Caruaru | 2017 | Ano 1 | Edição 1
EXPEDIENTE EDITOR Thiago Henrique
EDITOR ASSISTENTE Élter Araújo
DIRETORA CRIATIVA Rayanne Elisã
EDITORIA DE FOTOGRAFIA Bárbara Conceição Sérgio Lucas Cladisson Mélo Sarah Teodósio
REDES SOCIAIS Editor: Ayrton Hascemberg Editor Assistente: Luis Lopes
BLOG Editor: João Victor Editor Assistente: Lucas Lening
EQUIPES DE REPORTAGEM Nicole Martins, Sergio Lucas, Cládisson Mélo Rafael Cavalcante, Gabriella Ambrósio, Wesleyanne Ramos e Natália Ribeiro Letícia Souza, Carla Nogueira, Aline Viana e Joelson Augusto Adriele Silva, Fátima França, Thalícia Andressa e Marília Pessoa Bárbara Conceição, Sarah Teodósio, Vevé Prado Kadu Ferraz, Adson Emanuel, Caio César, Alex Vinícius Givanildo Almeida, Jaci Freire, Jéssica Roseni e Evandro Lunardo
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Pedro Fillipe (capa) Bruno Alves (marca)
ÍNDICE 6 Editorial 8 A música é o que acredito 12 It’s pop, bitch! 13 Empreenda-se 18 O cenário hip hop em Caruaru 22 De Caruaru para o mundo da ficção 23 ‘“É coisa de preto”! 26 Pela liberdade de ser
a melhor versão de si por si
30 Universidade sem minha arte? Tô fora! 32 Cin3filia 34 Trash Rock Por que o slow fashion importa? 42 A gente, o Maurício de Nassau, o Salgado e o Brega
46 De Caruaru para as telas do mundo 46 30 anos do grupo teatral Arte-Em-Cena 50 Praticando a arte (quase) perdida
A Revista Verbo é um produto da disciplina Narrativas Midiáticas do curso de Comunicação Social do Núcleo de Design e Comunicação do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco. O professor Diego Gouveia foi o responsável pela disciplina em 2017.2.
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ED I TO RI A L alent A Revista Verbo surgiu a partir das atividades desenvolvidas na disciplina de Narrativas Midiáticas do curso de Comunicação Social do Núcleo de Design e Comunicação do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco. No segundo semestre de 2017, os estudantes conheceram as novas dinâmicas da produção textual para os meios de comunicação. talent Um dos grandes desafios da Comunicação nos dias de hoje é justamente o texto. Se por muitos anos, as seis perguntas do lead (quem, o que, quando, como, onde e por que) eram os grandes norteadores do estilo informativo, hoje, estamos muito perto de a Inteligência Artificial dominar essa técnica, e o diferencial da produção da notícia está no investimento em narrativas inovadoras. talent Temos bons exemplos de textos que desafiam os manuais de redação como os que estão ligados ao Novo Jornalismo, ao Jornalismo Literário, mas uma infinidade de possibilidades tem surgido. São textos escritos por uma geração on-line que impulsionou novas caraterísticas ao estilo das notícias. talent. Como bons amantes dos manuais de redação, nos sentimos desafiados a explorar novas possibilidades de estilo, ora abraçando ora indo além do que propõem os guias. O resultado a gente compartilha com muito orgulho aqui na Verbo, uma publicação feita com o envolvimento de 37 alunos do terceiro período do curso de Comunicação Social, sob a orientação do professor Diego Gouveia. A cada um dos estudantes, muito obrigado por entrarem nessa jornada comigo! talent. Nas próximas páginas, a gente reservou para você o que conseguimos produzir em reportagens sobre cultura. Agradecemos ao empenho de todxs xs alunxs que contribuíram para a realização deste projeto tão especial. Entregamos para cada leitor (a) o melhor que pudemos desenvolver. Diego Gouveia Professor Thiago Muniz Editor
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“A MÚ SICA É O QU E EU ACR EDITO” Indicado ao Prêmio da Música Brasileira de 2017, Valdir Santos concorreu com o seu “Celebração” na categoria Melhor Álbum Regional. “Cabaça d’água”, do brasiliense Alberto Salgado, vencedor da noite, e “Vivo! Revivo!”, do também pernambucano Alceu Valença, foram os outros finalistas Por Cecilia Santos Fotos cedidas por Renata Torres
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F A C E B O O K . C O M / V E R B O R E V I S TA ECORREMOS À INDICAÇÃO ao Prêmio da Música Brasileira para apresentar o entrevistado desta primeira edição da revista Verbo. Mantivemos os créditos da premiação pela importância que ela tem para o cenário musical brasileiro, mas, convenhamos, nosso entrevistado tem muito mais méritos do que o prêmio conseguiu indicar. A gente poderia começar destacando a sua generosidade e rapidez em aceitar conversar com a nossa equipe de reportagem, mas, além disso, é importante apontar a inteligência, perspicácia e simpatia deste artista caruaruense que encanta gerações não somente na sua cidade natal, mas até fora do País nas turnês que já realizou. Valdir Santos tem 47 anos, quase 30 anos de carreira, seis álbuns lançados e um coração virtuoso. Atua na formação de jovens músicos, alegra o público com canções poéticas e nos mostra, nesta entrevista, a razão de tanta felicidade em sua vida e na de quem está por perto dele.
COMO SURGIU SEU INTERESSE PELA MÚSICA? Eu digo sempre que a música entrou na minha vida desde quando eu estava na barriga da minha mãe. Na época, meados dos anos 60, ela era sanfoneira e radialista da Rádio Cultura de Caruaru. A música sempre foi muito presente na minha casa. Eu também ouvia muito o rádio. Eu sempre fui muito tímido. Vim falar mais depois dos 17, mas, com os poucos amigos que eu tinha na rua, a gente sempre tinha histórias musicais, gostava de cantar. Sempre gostei também muito de ler e de escrever. Então, a ideia de compor vem daí. Vem de tudo isso. Minha mãe é minha maior influência.
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V E R B O R E V I S TA .W O R D P R E S S . C O M QUAIS FORAM SUAS PRIMEIRAS REFERÊNCIAS MUSICAIS? QUAIS ARTISTAS COSTUMAVA OUVIR QUANDO ERA MAIS NOVO? Em casa, eu escutava de Elvis Presley a Luiz Gonzaga e de Beatles a Renato e seus Blue Caps. Benito di Paula também, porque meu tio era fã, assim como Trio Nordestino, por influência do meu irmão. ENTÃO, TUDO COMEÇOU ASSIM, COM A INFLUÊNCIA D A FA M Í L I A E D O S AMIGOS? Isso! E a escola foi muito importante também. Eu fui, digamos, descoberto em uma escola. Eu estudava na Escola Estadual Professor Mário Sette e, quando eu tinha entre 11 e 12 anos, uma professora pediu para que escrevêssemos um poema para a disciplina “Literatura e Redação”. No dia seguinte, ela nos devolveu, liberou todos os alunos e pediu para que eu ficasse. Daí, ela me olhou por cima dos óculos e me perguntou se realmente tinha sido eu que havia escrito aquilo ou se eu havia copiado de algum lugar. Respondi que sim, que o poema havia sido escrito por mim. Então, ela me respondeu: “A partir de hoje leia muito! Leia tudo! Porque você é um poeta!”. E QUANTO À PARTE P R O F I S S I O N A L , COMO COMEÇOU SUA CARREIRA? Comecei minha carreira como músico em 1989, tocando guitarra na banda de Ezequias
Rodrigues, compositor e cantor daqui de Caruaru que já não está mais entre nós e com Elifas Júnior, por oito anos. Toquei muito em barzinho também. COMO É O PROCESSO DE COMPOSIÇÃO DAS CANÇÕES? Eu digo sempre que não gosto de me sentar para trabalhar música. Eu prefiro que a música venha para mim e, normalmente, meu processo criativo é dessa forma. Às vezes, vem quando eu menos imagino, como por exemplo, durante o banho. Começo a cantarolar, daí já saio, escrevo e gravo para não esquecer. Às vezes, as ideias vêm já com melodia, métrica e rima, tudo já prontinho ali, mas às vezes não.
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS TEMAS RETRATADOS NAS LETRAS? Gosto de falar sobre a realidade, sobre o que eu vivo, minhas experiências, sobre a vida, como vale a pena viver! Falo sobre a importância de se estar aqui. Talvez nem nas letras, mas no show eu faço muito isso, sabe? Eu sou muito vivo, muito alegre e gosto muito de passar isso para as pessoas. Acho que meu sorriso e meu olhar falam muito a respeito disso. Então, nas letras das músicas, canto a minha vida, falo sobre amor e sobre os meus sentimentos, sejam eles de dor ou de alegria.
VOCÊ COSTUMA COMPOR SOZINHO OU COM OUTRAS PESSOAS? Gosto de compor só. Eu comecei a compor com parceiros no meu terceiro ou quarto disco, mas, antes disso, eu assinava sozinho. Gosto disso. Mas depois que comecei a compor com outras pessoas percebi que o meu melhor talvez não fosse realmente o meu melhor. Às vezes, a outra pessoa pegava a minha música e via coisas que eu não enxergava até então, e a letra ficava muito melhor do que eu podia fazer. Daí, eu mando um pedacinho da música, discuto a respeito da ideia principal e deixo o parceiro livre para desenvolver o restante. Para mim, todo esse processo tem que ser estabelecido em um contato direto. Não gosto de compor virtualmente. Eu posso até mandar a ideia, mas temos que discutir pessoalmente e tocarmos a música juntos para ver se é aquilo mesmo que nós queremos.
Valdir Santos em Show
Valdir Santos com o cantor Azulão
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SEU ÚLTIMO ÁLBUM FOI O “CELEBRAÇÃO”. COMO FOI O PROCESSO ATÉ O LANÇAMENTO? “Celebração” foi o primeiro álbum em que os meninos que já foram meus alunos gravaram comigo. É também o primeiro em que canto músicas de outros artistas. Quando tive a ideia, eu pensei em trazer o máximo de pessoas que de alguma forma contribuíram para a minha história musical. Queria tê-lo lançado quando completei 25 anos de carreira, mas só foi possível ano passado porque é um disco independente.
F A C E B O O K . C O M / V E R B O R E V I S TA ELE FOI FINALISTA DA 28ª EDIÇÃO DO PRÊMIO DA MÚSICA BRASILEIRA, NA CATEGORIA “MELHOR ÁLBUM REGIONAL”. COMO FOI PARTICIPAR DESSE MOMENTO? Quando recebi a notícia de que ele tinha sido pré-selecionado, já foi algo gigantesco, até mesmo porque ele é um álbum independente. E, quando soube que ele iria pra final, falei: “Já valeu tudo então!”. Foi uma experiência incrível. Quando me sentei no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, estavam ao meu lado Joyce, uma cantora do meu tempo de adolescência, Guto Graça Melo, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, Elza Soares, Ney Matogrosso, Chico Buarque, entre tantos outros que admiro. Acabou que não levamos o prêmio, e as pessoas perguntam: “E aí, Valdir?”. Respondo brincando: “Eu e Alceu Valença perdemos, ó! Somente isso!”. COMO VOCÊ AVALIA O ATUAL CENÁRIO MUSICAL? Eu acho que há uma grande confusão na humanidade. E uma das confusões que eu enxergo na minha área é justamente esta: as pessoas não têm mais noção do que é música. São pouquíssimas as que têm a ideia de ouvir e identificar cada elemento da canção. De vez em quando, alguém me pergunta por que eu não gravo alguma coisa de dois acordes e uma letrinha simplória que fale “vai embaixo, vai em cima”. Eu não consigo. Não consigo. O detalhe ruim disso tudo é que cada um que vai se sobrepondo é pior do que o que
vai ficando para trás. Quando se forem Caetano, Chico, Gil, o que teremos verdadeiramente? Agora é tudo consumo, é tudo vender, conseguir milhões de acessos. Mas será que toda música é só isso?
Após algum tempo alugamos uma casa no bairro e criamos uma associação. E o nome não podia ser outro. Jacinto Silva: o cara que tinha essa preocupação. Não era nenhum mérito de Valdir Santos nem de Marconiel. Era de Jacinto, porque era dele a continuidade. Após 12 anos de funcionamento, o PIM chegou ao fim, teoricamente falando, porque eu não conseguia mais conciliar com as outras atividades que eu desenvolvia. Atualmente, nós temos os alunos dos alunos dos alunos e eu fico muito feliz ao ver que já sou bisavô, tataravô musical de alguns.
QUAIS ARTISTAS TE INFLUENCIARAM? Eu digo sempre que Jacinto Silva é a minha maior inspiração. Convivi com ele por três anos. Ele enxergava algo em mim que eu próprio não. Ele tinha uma preocupação única com a continuidade da música. Com a música que ele fazia, com o que ele acreditava. E um ano depois, influenciado pelos ideais de Jacinto, me veio a ideia de criar o Projeto de Iniciação Musical Jacinto Silva, o PIM.
QUAIS PROJETOS DESENVOLVE ATUALMENTE? Há dois anos abri uma escola particular de música. Eu dou aulas de violão. Wagner, Danilo, Felipe, André e Riá, que tocam comigo, lecionam Bateria e Percussão, Teoria Musical e Flauta, Sanfona e Canto, respectivamente. E o projeto mais recente de todos, a Trupe Katiti.
COMO SURGIU? Um belo dia eu estava em minha casa quando vi quatro crianças na rua. Me veio a lembrança dele [Jacinto Silva] e pensei que eu poderia ensinar alguma coisa para aquela molecada. Então, fui até eles e perguntei se gostariam de aprender algum instrumento. Foi uníssono! Todos responderam que sim e ficou combinado que nos encontraríamos oito dias depois. E assim foi. Oito dias depois todos eles apareceram. Marconiel Rocha, que hoje toca com Almério, tocava comigo naquela época e apoiou o projeto desde o início. Durante seis anos, o PIM foi realizado na varanda lá de casa e dávamos aulas de percussão, violão, baixo, cavaquinho. Nós ensinávamos para eles os instrumentos que sabíamos tocar. Eram 80 meninos divididos em quatro turmas de 20.
