desdobramentos do Elevado Costa e Silva trabalho de graduação integrado
natália de oliveira penna
trans gres sões
trans gres s 천 e s desdobramentos do Elevado Costa e Silva
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO DE GRADUAÇÃO INTEGRADO 2
Este caderno apresenta o registro do processo projetual que têm como objeto de intervenção o Elevado Costa e Silva, na cidade de São Paulo. Trabalho apresentado como produto para a conclusão de curso de graduação.
natália de oliveira penna São Carlos, novembro 2013
aos que exaurem ao limite as possibilidades
'' (...) Ainda, a cidade é sempre uma obra em andamento, por isso sempre permite que se veja, com clareza, outras possibilidades de configuração, por isso ela demanda ações e sugere configurações, é fonte e alvo, sujeito e objetivo, ao mesmo tempo, das nossas ações no seu espaço'' (Bucci, 2003) [1]
Meus agradecimentos, aos meus pais, por sempre confiarem e acreditarem em minhas escolhas. À minha irmã Aline, pelo abrigo e a companhia nas diversas visitas de levantamento. Às amigas que se tornaram minha família há seis anos, pelo companheirismo, o apoio mútuo, pelas conquistas e pelos momentos de alegria nas longas noites de trabalho. Aos companheiros do trabalho, pelas distrações tão reanimadoras e pelas risadas; À Simone e ao Givaldo, pela orientação, pela confiança, e pelo resultado deste projeto. E ao Marcel, pelo incentivo, o amparo constante nos momentos de desespero; pela presença.
ÍNDICE
10 12 18 24 partido 32 intenções 62 proposta 68 referências iconográficas 144 referências bibliográficas 146 introdução anseios cidade área
[ introdução ] “Muito mais do que um espaço urbano fechado, recortado por ruas e avenidas, construído com blocos de concreto e lajes de aço a dominar todas as paisagens, a cidade é... um território de relações no qual cada cidadão/cidadã busca satisfazer suas necessidades e realizar seus quereres. (...) É uma realidade viva, pulsante. Ela é composta e compõe uma rede de fluxos de pessoas, mercadorias, matérias... energias em constante movimento.” (Lopes, J.C.C, 2006 apud Gavazza, N., 2013) [2]
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Questionar a forma como se dá a mobilidade em grandes centros urbanos foi o ponto que desencadeou o processo de investigação a ser explorado neste trabalho. Desta maneira, coloca-se em contraponto formas de planejamento urbano no que diz respeito ao modo em que nos locomovemos pelo espaço da cidade: do tipo que prioriza o transporte individual, em relação ao planejamento orientado às pessoas, para a escala do passo. A vivência de lugares cujos modelos urbanísticos destoam dos que se possuía por referência, fomentou questionamentos sobre as relações que estabelecemos uns com os outros, e com o próprio ambiente urbano e a forma intrínseca que essas relações surgem com o modo em que nos locomovemos na cidade. Perceber a mobilidade como algo que coloca a prioridade nos transeuntes, gerou um entendimento da rua como o espaço em que se dá o encontro de seus cidadãos, e percebendo neste espaço o momento em que pulsa a vitalidade urbana. Transgredir surge, então, como uma resposta à lógica viária estabelecida – esta que transforma a rua em um simples eixo de passagem, fazendo com que aquele que utiliza a cidade, pisando-a, passe a ter espaço apenas de travessia de parte significativa do solo urbano, exaurindo-se, nesse processo, o sentido do encontro. Pensar a cidade sobre uma lógica de planejamento orientado para as pessoas, tanto na forma de locomoção quanto na qualidade dos espaços livres, reverteu no desenvolvimento de um processo que transgredisse – inversamente – a lógica viária estabelecida. 11
[ anseios ]
Roma, Itรกlia
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Valencia, Espanha
Valencia, Espanha
Barcelona, Espanha
‘’under the seeming disorder of the old city, wherever the old city is working successufully, is a marvelous order for maintaining the safety of the streets and the freedom of the city. It is a complex order. It’s essence is intricacy of sidewalk use, bringing with it a constant succession of eyes.’’ (Jacobs, J., 1961) [3]
Experiências de cidades, particularmente em intercâmbio, provocou um olhar crítico do espaço urbano a partir de seus fluxos. Reconhecendo o andar como a forma essencial de praticar a cidade, interessei-me pela leitura do urbano a partir do fluxo de pessoas pelo espaço, identificando, nos pontos de confluência, os momentos do encontro e revelação máxima da pulsante vitalidade urbana. Conglomerações tendem a acontecer nos centros históricos de cidades antigas, já que estes se conformaram sob uma morfologia frágil e labiríntica que inviabiliza a entrada de um fluxo de transporte pesado. A formação de uma região ‘’ilhada’’, aglomerada de espaços livres, representa, dentro da complexa ordem urbana, um enraizamento. Tais espaços articulam a confluência dos corpos que se movem, criando palcos de encontro e estipulando relações entre habitantes e cidade. A percepção da situação particular, em que o fluxo de pessoas deixa de ser obstruído pelo fluxo de veículos, apresentou-se como essencial para o entendimento do tipo de olhar – mais atento – que o passante adquire, uma vez que lhe é concedida a liberdade do percurso. Povoar a cena urbana surge como elemento fundamental de intenção de projeto, entendendo, no fluxo de pessoas, o meio; e na forma de locomoção pela cidade, a característica base para a trama dos fluxos. 13
Dado este universo projetual, num primeiro anseio, surgiu o interesse de se trabalhar as orlas de rios urbanos, que são tratadas, em grande parte das cidades brasileiras, como espaços desprezados do imaginário urbano, e por isso degradados e marginalizados. A ação projetual se daria no intuito de revitalização da orla, criando um sistema de espaços livres que gerasse o percurso, configurandose como elemento articulador dos fluxos de mobilidade na cidade. Por outro lado, as super-estruturas viárias também foram despertando interesse como elemento de intervenção, por serem os objetos que protagonizam a cena das grandes metrópoles, e por representarem a negação dos tipos de fluxos e de vida pública que busco defender.
