Rudge Ramos Jornal
sexta-feira -2 de outubro de 2009
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A despesa anual do Teatro Para Algém não paga um capítulo de minissérie de uma grande emissora. Renata Jesion, atriz e idealizadora do projeto
Fotos: Camila Bevilacqua/RRJ
Teatro a um clique
explorar a casa que possui três palcos virtuais, com programações diferentes. O primeiro palco é a Grande Sala, onde acontecem as Miniem séries com episódios semanais. Atualmente, é encenado “Corpo Estranho 2”, de Lourenço Mutarelli, série de ficção científica em que a heroína acredita ser vítima de uma sinistra conspiração alienígena. No Sótão encontram-se as peças, com textos teatrais e temporadas mensais. Os internautas podem acompanhar as estreias ao vivo, e as peças são divididas em atos de no máximo 10 minutos. “Doido”, de Elias Andreato, que, além do roteiro, dirigiu e atuou no monólogo, está em cartaz desde setembro e fala de amor e arte e como essas duas coisas podem despertar um ator ou um cidadão comum. Por fim, na Sala de E-Star estão as Miniemcenas que, assim como o teatro, têm temporadas mensais e estreias ao vivo, mas os textos são literários. No momento, está em cartaz o Projeto “Os 12 Dramaturgos”. Todo o material produzido arquiva-se no Porão e fica à disposição para ser visto e/ ou revisto. Imagens de divulgação
Nelson Kao (à esquerda) e Elias Andreato durante a gravação da peça Doido, de autoria e direção do ator; união de teatro, cinema e internet. Adriano Ribeiro Camila Bevilacqua
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uz, câmera e ação. Esse típico jargão conhecido do cinema agora também é ouvido em uma casa peculiar. O TPA (Teatro Para Alguém), primeiro teatro interativo do país, é um projeto que une a profundidade dos palcos e a técnica do cinema ao alcance da internet. Os idealizadores, Renata Jesion e Nelson Kao, tiveram essa ideia a partir da necessidade de dizer algo a alguém. Em um espaço de 25 m², ambos perceberam que, com tecnologia, uma cenografia simples, chamando grandes autores e atores, reconhecidos e desconhecidos, dava-se para criar um mundo de experimentação. Com 18 anos de carreira, Renata divide-se atualmente entre a gravidez, a dramaturgia e seu outro filho, o TPA. “Quando uma peça entra em cartaz, cerca de 4.000 pessoas a assistem em uma temporada. Mas no TPA democratizamos
o espaço e a cultura. Vamos até as pessoas que não frequentam o teatro, ou seja, não esperamos que o público venha nos encontrar”. Segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 1999 a 2005 o número de teatros e salas de espetáculo cresceu aproximadamente 50% nos municípios brasileiros. Apesar desse desenvolvimento cultural, somente 21% das cidades possuem espaços para encenação. De acordo com o site jornaldeteatro.com.br, há registradas em Buenos Aires 172 salas de teatro. Nova York tem 106. Em Paris, há 92, e em Londres, 63. Buenos Aires possui uma sala para cada 17 mil habitantes, enquanto Paris tem um teatro para cada 29 mil pessoas. Comparando com estas cidades, São Paulo possui 120 teatros, ou seja, um para aproximadamente 92 mil habitantes. O site cidadedesaopaulo.com explica que são espaços para a montagem de espetáculos de todas as linhas artísticas, que vão das super produções dos musicais da Broadway
ao teatro de vanguarda. Apesar da quantidade de salas da metrópole e da diversidade de espetáculos e gêneros, ir ao teatro não é um costume do brasileiro. Seja porque o ingresso para grandes apresentações vai além da renda de boa parte da população ou porque a linguagem não é atrativa ou familiar. A questão é que a teatralidade no país, por vezes é esquecida. Nesse contexto, o TPA inspira a “popularização” desta arte. “A ideia surgiu pela ‘falta de procura’ do teatro tradicional. As pessoas vão às peças por se interessarem pela temática, pelo trabalho pessoal de algum ator ou simplesmente por ir, mas nunca chegam a lotar o espaço”, explicou Renata. Segundo ela, a solução foi fazer teatro para ninguém. De que maneira? Transformando a sala de estar de uma casa normal em um teatro para ser assistido por alguém que queira ver “algo de qualidade, gratuitamente, sem sair de casa”. Segundo Nelson Kao, fotógrafo
