - caminhando meio curvado pelo peso de seus 77 anos aliados ao peso da gravidade. Bispo parecia sério, mas ao aproximar-se de José, deu um sorriso acalentador como que feliz por ver o amigo, que retribuiu com um sonoro -“ Salve seu Rosário”, muito bom dia, venha na paz.. B – “Salve companheiro José, Cof.. cof.. (tossiu Bispo), que a paz esteja contigo”.. G – “Estava aqui, lhe esperando e escrevendo em meu caderninho algumas mensagens que vou pintar lá por perto da Rodoviária, pois é lá que o povo passa vindo de tudo que é canto, todos tem que saber o proceder, tenho que revelar a palavra sagrada; dizem que sou louco, sou louco sim, mas para salvar, e maluco para amar”. B – “É profeta, estou um tanto desapontado com os homens, estão me dizendo um monte de coisas que não são de minha serventia, me dizem que o trabalho que estou fazendo deve ir parar no estrangeiro,..Pra quê? A ordem que tenho não me pede isso, pede apenas que eu faça isso, faça aquilo, e pronto; estou cismado que estão dando outra valia pras obras”... G – “Meus parentes me falam a mesma coisa Bispo, que é pra eu parar de pintar, pois estou gastando dinheiro com coisa à toa, sem serventia, mas não dou confiança, entra pela direita e sai pela esquerda, um dia eles devem entender que minha missão é maior que a dúvida deles”
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tipografia de Gentileza
B – “Depois que Maria partiu, meu ânimo parece que foi junto, já não tenho muita vontade de trabaiá, as vozes até me deram uma aliviada e meu anjo conselheiro aparece a cada vez com menos frequência, cof cof (tosse bispo) G – “Essa tosse tá forte hein seu Bispo, tome mel com alho picado junto com o sumo do limão, é um bom expectorante”. B – Eles estão me dando remédio na colônia, mas as vezes finjo que tomo, me viro e cuspo tudo pra fora, sou cismado com remédio”. G – “Já reparou como essa igreja é bonita seu Arhur?” B – “É sim seu José, mas vamos andando pra Catedral, queria ver um pouco mais da cidade, pois acho que tá perto da minha hora, tenho que fazer a passagem e meu manto já está limpo e aguardando a hora derradeira” G – Então vamos.. Seguiram pela Av. Rio Branco, virando à direita na altura da Nilo Peçanha para pegar o Largo da carioca e pararam um instante para reparar o santuário e convento de santo Antônio; ficaram uns 20 minutos e prosseguiram para a catedral.
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Á partir do alto: Igrejas da Candelária e S. Antônio – Catedral Metropolitana
Chegando na catedral, foram avistados pela segurança local, que ficaram observando de longe, sem importunar os dois senhores que pareciam saídos de um filme de ficção, e eram realmente personagens singulares. Adentraram a Catedral e ficaram alguns instantes a vislumbrar os vitrais e tecer comentários, se maravilhando com a arquitetura piramidal, quando bispo comentou. B – “Como poderia fazer uma como essa?” G – “Como o quê?” B – “Essa é a casa do divino, como posso fazer uma igual? As vozes nunca me pediram isso.” G – “Eu até gostaria de pintar umas mensagens pelas pilastras, mas o padre não ia deixar, iam me chamar de vândalo, já até pressinto” B
–
Onde
vai
dar
esse
mundo
meu
amigo
profeta? 33
G – Pensei que os anjos tivessem relatado pra vós sobre isso seu Rosário? B – Pois sim, eu não queria comentar para não perecer pessimista, mas já que você tocou no assunto, vou fazer um pequeno resumo do que está por vir: Algumas doenças muito agressivas e uma tal I.A. (Inteligência artificial) serão as principais ameaças para a humanidade nos próximos cinquenta anos, pois a tecnologia, essa causa de rupturas e inovações, nem sempre boas para o coletivo, vai tornar o desemprego um mal difícil de se combater, pois a indústria e o comércio não darão conta da equação oferta/demanda, e o mundo passará por um processo de adequação para que não entre em colapso, mas são tantas coisas que,..cof, cof, cof.. Destá seu José, não quero vos assustar com minhas divagações, me perdoe se falei demais... G – Por nada seu Arthur, venho arrêparando que o mundo está muito mexido por conta das extravaganças desses rebelados que estão brigando pela liberdade dos maus costumes, me sinto impotente muitas das vezes, mas não deixo de admoestá-los... B – “Cof cof cof, acho que já me vou seu José, você me acompanha até a praça XV?” G – Mas como não? Vamos... Depois desse encontro, Bispo piorou em seu estado de saúde, ficando permanentemente na colônia até o dia de sua passagem (falecimento), que aconteceu no dia cinco de julho de 1989, veio a falecer em decorrência de infarto do miocárdio, arteriosclerose e broncopneumonia. Ao tomar conhecimento do ocorrido, Gentileza fez uma oração silenciosa pedindo aos céus que cuidasse com carinho de seu amigo e lamentou bastante a perda do companheiro de prosas. Sete anos depois, Gentileza, após sofrer uma queda do andaime em que pintava os murais no viaduto do gasômetro, fraturou a perna e foi levado para sua cidade natal para que seus parentes cuidassem de sua saúde, Gentileza sofria com problemas de varizes e, necessitando fazer uma cirurgia para recuperar-se da fratura, acabou não resistindo a operação e veio a falecer por consequência da mesma. Seu legado ainda hoje é usado por terceiros sem o consentimento de sua família, que não faz questão de comprar briga judicial provavelmente pelo pensamento que o profeta tinha sobre questões que envolvem “dinheiro”. 34
Seguro das obras de Bispo em1995 Bispo representou o Brasil na Bienal de Veneza em 1995, e o seguro sobre suas obras foi estimado em aproximadamente U$ 120.000,00 (seguro sobre as 143 peças que foram escolhidas para a bienal) As obras de Bispo estão avaliadas hoje em dia em alguns milhares de reais, coisa que para ele não tinha a mínima importância, pois sua função não era a de se passar por arte, mas sim como souvenir com conotação religiosa, Bispo não teve sua vontade feita, ou seja, não foi enterrado com seu manto, isso sim se caracteriza como sacrilégio.