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PARQUE DEL MANZANARES
MADRID, ESPANHA
''Enfrentarse al problema que se nos presenta puede abordarse por el camino erróneo, pensando que el río es un accidente de la ciudad. Nada más lejos de la realidad, la ciudad es uno de los eventos propios del río. [...] A través del río el tejido urbano podrá descomprimirse, naturalizarse y alcanzar una continuidad de áreas verdes que cobraría dimensiones no imaginadas. Se trata de una verdadera oportunidad para hacer de la ciudad un lugar memorable.'' [4]
BOSTON'S BIG DIG
BOSTON, EUA
''As we re-consider the enormous impact that our auto-dominated culture has had on the nature of the cities, if it is illuminating to study how one old city transformed itself; first by responding to the promise of urban highway building, and then courageously seeking the recover from many of the problematic consequences of that earlier decision to construct an elevated highway'' [5]
HIGH LINE PARK
NOVA IORQUE, EUA
''Walking on the High Line is unlike any other experience in New York. You float about 25 feet above the ground, at once connected to street life and far away from it. [...] I have walked the High Line dozens of times, and its vantage point, different from that of any street, sidewalk, or park, never ceases to surprise and delight. Not the least of the remarkable things about the High Line is the way, without streets to cross or traffic lights to wait for, ten blocks pass as quickly as two.'' [6]
UMA CICATRIZ CORTA A CIDADE: SOLUÇÕES PARA O ELEVADO COSTA E SILVA SÃO PAULO, BRASIL ''A proposta do concurso de 'encontrar alternativas criativas para promover a reintegração do espaço do entorno e a adequação da área às normas de uso e ocupação do solo' fragilizou o debate de alternativas ao Elevado [...] Assim, em resposta à caracterização do Minhocão como 'cicatriz urbana' e ao apelo ao binômio criatividade/ viabilidade econômica colocados no Edital e no Termo de Referência, cerca de 80% dos projetos concorrentes se alinharam a uma solução curativa – de 'redução de danos' - aderindo à abordagem da cidade como corpo doente ressuscitada no concurso.'' [7]
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‘‘ [andar a rua] era um tipo de prática do espaço urbano que cada vez mais está deixando de existir. Então, ela é o espaço que deixou de ser praticado, é um espaço onde a gente se locomove, sem que os intervalos tenham qualquer significado, inclusive como objeto visual'' (Menezes, U.B., 1991, apud Martins, L.B., 1997) [8]
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[ cidade ]
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Olhar para as super-estruturas viárias armadas no espaço da cidade representa, para além da escolha feita pelo governo em relação à prioridade de meio de transporte, o quão vinculada esta escolha está ao uso do espaço público, à carência destes espaços e à sua qualidade. A intenção de se trabalhar intervalos em que a vida pública e a urbanidade se imponham mostrou-se, portanto, intimamente ligada ao sistema de mobilidade existente nas cidades, e no questionamento deste sistema. A busca por um sítio que apresentasse os enfrentamentos desejados – rede de mobilidade questionável e carência de espaços públicos que chamem à apropriação cívica – iniciou-se tendo clara a necessidade de um elemento essencial: a densidade. As super-estruturas também surgiram como condição, solidificando, portanto, um espaço em que o plano da superfície tornou-se insuficiente para suprir as necessidades viárias. Todas as circunstâncias encaminharam para a escolha, pensando em metrópoles do território nacional, da cidade de São Paulo. Por ser a cidade mais populosa e mais densa do país, São Paulo apresenta um sistema de transporte coletivo ainda precário (322 km de linhas metro-ferroviárias para 19 milhões de habitantes), e uma nítida preferência – provinda de uma política de incentivo à indústria automobilística que ultrapassa décadas – pelo meio de transporte individual, refletida em todas as escolhas de planejamento viário da cidade. Os viadutos passaram a ser protagonistas da cena da metrópole, por uma questão, primeiramente, topográfica, a vencer as dificuldades colocadas por uma geografia bastante acidentada, e posteriormente, por escolhas que encontravam no terreno da superfície espaço insuficiente para desdobrar as outras diversas camadas viárias necessárias para suprir a insolente frota de 2,2 habitantes por automóvel (fonte: SPTrans, 2011).
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CIDADE DE Sテグ PAULO 11 316 149 habitantes 7 383,11 habitantes por kmツイ 2,2 habitantes por automテウvel (fonte: IBGE 2010 / SPTrans 2011)
A história da principal metrópole brasileira é marcada por diversos momentos em que a eleição de propostas que priorizam a rede privada de transporte mostrou-se mais forte que aquelas que incentivam o transporte coletivo, e que trariam, vinculado a ele, o tipo de uso público buscado por este processo: em que os palcos do encontro retornam à vida urbana.
‘’ a abertura das primeiras estradas de rodagem (...) e o surgimento do culto do automóvel como sinal de modernidade situam-se no mesmo período e contexto das decisões políticas que recusavam o projeto do metrô da Light e optaram pelo plano de avenidas de Prestes Maia’’ (Rebollo, T. A., 2012) [9]
Um dos maiores símbolos da metrópole que retrata, tanto a enfática opção pelo automóvel, quanto a apropriação humana espontânea dada pela carência de espaços públicos, é justamente a super-estrutura elevada que pôde reunir todas as particularidades buscadas para o questionamento do modo de vivenciar a cidade, e às escolhas relacionadas à mobilidade urbana. Nela solidificou-se o objeto de investigação sobre o qual este trabalho se desdobrará.