COMO ELA FUNCIONA? Tudo começou quando uma amiga minha me convidou para tocar na festa de um ano do filho dela. E daí nós começamos a ser chamados para outros aniversários. Começamos então a pensar em qual nome deveríamos colocar. Acabamos escolhendo “Katiti”, que em tupi-guarani significa “Lua nova”. E era justamente esse o momento: um momento de coisas novas. Comecei a compor canções para a trupe. São músicas infantis, não infantilizadas. Tem uma conotação infantil, mas tem textos que dão
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recados sobre temas diversos. Então, a gente já começa agora porque a ideia é fazer vídeos e depois lançar um disco, porque eu acho que foi uma coisa que não chegou só para as crianças. HÁ ALGUM PROJETO NOVO EM MENTE? Já estou desenvolvendo a história do disco novo. A história do Prêmio da Música Brasileira me instigou tanto que voltei de lá com o juízo a mil, já projetando esse disco novo. Tenho muitas músicas guardadas e tenho feito muitas músicas novas também. Tenho escutado muito as músicas de Alceu Valença da década de 1980. É um projeto já em andamento e o resto é a continuidade da vida. Pretendo melhorar o “Coisas da Terra”, na TV Asa Branca, que entrará no ano 15 em 2018 e tentar melhorar também o programa da rádio. Enfim, tentar melhorar sempre o que a gente vem trabalhando. PARA FINALIZAR, O QUE A MÚSICA REPRESENTA PARA VOCÊ? Desde que eu passei a me considerar músico eu digo que a música é a minha vida, que a música é o ar que eu respiro. Eu não consigo imaginar a minha vida diferente do que ela é hoje com todas as coisas que eu faço relativas à música. Eu não consigo me imaginar com outra profissão que não tivesse relação com a música. Não consigo! Então é isso:
“ música é
a o que eu acredito, é o que me faz vivo mesmo! Graças a Deus!
It’s pop,
Bitch! É preciso muita coragem para expor ao mundo os seus pensamentos mais desesperadores na maioria das vezes tratados, por alguns, como vergonhosos. Aquele tipo de sentimento que todos já sentiram alguma vez na vida, mas se negam a admitir. Foi essa coragem que Demi Lovato teve ao criar e lançar o seu álbum “Tell Me You Love Me”. A música-título do álbum é um grito de desespero do medo da solidão. Por mais que as pessoas preguem que ninguém precisa de ninguém para ser feliz, todos já se sentiram incompletos por estarem sozinhos. Mais do que nunca, vivemos em uma época de exposição. A nossa vida, não mais situada apenas no meio físico, exige uma atuação no mundo digital, nem que seja para possibilitar um trabalho ou a educação. Mas essa não é uma coluna sobre tecnologia, ainda que seja impossível não mencionar o poder dela em nossas vidas. As datas comemorativas já não são mais para nos juntar a quem amamos e celebrar. Hoje, elas existem também para anunciarmos ao mundo as pessoas que amamos. Elas existem para mostrarmos ao mundo que não estamos sozinhos. Desde o natal em família até o dia dos namorados, as redes sociais tornam-se uma disputa acirrada de quem é mais feliz. De quem tem a família mais unida, o namoro
mais estável, a carreira mais bem-sucedida. De quem corre menos risco de ser sozinho. O medo de estar sozinho sempre existiu. Mas, hoje, há por parte das pessoas a obrigação de não ser sozinho. E, no mais, de mostrar que não é sozinho. Se quando dizemos a um amigo ou parente que estamos carentes, corremos o risco de ser motivo de chacota, de sermos taxados de não-suficientes, de receber sermão de autoestima, imagine o risco que se corre quando se decide dizer isso a todo o mundo.
“
Diga que me ama, eu preciso de alguém em dias como esse. Você consegue ouvir o meu coração dizer? Você é ninguém, até que você tenha alguém. Esses são alguns dos versos mais impactantes do sexto álbum de estúdio de Demi Lovato. Como é possível uma mulher com uma legião de fãs, rica, bonita, famosa, entre tantos outros adjetivos, precisar de alguém para ser feliz? Se sentir sozinha mesmo com um mundo de pessoas dizendo constantemente nas redes sociais o quanto a ama? Com “Tell Me You Love Me”, ela nos faz lembrar que dinheiro, fama e poder não nos traz felicidade, não nos traz
AYRTON HASCEMBERG @hascemberg
plenitude. Ela nos faz perceber que não há problema algum em falar sobre esses sentimentos “vergonhosos” que o medo da solidão nos proporciona. Ela nos faz refletir sobre o momento em que esses sentimentos passaram a ser vergonhosos e não humanos. Analisando todo o contexto do álbum em parâmetros musicais, é impossível não admitir que é de longe o melhor trabalho de Demi. O álbum é sofisticado, sexy sem precisar de esforço para tal, envolvente, emocionante e honesto. A honestidade desse trabalho se dá desde os vocais limpos e livres de autotune até as letras que falam de assuntos que muita gente tem problema em admitir. A primeira música de trabalho do álbum “Sorry Not Sorry” parece desconectada das demais canções por se tratar de uma música comercial. Nem só de conceito e honestidade se vive a indústria, também é necessário vender, o que a música cumpriu com o objetivo desde o seu lançamento. Todavia, em sua última performance no American Music Awards, Demi Lovato usou a canção para lembrar a todos os seus fãs de nunca dizerem sorry por quem eles são. A performance que começa com tweets de ódio direcionados a cantora no telão, enquanto ela assiste a eles sentada da plateia, foi ovacionada por todos os presentes e consideradas uma das melhores da noite. Novamente, Demi foi
corajosa ao expor para o mundo inteiro os ataques de ódio que anos atrás contribuíram para sua internação em uma clínica de reabilitação. Outros títulos do álbum merecem ser destacados, como a envolvente “Sexy Dirty Love”, que traz em seu enredo um romance puramente carnal que começa por meio de mensagens de texto. “Ruin The Friendship”, teoricamente escrita para um dos seus melhores amigos, Nick Jonas, fala abertamente sobre os benefícios de uma amizade colorida e ironiza os que levantam a bandeira de que na amizade não há espaço para sexo. Por fim, o álbum não teria o mesmo impacto se pertencesse a outra cantora. A história de superação de Demi Lovato é comprovada por meio das letras, performances e clipes. Presenciar uma mulher, que se automutilava por ódio ao seu próprio corpo cantando sobre ele, explorando sua sexualidade e seus prazeres, é louvável. Ver uma mulher não tendo medo de expor seu corpo natural, fora dos padrões de cantoras pop de sua geração, falando sobre suas seguranças e inseguranças é de longe uma vitória para todos que torcem e lutam pelo empoderamento feminino.
Demi Lovato está crua e honesta. Que venha o seu sonhado Grammy.
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E m p r ee n d a - s e Jovens, mulheres e empreendedoras ensinam como transformaram suas habilidades em negócio Por Cládisson Mélo, Nicole Martins e Sérgio Lucas Fotos: Sérgio Lucas
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RIAR O PRÓPRIO negócio nem sempre acaba sendo fácil, ainda mais na área do empreendedorismo cultural. Apesar da crise econômica e das dificuldades do mercado local, a gente vai apresentar nas próximas páginas iniciativas ousadas de mulheres que não se deixaram desanimar. Com vontade de inovar e repletas de criatividade, elas vão mostrar para gente os desafios do empreendedorismo independente em Caruaru. As barreiras estão aí para serem quebradas, e Las lobas, On Sunday e Veggie Mamma são modelos a serem seguidos. Donas do próprio nariz e do próprio negócio, conhecemos trajetórias, ideologias e expectativas para o futuro.
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ON SUNDAY
Fazendo arte com as mãos
Kate Mello, de 20 anos, nasceu e mora, na cidade de Caruaru, no bairro Alto do Moura. É estudante de Design do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco (CAA/UFPE). Empreendedora, pinta camisas e almofadas. Começou a empreender aos 16 anos de idade e, desde então, usa como forma de renda a arte.
uma camisa massa era indo numa gráfica. Só que eles só imprimiam em um tecido de péssima qualidade por sublimação ou comprando em lojas, mas sem exclusividade”.
Percebendo a necessidade de algumas pessoas em terem blusas personalizadas com as estampas desejadas, pessoas em terem blusas personalizadas com as estampas desejadas, Kate viu uma forma de fazer isso da melhor maneira possível. “Pensei que poderia ganhar dinheiro pintando camisas quando vi que as únicas opções de ter
Kate pinta tudo a mão, incluindo camisas, telas, almofadas, tênis, casacos, tudo bem personalizado e com exclusividade.
Esse foi o pontapé para a criação do seu próprio negócio, a “On Sunday”. Ela conta que foi preciso um pouco de investimento para abrir. Para isso, teve o apoio e incentivo de alguns familiares.
Como todo empreendimento, a intenção sempre é de fazer as coisas crescerem. Com a “On Sunday”, não é diferente. Kate disse que está expandindo aos poucos. “Sei
que vamos crescer, mas agora não posso aumentar muito a demanda porque sou a responsável não apenas pelas pinturas, mas também pela gestão da marca e entregas”. O objetivo principal da empresa é fidelizar mais clientes e tornar o nome da marca mais visível e conhecida no mercado econômico de Caruaru. Kate sempre desejou ser dona da própria empresa, fala que nunca teve pretensão de trabalhar para outras pessoas e nem de ter horário fixo. “Minha família trabalha com artesanato e desde pequena eu sabia que dava para conseguir dinheiro fazendo coisas com as próprias mãos”. A ideia é ter um negócio artesanal e personalizado e ela está agradando muita gente com seus produtos. Hoje, a “On Sunday” está presente no Facebook e Instagram, redes em que ela posta todas as novidades, divulga seus produtos e realiza promoções. Somente no Instagram, ela tem mais de 1.800 pessoas que seguem a marca. Para contratar os serviços da “On Sunday”, é bem simples: o cliente precisa apenas mandar uma mensagem via WhatsApp e escolher a estampa que mais combina com ele.
Kate vê a “On Sunday” também como um ateliê para que mais mulheres, tenham chance de gerar sua própria renda. Para isso, oferece oficinas e cursos. Empreender nunca foi fácil, ainda mais sendo mulher, estudante e administrando tudo sozinha, mas a jovem vem encarando tudo isso com muita garra e força de vontade para ver a “On Sunday” sempre crescendo e colhendo novos frutos.
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OH SUNDAY @onsund4y @katenox f/on.sunday.75
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Las Lobas As mulheres selvagens
Quatro mulheres e um mesmo destino. Cada uma saiu de sua cidade natal para se aventurar e seguir seu sonho. Ao entrarem no curso de Design da Universidade Federal de Pernambuco, em Caruaru, se conheceram e tornaram-se amigas. Aline Paiva tem 19 anos e é a mais nova. Saiu de Juazeiro do Norte, no Ceará, há dois anos. Já é técnica em Design de Interiores. Começou Arquitetura, mas percebeu que sua verdadeira paixão estava em projetar artefatos e não construções. Tainá Kan, de 22 anos, também não se identificou com o curso de Arquitetura e correu de Arcoverde para estudar o que gosta. Thais Braga tem 23 anos e nasceu em Igarassu, na Região Metropolitana do Recife. É técnica em Produção de Moda, pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e tem como foco a sus-
tentabilidade e o uso de materiais não prejudiciais à natureza. Maria Cavalcante, de 28 anos, também tem interesse na moda e suas possibilidades menos agressivas ao meio ambiente. É natural de Girau do Ponciano, interior de Alagoas. A maior parte de sua vida foi em São Paulo, capital, até vir para cá cursar também Design. A oportunidade de unir o conhecimento adquirido em Design e a necessidade de sustento foi a motivação delas. Em Caruaru, há um movimento crescente de empreendimentos criativos e independentes e perceberam que poderiam oferecer um diferencial nessa área. A “Las Lobas” surge a partir de um desejo de fazer design ecossocial com recursos próprios e reutilizando materiais. Também, tem como objetivos incentivar a produção local e lutar por justas condições de trabalho em todo o processo.
A divisão das tarefas é primordial para que qualquer atividade em grupo funcione e não é diferente com as “Lobas”. Aline, com sua aptidão para criar, faz os cadernos e acessórios que o ateliê vende. Tainá tem um dom incrível para desenho e é responsável pelas ilustrações. O gosto pela moda é tanto que Thais e Maria passam a agulha e costuram tudo. Todo o restante do trabalho é dividido igualmente entre elas. A coragem que tiveram para sair de suas cidades para o mundo também é usada ao refletir suas ideologias e valores nos acessórios que produzem. Bolsas, carteiras, flâmulas, cartucheiras, cadernos, tudo é inteiramente produzido artesanalmente e livre de qualquer prejuízo ao meio ambiente. A mulher, o natural e a sustentabilidade caminham juntos em suas produções. Atuando com o objetivo de
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passar a mensagem do sagrado feminino e o empoderamento, a reconexão com a natureza e o consumo consciente, o ateliê está sempre em experimentação para novas formas de produção dos acessórios. Elas ainda têm muitas ideias para colocar em prática. Não pensam em parar por aqui, pois, de fato, o horizonte é pouco longe para essas mulheres que prosperam. “...o lobo de repente é transformado numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte”. De Clarissa Pinkola Este trecho foi retirado do conto La Loba, do livro, As mulheres que correm com os lobos.