Conclusão Ambos os personagens sofreram preconceitos no inicio de suas trajetórias, sendo taxados ou diagnosticados como desequilibrados mentais; porém, sob a égide do divino, transformaram sua condição de dor e precariedade em beleza e poesia através de suas obras, conquistando respeito e notoriedade tanto de pessoas comuns quanto de celebridades, o que causa certa curiosidade instigante quanto à origem desses seus saberes, dessa magia que conduziu a ambos no caminho da fé em uma instância superior, essa inexplicável essência que impregna corações e mentes e que habita no inaudito. Por mais que se tente nomear tal força motriz ou qualifica-la com características humanas, mais distante de uma resolução se fica, personificando tal ente ou energia como uma Ubiquidade incognoscível.
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Referências numeradas
(1) Processo de Individuação ( Carl Gustav Jung) ¹A individuação é um arquétipo, mas o fato de termos este arquétipo não significa que o processo de individuação esteja em andamento, mas o self promove chamados para este processo sem um final determinado, visto que a psique é dinâmica. Entretanto, é preciso que o Ego queira e sinta-se motivado a empreender este processo, cuja tendência, muitas vezes é no sentido contrário, visto que, normalmente é um processo doloroso. “O processo psicológico da individuação está intimamente vinculado à assim chamada função transcendente” [1] (JUNG, 2009, § 854). “A função transcendente não se desenvolve sem meta, mas conduz à revelação do essencial no homem. No início não passa de um processo natural. Há casos em que ela se desenvolve sem que tomemos consciência, sem a nossa contribuição, e pode até impor-se à força, contrariando a resistência do indivíduo. O sentido e a meta do processo são a realização da personalidade originária, presente no germe embrionário, em todos os seus aspectos. É o estabelecimento e o desabrochar da totalidade originária, potencial. Os símbolos utilizados pelo inconsciente para exprimi-la são os mesmos que a humanidade sempre empregou para exprimir a totalidade, a integridade e a perfeição; em geral, esses símbolos são formas quaternárias e círculos. Chamei a esse processo de processo de individuação [2] (JUNG, 2008, § 186. Grifo do autor)”.
(2) Filemon “Filemon, da mesma forma que outros personagens da minha imaginação, trouxe-me o conhecimento decisivo de que existem na alma coisas que não são feitas pelo eu, mas que se fazem por si mesmas, possuindo vida própria. Filemon representava uma força que não era eu. (...) Percebi com clareza que era ele, e não eu, quem falava. (...) Foi assim, que pouco a pouco, me informou da objetividade psíquica e da realidade da alma.” (Jung – O livro vermelho) “O pensamento humano cria o que imagina; os fantasmas da superstição projetam sua deformidade real na luz astral e vivem dos próprios terrores que os conceberam. Esse gigante negro que estende suas asas do oriente ao ocidente para ocultar ao mundo a luz, esse monstro que devora as almas, essa aterrorizante divindade da ignorância e do medo, numa palavra, o diabo, ainda é, para uma multidão de crianças de todas as idades, uma aterradora realidade”. Segundo o que foi proposto acima por Eliphas Levi, podemos entender o diabo cristão como uma formação simbólica inspirada nos modelos do inconsciente coletivo, um arquétipo da sombra, tendo em vista que o símbolo encarna o arquétipo. “O diabo é uma variante do arquétipo da sombra, isto é, do aspecto perigoso da metade obscura, não reconhecida pela pessoa” (JUNG).