e idealizador, “havia a necessidade de algo novo, algo que provocasse a nossa sensibilidade e a do público”. “O TPA não quer repetir o teleteatro. Achamos o teatro filmado muito chato. Também não queremos um videoclipe. O tempo e a linguagem do teatro é outro. Assim, buscamos um mútuo aprendizado, uma contradição benéfica, uma semente de criação colaborativa. Destruímos com o auxílio da câmera a tradicional disposição palco-platéia.. E em certos momentos a câmera chega a ser mais um personagem”. O TPA completou 10 meses na rede e tem cerca de 45 produções que se dividem em Miniemséries, Teatro e Miniemcenas em forma de esquetes. Internet é sinônimo de interatividade. Por isso o formato do site não poderia ser diferente. Na primeira página dá-se de cara com o desenho de uma casa dividida entre Hall de Entrada, Sótão, Porão, Banheiro, Grande Sala, Quarto e Sala de E- Star (Sim, a grafia está correta). Para navegar é preciso
Tecnologia Dentro de um mundo tecnológico as ferramentas criam uma sinergia umas com as outras e há uma dificuldade em saber usá-las com um propósito. “A grande questão, por exemplo, entre os empresários, é de como explorar a internet. Há tantos caminhos, vertentes, caixinhas dentro da grande caixa que estamos explorando”, disse Renata. Para o jornalista, ator e entusiasta de cultura web Lucas Pretti, não há como negar a influência da internet nos dias atuais. “Quem renega isso, a tecnologia, a arte moderna, vai embora. Não será lembrado”. Para o jornalista a web proporciona uma flexibilidade. Pretti teve o primeiro contato com o TPA em janeiro deste ano, a partir de um comentário em um blog que descrevia o projeto. “Daqui a 30 anos, o que estamos fazendo aqui será de extrema importância, assim como Shakespeare, que foi reconhecido tardiamente”. Futuro Para eternizar o projeto os autores da ideia gravam os programas em mídias de alta resolução, com qualidade de longa-metragem, para que no futuro as produções se transformem em uma coleção de DVD ou passem no cinema. O caminho para o processo de conhecimento dessa nova experiência é repensar a linguagem desse teatro via internet. “Sabemos que temos que dar um passo que ainda está engasgado”, afirmou Pretti, que completa: “Podemos interagir mais e aproximar mais as pessoas. Não só assistindo, mas falando, twittando”. O jornalista se refere ao miniblog de mensagens instantâneas chamado Twitter. Temática Segundo a idealizadora do TPA, o que não falta é escritor com boas obras, que devem ser executadas. “Isso dá um tapa na cara das pessoas que dizem que o Brasil não dispõe de grandes autores, e autores de qualidade”, disse. Kao completa explicando que é um “ciclo vicioso”: existem muitos autores com textos engavetados por falta de viabilidade econômica para se montar o espetáculo; existem também inúmeros atores
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cultura - 9
SEXTA-feira - 2 de outubro de 2009
Quem renega isso, a tecnologia, a arte moderna, vai embora. Não será lembrado” Lucas Pretti, ator e jornalista
talentosos que não têm um meio de ganhar visibilidade; e há um público que busca uma produção livre e inovadora, sem preconceitos nem limites. “A temática do TPA surgiu a partir dessas inquietações, sem pretensão de responder a todas as perguntas, mas também sem esperar que as respostas caiam do céu”.
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8 - Cultura
Fotos: Cam
ila Bevilacq
ua/RRJ
Cultura inacessível Renata frisa que o TPA tem por objetivo customizar a arte pela arte, ou seja, dando ao vídeo-expectador uma opção econômica de cultura. “Vejo pessoas que juntam seu dinheiro para assistir a grandes produções, outras pagam valores absurdos. Nosso trabalho faz com que o teatro chegue a todos. Queremos levar o TPA a milhões, mas para isso, precisamos da ajuda financeira, de patrocínio”. Para a autora do projeto, se gasta muito dinheiro em comunicação televisionada, o que é um custo caro. “A despesa anual do TPA não paga um capítulo de minissérie de uma grande emissora”. Entende-se que é preciso um investimento, não só do governo, mas também de instituições privadas. “No início tivemos que investir, mas já se passaram 10 meses desde então e os recursos ficam mais difíceis. Decidimos colocar um ícone de ‘Contribua’ no site. Nesse ínterim apenas duas pessoas ajudaram, mas está ótimo, é um começo”, contou Renata. Teatro Para Alguém Onde: www.teatroparaalguem.com.br Quando: Todos os dias. Quanto: Gratuito
Acima, Nelson Kao e Elias Andreato, durante gravações para o TPA. Abaixo e à esquerda, Renata Jesion, atriz e idealizadora do projeto. Abaixo e à direita, cenografia básica da peça Doido, em cartaz no site teatroparaalguem.com.br