LAS LOBAS @laslobasatelie f/laslobasatelie
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Veggie Mamma Viver e deixar viver de foma saudável
Camilla Barbosa tem 22 anos, é recifense e estuda Design no CAA/ UFPE. “Adotada por Caruaru há 4 anos”, como costuma dizer, também é estagiária do Laboratório de Fotografia (Fotolab). A “Veggie Mamma”, sua marca, é seu primeiro empreendimento e ela percebeu essa oportunidade de negócio quando, há um ano, se tornou vegetariana. “Senti muita dificuldade em encontrar lanches e almoços veganos pela universidade”. Ela conta que depois da abertura do Restaurante Universitário, em que são disponibilizadas opções vegetarianas para ovolactovegetarianos (pessoas que não se alimentam de carnes, pei
xes e nem crustáceos, mas continuam consumindo produtos com ovos e leite) e da incerteza sobre a preparação de opções para veganos, que não consomem nenhum tipo de produto de origem animal, percebeu o momento certo para empreender com a “Veggie Mamma”. Por necessidade, sentiu que deveria lançar a empresa o mais rápido possível, por isso decidiu trabalhar por conta própria para preparar seus produtos para as pessoas que não têm tempo de fazer comidas veganas, almoços ou lanches, para si mesmas, a fim de que estas pessoas tivessem a chance de comer alimentos saudáveis. Com clareza, Camilla
tem, por meio de sua empresa, o propósito de proporcionar hábitos alimentares saudáveis para os colegas veganos e vegetarianos da universidade. Ela pensou neles quando percebeu que não encontravam opções satisfatórias nos lanches e almoços dentro da universidade. Com a marca, acabou desmentindo a ideia de que comidas veganas são sem sabor ou apenas salada. Está satisfeita com a Veggie Mamma, mas acredita que há muito o que crescer. “Meu atual e principal objetivo é conseguir implementar um delivery de marmitas para novos clientes em outros locais da cidade e da UFPE, além do CAA”, explica Camilla. Pensa em expansão quanto ao futuro da marca, para que alcance “outros colegas veganos e vegetarianos”, não apenas no CAA, mas também
no Polo Caruaru, local de funcionamento dos cursos de Comunicação Social e Medicina da UFPE e em outras faculdades e estabelecimentos da região. Não apenas isso. Tem o desejo e possibilidade de uma coisa maior. “Quem sabe, no futuro, uma cafeteria ou restaurante com um clima bem agradável que venda tudo vegano e seja um local de encontro para diversos públicos”, planeja. A jovem defende a cultura vegana e a importância da existência de empreendimentos como o seu na sociedade. “Acredito que empresas como a minha, como “A Fábula Itinerante”, de Joyce Noelly, e a “Afro Veggie”, de Gabi Reis, ajudam a difundir as ideias de conscientização de que a matança de animais, além de ser cruel, é um dos principais causadores de diversas mudança climáticas”. Acredita que, com isso, promovem as ideias de que uma cultura de alimentação vegana não se restringe apenas a saladas e que tudo que um onívoro (que se alimenta tanto de vegetal quanto animal) come, os veganos também comem, porém, em versões sem carne e que “são bem gostosas, algumas vezes até mais”, finaliza a empreendedora.
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Conheça um pouco sobre a história e as principais manifestações artísticas das crews caruaruenses Por Gabriella Ambrósio, Natália Ribeiro, Rafael Cavalcante e Wesleyanne Ramos Foto: Pez
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STAÇÃO FERROVIÁRIA DE CARUARU, 17h de um domingo. Através de dois microfones conectados a uma pequena caixa de som, há uma batalha de improviso de rap, enquanto o DJ manda um som, os b-boys dançam e os meninos do grafite fazem o esboço da sua próxima arte de rua. A cena hip-hop em Caruaru permanece viva.
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Grafite: Obedes Júnior
HISTÓRIA Surgido na década de 70, o hip-hop veio como uma forma de autoafirmação da minoria negra e latina da periferia de Nova York, o movimento se dissemina pelo mundo e até hoje leva suas pautas de luta e crítica social por meio dos seus elementos: break, grafite, DJs e MCs. Em Caruaru, a cultura hip-hop chegou no final da década de 80 com o break que era dançado em bailes que eram realizados em algumas escolas da cidade. Clodoaldo José da Silva, mais conhecido como Blecaut Rimador, é um MC caruaruense que atua na cena da cidade há mais de vinte anos. Segundo ele, os bailes eram tradicionais em escolas como a Padre Zacarias, no bairro do Salgado, e a Dom Miguel de Lima Valverde, no Vassoural, e tocavam mais funks e raps internacionais. Só por volta da década de 90 surgiram os grupos de break,
hoje chamados de crew. As crews pioneiras foram a “Centenário Força Break” (do bairro do Centenário, como o próprio nome diz) e a “Justice Break”, de Bboys do Vassoural, Vila Castanha e Bairro Agamenon. Entre os anos de 1996 e 1997, o rap conquistou os jovens de Caruaru e, assim, surgiram os grupos “Somos Nós a Voz da Periferia” (SNVP), no Morro Bom Jesus, , “Justiceiros MC’S”, no bairro Agamenon e “Alerta pro Sistema”, no São Francisco. Em 1998, foi realizado o primeiro Festival de Hip Hop em Caruaru no antigo Comércio Futebol Clube. Blecaut destaca a importância deste festival para o surgimento de novos grupos, principalmente na região do Morro Bom Jesus e Centenário. A Família Morro Bom Jesus (MBJ) surgiu por volta do ano 2000 e 2002 e reunia grupos da época como o “Alerta pro Sistema”, “Obsessão Verbal”, “Voz do Mor-
ro” e “Pânico do Morro”. “A família MBJ ajudou na construção de uma proximidade maior com a comunidade. Aqui está a nossa força. Sem a comunidade, a gente não prossegue. Precisamos superar as dificuldades para quebrar os preconceitos dentro e fora da comunidade”, diz Márcio Bezerra da Silva, líder do Movimento Hip-Hop e membro da família MBJ, em entrevista para a pesquisa do Professor Adjair Alves da Universidade Federal de Pernambuco no ano de 2007.
RAP A dificuldade de fazer rap na capital do forró fez com que os MCs pensassem a mensagem que eles queriam passar. A ideia de reforçar a identidade nordestina foi o que levou o nome das crews de Caruaru para o resto do País. Em 2008, o grupo Consciência Nordestina ganha o prêmio Hutúz, principal pre-
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miação do hip-hop brasileiro organizada pela Central Única das Favelas (Cufa), na categoria Norte/Nordeste. O grupo misturava o rap com elementos do baião e xaxado, com samples de Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e Flávio José, além da participação de João do Pife, Leonel do Pandeiro e Azulão. “O rap é uma música como qualquer outra, que tem suas ramificações, e o Nordeste é muito rico de cultura, tem que valorizar”, diz Blecaut. Em uma pesquisa do aplicativo de streaming Spotify, o rap é o gênero mais ouvido do mundo e, mesmo assim, é o mais marginalizado. No entanto, assim como os outros elementos do hip-hop, o rap tem uma função social muito grande, o que incentiva a participação dos jovens e os tira do ócio. Gabriel Menezes, mais conhecido como Nemesis, natural de Bonito (PE), 19 anos, é um exemplo desses jovens que encontraram no rap uma forma de expressar suas opiniões e sua visão de mundo. Ele começou primeiro pelo funk, depois, passou a fazer suas rimas e, sozinho, há pouco mais de um ano, não parou mais. “O compromisso tem muito a ver com o amor pela parada. Se não tiver amor não tem compromisso”. Hoje, integra o grupo de rap Carta d’Rua. O rap em São Paulo é muito conhecido a partir das batalhas de freestyle, caracterizadas principalmente por letras improvisadas dos rappers, que, em duelos, expressam o que sentem sobre determinado assunto. Grandes rappers de sucesso nacional, como Emicida e Rashid,
V E R B O R E V I S TA .W O R D P R E S S . C O M foram descobertos nessas batalhas. Em Caruaru, a galera sempre marca presença em eventos de batalha e reagem na esportiva com a “rivalidade” de quem rima melhor. BREAK Uma dança de rua que começou nos Estados Unidos, cheia de giros, muito esforço físico que é desempenhada com muito respeito e também é um dos elementos do hip-hop. Quem vê de fora não sabe o esforço que os dançarinos têm que fazer para não só continuar dançando, mas levando esperança a jovens em periferias que têm sempre um caminho para trilhar. Quem está por dentro do hip-hop, com mais de 18 anos na batalha, é Jailson dos Santos Alves, 33 anos, mais conhecido como Style. Sua batalha toda começou no pé-de-serra no Pátio do Forró. Participou de muitos eventos também no Recife, e dentro desses chamaram ele para criar um grupo de break, seu primeiro grupo foi “Justice Break”, hoje ele dança na “Gang Calanga”, crew composta por pessoas da sua família. Tudo que ele faz não é só por dinheiro, mas por querer representar, divulgar para sociedade que é um movimento de grande responsabilidade social. “Para entrar na cultura hip-hop, precisa ter compromisso. Não entra só por entrar, tem que chegar na hora certa, treinar, ensaiar, todo mundo depende do outro”. Júlio César, o Manchinha, 25 anos é natural de Maceió (AL), mas reside há cinco anos em Caruaru. Com dez anos no movimen-
to, ele, antes do break, teve contato com o rap, porém foi dançando que se encontrou como artista e viu que era o que queria para sua vida. O que pesa em sua opinião é que ainda existem muitas pessoas com uma visão ainda muito negativa, mas que houve muitas mudanças não só sobre os envolvidos com o rap, mas sobre quem é envolvido por querer a valorização de sua arte. Por meio do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), desenvolvido no bairro Taquara de Baixo em Caruaru, atua o dançarino e professor de break Maycom Lopes, 19 anos, que começou com a capoeira e há quatro anos migrou para o break, diz que a dança o resgatou e pôde lhe mostrar uma outra visão de mundo. GRAFITE Dos elementos do hiphop, talvez o que demande mais polêmica seja o grafite. Para uns, é considerado vandalismo ou poluição visual, mas, para o movimento, trata-se de uma forma de expressar a realidade das ruas, “de se apropriar de um espaço seu por direito”. Em Caruaru, o grafite demorou a ser considerado parte do movimento. Primeiro, foi o break e o rap. Só depois, veio a arte de rua. “Eu sempre gostei de desenhar. Eu fazia parte do movimento sem nem saber”, diz Francisco José Barbosa de Lemos, o Tito, que faz parte da cena hip-hop de Caruaru há quase trinta anos. Hoje com 40 anos, Tito se aperfeiçoou no grafite, fez cursos de artes visuais no Recife e desenvolveu oficinas e
projetos em várias cidades do Nordeste. Vive da arte até hoje com contratos em prefeituras para pintar escolas e praças. Mas nem sempre foi assim. O poder público e a população em geral sempre tiveram preconceito em relação à galera do hip-hop e quem coloca a cara a tapa na rua são justamente os grafiteiros, que passam horas expostos pintando em frente a um muro ou a um viaduto. “Já levei ‘pisa’ de polícia. Tive material apreendido. Já fui melado de tinta. Já levamos tapinha em um por um da crew que estava grafitando. Não entendo porque essa manifestação artística causa tanto transtorno”, diz Tito ao relembrar do tratamento dos policiais para com os grafiteiros no passado. Já a nova geração do grafite não tem tanta preocupação com a polícia como a galera “oldschool” tinha antigamente.
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ROVEL VIVE Rovel é um anagrama de “lover”, uma homenagem que todos os grafiteiros da cidade fazem a Tancredo, o jovem morto em agosto deste ano. Mesmo a geração de Tito abrindo caminhos para que a geração de hoje não precisasse passar por essas humilhações dos policiais e da comunidade, os jovens da cultura de rua ainda são muito perseguidos. No fim de agosto, um carro branco se aproximou de jovens que andavam de skate e portavam sprays de tinta. Um dos passageiros efetuou disparos contra esse grupo e atingiu o adolescente Tancredo de Almeida Valença Neto, 16 anos, que faleceu na hora. A sua morte foi o estopim para que eles buscassem organizar o movimento para protestar por meio da arte de rua. Assim,
F A C E B O O K . C O M / V E R B O R E V I S TA surgiu a crew A³ (A ao cubo), que une cerca de dez jovens rapazes (Bruno “Pez” Camarote, George Petson, Hildo Neto, Samuel Auerbach, Júlio Carl, Laquécio “Loa” Costa, Obedes Junior, William “Billy” Oliveira, Felipe Borba). O objetivo é divulgar, movimentar e fortalecer a cena do hip-hop na cidade. Sempre que possível, o grupo marca de sair em rolês de grafite. Os rolês ocorrem, geralmente, em locais públicos, como em viadutos e canais, ou em locais privados quando são convidados a grafitar como em eventos de skate e outros festivais. Acompanhamos alguns deles em um desses rolês. Ao chegar ao viaduto das Cohabs, cada um delimitou o seu espaço e começou a riscar com gesso o projeto da arte deles. Alguns trouxeram um esboço feito antes no papel para reproduzir na parede. Assinaram com suas tags,
atravessaram a rua e ficaram admirando a arte que tinham acabado de fazer. “Dá uma saudade quando está na hora de ir embora”, disse um deles.
cenário hip-hop é naturalizado, mas as mulheres não deixam de lutar pelo seu espaço. “Os homens são de maioria marginalizada, periférica e fica complicado desconstruir. A gente busca ser bem didática,para lidar com toda a situação, para despertar a consciência neles e não bater de frente”, diz Mylena “Alves Venus” Silva, que foi a primeira mulher a estar na frente da organização de um evento de hiphop em Caruaru, a primeira edição do “Raiz HipHop”. Mylena conheceu o break há três anos por meio de seu companheiro Manchinha da “Master Conexão Crew”, que a levava aos eventos de hip-hop da cidade. Nas batalhas de rap daqui da cidade, elas conseguem, aos poucos, reduzir a opressão e o machismo nas rimas. Por exemplo, é proibido xingamentos e palavrões que ofendam às mães e sexualidades alheias.
UNDERMINAS É importante enfatizar a ausência de mulheres em qualquer um dos elementos do hip-hop. Dá para contar nos dedos da mão a quantidade de meninas que representam no movimento. Maria “Lolly” Caroline da Silva, de 21 anos, grafita com a crew Pixaim, do Recife, e com os meninos da Delta 9/A³ aqui em Caruaru. “Eu comecei a ouvir rap aos 14 anos e, a partir daí, comecei a gostar de tudo que envolve o hip-hop e comecei a querer fazer parte, por amor mesmo, porque, se eu amo, eu quero ser parte, eu não quero só admirar”, explica ela. Mesmo com as pautas de resistência, o machismo no
Foto por Gabriella Ambrósio
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Por serem umas das poucas mulheres a representar na cena da região, Mylena e Lolly buscam se unir para fortalecer, o que fez com que Mylena e mais três garotas (Kemilly, Iany e Suh Joy) criassem o coletivo feminista do hip-hop “Underminas81”. Mesmo com toda a problemática, os olhos das garotas brilham quando elas falam do amor que sentem pelo hip-hop. A iniciativa de criar um portal nas redes sociais para promoção do hip-hop da cidade foi de Kemilly e, juntamente com Mylena, elas administram o Instagram @hiphopcaruaru e divulgam os eventos da cena underground de Caruaru. “O hip-hop é uma luta, é o que mostra a realidade, é o que está gritando para a sociedade e, aqui em Caruaru, tem muita gente boa que canta, que toca, que dança, que grafita e que precisam de muita visibilidade”, diz Lolly.