ELEVADO PRESIDENTE COSTA E SILVA 4 leitos carroçados 3,5 km de extensão 2,7 km elevados 4,8 m de pé direito 15 a 23 m de largura horário: 6:30h às 21:30h capacidade: cerca de 5400 veículos/faixa/dia (fonte: CET)
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[ área ] ‘‘ [...] não demorou muito para que São Paulo realmente ficar refém do automóvel, que passou a cada vez mais exigir obras viárias sobrepostas à trama antiga de ruas, até chegar ao cúmulo de conseguir uma avenida instalada em cima de outra para seu uso exclusivo.Essa aberração é o Elevado Costa e Silva’’. (Lemos, C., 2010) [10]
As ambiguidades e arbitrariedades que o Elevado Costa e Silva (apelidado de ‘Minhocão’ pela forma serpeante que corre o trecho onde foi implantado) impõe inicia-se no período e na forma como se deu seu planejamento e instauração.
Plano de Avenidas de Prestes Maia - projeto urbanístico para a cidade de São Paulo, 1930. Em destaque: Primeiro (conhecido como Perímetro de Irradiação) e Segundo anéis perimetrais (o segundo não totalmente implantado), em cor preta, e o desenho do eixo expresso de elevados, fazendo a conexão oeste-leste, em branco.
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Plano de avenidas de Prestes Maia À luz da finalização do primeiro anel viário do Plano de Avenidas de Prestes Maia, tornou-se claro a necessidade de um segundo anel viário mais próximo que o estipulado pelo Plano (através da Av. Paulista e da Av. Angélica). Um plano complementar passou, então, a ser considerado: de viabilizar a futura execução de uma via expressa, que faria a conexão leste-oeste contornando o centro, através de artérias exclusivas, utilizando, para isso, métodos de segregação de nível – enterrado ou elevado. Situado em contexto do final dos anos 60, a proposta da via expressa elevada – que seguiria o percurso das avenidas Francisco Matarazzo, General Olímpio da Silveira, São João e Amaral Gurgel num primeiro trecho, e seguiria ora elevado, ora em túnel, até a baixada do Glicério, seguindo dali à zona leste – apresentada no governo de Paulo Maluf, foi bem recebida pelos representantes, que viram, além das questões técnicas e de eficiência viária, um ótimo momento para lançar campanhas propagandísticas da tecnologia investida na obra – ‘’maior obra em concreto armado da América Latina’’ – e de como ela refletiria a modernização de uma São Paulo metrópole. A obra, finalizada em apenas um ano, reflete a arbitrariedade da modernização pretendida, considerando que a via, que percorre o espaço distando apenas 5 metros dos edifícios lindeiros, foi implantada marginalizando-se estudos de impacto que a obra reverberaria na região, ou qualquer tipo de diálogo com a população afetada. Arbitrariedade condizente, no entanto, com o período militar ditatorial pelo qual o país passava, representativa de um governo preocupado com a transmissão de uma imagem de modernidade mais que com o bem-estar social.
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O Elevado Costa e Silva A peculiariadade do Elevado Costa e Silva em relação aos demais viadutos da cidade encontra-se tanto no fato de sua imposição, quanto no da condição urbanística em que foi implantado. A grande proximidade existente entre a massa de concreto e as edificações vizinhas ocasionou perda de qualidade de vida na área cruzada por ele, acarretando um esvaziamento populacional de uma das áreas tidas anteriormente como das mais elitizadas da cidade: o cartão postal paulistano. A pequena fresta remanescente nas laterais do elevado é insuficiente na exaustão de toda a fumaça gerada no espaço das avenidas agora enclausuradas, e permite pifiamente que uma nesga de sol possa atingir as janelas dos imóveis situados nos primeiros andares. Suspender o nível da rua à altura das janelas também ocasionou na reprodução excessiva dos ruídos de tráfego, implicando, já em 1975, no fechamento da via durante o período noturno e aos domingos. Apesar das tentativas, as condições levam os habitantes vizinhos a estarem sempre com as janelas fechadas: para impedir a entrada da fumaça, para minimizar o ruído ou, até mesmo, para preservar sua privacidade.
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Elevado Presidente Costa e Silva - desenho apresentado na proposta do elevado .
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Matérias retiradas do jornal O Estado de São Paulo
No nível do térreo os diversos estabelecimentos comerciais que ali prosperavam também sofreram com a construção do elevado, pois a rapidez do passo passou a imperar mais que o passeio. A degradação do trecho sob o viaduto afastou aqueles que caminhavam pela área, e a transformação da região em zona de puro deslocamento levou muitos comerciantes à falência. Em questão de pouco tempo, o perfil dos moradores e usuários dos 2,7 km, sombreados pelo elevado, mudou bruscamente, levando para a região pessoas de menor poder aquisitivo, que viram, na drástica desvalorização dos imóveis, uma oportunidade de aproximarem-se do centro.
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‘’[‘Vinte anos depois, o Minhocão ainda divide a cidade’] A divisão aqui ganha outro sentido, o da exclusão. O Elevado Costa e Silva colabora na criação de um novo lugar, cujos moradores se submetem às condições adversas, apenas porque a situação anterior mostrava-se ainda pior’’ (Martins, L.B., 1997) [8] 31
[ partido ]
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A hipótese de demolição do elevado começou a ser discutida quase concomitante com o momento de sua finalização, e tornava-se mais substanciosa a cada depreciação imobiliária a que a região era submetida. Neste ponto situam-se algumas das várias ambiguidades a que o elevado encerra: a reconstrução do espaço, dada pela mudança no perfil sócio econômico da área, acarretou um processo de construção identitária, em que os novos habitantes passam a ver no Elevado o seu espaço – seu lugar – pois encontram nele o elemento responsável pela sua localidade em uma região central da metrópole, que contrapõe o habitual processo de periferização a que costumam estar submetidos. A criação dessa identidade fragiliza a postura da demolição, e é reforçada a cada apropriação informal que ocorre na via suspensa nos períodos em que se proíbe o trânsito de veículos. Mergulha-se aí a questão, em uma série de discordâncias e ambiguidades que levaram a estrutura, 40 anos depois, a seguir com a mesma rigidez de quando foi concebida, mas pressionada, por um lado, por uma política que coloca na demolição a única possibilidade de regeneração da área, e, por outro, de uma que considera, nas apropriações humanas e movimentos artísticos, uma oportunidade de se reabitar o centro.
