Impressão 200, Caderno DO!S

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WILLIAM ARAÚJO

Jornal do Laboratório do Curso de Comunicação Social do UniBH Ano 33 • Número 200 • Abril de 2016 • Belo Horizonte • MG


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OUTROS PAPOS

Abril de 2016 Jornal Impressão

DISCÍPULOS DE TALESE NO CONFESSIONÁRIO Num hall de hotel, com o contador de histórias Humberto Werneck, é possível criar o hábito de ir ao banheiro 50 vezes – Por favor, dois cafés para o número 1112. Àquele momento, minha primeira impressão foi a de estar ao lado de um jovem adulto. Ele tinha avidez ao andar e olhava ao redor, como uma criança curiosa, em busca de um lugar onde pudéssemos conversar. Os cabelos grisalhos pouco combinavam com a feição jovial de seu rosto ou com os 71 anos, recém-completados, que exibe no RG. Mochila às costas, como um estudante que transita pelo pátio do colégio, Humberto Werneck passeava pelo hall do Hotel Mercure. Pelo pedido do escritor, achei que iríamos subir para o seu quarto, já que as mesas utilizáveis do bar estavam todas preenchidas. Depois de alguns segundos, analisei que o meu pensamento era astuto demais. Quem, em sã consciência, convidaria alguém que acabara de conhecer para visitar o seu quarto? Sentamos ao balcão do bar do hotel. Ali mesmo consumimos os expressos. Ele me olhou fixamente, como alguém que quisesse dizer algo, mas que não tinha as palavras. Com olhos simpáticos sobre mim – protegidos por ócu-

los de armação modelo tartaruga –, desferiu um sorriso singelo, destes que não exibem o esmalte dos dentes. Perguntou no que seria útil a mim. “Literatura e jornalismo”, respondi. Tomou um gole de café. Disse-lhe, meio indeciso – tentando não desapontar outro “fiel” de Gay Talese –, que iria gravar a entrevista, pois, apesar de gostar de Gaetano, não tinha competência para memorizar grandes conversas. “Memória seletiva”, retrucou. Aproveitou o silêncio e me contou suas experiências com gravadores. Ao entrevistar Nelson Rodrigues, que era literal demais. Quando passou quatro dias nas ilhas Lanzarote a entrevistar José Saramago. Uma única vez, para o “livro do Chico” – Tantas palavras –, um áudio de aproximadamente cinco minutos, segundo disse. Ele disse que se eu me policiasse a absorver somente o mais importante, minha tentativa de talesear daria certo. Percebemos ali, naquele momento de troca – sim, eu também opinava –, que o gravador poderia e pode ser um estímulo da preguiça para os jornalistas. Daqueles que olham para os gestos labiais de um entrevistado e pouco

compreendem as palavras que saem da boca. Refleti se isso poderia ser aplicado a mim. Bom, resolvi tomar cuidado. Ficaria mais atento desde então.

Oh, cuidado! Humberto se declara um grande anotador desde sempre. “Se for preciso, eu vou ao banheiro 50 vezes em uma entrevista”, diz. Numa dessas oportunidades, sem o uso de gravadores, ouviu de um entrevistado uma “confissão de corno”. Entretanto, alertou que o gravador pode não ser útil. Por exemplo: a tecnologia não capta a ambientação visual, grava o ruído de um caminhão durante uma declaração fundamental de uma entrevista, ou dificulta a compreensão de um nome russo – nestes casos, um bloco de anotações e toilettes caem bem a uma entrevista. Terminados os cafés, procuramos um lugar tranquilo para a entrevista. Já eram 17h30, horário que tínhamos marcado. Duas horas mais tarde, ele participaria da Sessão de Gala de abertura da Bienal do Livro de Minas, juntamente com Sérgio Alcides, mediado por outro exímio contador de histórias, o

mineiro Carlos Herculano Lopes. Tudo calculado para que suas obrigações não fossem prejudicadas. Quase um anfitrião do hotel onde estava hospedado, Humberto enveredou-se por corredores em busca de um canto silencioso. Fui atrás. Arrastamos umas poltronas de madeiras e nos aproximamos para que o nenhum ruído atrapalhasse o som da conversa.

1, 2, 3... REC Começamos a falar de Suplemento Literário de Minas Gerais, do qual fez parte – e no qual iniciou sua carreira literária e jornalística –, a convite de Murilo Rubião. Tudo aquilo que ele disse sobre o cuidado com o gravador viria a se comprovar. Tênis que rangiam nos pisos encerados, malas de rodinhas puxadas despretensiosamente pelos donos, talheres que cantavam ao cair no chão, crianças que chamavam por seus pais em volumes consideráveis à idade – tudo ambientado por música de elevador. Parávamos a linha de raciocínio a cada barulho. Humberto foi paciente. Claro, como jornalista, sabia destes percalços. Apesar de ter ser formado em Direito na Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG), o belo-horizontino Humberto Werneck não exerceu a carreira diplomática, justo por ter sido preso nos tempos de Castelo Branco. Participou de um concurso literário, organizado por Murilo Rubião, e ganhou. Algum tempo depois, foi convidado pelo próprio Rubião a integrar a equipe que estrearia o Suplemento Literário. Dali, Humberto levaria não só uma carreira, como ensinamentos preciosos para a carreira como escritor e jornalista. Em seguida, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou nas redações do Jornal do Brasil, IstoÉ, Veja, Playboy entre outras publicações. Na revista das coelhinhas fez uma proposta abusada: convenceu a filha de Fidel Castro a posar. Pontuávamos nossas conversas com referência a autores. Eu, com meu curto glossário bibliográfico, soltei Taleses, Wolfes e, até mesmo, uma frase de Clóvis Rossi sobre o “mito da objetividade”. Ele enriquecia seu discurso com palavras de Cabrera Infante, Luiz Vilela, Joseph Brodsky, além de um poema memorizado, de João Cabral de Melo Neto (veja ilustração abaixo). Dizia-me do traba-

lho dos jornalistas e dos escritores que despejam palavras sobre o papel, sem que elas mesmas façam sentido. Relembrou daquilo que aprendeu com Murilo Rubião: o processo de “despiorar” o texto. Rubião, segundo ele, era como um marceneiro com uma lixa na mão, que ia forjando a madeira até que ela acabasse ou tomasse forma. Deste modo, Humberto sempre volta ao texto – e ainda o faz – para ver se as palavras, as pontuações e as frases precisam mesmo estar ali. Partilhei uma frase que escutei, certa vez, no rádio. Em entrevista à Inconfidência (rádio), Ruy Castro disse que os biografados se olham no espelho e se imaginam em vitrais. Ele concordou, apesar de não lidar com biografados vivos – ele não considera o trabalho com o Chico Buarque uma biografia. As dificuldades de lidar com personagens vivos o levaram a escolher personagens que tenham passado deste plano para o funerário. Claro que alguém que não tenha religião – embora, para ele, Talese seja Deus – não acreditaria em um propósito paradisíaco após a morte. Certa vez, como professor no curso para WILLIAM ARAÚJO

Danilo Silveira


que o jornalista deve perguntar por quem não pode, neste caso, o leitor. Segundo ele, o jornalista não pode apenas despejar informação sobre o leitor, mas tem que escrever em forma de uma conversa, como fossem íntimos. É com isso que ele deveria se preocupar. Ele escreve, basicamente, aquilo que ele gostaria de ler por outro jornalista.