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De Caruaru para o mundo da ficção
Rayanne Elisã @elisayanne
Quando existe imaginação não existe barreiras para uma boa história ser contada Aos dois anos, mesmo sem saber ler, ao ouvir minha mãe me contar as histórias dos livros, eu as memorizava e as repetia várias vezes. Aos seis, quando entrei na primeira série, tive acesso a uma “gigantesca” biblioteca e descobri que poderia ler vários livros. Conheci, assim, o poder da imaginação. Ainda me lembro das pessoas dizendo: “menina, para onde você vai com tantos livros?”. A paixão pelos livros não é algo que só me cativou, mas, com certeza, cativou você também. Era a única forma de uma garotinha como eu, sem dinheiro e com muita imaginação, conhecer o mundo inteiro sem sair do interior de Pernambuco. E é também do interior pernambucano que vem Décio Gomes, nascido no fim da década de oitenta. Ele se define como amante da literatura de mistério e terror desde criança e também como grande admirador da cultura geek, colecionador de games e discos. Além de ter influência de nomes como Edgar Allan Poe, Márcia Kupstas, Marcelo Rubens Paiva e Arthur Conan Doyle no processo de escrita. Mas, se você, assim como, o eu de cinco meses atrás, não conhece Décio Gomes, calma que eu vou explicar melhor. Décio é um escritor caruaruense de livros ficcionais, com sete livros publicados e mais quatro contos, que estão disponíveis nas plataformas digitais. Teve sua carreira literária iniciada em 2012 com o romance
Albertine, livro que lhe rendeu excelentes críticas e notas em jornais, revistas e blogs sobre literatura. Desde então, mantém seus lançamentos periódicos, sejam romances ou contos. Romances esses que sempre contam com pitadas de mistério e terror. Minha primeira experiência com a literatura, escrita por Décio, foi a partir do conto “Eterna”, que narra a história do solitário Anthony que recebe uma visita inesperada, de uma misteriosa garota de casaco xadrez, que carregava um guarda-chuva cor de abóbora, fato ocorrido em uma manhã de Natal. Já o primeiro romance escrito por Décio Gomes, intitulado “Albertine”, é algo que tenho muito carinho, por ter sido apresentado por um amigo que me disse ser o melhor livro que ele leu em toda vida. O que de fato é verdade. O livro é apaixonante até para aqueles que não gostam de livros ou filmes de terror. Faz um calafrio dominar o nosso corpo e disparar o coração.
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“É coisa de preto”! A luta por representatividade dos artistas negros em Caruaru na busca por valorização da cultura negra Texto por Letícia Souza, Carla Nogueira, Aline Viana e Joelson Augusto Foto por Espaço em Branco 23
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C U LT U R A NEGRA FAZ parte da formação da identidade brasileira desde a chegada dos africanos ao Brasil. O País tem grandes influências dos hábitos afros na formação de costumes, tradições, religiões e, em especial, a música, que ficou tão marcada com o samba e em outros ritmos como o Maracatu e a Congada. A luta por espaço e visibilidade dessa cultura existe desde período colonial, mas ganhou mais força com o confronto da população negra especialmente a partir do século XX. Segundo o professor do Núcleo de Design e Comunicação do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco (CAA/UFPE) Amilcar Bezerra, a influência dos povos de origem africana no Brasil é muito grande devido ao fluxo imigratório intenso por conta da escravidão. “Eles trouxeram consigo uma herança cultural muito rica por ser de povos de diversas procedências do continente Africano”. Antes do século XX, as iniciativas artísticas da cultura afrobrasileira não eram reconhecidas e sofreram com a marginalidade. Mas se engana quem acredita que os ritmos são limitados. De acordo com a professora do Núcleo de Design e Comunicação do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco (CAA/UFPE) Fabiana Moraes, não deveria haver separações de culturas no País, pois o Brasil é a “própria” cultura negra e é dentro desse
eixo que nasce o gênero rock. Incorporando uma visão mundial, o rock é uma expressão musical que é associada a artistas brancos, mas que na verdade surgiu a partir de manifestações de melodias negras. “O rock é interessante para falar sobre cultura negra por ter a imagem de negritude apagada e por ser historicamente um forma de canções de protesto”, ressalta Fabiana. Em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, são vários os artistas negros que trabalham todos os dias em busca da valorização de suas canções. Um deles é o músico, poeta e compositor David Henrique Nunes de Lima, que carrega o nome artístico de Biriguy, e é membro da banda Virgulados, que tem composições voltadas para questões de identidade do povo afro, como a música “Versos Negros” escrita por Victor Pirralho, que retrata temáticas sociais e existenciais:
Ilustração: Mariana Romualdo e Raphaela Marrise
“Eu acredito que qualquer expressão artística contribui para o debate político-social e para evidenciar as mazelas da sociedade em que vivemos. Sobretudo a questão da resistência do povo negro, que ainda sofre pela herança da escravidão do período colonial”, destaca Biriguy.
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Palavras têm força demais, mudam até de sentido Se transportadas pra outro contexto adquirem negativas cargas Já abordei tal assunto em um outro som Aquilo que fica do lado esquerdo tem conotação de errado O mesmo acontece com uma das cores Aquilo que remete ao preto tem semântica de sinistro.
Foi no século XX, a partir de toda a mudança cultural que o Brasil viveu na semana de 22, que começa a surgir a ideia de democracia racial, a valorização das misturas de raças, e da simbologia de mulato, contudo, somente na segunda metade do século é que há o início do discurso do negro em busca da militância. “É a partir dos anos 70 que começa a ter de forma
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mais estruturada a ideia de uma música negra de protesto”, conta o historiador Gustavo Alves Alonso. Ativa na militância, Gabriella Freitas, no meio artístico chamada de Gabi da Pele Preta, é uma cantora militante do feminismo e da música negra, especialmente o samba. Ela é conhecida por tocar em bares e festivais de Caruaru e região. Seu compromisso de representação está presente em suas falas e seus trabalhos, utilizando desses artifícios para ampliar sua visão para outras pessoas. “Representar qualquer ‘minoria’ é de grande responsabilidade, mas é compromisso fazer uso de meu lugar de privilégio enquanto artista para reverberar as vozes
F A C E B O O K . C O M / V E R B O R E V I S TA que precisam ser ouvidas”. A artista, que tem 11 anos de carreira, já se apresentou em palcos de destaque na região, como o “Polo Azulão de Caruaru”, durante o período de São João da cidade, e no “Festival de Inverno de Garanhuns’, que ocorre no mês de julho. Sua trajetória profissional, também esteve no teatro nas peças “Amor em Tempo de Servidão”, “Cânticos da Paixão” e “Conversas de Botequim”. Outro nome de notoriedade quando se fala em cultura negra na capital do Agreste é a visionária Lucimary Elisabeth Passos, presidente do coletivo afro Ilê Dandara, que nasceu da militância e tem como objetivo dissipar na cidade informações reais sobre a história dos negros no Brasil ao desconstruir falsos aprendizados que estudantes adquirem nas escolas relacionados à cultura negra. “É pela educação que conseguimos fornecer o conhecimento para
fazer com que as pessoas entendam que nem sempre a história que nos foi contada é a história real”, salienta a advogada. O grupo Ilê Dandara também realiza ações culturais com grupos de maracatu. Desse modo, fundou o primeiro bloco afro de Caruaru, em que reúne todas as manifestações de ritmos musicais negros.
que mudar seu repertório para se tornar aceita em apresentações em bares e palcos locais, pois o espaço oferecido para artistas com ritmos diferentes do forró é limitado. A artista, assim como Lucimary Passos, enalteceu que é necessário desconstruir certas ideias enraizadas em estudantes sobre a história do povo afro. “O que foi ensinado antigamente era que negro é sinônimo de escravo.
Também criou o grupo de percussão “Odara que Zomba”, responsável por fazer apresentações e oficinas para o público que contam a história das bonecas Abayomi, representação de resistência e poder feminino das mulheres africanas. Muitos artistas que trabalham com a cultura afro em Caruaru reclamam da falta de receptividade por parte da população com certos gêneros. A cantora de samba Christiane Mendes sofreu com a desvalorização do seu trabalho e teve
Mal sabem o quanto os africanos enriqueceram o País por meio da sua cultura”, disse Mendes. Dessa forma, ela faz ações sociais em escolas para compartilhar com outras pessoas o seu conhecimento com as suas experiências enquanto mulher negra na arte da cultura afro, na luta por diminuir os preconceitos e deixar a marca na população de uma consciência negra. Em Caruaru, continua a existir a falta de receptividade com
Foto: Acervo Pessoal (David Biriguy)
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artistas que desejam valorizar sua representatividade por meio da Cultura Negra. A falta de conhecimento sobre novos ritmos gera, em algumas pessoas, o preconceito e a preservação daquilo que já se é conhecido, como os gêneros mais tocados nos bares e restaurantes da cidade: forró, brega, sertanejo e músicas eletrônicas. Entretanto, isso é apenas um empecilho que artistas como Biriguy, Gabi da Pele Preta, Lucimary Passos e Christiane Mendes tentam contornar, mostrando a cada dia suas lutas pela militância, por respeito e espaço que lhes é de direito. “Desde que o mundo é mundo, a arte é política. A arte comunica de uma forma que, por vezes, os discursos tradicionais não conseguem alcançar. Embora uma onda conservadora tenha ameaçado as diversas linguagens artísticas, haverá sempre resistentes”, finaliza Gabi da Pele Preta.
PELA LIBERDADE DE SER A MELHOR VERSÃO DE SI E POR SI Reunimos perfis de drags que enriquecem corajosamente a cena cultural gay de Caruaru Por Adriele Silva, Fátima França, Marília Pessoa e Thalícia Andressa Fotos: Sérgio Lucas, Fátima França e Adriele Silva
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All the love inside is all the love you ever needed “ To d o amor dentro de você é todo o amor que você já precisou” (frase de Rupaul’s)
CARISMÁTICO APAIXONADO SONHADOR
Caio Augusto Nome artístico: Jay Cannabis 19 anos Leonino Ator Caruaru
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er quem você é, nos dias de hoje, infelizmente, ainda significa ser julgado, mas, para Caio Augusto, conseguir tirar aquilo que guarda dentro de si por meio da arte da montação é mais importante. Assim, o ator de 19 anos nos conta como é ser drag queen em Caruaru. Começamos nossa entrevista em um shopping da cidade após um pequeno atraso por questões burocráticas do local, mas nada que interferisse na vontade de realizar a entrevista. Caio não se importou com o atraso e nem em fazer uma entrevista em um local público. Com todo seu carisma, em frente a uma parede de tijolinhos, ele respondeu às perguntas seguro de si.
Entre uma pergunta e outra chegamos à questão da aceitação e no amor de seus amigos e sua família. Ele fala com brilho nos olhos que todos os seus amigos o apoiam e que sua mãe e seu namorado, David, são os maiores amores de sua vida. Na sua família, sua irmã lhe deu o apoio inicial e, logo após, sua mãe também e nos conta, feliz, como se surpreendeu ao saber que ela aceitou bem a situação e que hoje até ganha acessórios dela. Leonino, ele gosta de estar no centro das atenções, principalmente quando Jay Cannabis entra em cena. Talvez por isso, um de seus maiores medos é ser esquecido e o seu maior prazer é ser reconhecido. Também sonha em alcançar o sucesso e por incrível que pareça, uma das suas maiores características, segundo ele, além do sorriso, é sua timidez.
Mesmo apaixonado por sua drag, ele se vê muitas vezes como uma ‘drag relaxada’, e nos conta isso rindo, tanto por não investir muito, já que essa é uma arte cara, quanto por ser indeciso em questão de roupas e maquiagem. Caio decide a maquiagem no dia mesmo da festa ou até mesmo na hora. Mas isso não o atrapalha, na verdade, lhe deixa livre. Apesar de conhecer vários casos, diz nunca ter sofrido preconceito por se montar, com exceção de uma pessoa de dentro do mundo LGBT, talvez resultado da grande competição que há no mundo drag. Mas para que competição e julgamentos?
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Se já é difícil serem cercados de preconceitos fora da comunidade, por que não resistirem todas juntas? Tomar o exemplo de drags como Pablo Vittar, que levam essa arte para todo o País e para fora, é mostrar resistência e força para que isso traga uma boa visibilidade. Caio não pôde nos mostrar o lado Jay Canabbis naquele dia, devido a atividades que está realizando no teatro, mas nos deu uma amostra do que costuma usar. Então, depois de responder a todas as nossas perguntas, ele coloca em cima de uma mesa alguns objetos que trouxe que costuma utilizar em suas montações. Inicialmente, ele fala de seus enchimentos, chamados “pirelli”, para dar maior volume as regiões do quadril, coxa e bumbum. Mostrou um body e um vestido que um amigo fez para ele e alguns acessórios, entre eles um bracelete que usa desde sua primeira montação e um colar
que sua mãe lhe deu. Por fim, Caio nos mostra uma peruca loira que em particular ele não gosta muito, diz que sua drag não fica bem com aquela cor e que a essência dela é usar perucas coloridas, especialmente em tons de verde ou vermelho – provavelmente resultado do toque leonino que também transparece naturalmente em sua drag.
“ Sonhar
e nunca desistir. é o lema de Caio Augusto, mas também um recado para todas as pessoas que acreditam que podem revelar seu melhor lado.