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(3) A mosca Azul Machado de Assis possui um poema com o título de “A Mosca Azul” que versa sobre uma mosca com “asas de ouro e granada”, “refulgindo ao clarão do sol”. O próprio inseto dizia: “Eu sou a vida, eu sou a flor, das graças, o padrão da eterna meninice, e mais a glória, e mais o amor”. Ainda no poema, um paria (homem da mais baixa classe do sistema de castas da Índia) observando a beleza da referida mosca, ficou “deslembrado de tudo, sem comparar, nem refletir”. Passou a ver na mosca o próprio rosto e a sonhar com poder e riqueza. Julgando estar diante de um tesouro, aprisionou a mosca, levou-a para casa e dissecou-a, ocasionando a sua morte. No final, o poema diz que o pária ensandeceu e “que não sabe como perdeu a mosca azul”.
(4) Luciferian Rofocale O primeiro-ministro de Lúcifer . Lucifugal Rofocale é apresentado em um único texto, o Grande Grimoire , um supostamente mágico manual francês de magia negra escrito no século XVII ou XVIII. O Grande Grimoire é especialmente importante para a sua função específica de fazer um pacto entre um mago e Luciferian Rofocale para obter os serviços dos demônios . De acordo com a mitologia esotérica, esse demônio pode possuir pessoas e faz isso apenas à noite, na ausência de luz (seu nome significa precisamente "aquele que foge da luz"). Rocofale pode ser um anagrama de Focalor , um demônio com o nome de Legemeton, um grimoire.
(5) Mammon Jesus disse: “Vocês não podem servir a dois patrões: Deus e o dinheiro (mamom). Porque vocês odiarão um e amarão outro, ou vice versa. Portanto, meu conselho é: Não fiquem preocupados a respeito de coisas: O que comer, o que beber ou o que vestir. Porque vocês já têm a vida e o corpo – e ele são muito mais importantes do que o comer, beber ou o que vestir”. Mateus 6: 24-25 Mammon é um demónio relacionado com a avareza, que igualmente é responsável pela concessão de riquezas. De acordo com algumas fontes demonológicas, Mammon é o filho do Diabo. Mammon é filho de Lucifer e Lilith, o fruto primogénito do casal que governa os infernos. Caim e Asmodeus são seus meios irmãos, uma vez que: - Caim nasceu da relação sexual entre Lúcifer e Eva, (é por isso um Nefilim, raça híbrida, fruto das relações entre anjos e mulheres humanas, uma casta odiada por Deus e que foi motivo do dilúvio), sendo irmão de Mammon por filiação do pai. - Asmodeus nasceu da relação entre Lilith e Adão, sendo que é por isso meio irmão de Mammon por filiação maternal. Mammon, Asmodeus e Caim constituem a trindade dos primeiros primogénitos Por que algumas Bíblias traduzem “mammonas” como “Mamom”
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(3) No texto em que Jesus fala sobre servir a dois senhores (Mateus 6:24) note que Jesus personifica a “riqueza” como se fosse uma pessoa, um “senhor” que poderia ser servido pelas pessoas e não meramente um objeto, bens ou dinheiro que as pessoas têm. Ele faz isso para fortalecer o argumento de que as riquezas podem ser um deus para as pessoas, como se fossem realmente algo com que elas pudessem interagir pessoalmente. Sabemos também que quando não seguimos a Deus estamos seguindo o maligno, logo, Jesus mostra claramente que as riquezas podem ser um deus, um ídolo, um senhor na vida de muitos. Daí então a tradução para Mamom como se fosse uma pessoa e não meramente riquezas materiais.
(6) Frequência de Schumann No mundo ocidental, a Ressonância Schumann representa a frequência do campo eletromagnético da Terra. Ele tem vibrado a 7,83 Hz com muito poucas variações conforme havia sido previsto em 1952. Tudo mudou em Junho de 2014, quando o Russian Space Observatory System exibiu um aumento repentino na atividade, com um pico, esticando para 8,5 Hz, e até mesmo atingindo 16,5 Hz, em alguns outros dias. Os pesquisadores ficaram confusos com essa anormalidade que nunca antes havia sido registrada e não sabiam como interpretá-la. Ampliando este dilema, outros picos incomuns foram recentemente detectados, surpreendentemente, aumentando para mais de 30 Hz, muito acima do marco estabelecido em 2014. Então, o que pensar acerca deste salto considerável nas ressonâncias Schumann? A razão para isso, aparentemente, está ligada à aceleração da Ressonância Schumann, que está nos fazendo perceber um período de 24 horas, como tendo cerca de 16 horas. Sabemos que a "batida do coração da Terra" está se acelerando e que, depois de milhares de anos com uma noção rígida de tempo, com a duração de um dia, de 24 horas, a acelerada taxa de batimento da Terra está fazendo com que venhamos a perceber apenas dois terços desse período, devido ao nosso próprio ajuste inconsciente para esta frequência de uma suposta Nova Era.