Um atraso, 30 minutos Tivemos que voltar para o hall de entrada do hotel. Já eram 18hrs, o horário marcado para irem ao local onde seria realizada a Bienal. Ainda bem que o motorista que o levaria estava atrasado. Bom para mim, que queria ouvir mais. Humberto não se incomodou, sinal de que a entrevista não estava lhe desagradando. Pelo o contrário, ele achava que estava dizendo coisas que não me interessariam. Disse a ele que falasse sobre tudo o que fosse relevante, pois, em uma publicação universitária, o conhecer de uma pessoa bem sucedida em qualquer área seria de grande valia. Após uma funcionária do hotel ter lhe informado sobre a demora do transporte, nos acomodamos em umas poltronas acolchoadas ao lado de uma mesa de centro, posicionados no canto esquerdo do hall. Assim que sentamos, um amigo de Humberto, Rogério Pereira – também escri-

tor e curador da Bienal – apareceu e nos cumprimentou. É alto, forte, caucasiano, mas de cabelos escuros. Olhos claros e óculos a protegê -los. Vestia, na ocasião, uma camisa com listras brancas e vermelhas. Eu teria prestado mais atenção em Rogério, se eu não fosse flertado por uma mulher. Ela estava sentada em uma poltrona rente à parede de entrada do hotel, atrás da visão de Humberto – frente à minha. Usava sweater verde, calça preta sobre saltos de mesma cor, cabelos negros à la Françoise Hardy, cantora famosa pelo hit “Tous les garçons et les filles”. Seria uma sósia tupiniquim da francesa, se não fosse centímetros mais baixa. Logo depois percebi que ela acompanhava os escritores. Voltamos à ideia das biografias. Perguntei-lhe do trabalho sobre Manuel Bandeira – o qual, Humberto, lê desde sempre. O convite para escrevê-la surgiu após a publicação d’O santo sujo – biografia sobre Jayme Orvalle, amigo próximo do poeta pernambucano. Mas a ideia não progrediu. Abandonou. Temia começar e não poder terminar. Apesar de Bandeira não ter tido filhos, parentes distantes poderiam dificultar a vida de Humberto. Entretanto, a editora Companhia das Letras o chamou para escrever uma biografia sobre o poeta itabirano Carlos Drummond de

Andrade – com este, sim, Humberto tem afinidade. Eu via nos olhos de Humberto um orgulho de ter conhecido seus heróis ou, simplesmente, pessoas que o fizessem ser escritor – assim, como, naquele momento, eu conhecia um dos meus. Dizia das vezes que entrevistou Carlos Drummond de Andrade, das correspondências com o poeta, de ter feito dele capa da Playboy em uma época em que Drummond não falava com ninguém. Quando era aluno do Estadual Central, conheceu Fernando Sabino, na época, com 39 anos. Viria, mais tarde, no livro O desatino da rapaziada, a escrever sobre Drummond, Sabino e os outros três membros do grupo conhecido como os Quatro Cavaleiros do Apocalipse: Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos. De repente, um rapaz entra no hall e chama: “Humberto Werneck?”. Era hora de nos despedirmos. Ele pediu meu livro, talvez fosse uma ironia ou uma brincadeira. Como eu não tinha, o entreguei um jornal com uma reportagem minha. Foi-se ele com seus amigos. Meti minhas coisas no bolso e procurei observá-lo indo embora. Só percebi que deveria desligar o gravador, quando fui ao banheiro do hotel. Não era para fazer anotações, ainda.

WILLIAM ARAÚJO

jornalistas da Editora Abril, “parabolizou” a história de um macaco que cai do alto de uma árvore e que certamente iria se espatifar no chão, mas, mesmo assim, se mantinha ligado à árvore, segurando-se nos galhos para aliviar a queda. É assim com o texto, que deverá chegar ao fim, mantendo sempre o contato com ideia central. Perguntei se o jornalismo deixaria de sujar os sapatos, e pensei que ele fosse me animar. “Já deixou há muito tempo”, desferiu. Bom, aquele golpe doeu em partes. Mas Humberto foi detalhando todos os acontecimentos que o fizeram desacreditar no jornalismo “serendipitoso”. Humberto também partilhou de suas vivências em redação. Como, no Jornal da Tarde – quando era copydesk –, viveu a ironia de montar textos, entregues despedaçados por repórteres despreocupados, sem receber qualquer reconhecimento sobre eles. Ainda como chefe, fez com que “seus repórteres” tivessem um check-list de coisas como “que roupa o entrevistado usava”, mesmo que não fossem usar no texto. O hábito era uma forma de “impor” aos jornalistas “enxergarem” as suas fontes. Quando trabalhava na Veja, o que lhe intrigava era o fato de que os outros companheiros de redação sabiam qual era o perfil de leitor da revista. Humberto acha

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OUTROS PAPOS

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LITERATURA

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PARA EMBRIAGAR A ALMA RAIAN PINHEIRO

Inspiração ou autoajuda? Livros de sucesso dividem a opinião de leitores e pesquisadores

Lazer e reflexão: Jaqueline Melo em meio a seus livros prediletos

Rodrigo de Oliveira Estudiosos importantes da literatura nacional e mundial torcem o nariz para livros que tragam, na narrativa, mensagens e ensinamentos de teor espiritual. Muitas vezes, são classificados meramente como obras de autoajuda, por sugestionarem, em suas estruturas, algum tipo de “melhoria” para a vida cotidiana do leitor. Contudo, como revela esta reportagem, o termo autoajuda não é unânime. Com uma dose de boa vontade, estas obras poderiam ser chamadas de “livros que espiritualizam”. Para a pedagoga Jalile Vilela, qualquer livro que acrescente algo de positivo ao leitor pode ser considerado válido: “Temos que pôr em prática o que se compreende de cada leitura”, afirma. Hoje espírita, Jalile se limita a ler obras que tratem

dessa temática com pitadas de autoajuda. São textos doutrinários e, também, romances. No entanto, há quem defenda outras definições. Na visão do professor Luiz Morando, doutor em Estudos Literários, tais livros não devem ser considerados literatura. Segundo o educador, os requisitos para uma obra literária ter valor estético são: texto plurissignificativo, recursos artísticos elaborados, efeito catártico, elementos de verossimilhança e ausência de informações ou de mensagens didático-educativas. “Livros de autoajuda possuem baixo valor estético e podem ser considerados subprodutos literários”, completa.