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‘’Ser drag queen não é uma saída, é uma escolha’’ COMPLEXIDADE SEM LIMITAÇÕES Wendreson Lourenço Nome artístico: Abyssal Ophiuchus 20 anos Estudante de Design na UFPE Escorpiano Cosplayer Cachoeirinha
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PRIMEIRA IMPRESSÃO QUE você tem do Wendy é o quanto ele é irreverente. Ele se apresentou para gente com um salto 15 depois de subir um lance de escadas no calor de meio-dia e se despediu com o mesmo salto, dessa vez completamente montado com maquiagem e roupa de drag queen e com a mesma ousadia do começo. Wendy não se importava com os estudantes e funcionários de uma Universidade que podiam lançar olhares curiosos pra ele. Depois, percebese que ele não é só irreverente, mas também autossuficiente, inteligente e sincero. Isso aparece enquanto ele fala
sobre qualquer assunto abordado de modo firme, sobre seus gastos e produção de maquiagem de modo simples e quando ele faz piadas descontraídas.
demonstra precisar ou esperar mais nada vindo de outras pessoas. Se amar e fazer o que gosta lhe interessa muito mais. E vestido como drag, ele diz viver quem realmente é, sem amarras sociais.
Apesar de ter seu nome artístico inspirado no céu e em pássaros, Wendy tem os pés firmes na terra. Para ele, mais importa a diversão e o prazer pessoal de fazer algo que gosta. A qualidade da maquiagem você mesmo quem deve definir, mesmo que ela se distancie do padrão estético das drag queens no geral. Também diz que a arte só é cara se você quiser que seja e os gastos com a arte devem ser só aqueles que estão a sua disposição.
No final da entrevista, ele surpreende nossas primeiras impressões dizendo que seu maior defeito é a sua insegurança, diz não ter grandes prazeres ou conquistas e que não ama nada além da sua mãe, apenas gosta das coisas e das pessoas. Por fim, se define com uma palavra: complexidade. Wendy é um paradoxo que nos surpreende a cada momento da entrevista e nos faz ver que drag queen também é um paradoxo. Nesse mundo, também há padrões e competições.
Se você se prender a um padrão, você deixa de ser drag, você se limita e ser drag não é se limitar parecendo, necessariamente, uma mulher. É parecer ‘’algo’’. Você quem vai dizer. “Além disso, você não deve olhar o drag como uma saída, porque ele não é isso, é uma escolha. Se você quiser usá-lo só como uma saída, você usa, mas o drag é para diversão”, afirma Wendy.
Wendy e o termo drag queen não podem ser definidos porque isso os limitariam.
Ele conta com o apoio e a mente aberta da sua mãe, Dona Elisângela, que diz ser o maior suporte da sua vida, ajudando a fortalecer sua coragem, que ficou mais fácil depois que ele se assumiu homossexual. Então, os outros desafios da sua vida tornaram-se “whatever”, tanto faz. A partir daí, com o apoio de sua mãe e sua aparente autossuficiência, Wendy não
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LIBERDADE CORAGEM RESISTÊNCIA Erick Silva Nome artístico: Alessia Collen 18 anos Aquariano Estudante Caruaru
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m um mundo justo as p e s s o a s seriam livres para fazer o que querem da forma que querem e poder apresentar a melhor versão de si mesmas pra sociedade, sem amarras. O estudante Erick Silva tenta viver dessa forma nesse mundo não justo, o que requer coragem, resistência e liberdade. A gente começou a filmagem com Erick em um banheiro feminino de um espaço que estava acontecendo algumas palestras. Enquanto ele observava sua paleta de maquiagem aberta sobre a pia e já vestindo seu enchimento sob o corpo, foi natural que muitas pessoas chegassem ao local e se surpreendessem com a situação. A maioria constrangida por estar talvez atrapalhando algum trabalho, outros empolgados e esperando o resultado final de Erick. Uma ou outra olhou de um jeito meio torto, como se ele não devesse terminar o que estava fazendo.
De todo modo, ele nem olhava para ver quem tinha chegando. Tudo que ele se importava era em fazer uma drag mais perfeita possível aos seus olhos. Erick pensa na maquiagem que vai fazer hoje. Conta que fez uns testes dela na noite anterior e por isso acabou perdendo a aula no dia seguinte. Ele parece apreensivo se vai causar a melhor impressão com o resultado final, já que, para ele, ser drag queen é colocar para fora algo que você sente por dentro, deixando uma marca na sociedade. Logo, a apresentação tem que estar a melhor possível, da cabeça aos pés. Erick diz ter dois medos, que também são comuns em qualquer pessoa, o medo de não passar o melhor de si para os outros e o de ser esquecido. Além do medo de apanhar na rua por ser quem ele é, homossexual e drag queen, o que já não é um medo comum a todos. De fala tranquila, jeito levemente tímido e os olhos que quase desaparecem charmosamente quando ele ri, o estudante, de 18 anos, mostra que coragem não é não ter medo de nada, mas uma coragem que, apesar do medo, não deixa de ir em frente atrás do que quer mesmo que isso signifique dar uma entrevista para um grupo de universitárias desconhecidas em um espaço também desconhecido para falar sobre um tema que ainda sofre muito preconceito. Não é para todo mundo andar de body, peruca e salto 15 em uma escada, passando por um grupo de pessoas, também desconhecidas,
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recém-saídas de uma palestra. Essa coragem vai muito além de agradar as pessoas, mas sim trazer realização pessoal. No final, mesmo com a competição que existe no mundo em que as pessoas tentam ser melhores que as outras, mais especificamente no mundo drag, que foi unanimidade, todos concordam que há competição. Para Erick, a maior competição é consigo mesmo. Já que “If you can’t love yourself, how in the hell you gonna love somebody else?’’, ou
“Se você não pode amar a si mesmo, como você vai amar outra pessoa?”, palavras da protagonista Rupaul do reality show Rupaul’s Drag Race. Fazer o que você ama é algo que pode trazer realização pessoal e deixar uma marca na sociedade. Estamos falando da definição de Alessia Collen sobre o que é ser drag queen, mas podíamos
estar nos referindo a qualquer outra atividade que exige que coloquemos nossas reais emoções para executá-la. Estamos falando de Alessia, mas poderíamos estar falando de Erick Silva.
ARTE E POLÍTICA
Universidade sem minha arte? Tô fora
Luís Lopes
Luís Lopes O perfil de quem está na universidade mudou muito, mas a cultura que se representa nela avança mais lentamente Nas últimas semanas, minha mente tem estado ocupada em 65% com as atividades que preciso desenvolver naquela agenda de militância, 35% sobre esse período (que há de acabar) e, em 100% do tempo, penso em como lidar com tudo isso. Mas esse não é o tema para agora. Em meio às agendas nas universidades, nas conversas com estudantes de privadas e públicas, em especial no mês de novembro, com a consciência negra, uma coisa martela muito na minha mente: o quão o ensino superior está mais pintado com a cara de povo, sim, mas a cultura de povo parece não chegar aqui ao mesmo passo que o povo chega! Claro, temos uns casos isolados que permitem que a gente pense, sonhe e acredite que a cultura e arte populares estão inseridas no meio acadêmico. Como professoras que trazem palestras sobre brega (você quer moderno popular, @Fabiana Moraes?), ou estudantes que ocupam sua universidade com uma semana dedicada à cultura LGBT+, desde literatura até drag queens. E assim vai. Mas, quando olhamos o quadro geral, temos muito a avançar. Em especial, quando falamos de pessoas negras e pobres nesse espaço. Por mais que vejamos uma significativa (não suficiente!) presença de pessoas pretas na universidade, isso com todas as limitações e déficits que ainda tardarão a se extinguir, é difícil vê-las desenvolvendo arte periférica. Em conversa com um garoto de uma das instituições privadas de Caruaru, ele
comenta que as atividades culturais voltadas à negritude que são realizadas pautam muito a ancestralidade e tudo o mais, mas falham ao incluir, por exemplo, o hip-hop. É importante resgatar sua ancestralidade, óbvio, mas lembremos que tem gente ao lado fazendo e respirando outras formas de cultura negra todo dia. Mas essa cultura tarda ainda mais a chegar aonde deveria. Tarda a ser vista! E não porque pouca gente desenvolve. “Coisa de preto e favelado” é o que uma amiga já me relatou ouvir de uma gestora de escola pública ao receber a proposta de oferecerem oficinas de rap para as crianças. Segundo pesquisa de 2016, da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, dois a cada três estudantes das universidades federais é de origem das classes D e E. Sem reforçar estereótipos, mas as classes D e E escutam e dançam brega, funk, rap, forró, fazem grafite, dançam break, curtem poesia. E essas múltiplas expressões só vão se inserir no meio acadêmico quando: quem já estiver dentro não precisar acreditar que sua cultura vale menos que a que lhe é apresentada como mais elevada, erudita, ou o termo que preferir; mais dessa galera marginalizada chegar lá. E não me excluo da galera que provavelmente nem sabe exatamente o que é a cultura de onde veio. Mas sei que quero que as pessoas - que vejo fazerem sua arte e cultura acontecerem - estejam representadas na universidade. Que tem que ser para todas e todos, se não, não é para ninguém.
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@luislopes
CIN3FILIA
TOP 10 DAS MAIORES
bilheterias
Estamos indo cada vez menos aos cinemas e sabemos o porquê. Seja pelos preços abusivos e a baixa qualidade das salas ou pela Netflix, o cinema está arrecadando menos em bilheteria a cada ano, salvo por animações e blockbusters de superheróis que dominam o topo das vendas desde 2012. A Disney toma controle da maioria esmagadora das salas de cinema e, este ano, é ameaçada apenas pela Universal com sua máquina de fazer dinheiro, a franquia Velozes e Furiosos, e pelos novatos do estúdio Illumination, com a franquia Meu Malvado
Favorito, estrelando os fofos e amarelos Minions. Confira abaixo o top 10 das maiores bilheterias mundiais de 2017.
João Victor @joaosoar3s
Lucas Lening @lucas_lening
1-A Bela e a Fera: Já faturou mais de 500 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 2h 9min Gênero: Romance/Fantasia Diretor: Bill Condon
2- Mulher Maravilha: Já faturou mais de 410 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 2h 21min Gênero: Ação/Aventura Diretor: Patty Jenkins
3- Guardiões da Galáxia 2: Já faturou quase 390 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 2h 16min Gênero: Ação/Aventura Diretor: James Gunn
4- Homem-Aranha: De volta ao lar: Já faturou mais de 330 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 2h 13min Gênero: Ação/Aventura Diretor: Jon Watts
5- It: A coisa: Já faturou aproximadamente 325 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 2h 15min Gênero: Drama/Terror Diretor: Andy Muschietti
6- Meu malvado Favorito 3: Já faturou mais de 260 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 1h 30min Gênero: Animação/Aventura Diretores: Kyle Balda, Pierre Coffin, Eric Guillon
7- Logan: Já arrecadou mais de 226 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 2h 17min Gênero: Ação/Drama Diretor: James Mangold
8- Velozes e Furiosos 8: Já faturou mais de 225 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 2h 16min Gênero: Ação/Aventura Diretor: F. Gary Gray
9- Dunkirk: Já arrecadou mais de 187 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 1h 46min Gênero: Ação/Drama Diretor: Christopher Nolan
10- LEGO Batman: O filme: Já arrecadou mais de 175 milhões de dólares segundo o Box Office Mojo. Duração: 1h 44min Gênero: Ação/Animação Diretor: Chris McKay
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CIN3FILIA
SURPRESAS: Muitas vezes eles até impressionavam por trailers promissores, mas, com as grandes decepções que passamos em 2016 (vide Esquadrão Suicida, Batman Vs Superman), as expectativas eram baixas. Eles se superaram, levaram muita gente para as caras salas de cinema e figuram no Top 10 das maiores bilheterias, segundo o site Box Office Mojo. Wolf Warrior 2 Você às vezes se pergunta por que a China é tão adorada pelas distribuidoras? Uma amostra: Wolf Warrior 2. Filme de ação que conta a história de um soldado chinês que atende missões em todo o mundo. A sequência arrecadou mais de US$ 870 mi com um orçamento de US$ 30 mi. Atualmente ocupa a 5ª posição do ranking mundial. IT – A Coisa Estreando com classificação máxima nos Estados Unidos e 16 anos no Brasil, It- A Coisa, terror baseado na obra homônima de Stephen King, já adaptada em forma de minissérie para TV, surpreendeu ao atingir mais de US$ 670 mi se saindo bem tanto nacionalmente quanto no exterior. Com um elenco carismático, efeitos visuais práticos e marcantes, ótimo roteiro e trilha sonora ‘ok’, o palhaço ganhou novamente o coração dos cinéfilos, após 27 anos. Mulher Maravilha Já desacreditada, a DC Comics apostou em sua heroína mais conhecida e amada. O filme, que aborda a origem e primeiro contato da amazona com o mundo dos homens, conseguiu dar aos fãs e à produtora aquele alívio que tanto precisavam, instaurando uma ótima continuação para a personagem, que foi apresentada no polêmico Batman Vs Superman, e um bom empurrão para o universo compartilhado. Contra todas as expectativas, o longa atingiu mais de US$ 827 mi, deixando para trás títulos como Logan e Piratas do Caribe – Mortos não contam histórias. Logan Mais um com classificação máxima nos Estados Unidos. Logan quebrou recordes e iniciou a nova leva de filmes de gênero para os X-Men nos cinemas. Com atuações viscerais, roteiro, trilha sonora, cinematografia e maquiagem impecáveis, Logan é cotado por críticos para indicações ao Oscar. Mesmo com o agravante da idade, arrecadou mais de US$ 616 mi e, junto com Deadpool, empurraram a Fox para o topo novamente. Menção honrosa: Corra! Com um baixíssimo orçamento (estimado em U$ 5 milhões de dólares) Corra! Se tornou um fenômeno cult, foi exportado para diversos países e atingiu impressionantes U$ 252,4 milhão.