(7) Véu de maia Maya é o nome de uma deusa indiana que representa a ilusão em todas as suas manifestações. A ilusão do mundo físico é Maya. De acordo com os Vedas*, Maya lança um véu sobre o deus Brahman, a última realidade. Na filosofia budista, o Véu de Maya está associado ao esquecimento das reencarnações anteriores na vida atual. Vou me ater à definição hindu. Há muitos estudos sobre o véu de Maya, “o véu da ilusão”. Segundo Schopenhauer, o véu é “o mundo enquanto representação submetido ao princípio de razão“, nesse entendimento, mundo é puro fenômeno ou representação. Para ir mais fundo “Maya comporta uma série de sutilizações de significado e está longe de ser somente “ilusão”, como imaginam alguns desavisados. Maya é, de fato, o princípio causador da ilusão por via indireta, mas não é a ilusão em si mesma“. Relatos e Sínteses sobre Temas da Sabedoria Perene, Sociedade Teosófica no Brasil.
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Serafim substantivo masculino 1.rel espírito celeste da primeira hierarquia dos anjos, na Bíblia e na teologia cristã. 2.p.ext. anjo, querubim Um Serafim é, segundo a Angelologia, um anjo de seis asas. É comumente aceito como a primeira posição na hierarquia celestial dos anjos, os que estão mais próximos de Deus. A palavra hebraica Saraf ( )שרףsignifica "queimar" ou "incendiar", talvez uma alusão a tradições bíblicas onde Deus é comparado a um "fogo" ou mesmo a um "fogo consumidor". A referência bíblica para "serafim" está em Isaías 6:1-2.
Isaías 6 1 No ano em que o rei Uzias morreu, eu vi o Senhor assentado num trono alto e exaltado, e a aba de sua veste enchia o templo. 2 Acima dele estavam serafins; cada um deles tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés, e com duas voavam.
Apocalipse 9 1 E o quinto anjo tocou a sua trombeta, e vi uma estrela que do céu caiu na terra; e foi-lhe dada a chave do poço do abismo. 2 E abriu o poço do abismo, e subiu fumaça do poço, como a fumaça de uma grande fornalha, e com a fumaça do poço escureceu-se o sol e o ar.
Sobre a “Ubiquidade Incognoscível Até a época do apóstolo Paulo podia se encontrar altares espalhados pela Attica com os inscritos: “À UM DEUS DESCONHECIDO”, sendo que o próprio Paulo usou tal inscrição para pregar aos gregos: “E estando Paulo no meio do Areópago, disse: Varões atenienses, em tudo vos vejo um tanto quanto supersticiosos; Porque passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse pois que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio.” (Atos 17:22-23)
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Referências Bibliográficas Rassé, Amano – Metafísica do ócio, Ed. Fábrica do livro, Senai, 2003 https://issuu.com/nagaopaulo/docs/metaamano_finalizado_pdf - acesso em: 18 de nov. 2017 Freud, S. (1987). Edição Standard brasileira das Obras psicológicas completas de S. F. Rio de Janeiro: Imago. “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (dementia paranoides)” (1911c) Lacan, J. (1959/1998). “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”. Em Escritos (pp.537-590). Rio de Janeiro: J. Zahar. DENIZARD, H. O prisioneiro da passagem (1982). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PjgP1LYLZOU . Acesso em: 23 de nov. 2017. FREUD, S. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (dementia paranoides) (1911). In: ______. O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos (1911-1913). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 21-89. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12). HIDALGO, L. As artes de Arthur Bispo do Rosário. Disponível em: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/as_artes_de_arthur_bispo_do_rosario.html. Acesso em 21 out. 2017. KADH, L. Artur Bispo do Rosário. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ISt22V1U-hY . Acesso em: 12 de nov. 2017. LACAN, J. Secretários do Alienado. In: ______. O seminário, livro 3: as psicoses (19551956). 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 241-249. (Coleção Campo Freudiano no Brasil). Attar, Farid ud-Din. A Linguagem dos Pássaros. Tradução de Alvaro Machado e Sergio Rizek a partir da versão integral em persa e francês de Garcin de Tassy (1863). Attar Editorial, 1987, ISBN 85-85115-01-7. HIDALGO, Luciana. Arthur Bispo do Rosário: o senhor do labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Ocidentais. Ministério da Educação. Texto-Fonte: Obra Completa, Machado de Assis, vol. III, Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994. Publicado Originalmente em: Poesias Completas, Rio de Janeiro: Garnier, 1901. Gibert, Pierre (2003). A Bíblia: o Livro, os livros. Col: «Descobrir», série Religiões. Lisboa: Quimera Editores. ISBN 9789725890929
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