Espírito X Literatura A espiritualidade é algo que faz parte da vida humana, ainda que de forma subliminar. Há quem diga

não crer em nada, mas mesmo as pessoas que se julgam “incrédulas” podem ser capazes de absorver algo de positivo de uma leitura, como uma mensagem reflexiva sobre a vida, que esteja implícita no texto. No sentido crítico, esses livros levam a uma reflexão. Para uns, besteirol; para outros, fonte de sabedoria. Mesmo não sendo os preferidos de leitores assíduos, os livros “espiritualizados” têm a capacidade de aguçar a curiosidade dos leitores. Geralmente, não são clássicos literários. Pelo contrário, revelam-se até desconhecidos por parte do público e estão perdidos na biblioteca ou guardados em nossa escrivaninha. Não deixam, porém, de ter seu valor. Outras vezes, sim, tornam-se clássicos exaltados da literatura mundial, sendo amados e retransmitidos de geração a geração.

Quem nunca leu, ou pelo menos não ouviu falar, em Pollyana Menina ou Moça, de Eleanor Porter, clássicos infanto-juvenis carregados de mensagens positivas; Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, ou O Pequeno Príncipe, de Saint Exupèry, não é deste mundo, ou sabe relativamente pouco sobre grandes clássicos da literatura mundial. Estes livros consagrados, lidos por gerações, seriam livros de autoajuda ou, meramente, obras com mensagens do bem, de amor e outros sentimentos essenciais à vida humana? Há quem os julgue inferiores à literatura de peso, no bom estilo Machado de Assis e Guimarães Rosa, dentre outros. Luiz Morando destaca que a autoajuda acabou se tornando um gênero: “Está ligada a uma função utilitária da literatura, que visa à cons-

trução de textos com fundo moral, educativa e exemplar, com mensagens formadoras de uma visão espiritualizada da vida”, ressalta. Jaqueline de Melo Costa, formada em Produção Editorial, e editora de vídeos numa instituição de ensino, contraria a opinião do educador, dizendo ser fã de todos os tipos de literatura, inclusive os classificados como autoajuda. Em sua bagagem de leituras, encontramos obras famosas, como O escaravelho do diabo, de Lucia Machado de Almeida; todos os volumes da saga Harry Potter, de J. K. Rowling; Reforma íntima, de Abel Glaser; Paulo e Estevão, psicografado pelo médium Chico Xavier; Diário de Mago e O Alquimista, de Paulo Coelho. Sobre os variados estilos, a leitora ressalta: “Bem, eles me ajudam a superar obstáculos impostos pela vida e me fa-

zem refletir em relação aos momentos difíceis”. Sobre Paulo Coelho, Jaqueline Melo nutre grande admiração pelo autor: “Apesar de ter lido poucos livros, gosto muito das histórias. Costumo me ver dentro delas, o que me ajuda a superar obstáculos da vida”, revela. Lendas do Céu e da Terra, de Malba Tahan, e Horizonte Perdido, de James Hilton, são dois outros livros com mensagens positivas. As obras se empenham em mostrar o “real” valor da vida, e, assim como em relação aos personagens das histórias, somos levados a acreditar “que o desapego dos prazeres materiais é o melhor caminho”. Mas, ao mesmo tempo em que esses livros nos direcionam para uma espécie de felicidade infinita, sabemos que se trata de obras ficcionais: Shangri-la, por exemplo, é uma utopia.


LITERATURA

Enorme sucesso Como única certeza, pode-se dizer que tais livros fazem grande sucesso mundo afora. Para Morando, eles são resultado da indústria cultural e de um momento de busca de misticismo e espiritualismo, iniciado nos anos

1970. Como produtos, as obras geram lucro e, provavelmente, continuarão a ser publicadas. O professor também justifica a notoriedade do brasileiro Paulo Coelho. “Seu sucesso devese aos mesmos motivos de qualquer obra de autoajuda: são textos fáceis de serem lidos, que repetem o mesmo padrão na construção do enredo. Além disso, têm a finalidade de transmitir ensinamento edificante, com função espiritualista e apelam à emoção”, explica, ao lembrar que, no caso de Coelho, há, ainda,o apelo místico, ligado ao sobrenatural. A pedagoga concorda com o professor: o caráter místico nas obras de Paulo Coelho não lhe chama tanta atenção quanto outros gêneros.

ENQUANTO ISSO...

Enquete nos sebos do Edifício Maletta revela que livros “inspiradores” são procurados ou esquecidos. Em baixa: livros do Paulo Coelho O menino do dedo verde Nem lá nem cá: Fernão Capelo Gaivota Lendas do Céu e da Terra Em alta: série Pollyana livros espíritas Acima de todos: O Pequeno Príncipe

DANILO SILVEIRA

Casos e casos A psicóloga Sonia Herbig é bastante flexível quanto ao estilo autoajuda, mas defende que há casos e casos: “Acho que tais livros podem ou não ser benéficos, a depender de cada histórico. Penso nisso porque o efeito da leitura vai depender de quem está lendo, do momento que a pessoa vive, e, principalmente, do objetivo do leitor”. Sonia vai além e explica que, em se tratando de se apegar à autoajuda como salvação dos problemas, o tiro

pode sair pela culatra: “Dependendo das ideias propostas pelo livro, pode ser mais negativo do que positivo. Principalmente, se o paciente tomar como verdades absolutas. Se autoajuda oferecer receitas genéricas para a solução dos problemas, não acho benéfico. Como cada ser humano é único, penso ser importante considerar com cuidado o conteúdo da leitura e sua aplicação”, conclui.

Com acervo amplo, sebos como o Amadeu são ótima opção para quem procura livros raros

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RAIAN PINHEIRO

Trata-se de lugar constantemente procurado, dentro de si, numa frustrante tentativa de ter toda a sobriedade emocional na vida. Mas isso seria possível?