DECEPÇÕES: Rei Arthur – A Lenda da Espada O carisma e o corpo do Charlie Hunnam combinados com o estilo do Guy Ritchie não foram o bastante para levar o público para os cinemas e assistir à milésima adaptação da história do Rei Arthur. Com ótimos efeitos visuais, um roteiro bem amarrado e uma nova e mágica história, Rei Arthur tinha tudo o que um
blockbuster precisava, até um orçamento robusto de mais de US$ 175 mi, porém nem se pagou, conseguindo uma bilheteria de pouco mais de US$ 148 mi mundialmente.
rápido. Com uma trama um pouco mais madura que nos primeiros filmes, a animação não despertou o desejo da garotada e nem a nostalgia dos já adolescentes fãs, alcançando apenas US$380 mi. Esse pode ser o fim do Carros 3 relâmpago Marquinhos, por Com a popularidade cres- enquanto. cente dos Minions, que em Meu Malvado Favorito 3 Power Rangers ocupam a casa dos US$ Quase um filme experimen1,03 bi, Carros envelheceu tal, Power Rangers inicia
o que pode se tornar uma franquia lucrativa nos cinemas se cair nas mãos certas. Divertido, com bons efeitos e elenco carismático, Power Rangers acerta na dose certa de nostalgia. Porém, com um orçamento de US$ 100 mi, a fria bilheteria de US$ 142 mi instaura a incerteza no futuro da possível franquia. Será que os Rangers terão mais uma chance nos cinemas?
OS 5 FILMES MAIS ESPERADOS DE 2018: Guerra infinita Já considerado o maior filme de super-heróis até o momento, o 16° capítulo do universo expandido Marvel trará o vilão supremo Thanos, apresentado nas cenas pós créditos dos filmes passados. Previsão de estreia: 26 de abril de 2018
tinuação do filme que introduziu uma geração ao mundo dos heróis finalmente chegou. Com apenas algumas horas de diferença entre a primeira versão e o novo filme, a história continuará acompanhando a vida da família do Sr. Incrível. Previsão de estreia: 28 de junho de 2018
Os Incríveis 2 Após 10 anos de espera, a con-
Aquaman O rei dos mares finalmente gan-
hará um filme solo! Após ser apresentado em Liga da Justiça, Jason Momoa é Arthur Curry, o aquaman, herdeiro da sociedade aquática Atlantis Previsão de estreia: 20 de dezembro de 2018
tadores para conferir o fim do drama romântico e picante entre Grey e Anastasia. Previsão de estreia: 8 de fevereiro
Deadpool 2 O mercenário tagarela está de 50 Tons de Liberdade volta, e ele mesmo já tinha anMesmo com sua qualidade cin- unciado. Humor, sangue e muiematográfica negada pelos críti- tas balas e pouco filtro. cos, o último filme da franquia Previsão de estreia: 31 maio promete levar milhões de espec- 2018.
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TRASH ROCK
Por que o SLOW FASHION
importa?
Valderiza Pereira e suas peรงas
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OCÊ PRECISA CONHECER esse conceito. Não falo precisar no sentido bobo da palavra, como se quisesse convencer de algo sem importância. Falo no sentido de consciência, de conhecer para aderir. Slow Fashion é moda sustentável. É um movimento que veio para derrubar a Fast Fashion e já está causando (de maneira positiva) no mundo da moda. O termo foi criado pela inglesa Kate Fletcher, em 2008, inspirado no Slow Food, que é um movimento que promove uma alimentação mais lenta, para que os alimentos possam ser saboreados de verdade e que a qualidade das refeições seja levada em conta. É como se ele buscasse uma desaceleração do ritmo das nossas vidas e, com isso, a gente também ganhasse um monte de benefícios. A Fast Fashion pode ter peças bem baratas e dentro das tendências, mas os itens encontrados nessas lojas geralmente são pouco
TRASH ROCK duráveis (tanto em questão de tendências quanto da qualidade), sem exclusividade e muitas vezes a produção em massa e acelerada está associada ao trabalho escravo. O Slow Fashion busca o sentido inverso. A produção de suas peças, como sugere o nome, é mais lenta e programada. O impacto ambiental diminui e melhora as condições de trabalho dos profissionais da indústria têxtil. O movimento prioriza qualidade à quantidade, de forma a reduzir o consumo desenfreado e valorizar o produto que vai ser vendido, por ser feito com atenção aos detalhes, materiais melhores e por levar em conta o uso em qualquer época. Por consequência, o Slow Fashion prioriza a mão-de-obra local, apoia pequenos negócios e dá incentivo a brechós, marcas e designers independentes. Todo mundo sai beneficiado. Muito amor, né? A estudante de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco Valderiza Pereira tem uma marca de Slow Fashion com o nome dela e produz peças
Como aderir ao Slow?
Se interessou e quer colocar isso na prática? É mais fácil do que você pensa! - Antes de comprar tudo que acha bonito só por um impulso, se pergunte se realmente precisa de algo novo; - Apoie marcas locais. Tente dar preferência a elas; - Compre em brechós. Há muita gente por aí vendendo peças lindas e por um precinho amigo; - Conserte! Reaproveite suas peças. Se a roupa ainda serve e está em bom estado, customize! Dê uma cara nova e você vai ver que dá até mais vontade de usar; - Usar até o fim suas peças. Como já foi dito no item acima, não descarte uma roupa tão fácil.
de acordo com os gostos dos clientes, sejam eles mulheres ou homens. O processo de produção é detalhado e caprichado. “Eu pré determino todas as etapas. Sou responsável pela compra do tecido, o corte, a costura e a venda”, conta. Valderiza acredita que o Slow Fashion dá mais visibilidade a marcas pequenas, traz coisas novas e oferece qualidade. Todo esse comprometimento com qualidade e autenticidade é o principal fator de sucesso da marca. “Eu uso minhas próprias roupas. Eu faço o que eu uso”, finaliza. Além de marcas independentes, os brechós também têm ganhado destaque na cidade de Caruaru. O Laba Laba Brechó, por exemplo, surgiu anos atrás, quando sua fundadora Carol Garcia precisou fazer uma viagem e teve que juntar dinheiro. A ideia de desapegar das roupas sempre foi legal para ela. “Tenho agonia em deixar uma roupa que não uso parada no guarda-roupa”, conta. Além disso, ela é contra a acumulação desnecessária: “Compro de brechó ou ganho as roupas que uso. Quando ganho uma peça, eu descarto outra que tenho.”
Marcas: Valderiza Pereira Las Lobas Atelie Coletivo de Dois Gioconda Clothing Hoy Ahoy Carimbo Anas
@valderiza_pereira @laslobasatelie @coletivodedois @giocondaclothing @hoyahoy @carimbocamiseteria @anasflats
Brechós: Laba Laba Brechó Armarin(nho) Thaís Braga
@labalababrecho @armarin_nho @thaisbraga.png
CUSTOMIZE, CONSERTE, MUDE O USO.
Por Marília Pessoa @mariliabpessoa @blogtrashrock Carol Garcia
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A gente, o Maurício de Nassau, o Salgado e o Breg a Que bairro consome mais brega? A pergunta da reportagem era essa, mas o que ditou mesmo o tom do texto foi a nossa experiência com cultura, classe social, estereótipos, casas, prédios e pôr-do-sol
Brega em Caruaru
Por Bárbara Conceição, Sarah Teodósio e Vevé Prado Fotos por Bárbara Conceição
E
IS QUE TODOS OS DIAS, em várias casas, bares, praças, ruas e avenidas, haverá um debate sobre o que é cultura e o que pode ser considerado arte? Mas quem é que de fato faz esses questionamentos? Existe uma “elite cultural” que determinará o que é de fato cultura? Quem pertence a esse grupo? Na compreensão de que existem culturas diversas e que elas, às vezes, não se sobrepõem, como grupo socioeconômicos diferentes podem consumir o mesmo produto cultural?
V E R B O R E V I S TA .W O R D P R E S S . C O M Nesta reportagem, tentamos traçar, não cientificamente, um paralelo entre o consumo da música brega nos bairros Maurício de Nassau e Salgado, ambos na cidade de Caruaru, Agreste pernambucano. Convidamos você para uma leitura desconstruída e leve de um assunto que, mesmo musical, nos mostra o quanto estamos separados uns dos outros, fazendo o consumo distinto do mesmo produto. Vamos primeiro dar uma passeada no universo da música brega nos últimos 10 anos e apontar alguns recortes. Majoritariamente, o brega em Pernambuco está separado das produções artísticas no que diz respeito à venda. O brega construiu um mercado próprio, particular e com especificidades.“Cabe pensarmos em modelos de negócios da música popular periférica como forma de sustentação econômica à parte das disposições formais e, portanto, institucionais de comércio e renda”, afirma o professor do Departamento de Comunicação e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco Thiago Soares no livro “Ninguém é Perfeito e a Vida é Assim”. Podemos dar como exemplo objetivo dessa rede, os famosos carrinhos de CDs e DVDs piratas. O cantor recifense Mc Sheldon relata que soube que a música dele era um sucesso quando ouviu tocar em um desses carrinhos. Essa é a forma mais eficiente de divulgação da música brega, produzida em grande maioria, na periferia e consumida nesta mesma localidade. É como
se as pessoas se vissem. É a realidade diárias dessas pessoas sendo cantada. É poder transformar o que é colocado midiaticamente como desgraça em prazer. Nesse sentido, cabe acreditar que só a população moradora de áreas periféricas é consumidora do brega? Vamos pedir licença aqui, porque essa reportagem é também a oportunidade de falarmos com mais gente e, assim sendo, cabe aqui um questionamento: não usaremos, em momento algum, a expressão população periférica, porque a periferia se resume ao lugar que eles habitam e não diz sobre quem eles são. E ainda sobre isso o que é periferia?
consumo. Mas por que foram esses os bairros escolhidos? Não tínhamos nenhuma certeza. Nenhum dado comprovado quando apontamos os dois bairros para fazer essa comparação no que se refere ao consumo do brega. Pobremente falando, nosso objetivo era observar um lugar pobre e um lugar rico e, portanto, tudo o que havia era a nossa impressão: bairro verticalizado x casas desorganizadas; saneamento básico “impecável” x esgoto a céu aberto. Era apenas visual e por que não dizer estereotipado? Só com pesquisa temos os dados reais, mas o que vemos diz muito sobre o que buscamos quanto informação. Outro pedido de interrupção deste texto não corrido. Escrevo da sala da minha casa. Ela fica entre os bairros Maurício de Nassau e Salgado. O meu quarto tem vista para um canal que corre a céu aberto e, na última semana, ouvi e vi cenas que, estatisticamente, estão ligadas à pobreza, à ausência do Estado que, por aqui, tem dado as caras apenas para reprimir. Estava deitada uns dias atrás e ouvi a frase vinda da rua: “se você se coçar, eu passo tudinho”. Fui em silêncio olhar da fresta. Vi a polícia, vi armas e meninos com as mãos na cabeça. Ouço diariamente daqui. Sinto cheiro do que eles chamam de “remédio”. Escuto gargalhadas. Nesse exato momento, o cantor que faz seu “show” no bar aqui atrás, avisa para o público presente que tal dia “vai ter show do Conde do Brega”. Aplausos. Esse rapaz, o cantor, canta de tudo. De tudo mesmo. Já ouvi da-
periferia substantivo feminino. 1. geom linha que delimita uma superfície; circunferência. “p. de um círculo” 2. geom superfície de um sólido. A definição do dicionário sobre o que é periferia trata apenas de características geográficas e não leva em consideração as características econômicas, que acabam definindo sobre determinado lugar ser ou não periférico. Para estas situações, a pobreza caracteriza a periferia. Bairros pobres, mesmo no centro, são considerados periféricos. Para conseguir avançar com as respostas para essas perguntas, fizemos o levantamento de alguns dados sobre os bairros Maurício de Nassau e Salgado e trataremos deles como o nosso recorte de
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qui, da minha sala, ele cantar Fred Mercury e, em seguida, Matheus e Kauan. Dias antes da “atuação pacífica” da PM, eu senti o cheiro. Ouvi as gargalhadas. Sorri. O cantor, no meio das suas misturas que, para mim não fazem qualquer sentido, começou uma música de Marisa Monte. De repente, ouço um coral. Eram os meninos. “Amor, i love you. Uh! Amor, i love you. Uh!”. E uma gargalhada rasgada; toda. Eles estavam rindo deles. Consumindo a mesma canção do bar ao lado. Sem entrar. Da beira do canal. No escuro. Onde ninguém vai entrevistá-los sobre que tipo de música eles ouvem. De acordo com o IBGE, a população do Bairro Maurício de Nassau é de 15.536 pessoas, enquanto a do Salgado, 51.503. O instituto usa uma referência chamada soma do valor do rendimento nominal médio mensal das pessoas responsáveis por domicílios particulares. Mas o que que isso quer dizer na prática? Em cada casa, é identificado um ou uma responsável, uma espécie de chefe de família. Essa soma é de mais de 45 milhões no Maurício de Nassau e quase 34 milhões no Salgado, mais de 3 vezes maior em população. Com esses dados em mão, cometemos um erro que quero aqui, deixar registrado, por considerar importante, tendo em vista que este é um trabalho realizado academicamente. Fomos para campo, carregadxs de opiniões préformadas. Não estávamos de fato esperando que a pesquisa que faríamos fosse nos dar um resultado surpresa. Em resumo, havíamos definido que a população pobre era a con-
F A C E B O O K . C O M / V E R B O R E V I S TA sumidora da música brega. Para conversar com moradores dos dois bairros escolhemos a Avenida Agamenon, em Caruaru. Domingo. Esta é a Avenida em que funciona uma área de lazer neste dia da semana. Em uma faixa, é proibido o tráfego e enche de gente, de todas as idades e hoje, de todas as classes. Digo hoje porque quando tive contato com este espaço, alguns anos atrás, ele era frequentado em maioria (e digo por observação) por famílias do entorno e não, elas não pertenciam a todas as classes. Levamos um tempo para fazer a primeira entrevista. Ficamos olhando para as pessoas, procurando nelas, ainda na nossa opinião préformada (e por hora, definitiva), sobre as respostas que queríamos. Estávamos erradas, não apenas no que imaginávamos, mas também no método. O que vamos apresentar aqui, são informações de uma pesquisa exploratória que precisa ser realizada com maior profundidade. Localizamos um grupo de três mulheres fumando em frente ao Shopping Difusora. O Shopping que pede documentação de jovens em sua entrada. Não de todos, claro. Só dos que apresentam alguma característica suspeita e quer coisa mais suspeita que cor de pele? As mulheres vestiam farda da loja em que trabalhavam e toparam responder às nossas perguntas. “Não, não. Não escuto não”. Primeira moça. Moradora do bairro do Salgado. E todas as nossas expectativas, as nossas certezas foram quebradas. Nossas perguntam eram