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As imagens expostas aqui buscam contextualizar a situação particular que o viaduto representa na paisagem urbana. Um percurso pela extensão do Elevado revela cenários captados de diferentes posicionamentos em relação a cidade: ao nível do solo e a seis metros acima do tecido urbano.
O Terminal Amaral Gurgel apresenta hoje uma situação bastante única dentro do cenário urbano, pois tem sua implantação às sombras do viaduto, utilizando a via como teto.
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Aos domingos, o asfalto que recebe cerca de 21 000 veículos por dia torna-se palco da apropriação humana das formas mais espontâneas. Um verdadeiro parque de concreto materializa-se, suprindo a necessidade de espaços livres da região.
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Por ter-se tornado um personagem tão marcante na paisagem paulistana, a estrutura do viaduto é constantemente transformada em tela para intervenções artísticas, que buscam dar visibilidade à esse objeto que naturalizou-se.
A política deficitária de gestão de auxílio aos moradores de rua tem seu reflexo em praticamente todos os pontos da extensão sob o Elevado. Na falta de casas de abrigo, os usuários das ruas encontraram proteção na cobertura do viaduto, fazendo daquele espaço seu lar.
A postura determinada no desenvolvimento deste processo provém principalmente de dois momentos de aproximação com os reais usuários do recorte escolhido para a intervenção. O primeiro deles ocorreu num filme-documentário que expõe, através do relato cotidiano e de entrevistas com moradores, a dinâmica existente no local, e o tipo de sentimento que os entrevistados compartilham com o lugar. Deste momento retirou-se a impressão de que a proximidade dos moradores com o lugar, dada inclusive pelo acompanhamento de sua construção, é geradora de um sentimento de pertencimento; de autoctonia. O dinamismo da região os atrai, e o local encontrado para viver é referido com um carinho identitário. .
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‘’A relação da proximidade dos habitantes com o minhocão, a interpretação como seu ‘’pedaço’’ e seu ‘’lugar’’, juntamente com sua apropriação, não apenas pelos habitantes do seu entorno mais próximo como de todo seu entorno, e, através de eventos populares que nele acontecem, por habitantes de toda a cidade, levanta a questão: demolição para quem?’’ (Barbosa, E. R., 2012) [11]
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‘’Mais do que a simples maquiagem funcionalista, tais práticas artísticas podem contribuir para a compreensão de alterações que ocorrem na cidade, assim como também rever seus próprios papéis diante de tais transformações’’ (Pallamin, V. M.) [12]
O segundo momento refere-se a um estudo de um processo de mudança, realizado como dissertação de mestrado. Parte do trabalho implica na percepção e ligação deste processo de mudança com o surgimento do próprio Elevado, valendo-se, para isso, do questionamento a diversos usuários sobre sua percepção do espaço, esperando que a conexão com a presença da via ocorre-se naturalmente. Nessa dissertação, de 150 questionários, apenas 1 fez referência à degradação da área ao Minhocão. A impressão registrada foi, portanto, o da naturalização de uma peça que fere e ofende os desavisados ou usuários esporádicos. Percebeu-se que aquilo que é cobertura e piso suspenso tornou-se tão participante na paisagem que acabou por perder sua visibilidade[8]. Por fim, um último elemento, determinante na definição da postura projetual, refere aos diversos tipos de apropriação humana a que o elevado tem sido palco. Desde cenário de curtas e longa metragens, a pista de corrida de São Silvestre e bloco de carnaval, o viaduto tornou-se personagem do imaginário urbano e referência no contexto paulistano.
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O Elevado está inserido na região central da cidade, em um dos mais importantes eixos de transposição da metrópole: o leste-oeste. Às suas margens encontram-se duas estações de metrô da linha vermelha que recebe uma média de 1200 passageiros por dia útil (Fonte: GOP/OPC/ CTE, 2012). O espaço da superfície apresenta-se, entretanto, como uma área de simples transbordo entre as estações e os pontos de ônibus abrigados na sombra do Elevado, demonstrando a grande ambiguidade da região que, por suas condições de insalubridade, aceleram o fluxo no sob, mas que, no andar sobre, revela uma percepção totalmente diferenciada da cidade, criando um ritmo de passagem que lhe é negado alguns metros abaixo. As leituras do lugar puderam, enfim, concluir que as principais causas da degradação do espaço não estão relacionadas à presença do viaduto em si - no próprio objeto - mas ao tipo de uso que a estrutura mantém, que origina os principais efeitos da falta de qualidade de vida: o ruído e a poluição. Baseando-se neste pressuposto, e sensível aos momentos de aproximação apresentados acima, estruturo minha postura projetual descartando a possibilidade de demolição do tabuleiro principal do viaduto, devido à participação no imaginário paulistano que a superestrutura possui; ao tipo de apropriação de que é sujeita; por representar a identidade de todo um grupo humano e por entender que a sólida estrutura, presente na paisagem por 40 anos, teria, num processo de retirada, uma ação tão impositiva quanto foi sua própria implantação.