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DELÍRIOS OU VERDADES? A história criada por Richard Bach, em Fernão Capelo Gaivota, personifica em uma gaivota todos os anseios dos seres humanos, que estão sempre em busca de realizar seus sonhos, mesmo aqueles que parecem inatingíveis. O Pequeno Príncipe, de Saint Exupèry, considerado pelo autor como um livro “para adultos”, além de ter “cativado” milhares de crianças mundo afora, conquistou pessoas de todas as idades, batendo recorde de edições e vendagens. Hoje em domínio público, o principezinho encontra-se em várias versões. Há, inclusive, uma adaptação da obra por Maurício de Souza, com os ilustres personagens da Turma da Mônica. A persistência do garoto que veio de um minúsculo planeta, o B-612, sua devoção por uma rosa, que considera única no mundo, sua passagem pela Terra, que o fez ser amigo de uma raposa, e até mesmo cair na conversa de uma serpente, é “um chamado para que retomemos nossas vontades e verdades, para que olhemos para dentro de nós, e repensemos em nossos valores”. A obra é uma espécie de alterego para o leitor. Temos a sensação de que o pequeno príncipe da história está dentro de nós, nalgum canto da alma, ainda que escondidinho, pois somos direcionados a crer que devemos cativar as pessoas e, o mais difícil, que assim sendo, nos tornamos eternamente responsáveis por elas. Em Brida, Paulo Coelho segue a personagem em sua jornada para compreender quem é e qual o seu propósito de vida. São apenas alguns exemplos de como os livros nos deixam mensagens que serão lembradas e carregadas pela vida toda, até que, um belo dia, fazemos tudo ao contrário. O caminho pode ser florido, mas haverá espinhos. E são eles que dão sentido à vida, tão apregoado em tais obras.


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TRAMAS CONTEMPORÂNEAS

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VOCÊ JÁ VIU TRAVESTIS À LUZ DO DIA? VICTÓRIA TRIGUEIRO

VICTÓRIA TRIGUEIRO

Lúdicos assumidos e competitivos: grupo realiza “Gaymada” em via pública para dialogar sobre preconceitos

Sob as cores do arco-íris e debaixo de chuva, grupo LGBT disputa jogos nos quais o placar é o que menos interessa

Areton Rodrigues Marcelo Gomes Tainá Silveira Victória Trigueiro Vai começar o jogo. Perucas coloridas, roupas apertadas, maquiagem extravagante. No lugar de camisas de times, blusas brilhantes; no lugar de tênis, sapatos de ursinho. A 7ª edição do Campeonato InterDrag de Gaymada reuniu grande público no Parque Municipal de Belo Horizonte, num sábado de sol e chuva. Só faltou o arco-íris. O grupo de artistas Toda Deseo criou o Campeonato InterDrag de Gaymada com a intenção de mudar a ideia, comum no imaginário coletivo, de que a comunidade “trans” só vive à noite. O evento também procura promover o contato das minorias com uma di-

versidade de pessoas, de crianças a idosos, e estimular a comunidade LGBT a acessar bens culturais, o que, muitas vezes, não acontece devido ao preconceito. De forma lúdica e descontraída, vários times disputam um campeonato de queimada, mas pouco preocupados com a competição. O que importa, mesmo, é interligar segmentos sociais de forma divertida. O centenário Parque Municipal Américo Renné Giannetti, criado para a elite mineira, recebia, em seu início, um público conservador, o que ofuscava a homossexualidade. Hoje, porém, o local serve para agregar direitos aos LGBTs. Uma das organizadoras do evento, Érica Hoffmann, da Toda Deseo, diz que o evento busca discutir as questões de gênero em

âmbito aberto, com direito à participação do público em geral, a fim de construir uma ideia de família mais abrangente e inclusiva.

Vanusa O aquecimento coletivo dá início à cerimônia, liderado pelos organizadores. Muita dança e alongamento. Lady Gaga, Madonna, Valeska Popozuda, Karol Conka e outras cantoras ditam o ritmo. Os participantes se preparam para a partida. Na abertura, uma dança com bandeiras: a colorida bandeira gay, a transexual, e, é claro, as bandeiras de times que participam do campeonato. Tudo ao som do Hino Nacional, na versão de Vanusa. Sim, aquela cheio de erros, capaz de revelar como está a aceitação das diferenças pelo brasileiro.

Os espectadores, ansiosos, vibram ao decorrer do jogo. O juiz salienta as regras, tais como a proibição de lances violentos, para manter a disputa agradável, e também reforça a premissa de que o intuito do jogo é, apenas, a diversão. Mesmo que seja campeonato pacífico o campeonato, porém, houve um episódio de preconceito conhecido como “gordofobia”. Mesmo com a multiplicidade de equipes, os espectadores que já conheciam o campeonato estavam lá por dois times em especial. O grupo Hoje Acordei Perfeita (HAP), formado, inicialmente, por componentes que se sentiam deslocados durante a infância em relação à bipolaridade de gênero, principalmente, nas aulas de educação física. E a equipe das

Em um lugar para celebrar a diversidade, não deve haver nenhum tipo de discriminação, certo? Nem tanto. Um jogador foi vítima de agressões verbais por parte da torcida, que o chamava de gordo, de modo pejorativo. Quando os organizadores perceberam as agressões, chamaram a atenção do público e ressaltaram que nenhum tipo de discriminação seria tolerado.

E MULHER, PODE? Em entrevista com Tiago Maurity, integrante da Toda Deseo, perguntamos se mulheres também podiam se montar e participar do campeonato. Foi direto: “Claro que sim!”. A Gaymada foi feita para ser uma confraternização aberta ao público, sem segregação de gênero e orientação sexual. Se alguma mulher quiser se montar como Drag, será muito bem-vinda. VICTÓRIA TRIGUEIRO

GORDOFOBIA


TRAMAS CONTEMPORÂNEAS

VICTÓRIA TRIGUEIRO

VICTÓRIA TRIGUEIRO

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VICTÓRIA TRIGUEIRO

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A vitória que se busca é a promoção do respeito e da cidadania, já que cada pessoa é livre para fazer o que bem entender

Se você acha que a roupa extravagante e a maquiagem escandalosa são exclusivas da comunidade LGBT, você está enganado. Heterossexuais eram bem vindos, e um dos agitadores do campeonato era deficiente auditivo. A limitação não o impediu de curtir a festa e de dançar muito com todos os outros participantes e espectadores. Transursas, que começou focado no público “bear” – nomenclatura usada para homens gays de grande porte e peludos –, mas, hoje, conta com vasta pluralidade de integrantes, pertencentes a todas as orientações sexuais e identidades de gênero.