exatamente essas: 1. Você ouve brega? 2. Se sim, em que momento? 3. Os seus vizinhos escutam brega? 4. Nas festas da sua família, toca brega? 5. Se sim, em que momento da festa? 6. Você já pagou para entrar em alguma festa brega? 7. Se sim, lembra o valor do ingresso? 8. Você acha que brega é cul- Não, não. Por causa das letras, né? É muita baixaria. - Nem todas. Tem muita música que fala de amor. - É. Tem. tura? Terminaram os cigarros e nós fomos procurar mais pessoas. Muitas se negaram a nos responder, até que olhamos para a porta do shopping e vimos um moço branco, olhos claros. Ele faz parte diretamente do fim dos estereótipos com os quais iniciamos este trabalho. “Eu escuto brega todos os dias”. Bairro? Maurício de Nassau. O que era para ser uma pesquisa sobre o consumo de brega no Maurício de Nassau e no Salgado se tornou uma busca da gente por autoconhecimento. A gente foi para a rua com muitas respostas na cabeça e as desconstruimos uma a uma. É por isso que esse texto é mais um relato da nossa experiência com nossos próprios demônios do que sobre o consumo de brega. De todas as nossas entre-
vistas, apenas duas pessoas disseram que música brega não é cultura, alegando motivos de depreciação. As demais pessoas entrevistadas disseram que sim por uma questão de pertencimento se eu pudesse escolher uma palavra para definir. De acordo com o antropólogo britâncio Edward Tylor, a cultura, por definição, trata de “todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideais e crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente”. Logo, sendo o brega uma construção intelectual de cunho popular, ele também caracteriza-se como tal, como popular. Bairro, Maurício de Nassau. Muitas pessoas entrevistadas associaram a hora que toca brega nas festa da família com a hora em que as pessoas “estão mais felizes”, fazendo menção ao consumo de álcool. No nosso pequeno
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exemplar de pesquisa, o brega não toca em todos os momentos, nem no dia a dia. A minha casa, que fica entre os bairros Maurício de Nassau e Salgado, tem uma laje. Pelo menos 3 vezes por semana eu vou lá. Olho e penso na discrepância que é muito visível entre os dois bairros. Nos últimos seis meses, fotografei o pôr-do-sol que aconteceu durante este tempo no Maurício de Nassau (já sinto que está mudando de lugar central) e pensei, olhando para trás de mim, no Salgado. Todos esses prédios aqui são um obstáculo para que eles vejam o pôr-do-sol. Hoje, 20 de novembro de 2017, finalizando este trabalho, fiz o giro que fiz tantas vezes e lá estava uma luz diferente. Perfeita, eu diria. Luz redonda. Central. Não como a ideia que eu tinha sobre o que encontraria nessa pesquisa. Clara. Sábado tem show do Conde do Brega aqui perto. Ouvi anunciando ontem. E, como diria o povo que canta bregas como se cantasse hinos, o brega é tão rochedo, que nessa festa vai dar é todo o mundo. Talvez em Carua-
IMAGEM
“Desde a ditadura militar até as atuais protestos contra o golpe, o movimento estudantil enfrenta a repressão e se faz presente na luta por direitos. O Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco em Caruaru respira luta e, em suas paredes, traz o suor de todos os estudantes que lutaram por uma faculdade interiorizada.” Foto: Sarah Teodósio
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D E C ARUARU PA R A A S TE L AS D O MUNDO Text by John Doe, photos
by Doe Johnson
Com uma história cheia de altos e baixos, o cinema em Pernambuco vem retomando a cena, abrindo espaço recentemente para produções que extrapolam os limites geográficos da capital Por Kadu Ferraz, Adson Emanuel, Caio César, Alex Vinícius
Frame do filme “Imerso”, do diretor caruaruense Eder Deó
Animação de Andre Arôxe
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OUCOS ANOS 20. Momento de grande euforia e prosperidade econômica. Para livrar-se do pesadelo vivenciado com a Grande Guerra na década passada, o mundo buscava a diversão. É neste cenário que as grandes cidades brasileiras são incentivadas a desenvolverem uma produção cinematográfica nacional em um movimento encorajado por revistas da época como a “Paratodos”, “Selecta”,
a “Scena muda” e a “Cinearte”. O Recife não ficou de fora e registrou produções importantes neste ciclo histórico do cinema, ainda mudo, nos anos 20. A cidade tornou-se centro da produção cinematográfica brasileira, produzindo 13 longa-metragens e chegando a contar com cinco produtoras que exibiram seus filmes em diversas salas, inclusive no Rio de Janeiro. O ciclo do cinema do Recife permaneceu até 1931, quando se tornou praticamente inexistente até o seu ressurgimento mais à
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frente. Nesse período, “O coelho sai”, escrito por Newton Paiva e Firmo Neto, figurou como o primeiro filme sonoro a ser produzido no Estado, que permanece sem muitas outras expressividades até a chegada do ciclo super-8 já na década de 70, mais especificamente no ano de 1973, quando o cinema ressurge com características inovadoras, devido à tecnologia empregada pela Kodak no formato super-8. As produções tinham forte cunho nacionalista. Depois de mais uma fase de abandono, o cinema
pernambucano retoma a cena, em 1997, com o lançamento do filme “O Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. Nos anos seguintes outros nomes, tais como Cláudio Assis, Kleber Mendonça Filho, Gabriel Mascaro, dentre outros, passam a fazer parte de uma gama de produção cinematográfica que adentrou os anos 2000, firmando Pernambuco como um dos polos geradores de um cinema respeitado, sólido e prestigiado em todo País, contudo, ainda muito centralizado em sua capital.
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Frame do filme “Imerso”, do diretor caruaruense Eder Deó
O processo de descentralização da produção cinematográfica em nosso Estado, bem como sua chegada a Caruaru, é bem pontuado pela professora do Núcleo de Design e Comunicação (NDC) do Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Amanda Mansur quando ela rememora que a formação do audiovisual estava centrada na Região Metropolitana do Recife, em que todo o circuito de formação, financiamento e exibição estava focada. “Quando o edital do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura/ PE) se transforma na Lei do Audiovisual, há uma expansão tanto do financiamento, quanto da exibição a partir do surgimento de vários festivais, como o vale-curtas em Petrolina e Juazeiro, o Curta Taquary, em Taquaritinga do Norte, Festival de Triunfo, Festival de Caruaru, entre outros. O fato desse circuito de exibição e da Lei do Audiovisual ter dentro de seu edital uma categoria chamada “Revelando Pernambuco”, que é para cidades com
aproximadamente menos de 30 mil habitantes, estimula a produção local. Mas ainda falta formação para as pessoas dessas cidades, para que elas consigam realizar projetos que concorram com o que é realizado nas maiores. Somado ao Funcultura, que está privilegiando a expansão da produção em Pernambuco, a chegada do curso de Comunicação Social em Caruaru com ênfase em Mídias Sociais e Produção Cultural, embora já houvesse outros cursos na área de comunicação, propõe uma junção de todas as áreas da comunicação e o audiovisual é um dos campos mais fortes dentro desta. Tudo isso deu um gás na produção de cinema na cidade de Caruaru”.
Cláudio Assis alcançando reconhecimento nacional e internacional pelo trabalho de desbravadores da sétima arte na ‘Capital do Agreste’. Em entrevista para nossa equipe, o publicitário e fotógrafo Eder Deó citou Cláudio Assis ao ser questionado sobre os primeiros passos da produção cinematográfica caruaruense. Ele destacou que Cláudio colocou Caruaru no foco do cinema nacional e que a realização de festivais de cinema, tanto em Caruaru, quanto em outras cidades do interior, torna o cinema mais acessível e também instiga os diretores a produzirem mais. O próprio Deó se considera um desbravador do cinema caruaruense. “Me considero um desbravador, assim como qualquer um que tenha uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Qualquer pessoa que contribua para o cenário audiovisual é um desbravador, está ajudando a dar mais um passo como um todo. Não me sinto nem mais nem menos, apenas mais um. Trilhar por um caminho como o cinema é algo
“DESBRAVADOR É QUALQUER UM COM UMA IDEIA BOA” Figurando entre os produtores de filmes caruaruenses, mesmo estando a produção cinematográfica nesta cidade ainda num estágio inicial, temos nomes como Eder Deó e
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que você precisa se provar a cada trabalho”, pontua o diretor de “Imerso”, curta-metragem produzido em Caruaru que retrata a imersão de João, personagem de Aguinaldo Sena, num contexto permeado por pessoas que aparecem e desaparecem de seu campo visual. O curta chegou a ser selecionado para participar da Short Film Corner, do Festival de Cannes, na França, conquista celebrada por Deó e por todos que torcem pelo crescimento e reconhecimento da produção audiovisual não só em Caruaru, mas em Pernambuco como um todo. As dificuldades da produção em Caruaru foram minimizadas por Eder Deó. Para ele, o avanço e a popularização das tecnologias facilitam a produção de conteúdos audiovisuais por qualquer pessoa. “Hoje em dia, a popularização da tecnologia acaba tornando as coisas mais fáceis. Vemos, por exemplo, grandes diretores gravando filmes inteiros com smartphones. Para mim, a grande questão de um filme é você ter uma boa ideia”.
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A IMPORTÂNCIA
DE FESTIVAIS Quem produz filmes tem o desejo de ver seu trabalho projetado em uma tela grande e é para realizar esse desejo que surgem festivais que incentivam esse trabalho. Caruaru já tem o seu próprio festival desde 2013. O Festival de Cinema de Caruaru foi idealizado por Edvaldo Santos com o objetivo de desenvolver técnicas com a prática e fazer com que o mercado cinematográfico em Caruaru se desenvolva. O evento teve, neste ano, sua quarta edição que trouxe como homenageada a pesquisadora
do audiovisual Yanara Galvão. Ela é formada em Comunicação desde 1997. Nesta edição, houve um aumento significativo do público, chegando a bater o recorde. Dentro do festival, os filmes são escolhidos conforme o objetivo do projeto, sempre buscando a valorização e o estímulo de produções locais. Ter um evento assim em Caruaru revela que há produções boas, feitas por estudantes e que merecem visibilidade. Entre as categorias que concorrem aos prêmios do festival, além das produções nacionais, há espaço para estudantes na Mostra Estudantil Universitária de Curta Metragem. Neste ano, na categoria Fotografia, o vencedor
foi “Os tristes Residentes do Circo Miserável” dos alunos da UFPE-Caruaru Twany Santos, Artur Rodrigues e João Gabriel. Segundo Twany, ter um festival desse tipo, que propõe o incentivo às produções audiovisuais de estudantes que estão começando agora nesse meio é muito estimulante. “É uma satisfação ter o nosso trabalho reconhecido pelo festival. Só por ter sido selecionado dentre vários outros já é bastante significativo e ter ganhado um prêmio é ainda mais importante para nós”. O melhor post foi para “Santana do Livramento”, que também, a partir da atuação de Arary Marrocos, ganhou Melhor Atriz. “Bloody Mary”, do estudante de Comunicação Social
Cena do filme “Bloody Mary”, do estudante de Comunicação Social Pedro Felipe
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da UFPE Pedro Fillipe, ganhou cinco prêmios: Melhor Ator (Rafael de Oliveira), Melhor Direção de Arte (Gustavo Vieira), Melhor Roteiro (Pedro Fillipe), Melhor Direção (Pedro Fillipe), Melhor Filme (Pedro Fillipe). A melhor animação foi para Fim de Paulinho Silva, desenvolvida por estudantes do CAA. O melhor documentário foi para “Mamusebá: a saga do artista popular”, de Wilker Medeiros, da Unifavip de Caruaru. O melhor filme pelo júri popular foi para “Estação: a cultura no coração de Caruaru”, dos também estudantes de Comunicação Social da UFPE Gabriella Paiva, Luis Enrique, Natália barbosa e Stephannie Laís.
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CINEMA DE ANIMAÇÃO, UM CAPÍTULO À PARTE Em Caruaru, o ramo da animação encontra-se também em um estágio ainda em desenvolvimento. O próprio cenário pernambucano ainda não tem muito espaço para esse tipo de produção em comparação às produções de live-actions ou documentários. O professor do Núcleo de Design e Comunicação (NDC) do Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcos Buccini lançou recentemente o livro “História do Cinema de Animação em Pernambuco” em que realiza um panorama das produções realizadas no estado. Antes dos anos 2000, se faziam poucos filmes, tratavam-se de produções esporádicas que quase nunca se destacavam pelo seu teor amador. “Depois dos anos 2000, a produção ainda continua amadora, mas você tem um boom com a tecnologia e também porque vão surgindo os festivais, escolas de cinema. Surgem os editais, principalmente do Funcultura, que trazem não em termo de quantidade, mas em qualidade”. Além disso, Buccini percebe também que a maioria das produções cinematográficas de animação pela região de Pernambuco, incluindo Caruaru, ainda são feitas em maior escala por alunos e com um aspecto didático. “Ainda é um cinema amador. São filmes feitos dentro de uma disciplina, dentro de um curso, que têm outra meta, com o objetivo didático, não sendo
profissional. No entanto, apesar disso, esse tipo de produção é um primeiro passo para que seja possível que se crie um interesse pelo trabalho profissional na área”. Buccini é o fundador do Maquinário, o laboratório de animação da UFPE em Caruaru. Para ele, ter um laboratório que pode trazer à tona o interesse de alunos pelo campo da animação é uma semente que faz crescer um fruto importante para as produções desse tipo de filme na cidade já que basicamente a produção de animações em Caruaru é majoritariamente composta pelos filmes feitos pelos alunos nas disciplinas. Buccini destaca que é necessário que o País ofereça suporte para o avanço das produções audiovisuais. Embora ele veja que em Pernambuco existam bons editais de incentivo a produções cinematográficas, ainda há muito a ser feito. O professor relembrou um momento em que, em uma entrevista para a revista Continente, a animadora Aida Queiroz, foi questionada sobre o futuro da animação no Brasil, e a resposta dela foi: “o futuro da animação brasileira depende do futuro do Brasil”.
