Marivone Dias
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Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 Marivone Dias . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Peixes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10 Garrafas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20 Folhas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .30 Novos processos . . . . . . . . . . . . . . . . .48 Biografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .54
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Apresentação A representação de objetos que têm como tema principal a natureza-morta pode ser situada no século XVII, período em que este modelo passa a definir um ramo específico da pintura a óleo. O termo natureza-morta descende da palavra holandesa stilleven, em inglês still life, “que se refere a uma natureza parada, inerte, composta de objetos inanimados”, conforme as palavras de Kátia Canton. A recorrência na história da arte ocidental de pinturas desse estilo possibilita a elaboração de trabalhos contemporâneos que parodiam este repertório institucionalizado. René Passeron coloca que o interesse é estabelecer uma “reflexão sobre a conduta criadora”, sem o objetivo de formular uma descrição do processo, mas tecendo conexões que permitam acessar o nebuloso território da criação. A natureza-morta é, afinal, um gênero que dialoga com a história da arte ocidental e os sistemas estéticos de forma abrangente. Portanto, corresponde a representações de objetos, exaltando diferentes motivações, com intuito de transmitir crenças, ideologias ou sensações. Ao organizar os modelos para pintar uma natureza-morta, Paul Cézanne (1839-1906)
considerava suas equivalências no bidimensional, posicionando-os em circunstâncias naturalmente insustentáveis, já nas vanguardas, os artistas dispensados da responsabilidade de confeccionar mimeses, fundam visualidades que rompem com os esquemas tradicionais de representação do espaço, como no caso do Cubismo, com uma investigação visual formalista. Adotam a natureza-morta pela facilidade de agregar estes elementos na superfície da tela, procedimento que ficou conhecido como collage. Os objetos que compunham o repertório destes artistas refletia o contexto social no qual estavam inseridos. Nestes trabalhos podem ser identificados cachimbos, violinos, bandolins, garrafas e baralhos, objetos que remetem a um cotidiano boêmio e burguês. Na Pop Art, a repetição e a escolha dos objetos apontam para o american way of life, com a ostentação da fama e da popularidade. Neste contexto, os produtos industriais são usados no processo artístico em obras que criticam os valores e os significados atribuídos usualmente a estes objetos. Os trabalhos de Andy Warhol (1928-87) apresentam este modo operante. Warhol reproduz incessantemente a imagem da garrafa da Coca-Cola e da lata de sopa Campbell’s, do mesmo modo que utiliza 7
a fotografia dos ídolos da mídia, reafirmando a ideia de ícone e da massificação cultural, características elementares na sociedade dos anos 1960. A tradição da representação de objetos, retomada nos exemplos mencionados, comprova que a natureza-morta pode ter outras leituras além de sua aparente banalidade do modelo. Trabalhados como símbolos, os objetos adquirem sentidos variados, cujos significados são definidos pelas alterações no arranjo, na escolha técnica e no tratamento adotado. “a natureza-morta se torna um coringa para mesclar as mais densas questões que tangenciam a existência humana.” (Katia Canton)
O objeto não é considerado como um elemento estático, adquirindo nestes trabalhos o status de personagem. Nesta poética visual, a natureza-morta é considerada em suas múltiplas possibilidades dentro do contexto da arte contemporânea, o que nos faz olhar para o processo pictórico da artista à luz da contemporaneidade. O tempo não para, mas transborda na intensidade do instante poético. O acender é a
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centelha do pensamento que se abre, afirmando a sua incompletude, o que é apresentado como a passagem da afecção ao afeto. À artista cabe o risco de trazer à tona um encanto, uma sensação tão íntima, e com todo o esforço de pensamento, que a criação implica torná-la capaz de comunicar algo a alguém. A centelha de um instante transportada para uma superfície material (imagens, símbolos, matéria, impressões, cores...), esta pequena vida que insiste em sobreviver ao vivido, correspondendo ao movimento de uma sensação única e particular que se acende potencialmente para todos, num movimento de uma emergência poética. A imagem poética como um acontecimento, como um instante que chega de forma imprevisível, instante, enquanto modo de ser de um acontecimento, figura por excelência da criação, não residindo no ato subjetivo da artista, mas na explosão de uma centelha que é a aparição do poético no meio do indeterminado.
• Meg Tomio Roussenq
artista visual
Obras escolhidas
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Peixes São trabalhos que ao falar de um universo particular, conseguem falar do coletivo. Valendo-se de referências pessoais, a produção artística passa a ser infindável e inovadora fazendo com que a memória se faça sempre presente. Ao falar de si, seja por meio de experiências muito particulares ou não, é possível conseguir estabelecer um diálogo com o outro, e ao falar de individualidades, acaba-se por falar do todo. São imagens retiradas do mundo percebido, mesmo que completamente imaginado, trazendo assim sua camada de existências reais, de intencionalidades e de qualidades afetivas, onde em movimentos constantes acrescentam novos desdobramentos, nas cores, nas formas e no suporte material da obra onde através de seus traços pictóricos, produz o efeito entre matéria e cor.