Falando da chuva Como é verão, as chuvas de fim de tarde assolam o evento. Apesar dela, nada atrapalha o ânimo dos participantes. O público continua a comemorar cada lance, mesmo com o chão alagado, o que poderia gerar, até mesmo, acidentes com jogadores desavisados. No meio de uma das partidas, quando o toró dá uma pausa, o juiz anda entre os torcedores para pedir uma bolsa de maquiagem. Ele precisava retocá-la. Depois de ter seu pedido atendido, ele volta ao campo de

partida e começa a se maquiar, deixando claro que, se algum jogador, por acidente, acertar a bola nele, será expulso no ato. Como já é de costume, quem gosta do evento sempre quer voltar. Foi o que aconteceu com o casal César e Davi, respectivamente, servidor público e representante comercial, ambos de 49 anos. César, que esteve na última Gaymada, foi quem trouxe o parceiro. Os dois salientam, aliás, que o evento, infelizmente, foi pouco divulgado. David Maurity, 28, mestrando em Letras e um dos organizadores, ressalta que, por não terem recursos para grande divulgação, ficam restritos à divulgação no Facebook, que ele próprio classifica como ‘‘mídia espontânea’’. Ainda assim, ele destaca a importância

GAROTA NA CHUVA Mesmo com a chuva forte e interminável, a equipe de jornalismo do UniBH não desistiu da cobertura do evento. Conseguimos finalizar o trabalho com as roupas encharcadas e, provavelmente, todos os papeis molhados na bolsa, mas com a prazerosa sensação de dever cumprido. Nossa estreia no IMPRESSÃO! de as pessoas compartilharem o evento nas redes sociais para alcançar, a cada edição, públicos maiores. Quando todos os esforços de jogar na chuva se esvaem, o juiz, que já está com a peruca e as roupas encharcadas, decide encerrar a partida, dando fim ao campeonato. Na contabilidade geral, algumas vitórias, alguns desentendimentos, mas, também, sem sombra de dúvidas, muita diversão para os espectadores e, também, para os jogadores.

Falta de incentivo Dados de pesquisa do site Planet Romeo evidenciam o nível de felicidade dos gays em diversos países, entre eles, o Brasil, que ocupa a 39° posição no ranking. Questionado se a Gaymada poderia ajudar a alavancar a posição do Brasil em outra eventual pesqui-

sa, Maurity acentua que, por ser muito local, o evento não teria impacto tão grande. Para tal, haveria necessidade de maior visibilidade, com uso de leis de incentivo a eventos. Além disso, seria preciso vencer um dos mais difíceis impasses: abordar a diversidade sexual em locais públicos. Fica evidente a falta de incentivo do governo a programas como estes. Como ressalta Maurity, muitas vezes, os investimentos para os campeonatos saem do bolso dos próprios integrantes do grupo teatral. Dessa forma, fica impossível garantir maior visibilidade em outras regiões. Seriam necessários projetos de inclusão social, com incentivos destinados, exclusivamente, a eventos que visam a estimular a ocupação de espaços públicos como forma de interação social.

O OLHAR DA GRINGA Em entrevista com a nova-iorquina Patrícia, descobrimos que, em sua cidade, celebrações como a Gaymada não existem. Segundo ela, shows de drag queens são bem comuns, mas apenas em espaços fechados e em lugares de difícil acesso. Por lá, a própria comunidade LGBT discrimina as drags e transexuais. VICTÓRIA TRIGUEIRO

100% INCLUSÃO


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UM DIA NO...

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REFLEXOS DO SOL NASCENTE CLARISSE ANTUNES

Repórter revela suas impressões do 5º Festival do Japão em Minas

Entre kabuki, tambores, performances e máscaras, a terra do Sol nascente veio para o Brasil. Amantes da cultura ocidental celebram os saberes de um povo que forjou seu conhecimento na paz

Clarisse Antunes

Samurais, animes, katana, sakura, sushi, judô, shoyu, origami. Palavras bastante familiares, não?! Quem visitou o 5º Festival do Japão em Minas pôde descobrir vários costumes e expressões oriundos da chamada “Terra do Sol Nascente”. Não podemos deixar de falar dos traços japoneses, que tanto se destacam na riqueza cultural brasileira. Com a imigração nipônica, arraigou-se, no Brasil, um conjunto de símbolos, valores e hábitos. As várias familias nipo-brasileiras são responsáveis por manter presentes e ativos estes costumes no país, dando continuidade às tradições de gerações anteriores. O Festival do Japão, já em sua 5º edição em Belo Horizonte, proporciona diversas opções de entretenimen-

to. Assim que cheguei ao evento, pude ver a quantidade de stands espalhados por todo o pavilhão do Expominas. O comércio era diversificado: vendiam-se as famosas espadas samurais (katanas), camisetas com estampas de personagens famosos de animes e grupos musicais, chaveiros, bottons, leques e artigos comercializados somente no Japão, como louças e cerâmicas tradicionais. Havia locais destinados a oficinas gratuitas (mangá, origami, kirigami e pipamodelismo), exposições de Ikebana e “Harajuku fashion”, área da cerimônia do chá e as salas de Palestra Internacionalizada BH, onde foram realizados debates diversos sobre cultura japonesa, turismo etc. Outra atração era a área gastronômica, com pratos típicos da cultura japonesa e que também fazem

muito sucesso entre os brasileiros. A propósito, quem não conhece o famoso sushi?! Tipicamente, um prato de sushi é servido com dois acompanhamentos: o gengibre e o wasabi, uma espécie de tempero feito da Wasabia japonica, uma tipo de raíz forte. Não imaginava que as encontraria em forma de sorvete. Fiquei curiosa para saber a versão doce de duas iguarias fortes, marcantes e aromáticas, no caso do gengibre, e não hesitei em comprar para tirar minhas conclusões. Eu me surpreendi com o resultado: o sabor do sorvete de wasabi mantinha um pouco de sua ardência natural e ficava refrescante logo em seguida. O gengibre, no entanto, era mais forte do que o sabor usualmente conhecido. A estudante Amanda Maia, de 16 anos, foi pela primeira vez ao fes-

tival e ficou encantada com a organização do evento e a variedade do comércio, mas, principalmente, pela gastronomia: “Achei interessante que quase todos os doces têm feijão no meio. Mas a comida é maravilhosa! Achei lá uma sopa chamada missoshiru, que comi quando tinha 10 anos. Meus olhos até brilharam”, descreve.