André Arouxa
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O 30 ANOS DO GRUPO TEATRAL
GRUPO DE TEATRO Arte Em Cena comemora três décadas em 2017. O reconhecido coletivo que fomenta as artes cênicas na cidade de Caruaru estreou com a montagem de “Quinze anos depois”, de Bráulio Tavares, sob a direção de José Manoel. Esse espetáculo angariou os prêmios de melhor ator e melhor atriz do Festival Nacional de Teatro de São Gonçalo dos Campos (BA) e obteve a indicação de melhor ator, para Severino Florêncio, no Festival Nacional de Teatro de São José do Rio Preto (SP). O Arte-EmCena é célebre pelo desenvolvimento de pesquisa na dramaturgia, que tem como base o aprendizado do ator na complexidade dos processos de criação artística. A fundação do grupo foi realizada em meio a efervescência da cena teatral em Caruaru na década de 80, sob a competência do ator, diretor e produtor cultural, Severino Florêncio.
ARTE EM CENA Fundado no final dos anos 80, o grupo comemora aniversário com o espetáculo “A Visita” Por Evandro Lunardo, Givanildo Almeida, Jaci Freire e Jéssica Roseni Fotos cedidas por Severino Florêncio 46
F A C E B O O K . C O M / V E R B O R E V I S TA A fundação do grupo foi realizada em meio a efervescência da cena teatral em Caruaru na década de 80, sob a competência do ator, diretor e produtor cultural, Severino Florêncio. Severino é natural de Bezerros e há 35 anos desenvolve iniciativas artísticas no teatro pernambucano. Sua carreira começou nos anos 70, em Caruaru, quando participou do grupo de jovens da Igreja do Rosário. Em seguida, integrou o grupo caruaruense Teatro Experimental de Arte (TEA). No início dos anos 80, criou o grupo de Teatro do Sesc/ Caruaru, que até hoje revela grandes talentos nas artes cênicas. Fundou o grupo Arte-emCena em 1987, produzindo grandes espetáculos e arrematando prêmios nos principais festivais brasileiros de teatro. O artista também integra, há mais de dez anos, o elenco da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém.
as atrizes Prazeres Barbosa e Maria Alves se consolidaram, recebendo os prêmios de melhor atriz e melhor atriz coadjuvante, respectivamente. Dois anos após o êxito de “Avatar”, o grupo Arte-Em-Cena experimenta o sucesso daquele que certamente é o seu espetáculo mais emblemático: “Dorotéia vai à guerra”. Por meio de estudos de aperfeiçoamento para a composição dos personagens, o grupo atingiu a excelência no processo criativo e de produção. O desenvolvimento de competências intrínsecas à elaboração construtiva do exercício da atuação promoveu a qualidade artística que conquistou públicos em todo o Brasil. De Carlos Alberto Ratton e com a caprichada direção de Gilberto Brito, “Dorotéia vai à guerra” levou o coletivo a um posto referencial das artes dramáticas no estado de Pernambuco.
O segundo espetáculo foi encenado em 1991. A peça “Avatar” foi concebida pelo dramaturgo Paulo Afonso Grisolli e foi também dirigida por José Manoel. O corpo de atores do grupo sempre teve destaque, revelando talentos como Prazeres Barbosa e Maria Alves. “Avatar” arrebatou plateias e conquistou prêmios, dentre eles, está o de melhor direção do Festival Nacional de Teatro de João Pessoa (PB). Nesse mesmo festival,
Após um intervalo de seis anos, a montagem de “Diário de um louco” retoma os métodos artísticos que pavimentaram o desenvolvimento do Arte-Em-Cena. Foi nesse espetáculo que surgiu a parceria com o diretor Nildo Garbo, que trouxe ao grupo sua inovação na elaboração dramática e na melhoria da formação artística. Nildo, até hoje, assina a direção das peças realizadas pela companhia. A peça “Diário de um louco”,
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de Nikolai Golgol, recebeu a adaptação de Rubem Rocha Filho e teve apresentações realizadas também em instituições de ressocialização, como a Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru. Em 2003, foi a vez da literatura de cordel inspirar a criatividade do coletivo. “Romance do Conquistador”, de Lourdes Ramalho, chegou aos palcos com inventividade e regionalismo. Este espetáculo também participou da reinauguração do Teatro Severino Cabral em Campina Grande na Paraíba e teve apresentação no Festival de Inverno de Garanhuns. A adaptação de ffffff f A adaptação de “Deus danado”, de João Denys, em 2007, se tornou o espetáculo mais desafiador para as habilidades artísticas do Arte-Em-Cena. Em sua terceira direção no grupo, Nildo Garbo teve a missão de traduzir, nessa montagem, a complexidade do texto que faz uma ligação entre a regionalidade e a universalidade. A peça ficou anos em cartaz e ao final da última temporada, em 2010, foi filmada por Luiz Felipe Botelho, em uma iniciativa que visou promover discussões sobre as linguagens do teatro e do audiovisual. O DVD foi lançado em 13 de agosto de 2012, no Cineteatro da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife. Logo após, em 15 de agosto de 2012, o DVD foi promovido no Teatro Rui Limeira Rosal no SESC em Caruaru.
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r Após algumas modificações, o grupo recebe a atriz Welba Sionara, que passa a compor o espetáculo “Dorotéia Vai à Guerra”. Esta peça reestreou em uma temporada no ano de 2011. Novamente, a encenação obtém grande sucesso e foi prestigiada com a participação de professores e alunos de colégios da rede pública. “Dorotéia Vai à Guerra” representou o Brasil à convite do Entretanto Teatro e da Câmara Municipal de Valongo, cidade do Porto, em Portugal. A ddr fAo longo dos sete espetáculos produzidos pelo Arte-Em-Cena, vários atores e atrizes despontaram. Severino lembrou com carinho da participação de alguns membros. “Passaram muitas pessoas no grupo. São pessoas amigas, como Erenice Lisboa (atriz) e José Manoel, que foi o primeiro diretor”. O fundador da companhia também ressaltou que foi uma trajetória construída de acordo com cada pesquisa, com cada texto, cada momento. “É um grupo com equipe pequena. Sempre foi, pois, ao criar o grupo, pensei nisso também. Pensei nas questões das dificuldades de produção dos espetáculos e na manutenção. Com um grupo grande, poderíamos enfrentar mais dificuldades. Com um grupo pequeno, seria mais fácil nos manter ativos nas produções
e de ter tempo para os ensaios”. tempo para os ensAo completar 30 anos de atividades, o grupo Arte-em-cena pode ser considerado um grande exemplo de resistência cultural na cidade de Caruaru e, hoje, é reconhecido pela Câmara de Vereadores do município como prestador de serviços de utilidade pública. fffEm suas mais distintas manifestações, a arte encontra obstáculos para se manter presente e relevante em meio à sociedade, mas sonhos, talento e persistência podem edificar significativamente pontes entre o homem e as suas mais sublimes expressões. Nessa condição, o Arte-em-cena se mantém vivo e cada vez mais desafiador.
Espetáculo “A visita” comemora o trigésimo ano do grupo O espetáculo “A Visita”, do grupo Arte-EmCena, de Caruaru, traz, por meio da simplicidade do universo nordestino, a memória afetiva do Brasil. Versos, canções, ritos e costumes levam o personagem Antônio a des- trinchar estimadas lembranças e dissabores de uma vida fincada em raízes permeadas por saudades. Antônio passeia pelo imaginário existencial que pavimenta diálogos e
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reflexões numa esfera solitária e distante da moderna contextualização atual. O experiente ator Severino Florêncio, magistralmente, incorpora elementos intrínsecos à árida realidade do seu personagem, movendo cenas e comovendo o público. Severino também aponta a necessidade, por meio dessa obra, de sair do formato convencional do palco do teatro, para ficar mais próximo do público. “Quero fazer o espetáculo “A Visita” na zona rural. Acho que este espetáculo cabe muito bem dentro deste formato”. A direção primorosa de Nildo Garbo, que também assina os figurinos e a maquiagem, conduz o ator a impressionantes reconstituições de falas e sentimentos de situações já vividas. A teatralidade é explorada ao máximo no cenário, nos elementos cênicos e na abordagem social que afasta balizas de enquadramento e expõe a opressão vinda da tão falada globalização. Nesse recorte circunstancial, atentamos para o discurso do autor, o espanhol Moncho Rodriguez, que lança ao mundo a incompreensão e a apreensão geradas por um mundo cada vez mais imerso no caos capitalista.
MONTAGENS DO GRUPO ARTE-EM-CENA EM 30 ANOS
1987 – Quinze anos depois, de Bráulio Tavares Direção: José Manoel 1991 – Avatar, de Paulo Afonso Grisolli Direção: José Manoe 1993 - Dorotéia vai à guerra, de Carlos Alberto Ratton Direção: Gilberto Brito 1999 – Diário de 1 louco, de Nicolai Gogol Adaptação de Rubem Rocha Filho Direção: Nildo Garbo 2003 – Romance do Conquistador, de Lourdes Ramalho 2007 – Deus Danado, de João Denys Direção: Nildo Garbo 2011 – Reestreia do espetáculo ‘Dorotéia vai à guerra. ’ 2017 – A Visita, de Moncho Rodriguez Direção: de Nildo Garbo.
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Praticando a arte (quase) perdida*
Nicole E. Martins @nicolemartinss
*Título retirado da Introdução do livro Tudo é eventual do autor Stephen King
“Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio. Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento”. Por meio desse trecho do conto “ Sobre a escrita..”, Clarice Lispector consegue me representar de diversas maneiras. Como expressar esse sentimento pelo ato de escrever? Falar do carinho simplório que tenho pelo som que as letras emitem ao serem tecladas no notebook? Ou falar do sentimento de extrema liberdade ao perceber que se tem palavras para desabafar? Dores. Angústias. Reflexões. Felicidades. Amores. Ter o privilégio de saber que o verbo é todo seu e de mais ninguém. Acredito que este seja o primeiro passo para defender a escrita com unhas e dentes. Ou melhor, com frases e argumentos. Compreender o fato de que sem ela estaríamos pouco à vontade. A mercê de um mundo sem expressão. Sem individualidade. Sem fuga. Escrever é simples. Basta colocar para fora e juntar tudo o que saiu num espaço vazio. Papel ou tela. Talvez tenha coesão e coerência. Talvez não. Mas isso faz um escritor. Seja ele bom ou ruim. Aliás, quem faz esse julgamento? Bom ou ruim? Escritora? Ora vejam só. Aceitar esse título não é muito fácil. Julguei ser tão de extremo peso e responsabilidade. Qualquer um pode escrever. Como já havia dito. Certo? Logo não seria tão temeroso. Apenas mais uma dentre eles e elas. A gente fica criando obstáculos e atribuindo méritos demais a pequenas coisas que, sinceramente, não
pedem por nada disso. Ou talvez pedisse. Escrever é uma coisa que qualquer um que o faça se deva orgulhar. Penso. Assim como todo título de honra, escrever requer responsabilidade. Afinal, você se torna uma formadora de opiniões. Uma comunicadora. Ser uma atuante nessa arte também significa estar suscetível a todo tipo de crítica. Ninguém disse que seria fácil, ter liberdade tem seu preço. É interessante pensar que se tenha motivos. Querer mudar o mundo, encantar pessoas, dar-lhes conhecimento, expor seus conceitos e costumes. É fantástico. Há aqueles que amam o que fazem. E tanto que fazem de profissão e ganha pão. Mas esse negócio de escrever não tá meio fora de moda, não? Sei lá, parece mesmo que sim. Nos tempos de hoje, é tudo muito diferente. Pensar que livros, revistas e jornais estão sendo substituídos por versões online e digitais é incrível. Mas lembrar que não seja um verdadeiro pedido de desculpas para com a natureza que hoje sofre pelas consequências do homem. É mais pelo fato de que as pessoas não dão mais a mínima sequer para um jornal físico. É inviável. Causa transtornos. Pode-se levar 10 revistas, 50 jornais e 1000 livros dentro de um aparelhinho chamado smartphone. Ou melhor ainda, leitor digital. São as maravilhas desse novo mundo. Possibilidades transbordando conteúdo. No ponto da escrita, hoje, a imagem tem mais valor que a palavra. E cá entre nós, ela tem mesmo. Todavia não somente faz todo o trabalho. A soma dos dois é perfeita. A imagem ilustra. O texto doa detalhe, informação, opinião e reflexão. Mas o caro “leitor” moderno não se dá o trabalho de parar sua vida de extrema velocidade para ler mais do que o título. Eis o grande problema da pós-modernidade, a rapidez, e a agilidade
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das informações. Problema? Problema para quem? Não é solução? É engraçado ao mesmo passo que possa ser trágico. O avanço das tecnologias de comunicação tem sido essencial para a informação. Quanto mais rápida, melhor. Quanto mais material imagético, melhor. É tudo muito rápido. Rápido, rápido, rápido. Não querem ler. Querem ver. Ver, ver, ver. É evidente que a falta de textos bons, que merecem ser lidos e que fluem de uma forma natural, ultimamente não tenham caído do céu. Mas há essa competitividade entre o bom texto e o conteúdo imagético. Porque aquele não precisa de nada além do seu poder de síntese e de coerção. E este, ao mesmo passo que traz o conteúdo de forma clara e sucinta, não nos traz reflexão. E isso obviamente é papel importante do texto. É certo que a maioria dos sites que se encontre na internet estará com no máximo quinhentas palavras autoexplicativas. E mesmo os corajosos que arriscam mais do que isso e perduram são pouco valorizados. São escanteados e ignorados pela massa. Esse problema não só reflete nos que produzem, mas também aos que consomem. A expansão dos meios de comunicação e o crescente acesso à rede trouxe não só benefícios. Ter acesso muitas vezes não significa ter conhecimento. Afinal, isso se torna um tanto comprometedor para a formação do senso crítico das pessoas. Com tantos prós e contras evidenciados, ainda assim, por que escrever? Acredito que o fato de querer é importante, antes de tudo. Saber que há responsabilidades para com as pessoas. Não apenas um compromisso. Ter um vínculo com elas. Talvez seja mais fácil dizer que cada escritor tem seu motivo pelo qual o levou a escrever todos os dias. E um único que os une, seja não simplesmente gostar, mas essa necessidade de expor as palavras.