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‘’‘’Mas a cidade abraça as boas e as más práticas. Ela perdoa propostas drásticas e abordagens autoritárias e arrogantes. A cidade se adapta a elas, lida com elas e eventualmente as aceita como ‘pedaço’ de si’’ (Barbosa, E. R., 2012) [11]
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[ intenções ]
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Sem dúvida, o aspecto de maior importância que o Elevado agrega é sua função de via expressa, que representa um percurso mais rápido no cruzamento leste-oeste da cidade. Interferir neste fluxo viário é bastante complexo, pois hoje a cidade não apresenta nenhuma via com capacidade suficiente para receber a demanda viária que cruza o Elevado todos os dias. Existem, entretanto, projetos que prevêm, a longo prazo, uma nova ligação leste-oeste passando pelo percurso hoje ocupado pela linha ferroviária, de modo a criar uma rede de avenidas que integre e concilie o tráfego deste sentido. Com a possibilidade de uma rota alternativa, viabiliza-se a intenção que é fundamental na proposta deste trabalho: transgredir o uso atual do viaduto, transfigurando-o em um espaço para as pessoas. A questão da mobilidade retorna neste ponto, pois a função essencial que a super-estrutura guarda - de rota de locomoção não apenas é preservada como se impera. Assim, a principal intenção é de, pela substituição do transporte individual pelo transporte coletivo, gerar um espaço que configure um respiro da lógica viária vigente, oferecendo um percurso livre nos dois planos de piso sobrepostos. 63
Em São Paulo a discussão do transporte público é frequente, entendendo-se que os maiores problemas da capital estão relacionados ao trânsito. Desta maneira, operações urbanas são constantemente elaboradas, propondo respostas urbanísticas que buscam solucionar os problemas que a cidade apresenta. Em 2010, o gestor Gilberto Kassab retomou um antigo plano de enterramento da linha férrea hoje utilizada pelos trens de superfície da CPTM. O projeto, entitulado Projeto de Operação Urbana Lapa-Brás, faz parte de um complexo de propostas para a orla ferroviária, e que propõe, no trecho urbano da região da Lapa ao Brás, a substituição da linha ferroviária por linhas subterrâneas, projetando-se na superfície liberada um sistema de avenidas integradas com parques e ciclovias. Esse sistema de avenidas receberia o fluxo leste-oeste de veículos, criando condições para a retirada do trânsito do Minhocão.
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É importante esclarecer que a apresentação deste plano de operação urbana não pressupõe a aceitação deste projeto em particular e suas implicações. Minha intenção ao referenciar a ele é de exemplificar uma proposta que tem por objetivo a transposição do fluxo viário leste - oeste, e não reflete minha opinião pessoal.
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Outras políticas de incentivo ao transporte público vem sendo pauta de discussões recentes na capital. Entre elas, a ampliação da rede de corredores de ônibus, os planos de ampliação do metrô, e a instalação de um novo tipo de transporte público: o monotrilho. A rede de mobilidade urbana instalada no novo Elevado tem por objetivo a complemetação desse sistema, oferecendo integração com os transportes já existentes, configurando uma rede de transporte coletivo coesa e acessível para toda a cidade.
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No plano de piso inferior, a intenção principal é de retomar o fluxo de pessoas, através de pequenas ações de incentivo ao percurso por essa área semi-enterrada. Para isso, insere-se elementos de circulação vertical que faz o acesso ao plano elevado pelas ilhas centrais das avenidas encobertas pelo viaduto. Com isso, cria-se um instrumento que chama o usuário a utilizar esse pedaço de calçada antes desprezado como forma de passagem. O corte na estrutura de concreto de um retângulo de aproximadamente 3 x 6 metros para a chegada dessa micro-porta de acesso permite ainda a entrada da luz nessas regiões centrais totalmente sombreadas, revitalizando o espaço e criando condições maiores de salubridade. As ilhas, hoje, possuem uma largura suficiente apenas para receber os pilares centrais da estrutura do viaduto, que possuem 3 metros de largura. A fim de criar um sistema de circulação permanente por esses espaços, expande-se o tamanho dessas ilhas, abrindo área suficiente para permitir a passagem pelas laterais dos pilares. Ao longo das ilhas, agora amplas e confortáveis, propõe-se atividades que dinamizem o fluxo, e chamem à circulação, como bicicletários e pequenos comércios, além dos usos já existentes, como os pontos de ônibus. Uma última intenção de projeto é de, a partir da segregação dos usos estabelecidos nas edificações do entorno imediato, criar condições tanto para que a via elevada, agora pedestrianizada, não incomode a privacidade dos moradores, quanto para otimizar a circulação no térreo, orientando para que os estabelecimentos comerciais e de serviços ocupem, por toda a extensão, os níveis do térreo e dos dois primeiros andares. E, do terceiro em diante, que seja reservado à habitação. 67
[ proposta ]
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A proposta de intervenção baseia-se essencialmente em três aspectos. O primeiro diz respeito à MOBILIDADE, questão fundamental que incitou o processo de investigação deste trabalho. Entendendo o percurso formalizado pelo Minhocão como rota de extrema relevância no trânsito bairro-centro, estrutura-se, em sua superfície suspensa, a articulação de modais de transporte, sendo um coletivo - o veículo leve sobre trilhos; um individual - a bicicleta; e o andar, também admitido como meio de transporte.
O segundo aspecto refere-se ao ENCONTRO. Busca-se, a partir da configuração do plano elevado em área pedestrializada, com a qualidade de parque urbano, gerar momentos de encontro entre os habitantes, e deles com a cidade. O percurso livre da interrupção viária, que o viaduto apresenta, permite uma nova apreensão do cenário urbano, conjuntamente com condição que o próprio Elevado revela: de se ver de cima. Estes espaços que estimulam o encontro surgem na via suspensa, e se desdobram ao térreo, criando situações particulares que estimulam a reapropriação dos espaços da cidade.