Dia a dia No primeiro dia, o público infantil predominava. Crianças do programa educacional do Serviço Social do Comércio (Sesc), uma das intituições patrocinadoras do evento, e de duas escolas públicas se encantaram com o ambiente animado e cheio de novidades. Algumas assistiam a shows de mágica e música pop, outras interagiam com os monitores do evento e com

os próprios músicos. Corriam para contar aos amigos o que haviam encontrado de novo; uma alegria só! No segundo dia de festival, a apresentação de dança do grupo Ryukyu Koku Matsuri Daiko, de Brasília (DF), chamou atenção. Gestos peculiares, fortes na batida dos tambores conduzidos pelos próprios dançarinos, junto a movimentos sincronizados de braços e pernas, criaram bela impressão visual, que representaram muito bem o estilo de dança japonês. Pouco a pouco, o público se concentrava frente ao palco para acompanhar atenciosamente a apresentação. A alegria e a concentração dos integrantes eram evidentes e cativaram o público, que aplaudiu de pé ao final do show. As oficinas estavam cheias. Muitos demonstraram interesse e queriam participar de al-

guma atividade. Todas eram comandadas por instrutores especialistas - japoneses ou nikkeis*. Liderada pelo artista Ricardo Yoshio Okama Tokumoto, a oficina de mangá se destacou como a mais frequentada. Foram ensinadas noções básicas para desenhar rostos, olhos, nariz e boca, seguindo as características e os traços de personagens de animes. Este sucesso se deve ao fascínio dos brasileiros, inclusive por parte do público jovem, pelo gênero, que, a partir dos anos 1990, se tornaram amplamente conhecidos e, até hoje, conquistam fãs por todo o país. Daí surge o interesse por outros aspectos da cultura japonesa, como a música (principalmente, o J-Rock e o J-pop) e o próprio idioma. Vários cosplayers compareceram ao festival, em maior número no


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UM DIA NO...

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terceiro dia. São como verdadeiras atrações. Notáveis pela perfeição de caracterização, ficando quase idênticos ao personagem. Mas não é simplesmente uma questão de aparência. Deve-se encarnar o personagem, incorporar suas características e agir como tal. Fiquei surpresa, em particular, com o cosplay de Wade Wilson, do filme Deadpool, muito bem caracterizado. Thiago Henrique, de 28 anos, que estava por trás do personagem, comenta: “Fui ao evento para curtir

o cosplay que fiz. Costurei a máscara, me empenhei e deu tudo certo”. Constantemente requisitado para fotos principalmente, com os jovens -, ele também chama a atenção para a organização do espaço: “Gostei do posicionamento do palco, que ficou em um lugar com boa visão para as pessoas. Fora da parte central, proporcionou mais liberdade aos stands”. Outra atividade de destaque foi a oficina de pipamodelismo, liderada pelo engenheiro Ken Yamazato**.

Para chamar a atenção dos visitantes, algumas pipas eram empinadas, pelo professor, ali mesmo no espaço da oficina. As pipas japonesas se destacam não só pelas cores fortes e chamativas, mas, também, pela simbologia das imagens que trazem consigo - a exemplo de atributos à vida longa (cegonha ou tartaruga), prosperidade (dragão), conhecimento (Sugawara, Deus do Aprendizado) e faces de demônio para talismã contra a maldade. *Nikkei é a denomi-

nação para descendentes japoneses nascidos fora do Japão ou para japoneses que vivem regularmente no exterior. **Ken Yamazato é um professor e engenheiro mecânico que, movido por sua paixão pelas pipas desde criança, conquistou dezenas de premiações em campeonatos e festivais de papagaio. Inclusive, entrou no Guinness Book Brasil 98, ao empinar um “trem” composto por 242 pipas. Em 1999, chegou à marca de 3.344 pipas empinadas em uma única linha.


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VOCÊ JÁ LEU?

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PARA LER EM QUALQUER LUGAR Entre construção narrativa e bom humor, crônicas de Luis Fernando Veríssimo cativam novos leitores Rúbia Costa

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Luis Fernando Verissimo, em Comédias para se ler na escola (Rio de Janeiro: editora Objetiva, 2001), traz crônicas com temas pinçados do cotidiano: família, emprego, política, turistas etc.. São assuntos comuns ao dia -a-dia dos brasileiros, organizados em livro pela escritora, jornalista e professora carioca, Ana Maria Machado. As 35 histórias, di-

vididas em seis seções, se passam em diversos cenários: casas, ruas, locais públicos, até mesmo no céu. O título do livro sugere um tom de humor inteligente, leve, divertido e com uma linguagem coloquial, o que permite o convite a pessoas que não estão habituadas com a leitura e às que são curiosas e amantes de boas histórias. Nenhuma crônica produzida apresenta o mesmo nome do li-

vro e cada uma tem uma essência própria criada por meio da linguagem fácil utilizada. Elas transmitem o espírito de experiências, lembranças, emoções e fatos vivenciados por Verissimo. Aspectos do cotidiano são retratados pelo autor por meio de um olhar de conhecimento, adquirido ao longo da vida — carregado de ironia, sensações e imaginação. É o caso da crônica “Hábito Nacional” (p..85) em que

a crença religiosa, no aspecto da vida após a morte, é utilizado para ironizar o perdão concedido a todos, já que Deus é brasileiro. “- Mas como é que o Todo Poderoso não castiga essa gente? E São Pedro desanimado: - Sabe como é Brasileiro.” (p.86). O vocabulário é um destaque à parte, caracterizado pelo uso de estrangeirismo, aumentativos, diminutivos,

figuras de linguagem e onomatopeias. O autor torna os textos mais expressivos e envolventes, com um ritmo próprio para a leitura. Verissimo apresenta uma visão de mundo atual, em cada uma de suas crônicas, embora sua publicação tenha 15 anos e o país, na época, convivesse entre escândalos e CPIs. Suas narrativas proporcionam aprendizado e reflexão para o leitor de hoje. Sua maneira de enxergar as diferentes situações da vida permite a ampliação de novas interpretações e sentidos para as coisas. Os diálogos criam um ambiente intimista, familiar e brasileiro. Mesmo que Verissimo não dialogue diretamente com seu leitor, essas características criam a sensação de proximidade entre eles. Por exemplo, na crônica A foto, na página 37. O autor realiza a construção de argumentos emotivos, humorísticos e racionais, como, por exemplo na crônica “ABC”. “Vó vê a uva! Toda a nossa inquietação, nossa perplexidade e nossa busca terminariam na resolução deste enigma primordial. Vovô. A uva. Eva. A visão” (pág,115). A subjetividade do cronista, repassada nas histórias, permite imaginar cada detalhe, reviver sentimentos perdidos, até mesmo deixados em nossas lembranças. Assim, a admiração pela relação familiar entre pais e filhos recebe destaque de Verissimo, na crônica “Espada”.