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Garrafas Assim a obra de arte vai além da concepção da matéria, que se limita à representação da coisa e está ligada ao senso comum. O objeto que existe nela mesma segue por outro lado, onde ela é uma imagem, que existe em si. Nessa perspectiva há uma ampliação no que envolve a discussão relacionada ao tempo, a narrativa pictórica permite uma atemporalização, o anacronismo do tempo. Uma obra de arte pode conter todos os tempos, ou nenhum tempo. Em toda essa relação entre obra de arte, processo criativo, intuição, existe o ato intencional, onde todas as descrições da obra pelo espectador se tornam verossímeis. A pintura matéria tem um sentido espiritual que ultrapassa a ideia de uma representação, e deixa o registro do seu lugar, onde as formas apenas a sensibilizam como presenças deste enigma. [...] é o ser humano que desperta a matéria, é o contato da mão maravilhosa, o contato dotado de todos os sonhos do tato imaginante que dá vida às qualidades que estão adormecidas nas coisas [...]. E nossa tarefa, muito mais simples, consistirá em mostrar alegria das imagens que superam a realidade. (Bachelard) 20
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Folhas O ato de imaginação é um ato mágico. É um encantamento destinado a fazer aparecer o objeto no qual pensamos, a coisa que desejamos, de modo que dela possamos tomar posse. O entendimento do fazer artístico por essa perspectiva valoriza o seu lugar no mundo material, tem o seu espaço ampliado nas complexidades narrativas, e a obra passa a ser uma imagem em si mesma, o seu próprio sentido, com seu status quo garantido em seu ambiente. Na série folhas a memória é ativada também por parte da imaginação de cada indivíduo, estabelecendo uma relação direta entre a artista, que sempre se coloca na sua própria obra, e o espectador, que acaba encontrando-a e, por vezes, encontrandose, numa ação inesperada, imersa nestes universos pictóricos. O que é visado não é nunca explicitamente o aspecto invisível da coisa, mas é um determinado aspecto visível da coisa a que corresponde um aspecto invisível, é a face superior do cinzeiro enquanto a própria estrutura da face superior implica a existência de um fundo. (Sarte) 30
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Novos processos Em um movimento entre matéria, resíduos de objetos e cor, os trabalhos trazem um novo fazer que instiga desdobramentos outros. Faz surgir uma paisagem correspondente a um mundo em fragmentos, mas que também se anuncia como uma enigmática presença. Tece o olhar sensibilizado e imagético do espectador, sobre o gesto criador de novos processos nascidos nas camadas que se anunciam sempre em transformação.
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Página / Descrição técnica das obras · Dimensões Capa / Idem pág. 38 4 / Idem pág. 50 (detalhe) 11 / Acrílica sobre tela · 140x120cm 12 / Acrílica sobre tela · 60x80cm 13 / Acrílica sobre tela · 60x80cm 14 / Acrílica sobre tela · 85x150cm 16 / Acrílica sobre tela · 155x75cm 17 / Acrílica sobre tela · 130x150cm 18 / Acrílica, óleo e colagem sobre tela · 75x150cm 21 / Acrílica e óleo sobre tela · 140x90cm 22 / Acrílica sobre tela · 150x100cm 23 / Acrílica e óleo sobre tela · 150x100cm 24 / Acrílica e óleo sobre tela · 140x90cm 25 / Acrílica e óleo sobre tela · 100x90cm 26 / Acrílica sobre tela · 120x120cm 27 / Acrílica e óleo sobre tela · 100x100cm 29 / Acrílica e colagem sobre tela · 90x140cm 31 / Acrílica sobre tela · 100x80cm 32 / Acrílica e colagem sobre tela · 100x80cm 33 / Acrílica sobre tela · 100x80cm 34 / Acrílica sobre tela · 100x80cm
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35 / Acrílica sobre tela · 140x80cm 36 / Acrílica e colagem sobre tela · 120x120cm 37 / Idem pág. 36 (detalhe) 38 / Acrílica e colagem sobre tela · 120x120cm 39 / Idem pág. 38 (versão monocromática) 40 / Díptico · Acrílica e colagem sobre tela · 30x80cm, 100x80cm 41 / Díptico · Acrílica e colagem sobre tela · 30x80cm, 100x80cm 42 / Acrílica e colagem sobre tela · 80x100cm 43 / Acrílica e colagem sobre tela · 80x100cm 44 / Acrílica e colagem sobre tela · 90x160cm 46 / Idem pág. 44 (detalhe) 48 / Acrílica sobre tela · 90x160cm 50 / Acrílica sobre tela · 80x80cm 51 / Idem pág. 50 (detalhe) 52 / Acrílica e colagem sobre tela · 75x150cm 55 / Acrílica sobre tela · 150x90cm 56 / Acrílica e colagem sobre tela · 80x100cm 57 / Acrílica e colagem sobre tela · 80x100cm 59 / Idem pág. 27 (detalhe)