O último aspecto é exatamente o da
APROPRIAÇÃO. Da mesma maneira que as atividades que tomam o Elevado como
palco hoje, na situação de via expressa que ele se encontra, foram um ponto essencial na determinação da minha postura projetual, permanecem o sendo também na proposta de intervenção. Assim, tanto o esqueleto estrutural do viaduto quanto as empenas que encaram o parque urbano elevado são indicados como tela em branco, à espera de intervenções artísticas e culturais que são a identidade da região hoje. Surgem também praças secas e recortes, tanto no plano do parque, como dentro de edificações de apoio, sem um programa definido, para servir de substrato para algum evento espontâneo que precise de espaço para acontecer. Cinemas ao ar livre, oficinas teatrais, de dança de rua, entre outras atividades que costumam tomar lugar hoje na área encoberta pelo Minhocão, encontram espaço nestes pontos à espera. 71
MOBILIDADE A eleição pelo VLT - veículo leve sobre trilhos - como meio de transporte coletivo veio em função da forma como o trem convive na cidade em situações pedestrializadas. Como o trilho deste veículo é embutido no solo, não representa uma barreira física para o passante; pelo contrário, a área dos trilhos é tão pedonal quanto o restante da calçada. A velocidade média do trem em regiões que há o convívio com pedestres é de 20 km/h, tornando plausível a intenção que as pessoas apropriem-se do espaço dos trilhos, liberando-os quando percebida a chegada do trem. A opção pela versão que não possui catenária agregou qualidade ao projeto, e foi possibilitada pela extensão da linha proposta, de 7,5 km, que sai da estação Água Branca, segue na ilha central da Av. Francisco Matarazzo, sobe para a estrutura do Parque Urbano Elevado, segue em túnel por baixo da praça Roosevelt para alcançar, dali, a Radial Leste, chegando em seu ponto final, o Parque Dom Pedro.
A ciclovia proposta ao longo do parque urbano é colocada com a intenção de expansão para a cidade, tanto na forma de ciclo-faixa, como também com o intuito de, futuramente, formar-se uma rede real e integrada de ciclovias por toda a cidade. 72
Os mapas apresentados a seguir revelam leituras das estruturas de transporte urbano coletivo que existem na cidade de São Paulo, identificando seus pontos de influência da área de intervenção. A partir destas leituras, propõe-se o trajeto realizado pela linha proposta de VLT, e suas possíveis integrações com os demais modais de transporte urbano. 73
Plano geral Permite contextualizar a área de intervenção em relação ao seu entorno urbano. 84
Aqui, além da relação com os pontos de transporte urbano presentes no entorno, é realizada uma leitura das áreas livres, o que revelou a forma esporádica em que aparece, e a carência de espaços livres na área de recorte. O viário marcado como principal foi de grande importância no desenvolvimento do processo, pois articula-se a eles os pontos principais selecionados para realizar o acesso do plano térreo com o plano elevado. Estes também são os pontos em que ocorre uma abertura, um intervalo, na solidez das altas fachadas que ladeiam o Elevado. Nestes pontos de respiro a paisagem urbana surge, compreendendo uma apreensão diferenciada da cidade. 86
Nestes pontos de maior interesse surgem os principais acessos ao projeto - as portas - sendo que algumas compreendem edifícios de apoio, enquanto outras fazem a conexão com as estações de metrô. 88
Uma vez que a laje suspensa do Elevado conforma, a partir desta proposta, um plano de piso a ser utilizado pelas pessoas, faz-se desnecessária a presença das alças que anteriormente realizavam o acesso dos veículos. Assim, apresenta-se aqui uma planta de demolição, que revela a retirada das alças; da parte inicial do Elevado, à altura do Largo Péricles e do trecho central da bifurcação que ocorre ao chegar na Rua da Consolação. A descida do VLT quando se dá o término da estrutura em concreto armado, próximo à Estação de VLT Pacaembu, passa a acontecer em uma estrutura anexa metálica, que atravessa elevada o cruzamento com a Rua Francisco Estácio Fortes, e inclina-se em descida até alcançar a Avenida Francisco Matarazzo.
IMPLANTAÇÃO 90
CORTE LONGITUDINAL
CORTE TRANSVERSAL GERAL DA PROPOSTA 94
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CORTE TRANSVERSAL GERAL DA PROPOSTA - pontos de evento 96
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CORTE TRANSVERSAL E LONGITUDINAL - ponto de micro-porta de acesso 98
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A requalificação da região sombreada pelo Elevado compreende a ampliação das ilhas centrais, colocadas agora com uma largura que varia de 5 a 9 metros, dependendo do trecho que se encontra. As avenidas General Olímpio da Silveira, São João e Amaral Gurgel, que correm sob o viaduto, são mantidas com uma largura uniforme de 9 metros, para comportar 3 leitos carroçados. A proposta de diferentes usos nas ilhas chama à circulação de pessoas, que passam a encontrar ali bicicletários, pontos de aluguel de bicicletas, mobiliários, pontos de ônibus, as micro-portas de acesso que realizam o percurso mais rápido para os usuários do VLT - e, eventualmente, algum tipo de comércio ou de outro serviço abrigado em um módulo multifuncional.
PLANTA DE USOS - ILHAS CENTRAIS
A proposta para os módulos multifuncionais é que sejam estruturas pré-fabricadas de fácil locomoção, e que possam abrigar, de forma bastante diversa, programas que auxiliem o comércio local e as atividades ocorridas no entorno. Desse modo, bancas de revistas, de flores ou verduras podem ocupar um desses módulos, e enviálos ao ponto que melhor lhe convier. Outras propostas, como de uma pequena lanchonete, ou de um banheiro público, são bastante úteis, principalmente considerando o fluxo de pessoas que a intervençào pretende criar, nos pontos de transbordo do VLT para o corredor de ônibus, por exemplo. Um terceiro layout proposto para o módulo é de estação de guarda-volumes, pensando no uso cotidiano de pessoas que utilizem a ciclovia, e querem evitar carregar peso, ou também para uso dos artistas de arte urbana, para armazenagem de seus materiais. O módulo foi pensado para ter a mesma largura que o pilar do viaduto apresenta, devendo ser implantado, portanto, sempre junto a ele, evitando a obstrução da circulação.