“O pai está impressionado. Não reconhece a voz do filho. E a gravidade do seu olhar. Está decidido. Vai cortar as histórias em quadrinhos por uns tempos”, (p.19). O mesmo ocorre com o sarcasmo utilizado na denominação das siglas, no processo de criação de um partido, na crônica “Siglas” (p.135). O livro mostra que leitura e construção de textos vão além da junção de sílabas e da criação de frases. Elas representam nossos olhos e ouvidos frente aos anseios de nosso país. Cada um de nós cria novas narrativas. Aprendemos a ser personagens e narradores, ao começarmos pela pergunta “Quem sou eu?”, buscando a essência do homem que, independentemente do seu contexto, procura novas maneiras de contar suas histórias.

O autor Em 1936, ano em que a Rádio Nacional era criada, nascia Luis Fernando Verissimo, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Casado, pai de três filhos iniciou sua carreira no jornal Zero Hora, em 1966. Entre seus trabalhos destaca-se a criação do quadro Planeta dos homens, para a Rede Globo e a série Comédias da vida privada, originalmente publicada como livro. Como escritor, publicou vários livros, entre eles: A grande mulher nua, Amor brasileiro, O popular, O analista de Bagé , A mesa voadora, Traçando Nova York, dentre outros.

FICHA TÉCNICA Título: Comédias para se ler na escola Autor: Luís Fernando Veríssimo Editora: Objetiva Ano: 2001 145 páginas


VOCÊ JÁ VIU?

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ARTE COMO TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: Filmado ao longo de dois anos – entre agosto de 2007 até maio de 2009 –, o documentário Lixo extraordinário (Waste land), acompanhou o trabalho do renomado artista plástico brasileiro Vik Muniz, realizado em um dos maiores aterros sanitários do mundo: o Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro. Vik, em suas obras, propõe a utilização de materiais inusitados, que, não raras às vezes, vão ser descartados. Assim como ele, no aterro do Jardim Gramacho, um enorme grupo de catadores trabalha separando materiais recicláveis do lixo para dali tirar seu sustento. Durante sua trajetória, Vik expôs suas obras em vários lugares mundo afora, e pode sensibilizar as pessoas com seu trabalho. No novo projeto, junto com a diretora Lucy Walker, o artista tem a oportunidade de apresentar ao público as pessoas que trabalham no aterro. De forma singela, os catadores que se viam de maneira tão pequena, quase invisíveis para a sociedade, passam a se enxergar como importantes indivíduos. A ideia da arte usando o lixo como objeto principal ganha espaço e esses personagens compreendem o seu valor. O artista plástico, também surpreendido, muda a sua concepção no tocante àquelas pessoas. O aterro,

antes considerado um lugar perigoso e o “fim da linha” para muitas pessoas, mostra-se um ambiente carregado de ideias boas. O longa segue os passos de icônicos personagens: Tião, presidente da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho (ACAMJG); Valter dos Santos, vice -presidente da entidade, orgulha-se pela longa experiência como catador; a cozinheira Irmã que sempre oferece a refeição; Magna; Suelem; Isis e Zumbi, são apenas alguns nomes, que destacam-se em meio à tantas histórias. Vik escolhe fazer retratos desses personagens e cria belíssimas imagens com diversos materiais colhidos no aterro. O trabalho emociona e coloca seus “modelos” numa posição nunca antes imaginada. Tião, Magna, Suelem, Isis e Irmã são apresentados às suas obras de arte. Depois de pronto, os quadros foram a leilão e toda a renda revertida para os catadores do aterro do Jardim Gramacho. Os retratos foram expostos no Brasil, batendo recorde de público; cerca de um milhão de pessoas viram a exposição “Retratos do Lixo”. As obras arrecadaram mais de 250 mil dólares. O longa ainda ganhou alguns prêmios, dentre eles, o de melhor documentário internacional no Festival Sundance, o

FICHA TÉCNICA Título: Lixo extraordinário País: Brasil, Reino Unido Diretora: Lucy Walker Codireção: João Jardim, Karen Harley Elenco: Vik Muniz Gênero: Documentário Data: 2010 Duração: 99 min Indicado ao Oscar de melhor documentário

prêmio do público de melhor documentário na mostra panorama no Festival de Berlim, e o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, como melhor documentário. Infelizmente, o aterro do Jardim Gramacho foi fechado em 2012, e todos aqueles que lá trabalhavam foram au-

xiliados para fazer essa transição. A ACAMJG tornou-se líder nacional e mundial do movimento dos catadores de materiais recicláveis, sob o comando de Tião. Não há a menor dúvida, todos aqueles personagens tiveram suas vidas mudadas pela arte.

REPRODUÇÃO

Ana Carolina Reis

REPRODUÇÃO

Documentário Lixo extraordinário revela a incrível jornada dos catadores do Jardim Gramacho


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CRÔNICAS

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COMO SE NÃO TIVESSEM CHÃO

Bruno Costa

trens, táxi, carros e outros meios de transporte. Horários para acordar, sair de casa, chegar à faculdade, ao trabalho, voltar para casa e até mesmo horário para dormir. Não que isso seja ruim, salvo quando você deixa algum desses itens por fazer. Há aqueles que não podem atrasar um minuto que seja. Apressado; sempre inquieto, olhando minuto a minuto o relógio no pulso. Aparentemente sai de casa sem ter tido os devidos cuidados com a roupa e a aparência. Uma pessoa que de longe se nota que não dorme mais que seis horas diárias. Nesta realidade vive BH e o mundo.

BH não é de longe uma cidade pequena, já não se pode ir de uma ponta a outra com rapidez. A cidade não ficou somente entre a Av. do Contorno, parte projetada desse grande canteiro de obras. A vida pacata aqui resistiu somente em relatos de livros e lembranças, como as poucas que restaram de Curral Del Rey, cidade pequena, destruída para dar lugar a uma capital que tinha como meta a evolução. O êxodo foi intenso. Há relatos da vinda de cidadãos do mundo inteiro para a construção desse centro urbano. Estima-se que 5 mil homens chegaram aqui

para trabalhar nesse projeto inovador. Hoje as idas e vindas vem daqui e dali. De lugares diversos da própria capital mineira. Que cresceu; cresceu como o bolo feito com carinho pelas mãos da bondosa avó. Aquela que pelas tardes ia para a cozinha, preparar aqueles quitutes para agradar a família e os vizinhos. Falando em idas e vindas, entre Antônio Carlos e Mario Werneck são incontáveis o número de pessoas que passam transitando pelas ruas. Este caminho corta ao meio o centro da cidade. Carros vão e carros vêm, noite e dia. A própria rodoviária é

rasgada para se concluir o percurso. Dentro dos seus veículos, na maioria das vezes, não se tem tempo para sentir a realidade humana daqueles que andam por aí. Pessoas vêm e vão por aí, caminham; caminham como se não tivessem chão. E na maioria das vezes não passam de mais um dentre tantos outros. As nossas viagens são tantas que já não paramos para observar o outro. Dar passagem a alguém significa perder tempo, o horário de entrada no trabalho, aquele compromisso importante e, assim, deixar de prosseguir na sua viagem.

WILLIAM ARAÚJO

Sair de um lugar a outro nunca foi fácil. A hora do encontro, como diz a música de Milton Nascimento, também é à hora da despedida. A quantidade de pessoas que precisam sair do seio de suas famílias diariamente é grande, elas vão à procura de trabalho, estudo e qualidade de vida. Isso acontece desde o início dos tempos. O êxodo, relatado na escritura sagrada dos cristãos, a Bíblia e na Torá dos judeus, narra uma viagem duradoura pelo deserto, quiçá, a mais longas de todas elas. Na história, foram

40 anos. Muitos dos que começaram o percurso nem de perto viriam às tais terras prometidas. Mas, porque não comentar do êxodo ocorrido dia após dia aqui no Brasil? Quantas vezes não nos deparamos com cenas no terminal rodoviário de famílias inteiras correndo da seca, da fome. Como bem nos disse Graciliano Ramos em Vidas Secas, seu cruel e genial romance. As viagens são muitas. Não podemos estranhar aquelas pessoas que se sentem viajando por dentro da própria cidade na qual residem. São duas, três horas dentro de ônibus,

EU SOU DE UMA TRIBO

William Araújo

Há alguns anos vi, no canal National Geographic, a história de uma tribo da qual, infelizmente, esqueci o nome. Mas enfim, que história! A tribo habita (acho que, ainda) a remota faixa meridional do Saara, entre o sul da Líbia e o norte do Sudão, região mais seca do leste da África. Lá, ventos quentes e fortes assobiam, revolvem a areia e erguem dunas de trezentos metros de altura; descobrem, de outro lado, os morros e rochas do lugar. Essa tribo, de duzentas pessoas, firmara choças - cabanas de barro e gravetos - na encosta de um morro e, diferente dos Masais ou Tuaregues, não era nômade; nunca cortara o Saara andando. Vivia basicamente da agricultura rasteira, de cabras e cactos, de leite e grão.

Pacífica, a tribo não dispunha de vizinhos e, civilizada, nunca precisou contar com a tecnologia do pseudo progresso. Assistia quieta, de longe, do alto da pequena montanha a passagem de extensas caravanas de camelos que cruzavam o deserto. Mas “de longe”, também, o que me impressionou foi uma absurda peculiaridade da região. Não bastava o ambiente hostil - pouco comum - grandes rochas e ventos fortes; a chuva caía apenas uma vez ao ano, no mesmo período e durante a mesma quantidade de tempo. Era isso o que fazia a tribo ser tão singular. Enquanto outros clãs decidiam pelo deslocamento para algum lugar mais úmido, essa tribo permanecia inerte, aguardando ansiosa pelo dia do ano em que as ter-

ras seriam encharcadas. Homens e mulheres se dividiam durante o dia, no entanto, amontoavam-se à noite para rituais – considerados, por mim, pagãos. Eram ritos fúnebres, de puberdade, de alimentação, de descanso, de vida e entre outros, o mais importante, cultos à chuva. Eles cultivavam plantas carnudas, que, sazonalmente, eram drenadas, oferecendo o mínimo de água à vida dos homens, mulheres e crianças, nessa ordem. O leite das cabras era tratado e ofertava a gordura necessária para uma dieta rica em carboidratos. Ademais, periodicamente, de 30 em 30 dias, 25 homens se aventuravam por mais de 60 km - cheios de lanças e bolsas d’água - para encontrar lagos e poças, os quais perduravam na estiagem

por vários meses. Eles voltavam cantando alto para que as mulheres pudessem ouvi-los à distância e cavassem os novos grotões que iriam encher. Diariamente, os garotos que ficavam na tribo levavam as cabras ao sopé do morro para beberem do grotão. Os mais velhos, porém, ainda na pequena montanha, ensinavam as crianças. As mulheres, diferentes daqueles homens nus, trajavam pardos tecidos claros da cintura para baixo, enquanto os cabelos, todos em grossos trançados, finalizavam a composição. Era comum vê-las com bebês pendurados nas costas enquanto desempenhavam o - antiquado - papel feminino daquele grupo. Elas cantavam, ordenhavam, cozinhavam e, ainda, amavam.

A tribo sobrevivia com o mínimo durante vários meses, trabalhando à míngua. Repetiam, cotidianamente, sem sábados nem domingos, as mesmas funções. Mas quando, do alto do morro, viam as nuvens se aglomerando no horizonte, iniciavam o ritual da chuva. Nestes dias, em contagem regressiva, a rotina da tribo mudava. Começavam a usar o estoque, com a intenção de esgotar a despensa. As mulheres vestiam agora roupas vermelho ocre e os homens dançavam todos os dias debaixo do céu crepuscular. O gado mais velho era morto e sua carne distribuída; as plantas eram usadas em saladas e enriqueciam os pratos. Por fim, parecia que a tribo estava sendo estúpida e, perigosamente, acabando com as chan-

ces de sobrevivência. Eis que então, como levada pela fé, a chuva aborda a tribo após 20 dias. Ela toca a encosta do morro e silencia a população; encorpa torrentes que descem velozmente, irrigando a plantação. Enche poços – secos lagos -, inunda planícies e desenruga a terra. A vida refestela por dois dias naquele chão. E sabe o que as pessoas fazem nesse dia? O mesmo que fiz, em Belo Horizonte, após nove meses de sertão; escapando do escaldante sol e suportando as noites de inverno que pareciam verão. Quando senti o vento fresco balançar a minha janela; ouvi o barulho cuco das telhas se rendendo àquele tiroteio molhado; vi a poeira, a cada pingo, espalmar no asfalto, desci e saí para me molhar.


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