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Aparência do aço na pintura de toda a estrutura
Chapa de aço microperfurada
Piso gradil de aço
Os pontos de acesso principais apresentam rampas ou passarelas na configuração detalhada acima. A materialidade escolhida é reproduzida em todos os pontos de intervenção, desde as micro-portas, aos pontos de acesso e ao módulo multifuncional. A idéia é de criar-se uma linguagem capaz de associar os elementos que surgem ao longo da extensa área, como partes de uma mesma intervenção. O piso translúcido é essencial como proposta de projeto, por representar um respiro à tão atuante sombra que impera toda a região. As chapas de aço são micro-perfuradas para não configurar-se como barreira, possibilitando sempre a passagem da luz. Este mesmo tipo de guarda-corpo aparece nos edifícios e rampas de acesso, e seguem percorrendo a margem do Elevado por alguns metros, identificando assim os momentos em que as portas aparecem. O restante do parque possui um guarda corpo formado apenas por duas barras roliças.
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IMAGEM SÍNTESE - Micro-porta de acesso, módulo multifuncional e usos na região sob o Minhocão
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RECORTE 1 - PORTA DE ACESSO PACAEMBU
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O acesso encontra-se às margens da Avenida Pacaembu, no ponto em que ela passa, em túnel, sob a Avenida General Olímpio da Sivleira. Este é um ponto particular na extensão do projeto, pois articula 3 camadas de cidade no ponto de cruzamento: a Pacaembu que passa enterrada, a Gal. Olímpio da Silveira, e o próprio Parque Elevado. Por esse motivo, na projeção da avenida que cruza em túnel, surge no plano do parque o recorte de uma arquibancada, que está na cota da ossatura do viaduto, e compreende um espaço de mirante para a paisagem que se revela. Na extensão da quadra onde antes existiam barracos de garagem abandonados, o terreno é apropriado, juntamente com o esqueleto de uma edificação que ali estava, e desta apropriação surge, no edifício, um ponto de apoio ao parque, com cafeteria, banheiros, e um espaço livre para apropriação. Na praça seca que se extende fora, um banco de concreto e o desenho do platô formam um espaço de palco, e da própria rampa que realiza o acesso ao parque pode-se ter a visualidade de uma platéia.
No plano elevado aparece a primeira estação de VLT.
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PLANTA - plano tĂŠrreo / cota 750.00 m
PLANTA - plano elevado / cota 757.00 m
RECORTE 2 - PORTA DE ACESSO MARECHAL DEODORO
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No ponto Marechal Deodoro ocorre a integraçào com a estação de metrô, da linha vermelha. A estação tem uma de suas saídas pelo andar térreo de um alto edifício residencial localizado em frente ao prédio principal da estação. A área do térreo reservada à saída da estação possui um pé direito de 5 metros, aparentemente vazio, considerando que as escadas de acesso que iniciam-se logo na calçada, afundam diretamente em direção ao subsolo. Sendo assim, neste ponto a proposta é que se desaproprie o primeiro pavimento habitacional do edifício, permitindo, pela abertura da fachada, a criação de uma passarela que conecte-se diretamente ao parque. A ação projetual surge criando um desenho que relaciona as camadas urbanas e integra as redes de transporte quase que diretamente. Um jogo de escadas e um elevador levam o usuário do parque ao nível do térreo, onde pode fazer o transbordo a um corredor de ônibus, ou seguir seu caminho a pé; ou seguir adentrando a terra, saindo dentro da estação do metrô.
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PLANTA - plano tĂŠrreo / cota 744.50 m
PLANTA - plano do patamar intermediรกrio / cota 749.16 m
PLANTA - plano elevado / cota 751.50 m
RECORTE 3 - PORTA DE ACESSO Sテグ JOテグ
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Nesta porta, apesar de não se localizar junto a uma das estações de VLT, configura-se o principal momento de encontro da proposta. O espaço em que se localiza era ocupado por um dos vários estacionamentos que é possível se encontrar ao redor do Elevado. Desapropriado o estabelecimento, a implantação da proposta surge definindo o contorno do lote e abrindo-se para uma ampla esquina, que recebeu a qualificação de uma praça seca. Conforme o conjunto de rampas se eleva, a edificação de apoio surge em sua projeção, e em um dos amplos patamares da rampa ocorre um rasgo, no qual um dos braços adentra o edifício, margeando as esquadrias de vidro que fazem o fechamento sob o braço que continuou sua subida até o Parque Elevado. Do vidro têm-se a apreensão do espaço interior do edifício antes mesmo de chegar ao mezanino. Deste mezanino pode-se visualisar a região do entorno e a praça, e abaixo dele desenvolve-se a cafeteria, os sanitários e um espaço livre. No plano suspenso, um dos recortes para eventos acontece: uma área de piso de madeira, contrastando com o piso do restante do parque, marca uma área onde pode-se acontecer eventos. No ponto em que o viaduto se curva, e sai de sobre a Avenida São João, a linha de VLT se afunila em uma só, aumentando o espaço de apropriação. Das tangentes imaginárias que saem do ponto em que ocorre a curva, um mirante materializa-se, ampliando o trecho de parque, voltando-se de frente para a perspectiva da Avenida São João, de onde, ao fundo, avista-se o centro da cidade de São Paulo, afunilando, finalmente, no edifício Altino Arantes. No lado oposto da rua, é proposta áreas de praça no espaço antes ocupado pelo alça de acesso dos veículos à anterior via elevada. Junto a essa praça coloca-se um ponto de aluguel de bicicletas. 123
PLANTA - plano mezanino / cota 755.20 m
PLANTA - plano tĂŠrreo / cota 752.00 m
PLANTA - plano elevado/ cota 759.00 m
IMAGEM SÍNTESE - Espaço de eventos, mirante, e vista para o centro da cidade pela Avenida São João
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IMAGEM SÍNTESE - Edifício de apoio e praça seca: espaço para apropriação
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RECORTE 4 - PORTA DE ACESSO SANTA CECÍLIA
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A porta de Santa Cecília compreende o Terminal Rodoviário Amaral Gurgel, ocasionando, portanto, em um relevante nó de modais de transportes, onde é possível a integração do VLT com a estação do metrô, e ainda com o terminal rodoviário. A rampa que faz o acesso do térreo ao parque desdobra-se sobre a praça de Santa Cecília, propondo-se a retirada dos gradis que isolam o local do convívio com os moradores, e a reintegração do espaço verde à cidade. No ponto em que a rampa chega, abre-se uma clareira, onde, assim como no ponto da Pacaembu, sugere-se o uso para eventos, como uma espécie de palco. Os bancos que delimitam esse espaço geram um ambiente de platéia, e a própria rampa, por desdobrar-se com toda sua lateral para esta clareira, também configura um lugar que pode ser ocupado no intuito de se assistir o que se passa abaixo. Os patamares generosos indicam espaços de convívio, e apresentam mobiliários para que se desfrute de uma situação em que se vê a cidade de um outro ponto de vista.
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PLANTA - plano tĂŠrreo / cota 741.00 m
PLANTA - plano elevado / cota 748.00 m
IMAGEM SÍNTESE - Micro-porta de acesso ao térreo e estação de VLT
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IMAGEM SÍNTESE - Rampa de acesso ao Parque, praça seca e estação de metrô Santa Cecília
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RECORTE 5 - PORTA DE ACESSO CONSOLAÇÃO
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Neste último ponto de acesso, que compreende o término do parque, está a última estação de VLT sobre o plano elevado. Deste ponto estrutura-se uma ampliação da área do parque, abrindo um espaço de evento. Dali ocorre uma bifurcação na via, que cria um braço que faz a descida à Avenida Amaral Gurgel, trecho por onde o trem percorre, afundando-se sob a Praça Roosevelt, e surgindo do outro lado, dando sequência ao seu trajeto até o Parque Dom Pedro, seu ponto final. O outro braço da bifurcação ampara a ciclovia e a calçada, e segue em nível até alcançar a Rua da Consolação. Este braço, antes bastante angulado, pois representava o acesso dos veículos para entrar na rua da Consolação, sofre algumas alterações para chegar quase ortogonalmente à via, e facilitar o percurso em direção à Praça Roosevelt. Da calçada que cobre a entrada do túnel que leva à Radial Leste, cria-se uma extensão, no mesmo perfil das rampas de acesso, que representa uma marca identitária do parque. A extensão dobra a área de calçada, e configura-se ali como mirante para o parque que surge mais adiante.
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PLANTA - plano tĂŠrreo / cota 773.00 m
PLANTA - plano elevado / cota 780.00 m
Existe uma infinidade de percepções que o Elevado Costa e Silva encerra, e as múltiplas camadas de interpretações sobre seu espaço foi a condição que tornou possível o desenvolvimento de minha interpretação particular. A intenção geral é a de absorver os fluxos e as apropriações que o espaço já apresenta, qualificando-os e devolvendo o lugar à uma população que nele pertence. Retornar, enfim, à própria cidade um pedaço que lhe foi arrancado.
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'' (...) o lugar de trocas, vai aonde vai a vida, segue os itinerários das pessoas, associa-se aos novos percursos dos transportes, se concentra nos lugares onde se canalizam os fluxos. É justamente aí que ocorrem as misturas, que se elabora a cultura comum, e aí, portanto, que se constrói a urbanidade'' (Bellanger, citado em Menerault, 2003)
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referĂŞncias iconogrĂĄficas
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[Imagem 1] / p. 18 autoria Joel Silva/Folhapress - imagem retirada do endereço elerônico < http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ greve-paralisa-parte-dos-trens-em-sao-paulo> [Imagem 2] / p. 24 autoria grupo FRENTES Arquitetura - imagem divulgada pelo escritório na apresentação do 2° Prêmio Prestes Maia de Urbanismo. [Imagem 3] / p. 43 imagem apresentada em divulgação da X Bienal de Arquitetura de São Paulo, que possui um dos seus pontos de exposição em um apartamento às margens do Minhocão. Endereço eletrônico < https://www.facebook.com/xbienaldearquitetura/ photos_stream> [Imagem 4] / p. 46 autoria Fernando Stankuns. [Imagem 5] / p. 47 autoria Raquel Brust. Imagem do projeto 'Giganto'. Endereço eletrônico < http://projetogiganto.com/page/7/> [Imagem 6] / p. 57 cena retirada do filme-documentário Elevado 3.5. [Imagem 7/8] / p. 59 imagens divulgadas pelo Festival Baixo Centro dos locais de intervenção em 2012. [Imagem 9/10] / p. 59 frames retirados do curta-metragem Jardim Suspenso da Babilônia, de autoria de Felipe Morozini. [Imagem 11/12] / p. 59 imagens tiradas durante a Corrida de São Silvestre. [Imagem 13] / p. 59 imagens da Festa Junina no Minhocão. [Imagem 14] / p. 59 imagens divulgadas pelo Festival Baixo Centro dos locais de intervenção em 2012. [ demais imagens de própria autoria ]
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referĂŞncias bibliogrĂĄficas
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO São Carlos
novembro 2013